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198 BLC – Boletim de Licitações e Contratos – Março/2012

A REVISÃO DE SANÇÕES IMPOSTAS A PARTICULARES NO


ÂMBITO DAS LICITAÇÕES PÚBLICAS E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS

Aniello dos Reis Parziale


Advogado e Membro do Corpo Jurídico da NDJ

1. INTRODUÇÃO âmbito das licitações públicas e contratos admi-


nistrativos, advém, além do seu desconhecimento
A revisão do processo sancionatório, objeti-
(já que demanda a análise da principiologia e da
vando a redução ou o afastamento de uma pena-
legislação de processo administrativo), do fato
lidade administrativa aplicada no âmbito das licita-
de a Lei federal nº 8.666/93 não carregar em seu
ções públicas e contratos administrativos, é uma
bojo dispositivo que ampare a pretensão do par-
garantia ao particular apenado de que a sanção
ticular em requerer da Administração sanciona-
recebida possa ser revista no futuro, caso sejam
dora a rediscussão da sanção aplicada, como já
apresentados novos fatos ou circunstâncias rele-
ocorre na seara disciplinar, conforme estabelece
vantes à Administração sancionadora, suficientes
o art. 174 da Lei federal nº 8.112/90, o qual dis-
a justificar a inadequação da pena anteriormente
põe sobre o regime jurídico dos servidores públi-
aplicada.
cos civis da União.
No procedimento em apreço, deflagra-se um
Assim, por meio desse novo pronunciamen-
novo processo administrativo, denominado revi-
to, expurgam-se da seara jurídica decisões des-
sivo, que poderá ocorrer de ofício, ou seja, pela
proporcionais, que passam a ser ilegítimas e ar-
própria Administração sancionadora, ou a pedido
bitrárias, incompatíveis com a nova ordem jurídi-
do particular apenado. Objetiva-se, ao final des-
ca, o que é necessário em um Estado Democrá-
se expediente, um novo pronunciamento, o qual
tico de Direito, já que se tem “A Administração
reverá uma sanção administrativa, que, no âmbi- Pública, como instituição destinada a realizar o
to das licitações públicas e contratos administra- Direito e a propiciar o bem comum, e não agir
tivos, são aquelas arroladas nos arts. 86 e 87 da fora das normas jurídicas e da moral administra-
Lei federal nº 8.666/93 e art. 7º da Lei federal nº tiva, nem relegar os fins sociais a que sua ação
10.520/02. se dirige” (Meirelles, 2007, p. 200).
Em lição precisa, leciona José dos Santos
Carvalho Filho que o processo administrativo que 2. DOS FUNDAMENTOS JURÍDICOS DA
abaixo será estudado objetiva “(...) corrigir erro REVISÃO DO PROCESSO SANCIONATÓRIO
de julgamento, evitando que o interessado seja A revisão do processo administrativo sancio-
vítima de sanção onde esta não deveria ter sido natório, como ensina José dos Santos Carvalho
aplicada ou de sanção mais grave do que aquela Filho, é uma espécie de recurso, que deve ser
que merecia. Para que haja revisão, entretanto, processado, repise-se, por meio de um novo pro-
cabe a cabal demonstração de existência de fa- cesso administrativo.
tos novos ou de circunstâncias relevantes com-
Estribado no princípio da revisibilidade das
probatórios da inadequação sancionatória” (2007,
decisões administrativas, a instauração de um
p. 337).
processo revisivo poderá ser deflagrada por meio
A pouca utilização da revisão – que, aliás, é de um requerimento calcado no direito de peti-
um instituto novo no Direito Administrativo1 –, no ção, o qual é garantido constitucionalmente pelo

1. Cretella Júnior, 2003, p. 471.


TEORIA E PRÁTICA DAS LICITAÇÕES E CONTRATOS 199

art. 5º, inc. XXXIV, a, da Constituição Federal de mas de caráter específico (Lei federal nº 8.666/
1988. 93, por exemplo), naquilo que não contrariar re-
gra específica.
Além da provocação do interessado, permi-
te-se que a Administração sancionadora de ofí- Por conseguinte, como a Lei federal nº 8.666/
cio instaure competente processo administrativo 93 é silente sobre o tema, não estabelecendo
objetivando a revisão da penalidade aplicada, nenhum procedimento destinado a rever uma pe-
expediente que denota obediência ao princípio nalidade aplicada no âmbito das licitações e con-
da autotutela administrativa, consubstanciado na tratos administrativos, está autorizado utilização
Súmula nº 473 do Supremo Tribunal Federal. da revisão constante do art. 65 da Lei nº 9.784/
99 a fim de garantir a deflagração do competen-
A possibilidade da revisão do processo san-
te processo, já que os contornos legais, que abai-
cionatório é garantida legalmente no âmbito fe-
xo se verificará, não conflitam com nenhum dis-
deral por meio do disposto no art. 65 da Lei nº
positivo constante do Estatuto federal Licitatório.
9.784/99, denominada de Lei Federal de Proces-
so Administrativo, cujo teor se reproduz: Sobre a aplicação subsidiária das leis de pro-
cedimento administrativo leciona Egon Bockmann
Art. 65. Os processos administrativos de
Moreira, verbis:
que resultem sanções poderão ser revistos,
a qualquer tempo, a pedido ou de ofício, A aplicação subsidiária significa um âm-
quando surgirem fatos novos ou circunstân- bito de incidência limitado aos planos norma-
cias relevantes suscetíveis de justificar a tivos não regulados pelas leis relativas a “pro-
inadequação da sanção aplicada. cessos administrativos específicos”. Estes
continuam a reger-se por suas próprias nor-
Parágrafo único. Da revisão do processo
mas. Caso a Lei 9.784/1999 traga alguma
não poderá resultar agravamento da sanção
previsão que não conflite com os processos
(Brasil, 1999).
específicos, o dispositivo é de aplicação co-
A positivação deste expediente no bojo da gente (2007, p. 292).
Lei nº 9.784/99, a qual teve como inspiração a
Nessa toada, não é outro o entendimento do
garantia de revisão de sanções imposta no âmbi-
eg. Tribunal de Contas da União, conforme cons-
to disciplinar,2 detendo, ainda, similitude com a
ta do seu Manual de Licitações, onde expressa-
revisão criminal3 e a ação rescisória,4 possibilitou
mente reconheceu a possibilidade da revisão do
a utilização da revisão de pena aplicada em ou-
processo sancionatório no âmbito das licitações
tros processos punitivos, a exemplo dos ocorri-
públicas e contratos administrativos, asseveran-
dos na seara tributária, concorrencial e eleitoral.
do que:
Da mesma forma, garantiu-se a sua utiliza-
Processos administrativos de que resul-
ção no âmbito das licitações públicas e contratos
tem sanções poderão ser revistos, a qual-
administrativos. Com efeito, saliente-se que é ple-
quer tempo, a pedido ou de ofício, quando
namente possível deflagrar o processo revisivo
surgirem fatos novos ou circunstâncias rele-
de uma sanção devidamente imposta no âmbito
vantes suscetíveis de justificar a inadequação
das contratações governamentais, com fulcro no
da sanção aplicada.
dispositivo legal supramencionado.
Da revisão do processo não poderá re-
Dessa forma ocorre porque a utilização dos
sultar agravamento da sanção (2010, p. 754).
preceitos fixados na Lei nº 9.784/99, por força do
que estabelece o art. 69, somente é aplicada de Saliente-se que, recentemente, o Superior
forma subsidiária ou suplementar sobre as nor- Tribunal de Justiça garantiu a aplicação deste

