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Marcelino, pan y vino

Sumário

1 - Os primórdios do artista
2 – A gestação dos democratas de plástico

3 – Cavaco não promoveu Marcelo

4 – Cenas do desempenho mediático de Marcelo

===== !!! =====

1 - Os primórdios do artista

O Marcelino (do filme) foi mordido no seu pé descalço por um escorpião e teve a sorte
de um padre lhe ter sugado o sangue que escorria da mordedura, conseguindo, com a
evidente graça de Deus que o veneno não tivesse abatido o rapazito. O Marcelo do
século XXI nunca seria mordido por um escorpião porque o seu pé só se descalça para
mergulhar nas águas dos estoris e, não consta que se tenha picado num peixe-aranha;
ou, anos atrás, quando mergulhou nas sujas águas do Tejo, numa tentativa (falhada)
para conquistar a câmara de Lisboa (1989), não consta que tenha ficado preso no lodo
fedorento.

Marcelo é um artista. Só está bem no palco, na rua, numa zona de incêndios, a dar
comida aos sem-abrigo, onde possa estar rodeado de fãs, basbaques ou jornaleiros,
atentos às suas palavras de circunstância; ou, nas intriguinhas inventadas para
desorientar a concorrência, no seio da tosca classe política da paróquia. Talvez tenha a

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esperança de acudir às vítimas de um terramoto ou de uma erupção vulcânica. É uma
alma de socorrista que não suja as mãos.

É sabido que Marcelo nasceu em berço de ouro, no seio de uma família bem integrada
no topo da oligarquia do regime fascista, protegido como um príncipe, tomado como
um sucessor real; a família era rica, pertencia às estirpes mais nobres do regime e o pai
Baltazar era amigo próximo do chanceler da paróquia, Caetano; e, este como padrinho
do jovem, prendou-o com o seu nome próprio, cuja origem significa pequeno
guerreiro.

O meu menino é d'oiro


É d'oiro fino
Não façam caso que é pequenino
Não façam caso que é pequenino

(José Afonso)

Diz uma testemunha da época que o filho do Baltazar andava na escola (Liceu Passos
Manuel, em Lisboa) de camisa verde e calça castanha, com um discreto mas revelador
“S” (de Salazar) na fivela do cinto; era a farda da chamada Mocidade Portuguesa, que
Salazar fundara como cópia provinciana da Hitlerjugend (Juventude Hitleriana), na gíria
conhecida por “bufa”, antro de informadores e delatores do regime, desconsiderada
entre os jovens não simpatizantes do regime fascista.

Marcelo-afilhado não herdou a capacidade de construção jurídica do Marcelo-


padrinho; este, enformou peças essenciais do regime fascista, da estrutura do regime,
no âmbito do direito constitucional e do direito administrativo; daí que tenha sido o
herdeiro do fundador do regime, Salazar. Marcelo-afilhado apenas chegou a Presidente
da República, um cargo, mais simbólico do que possuidor de um poder efectivo,
destinado a mandarins na procura de uma reforma dourada; e que contribui para o
enchimento de uma Constituição, oligárquica, pesada, longa, quiçá ridícula e que mais
parece uma sopa de letras.

Longe dessa vida boa numa forja de intelectuais e políticos fascistas e tementes a deus,
a vida no Portugal dos anos 60 era uma pasmaceira pobre de onde saíram centenas de
milhares de pessoas na procura de dias melhores em terras de França ou da Alemanha;

Ei-los que partem


Novos e velhos
Buscar a sorte
Noutras paragens
Noutras aragens… (Manuel Freire)
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e onde (outros) jovens eram conduzidos como carneiros para a guerra colonial, para a
defesa da pátria, contra os “terroristas” que, imagine-se o despautério… já não queriam
aceitar quase quinhentos anos de tutela portuguesa! O que sobrou dessa ocupação
colonial foram terras ricas, com muitos pobres, punhados de oligarcas corruptos e, uma
numerosa prole de mulatos de vários tons.

