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Série Santuário - Conto 2 – Outra vez você – Alicia e Bourregard

Adriana Reis
Série Santuário - Conto 2 – Outra vez você – Alicia e Bourregard

Adriana Reis
Série Santuário - Conto 2 – Outra vez você – Alicia e Bourregard

Outra vez você


3

– Alicia e Bourregard -

Série Santuário

Conto 2

Autora: Adriana Reis

Adriana Reis
Série Santuário - Conto 2 – Outra vez você – Alicia e Bourregard

Com o coração transbordando de alegria apresento a vocês a história de Alicia e Bourregard.


Um amor intenso, que nasceu num momento difícil, no lugar mais improvável.
Vocês conhecerão também um pouco mais dos nossos apóstolos, ou seriam lendas do rock?

Um agradecimento especial às minhas amigas insanas Ana Maria Vilhena Coelho e Sandra
Evaristo, que foram minhas incentivadoras, revisoras e leais consultoras.
A Lilith Lisa e a Martinha Fagundes que tão carinhosamente me incentivam.

Um grande beijo no coração de cada uma.


Desejo que ao lerem se apaixonem pelo casal, assim como fiz ao escrever.

Adriana Reis

Adriana Reis
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Dez anos antes


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Tudo estava tão quieto e silencioso que Bourregard podia ouvir os sons noturnos da mata nativa
que cercava a casa que ele e os demais membros do esquadrão chamavam de Santuário. Ele era o único
membro da equipe no interior da casa, que ao mesmo tempo era uma fortaleza. Os demais faziam a
segurança externa, revezando-se com os homens das outras duas equipes de elite comandadas por
Conrado e Caetano Montessori.
Somente os homens da equipe principal conheciam as verdadeiras identidades dos donos da
Abaré Segurança Corporativa e Escolta Especializada. Há dois anos, após várias missões de escoltas
frustradas pela política e diplomacia nacional e internacional, os irmãos haviam convocado os melhores
homens e mulheres que puderam encontrar em diversas organizações militares espalhadas pelo mundo.
Todos especializados em combate armado, rastreamento, vigilância, tecnologia civil e militar e
apresentaram a proposta de criar um esquadrão de elite para missões especiais. Essa equipe não teria um
nome, seus membros em cada missão teriam uma nova identidade, não receberiam reconhecimento
público por suas missões, seriam apenas fantasmas dispostos a se arriscar para fazer um trabalho que
outros não haviam conseguido.
Há quatro semanas, as três equipes desse esquadrão de elite tinham realizado a missão mais
arriscada e perigosa desde sua formação. Haviam invadido um dos acampamentos das Farc na
Amazônia Colombiana e libertado a jovem Alicia Mendes Bittencourt, sequestrada dez meses antes,
quando passava férias com a família naquele país. Além de Alicia, numa iniciativa impulsiva e arriscada,
libertaram outros seis reféns com quem ela dividia a mesma cela/jaula, o que quase levou ao fracasso da
missão.
Bourregard, que nessa missão atendia pelo nome de Hendrix, se aproximou de uma das janelas
blindadas e contemplou a visão da lua cheia que derramava o brilho prateado pela paisagem do rio e da
mata nativa e mais uma vez recordou o momento em que ele a havia encontrado.
A jovem estava seriamente debilitada, claramente desnutrida e desidratada, com vários
machucados pelo corpo e seus pulsos estavam em carne viva. Bo sentiu seu estômago encolher ao
recordar a maneira como os enormes olhos verdes dela haviam olhado para ele, quando a encontrou
encolhida num canto da jaula. Enxergou incredulidade, surpresa, certa desconfiança e o que mais mexeu
com ele, esperança.
Em nenhum momento a moça demonstrou sentir medo dele, e quando lhe revelou que fora
enviado por sua família, ela literalmente se jogou em seus braços e permaneceu agarrada a ele durante
todo o resgate. Somente deixou seus braços, quando a entregou aos cuidados da jovem Ângela, a
enfermeira ainda em formação, que era o mais recente membro adicionado à equipe, graças à teimosia
de Conrado Montessori, ou como a sociedade o conhecia Álvaro Nascimento.
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Ângela aos dezenove anos, apesar de ainda não estar formada, conhecia medicina melhor que
muito médico com anos de estrada. Crescera acompanhando o pai, cirurgião das forças armadas, em
zonas de conflito. Se a equipe, no início, tinha alguma dúvida quanto à capacidade dela, essa já não
existia. Cuidou com competência do atendimento de emergência dos sete reféns resgatados e fizera um
excelente trabalho de recuperação com Alicia Mendes.
Recordou a emoção de Alicia e dos pais quando conversaram pela primeira vez em onze meses,
pois apesar do resgate ter acontecido há quase um mês, por medida de segurança e para despistar as
Farc, somente no dia anterior a família fora notificada por Álvaro Nascimento (Conrado Montessori),
que a jovem fora libertada e estava em um local seguro.
O som de passos vindos da entrada dos fundos o fez virar-se para o recém chegado.
- Desconfio ser inútil, mas vou oferecer assim mesmo, se você quiser descansar posso render
você. – Javier, que na missão respondia pelo nome de Mick, disse sem disfarçar o aborrecimento. Bo
estava extremamente protetor com a moça, isso indicava que o assunto começava a ser pessoal e no
ramo deles, isso era encaminhar-se para o desastre. O fato de a casa estar com o aroma dos produtos de
beleza, que Angie tinha traficado para o santuário, só aumentava seu mau humor.
- Descansarei amanhã. – Bo respondeu sem se intimidar com a cara feia do homem a sua frente.
Na manhã seguinte os pais da moça chegariam ao santuário e a família seria escoltada até o aeroporto
internacional de Curitiba. Era a primeira vez que se sentia inquieto com o fim de uma missão, mas
sabiamente calou-se.
- Como consegue ficar aqui dentro com esse cheiro? A casa inteira cheira a mulher! – Javier
resmungou e praguejou em pensamento pela teimosia de Álvaro em contratar a jovem e rebelde Ângela
como enfermeira.
- Existem cheiros piores, suas meias por exemplo. – Bo retrucou divertido pelo mau humor de
Javier.
- O líder Optimus quer saber como a moça reagiu à partida brusca da nossa Ana Néri –
perguntou sarcástico provocando o riso involuntário de Bourregard, pelos apelidos inusitados, marca
registrada do humor ácido do espanhol.
- O líder Optimus decidiu vir fazer a pergunta pessoalmente, Don Juan de Marco. – Caetano
resmungou ao se aproximar e dirigiu sua melhor versão de olhar assassino na direção de Javier, não que
isso tivesse tido algum resultado. Se bem que Optimus soava melhor que o nome que fora forçado a
usar naquela missão, ele amava rock and roll, mas ser chamado de Elvis o estava deixando com um
humor de cão. – Tanto desenho animado está fritando seu cérebro – provocou para em seguida olhar
na direção de Bo. Também estava preocupado com a reação da moça à partida repentina de Ângela, a
pedido de Conrado e pela maneira como o irmão gritava ao telefone, não ousou fazer perguntas. - Uau,
a casa está com perfume de mulher. – dirigiu um olhar divertido a Javier.
- Você é tão culpado quanto a Ana Néri, você aprovou essa porra toda! – Javier disse entre os
dentes, se referindo ao “dia de meninas”, promovido pela enfermeira para melhorar a auto-estima da
paciente e prepará-la para o encontro com os pais no dia seguinte e que fora interrompido pela chamada
urgente de Conrado (Álvaro).
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- Me pareceu uma boa idéia quando ela propôs. Agora já não estou tão certo, pensou consigo
mesmo, pois um aroma como aquele não contribuía em nada para concentração dos homens.
- Prefiro o cheiro das minhas meias. Javier resmungou – Quando estou em missão. Esclareceu
ao receber olhares interrogativos dos outros dois homens.
- Como ela está reagindo à partida da Janis? Caetano perguntou usando o nome pelo qual Ângela
atendia nessa missão. Bo respirou fundo antes de responder e praguejou em pensamento ao ter as vias
nasais invadidas pelo odor feminino. 7
- Ela se trancou no quarto, mas abriu a porta quando levei o jantar, porém o que mais me
preocupa é que Janis antes de ir, avisou que ela tem pesadelos todas as noites, o que deve piorar com a
ansiedade do reencontro com os pais e um pouco mais com a ausência dela. Bo percebeu que Caetano
não estava surpreso com a informação.
– Sabia dos pesadelos? Perguntou já irritado pelo chefe ter omitido essa informação dele. Desde
o resgate de Alicia a equipe estava acampando do lado de fora da casa. Ao perceber o quanto arredia a
moça se sentia com a presença dos homens, Ângela literalmente os expulsou da casa, o que explicava o
mau humor de Javier.
Caetano respirou resignado, não era somente com a moça que estava preocupado, a reação
protetora e passional de Bo havia ligado todos os seus alarmes internos.
- Porque acha que foi escolhido para estar aqui? Você, além da Janis, é a única pessoa que ela
tolera por perto. Não vou mentir cara, eu teria escalado o garoto mangá para essa tarefa se não fosse por
isso. Disse, se referindo ao apelido dado por Javier a Henrique, que era o mais jovem do grupo. A
maneira como Bo olhou para ele demonstrava que ele só deixaria isso acontecer se estivesse morto.

No banheiro da suíte que ocupava na casa, que todos se referiam como santuário, Alicia
contemplava seu próprio reflexo no espelho tentando reconhecer a mulher que a olhava de volta, e
apesar das melhorias promovidas pela enfermeira Janis e seu insólito “dia de meninas” se descobriu
mirando as feições e os olhos de uma estranha.
Há menos de um ano, era uma jovem com sonhos e fome de viver como qualquer outra garota
de dezenove anos, hoje, sentia-se muito, muito mais velha. Tocou o espelho como se tocasse o rosto da
desconhecida que o vidro teimava em refletir, aceitando a maturidade que lhe havia chego a custo do
sofrimento e pela primeira vez desde seu resgate, fez uma prece agradecendo a Deus por ter
sobrevivido.
Sentiu o peito mais leve ao pensar que no dia seguinte estaria com sua família e até onde ela sabia,
não existia melhor lugar para curar feridas que no aconchego daqueles a quem amava. Somente seus pais
foram autorizados a entrarem no santuário, seus irmãos, cunhadas e sobrinhos a encontrariam em casa.
Sentiu o coração aquecer ao lembrar-se das notícias lindas que recebera: o sobrinho Miguel que era
recém nascido quando foi sequestrada já estava andando e há dois meses nascera Sofia. Ela nem chegou
a saber que a cunhada estava grávida! A expectativa do reencontro também trazia aquela indesejável
sensação de desconforto, sabia que estava diferente, porém ainda não conhecia a profundidade dessas
mudanças e a possibilidade de não mais se adaptar a família fazia seu coração apertar-se.
- Como dizem, seja o que Deus quiser. – disse para si mesma incomodada pelo excessivo silêncio

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da casa, desde a partida as pressas da enfermeira maluquinha. Caminhou pelo quarto que estaria
abandonando logo pela manhã e ao sentar na cama e recostar-se sobre os travesseiros pensava no grupo
tão impressionante quanto incomum que a havia resgatado do inferno que fora seu cativeiro na
Colômbia.
Seus lábios se curvaram no ensaio de um sorriso ao pensar na inusitada escolha de nomes pelos
quais eles chamavam uns aos outros. Não era preciso ser um gênio das relações humanas para entender
que os nomes eram falsos, afinal, que tipo de fenômeno cósmico, reuniria num grupo de mercenários,
homens que se chamavam de Elvis, Fred, Axel Hendrix, Mick, Renato e uma enfermeira chamada Janis?
Se bem que Renato a havia confundido, até que na noite anterior, quando fora levada até o subsolo da
casa, que mais parecia o centro de comando da NASA, para conversar com seus pais através de vídeo
conferência, ela e Hendrix, que sempre a acompanhava, o surpreenderam cantarolando a musica faroeste
caboclo e tudo fez sentindo.
- Fui resgata por lendas do rock- disse baixinho para si mesma se divertindo com a ironia, pois o
único que lembrava o seu homônimo era o loiro alto, de feições nórdicas, que usava lenço na cabeça e
óculos escuros que realmente faziam lembrar o vocalista da banda Guns N„Roses, porém, com muito
mais músculos. Aprendera a respeitar cada um, e diferente do que pensavam, ela não tinha medo deles,
só não se sentia confortável em tê-los a sua volta.
Pensou em Janis e o sentimento de gratidão tomou conta seu peito. A jovem cheia de vida, que
contagiava o ambiente com sua energia, havia sido mais que uma enfermeira. Também fora ouvinte e
psicóloga e reconhecia que sentiria falta dela, assim como sentiria falta do constante olhar carinhoso e
cheio de cuidado de Hendrix. Desde o momento que ele entrou na jaula e a tirou do acampamento das
Farc nunca vira pena ou compaixão em seu olhar, enxergava respeito, extremo cuidado e carinho.
Sabia que era irracional sentir essa proximidade com um homem com o qual mal trocara meia
dúzia de palavras, mas, depois de passar quase um ano sob o terror dos guerrilheiros colombianos, quem
poderia esperar que ela fosse racional? – pensou consigo mesma e suspirou resignada.
Ainda pensando no quanto a presença do xará do rei da guitarra lhe era reconfortante adormeceu
num sono agitado.