2. Art. 174 da Lei federal nº 8.112/90.


3. Cretella Júnior, 2003, p. 471.
4. Barros, 2005, p. 169.
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expediente no âmbito das contratações gover- Como visto, o direito de petição também
namentais, determinando ao Ministério dos Es- é outra maneira de deflagrar procedimentos
portes que apreciasse um pedido de revisão de revisivos (1994, p. 87). (grifo nosso).
uma sanção a qual foi aplicada no âmbito de um Por ser oportuno, também salienta o mestre
pregão. Observe-se: Celso Antônio Bandeira de Mello sobre o tema,
Mandado de segurança. Processo admi- verbis:
nistrativo. Pedido de revisão. Adequação da O princípio da revisibilidade, além de
sanção. Circunstância relevante. Cabimento. dever ser considerado como um princípio
1. “Os processos administrativos de que geral do Direito, embasa-se no direito de pe-
resultem sanções poderão ser revistos, a tição, previsto no art. 5º, XXXIV, “a”, a teor do
qualquer tempo, a pedido ou de ofício, quan- qual todos têm assegurado “o direito de peti-
do surgirem fatos novos ou circunstâncias ção dos Poderes Públicos, em defesa de di-
relevantes suscetíveis de justificar a inade- reitos ou contra a ilegalidade ou abuso de
quação da sanção aplicada.” (art. 65 da Lei poder”.
nº 9.784/99). Ora, tal direito presume uma atuação ad-
2. Cabível o pedido de revisão, não há ministrativa que o cidadão repute desconfor-
falar em impossibilidade jurídica do pedido, me com a ordem jurídica. Assim, peticionará
a revisão dela, tanto mais porque a Adminis-
tampouco em intempestividade, exsurgindo
tração se estrutura hierarquicamente, no que
o direito líquido e certo do impetrante de ver
vai implícito de revisibilidade (2008, p. 498)
apreciado seu requerimento como apresen-
(grifo do autor).
tado – pedido de revisão – e integralmente.
Acerca do princípio da revisibilidade também
3. Ordem concedida (Brasil, 2010a).
ensina Rafael Munhoz de Mello, verbis:
Como acima já se asseverou, mesmo inexis-
Além disso, a Constituição Federal ga-
tindo um dispositivo expresso na legislação que
rante aos particulares o direito de petição
regula o processo administrativo dos demais en- (art. 5º, XXXIX, “a”), que deve desencadear
tes federativos que permita a revisão de uma a instauração de um processo administrativo
sanção, é obrigação da Administração sanciona- e a prolação de uma decisão.
dora apreciar eventual requerimento apresen-
tado por licitante ou contratado apenado, a qual- A parte que se sentir lesada por ato pra-
quer tempo, devendo referido expediente ser pro- ticado em processo administrativo tem o di-
cessado como um direito de petição, circunstân- reito de encaminhar petição ao órgão supe-
cia que prestigia o princípio da revisibilidade das rior, que terá o dever de invalidar se estiver
decisões administrativas. configurada ilegalidade, não sendo possível
a convalidação (2007, p. 239).
Nesse sentido preleciona a jurista Lúcia Valle
Saliente-se, por fim, que o instituto em estu-
Figueiredo, verbis:
do em nada se confunde com a reabilitação, pre-
Quando utilizável o direito de petição, vista no inc. IV do art. 87 da Lei federal nº 8.666/
pode haver exercício de direito individual, e, 93,5 expediente esse realizado pela própria Admi-
também, de direito coletivo, da cidadania. nistração sancionadora, que será concedida sem-
Qualquer um pode – e deve – peticionar ao pre que o contratado ressarcir a Administração
Poder Público para pleitear a correção de pelos prejuízos resultantes da sua conduta de-
condutas administrativas que se manifestem sabonadora, após decorridos dois anos da san-
erradas ou ilegais. ção imposta, sendo distinto também de um pedi-

5. “Art. 87. [...] inc. IV – declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto
perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autorida-
de que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos
resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior” (destaques nossos).
TEORIA E PRÁTICA DAS LICITAÇÕES E CONTRATOS 201