Nesse Portugal, alguns, menos pachorrentos, menos conformados fugiam para a


Europa transpirenaica e outros (poucos), eram encarcerados em Caxias ou Peniche. A
maioria aceitava, com bonomia e católica resignação, a mobilização para as colónias,
pois o pré num país miserável podia constituir um pecúlio essencial para o casamento,
no regresso à “Metrópole” “E assim vai Portugal, uns vão bem e outros mal” como na
canção do Fausto.

Marcelo, jovem licenciado, entrou em concorrência com António Guterres recolhendo


ambos do mentor e confessor, o padre Melícias, os convenientes ensinamentos para
carreiras promissoras, no espaço que sobrava entre missas e confissões de pecados.

A vida de Marcelo não corria mal. As sebentas do curso de direito tinham sido lambidas
e, aos 22 anos, ele licenciava-se; como o seu concorrente Guterres, sentiam ambos que
o poder lhes chegaria no devido tempo. E assim, como siameses, entraram na fundação
do jornal Expresso, em 1973, já então um órgão de uma direita moderna, onde se
poderiam treinar para futuros quadros do padrinho Caetano, na reorganização do
capitalismo de lusa raiz, em parceria com estrangeiros portadores de tecnologia. Tudo
isso à sombra da tutelar Inglaterra, acabadinha de entrar na CEE. E, Portugal conseguiu
um acordo com a instituição e manter a deriva colonial; uma prova de natação entre
duas águas. Porém, toda essa construção que no topo tinha o Marcelo senior ruiu, por
duas razões. Primeiro, a reabertura do Suez inviabilizava o projeto de industrialização
ancorado na petroquímica e na construção/reparação naval; e, segundo, porque a
tropa não se sentia motivada para uma guerra colonial, com a derrota selada, desde o
seu início. O esforço já não era compensado pelo pré, sobretudo na Guiné, onde o
dispositivo militar luso se estava a afundar.

2 – A gestação dos democratas de plástico

O golpe de 25 de Abril com a concomitante queda do regime fascista apanhou o jovem


Marcelo sem idade para surgir como comprometido com o regime. Um dos primeiros
actos dos militares no poder – o envio de Caetano e Tomás para o Brasil – foi o sinal de
que nunca haveria um julgamento do regime, dos seus homens de proa, ou mesmo da
arraia miúda dos pequenos fascistas que rapidamente surgiram de cravo no peito ou se
acolheram, com subtileza, na administração pública e em alguns partidos. Na política,

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os interesses estão sempre acima dos valores. Num país dito de católicos (?), os
homens são todos irmãos em Cristo, amen!

Assim, Marcelo foi um dos fundadores do Partido Popular Democrático, em maio de


1974, duas semanas depois da queda do regime fascista. Nele pontificavam os
membros da “ala liberal” (com Sá Carneiro à cabeça), antigos cooptados por Caetano
no sentido de uma lenta reforma do regime; e que, durante alguns anos, enquanto
deputados na Assembleia Nacional tentaram, quais missionários, a conversão
democrática da ganga fascista que dominava o areópago, polarizada em torno de um
grunho patriarca, o presidente Américo Thomás (assim mesmo, com h!). Guterres, esse
aderiu ao PS, então na crista da onda europeia de simpatia para com le petit Portugal.

A guerra colonial e a manutenção das colónias era uma aberração política na época;
como colonizador Portugal tinha pouco para oferecer, era o país mais pobre e, de mais
baixos níveis educativos da Europa Ocidental (e… continua a ser). O empresariato e a
classe política portuguesa quase meio-século depois da descolonização, ainda mantêm
essas caraterísticas, numa árdua luta com alguns países balcânicos, na disputa do
último lugar da segunda divisão europeia.

Como seria expectável os dois gemelares partidos - PS e PSD - iriam iniciar uma
constante luta pelo poder, pelo preenchimento de lugares de topo, com passwords
próprias e únicas para o acesso ao pote, com os restantes partidos a acompanhar,
como subalternos, o batuque par(a)lamentar; ou, como tenores reivindicativos da
felicidade de um povo manso, de grunhos “inconseguidos” para parafrasear uma tal
Assunção, que presidiu a AR, ligada ao PSD, anos atrás.