Bourregard caminhava pelos cômodos da casa revistando cada espaço com o olhar treinado.
Estava inquieto, tinha aquela sensação de que algo não ia bem... Já pedira para a equipe externa revisar a
área duas vezes e se pedisse uma terceira tinha uma vaga idéia de onde os caras o mandariam enfiar sua
cabeça.
Estava a caminho da cozinha para mais uma revista, quando escutou o primeiro grito. Era um
som impregnado de dor e medo. Correu em direção ao quarto principal e praguejou quando encontrou a
fechadura trancada por dentro. O som do choro desesperado aumentava na mesma proporção das
súplicas incompreensíveis que chegavam até ele através do cômodo. Já estava a meio caminho da sala
em busca de uma das cópias das chaves da casa, quando um baque surdo lhe tirou essa opção e sem
pensar duas vezes arrombou a porta.

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O que viu fez seu peito encolher dolorosamente. A visão da moça caída no chão, o corpo na
posição fetal com os braços protegendo a cabeça. Chorando desesperadamente ela tentava arrastar ainda
mais o corpo já pressionado contra parede, parecendo que desejava se fundir com a mesma para fugir do
sofrimento. Ele compreendeu que no pesadelo era revivia o horror dos espancamentos que havia
sofrido.
- Me deixem sozinho com ela. Pediu sem precisar virar a cabeça para saber que os caras da equipe
estavam logo atrás dele, pois o som da porta sendo arrombada trouxera todos para o interior da casa. – 9
Agora! Gritou ao perceber que ninguém havia mexido um músculo.
- Ouviram o Hendrix, todos fora. – Caetano deu a ordem no tom de voz que fazia com que
todos os homens o obedecessem sem questionamento. – Cuide dela. O tom de ordem não enganou Bo,
o outro homem também estava tão preocupado com a moça quanto ele.
Esperou que o último companheiro estivesse do lado de fora para se aproximar. Ajoelhou-se ao
lado dela que se matinha na mesma posição ainda chorando e foi quando conseguiu entender o que ela
dizia: estava implorando para que seu agressor parasse e que tivesse misericórdia. Sentiu a ira ferver em
seu interior e pela primeira vez estava satisfeito por ter tirado a vida de alguém. Naquele momento
sentia-se grato por, junto com o esquadrão, ter mandado os desgraçados que a machucaram ao inferno
para conversarem pessoalmente com o diabo.
Ele praguejou em pensamento e quando tentou tocá-la, ela gritou aterrorizada. Após várias
tentativas de acordá-la, todas sem sucesso, sofrendo junto com ela, num gesto de puro desespero,
levantou-a pelos ombros e a chacoalhou com força.
– Acorda Alicia! Gritou e quando o par de enormes e confusos olhos verdes contemplaram os
dele, sentiu um alívio tão grande que o fez pensar se a expressão chorar de alívio era de fato figurativa.
– Está segura moça, foi só um sonho ruim, já passou tudo isso ficou pra trás. Disse com uma voz suave
ao mesmo tempo em que afrouxava a pressão de seus dedos em seu ombro, até que a soltou.
Alicia demorou alguns segundos para se situar. Num minuto estava sendo espancada na frente
dos outros reféns, com os demais guerrilheiros rindo, se deliciando com a demonstração de violência e
crueldade, no seguinte estava olhando para os cuidadosos olhos de Hendrix.
Ela tentou respirar e o peito doeu. Ainda dominada pelo terror jogou-se em seus braços e uma
onda de conforto a preencheu. Olhou confusa para o ambiente a sua volta e reconheceu o quarto que
agora tinha uma porta quebrada, mas, ao contrário do que se podia pensar, acordar não aliviava a dor,
ainda se sentia tão sozinha, frágil... infeliz... tinha tanto frio...
- Não me solte. Suplicou e apertou-se ainda mais contra o corpo quente e acolhedor.
- Não vou a lugar nenhum moça. - Bo (Hendrix), respondeu atordoado. Ela estava toda
envolvida nele, braços e pernas, apertava tanto que era difícil respirar, mas ele não ousava protestar, nem
sequer do incômodo de estar de joelhos. Pequenos tremores ainda sacudiam o corpo delicado e sentia a
pele gelada através do fino tecido de algodão do pijama que ela usava para dormir.
O perfume que o perseguira durante o dia, agora o cercava em um invisível e impiedoso abraço.
Ela cheirava tão bem... O cheiro o fazia lembrar as chuvas de verão que saciavam as folhas sedentas e
refrescavam a terra sufocada pelo calor escaldante.
Seu corpo respondeu de forma feroz a proximidade e na medida em que ela se acalmava e a

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temperatura do corpo se normalizava, ele experimentou o inferno. Ter o corpo dela envolto ao seu e
mantê-la afastada da sua tão exigente, quanto inoportuna ereção, era ao mesmo tempo o pior dos
castigos e a mais doce das torturas.
Deliciada com o calor que emanava do corpo de Hendrix, Alicia suspirou, sentindo pela primeira
vez, em um longo tempo, uma sensação semelhante à paz. Olhou novamente em direção da porta
quebrada e sentiu uma ligação emocional com o quarto que a acolhera, pois apesar das feridas externas
terem cicatrizado, sua alma estava tão quebrada e frágil quanto à porta agora se encontrava e não queria
se sentir assim. Desejava com desespero sentir-se inteira, queria sentir a energia vibrante da vida em cada
célula de seu corpo, odiava essa fragilidade débil, queria, nem que fosse por uma noite, deixar para trás
todo o terror pelo qual havia passado e experimentar novamente a alegria despreocupada de viver.
Cansada de tanto pensar, coisa que fazia muito nos últimos tempos, permitiu aconchegar-se ainda
mais ao quente e reconfortante corpo que a segurava. Pôde sentir o quão tenso ele havia ficado ao tentar
evitar seu lânguido movimento, mas já era tarde.
A cada suspiro involuntário da moça, ele se sentia mais próximo do caldeirão do inferno e
quando inadvertidamente ela moveu o corpo para aparentemente mudar de posição em seus braços, não
conseguiu ser rápido o bastante e agora ela o olhava com um misto de choque e surpresa. Bourregard já
preparava mentalmente o pedido de desculpas quando o impensável aconteceu.
Os olhos verdes, que haviam ficado ainda mais escuros, o miravam numa tentadora mistura de
curiosidade e excitação que lhe roubou o ar. E quando ele pensou que a situação não podia ficar pior ela
se mexeu para deixar o rosto na mesma altura do seu e ele teve que exercer todo o seu controle para não
gemer.
- Moça... Sussurrou rouco e ofegante, falhando miseravelmente em sua tentativa de adverti-la o
quão perigoso era aquele caminho para ambos. Estavam tão próximos que ele sentia o hálito mentolado
do creme dental que ela havia usado antes de dormir e enxergava as discretas e quase imperceptíveis
sardas que ela tinha em volta do nariz.
- Me faça esquecer. O pedido saiu numa voz rouca que ela desconhecia – Só por hoje, por essa
noite, me faça esquecer. Ela não sentia vergonha ou timidez, a necessidade de sentir-se viva sobrepujava
quaisquer inibições que poderiam tê-la intimidado e de repente sentia uma necessidade tão grande de ser
beijada e acariciada por aquele homem, que chegava a doer.
- Alicia. Sussurrou perdido, compreendendo enfim o porquê de Adão sucumbir à serpente, pois
naquele momento, mesmo sabendo o quão errado seria tocá-la, não conseguiu resistir à tentação de
experimentar um pedaço do paraíso.
Quando os lábios fortes tocaram os seus, numa carícia lenta e exploradora, ela deixou de pensar e
se entregou as sensações. Podia jurar que seu sangue corria mais rápido em suas veias e seu o coração
trovejava tão forte que tinha a impressão que Hendrix podia ouvi-lo. O beijo carregado de persuasiva
sedução foi sucedido por outro, e mais outro e mais outro...
Bourregard explorava a deliciosa boca de Alicia sem pressa, provando, provocando e saboreando
pela primeira vez na vida o gosto do céu. Seu corpo respondia ao dela com força e intensidade até então
desconhecidas para ele. Sem deixar de beijá-la os levou para a cama e a manteve sentada sobre o seu
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colo. Apesar de todo o seu ser gritar pelo dela, seria suave e gentil e daria à moça o que ela havia pedido:
uma noite para esquecer e que Deus o ajudasse depois disso.
- Alicia! Murmurou.
Os lábios percorreram o pescoço esguio e delicado e ela respirou fundo, deliciada. Quando os
olhos se encontram, a visão dos dela com pálpebras pesadas pelo desejo fez o ego masculino rugir em
seu interior. Percorreu com o olhar faminto o corpo feminino, vestido num ridículo pijama de bolinhas
vermelhas e com uma enorme estampa da Minnie, e que os anjos tivessem piedade dele, porque naquele 11
momento acreditava nunca ter visto uma mulher tão sexy como a que estava em seu colo.
Quando a despiu da camisa do pijama, sentiu o corpo delicado ficar tenso. Ela não recuou, mas
estava visivelmente desconfortável.
- Sei que não sou bonita, meu corpo tem muitas cicatrizes. Ele a interrompeu com outro beijo
arrasador.
- Você é linda moça. Tocou os cabelos, ondulados da cor de mel, que estavam um desastre,
quando ela foi resgatada, e que Angie havia cortado um pouco acima dos ombros. Percorreu com os
dedos o rosto delicado e o contraste da pele dele, negra, com a dela, o deixou fascinado, pois apesar de
ainda trazer as marcas do que sofreu no cativeiro, continuava tão clara como a pétala mais frágil de um
botão de rosa branca. Pegou uma das mãos que estavam em seu peito, beijou a palma e sem seguida a
cicatriz do pulso, que ela levaria para o resto da vida. – Cada marca, cada cicatriz só faz aumentar sua
beleza e o homem que não enxergar isto não merece que perca seu tempo com ele.
O peito dele se encheu de orgulho e posse quando ela corajosamente se desfez do sutiã. A visão
dos seios cheios com delicados e excitados mamilos rosados quase lhe roubou o controle. Os restos das
roupas de ambos seguiram o mesmo destino da peça. O preservativo que estava em sua carteira por
puro hábito, já que não saía com uma mulher há meses, foi resgatado e jogado em cima da cama, num
ultimo resquício de razão que sobrava dentro dele.
Alicia desejou que aquela parte da noite nunca acabasse. Sentia o mundo, o passado e o futuro
agora esquecidos, para ela só o presente existia. Em cada toque ele era extremamente carinhoso, terno,
suave, a fazia sentir-se desejada e cuidada ao mesmo tempo.
E não era apenas ela que estava no limite do controle, o corpo dele respondia com intensidade as
tímidas carícias dela. Sem medos ou remorsos, uniram seus corpos, com ela sentada em seu colo,
olhando nos olhos um do outro e Bourregard soube que naquele exato momento a moça que lhe tinha
pedido uma noite para esquecer, tinha lhe roubado a alma.
A intensidade do êxtase a pegou despreparada e ela se perdeu em uma miríade de sensações
enquanto seu corpo era sacudido por tremores incontroláveis.
Nada do que ele havia vivido antes, chegava aos pés da força do orgasmo que acabara de
experimentar. Nunca passaria pela sua cabeça que ato sexual pudesse ser tão... poderoso foi a palavra
mais próxima que encontrou para descrever o que sentia naquele momento.
Permaneceram abraçados, dando boas vindas ao acolhedor silêncio, enquanto os corpos se
recuperavam lentamente da arrebatadora e inadvertida paixão compartilhada.
- Qual a sua idade Hendrix? Alicia fez a pergunta com a cabeça ainda apoiada no ombro dele.
Sentia um explicável desejo de se abrir, de confessar seus medos e revelar suas esperanças.

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Bo demorou uns instantes para responder, o som delicado da voz dela o pegara tão desprevenido
quanto o amargo sabor de ouvir o nome que usava naquela missão.
- Vinte e seis. Respondeu ainda abalado pelo que acontecera entre eles e por já desejá-la
novamente.
- Eu fiz vinte, há três meses. Ela respirou e de repente não conseguiu parar de falar. - Eles me
espancaram nesse dia, por eu ter tentado fugir.
Bo a deixou desabafar. Ele e o esquadrão sabiam que ela havia tentado fugir várias vezes e em
cada uma delas, foi espancada quando recapturada.
– Realmente acreditei que eu não viveria o suficiente... Não conseguiu terminar a frase.
Bo permaneceu em silêncio reconhecendo que ela precisava expurgar parte do que havia sofrido
em tantos meses de cativeiro.
- Hoje me olhei no espelho e me senti tão mais velha... sinto que não posso voltar atrás, não
consigo... meus pais... O encarou - Eles esperam reencontrar a filha que perderam há quase um ano e
não sei se consigo ser ela novamente, entende? Fez a pergunta olhando dentro dos olhos dele.
Bo engoliu em seco, preferia que ela tivesse mantido a cabeça em seu ombro, olhar para aqueles
olhos tão verdes, como a cor do coração da mata que cercava a casa, o fez desejar a ter conhecido em
outro lugar, num outro momento, sob condições bem diferentes das que se encontravam.
- Não vou mentir moça. Disse acariciando os cabelos dela - Este recomeço não será fácil, a
readaptação parecerá o inferno em alguns momentos, mas você já demonstrou que é forte e a vida vai te
dar novas lembranças que você guardará aqui. Tocou na cabeça dela. – E aqui. Indicou seu coração. – E
aos poucos você deixará tudo de horrível que te aconteceu para trás.
A olhava demonstrando sem pudor o quanto desejava tê-la novamente, mas o bocejo
incontrolável de Alicia o fez praguejar por sua insensibilidade. A moça ainda estava debilitada e a única
coisa em que pensava era em deitá-la, cobrir o corpo esguio com o seu e permanecer dentro dela até o
amanhecer?
- Desculpe. Disse constrangida e o tom rosado na pele alva o fez sorrir.
- Precisa descansar, amanhã será um dia longo. Sentiu como se um buraco fosse aberto em seu
peito ao recordar que no dia seguinte ela sairia de sua vida. O som de um leve ressonar o trouxe a
realidade: a moça adormeça quase que instantaneamente em seus braços.
Bourregard deixou Alicia adormecida e seguiu para o seu quatro, tomou uma ducha rápida e
querendo evitar que a equipe descobrisse o que havia se passado no interior da casa optou por vestir a
mesma roupa. Amaldiçoou sua estupidez ao recolocar a porta danificada no lugar e com a chave de
fenda em mãos fixou a dobradiça solta, a fechadura teria de esperar.
Respirou fundo, ainda profundamente abalado. Em nenhum momento enquanto a tinha em seus
braços recordara que não tinham privacidade. Agradeceu aos céus o fato das escutas e câmeras de
vigilância cobrirem somente as áreas comuns da casa, pois tinha certeza de que se fosse ao contrário,
tampouco teria parado. A moça o havia deixado cego, o tinha tirado do prumo, baixara a guarda pela
primeira vez e sequer se arrependia. Estou ferrado, pensou.