do de reconsideração ,6 que, como ensina Hely de a sanção aplicada poder ser revista em sede
Lopes Meirelles, “é a solicitação da parte dirigida recursal. Assim, evita-se a movimentação da
à mesma autoridade que expediu o ato, para que máquina administrativa.
o invalide ou modifique nos termos da pretensão
Nesse sentido, ensina C. J. Assis Ribeiro que
do requerente” (2007, p. 678).
não caberá revisão do processo sancionatório:
3. PRESSUPOSTOS “Quando a decisão comportar pedido de recon-
sideração e recurso hierárquico” (1959, p. 108).
Utilizar-se-ão como base para o desenvolvi-
mento do presente estudo os requisitos legais 3.2. Inexistência de prazo para instauração
impostos pela disciplina constante do art. 65 da do processo administrativo revisivo
Lei federal nº 9.784/99, inspirados na revisão de A garantia da possibilidade de deflagração
sanção já consagrada na seara administrativa de um processo administrativo revisivo, a qual-
disciplinar, como já se salientou, já que estes quer tempo, permite a aplicação concreta do prin-
são reproduzidos em diversas normas estaduais cípio da verdade material, a qual impõe à Admi-
e municipais que regulam o processo administra- nistração sancionadora a necessidade perma-
tivo, a exemplo da Lei nº 12.209/11, do Estado nente da busca da demonstração da verdade
da Bahia; Lei nº 11.781/00, do Estado de Per- fática.
nambuco; e da Lei nº 8. 814/04, do Município de
Uberlândia. Essa segurança é fundamental para o exer-
cício do direito de revisão da punição imposta no
Ademais, ante a ausência de ensinamentos âmbito das licitações públicas e contratos admi-
doutrinários acerca da revisão das penas aplica-
nistrativos. Isso porque, como o período de cum-
das no âmbito das licitações públicas e contratos
primento das penalidades é extenso – até cinco
administrativos, utilizar-se-ão, além do magistério
anos, conforme estabelece o art. 7º da Lei fede-
existente e ensinado no âmbito da Lei federal de
ral nº 10.520/02, quando não permanentes, ou
Processo Administrativo, as lições prelecionadas
seja, enquanto perdurarem os efeitos enseja-
na seara disciplinar, as quais poderão ser utiliza-
dores da sanção, quando da declaração de
das, mutatis mutandis, no campo licitatório e
contratual administrativo. inidoneidade, conforme estabelece o art. 87, inc.
IV, da Lei nº 8.666/93 –, a possibilidade do exer-
3.1. Existência de processo sancionatório cício a qualquer tempo garante que a pena pos-
encerrado sa ser revista quando do surgimento de fato novo
Para que uma sanção imposta no âmbito de ou circunstância relevante, que poderá ocorrer
uma licitação ou durante a execução de um con- também a qualquer momento.
trato administrativo possa ser revista, deverá exis- Por conseguinte, a fixação de um prazo para
tir um processo sancionatório devidamente con- a instauração de um processo revisivo obstaria o
cluído, em que se tenha, ainda, transcorrida a exercício desse direito, o que mitigaria os efeitos
competente fase recursal. do supramencionado princípio. Nesse sentido, já
Com efeito, somente após a conclusão des- ensinou, de longa data, C. J. de Assis Ribeiro, o
se processo administrativo é que existirá uma direito do exercício da revisão é imprescritível
sanção efetivamente aplicada – em garantia ao (1959, p. 109).
princípio da presunção da inocência –, e que Com efeito, a possibilidade de deflagração
poderá, a partir desse momento, ser objeto de do processo revisivo a qualquer momento fran-
competente revisão. queia ao particular apenado o direito de apresen-
Saliente-se que a necessidade do aguardo tar seu requerimento em ato contínuo à mani-
da conclusão do processo punitivo advém do fato festação da autoridade sancionadora, em que não

6. Não há omissão na decisão que, de modo claro e suficientemente fundamentado, concede a ordem no mandado de
segurança para determinar à autoridade coatora que aprecie o requerimento administrativo integralmente e tal como
apresentado, como pedido de revisão e, não, como reconsideração ou recurso, quanto à adequação da sanção aplicada
em decorrência de circunstância alegadamente relevante, nos termos do art. 65 da Lei nº 9.784/99 (Brasil, 2010b)
(destaques nossos).
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mais comporte recurso, ou após decorrer alguns Como anteriormente já se asseverou, o de-
anos, já que esses fatos novos ou circunstâncias sencadeamento do processo revisivo de ofício
relevantes podem surgir a qualquer tempo. também decorre da observância do princípio da
verdade material, o qual, nas palavras do jurista
Acerca dessa garantia ensina José dos San-
Celso Antônio Bandeira de Mello:
tos Carvalho Filho, verbis:
“Consiste em que a Administração, ao
Essa possibilidade retrata, indiscutivel-
invés de ficar restrita ao que as partes de-
mente, uma garantia para todos os adminis-
monstraram no procedimento, deve buscar
trados que sofreram punição injusta, ou seja,
aquilo que é realmente a verdade, com
a punição que não seria imposta se fossem
prescindência do que os interessados hajam
conhecidos os novos fatos ou verificadas as
alegado e provado” (2008, p. 494).
circunstâncias relevantes indicativas da ina-
dequação punitiva. Para tanto, o ato de instauração do processo
revisivo deverá apontar os novos fatos ou cir-
Ao fixar a referida garantia, a lei, por via
cunstâncias relevantes, como abaixo se verifica-
de consequência, está afirmando ser impres-
rá, a fim de impulsionar o seu desenvolvimento
critível a pretensão administrativa de revisão
no âmbito administrativo.
do ato punitivo, não podendo a Administra-
ção eximir-se de apreciar esse tipo de pedi- Sobre a deflagração de um processo revisivo
do sob alegação de decurso de prazo. É até de ofício pela Administração sancionadora ensi-
mesmo admissível que o pedido de revisão na Lúcia Valle Figueiredo, verbis:
seja julgado improcedente; o que é vedado, Os processos revisivos podem iniciar-se
porém, é que os órgãos administrativos dei- – como já afirmado – de ofício, pelo direito
xem de conhecer do pedido em razão de ter de petição (art. 5º, XXXIV, alínea “a” da Cons-
sucedido a prescrição. tituição Federal) ou pelo direito à revisibili-
Assim, sendo, não é o fator tempo ele- dade (“duplo grau”).
mento subjetivo impeditivo à satisfação do Será procedida a revisão de ofício na
interesse revisional (2007, p. 333) (destaque hipótese de a Administração, ela própria en-
do autor). tender de exercer sua competência controla-
3.3. Instauração e condução do processo dora. Ou, então, na fase de integração (2006,
revisivo p. 456) (grifo nosso).

A deflagração de um processo administrativo Já em relação à instauração de um processo


revisivo poderá ocorrer de ofício, ou seja, será revisivo a pedido do particular apenado, tem-se
iniciada pela própria Administração sancionadora, que o licitante ou contratado deverá peticionar à
sem prejuízo da interferência do particular ape- Administração sancionadora, dirigindo seu reque-
nado.7 rimento à autoridade competente, apontando o
fato novo ou a circunstância relevante verificados.
Com efeito, a possibilidade de a Administra-
ção sancionadora dar início ao referido processo Ao final desse procedimento, deverá ser pro-
administrativo é consubstanciação do princípio latada uma nova decisão, a qual deverá ser devi-
da autotutela administrativa, expressamente pre- damente motivada, a fim de tornar sem efeito ou
visto na Súmula nº 473 do STF, já que a Adminis- mitigar a sanção inicialmente aplicada.
tração Pública é obrigada a rever seus atos que O processo revisivo se desenvolverá apensa-
se apresentam como inconvenientes e inoportu- do ao sancionatório originário, que, ao seu cabo,
nos, a exemplo da imposição de uma sanção deliberou pela aplicação de sanção agora comba-
que se apresente, após a efetiva aplicação, des- tida, permitindo, desta feita, o confronto e garan-
proporcional ou ilegítima. tindo uma visão ampla de ambos os expedientes.