Deputado em 1975, Marcelo foi um dos participantes na elaboração da Constituição1 –


um arrazoado enorme, palavroso, recheado de habilidades para excluir o povo de
qualquer decisão, para favorecer a perenidade de uma classe política, uma nova
nobreza, definida como uma elite; embora muitos sejam reles nulidades, sobredotadas
apenas na capacidade de obedecer e na prática da ocultação de rendimentos.

Marcelo não foi chamado para o (VI) governo com Sá Carneiro na frente e, que se
estendeu por todo o ano de 1980 até à morte do primeiro-ministro na queda do avião

1
Sobre o caráter oligárquico, excludente e anti-democrático da Constituição portuguesa, veja-se:
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2015/02/para-uma-constituicao-democratica-com.html
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2015/03/para-uma-constituicao-democratica-com.html
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2015/03/para-uma-constituicao-democratica-com_22.html
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2015/05/um-modelo-democratico-para-os-municipios.html
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2015/07/a-constituicao-crp-e-alguns-dos-seus.html
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2015/08/sobre-constituicao-crp-uma-assembleia.html
http://grazia-tanta.blogspot.pt/2016/01/presidente-da-republica-figura.html

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em que voava, na área de Camarate; nem no governo seguinte, chefiado por Balsemão
(VII). Só chegou a ministro e dos burocráticos Assuntos Parlamentares em junho de
1982 e até 1983, também com Balsemão no poder (VIII governo), no que parecia o
início de uma vida política auspiciosa. Porém, nunca mais pertenceu a qualquer
governo apesar de então ter apenas 35 anos.

Entretanto, Mário Soares coligou-se com o PSD (Mota Pinto) no âmbito do chamado
Bloco Central (IX governo) para a gestão de um período economicamente calamitoso
para o povo, com Marcelo na oposição, no leque mais direitista do PSD, na companhia
de Durão Barroso, Santana Lopes e Miguel Júdice - o grupo designava-se por Ala Nova
Esperança - dirigindo o reacionário "Semanário” (1983/87) a par com Proença de
Carvalho, todos cotados como advogados ou juristas, conhecidos pelo seu
reacionarismo.

O hirto e distanciado Cavaco Silva soubera gerar um mito de competência no governo


de Sá Carneiro (o VI, 1980); a morte daquele e a fragilidade política de Balsemão
(primeiro–ministro no VII/VIII governos) criaram em Cavaco Silva escassa disposição
para arcar com os efeitos da funda crise económica de 1981/83, cujos ónus vieram a
recair na coligação PS/PSD, o referido Bloco Central. O mesmo grupo de duros da
direita onde Marcelo se inseria, constituiu um núcleo patrocinador da eleição de
Cavaco Silva a presidente do PSD, o que veio a acontecer no conhecido congresso da
Figueira da Foz, em 1985.

Entretanto, o Bloco Central reduziu os efeitos da crise, beneficiando das ajudas de pré-
adesão na então CEE, do significado estrutural da negociação da adesão e, sobretudo,
do caudal de dinheiro que viria da Europa comunitária. Porém, passados 35 anos dessa
adesão, a classe política portuguesa mostra, à saciedade, as inconveniências da sua
incapacidade política e do desbarato de fundos que mantêm o país na cauda dos
indicadores económicos, sociais e educativos da Europa; mas, com muitos nomes
sonantes da classe política transformados em ricos ”empresários”.

3 – Cavaco não promoveu Marcelo

Cavaco ganhou três eleições seguidas, conseguindo três mandatos como primeiro-
ministro no período 1985/95; na primeira (1985), venceu o PS, onde Almeida Santos
substituíra Mário Soares como chefe do PS, beneficiando do epifenómeno PRD que
tinha um “íman escondido”, o presidente Eanes, representado à luz dos holofotes pela
sua mulher, Manuela Eanes, com propósitos governamentais.