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Checou mais uma vez a segurança da casa, seu pensamento nunca abandonando a mulher que
dormia profundamente na suíte principal, queria voltar àquele quarto e fazê-la sua novamente. Inquieto
optou por respirar um ar que não estivesse impregnado pelo perfume dela e seguiu para a varanda.

- Passem a grana para o papai! Javier cobrou satisfeito ao ver Bourregard sair à varada e seu
entusiasmo foi seguido de um coro de lamentos raivosos.
Henrique foi o primeiro a colocar o dinheiro nas mãos o espanhol, seguido pelos colegas que 13
demonstravam estar tão mal humorados quanto o mais jovem da equipe.
- Os caras apostaram quanto tempo você aguentaria ficar lá dentro, com a casa cheirando a
mulher, nosso Mick, disse se referindo ao nome usado por Javier para a missão, apostou que o perfume
seria insuportável durante a noite, mesmo para você. Caetano esclareceu ao se aproximar de Bo que
olhava a cena com uma expressão fria e interrogativa. – Renato Russo apostou alto em você, disse que
só deixaria a casa após a moça e a família deixarem o santuário. Complementou sem disfarçar o quanto a
brincadeira o divertira, mesmo perdendo dinheiro.
Antes que Bo pudesse tecer algum comentário, como por exemplo, onde eles podiam enfiar a tal
aposta, Mick (Javier) estava diante deles.
- Não pense que vai escapar líder Optimus, passa a grana. Cobrou com uma expressão de prazer.
- Apostei que ficaria até o amanhecer. Caetano esclareceu diante da expressão incrédula de Bo
enquanto entregava a quantia combinada. – Tire essa sua cara infeliz do meu caminho. Resmungou ao
espanhol que retornou a seu posto.
- Fico feliz que estejam se divertindo as minhas custas. Bo comentou sarcástico.
- O prazer é todo nosso. Caetano respondeu irônico, não se intimidando com a cara feia do outro
homem. – Como está a moça? Perguntou sério.
- Dormindo. Respondeu secamente.
- Deu um jeito naquela porta?
- É óbvio. Bo não percebia em nenhum deles o menor conhecimento sobre o que tinha ocorrido
no interior da casa e respirou aliviado, não por ele, apesar de não ter dúvidas quanto a reação de
Conrado Montessori se a história vazasse, mas por Alicia. No que dependesse dele ela teria a intimidade
e a privacidade resguardadas.
- Bom, a ultima coisa que precisamos é que a família da moça acredite que somos selvagens.
Caetano falou. O assunto foi interrompida pela aproximação de Henrique.
- Chefe, já posso reativar o Eduardo e a Mônica? O mais jovem da equipe perguntou se referindo
aos sofisticados equipamentos de gerenciamento de monitoração da casa, que administravam as câmeras
e microfones instalados nas áreas comuns.
O chefe autorizou com um aceno de cabeça e ele se afastou feliz em cumprir a tarefa, o menino
era um caso perdido, pensou Caetano, tratava as máquinas como se fossem seres humanos.
Bo não escondia a surpresa, desde a criação do santuário a vigilância da casa nunca fora
desativada, até aquela noite.
- Os caras estavam inquietos, não há nada pior para um bando de homens treinados em táticas de
guerra e áreas de conflitos que as lágrimas de uma mulher e antes que eles desertassem, fiz o que tinha

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Série Santuário - Conto 2 – Outra vez você – Alicia e Bourregard

de fazer.
Bo não se deixou enganar.
- Eles ou você? Não se intimidou com o olhar “se rir eu te faço engolir os dentes” do chefe.
- O inferno irá congelar antes que eu deixe uma mulher chorar em meus ombros. Caetano
resmungou claramente incomodado. Preferiria enfrentar dez vezes os guerrilheiros das Farc do que
enfrentar uma mulher chorosa. Ele sabia o que fazer com os terroristas, mas não tinha idéia de como
lidar com as lágrimas femininas. – Vamos dar uma volta. Bo entendeu que era uma ordem e não um
convite e observou como com um simples olhar o chefe ordenou que Kashim o substituísse no interior
da casa. A expressão consternada deste realmente o teria divertido se Alicia não estivesse envolvida. Não
se sentia confortável com outro homem perto dela, olhou para Caetano para dar uma desculpa qualquer
e viu a resposta no semblante do homem: nem tente.
- A moça está dormindo e a porta foi consertada. Disse por fim a Kashim quando este passou
por eles para cumprir a ordem recebida. Irritado seguiu o chefe em sua caminhada em direção ao rio. O
fato de este procurar um lugar afastado para a tal conversa acendeu todos os alertas internos dele.
- Temos um problema e dos grandes, cara. Caetano disse evitando seu olhar e mirando ao rio.
Bo já estava preparando o discurso meta-se com a sua vida, quando se deu conta que o problema
não era com ele, e em silêncio aguardou as noticias, que certamente não eram nada boas.
- As Farc mantêm vários acampamentos, agem assim para despistar o exército colombiano, o que
atacamos para resgatar Alicia Mendes Bittencourt não era sequer o principal. Recorda que enquanto nós
e a equipe 2 nos ocupávamos das jaulas, Conrado e a equipe 3 derrubaram o comando do
acampamento?
Bourregard soube, naquele momento, que tinham problemas titânicos, pois uma introdução
desnecessária como aquela, somente era usada para preparar o ouvinte para algo muito ruim e sentiu o
sangue gelar nas veias.
- Cospe de uma vez. Resmungou impaciente.
- O nome Boris Stankowich te diz alguma coisa? Perguntou Caetano, encarando Bo.
- O chefão do tráfico de armas na Rússia? O homem sem rosto? O que ele tem a ver com o
resgate da Alicia?
- Descobrimos que ele foi um dos homens mortos durante a ação, estava visitando o
acampamento.
- Como? Estamos realmente fodidos, pensou.
- Informantes do Conrado ouviram rumores entre os russos, os italianos e os chineses e que foi
confirmado há poucos dias. Boris Stankowich foi morto em uma emboscada na Colômbia, efetuada na
mesma janela de tempo em que resgatamos Alicia e os outros, e sabe que não havia nenhum outro
resgate, ou ação, contra os guerrilheiros neste período, nos asseguramos disso antes de agir.
- O que um homem poderoso como esse fazia na Colômbia? Bo perguntou, pois sabia que o
homem estava na lista dos dez criminosos mais procurados do planeta.
- Não sabemos ao certo, mas de uma coisa temos certeza, ao resgatarmos a moça, interferimos
em algo grande entre as Farc e o clã Stankowich.
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- Os desarticulamos? A esperança era a última que morria, não era?
Caetano respirou fundo, num misto de frustração, ira e indisfarçável preocupação.
- Pelo que Conrado conseguiu investigar, o Junior, ou melhor, Dimitri Stankowich, assumiu o
comando dos negócios da família, e o homem está com sede de vingança.
- Sabíamos que ele tinha um filho?
- Tanto quanto sabemos qual é sua aparência. Comentou irônico. Aqueles homens eram como
fantasmas: ninguém conhecia a aparência do pai e muito menos do filho, da qual até poucos dias eles 15
desconheciam a existência.
- Merda! Praguejou Bourregard. – Estamos mortos e pensando nos métodos russos, será de uma
forma bem lenta e dolorosa.
- Não se pudermos evitar. Caetano declarou com determinação – Se hoje somos bons no que
fazemos nos tornaremos os melhores. Não conhecemos o rosto dele, então ele também não conhecerá
os nossos, a partir de agora ou nos tornamos os melhores em esconder nossos rastros, ou morremos
tentando.
Bom, Bo pensou, ali estava o motivo de apesar de não ser o mais velho entre eles, Caetano se
tornara o líder incontestável da principal equipe do esquadrão comandado por Conrado Montesssori.
Um pesado silêncio se estabeleceu entre eles por longos minutos.
- Porque estou sabendo disso antes dos outros? Bo perguntou já desconfiando que a resposta
tivesse algo a haver com Alicia.
- Nossos rostos estavam cobertos e durante o resgate nos comunicamos em idiomas diversos,
isso quer dizer que os demais civis resgatados nem desconfiam quem somos. Amanhã teremos esse
mesmo cuidado. A família dela conhecerá apenas o rosto do Conrado, não há remédio quanto a isso.
Alicia será a única que conhece relativamente a aparência de cada um de nós. Cada um deles havia
camuflado a real aparência de alguma forma, já que este era um procedimento de segurança primário.
- O que exatamente está me pedindo? Bo perguntou.
- Você precisa prepará-la para nos ver novamente com as máscaras, ela ainda está frágil, não
sabemos como pode reagir. Conrado chegará uma hora antes dos pais e conversará com ela, não sei o
que dirá, nem como a convencerá a manter a informação em segredo, mas ele o fará.
- Estarei presente nessa conversa. Não pediu autorização e Caetano não ousou contestar. Já
tinham problemas demais para criar mais um.

A energia com que Ágata Mendes Bittencourt caminhava pela suíte principal do santuário,
rivalizava com a alegria com que falava, sem parar, sobre os planos para o futuro que tinha para a filha.
Alicia desistira de acompanhar o que sua mãe dizia, há alguns minutos atrás, e maravilhada a observava
arrumar suas malas. As mesmas que a mãe desarrumara para escolher a roupa que ela agora vestia.
Como ela havia conseguido lhe comprar, um guarda roupa completo, em menos de vinte quatro
horas era um mistério para ela! O som do matraquear constante, do qual não conseguia acompanhar as
palavras, soava com a mais bela das melodias em seus ouvidos.
Recordou o momento do reencontro com os pais e não conseguiu segurar as lágrimas, que
fujonas, escorriam pelo rosto. Os três se abraçaram e choraram juntos. Ela foi abraçada e beijada e

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abraçada de novo... Longos minutos depois, já com as emoções sob controle, os três conversaram sobre
o que ela havia passado e os planos para o futuro e durante a conversa descobriu que ainda naquela
manhã partiriam para a Europa, de onde não tinham data para voltar.
Nessa altura, escutava sem ouvir os planos de seus pais para a viajem. Sabia que eles estavam
fazendo o que acreditavam ser o melhor para ela, mas naquele momento só queria ir para casa... O fato
deles não a terem consultado a decepcionou. Estava sendo injusta e provavelmente egoísta, mas não
sabia identificar que sentimento era esse em seu peito e ainda tentava analisar o que acontecia em seu
interior, quando Álvaro Nascimento os interrompeu, para tratarem do aspecto prático de sua partida.
Sem perder de vista os movimentos da mãe, se pegou pensando em Hendrix, e suspirou
involuntariamente.
- Tudo bem querida? A mãe perguntou com semblante preocupado.
- Tudo bem! Não quer realmente minha ajuda com as malas? Perguntou já adivinhando a
resposta.
- Não, fique aí quietinha e descanse, deixe tudo comigo. Disse colocando mais uma peça de
roupa metodicamente dobrada na mala perfeitamente arrumada. – Posso tentar conseguir um chá, você
quer um chá meu bem? É sempre um santo remédio.
- Não mãe, estou bem.
A mãe a escrutinou com aquele olhar, “eu sei tudo sobre você” e dando-se por convencida,
retornou entusiasmada a tarefa de arrumar as malas.
Alicia caminhou até as janelas e observou a linda vista do rio e da mata, o sol brilhava lá fora e se
perguntou por que apesar de estar feliz, sentia aquela melancolia. Hendrix invadiu sua mente novamente.
Quando acordou ele estava de pé junto à porta do quarto com os braços cruzados e pernas afastadas, ela
havia pensado em como um homem só podia ser tão perfeito! Deveria ter uma lei que proibisse tal
coisa! Por um instante imaginara ter visto seu olhar brilhar com a mesma intensidade da noite anterior,
para no instante seguinte ter suas esperanças frustradas quando ele se dirigiu a ela no melhor estilo
militar educado. Com uma voz firme, porém gentil a informou que Álvaro Nascimento a aguardava para
uma conversa, antes da chegada de seus pais e que os homens estariam com os rostos cobertos, um
procedimento rotineiro de segurança segundo ele, que deixou o quarto sem dizer mais nada, nem olhar
para trás.
A conversa com Álvaro foi menos tensa, apesar de importante. Soubera que há alguns dias as
Farc tornou pública a fuga dos reféns e estava relatando a mesma como efeito colateral à emboscada
realizada a um traficante de armas. Ela não entendeu muito bem essa parte, mas compreendeu
perfeitamente que para sua segurança, e da família tinha de repetir com convicção a versão que ele lhe
dava naquele momento para o resgate: Os reféns foram resgatados por homem vestidos de preto dos
pés a cabeça e que falavam em diversos idiomas, o que era verdade. Logo após a saída do acampamento
foram dopados e acordaram dias depois: uma meia verdade. Que ela acordara em um hospital na Bolívia,
mentira. Mal sabia ele que para garantir sua segurança e de sua família, ela seria capaz de dizer que fora
voluntariamente se alistar nas Farc.