7. Art. 2º, parágrafo único, inc. XII, da Lei federal nº 9.784/99.


TEORIA E PRÁTICA DAS LICITAÇÕES E CONTRATOS 203

Grife-se que o presente estudo não adentrará letra “a”, da Constituição Federal), provocar
na principiologia do processo administrativo, ca- a Administração para que exerça seu dever.
racterísticas e fases do seu desenvolvimento, li- Quid juris se a Administração ignorar?
mitando-se apenas a ressaltar as características
Caberá, sem dúvida, responsabilidade e,
do processo revisivo, bem como de expedientes
dependendo do caso, aplicar-se-á o disposi-
que protejam o exercício do direito do particular
tivo constitucional próprio, art. 37, § 6º, da
de garantir uma manifestação adequada da Ad-
Constituição Federal da República (respon-
ministração.
sabilidade do Estado), ou, se for o caso, art.
Nesse sentido, na medida em que a Adminis- 5º, inc. LXIX, também do texto constitucional
tração sancionadora está sendo instada a se ma- (o mandado de segurança) (2006, p. 361).
nifestar sobre um assunto já apreciado, não po-
Ademais, a condução do processo revisivo
derá o órgão ou entidade processar o pedido do
deverá prestar homenagem ao princípio da im-
particular com descaso ou deixá-lo em segundo
parcialidade, que “significa certeza prévia da não-
plano, devendo a atuação pautar-se seguindo os
vinculação da atividade instrutória e decisória em
padrões éticos de probidade e boa-fé, princípios,
favor de qualquer uma das partes envolvidas no
aliás, expressamente previstos na Lei federal de
processo administrativo (particulares ou Admi-
Processo Administrativo, em seu art. 2º, parágrafo
nistração)” (Moreira, 2007, p. 120).
único, inc. III, já que por meio deste expediente
se pretende proteger direitos e o patrimônio do 3.4. Surgimento de um fato novo
licitante ou contratado sancionado. Conforme se verifica, a possibilidade de a
Ademais, deverá o processo revisivo ter du- penalidade imposta ao licitante ou contratado ser
ração moderada, ante a necessidade de obser- revista exige a apresentação de um fato novo à
vância do direito fundamental à razoável dura- Administração sancionadora, cujo teor seja sufi-
ção do processo, constitucionalmente garantido ciente para que a competente autoridade enten-
pelo inc. LXXVIII do art. 5º da Constituição Fede- da que aquela sanção, inicialmente aplicada, é
ral de 1988.8 imprópria, revendo-a, portanto.
Saliente-se, por ser oportuno, que a não ins- O jurista José dos Santos Carvalho Filho
tauração do referido processo administrativo, ou entende como fato novo somente aquele tido
a sua condução demorada, pode gerar prejuízo como inexistente na ocasião da tramitação do
ao particular apenado, manifestamente compro- processo sancionatório inicial. Aquele que de fato
vado, e tendo em vista o princípio da responsabi- já existia, nessa oportunidade, mas que não foi
lidade objetiva, devidamente previsto no art. 37, juntado nos autos do processo administrativo, na
§ 6º, da Constituição Federal de 1988, a compe- ocasião do seu desenvolvimento, não pode ser
tente indenização se imporá. Sobre o tema ensi- considerado como novo. Observe-se, verbis:
na Egon Bockmann Moreira, verbis: Fatos novos são aqueles não levados em
Não sendo instalado o processo, e caso consideração no processo original de que re-
desse fato resulte prejuízo concreto às pes- sultou a sanção por terem ocorrido a poste-
soas envolvidas, dar-se-á o dever de indeni- riori. O sentido de “novo” no texto guarda re-
zar. Tanto na hipótese de pedido recusado lação com o tempo de sua ocorrência e, por
ou não apreciado como naquelas de des- conseguinte, com sua ausência para análise
consideração da incumbência legal de insta- ao tempo em que se apurava a infração. O
lar o processo (2007, p.163). fato novo pode alterar profundamente a con-
clusão antes firmada, protagonizando con-
É oportuna também a lição proposta por Lú-
vicção absolutória no lugar do convencimen-
cia Valle Figueiredo, verbis:
to sancionatório adotado na ocasião. Surgin-
Deveras, poderá o administrado, pela via do fato dessa natureza, não seria mesmo
do direito de petição (art. 5º, inciso XXXIV, justo que perdurasse a sanção, decorrente

8. LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação.
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daí que esta deve ser anulada ou modificada Mesmo depois de findo processo administra-
conforme a hipótese, mas não mantida da tivo, no qual se apurou a infração e se impôs
forma como foi imposta. penalidade correspondente, pode ocorrer de
a nova norma jurídica atribuir à conduta pra-
Do exposto, não é difícil notar que, se
ticada pelo infrator pena menos grave do que
um fato já existia ao momento em que trami-
a cominada sob a vigência da anterior or-
tava o processo original, mas, por qualquer
dem normativa; ou, ainda, nova norma jurídi-
razão, não foi levado em conta na aprecia-
ca considerar a conduta lícita, havida por ilí-
ção global do processo, talvez a culpa (de-
cita sob a égide da ordem anterior. Nessas
sinteresse ou inércia) do próprio administra-
hipóteses, se houver processo revisional, a
do, não se pode considerar o evento como autoridade deverá considerar a nova ordem
fato novo. O pedido revisional, por isso, deve normativa: extinguir a penalidade, se o infra-
ser indeferido (2007, p. 335) (grifo do autor). tor já cumpriu a pena (no primeiro caso), ou
Para o professor Wellington Pacheco Barros: extingui-la de imediato, no segundo caso
(2003, pp. 144/146) (destaques do autor).
Fatos novos, portanto, são aqueles acon-
tecimentos que, embora desconhecidos das A ausência de demonstração de um fato novo
partes durante a instrução do processo ad- impede o reexame da penalidade aplicada. Nesse
ministrativo ou que vieram a acontecer de- sentido, em expediente administrativo colaciona-
pois do julgamento, têm reflexo no processo do em sua fundamental obra para o estudo das
já julgado (2005, p. 170) (grifo do autor). licitações e contratos administrativos, Jessé Tor-
res Pereira Junior aponta um processo revisivo
Já para o Superior Tribunal de Justiça:
em que o particular não apresentou um aconte-
2 – A expressão “novo” significa dizer cimento inédito suficiente para modificar a san-
documento inexistente à época dos fatos, não ção inicialmente imposta. Observe-se:
podendo o autor da rescisória haver se valido A. S. G. Ltda. pede, em recurso inomina-
quando da ação pretérita. Em não havendo do, o reexame da penalidade de advertência
a caracterização da desídia do autor em que Vossa Excelência lhe impôs em razão
apresentá-lo quando dos fatos ou a sua de cumprimento irregular de obrigações con-
inexistência ao tempo do processo anterior, tratuais, apurado em procedimento adminis-
é de ser conferido ao documento o título de trativo.
“novo” (Brasil, 1999).
(...)
Como fato novo, por exemplo, poderá ser o
surgimento de uma sanção mais branda que Ao que se deduz do arrazoado, a recor-
aquela inicialmente imposta, expediente que im- rente quer que Vossa Excelência reveja o
põe que a penalidade seja revista, já que o prin- ato. Todavia, nenhum fato novo traz à revi-
cípio da retroatividade da norma mais benigna são postulada.
deve ser observado pela Administração Pública, (...)
no âmbito dos processos punitivos. Sobre o tema
Como se vê, nenhum é o “resíduo de
ensina Heraldo Garcia Vitta, verbis:
dúvida” a que alude a recorrente. Tudo foi
3. Retroação da lei mais benigna e deci- demonstrado pela Administração e admitido
são mais favorável no processo revisional. pela defendente, que mantém a confissão
A norma jurídica retroagirá (1) tanto na no recurso e ainda assim quer o cancela-
hipótese da nova legislação atribuir pena mento da penalidade.
menos grave à conduta anterior ao advento (...)
dela como (2) no caso de já não considerar a
Nada há, portanto, a rever na penalida-
conduta como ilícito administrativo.
de aplicada.
(...)
Decisão: Nada a rever na decisão, em
O mesmo se diga da decisão mais favo- face dos fundamentos supramencionada que
rável ao administrado, no processo revisional. acolho (2009, pp. 877/879) (grifos nossos).
TEORIA E PRÁTICA DAS LICITAÇÕES E CONTRATOS 205