Em 1987, Cavaco obtém a maioria absoluta nas eleições contra o seu colega
Constâncio, elevado a chefe do PS, com derrotas marcantes do PRD de Eanes e do PCP.

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A dupla Cavaco/Constâncio logo se harmonizou para a privatização de empresas
públicas para reduzir o deficit; porém, mesmo com a entrada de fundos comunitários, a
médio prazo, os grandes deficits iriam voltar. O plano dos tecnocratas revelou-se um
fracasso, com o patriarca Soares a assistir, benevolente, como residente do Palácio de
Belém. Em 1991, perante uma oposição débil e a mansidão da plebe, tradicionalmente
embebida em tv, de novo Cavaco consegue maioria absoluta nas eleições, nesta feita
tendo Jorge Sampaio como líder do PS e presidente da Cãmara de Lisboa, (1990/95), a
ganhar fôlego para voos mais altos.

Em todo o período de Cavaco como primeiro-ministro, Marcelo nunca chegou a ter


cargos governamentais, apesar do apoio prévio dado ao inculto mas manhoso
economicista, chefe do seu partido. Assim, nas eleições autárquicas de 1990, Marcelo
ganhou um lugar na vereação da câmara de Lisboa (1990/93), vendo a presidência da
autarquia ficar nas mãos do presidente do PS, Jorge Sampaio. Em termos autárquicos
Marcelo especializou-se nas árduas tarefas de presidente de Assembleias Municipais
(Cascais, 1979/1982 e Celorico de Basto, 1997-2009) como complemento da atividade
de professor da Faculdade de Direito de Lisboa onde, ao que sabemos, teve um
desempenho do agrado dos alunos.

Vendo que dentro do partido não lhe atribuíam a notoriedade associada ao seu perfil
académico, nem ao pedigree político familiar, Marcelo - que sempre terá gostado de
vastas e atentas plateias - tornou-se comentador político. Primeiro, na rádio (TSF,
1993/96), passando em 2000 às televisões onde se veio a especializar num curioso
hibridismo entre o comentário político e a promoção da venda de livros; uma atividade
que mereceu, num programa humorístico na radio pública, a referência de Marcelo a
um formidável álbum com fotos de… caroços de nêspera!

Em 1991, Mário Soares entra no seu segundo mandato como presidente, sem
concorrência de qualquer candidato do PSD; isto é, uma forma implícita de união do
eleitorado afeto ao bloco central (PS/PSD). Suceder-lhe-á Jorge Sampaio, no período
1996/2006.

Em 1995 Guterres, secretário-geral do PS desde 1992, ganha as eleições (1/10) e o


governo, já com Cavaco fora de cena, é substituído por Fernando Nogueira, como
presidente do PSD em 1995/96. Nogueira pouco depois, cedeu o seu lugar a Marcelo, a
quem caberia como obrigação essencial, a crítica do seu ex-companheiro de sacristia,
Guterres; recordemos que ambos haviam sido ouvintes atentos dos conselhos do padre
Melícias, perceptor de ambos, uns vinte anos atrás. Guterres será primeiro-ministro
durante sete anos (1995/2002) deixando então, de ser secretário-geral do PS, para se
dedicar a outras funções, de caráter internacional. Guterres bateu Marcelo com larga

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margem em notoriedade, não sendo comparáveis as respetivas carreiras políticas.
Entretanto, Marcelo, enquanto presidente do PSD (1996/99) viabilizou três orçamentos
propostos por Guterres, em minoria na AR; do mesmo modo que promoveu a
reconciliação do PSD com o PCP, após vinte anos de relações cortadas.

Nesse período (1997/99), Marcelo foi também deputado europeu e vice-presidente do


PPE, depois do seu PSD ter saído da Aliança dos Democratas e Liberais pela Europa,
para o mais reacionário PPE, ao lado do PSD; em qualquer dos casos, nem com
microscópio eletrónico se consegue ver algo de social-democracia no atual PSD.