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Álvaro também a informou que ela fora a única pessoa que vira seus homens sem as máscaras,
nem mesmo seus pais conheciam ou conheceriam a aparência deles e lhe pediu sigilo absoluto sobre o
assunto, mesmo com a família. Alicia intuiu que havia muito mais do que o homem responsável por seu
resgate revelava, mas o mesmo sentido a fazia perceber que quanto menos soubesse sobre o assunto,
mais segura estaria.
- Alicia! A voz da mãe a trouxe a realidade e surpresa, percebeu que ela estava parada ao seu lado.
– Não me ouviu dizer que já podemos ir? Antes mesmo que a filha pudesse dizer alguma coisa, 17
continuou. – Também pobrezinha, com esse bando de homens mal encarados lá fora, não é de estranhar
que se sinta perdida. Eles não podiam sequer tirar aquelas máscaras horrorosas? Perguntou ao mesmo
tempo em que fingia ajeitar a roupa da filha, um gesto arraigado desde sua infância pelo que podia
recordar.
Ela sorriu do descontentamento da mãe e da contradição em sua fala, afinal se estavam
mascarados como os homens poderiam ser mal encarados? Mas preferiu não discordar.
- A senhora pode ir à frente, eu preciso de mais alguns minutinhos. A expressão da mãe
demonstrou que não gostou daquele pedido.
- Não vou ficar mais de dois metros longe de você! Não enquanto não estivermos em segurança
em Londres. Decretou e Alicia sentiu o coração aquecer.
- Mãe, esse lugar é mais seguro que a residência oficial do presidente da república ficarei bem!
Preciso de uns minutinhos sozinha antes de irmos. A mãe hesitou por alguns instantes, mas, por fim
cedeu a seu pedido. Depositou um beijo maternal em sua testa e deixou o quarto.
Ela respirou fundo ao ver a mãe fechar a porta atrás de si e se perguntou se estaria perdendo o
juízo, pois, pedira os minutos de privacidade com a louca esperança de que Hendrix entrasse em seguida
para dizer adeus. Queria descobrir se sua mente fragilizada tinha criado memórias falsas da paixão que
viveram naquele quarto, pois o homem gentil, carinhoso e que beijava como pecado não tinha nada em
comum com o homem frio e formal que ela encontrou ao acordar. Será que fazer amor com ela fora tão
ruim assim? Ela sabia que não tinha experiência, na verdade tinha feito sexo somente uma vez e fora
uma experiência frustrante, para dizer o mínimo... Olhou em direção da janela e contemplou pela ultima
vez a vista que a consolara tantas vezes nas ultimas semanas.
Bo entrou no quarto ainda quando a mãe estava com ela, oculto observou a conversa entre mãe e
filha. A mulher loira e esguia, de roupas elegantes, caminhar determinado e que falava sem parar tinha
pouco em comum com a filha de cabelos castanhos, gestos delicados e natureza contemplativa e ele se
perguntou quanto o cativeiro a tinha mudado? O quanto da alegria e energia o sofrimento lhe havia
roubado? E desejou que os guerrilheiros mortos pudessem ressuscitar, somente para matá-los
novamente.
Ao vê-la sozinha no quarto soube que deveria deixar o cômodo tão silenciosamente quanto
entrara, mas não conseguiu. Era um homem condenado a morte, os russos não deixariam por menos e
isso era motivo suficiente para correr na direção contrária, mas não era forte o bastante... Jogando para
o alto todo o bom senso e treinamento, se embebedou da imagem dela perto da janela, com o olhar
perdido, sua visão evocava o suave e o etéreo tudo tão distante de seu mundo...
Apesar de ter ganhado peso nas ultimas semanas, ainda estava muito magra, usava uma das

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Série Santuário - Conto 2 – Outra vez você – Alicia e Bourregard

muitas roupas caras trazidas pela família e sua imagem refletia quem ela realmente era, a garota rica, filha
mais nova do rei da soja no Brasil. Uma mulher que merecia mais que um homem marcado para morrer
poderia oferecer. Esse pensamento lhe deu forças para fazer o que era preciso e não se permitindo
hesitar foi para o centro do quarto e aguardou que ela notasse sua presença.
- É hora de voltar a viver. Alicia disse em voz alta, tentando se convencer a ser forte, mas seu
coração e sua mente ainda estavam agarrados aos medos e temores vividos no cativeiro. Ela respirou
fundo, mais uma vez, pegou a bolsa e ao se dirigir a porta estacou ao vê-lo parado no meio do quarto,
olhando para ela.
- Por onde entrou? Perguntou confusa, com o coração disparado pelo susto e por ele estar ali.
- Pela porta.
- Se tivesse entrado pela porta eu teria ouvido. Questionou, mas não entendendo o porquê fazia.
- Estava concentrada na vista por isso não me ouviu entrar. Mentiu convincentemente.
- Se tivesse entrado pela porta eu teria ouvido. Ela insistiu.
Boa menina, ele pensou orgulhoso por ela não se deixar enganar facilmente.
- Ossos do ofício. Disse por fim e ela compreendeu. Um constrangedor silêncio tomou conta do
ambiente.
- Eu estou indo embora. Agora ele tem certeza que sou idiota, pensou.
- Eu sei. Ele respondeu sem tirar os olhos dela.
- Sobre ontem a noite. Disseram ao mesmo tempo.
Bo não queria ouvi-la, sabia que se a deixasse falar estaria perdido, então se aproximou os braços
cruzados para evitar render-se ao desejo de tocá-la.
- Ninguém sabe o que aconteceu ontem à noite. O delicado rosto se tingiu de vermelho e ele
engoliu em seco, antes de continuar. – A escolta irá acompanhá-los até um aeroporto, quero que ao
deixar esse quarto não olhe pra mim e em momento algum, me procure com o olhar.
- Entendi não olhar para você. Sentiu como se seu coração parasse diante da frieza dele.
- Estou falando sério Alicia, somos treinados em ler pessoas e se olhar para mim, os homens da
equipe saberão o que aconteceu entre nós. Diante do olhar gelado dele ela sentiu o rosto queimar ainda
mais.
- Eles podem ler você. Argumentou.
- Não podem. Respondeu sentindo como se uma mão invisível tivesse aberto seu peito e
esmagado seu coração. O olhar dela vacilou, a decepção que enxergou naqueles olhos, fez a dor piorar e
ele quase levou a mão ao peito para massagear o local.
- Adeus Hendrix. Alicia fez o melhor que pode para parecer madura e indiferente e sabia, para
sua desgraça, que falhava pateticamente. Recolheu o que restava de seu orgulho, que sequer havia
imaginado ainda existir, e seguiu em direção da porta. O ouviu resmungar e no instante seguinte foi
puxada para o interior de seus braços e beijada de uma forma que nunca esqueceria.
Não era um beijo terno, doce e sedutor como haviam sidos os da noite anterior. Ele a beijava
com uma fúria incontida, com desespero e ela correspondeu com o mesmo ardor, a mesma volúpia.
Sentia como se ele a estivesse possuindo, marcando sua presença em seu corpo de forma irrevogável.
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- Moça. Ele murmurou quase sem fôlego. Ela adorava quando a chamava assim. – Me prometa
que fará o que eu pedi.
- Prometo. Disse e esfregou o nariz no pescoço dele, inspirou tentando capturar o aroma
masculino, o gesto provocou um gemido e outro beijo arrasador.
- Me prometa que será feliz moça, que se casará com um sujeito legal e que terá filhos. Se tinha
que abrir mão dela, queria que valesse a pena, pensou.
- E darei a um deles o nome de Hendrix. Gracejou pela primeira vez em onze meses. 19
- Cristo, não! Não faça isso a pobre criança. Disse quase sorrindo e durantes alguns segundo
ficaram apenas se olhando. – Agora vá, sua vida a espera.
- Adeus Hendrix. E como havia prometido, deixou o quarto e a casa sem olhar para trás.
Horas mais tarde, Bourregard, ao lado dos demais homens da equipe, observou o avião particular
decolar, levando a bordo a mulher que seria dona de sua alma para toda eternidade.

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Dez anos depois


Alicia passou os olhos pelo salão e observou que tudo, desde o impecável atendimento dos
garçons, até a eficiente equipe de apoio que discreta, fazia um excelente trabalho em deixar o ambiente
ainda mais aconchegante, estava perfeito e respirou aliviada.
- Esta tudo perfeito, porque você não relaxa e aproveita? Alicia virou-se ao ouvir a familiar voz
masculina. Bento Luis Lemes de Albuquerque, era membro de uma tradicional família da região e
delegado de Vitória da Esperança. Desde que ela viera morar na cidade, seis anos antes, ele se
transformara em seu anjo da guarda.
-Você está atrasado. Provocou.
- Os delegados simplesmente não tem horários, mas fiz questão de comparecer. Disse charmoso
– O que um homem sedento tem de fazer para ganhar uma bebida neste elegante baile? Perguntou num
tom dramático, com a mão direta sobre o peito e aquela voz que fazia com que as mulheres da cidade
caíssem a seus pés. Alicia, imune ao charme de Bento, revirou os olhos num gesto de impaciência
feminina e fez um discreto sinal a um dos garçons que prontamente se aproximou para servir o recém
chegado.
- Como foi a arrecadação? Vocês conseguiram o valor que precisavam? Perguntou enquanto era
servido. O sorriso dela, mesmo não alcançado os olhos, o fez conhecer a resposta antes mesmo de ouvi-
la e se perguntou se um dia os olhos dela sorririam também.
- Superamos a meta estabelecida. Disse com indisfarçável orgulho.
- Parabéns as duas. Levantou o copo em uma saudação sincera antes de beber. Sabia que Marina
era a idealizadora do projeto do espaço multiuso, como também tinha certeza de que sem a ajuda de
Alicia, teria sido muito difícil transformar o sonho em realidade.
Alicia observou o delegado por um instante, o homem alto, de cabelos castanhos, expressivos
olhos azuis e barba cerrada tinha se convertido em um grande amigo. Sabia que a presença dele em sua
vida, desde que se mudara para a cidade, tinha sido providenciada por Álvaro Nascimento, mesmo que
ambos negassem veementemente o fato. Ela percebeu o exato momento em que o delegado avistou
Marina, os olhos azuis brilharam ainda mais intensos com um misto de espanto e adoração.
- Se continuar olhando para ela desse jeito vai acabar arrumando uma confusão. Disse solidária.
- É tão óbvio assim? Ele perguntou visivelmente constrangido.
- Só quando respira. – Brincou tentando aliviar a tensão. Ele era bonito, integro confiável e
idealista e o porquê de Marina preferir a inconstância de Alberto Nascimento era um mistério. Sem
mencionar o fato de que sempre que Alberto estava na cidade, as lembranças de outro homem, que
havia conhecido há dez anos, ficavam ainda mais fortes.
- Ele deveria estar aqui, hoje é um dia importante para ela. Bento ainda não engolira o repentino
aparecimento do irmão mais novo de Álvaro Nascimento há quase dois anos. Devia uma ao dono da
Abaré e pagara ficando de olho em Alicia Mendes Bittencourt. O tempo o fez nutrir um carinho

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fraternal pela jovem delicada, de tristes e melancólicos olhos verdes, por outro lado, toda vez que
Alberto Nascimento estava na cidade seus instintos entravam em alerta.
Alicia respirou fundo antes de destruir os sonhos do delegado.
- Ele a ama Bento, quem os vê juntos não tem dúvida disso. Precisa seguir em frente. Ela pensou
na ironia da situação, Nina sequer desconfiava da adoração do delegado, a única pessoa da cidade que
desconhecia o interesse dele era a mulher pela qual ele estava apaixonado. A vida às vezes não tinha a
menor graça, pensou melancólica. 21
- Mais fácil falar do que fazer. Ele pensou tomando mais um gole da bebida. – Ainda mais
quando ela está linda naquele vestido vermelho. Retrucou para si mesmo em pensamento. - Vou dar
uma circulada, para garantir o cumprimento da lei e da ordem. Piscou, usando o charme para desviar o
assunto.
Alicia o observou se afastar, sem perceber que balançava negativamente a cabeça. Por alguns
instantes contemplou a pista de dança. A visão dos casais dançando ao som das baladas românticas fez
seu peito doer, uma sensação tão familiar quanto respirar a assolou enquanto sua mente evocava a
imagem do homem que ela não conseguia esquecer, mesmo tendo se passado dez anos.
Perdera as contas de quantas vezes quase perguntara por ele ao namorado de Marina, o que a
tinha paralisado? Medo. Ela travava batalhas diárias contra seus medos havia dez anos, e conseguia
superar a maioria deles, mas quando se tratava de Hendrix, não conseguia seguir em frente, não teve
terapia que a ajudasse nesse sentido.
Limpou uma poeira inexistente no elegante vestido verde na tentativa de disfarçar o suspiro
desolado que não conseguiu conter, ao erguer a cabeça enxergou Marina do outro lado do salão e seguiu
em sua direção, com a intenção de perguntar-lhe se precisava de algo, pois ela sim precisava, precisava se
manter ocupada para não pensar.
- Está tudo lindo, deve estar orgulhosa. Alicia disse ao se aproximar.
- Na verdade, agradecida seria a palavra correta. Marina já se imaginava enchendo os ouvidos de
Caetano ao contar cada detalhe, como prometeu que faria quando ele voltasse - Você deveria dançar
também Alicia.
- Eu passo.
A voz do funcionário da portaria soou no rádio que ela havia esquecido que trazia em uma das
mãos, informando que quatro carros acabavam de entrar no estacionamento.
– Eu pensei que a essa altura não faltasse ninguém. Comentou confusa.
- Eu também. –Marina respondeu bem humorada pelo sucesso do baile – Enquanto recebo
nossos convidados você pode providenciar as mesas?
- É óbvio. Disse já saindo para cumprir a tarefa.
Marina a observou por um instante se perguntando se algum dia seria dado àquela mulher, a
mesma graça que ela mesma recebera: um homem que a amasse tanto que curaria todas as feridas de sua
alma.