3.5. Circunstância relevante decisão, absoluta e objetivamente desconhe-


cidos dos interessados ou da Administração.
A apresentação de uma circunstância rele-
Não é possível a revisão com lastro em fatos
vante à Administração sancionadora, como justi-
conhecidos, mas coincidentemente não alega-
ficativa da inadequação de uma sanção anterior-
dos ou discutidos no processo (2007, p. 360).
mente aplicada, também autoriza a revisão da
pena imposta ao licitante ou contratado. Por conseguinte, a mera arguição de injusti-
Como novamente preleciona o jurista José ça não autoriza a revisão da punição devidamente
dos Santos Carvalho Filho, circunstâncias rele- aplicada. Nesse sentido ensina Mauro Roberto
vantes não levam em conta o tempo da sua ocor- Gomes de Mattos, verbis:
rência, mas sim a importância deste fato para A simples alegação de injustiça da impo-
autorizar a revisão da sanção imposta pela Ad- sição da penalidade, sem fundamento ou pro-
ministração. Nesse sentido ensina, verbis: va para tal, não se presta para dar processa-
Se um fato, por exemplo, ocorreu ao tem- mento do pedido de revisão (...).
po em que tramitava o processo original, mas (...)
não era conhecido do interessado e da Ad-
Ele requer um embasamento sólido, on-
ministração, não pode caracterizar-se como
de os elementos novos são suficientes para
novo, mas se for fundamental para o acolhi-
demonstrar que a penalidade imposta deve
mento do pedido de revisão deve qualificar-
ser alterada, para dar lugar à verdade real.
se como circunstância relevante, porque o
fundamental, nesse caso, é a importância Ou então, que os novos fatos ou elementos
de que se reveste para a apreciação final do são suficientes para uma nova reflexão do
pedido revisional. A descoberta de determi- que foi decidido (2010, p. 772).
nado documento já existente à época do fato, Nesse sentido também ensinou C. J. de As-
mas desconhecido pelas partes, é circuns- sis Ribeiro, verbis:
tância relevante, se necessária para justifi-
Não caberá, no entanto, a revisão:
car a injustiça da punição (2007, pp. 335/
336) (destaques do autor). a) Quando tiver como fundamento sim-
ples alegação da injustiça da penalidade, sem
Já Wellington Pacheco Barros grafa,
aduzir-se a qualquer prova (1959, p. 108).
verbis:
Circunstâncias são particularidades de No âmbito do processo revisivo, caberá ao
um todo. Circunstâncias relevantes, portan- próprio apenado demonstrar à Administração
to, são particularidades importantes que não sancionadora os fatos novos e circunstâncias
foram consideradas na análise do processo relevantes, comprovando a inadequação da san-
administrativo por desconhecidas, mas que ção imposta. Assim, observe-se que há nesse
não passíveis de justificar a inadequação da expediente administrativo a inversão do ônus da
sanção aplicada. É a situação de alguém que prova, devendo o particular apresentar tais ocor-
sofreu uma sanção administrativa grave cal- rências à Administração sancionadora no bojo
cada na assertiva de já ter sido punido, quan- do seu requerimento.
do, em verdade, a punição anterior nunca Sobre o tema ensina Ivan Barbosa Rigolin,
ocorrera (2005, pp. 170/171). quando preleciona a revisão de punições aplica-
Acerca desses requisitos que, necessaria- das no âmbito do processo administrativo disci-
mente, devem ser verificados pela Administra- plinar, verbis:
ção sancionadora, condição para o deferimento No processo administrativo disciplinar
do pedido do licitante ou contratado, leciona Egon originário o ônus de provar que o indiciado é
Bockmann Moreira, verbis: culpado de alguma irregularidade que a Ad-
A revisão dar-se-á caso surjam “fatos ministração lhe imputa pertence evidente-
novos” ou “circunstâncias relevantes”. Ou se- mente a esta. Sendo a Administração autora
ja: é subordinada à existência concreta de do processo, a ela cabe o ônus da prova, na
fatos e pormenores inéditos ao processo e à medida em que ao autor de qualquer ação
206 BLC – Boletim de Licitações e Contratos – Março/2012