Marcelo, em 1998, teve a iniciativa de referendar a despenalização do aborto, a qual só


foi aceite num segundo referendo, em 2007. Negando esse direito às mulheres, revelou
aí o seu catolicismo ultramontano que suplanta o seu perfil de jurista e de (pretenso)
defensor dos direitos individuais; evidenciando, também a sua misoginia.

A zanga com Paulo Portas surgida, em 1999, no âmbito do envolvimento daquele num
caso de burla na “Universidade Moderna” terá durado anos; e, inviabilizou a presença
de Marcelo numa aliança PSD/CDS que só se viria formalizar entre Durão Barroso e
Paulo Portas, em 2002, com o primeiro a mostrar-se pouco exigente face a Portas,
tendo em conta o caso dos submarinos; um estranho processo de corrupção em que
foram condenados, na Alemanha os corruptores, sem que se tenham apurado
corruptos… A habitual estranheza da justiça made in Portugal, recentemente
confirmada no caso “Sócrates”…

Guterres que havia perdido as eleições autárquicas em 2001, demite-se, ficando Ferro
Rodrigues na liderança do PS (2002/04), que não conseguiu evitar a vitória eleitoral de
Durão, que forma governo com o CDS. Na sequência da saída de Durão para a
Comissão Europeia (2004), Sampaio recusa-se a nomear Ferro Rodrigues, apontado
como envolvido no escândalo Casa Pia e que se demitiu de secretário-geral do PS.
Sampaio nomeia um governo PSD/CDS, chefiado por um incapaz, Santana Lopes,
herdeiro de Durão mas, acolitado por Portas. Perante a fragilidade política de Ferro e
Santana, Sampaio “criou” um José Sócrates que veio a ganhar as eleições de 2005 e,
com maioria absoluta, perante um PSD que tinha na liderança o bon vivant Santana.

Marcelo voltaria ao comentário político e à promoção de livros até à sua candidatura a


PR em 2016, capitalizando simpatias que lhe permitiram suceder a Cavaco, contra um
candidato do PS – Sampaio da Nóvoa – inventado para a contenda. Em 2021, Marcelo
aumentou as vantagens para a reeleição, perante a falta de comparência oficial do PS,
sem um candidato a que tivesse dado o aval e o rótulo; demonstrando assim, uma
aceitação passiva da reeleição de Marcelo, o seu implícito campeão.

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4 – Cenas do desempenho mediático de Marcelo

Por outro lado e, sobretudo como professor de direito, Marcelo comete um erro
imenso quando, na pele de PR, se mostrou, vergado perante o Papa, num acto formal
de beija-mão, de implícita subordinação do estado português - do qual é o “mais alto
magistrado”, na gíria formal vigente na paróquia - ao chefe de um estado estrangeiro,
o Vaticano. Num país a sério deveria ter sido compelido a demitir-se, depois desse
acto, para então poder beijar quantas vezes quisesse o anel ou a mão do Papa, num
acto pessoal, como católico. Haverá nele uma nostalgia monárquica, da prática do
beija-mão real…

Como indivíduo cultor da formalidade atribuível a um senador do reino, Marcelo surgiu


como membro do Conselho de Estado em 2000/01, no tempo de Jorge Sampaio como
PR: e, em 2006/2016, como conselheiro de Cavaco Silva prosseguindo, naturalmente, já
como PR, a reunir os convivas, depois da sua recente eleição. Recorde-se que esse
Conselho é um repositório de chefes dos principais gangs partidários, amalgamados
com as altas estirpes da juizaria, antigos presidentes e, uma ou outra figura de prestígio
como, recentemente, António Damásio e a escritora Lídia Jorge.