Alicia observou a equipe de apoio dando os últimos retoques na mesa que preparara para os
convidados de ultima hora. Satisfeita com o resultado final, agradeceu ao chefe da equipe e se dirigiu a

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recepção para avisar a Marina que a mesa estava pronta, foi quando os viu caminhando em sua direção:
seis homens muito altos e fortes, elegantemente trajados, todos com o caminhar seguro e determinado,
contrastando com a animada e aparente despreocupada conversa na qual estavam envolvidos.
Ela sentiu como se todo o sangue e ar fugissem do seu corpo. Cinco rostos familiares e um
inesquecível! Dez anos depois lá estava ele, alto, forte e espetacular num terno claro. Agora ele usava a
cabeça raspada e ela imaginou que era um sacrilégio um homem careca parecer tão bonito... Não
conseguia pensar, não conseguia respirar... E quando ele olhou em sua direção ela literalmente sentiu o
mundo girar e foi discretamente amparada por braços fortes e conhecidos.
- Eu disse que você precisava relaxar. Bento ralhou simpático enquanto fingia abraçá-la pela
cintura. – Precisa de ajuda? Perguntou em voz baixa, deixando claro que havia acompanhado sua reação
a chegada do grupo, ao qual ele conhecia somente o homem que começava a ficar com cabelos
grisalhos: Álvaro Nascimento.
- Não, eu estou bem. Não estava, mas não faria uma cena. Sua vontade era fugir daquele lugar,
mas não podia falhar com Marina, assim, respirou fundo e seguiu na direção deles para desempenhar sua
tarefa de acompanhar os convidados até sua mesa.

Bourregard e os demais homens da equipe entraram no salão de baile e surpresos contemplaram


o ambiente aconchegante, decorado com inusitadas lanternas com flores, criados por Marina, que estava
realmente bela naquele vestido vermelho e era a imagem de uma mulher feliz.
Ele e os demais membros da equipe haviam acompanhado os progressos da encantadora Nina,
através dos relatórios regulares que Caetano recebia e que eles roubavam. Os furtos perderam a graça
quando perceberam que ele tinha pleno conhecimento do que faziam. Ir atrás de Marina tinha sido a
melhor coisa que o amigo fizera, só perdia para o que ele faria essa noite: pedi-la em casamento.
Uma incômoda e conhecida sensação de perda tomou conta de seu peito ao pensar na mulher
frágil, de olhos assustados que lhe roubara a alma. Tinha revirado o mundo atrás dela e apesar de ser
filha de um homem rico e conhecido, a moça desaparecera da face da terra.
Percebeu que algo havia chamado a atenção dos homens e ao olhar na mesma direção sentiu
como se um dos campeões do UFC tivesse dado um soco em seu estômago! A sensação era tão real que
era difícil respirar. Dez anos depois, num deslumbrante vestido verde, lá estava ela. A mulher que
povoava seus sonhos, a mulher que amava em segredo há dez longos anos, a mulher que possuía sua
alma, e ela estava nos braços de outro homem! Ainda atordoado, a viu abandonar delicadamente os
braços do estranho e caminhar em sua direção.
Apesar de estar se esforçando bravamente para parecer indiferente, Alicia sabia que fracassava de
forma vergonhosa e munindo-se do autocontrole adquirido ao longo de anos de terapia, saudou os
homens que a socorreram no pior momento de sua vida, como se não os conhecesse, como fora
orientada há fazer dez anos antes. Álvaro, sempre um passo a frente que qualquer outra pessoa que ela
conhecia, veio a seu socorro e num tom gentil e familiar tomou a iniciativa de “apresentar” o amigos do
noivo. A surpresa pelo termo “noivo” a distraiu, mesmo que momentaneamente, da tempestade de
emoções que ameaçava seu controle.
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Série Santuário - Conto 2 – Outra vez você – Alicia e Bourregard
E assim o homem que ela conhecera como Renato e que cantarolava Faroeste Caboclo sem errar
a letra, agora lhe era apresentado como André, o que implicava com a enfermeira Janis, que na época
respondia pelo no nome de Mick agora se chamava Marcos, o homem reservado de traços árabes que
antes era Fred, lhe era apresentado como Matheus, o Axel, que gostava de rock e de cozinhar se
chamava João e ela se perguntou se esses seriam seus nomes verdadeiros quando o nome Bartolomeu
realmente a surpreendeu.
- Pode me chamar e Bart. Ao tocar na mão dela no mesmo cumprimento formal dado pelos 23
demais, ele sentiu o peito apertar. A mão dela estava fria, aliás, excessivamente fria, a face estava tão
branca como folha de papel e parecia que ela desmoronaria a qualquer momento.
Alicia sentiu que regressara dez anos no tempo, sentir o toque gentil em sua pele, ouvir a voz
grave de timbre suave, era tudo tão intenso, tão... Fez a única coisa na qual conseguiu pensar, num tom
quase inaudível pediu licença e fugiu.

Adriana Reis
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Na manhã seguinte

Bourregard contemplava a beleza única do amanhecer gaúcho com seus sons e cheiros enquanto,
oculto, observava o despertar da casa em estilo colonial. Uma construção antiga, conservada, que parecia
anunciar ao mundo sua força e resistência.
Seus olhos percorreram desde as paredes brancas, as janelas azuis com jardineiras floridas, o
jardim bem cuidado e úmido pelo orvalho da manhã, o alpendre onde duas confortáveis poltronas
denunciavam o hábito de seus moradores de ali contemplarem o por do sol e sentiu o peito apertar ao
recordar o momento em que enxergara o anel de brilhante no dedo anelar da mão esquerda de Alicia,
quando de maneira desajeitada ela pediu licença e se afastou num passo apressado que foi interceptado
pelo homem que ele descobriu, mais tarde, ser o delegado da cidade e que pertencia a uma família rica da
região das serras gaúchas. O homem que apesar de não conhecer, odiava com todas as suas forças.
Alicia estava casada! Ele deveria estar preparado para isso depois de dez anos, mas não estava,
Cristo como havia doído ver aquela jóia no dedo dela e aquele homem a tratando com tanta
familiaridade! Ano após ano procurando por ela, fantasiando que ela procurava por ele para descobrir...
– Droga ele resmungou em pensamento. Não aceitava o fato de ela pertencer a outro homem.
Sua reação era irracional para dizer o mínimo, sem nenhum argumento coerente, e ele teve a noite toda
para buscá-los! Nada conseguia acalmar a ira que subia de suas entranhas toda vez que imaginava aquele
sujeito tocando sua mulher, sim, porque em sua mente, coração e alma, ele pertencia a ela e ela a ele.
Seus olhos buscaram a visão que o havia embevecido quando chegara. Atrás da casa estava o
vinhedo. A plantação não era grande, na verdade ocupava uma área modesta, se comparado a
propriedades que produziam vinho em grande escala, mas suas pesquisas, na noite anterior, revelaram
duas surpresas: aqui era produzido um dos melhores vinhos artesanais do mundo e o nome da vinícola
ainda trazia um sorriso a seus lábios: 7Lendas. A marca da propriedade só poderia ser uma referência a
eles, que usaram os nomes dos astros do rock na época de seu resgate. Como éramos imbecis – pensou.
O som de uma porta sendo aberta chamou sua atenção e com a respiração suspensa a viu sair
para a varanda que dava para o vinhedo e se deixou embriagar com a visão da mulher na qual ela se
transformara.
Os cabelos castanhos muito longos chegavam quase a cintura, estavam soltos, sedosos e
ondulados, tinham mechas mais claras. Permitiu-se um demorado passeio pelo corpo esguio e delicado
que vestia uma longa saia azul escura e uma blusa branca. Para se proteger do ar gelado do amanhecer
usava uma espécie de xale sobre os ombros.
Apesar da distância, sabia pelo encontro da noite anterior, que a pele dela estava tão delicada
como se lembrava, sem as marcas do cativeiro, parecia ainda mais sedosa mais macia. Sentiu o coração
acelerar ainda mais ao recordar os olhos de um verde escuro incomum, que os fitaram com a mesma
intensidade como no dia em que ele a tirou da jaula das Farc.

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Série Santuário - Conto 2 – Outra vez você – Alicia e Bourregard
Assim como na noite anterior ela usava braceletes em ambos os braços. Os de ontem era jóias, os
de hoje, pareciam ser de couro e ele sabia o motivo pelo qual ela os usava: para esconder as cicatrizes
dos pulsos. Pensar que ela carregaria por toda vida as marcas que a fariam recordar todo horror pelo
qual havia passado o fez desejar poder matar os desgraçados novamente. Quando ela respirou fundo, o
movimento do seio, seguindo a respiração o encantou, queria se aproximar, tocá-la, tê-la novamente em
seus braços, nem que fosse uma última vez.
Cristo, estou enlouquecendo. Pensou sentindo a dor no peito aumentar. Tinha tantas perguntas 25
sem respostas: Como ela acabou dona de um vinhedo? Porque não estava com a família? Como aquele
homem entrara em sua vida? Eles tinham filhos?
- Merda. Praguejou em voz baixa. Porque ela não procurou por ele? Em pensamento fez a
pergunta que estava evitando desde que a tinha visto nos braços do delegado. Dez anos são muito
tempo, sua mente gritava a resposta que fazia seu peito sangrar.

Dez anos são muito tempo. Alicia murmurou para si pela milésima vez desde que reencontrara
Hendrix, ou melhor Bartolomeu, como Álvaro o apresentara, ou Bart como ele mesmo tinha dito ao
tocar sua mão.
Da varanda do seu quarto, contemplou o vinhedo, com toda sua beleza e suavidade, inspirou o ar
frio da manhã na tentativa de acalmar seu coração, mas tudo foi em vão. Passara a noite em claro,
dividida entre a necessidade de esconder-se embaixo dos lençóis para fugir do que o destino lhe tinha
reservado e a esperança teimosa que de que ele viria atrás dela.
- Ele não veio. Disse baixinho e respirou fundo mais uma vez. O que você esperava? Que ele
viesse correndo, batesse em sua porta e fizesse uma declaração de amor? Retrucou em pensamento, não
se esquecendo do sarcasmo, dirigido a si mesma. O que sabia sobre ele? Não sabia sequer o nome
verdadeiro dele? Estava com medo. Confessou a si mesma em pensamento.
Durante todos esses anos tivera medo de perguntar por ele a Álvaro e depois ao Alberto. Tivera
medo de descobrir que ele era casado, que tinha filhos, que ela nada significou, que a noite de amor
guardada com tanto carinho na memória e no coração, para ele não havia passado de um gesto de
caridade, com uma jovem tão fragilizada que ele, por compaixão, não conseguira rejeitar.
Fugir a noite passada fora um ato covarde e seu terapeuta certamente a condenaria, mas a outra
alternativa era ainda pior, pois se tivesse permanecido no mesmo lugar que ele, não tinha certeza se seria
capaz de evitar jogar-se em seus braços, do mesmo modo que fizera naquela noite há dez anos.
Nossa, como ele estava bonito! Os últimos dez anos deram a ele uma maturidade sensual que
deveria continuar a ser proibida por lei. A pele negra perfeita, os olhos pequenos e escuros e a boca
grande, com lábios firmes, que ela recordava, sabiam como beijar... Ele era um homem alto, com
músculos na proporção exata, e mãos que sabiam como tocar uma mulher. Fechou os olhos, como
tantas vezes fizera e se transportou para aquela noite e apesar de tanto tempo tendo se passado, parecia
sentir o toque dele em sua pele.
O som de um carro se aproximando fez seu coração dar um salto. Desceu as escadas e deu a
volta na casa para ver quem era seu visitante matinal e ao avistar o automóvel tão conhecido não
conseguiu dominar a decepção e pensou no quanto era patética, por acreditar que ele viria atrás dela.

Adriana Reis
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Ao ver Bento descer do carro com o familiar sorriso no rosto sentiu-se culpada por sua decepção,
afinal fora ele quem a trouxera para casa e havia respeitado seu silêncio, apesar de ter certeza que ele não
engolira sua desculpa de que seu mal estar se devia a uma súbita queda de pressão. Respirou fundo, mais
uma vez, conseguiu colocar um sorriso no rosto e caminhou em direção do recém chegado.