ao procedimento punitivo sempre cabe pro- Nesse sentido manifesta-se o Superior Tri-
var o alegado. bunal de Justiça, verbis:
Essa regra predomina também no pro- 4. Em não tendo sido aduzidos fatos no-
cesso revisional, onde o ônus da prova de vos ou qualquer outra circunstância suscetí-
que a pena foi elevada demais, ou de todo vel de justificar a inocência do punido ou a
imerecida, passa a caber ao requerente da inadequação da pena aplicada, impõe-se re-
revisão, que é afinal o seu autor, o próprio conhecer a legalidade do ato que indeferiu a
servidor condenado no processo administra- instauração do processo revisional (Brasil,
tivo. Sabendo-se que apenas cabe processo 2001).
revisional se ocorrer alguma daquelas cir-
cunstâncias, ou daqueles fatos, elencados Isso porque, ante a necessidade de obser-
no art. 174, ao requerente da revisão incum- vância do princípio da proporcionalidade ou
be provar que de fato ocorreu, e que de fato proibição de excesso, uma sanção aplicada pela
o processo merece revisão. Administração Pública deve ser proporcional à
conduta reprovável praticada pelo licitante ou
Pode-se na verdade afirmar: o interesse contratado. Sobre o tema salienta Rafael Munhoz
no processo disciplinar originário é da Admi- de Mello, verbis:
nistração, e consiste em provar que o servi-
dor é culpado de alguma irregularidade, caso O princípio da proporcionalidade ocupa
este não consiga demonstrar sua inocência. papel relevante no direito administrativo
No processo revisional é o inverso que ocor- sancionador, cujas normas disciplinam atua-
re: o interesse em demonstrar o indevido da ção estatal das mais agressivas aos particu-
pena aplicada é do requerente, do servidor lares. As sanções administrativas são um mal
indiciado anteriormente, e não da Adminis- imposto pela Administração Pública aos in-
tração (2007, p. 338) (grifos nossos). divíduos que praticam infração administrati-
va. Trata-se de medida que atinge de modo
3.6. Justificação de que a sanção aplicada,
negativo a esfera jurídica dos particulares,
em face dos novos fatos e circunstâncias rele-
vantes apresentados, é inadequada razão pela qual deve ser aplicada com ob-
servância do princípio da proibição de ex-
Outra condição imposta para que a revisão cesso e seu corolários: adequação, necessi-
da penalidade ocorra é a de que os fatos novos dade, e proporcionalidade em sentido estri-
ou circunstâncias relevantes apresentados se- to. Para que seja válida, a sanção adminis-
jam suficientes para justificar, no bojo do proces- trativa deve ser adequada, necessária e pro-
so administrativo revisivo, que a punição aplica- porcional (2007, p. 173).
da inicialmente é inadequada.
Apresentando-se, dessa forma, no compe-
Para Egon Bockmann Moreira, verbis: tente expediente revisivo, novos fatos ou circuns-
Sanção inadequada é aquela imprópria tâncias relevantes, bem como as competentes
aos fatos do processo, por motivos de legali- justificativas de que, em face da situação apre-
dade ou mérito administrativo. Com lastro nos sentada, a penalidade imposta ao particular, que
fatos novos e circunstâncias relevantes, cons- em outro momento era legítima, apresenta-se
tata-se que o provimento aplicou mal a atualmente como inadequada, ante a necessi-
sanção, ou aplicou uma sanção errada (2007, dade de observância estrita do princípio supra-
p. 360). mencionado, deve a Administração rever a pena-
Caso assim não for, ou seja, mesmo sendo lidade aplicada.
apresentados os devidos elementos à Adminis-
4. DA NOVA DECISÃO PROLATADA
tração sancionadora restar caracterizado que a
penalidade imposta foi a adequada, à luz da con- Ao cabo do processo revisivo, em sendo jul-
duta ilícita praticada pelo licitante ou contratado, gado improcedente o requerimento de revisão,
o pedido de revisão da sanção anteriormente em decisão a qual deverá estar devidamente
imposta deve ser julgado improcedente. motivada, em nada será alterada a situação do
TEORIA E PRÁTICA DAS LICITAÇÕES E CONTRATOS 207

particular, devendo o licitante ou contratado cum- 5. DA IMPOSSIBILIDADE DO


prir devidamente a penalidade imposta, supor- AGRAVAMENTO DA PENALIDADE
tando o ônus dela decorrente. APLICADA
Caso dessa forma ocorra, a rediscussão da Impera nos processos administrativos sancio-
pena imposta poderá continuar fora da seara natórios a necessidade de observância dos prin-
administrativa, já que o particular, com arrimo no cípios do Direito Penal,11 em que se destaca o
princípio da inafastabilidade da jurisdição, pre- princípio da non reformatio in pejus.
visto no inc. XXXV do art. 5º da Constituição Fe- Por meio da aplicação do referido princípio,
deral de 1988, pode socorrer-se do Poder Judi- ao cabo do processo revisivo, não poderá a Ad-
ciário a fim de demonstrar a sua insatisfação em ministração agravar a sanção inicialmente impos-
face da penalidade recebida. ta. Acerca do referido princípio ensina Heraldo
Nesse sentido grafa o jurista Marçal Justen Garcia Vitta, verbis:
Filho, verbis: O princípio non reformatio in pejus decor-
Por outro lado, a punição ao particular re do devido processo legal. Se a autoridade
está sujeita ao controle do Judiciário. Cabe pudesse impor sanção mais grave, os particu-
não apenas revisar a imparcialidade e a lares ficariam inibidos de recorrer; haveria,
satisfatoriedade do processo administrativo também, ofensa ao duplo grau de jurisdição,
como a própria correção jurídica do sanciona- inerente ao regime democrático, além de ir
mento eventualmente imposto (2009, p. 855). de encontro ao contraditório e a ampla defe-
sa. Na verdade, é princípio geral de Direito,
Julgando-se, no âmbito administrativo, proce- corolário do direito de defesa (2003, p. 104).
dente a demanda, todavia, poderá ser cominada
uma sanção menos grave, ou seja, a multa Com efeito, saliente-se que o quantum da
contratual originalmente aplicada ou o prazo da penalidade fruto da revisão não poderá exceder
declaração ou suspensão eventualmente impos- aquela aplicada anteriormente, mesmo que se
tos serão diminuídos, por exemplo. observe, ao fim do processo revisivo, que a deci-
são justa seria uma mais grave do que aquela
Nessa toada, poderá também ser afastada inicialmente imposta. O que é apenas permitido
completamente a punição aplicada, tornando-a no âmbito desse expediente, grife-se, é a discus-
sem efeito, o que demandaria a restauração do são com o fito de abrandar a pena cominada,
status quo anterior, como, por exemplo, tornar bem como afastá-la completamente, porém, nun-
sem efeito eventual advertência imposta inscrita ca majorá-la.
no registro cadastral do particular, fato que pode
desaboná-lo no âmbito das contratações gover- Nesse sentido, não é de outra forma que en-
namentais; devolver a multa contratual recolhida sina o jurista Regis Fernandes de Oliveira, verbis:
pelo licitante ou contratado ou compensá-lo com Dedutível também dos princípios constitu-
a garantia contratual ou eventuais créditos finan- cionais que dão sustentação à posição dos
ceiros existentes. que são acusados pela Administração Públi-
Nesse sentido ensina Daniel Ferreira9 que, ca é a inadmissibilidade de julgamento que
julgando procedente a demanda e afastando-se possa piorar a situação do administrado quan-
totalmente a penalidade, a sanção anteriormente do apenas ele for o recorrente (1985, p. 100).
recebida se extingue. Assim, deverão ser resta- Desta mesma forma leciona José dos Santos
belecidos todos os direitos atingidos pela pena.10 Carvalho Filho, verbis:

