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FICHAMENTO

DESGRANGES, Flávio. A Pedagogia do Espectador.

Capítulo 1: Ao Encontro do Mundo Lá Fora


Neste capítulo Desgranges nos conta uma história em que, certa vez em
um museu, enquanto contemplava os quadros que pertenciam à exposição se
percebeu lançando o mesmo olhar estetizado para uma janela na parede do
museu. Começou então a observar os outros espectadores e muitos destes
também paravam alguns segundos para contemplar a janela. Em outra ocasião
no mesmo museu, novamente partiu para observar se os espectadores
continuavam reagindo daquela maneira à janela e para sua surpresa não
estavam. A janela era desta vez ignorada. Por quê?
Desgranges introduz, neste capítulo as questões que serão abordadas no
restante do livro:
Como se estabelece a relação do espectador com a obra
teatral? Essa recepção pode ser dinamizada? Que
procedimentos utilizar visando provocar esteticamente a
recepção? Como estimular o espectador a empreender uma
atitude artística, produtiva, em sua relação com o mundo lá fora?
Qual a importância atual de se pensar uma pedagogia do
espectador? Como se estruturaria essa pedagogia na
contemporaneidade? Como compreender o processo de
formação de espectadores? Formar para quê, afinal? (p. 17)

Capítulo 2: A Arte do Espectador: contexto de uma formação


O esvaziamento das salas
Desgranges inicia este capítulo tratando da falta de público nos
espetáculos. No Brasil, como no mundo, este fenômeno é percebido desde os
anos 70. Muitas podem ser as causas: a chegada da televisão e com isso a
evasão tanto de espectadores quanto de atores e atrizes, o momento político-
social da ditadura que silenciava a produção cultural do país, aumento de preço
dos ingressos, falta de segurança pública, a carência de textos interessantes,
etc. Mas será que houve realmente um momento bom para o teatro no Brasil?
Em que não só as elites se sentissem convidadas ao evento? Eu acredito que
não. Apesar das várias causas, Desgranges atribui o esvaziamento
principalmente ao crescente individualismo, marca da modernidade. Assim, o
teatro que é uma arte essencialmente coletiva deixa de ser atrativo para os
corpos que pedem solidão. O teatro na tentativa de se adequar ao padrão
individualista, começa a criar espetáculos que não percebem, são indiferentes
aos espectadores. Deixou, portanto, de oferecer riscos ao público. O público,
portanto, tal quando assistindo a um filme, não tem tanta responsabilidade para
com a apresentação?
E se a arte teatral deixou de oferecer riscos, é porque deixou de se
colocar em risco, o teatro propõe à plateia aquilo que se espera dele,
que o espectador seja o modelo do cidadão ideal, aquele que apenas
aguarda a cena seguinte. (p. 23)

Desgranges reflete sobre como os artistas andam lidando com essa crise.
Sugere que os artistas estejam cada vez menos preocupados com o caráter
afetivo entre o artista e o escpetador/sociedade e mais preocupados com a
divulgação, o aparecimento nas media, comercialização da mercadoria
transformando o espectador em um “consumidor-alvo”. “[...] o artista da arte do
espetáculo vive um dilema: trabalhar para a qualidade de seu fazer artístico ou
para aparecer e fazer parecer que sua arte é de qualidade?” (p. 25)
Quanto a isto, considero assunto complexo: o artista deve ter plena
consciência do porquê apresenta este ou aquele espetáculo, mas ainda assim,
o artista não sabe verdadeiramente o quão relevante é o seu espetáculo ou ainda
o que este pode causar às pessoas que o assistem. Ainda existe uma ideia de
que o teatro tem potencial revolucionário e que as peças que expõe as
engrenagens do sistema retiram os espectadores da ignorância e, assim, estes
saem da sala de espetáculo transformados e com desejo coletivo de mudança.
Não se sabe se é bem assim que acontece. Talvez pudesse ser tema para outra
pesquisa.
Da mesma maneira como o público se pergunta “por que ir ao
teatro hoje em dia?”, talvez seja imprescindível que os artistas de teatro
levantem questões semelhantes: Por que ir ao púbico hoje? Para fazer
o quê? Dizer o quê? Para quem? Qual a necessidade afina? Somente
respostas muito claras dos artistas podem suscitar a contra-resposta
dos espectadores. (p. 26)