Bourregard sabia que não estava sozinho em sua observação já há algum tempo, mas não estava
preparado para encarar o homem, que estava a alguns passos atrás dele, sem que fizesse uma grande
besteira, como quebrar a cara do sujeito.
Seus pensamentos referentes ao intruso foram interrompidos, quando surpreso, viu o carro do
delegado entrar na propriedade, até aquele momento acreditava que o homem estivesse dentro da casa
com ela e esse fora o único motivo pelo qual ficara a noite inteira do lado de fora, observando a casa na
tentativa de vê-la novamente.
A maneira formal como se cumprimentaram acendeu todos os alertas dentro dele, será? Uma
esposa não recebia o marido com um aperto de mão, ou recebia? O que ele sabia sobre casamentos?
Sentiu a ira ferver mais uma vez ao vê-los entrarem na casa, não queria aquele homem perto dela.
- Você vem com a gente, ou não? Caetano perguntou num tom de voz mal humorado. Não sabia
exatamente o que acontecia aqui, mas sabia que tinham que sair em missão, somente algumas horas
depois de pedir Nina em casamento. E deixar os braços de sua mulher, ainda mais cedo do que era
necessário, para ir atrás de Bourregard que estava vigiando a casa de Alicia não fazia parte de seus
planos.
Bo fechou os punhos que queria arremessar contra o homem e ficou de frente para ele.
- Porque não me contou? Perguntou num tom de voz semelhante a um rugido. Sabia que sua
expressão era feroz e não tentou disfarçar o quanto furioso estava com os irmãos Montessori. Durante
todos esses anos, eles souberam onde ela estava e nunca disseram nada ele! Álvaro a escondera do
mundo, a escondera dele...
Caetano respirou fundo.
- Porque você não nos contou? Devolveu a pergunta – Sabíamos que havia sido protetor com ela,
mas isso? Fez um gesto impaciente com as mãos – Nunca desconfiamos de nada Bo, depois que ela foi
embora você agiu como o cara de sempre e não como o homem que olhou para ela ontem com
desespero, eu não sabia cara, não fazia idéia... Nenhum de nós fazia.

Caetano lhe dera uma hora... Uma mísera hora para estar com ela e essa hora estava sendo
desperdiçada. Oculto entre as sombras do cômodo da casa colonial que ela usava como escritório, ele
impaciente observava Alicia conversar com o homem responsável pelo gerenciamento do vinhedo,
acertavam detalhes que iam desde o armazenamento dos vinhos engarrafados, à visita semanal de
turistas a propriedade, enófilos que pagavam para conhecer o processo de produção do vinho artesanal e
para degustá-lo, no que ela e o administrador chamavam de loja de vinhos.
A mulher sentada atrás da grande mesa de mogno entalhada com detalhes do século XIX, que
discutia custos, ouvia com atenção as propostas do empregado e sugeria com propriedade alternativas
Adriana Reis
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para as dificuldades comuns ao dia a dia da vinícola o deixou orgulhoso, porém, ele, perito em ler as
reações e emoções do outros, ela não enganava: existia um nervosismo disfarçado, mascarado pela
eficiência prática.
Tudo isto endossava as informações fornecidas por Caetano: ela era extremamente reservada,
nunca falara com ninguém sobre o passado, nem mesmo com Nina que tinha um jeito todo dela de
arrancar confissões das pessoas. Sentiu suas entranhas revirarem ao recordar o momento que Caetano
lhe revelara que ela não estava casada com tal delegado, nem envolvida com homem algum. Nunca se 27
perdoaria pelo tempo perdido, porra. Perdera dez anos por não pedir ajuda, por não confiar...
Estava prestes a agarrar o administrador pelo colarinho e jogá-lo porta afora, quando a viu se
levantar e seguir com o homem até a porta de entrada e observou os passos delicados dela retornando
ao escritório. Como se nada no mundo fosse mais importante ela recolheu os documentos que estavam
espalhados sobre a mesa, a visão da pele pálida do colo exposto pelo decote recatado demoveu qualquer
pensamento coerente da sua mente, ela parecia um anjo.
Alicia estava de pé organizando os documentos usados na reunião com o administrador quando
ouviu o som de “click” da fechadura. Tudo o que não precisava agora era de mais duvidas do
administrador, cansadamente voltou a cabeça em direção da porta e sentiu o tempo parar, os papéis
deslizaram dos seus dedos, esquecidos ao chão, sequer ousava respirar, tinha medo de se mover e ele
desaparecer, desejou tanto esse momento, que sua mente insana conjurou o homem que vinha agora em
sua direção, o caminhar lento e confiante como de um felino, o olhar intenso nunca deixando o seu. Ele
estava vestido de preto, exatamente como no dia em entrou em sua vida a resgatando do inferno.
Ele parou a alguns centímetros dela, e que Deus a ajudasse, podia sentir o perfume exato da pele
dele, o odor da pele máscula a envolveu, estavam tão próximos que se sentia tocada pela energia dele.
Ela não conseguia pensar, somente olhar para ele. Tinha tanto a dizer, tanto a perguntar... Deus...
precisava de ar... pensamentos vagavam pela sua mente, perguntas a assaltavam, porque ele não viera
atrás dela em dez anos? Como era o nome verdadeiro dele? Tinha medo de saber, a ignorância era mais
segura que as respostas, não desejava saber se ele era casado, se tinha filhos e uma esposa apaixonada
esperando por ele em algum lugar, só de imaginar essa possibilidade sentia a dor esmagá-la por dentro...
Tinha que alertá-lo sobre o quanto Bento estava desconfiado da presença deles em Vitória da
Esperança, precisava relatar a visita do delegado mais cedo e pedir para ele tomar cuidado, porém seu
corpo e mente estavam embriagados pela proximidade dele, rezou em pensamento, pedindo a Deus ele
realmente estivesse ali, que não fosse uma alucinação e emocionada escutou a resposta a suas preces…
- Respira. – ele disse com a voz rouca, ao mesmo tempo em que tocava sua pele exposta pelo
discreto decote da camisa que usava, e ela sentiu o corpo derreter sob seu toque e perdida na
profundidade dos olhos negros, respirou.
Tocá-la foi seu erro... A pele estava morna, sedosa sob seus dedos e encantado seguiu com os
olhos o movimento dos seios quando ela respirou fundo...Tinham tanto a dizer um ao outro... E, no
entanto, não deseja profanar aquele momento com palavras...
Enfeitiçado, deslizou lentamente a mão que tocava a pele delicada do colo perfeito para tocar os
sedosos fios castanhos dos cabelos, sentiu a textura e inspirou o perfume que permanecera
arraigado em sua memória e a viu ofegar.

Adriana Reis
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Cristo! Como era bom estar com ela. Pensou deliciado pelo tom rosado que tingia a face de
traços quase etéreos. Ela parecia um anjo... O pensamento retornou a sua mente. Seu anjo...
Encerrando dez longos anos de espera, se aproximou ainda mais enxergando nos olhos verdes o
mesmo desejo e antecipação que gritavam em seu interior e isso foi mais do que pode suportar... Um
gemido estrangulado escapou de seus lábios pela longa espera e quando sua boca e a dela se encontram,
dez anos de expectativas explodiram e tudo ficou fora de controle.
Ele se sentia como um homem perdido no deserto, que vagara um longo tempo sob o sol
escaldante e finalmente encontrara seu Oasis. Incapaz de resistir colou o corpo ao dela e aprofundou o
beijo, o suspiro deliciado dela foi sua perdição. Era um homem sedento do sabor e do calor daquela
mulher e extasiado, entrelaçou os dedos em seus cabelos, tomando cuidado para não a machucar, para
não assustá-la. Eram tão macios, tão cheirosos... Alicia cheirava a paraíso e chuva de verão, pensou.
Os beijos se sucediam, um mais exigente que o anterior, até que beijar não era o bastante e
mesmo sobre as roupas, suas mãos passeavam pelo corpo esguio, tocando, provocando e a resposta dela
foram os mais deliciosos gemidos que ele ouvira na vida.
Desesperado para senti-la ainda mais perto, a sentou sobre a mesa centenária, no mesmo instante
as pernas dela, livres pela ampla saia, enlaçaram sua cintura e ele sentiu uma primitiva sensação de
orgulho por constatar que não era o único fora de controle ali.
Alicia sentia como se existisse um vulcão em erupção em seu interior, a cada beijo, a cada carícia
seu corpo ardia ainda mais, sentia-se consumir. Nossa como sentira saudades dele... Como sentira falta
daquele olhar cuidadoso que parecia garantir que nada de mal lhe aconteceria... Estar com ele era como
voltar para casa, seu lugar no mundo de onde não desejava sair jamais.
Quando dedos hábeis abriram sua camisa e tocaram seus seios por cima do despretensioso sutiã
de algodão, um tremor de prazer percorreu todo seu corpo. Desejara isso tanto e por tanto tempo...
Ele estava faminto, faminto do corpo dela. Bourregard não conseguiu conter o gemido ao sentir
o toque das mãos delicadas sob sua blusa, como era bom ser tocado por ela. Cristo como sonhara com
isso! Pensou.
Quando deu por si, suas mãos estavam sob a saia, tocando a roupa íntima dela e a realidade bateu
nele com uma força aterradora. Essa era Alicia, a mulher para quem entregou sua alma. Ela merecia
muito mais que uma rapidinha na mesa do escritório, antes que ele saísse em missão. Pensou e com a
sensação de que morria por dentro, encerrou o beijo. Foi a decisão mais difícil de sua vida.
- Alicia. Sussurrou ofegante, encostou sua testa na dela e mirou os olhos verdes brilhantes e
confusos. – Não posso ficar, eu queria poder, mas não posso. – Disse sentindo pela primeira vez todo o
peso pelo estilo de vida que escolhera. – Preciso ir. Esclareceu vendo que ela ainda não havia entendido.
- Ir? Alicia não conseguia entender o que ele dizia, sua mente talvez entendesse, mas o coração
não. – Aonde? Quando?
- Estou em missão, os caras estão me esperando. Se fosse sua vida a arriscar ele não pensaria duas
vezes, mas não, a missão estava pensada e elaborada nos mínimos detalhes e cada um deles era
importante. Se ficasse e desfalcasse a equipe, alguém poderia sair ferido ou pior...
- Agora? Ela sentiu seu peito afundar.
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- Daria minha vida para ficar com você, mas sabe o que fazemos Alicia... não posso... droga, não
posso. Disse enquanto fechava os botões da blusa dela que ele mesmo tinha aberto.
Alicia não conseguia responder, nem assimilar que ele estava indo embora, apenas alguns minutos
depois de despertar nela toda aquela necessidade que estava adormecida há anos.
- Não sei exatamente quantos dias ficarei fora, mas estaremos aqui no máximo em quinze dias
para o casamento.
- O casamento da Nina e do Alberto é daqui a quinze dias? Ela o interrompeu e perguntou ainda 29
perdida, sentindo seu orgulho e sua alma feridos. Desceu da mesa e fugindo do olhar que lhe abrasava
corpo e o espírito, fingiu alisar a saia – Não se consegue planejar um casamento descente em quinze
dias. Escondeu-se em um assunto seguro.
- Alicia, voltarei o mais rápido que puder, prometa que me esperará. Ele pediu, não permitindo a
ela fingir que os minutos anteriores não haviam ocorrido.
Alicia buscou a janela mais próxima e se refugiou na vista do vinhedo, não tinha forças para olhar
para ele sem se desmanchar em lágrimas. Ele estava indo embora, ele a beijara e partia como se nada
houvesse ocorrido...
- Para onde eu iria, eu moro aqui, Vitória da Esperança é meu lar. Respondeu sem olhá-lo.
Bo estava abalado e desesperado demais para lhe permitir essa fuga. Foi até ela, tocou em seu
queixo e fez olhar para ele.
- Me prometa que estará aqui quando eu voltar.
Alicia ouvia a mesma voz de comando de quando ele exigira que ela não olhasse para trás ao
deixar o santuário e isso rompeu seu coração. Pois ele sequer desconfiava o quão difícil foi ir embora
sem olhar para trás, sem saber se o veria novamente sem a certeza que estaria tão segura quanto estivera
sob os cuidados dele. Balançou a cabeça num dolorido e discreto sim.
Enxergar a decepção nos olhos verdes era pior que levar um tiro e ele tinha experiência para fazer
a comparação... Com o peito sangrando, a beijou desejando demonstrar tudo o que sentia, o quão difícil
era deixá-la, queria que ela percebesse que se tivesse escolha, escolheria estar com ela, mas logo em
seguida deixou a casa da mesma maneira invisível que entrara.
Mirando a janela pela qual ele saíra, enquanto lágrimas silenciosas lhe escorriam pela face, Alicia
sentia que todo seu corpo chorava, que seu espírito e alma também se consumiam na dor. Ele sequer
havia dito a ela seu verdadeiro nome.