9. 2001, p. 183.
10. Nesse sentido também salienta José Cretella Junior (2003, p. 472).
11. Sobre o tema ensina Lúcia Valle Figueiredo que: “Nos procedimentos disciplinares ou sancionatórios há aplicação
dos princípios do Direito Penal: a) verdade material; b) indisponibilidade; c) impossibilidade de reformatio in pejus;
d) retroatividade da legislação mais benigna; e) necessidade de defensor ad hoc; f) direito de estar presente aos
depoimentos; g) duplicidade de instância ou direito de reexame” (1994, p. 87).
208 BLC – Boletim de Licitações e Contratos – Março/2012

“Desse modo, em nenhuma situação a re- Nessa oportunidade, como o mesmo agente
visão pode dar ensejo a que se piore a si- público que aplica a penalidade é aquele que
tuação do recorrente. Em conseqüência, a está à frente ou integra a Administração prejudi-
pior situação que o recorrente pode sofrer é cada pela inexecução contratual ou que verificou
a que decorre do indeferimento do pedido o ato reprovável praticado durante a licitação,
revisional e manutenção da sanção original- por mais que a condução do processo sanciona-
mente imposta” (2007, p. 337). tório deva ocorrer de forma imparcial,12 tal isen-
Para Rafael Munhoz de Mello, verbis: ção acaba sendo afastada, observando-se, mui-
tas vezes, um ranço de retaliação, já que a con-
Se fosse permitida a reformatio in pejus, duta reprovável do particular pode ter prejudica-
tolhido seria o direito à interposição de recur- do o serviço público, fato que se acaba tradu-
sos administrativos, frente à possibilidade de zindo na aplicação de uma penalidade superior
ser majorada a sanção administrativa impos- àquela merecida.
ta pela decisão combatida pelo recurso. O
recurso tornar-se-ia um “risco adicional” nas De conseguinte, como a sanção recebida
palavras de Eduardo García de Enterría e pode ser carregada desse elemento, a aprecia-
Tomás Ramón Fernández (2007, p. 242). ção do pedido de revisão dessa penalidade po-
derá ser ignorada no âmbito administrativo, não
Assim, ante a necessidade de observância
recebendo o tratamento e respeito adequados.
do princípio supramencionado, afasta-se a possi-
bilidade de a Administração sancionadora instau- Nessa toada, muitos licitantes e contratados
rar, de ofício, um procedimento revisivo com fins apenados, visualizando o referido cenário e ob-
de perseguição, objetivando majorar a penalidade servando, ainda, patente prejuízo, socorrem-se
anteriormente imposta, a fim de, por exemplo, diretamente do Poder Judiciário, com arrimo no
afastar o licitante apenado das próximas licita- inc. XXXV do art. 5º da Constituição Federal de
ções que vier a promover, caso a pena imposta 1988, poupando tempo e utilizando-se de instru-
suspenda o seu direito de participar de certames mentos mais efetivos, já que é sabedor de que a
licitatórios. discussão administrativa será infrutífera.
Aliás, nesse sentido é o magistério de Daniel Saliente-se que a opção judicial pode ser a
Ferreira, verbis: mais adequada quando inexiste tempo a ser
Ocorre que muitas vezes a Administra- despendido na discussão no âmbito administra-
ção Pública se utiliza das sanções que, por tivo, já que o período necessário para o desen-
lei, deve impessoal e cogentemente impor volvimento do processo pode prejudicar interes-
aos administrados-infratores com finalidade ses do licitante ou contratado apenados.
diversa da normativa (2001, p. 141). Na seara judicial, por fim, poderá o particular,
comprovando-se a ilegitimidade da pena proposta,
6. DA REVISÃO DA PENALIDADE NO além de pleitear a anulação da sanção, exigir a
JUDICIÁRIO competente indenização pelas consequências
A Administração Pública, atuando na função produzidas pela punição, a exemplo de prejuízos
administrativa, no âmbito das licitações e contra- aferidos em face da rescisão unilateral do ajuste,
tos administrativos, conforme estabelece o inc. necessidade de recolhimento da multa contratual,
IV do art. 58 da Lei federal nº 8.666/93, detém a impossibilidade de participar de licitações, bem
prerrogativa de sancionar particulares infratores. como celebrar ajustes etc.

12. A necessidade de agir com a devida neutralidade advém da necessidade de observância do princípio da
impessoalidade. Nesse sentido, salienta Alberto Martins que: “(...) o Princípio da Impessoalidade, em sua aplicação
à legislação regedora dos processos sancionatórios, impede que a Administração Pública paulista promova persegui-
ções em razão de desavenças a pessoas ou qualquer tipo de promoção de desígnios pessoais do administrador, que
não pode, para estabelecer meros exemplos, iniciar processos administrativos para sancionar pessoas ou empresas
para as quais não dedique sua simpatia.
O que o citado princípio veda, portanto, é que a Administração Pública se mova por atitudes onde preponderem a
vontade do administrador público em detrimento da finalidade legal” (Moreira, 2007, p. 175).
TEORIA E PRÁTICA DAS LICITAÇÕES E CONTRATOS 209