Marcelo, em 1998, enquanto chefe do PSD, gerou um referendo sobre a regionalização


administrativa para formalizar o que toda a classe política pretendia…que não houvesse
uma verdadeira regionalização; e que, claro, continua a não existir. É confortável para
qualquer governo central, articular-se com municípios e não com entidades eleitas de
regiões, um degrau entre o poder central e os municípios. Qualquer classe política
incorpora no seu código genético a vontade de controlar e decidir a aplicação dos
impostos cobrados à população. O demagogo António Costa veio a chamar
regionalização a uma distribuição regional dos poderes do governo central para a
colocação de ex-autarcas, burocratas, ou mandarins de segunda linha, no âmbito de
responsabilidades que continuam centralizadas. Já anteriormente o governo Passos
actuara no mesmo sentido.

Na continuidade da falência do BPN segue-se o enorme aumento do deficit, inserido


nas sequelas da falência do Lehman Brothers, de onde resultou a demissão do governo

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Sócrates por ordem do sistema financeiro, a que se seguiu a intervenção da troika, que
exigiu a venda de participações públicas em empresas emblemáticas. Foi um novo
surto de vendas de bens públicos como o registado durante o consulado de Cavaco,
como primeiro-ministro e, também com o objetivo da redução do deficit; um objetivo
sempre falhado, a médio prazo. Com o governo Passos/Portas o programa da troika foi
cumprido com fidelidade canina, com custos e sacrifícios enormes da população
trabalhadora; a que se seguiu a explosão do BES em 2014 com sequelas que ainda
perduram e, perante a subserviência dos governos envolvidos, de Passos ou, de Costa.

Costa só conseguiu formar governo (2015/19) com o suporte da chamada esquerda


(BE/PCP) naquilo a que se veio a chamar “geringonça”; e que, conduzindo a ganhos
eleitorais do PS, reduziu a relevância da “esquerda” na AR depois das eleições de 2019.
É nesse período que Marcelo abandona a recomendação de livros na TV para se
candidatar a PR (2016/21), numa serena harmonia com o governo.

Como se tornou habitual, os presidentes da república cumprem os dois mandatos


possíveis, de acordo com a Constituição; e, Marcelo não fugiu à regra. Assim, em 2021
surge como grande vencedor, perante a ausência formal do PS que assim, claramente,
demonstrou apoiar Marcelo. Uma vez mais, a amálgama PS/PSD, suplantou a
concorrência de Ana Gomes que sorveu parte do eleitorado PS e do BE; e da
apresentada pelo ventureco que recolheu o apoio de fascistas ou seus próximos, na
área do PSD ou do moribundo CDS.

De Gaulle propunha uma dissuasão nuclear a todos os azimutes. Marcelo propõe-se


atingir todos os azimutes para a unanimidade do aplauso, mesmo com parca obra feita.
Em todas as chancelarias foi evidente o desagrado para com a figura de Bolsonaro e,
poucos representantes nacionais estiveram na posse do sacripanta, futuro criador da
“gripezinha”. Entre esses poucos, esteve Marcelo. "Foi uma reunião entre irmãos" dizia
o DN.

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Marcelo esteve presente na oferta de conforto às vítimas dos incêndios, destroçadas
pelas suas perdas. Mas, por outro lado, deslocou-se ao Afeganistão para confraternizar
com os mercenários ao serviço da NATO de origem portuguesa. E não podia
dispensar… a selfie!

Marcelo, ao contrário do seu grunho antecessor presidencial que viajava pouco e falava
ainda menos, é um rei do verbo e protagonista da presença mais inesperada para
pasmar os paisanos com o seu falar fácil e de circunstância, mesmo sem pompa; gosta
de ser vedeta, de se rodear de microfones e câmaras, dando o seu contributo de
entertainer para a vacuidade habitual da imprensa e o aplauso dos circunstantes.

Marcelo também gosta de ir a lugares remotos, como um extraterrestre ou uma réplica


engravatada da Sra. de Fátima; e encontrar-se com uma trabalhadora, no desempenho
das suas tarefas num campo de tomateiros, na zona de Vila Franca de Xira; e.
certamente avisado para ter cuidado com os tomates. Não sabemos se a trabalhadora
teve direito a ficar em selfie.

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Finalmente, a melhor imagem de Marcelo, a imprevisibilidade e a inconstância do
vento…

Este e outros textos em:

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