Bourregard chegou ao local combinado se sentindo ainda pior do que no dia em que vira o avião
levar Alicia para longe de sua vida, até aquele momento, ele podia jurar que isso não era humanamente
possível,
Ficou agradecido por ver Caetano sentado ao volante do carro designado a ele, não que quisesse
a companhia de alguém, mas tão pouco queria dirigir.
- Porra, como consegue? Perguntou ao entrar no carro, sem dar-se ao trabalho de olhar para o
homem que já estava ao volante e nem explicar sua pergunta.
- Não fica mais fácil com o passar do tempo. Caetano disse também olhando para frente,
nenhum dos dois com humor para amenidades – Se escolher ficar ninguém vai te julgar. Um pesado

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silêncio tomou conta do interior do veículo – Quando estiver pronto para voltar seu lugar estará
reservado. estava desconfortável, não liderava essa equipe para lidar com toda essa merda, tinham uma
missão infernal para dizer o mínimo.
Bourregard realmente ficou surpreso com o que ouvia, nem mesmo o homem a seu lado, chefe
da equipe e dono da empresa, abandonara uma missão por Nina.
Ele e os demais membros das equipes assinaram documentos, em que afirmavam desistir de uma
vida pessoal, de família, esposas ou maridos, viviam para as missões e eram muito bem pagos por isso.
O que o homem ao volante lhe propunha era mais que uma concessão profissional, era o apoio de um
amigo, que colocava a própria vida em risco por ele e isso significava muito.
- Somos mais que uma equipe, somos uma família. Vamos derrubar uns caras maus e voltar para
o seu casamento, é isso que faremos. Bourregard disse ao colocar o cinto de segurança. A resposta de
Caetano foi dar partida no carro.
- A Nina pediu para te avisar que será nosso padrinho ao lado da Alicia. Falou com uma
expressão irônica, enquanto punha o carro em movimento, sem deixar de enxergar a expressão chocada
do homem sentado lado. – É bom que tenha um terno.

Alicia acordou no dia seguinte, sentindo como se um caminhão tivesse passado por cima de seu
corpo, dado ré e passado novamente. Os pesadelos sobre o tempo que passara sob o domínio das Farc
voltaram a assombrá-la depois de sete anos de ausência. Deus! Fora tão real... O sentimento de medo, de
dor, o desejo ardente de morrer... Chegara a sentir o odor fétido da cela e de seu próprio corpo, que era
uma mistura de suor e sangue depois das sessões de espancamentos.
Acordara gritando, com febre, dor por todo o corpo e sozinha... Ele não estava lá, nem mesmo
em seu sonho, como ocorrera antes dos pesadelos desaparecerem. Perdera a noção do tempo em que
permanecera encolhida em sua cama, tremendo e chorando. A violência da qual tanto fugira, que havia
desesperadamente desejado esquecer a havia alcançado novamente. Mesmo vivendo praticamente do
outro lado do continente os desgraçados ainda a perseguiam através desses sonhos nefastos.
Odiava os pesadelos e suas sensações reais, odiava a covardia que a fazia permanecer encolhida
sobre a cama. Odiava seu coração patético que, vestira num mercenário, o uniforme de herói. Um
homem sem nome, passado ou futuro, que fazia da violência seu meio de vida, um homem que lhe dera
a ordem de esperar por ele e não lhe falara nada mais. Ele ficara longe por dez anos e sequer mencionou
ter pensando nela alguma vez em todo esse tempo...
Quando o amanhecer ensolarado com seu brilho esfuziante, insensível à dor humana, alcançou as
janelas do seu quarto e os sons do inicio das atividades do vinhedo davam vida à propriedade, ela
precisou de toda sua força de vontade para deixar a cama.
Aos tropeços, mas com as emoções sobre controle, chegou ao banheiro e ao olhar a imagem da
mulher refletida no espelho constatou que sua aparência refletia seu estado de espírito: um desastre.
Depois de um longo banho, várias compressas para diminuir o inchaço e a vermelhidão dos olhos, com

Adriana Reis
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a ajuda de Rita, a empregada que fingia cuidar da casa, mas na realidade era seu anjo da guarda, estava
apresentável e com uma aplicação de base corretiva sentia-se quase forte.
Contemplou a imagem da mulher refletida no espelho e respirou fundo. A maioria das pessoas
não notaria diferença alguma em sua aparecia, mas sabia que não escaparia ao escrutínio de Marina. Às
vezes tinha impressão que ela podia sentir a almas das pessoas, tamanha sua sensibilidade e percepção e
se pudesse evitar esse encontro o faria, mas sabia não ser possível: se não fosse até a loja, Nina não
pensaria duas vezes em ir ao vinhedo. 31
- Seja o que Deus quiser. Disse para si mesma ao entrar no utilitário Tucson e colocar o cinto de
segurança. Fez uma prece pedindo que esse dia pudesse lhe trazer algo de bom e seguiu rumo à cidade.

Marina a recebeu com o carinho e alegria que lhe eram características. Era a imagem de uma
mulher realizada no amor e Alicia se sentiu pequena e mesquinha ao invejá-la. A amiga não demorou
mais que trinta segundos para perceber que algo não ia bem, mas como sempre fazia, ela desconversou e
enxergou compreensão no olhar de Nina que repetiu o ritual que fazia, sempre que notava seus ombros
caídos como hoje: preparou-lhe um chocolate quente. Marina preparava o melhor chocolate quente do
planeta e abandonando seus afazeres, sentou com ela para jogar conversa fora enquanto falava bobagens
que a fizeram sorrir. Entre um sorriso e outro, ela lhe fez o convite para que fosse sua madrinha de
casamento.
Estavam num animado bate papo sobre vestidos de noiva, madrinhas e bolos de casamento
quando ouviram uma familiar voz feminina, que perguntava a um dos funcionários, por Marina. Num
gesto automático, as duas olharam em direção do som e se viram diante de uma ruiva de olhos azuis que
sorriam zombeteiros... Estavam olhando para a enfermeira Janis! Nina parecia tão surpresa e atordoada
quanto ela, o que não abalou a terceira mulher que se aproximou sorridente ao reconhecê-las.
- Fui convocada pelos meus dois chefes para ajudar na perigosa operação casamento.
Com essa frase ela, não apenas relevou que fora enviada por Álvaro e Alberto Nascimento, mas
que estava adorando estar numa missão que não envolvia sangue nem ossos quebrados.
Janis era exatamente como ela se lembrava. Um furacão em forma de mulher! Sabendo
exatamente o que dizer, revelou a Alicia que o choque de Nina ao vê-la, também se dera ao fato da
amiga nunca ter sabido que a enfermeira que cuidara dela, enquanto estivera internada, era funcionária
da Abaré e não do hospital. E por sua vez, revelou a Nina, que também cuidou da recuperação de Alicia,
que divertida ouviu o relato sobre o insólito dia de meninas promovido por ela.
A mulher conversava espontaneamente, sorrindo, gracejando e sem nunca pronunciar algo que a
comprometesse, ou as outras duas. Falava da Abaré, como uma empresa líder no ramo de segurança
corporativa, e de que como enfermeira cuidara de ambas, em épocas distintas. Quem passasse e as
ouvisse, pensaria que ela caíram doentes por uma apendicite ou qualquer outra causa.
Alicia se perguntava quanto tempo e treinamento, eram necessários para ter um comportamento
como o de Janis que, aliás, para seu alívio, usava o mesmo nome pelo qual a conhecera. E ali, no
delicioso espaço que era a loja da Nina, três mulheres jovens, conversaram animadamente sobre tudo e
sobre nada.

Adriana Reis
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13 dias depois

O veículo que cruzava a estrada turística de Paraty parecia macular a beleza exuberante da
natureza, adornada pela arquitetura histórica que os cercava. A paisagem iluminada pelo sol do
entardecer merecia ser imortalizada num quadro, mas Álvaro tinha certeza que a mulher sentada no
banco de passageiro nada enxergava.
Alicia ligara pedindo sua ajuda. Não sabia o que a fizera fugir de Vitória da Esperança na véspera
do casamento de Marina. Ela não lhe dissera, mas não podia negar-lhe um pedido. Ao longo dos anos
testemunhara a moça superar seus medos e traumas e construir sua história. Era uma mulher
independente e forte que agora passava por um momento de extrema fragilidade. Se a voz dela, ao falar
com ele pelo telefone, não tivesse denunciado, ao vê-la descer do jato, na pista de pouso particular, teria
notado imediatamente: estava pálida e tinha os olhos mais tristes que ele já vira.
Próximo a Vila de Paraty Mirim, ele entrou no caminho que levava a sua propriedade. Ela não
sabia, mas era a primeira vez que permitia que alguém, além de seu irmão, usufruísse do seu paraíso
particular, mas Alicia lhe parecera tão aflita e levá-la ao santuário, estava fora de questão. Satisfeito
constatou que os homens da Abaré já estavam na portaria e já haviam garantido a segurança do
perímetro.
A casa ficava numa elevação do terreno e era cercada por muita área verde, de forma que parecia
camuflada pela paisagem. O jardim terminava exatamente onde começava a faixa de areia, o mar de
Paraty completava a perfeição do lugar. O caseiro, um homem de sua total confiança saiu da casa assim
que ele estacionou, saudou o patrão e a jovem mulher que o acompanhava, recolheu a bagagem e voltou
para o interior da propriedade.
- Obrigada. Alicia disse num fio de voz. Precisava ficar sozinha e longe de tudo o que a fazia
lembrar-se de Hendrix. Nos últimos dias, todas as vezes que entrara no escritório, parecia que o cheiro e
a presença dele estavam impregnados no lugar.
- Estou no escuro aqui Alicia. Álvaro respirou fundo. - Quero ajudar, mas não tenho ideia do que
fazer. Ela o interrompeu.
- Estou bem Álvaro. Ela tentou sorrir, mas foi em vão.
- Não está. Ele contestou. – Está com uma aparência horrível, fugiu do lugar pelo qual tem
verdadeira adoração, na véspera do casamento da sua melhor amiga. Ele respirou fundo mais uma vez.
Se as coisas não estivessem tão complicadas, ficaria e a faria contar o que estava acontecendo, mas
faltando quase vinte quatro horas para o casamento, o noivo, o padrinho e sua equipe principal ainda
estavam em Paris, impedidos de retornar, pois o mal tempo cancelara todos os voos da Europa. Tinha
que resolver isso e chegar a tempo de levar a noiva ao altar. – Nina sabe que não estará lá? Perguntou
por fim.
- Saberá no momento certo.

Adriana Reis
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Ele sorriu desanimado e coçou a sobrancelha num gesto nervoso.
- Quando estiver vestida de noiva? Acha mesmo que isso a impedirá de cancelar tudo e vir atrás
de você? Perguntou meio divertido por imaginar a cena em sua mente.
- Não, seu irmão a impedirá.
Isso se ele conseguir chegar, ele pensou seriamente preocupado.
- Alicia eu não sei o que esta acontecendo aqui, mas sinto que é algo grave. Eu posso ajudar,
basta você deixar. 33
Foi a vez dela respirar fundo.
- Já está me ajudando Álvaro. Ela se aproximou, o abraçou e depositou um leve beijo em sua
face. – Obrigada por tudo. Entrou na casa o deixando ali de pé, boquiaberto, pego totalmente
de surpresa pelo gesto espontâneo de carinho, da mulher esquiva e retraída que ele havia
conhecido.

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No dia seguinte

- Você está linda! Ângela disse depois de ajudar Marina a colocar o véu. – Alberto guardará sua
imagem vestida assim para o resto da vida. Ela disfarçadamente enxugou uma lágrima.
Marina contemplou sua imagem de corpo inteiro, no espelho da sala, que improvisadamente
servia de quarto da noiva. No inicio ela havia desejado casar-se ao ar livre e Alicia havia lhe oferecido a
fazenda, porém Ângela, ou Janis, nome que a enfermeira usava em Vitória da Esperança, diligentemente
alertou-as que um casamento ao ar livre seria um pesadelo logístico no quesito segurança e após muitas
considerações, decidiram fazer a cerimônia no salão onde acontecera o baile beneficente.
Os últimos quinze dias tinham sido os mais loucos de sua vida. Caetano havia destacado um
verdadeiro exército para cuidar dos preparativos. Ela, Ângela e Alicia haviam experimentado tantas
comidas, bebidas, vestidos e perfumes! Para coroar os dias insanos, o noivo chegara para o casamento
com trinta minutos de atraso e sua madrinha tivera que sair da cidade, no dia anterior, alegando
necessitar cuidar pessoalmente do embarque de um carregamento de vinhos gourmet, ainda não chegara.
Pensar em Alicia a fez sentir um peso no coração. Assistira seu sofrimento nos últimos dias sem
nada poder fazer. Por mais que tivesse tentado, a mulher não se abriu, não revelou o que estava
acontecendo e há dois dias tinham discutido. Exasperada pelo silêncio apático terminara lhe falando que:
“fugir do passado, somente adiava o inevitável, pois mais dia menos dia, o passado bateria em sua porta: ela tinha de
enfrentá-lo, só assim conseguiria seguir em frente.„ Na mesma hora que essas palavras saíram de sua boca, notara
que falara demais, pedira desculpas e Alicia a havia desculpado, pelo menos parecera no momento, agora
já não sabia se teria uma madrinha.
- Marina, por mais que gostemos de alguém, tem certos caminhos que as pessoas precisam trilhar
sozinhas. Angie disse atrás dela, lendo em seus olhos o que a preocupava.
– Você está linda, vá lá e diga sim ao homem da sua vida, ele esta esperando por você. Se Deus
me concedesse um pedido especial na vida, pediria que um homem me olhasse da maneira com o
Alberto olha para você. Ai meu Deus! Ele vai ter um infarto quando a vir assim tão linda.
Ela conseguira seu intento. Nina sorrira, um sorriso amplo, que chegava aos olhos e transbordava
felicidade. Marina sentiu o coração aquecer como sempre ocorria quando Caetano invadia seus
pensamentos, só faria mais uma coisa e aí sim, iria ao encontro do homem de sua vida.
- Vou ligar para Alicia, para saber se está chegando e aí podemos ir. Tinha acabado de pronunciar
a frase quando uma batida leve na porta soou no ambiente.
- Ela estava só atrasada, não disse? Angie se dirigiu a porta, porém não era Alicia e sim Rita, a
quem Nina chamava de anjo da guarda de Alicia, que entrou e entregou um envelope para Marina.
- Sinto muito Dona Nina. A mulher disse e deixou o quarto, tão constrangida quanto entrou.
Marina abriu o envelope e leu a carta de Alicia, uma, duas, três vezes. Porém ao invés do alivio
esperado por saber que a amiga não estava magoada com ela, estava contrariada, não por sua ausência