Nesse sentido preleciona o jurista argentino do pelo egrégio Superior Tribunal de Justiça e
José Roberto Dromi, verbis: reconhecido pelo colendo Tribunal de Contas da
União, fundamental para reverência a mais um
El control judicial repecto de las sancio-
instrumento que objetiva proteger direitos de par-
nes e las faltas contratuales cometidas por
ticulares no âmbito das contratações governa-
el contratista es amplio, y comprende aspec-
mentais.
tos tales como la competência, el objeto, la
voluntad y la forma, y em general los que se
8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
vinculan con la legalidade administrativa de
las sanciones aplicadas. Por ello, es que BRASIL. Constituição (1988). Constituição da
los jueces podrán anularlas y condenar, em República Federativa do Brasil. Diário Oficial [da]
su caso, a la Administración a indemnizar República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 5
al contratista por lõs danõs y perjuicios oca- out., Seção 1, p. 1.
sionados por su indebida aplicación (2010, ____. Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.
p. 513). Regulamenta o art. 37, inc. XXI, da Constituição
Grife-se que a ausência de êxito judicial não Federal, institui normas para licitações e contra-
afasta a possibilidade de discutir o assunto, ago- tos da Administração Pública e dá outras provi-
ra administrativamente. dências. Diário Oficial [da] República Federativa
do Brasil, Brasília, DF, 6 jul. 1994, Seção 1, p.
7. CONCLUSÃO 10149.
Conforme exposição acima aduzida, a revi- ____. Lei nº 10.520, de 17 de julho de 2002.
são do processo sancionatório possibilita ao par- Institui, no âmbito da União, Estados, Distrito
ticular apenado, no âmbito das licitações e con- Federal e Municípios, nos termos do art. 37, inc.
tratos administrativos, a rediscussão da sanção XXI, da Constituição Federal, modalidade de lici-
aplicada, a qualquer tempo. tação denominada pregão, para aquisição de
bens e serviços comuns, e dá outras providên-
Para tanto, deverá o licitante ou contratado
cias. Diário Oficial [da] República Federativa do
apresentar à Administração sancionadora fatos
Brasil, Brasília, DF, 30 jul. 2002, Seção 1, p. 1.
novos e circunstâncias relevantes, as quais se-
jam suficientes para justificar, neste novo pro- ____. Lei nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999.
cesso administrativo, que a punição aplicada an- Regula o processo administrativo no âmbito da
teriormente é inadequada. Administração Pública Federal. Diário Oficial
[da] República Federativa do Brasil, DF, Brasília,
Não poderá, saliente-se, em hipótese algu-
1º fev., 1999, p. 1.
ma, ser majorada a pena inicialmente aplicada,
mesmo que se observe, ao cabo do processo ____. Superior Tribunal de Justiça. Mandado
sancionatório, que a sanção anteriormente apli- de Segurança nº 14.965–DF (2010/0008503-0),
cada foi insuficiente. relator Ministro Hamilton Carvalhido, Julgamen-
to: 13.12.10, Órgão Julgador: 1ª Seção, Publica-
Em não sendo deferido o pedido de revisão,
ção: 1º fev. 2011.
inexistindo tempo para o desenvolvimento na
seara administrativa ou já sendo conhecedor de ____. Superior Tribunal de Justiça. Embargo
que a utilização do referido expediente será in- de Mandado de Segurança nº 14.965–DF (2010/
frutífera, poderá o particular socorrer-se direta- 0008503-0), relator Ministro Hamilton Carvalhido,
mente do Poder Judiciário, tendo em vista o prin- Julgamento: 13.12.10, Órgão Julgador: 1ª Se-
cípio constitucional da inafastabilidade de juris- ção, Publicação: 29 mar. 2011.
dição, previsto no inc. XXXV do art. 5º da Consti- ____. Superior Tribunal de Justiça. Mandado
tuição Federal de 1988. de Segurança nº 8.084–DF (2001/0188673-1),
Conforme se demonstrou, por fim, o direito relator Ministro Hamilton Carvalhido, Julgamen-
de utilização deste expediente, no âmbito das to: 25.11.03, Órgão Julgador: S3, Publicação: DJ
licitações e contratos administrativos, foi garanti- de 19.12.03, p. 314.
210 BLC – Boletim de Licitações e Contratos – Março/2012

____. Superior Tribunal de Justiça. Recurso MATTOS, Mauro Roberto Gomes de. Trata-
especial nº 139.379–SP (1997/0047252-3), relator do de Direito Administrativo Disciplinar, 2ª ed.,
Ministro Gilson Dipp, Julgamento: 4.10.1999, Ór- Rio de Janeiro, Forense, 2010.
gão Julgador: T5 – Quinta Turma, Publicação: DJ MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administra-
de 25.10.1999, p. 114. tivo Brasileiro, 33ª ed., São Paulo, Malheiros,
____. Tribunal de Contas da União. Licitações 2007.
e Contratos: Orientações Básicas/Tribunal de MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso
Contas da União, 4ª ed. rev. atual. e ampl., Bra- de Direito Administrativo, 25ª ed., São Paulo,
sília, TCU, Secretaria de Controle Interno, 2010. Malheiros, 2008.
BARROS, Wellington Pacheco. Curso de Pro- MELLO, Rafael Munhoz de. Princípios Cons-
cesso Administrativo, Porto Alegre, Livraria do titucionais de Direito Administrativo Sancionador,
Advogado, 2005. São Paulo, Malheiros, 2007.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Pro- MOREIRA, Egon Bockmann, Processo Ad-
cesso Administrativo Federal, 3ª ed., Rio de Ja- ministrativo, Princípios Constitucionais e a Lei
neiro, Lumem Juris, 2007. nº 9.784/1999, 3ª ed., São Paulo, Malheiros,
2007.
CRETELLA JÚNIOR, José. Curso de Direito
Administrativo, 18ª ed., Rio de Janeiro, Forense, OLIVEIRA, Régis Fernandes. Infrações e
2003. Sanções Administrativas, São Paulo, Revista dos
Tribunais, 1985.
DROMI, José Roberto. Licitación Pública, 4ª
ed., act. – Buenos Aires-Madrid, México, Ciudad PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentá-
Argentina – Hispania Libros, 2010. rios à Lei das Licitações e Contratações da Ad-
ministração Pública, 8ª ed., São Paulo, Renovar,
FERREIRA, Daniel. Sanções Administrativas, 2009.
São Paulo, Malheiros, 2001.
RIBEIRO, C. J. de Assis. do Processo Admi-
FIGUEIREDO, Lúcia Valle. Direito dos Lici- nistrativo e sua Revisão, Edições financeiras, Rio
tantes, São Paulo, Malheiros, 1994. de Janeiro, 1959.
____. Curso de Direito Administrativo, São RIGOLIN, Ivan Barbosa. Comentários ao
Paulo, Malheiros, 8ª ed., 2006. Regime Único dos Servidores Públicos Civis, 5ª
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei ed., São Paulo, Saraiva, 2007.
de Licitações e Contratos Administrativos, 13ª VITTA, Heraldo Garcia. A Sanção no Direito
ed., São Paulo, Dialética, 2009. Administrativo, São Paulo, Malheiros, 2003.

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