O autor pontua que abrir as salas para os espectadores “não se trata


somente de facilitar o acesso financeiro de todas as camadas da população, mas
também convidar o público a tornar-se parceiro de empreendimentos culturais”
(p. 26) É uma ideia de que o espectador seja participante ativo e sinta autonomia
para criar suas próprias resoluções das peças e, ainda, segurança para expor
suas críticas e reflexões. Formar espectadores é abrir espaço para que estes
sintam autonomia para questionar o que lhes é apresentado e, assim, criar jogo
transmitido e retransmitido entre atores e público. Utopia?
Concordo com Desgranges: “Não existe teatro sem plateia e a importância
da presença do espectador no teatro precisa ser vista não somente por uma
razão econômica, de sustentação financeira das produções.” (p. 27). O teatro de
fato necessita de espectadores e um evento teatral que percebe os espectadores
ganha não só eticamente – qualidade que não deve ter tanta relevância – mas
esteticamente que é o que importa.
Esta autonomia do espectador deve ser defendida principalmente pelos
artistas. Mas como?
O acesso ao teatro
Antes de tudo é necessário que a sociedade tenha acesso real às salas
de espetáculo: ingressos acessíveis, acessibilidade, convites etc. Porém, a
formação de espectadores não diz respeito somente à presença física destes,
mas sim sua presença dialógica.
Portanto, a pedagogia do espectador está calcada fundamentalmente
em procedimentos adotados para criar o gosto pelo debate estético,
para estimular no espectador o desejo de lançar um olhar particular à
peça teatral, de empreender uma pesquisa pessoal na interpretação
que se faz da obra, despertando seu interesse para uma batalha que
se trava nos campos da linguagem. (p. 30)

Desgranges defende, portanto, que formar espectadores seja ensiná-los


a linguagem teatral para que tenham domínio e interesse questionador sobre as
escolhas dos artistas.
No teatro como nos campos esportivos
Desgranges traça um comparativo entre o interesse por esportes e pelo
teatro. Defende que, desde cedo, a sociedade é introduzida à prática esportiva
e que, conhecendo as regras do jogo, sente autonomia para expor opiniões e
palpites sobre os lances. É esta a autonomia que se pretende dar ao espectador.
É este o convite que se pretende deixar claro à sociedade.
Torna-se evidente então a fundamental importância de aproximar crianças
e adolescentes das artes teatrais e suas linguagens. O autor defende que o
conhecimento técnico dos mecanismos estéticos do teatro é o que estimula a co-
presença do espectador e intensifica seu prazer e gosto pelo exercício teatral.
Democratizar o acesso de crianças e jovens ao teatro se constitui,
então, em viabilizar a ida aos espetáculos e , concomitantemente,
oferecer os instrumentos de compreensão e de recepção que
condicionam esse acesso, oferecendo meios necessários para que o
espectador infanto-juvenil tenha possibilidade e vontade de apropriá-
los. (p. 36)

A posição do espectador
O autor sustenta a ideia de que a formação de espectadores também é
uma formação de indivíduos bem posicionados não só no teatro, mas no mundo.
Sugere que o individuo que tem a autonomia para criar suas próprias opiniões e
críticas acerca de um espetáculo teatral também estará preparado para formar
críticas sobre os outros espetáculos cotidianos: propaganda, programas
eleitorais, etc.
[...] tomar conhecimento dos mecanismos que envolvem uma
encenação, desvendar apreender a lógica da teatralidade significam
conquistar instrumentos que viabilizem a reflexão acerca dos
procedimentos utilizados em diferentes produções espetaculares. O
espectador instrumentalizado encontra-se em condições de decodificar
os signos e questionar os significados produzidos, seja no palco, seja
fora dele. (p. 37)
Considera-se que vivemos, hoje, em um sociedade superinformada:
diariamente os indivíduos são bombardeados com informações, signos, imagens,
narrativas, etc. Este bombardeio de informações de fácil compreensão acaba por
desestimular a atitude contemplativa e interpretativa. Acostumados com estas
informações fáceis não demonstram interesse nas imagens, narrativas, etc que
não são facilmente digeridas. Este bombardeio diário de signos, etc se
aperfeiçoa cada vez mais na arte de causar interesse em 2s e, nestes 2s, o
espectador já compreendeu tudo que há para ser compreendido, não precisa
perder tempo refletindo e nem o quer.
Não seria exagero supor que a arte teatral possa ser encarada como
uma proposição espetacular pouco habitual, ou mesmo frustrante, para
esse superestimulado espectador contemporâneo. (p. 41)

Na boca do povo
O teatro não está na boca do povo. O teatro não está nos olhos do povo.
O teatro não está na pele do povo. O teatro não está nos ouvidos do povo. Fazer
a sociedade, em especial brasileira, se sentir convidada ao evento teatral precisa
antes que a arte teatral tenha uma relação íntima com esta sociedade. O povo
precisa ter acesso aos teatros, o povo precisa ser convidado, o povo precisa ser
preparado para esta linguagem (ou é a linguagem que precisa se repreparar para
o povo?).
Mas como fazer isso? Como fazer isso dentro e fora da sala de
espetáculo?
Capítulo 3: Práticas Teatrais e Formação de Espectadores

A conscientização por meio do teatro


O autor nos lembra que entre os anos 60 e 70, houve esforços por parte
dos artistas para fazer da arte teatral um direito de todos: todos podem consumir,
todos podem fazer. Realizavam, portanto, atividades nos mais diversos espaços
com o objetivo de estreitar relações entre a sociedade e o circuito comercial da
arte. Estas atividades, por vezes, tentavam emancipar a sociedade, fazê-la rever
as relações sociais existentes na comunidade e suas participações no grande
sistema.
Os artistas então, não só empenhados em aproximar o teatro de todos
mas também de provocar ações políticas e de conscientização por meio do teatro,
chegaram a conclusão de que o fosso entre o palco e o público deveria ser cada
vez mais extinto e que o espectador deveria intervir no evento artístico.
As formas artísticas mais surpreendentes e contraditórias surgiram
neste período, todas encaixadas em um movimento comum, de um
radicalismo com grande vitalidade, em permanente contestação à
sociedade e cultura dominantes, que desconstruía os espaços teatrais
tradicionais e transbordava pelas ruas e outros locais à procura de
espectadores, diminuindo a distância entre vida teatral e vida social. (p.
48)
Os espectadores do futuro
Neste mesmo período (anos 60 e 70) surgiram experimentos dedicados à
formação de espectadores mirins. O pensamento era de que introduzindo as
crianças à prática teatral, no futuro elas seriam adultos já capacitados e
resolveriam a crise da escassez de público. Houve então um forte crescimento
de produções teatrais voltadas ao público infantil concomitantemente com a
aproximação dos artistas de teatro com a escola, visando também modificar o
próprio sistema escolar.
DINAMIZANDO A RECEPÇÃO TEATRAL
Os grupos passaram então a frequentar as escolas, propondo atividades,
oficinas, espetáculos com o objetivo de sensibilizar os jovens para o teatro.
Essas práticas eram chamadas de animações teatrais. Desgrages, citando o
sociólogo belga Roger Deldime, sugere duas maneiras possíveis de aplicação
das animações teatrais: animações teatrais periféricas (as que estão diretamente
vinculadas à um espetáculo) e as animações teatrais autônomas (que
acontecem independente de qualquer espetáculo).
As animações teatrais autônomas aconteciam não só em escolas, mas
também em empresas, fábricas, sindicatos e tinham como objetivo “tornar os
participantes capazes de questionar suas condições de vida, manifestar suas
ideias e anseios e transformar o ambiente pessoal e social” (p. 50). Já as
animações teatrais periféricas tinham como principal objetivo a formação de
espectadores. Estas exploravam a linguagem teatral, traziam outras informações
sobre o espetáculo, desmascaravam técnicas e aparatos teatrais.

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