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no casamento e sim por sua covardia. Ela não sabia exatamente o que acontecera entre Alicia e
Bourregard, mas estava na hora de passar essa história a limpo.
- Ângela, por favor, chame os meninos, todos eles. Pediu determinada.
- Todos eles? Angie perguntou confusa, pois lá fora estavam todos os homens das três equipes
do esquadrão de elite.
- Alberto, Álvaro, Javier, Bourregard, Thor, Kashim e Henrique. Ela esclareceu. – Por favor.
Marina viu a mulher sair para cumprir sua missão e rezou pedindo a Deus que estivesse fazendo a 35
coisa certa. Menos de um minuto depois um Caetano apressado e visivelmente preocupado entrou no
cômodo e ao vê-la, paralisou. Nina jamais esqueceria a maneira como ele olhava para ela naquele
momento.
Ela estava linda, ele pensou. Linda não, essa era uma palavra vulgar para descrever o quão... Sua
mente não achou uma palavra que estivesse à altura dela...
- Nina. Ele sussurrou e sua voz saiu rouca. Sabia estar com um ar abobalhado, porém quando ela
sorriu para ele nada mais importou. Nossa como sentira falta dela, pensou.
Sua aproximação foi interrompida por um coro de seis homens dizendo: - UAU - ao mesmo
tempo, que provocou o riso franco dela. Caetano pigarreou chamando a atenção de todos.
- Ela é minha, procurem uma para vocês! Exclamações divertidas soaram pela sala, até que um
assovio alto soou no ambiente, os fazendo calar e imediatamente procurar a origem do som e
encontraram ao olhar para noiva.
- O que? Questionou a sobrancelha erguida do noivo. - Funcionava com as crianças do orfanato.
Respondeu simplesmente.
- Desculpe, eu confesso não entender nada desse negócio de casamento, mas não tem um lance
do noivo não poder ver a noiva antes da hora? Thor perguntou, fazendo Nina girar os olhos entre
contrariada e divertida, por ver um homem daquele tamanho se preocupando com supertições
femininas.
- Porque nos chamou aqui Nina? Bourregard perguntou. Não estava vendo Alicia e ela deveria
estar ajudando a noiva. Bom, ele imaginava que essa seria uma das funções da madrinha, ou não seria?
Nina respirou fundo e olhou para os rostos de cada um deles antes de falar.
- Alicia fugiu. Anunciou
- Como assim Alicia fugiu? A pergunta não viera da fonte que ela imaginava. A voz de Bento
ressoou na sala. Não o havia visto entrar e a expressão de: desculpe-me, no rosto de Angie atrás dele,
revelava que o homem praticamente invadia a reunião particular.
- Fique fora disso delegado. Bo respondeu antes que Nina tivesse a chance de abrir a boca.
- Alicia é minha amiga e sou delegado dessa cidade! Se tiver alguma coisa acontecendo aqui,
tenho dever de intervir. Bento já havia percebido que aqueles homens não eram quem diziam ser e ele
descobriria quem eles realmente eram, isso era uma promessa.
- Bento, na verdade o assunto aqui é pessoal. Marina disse com jeitinho.
- Que ótimo, por que sou amigo dela. Respondeu irredutível.
- Para onde ela foi? Bourregard perguntou. Ele era um misto de raiva, medo, preocupação.
- Não faço ideia, ela não revelou.

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Série Santuário - Conto 2 – Outra vez você – Alicia e Bourregard

- Merda! Ele resmungou e se desculpou em seguida.


- Precisa ir atrás dela Bart! A presença de Bento a fez usar o nome de apóstolo, que ele havia
usado, durante a missão em que eles a haviam protegido. - Não sei o que aconteceu entre vocês, mas
tem que resolver isso e trazê-la de volta.
Droga, ela havia prometido esperar por ele. Sentia-se traído e sabia que o sentimento era
irracional, mas isso não fez diminuir a dor e Marina a enxergou. A expressão dela disse a ele que ela
havia enxergado seus sentimentos, todos eles.
- Vá! Disse olhando para ele com aqueles olhos suaves e compreensivos que havia cativado a
cada homem daquela sala. – Agora! Exigiu.
- Sou seu padrinho. Ele ponderou.
- Vá de uma vez homem! Caetano interveio.
- Mesmo que eu vá, não tenho ideia de por onde começar. Revelou contrariado. A mulher
poderia estar em qualquer lugar do planeta.
- Pergunte a ele. Marina disse apontando para Álvaro que assistia a tudo do canto da sala. A
expressão dela dizia ser óbvio que o dono da Abaré soubesse a localização de Alicia.
- Sabe onde ela está?
Se Álvaro fosse um homem mais fraco, teria corrido com toda a velocidade, tamanho a violência
na expressão de Bourregard. Ao invés disso caminhou tranquilamente até o amigo e lhe entregou um
papel que tirou do bolso interno do elegante fraque que usava.
- Aqui está o endereço. Tinha certeza que um de vocês exigiria a informação, só não sabia qual.
- Traga Alicia de volta, é uma ordem. O doce tom de voz de Nina não chegou nem perto da
intenção pretendida.
- Farei o possível. Deixou a sala sem ousar olhar para os amigos. Notou, porém que o delegado
não tirou os olhos dele e chegou a segui-lo por uns instantes, mas um só olhar de Bourregard foi o
bastante para entender que se insistisse em lhe fazer companhia, seria pior para ele.
- Bom... Agora que resolvemos esse assunto, tenho que casar com essa linda mulher. Caetano foi
interrompido por Nina.
- Ainda não podemos nos casar. Ela disse com expressão séria que fez o coração dele quase
parar, o silêncio foi tamanho que se ouviam as respirações da cada um deles.
- Nina...
Ela o interrompeu novamente.
- Precisamos de novos padrinhos. Disse com os olhos sorridentes e ele riu, de alivio e de
felicidade. Sua mulher era corajosa e tinha um coração generoso, não sabia o que fizera para merecê-la,
mas não ia questionar sua sorte.
- Alguma sugestão futura esposa? Perguntou.
- Na verdade sim, futuro marido. Ela respondeu sorridente e pegando Ângela e Javier totalmente
desprevenidos, os convidou para substituírem Alicia e Bourregard. Javier aceitou o convite, porém o
gemido de sofrimento, ao dar o braço a Angie, foi audível o suficiente para saberem que preferia
qualquer outra e os noivos se olharam perguntando-se: será?
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A chegada da noiva fez todo o burburinho do salão silenciar quase que imediatamente e assim
como havia sido previamente combinado, os músicos aguardavam um sinal para iniciar a marcha
nupcial.
Conrado, por um instante, contemplou seu irmão mais novo e experimentou a mesma sensação
descrita por tantos pais: sentiu orgulho do homem no qual Caetano havia se tornado e feliz pelo destino
lhe dar de presente a mulher que segurava seu braço. Desviou seu olhar para Javier e Angie, que estavam 37
visivelmente constrangidos pela proximidade forçada e sorriu divertido, imaginando quanto tempo
aqueles dois levariam para enxergar o óbvio. Com um aceno discreto de sua cabeça, a marcha nupcial
começou a tocar e os homens tomaram seus lugares ao longo do corredor.
- Álvaro o que eles estão fazendo? Nina perguntou confusa.
- Esse é nosso presente para você Marina.
Entre surpresa e chocada, ela viu o homem a seu lado dar um passo para o lado, fazer uma solene
reverência e ao pegar em sua mão direita, dizer:
- Diante de ti e de todos os presentes, ofereço-te amparo, proteção e abrigo. Firmo neste
momento, um vínculo de honra que sobrepuja o sangue. Por minha vontade, a partir de agora, estamos
ligados e te ofereço minha vida pela tua até o fim dos meus dias; respeitarei-te como membro da família
que forjei ao longo da vida e das batalhas que travamos ao teu lado. A partir de agora você é parte de
mim.
- Obrigada. Respondeu a noiva com a voz embargada, controlando-se para não abraçá-lo.
Profundamente emocionada, foi conduzida até Thor que repetiu a reverência e o juramento.
Thor a conduziu a Henrique, este a levou até Kashim e Javier deixando seu lugar ao lado de Angie,
imitou o gesto dos demais e a conduziu a Caetano que também fez a reverência e o juramento.
Os convidados assistiam a quebra do cerimonial e comentavam uns com os outros, que aquela
deveria ser uma nova moda, provavelmente vinda da Europa.
Conrado assumiu seu lugar próximo aos noivos e observou o casal que ouvia a saudação do juiz
de paz e do padre que daria uma benção especial e naquele instante, olhando não somente para seu
irmão e para mulher que já considerava como irmã, mas também para os homens de sua equipe
principal, soube que Caetano abrira a caixa de Pandora: nascia no íntimo deles, mesmo que negassem
veementemente o fato, o desejo de ter aquilo que enxergavam com tanta clareza no casal que se unia
naquele momento, e o desejo era algo perigoso...
Inconscientemente seu olhar buscou Helena, a única mulher soldado do esquadrão de elite e o
exemplo personificado de tudo que desejava, mas não poderia ter. Ao vê-la usar o comunicador, focou
sua atenção na movimentação dos membros das equipes dois e três que, mesclados entre os convidados,
eram os responsáveis pela segurança naquela noite, apoiados pelos melhores homens da Abaré.
Ao notar que tinham tudo sobre controle, relaxou e voltou sua atenção aos noivos. A maneira
como olhavam um para o outro, as mãos dadas com os dedos entrelaçados, o cuidado inconsciente do
irmão com o bem estar da mulher lado dele... Era impossível não invejá-lo. Desviou o olhar para Angie
e Javier e sentiu que, a partir daquele momento, tudo mudaria. Que precisaria pensar não somente na
segurança deles, mas teria de cuidar da segurança de suas famílias e prometeu a si mesmo que faria o

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melhor por todos eles. Novamente seu olhar buscou Helena, mesmo que tivesse que sacrificar seus
desejos e sonhos...
Bento, de seu lugar entre os convidados estava intrigado, mais que isso, tinha fortes indícios de
que algo estava muito errado ali... O lugar tinha mais segurança que um encontro dos chefes de estados
das Nações Unidas e isso, numa cidade como Vitória da Esperança, aquilo não fazia sentido. Olhou em
direção do casal que naquele momento pronunciava os votos com um sentimento de perda no peito,
mas tratou de rechaçá-lo, não adiantava chorar pelo leite derramado. Buscou Álvaro com o olhar, o
encontrou olhando para ele e se comprometeu a investigar aqueles homens e o que de fato queriam em
sua cidade.

A bordo do jato particular da Abaré e a caminho de Paraty, Bourregard tentava entender o que
fizera Alicia fugir dele. Ela parecera tão receptiva aos seus beijos, suas carícias... Seu peito apertou ao
recordar o quão macia, quente e cheirosa ela estava naquela manhã no escritório da vinícola.
- Cristo, como a quero... Fora do céu ao inferno em poucos minutos, desde que pusera os pés
em Vitória da Esperança, há algumas horas atrás. Estava tão ansioso para revê-la, para recuperar os dez
anos de separação, para no instante seguinte sentir-se traído de uma forma cruel e mesquinha. Ela nem
sequer lhe deixara um recado, um bilhete, ou o que quer que fosse! E o mais grave: era homem
suficiente para admitir que se Álvaro não estivesse do seu lado, ficaria outros dez anos buscando por ela
sem sucesso... E isso o enfurecia...
- Merda! Praguejou consigo mesmo.
Não fazia sentido! A mulher que fugira as escondidas, na véspera do casamento da melhor amiga,
não combinava com a mulher corajosa, independente e empreendedora que ele descobrira nos
relatórios, resgatados por Caetano e que lera durante seus momentos de folga durante a missão.
Retornara a cidade com o peito explodindo de orgulho, pelas escolhas e conquistas dela e agora, estava
furioso por sua covardia.
Ao ler os documentos, Bo constatou que vários agentes, em períodos distintos, acompanharam a
distância a readaptação de Alicia após o resgate. Os primeiros meses foram dedicados a tratamentos
médico e psicológico. Após esse período, que incluíram vários passeios às vinícolas no interior da Itália e
da França, ela pareceu apaixonar-se pelo processo de fabricação da bebida. Inscreveu-se em vários
cursos e finalmente numa universidade, onde se formou enóloga.
Na mesma época, um dos seguranças que trabalhava diretamente com a família, relatara diversas
discussões dela com os pais, principalmente sobre a questão da segurança. Eles não admitiam que Alicia
desse um passo, sem ao menos três seguranças em seu encalço. Por outro lado, os pais se queixavam que
a menina cheia de vida, que adorava eventos de moda, passeios no shopping, baladas com amigos, agora
parecia apagada, sem viço. Não compreendiam porque ela parecia infeliz, já que na opinião deles ela
tinha tudo ao alcance das mãos.

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Encontrou várias anotações de Álvaro (Conrado), contradizendo a opinião da família. Para ele,
Alicia não era infeliz e sim introspectiva; não era apagada e sem viço, simplesmente tinha reavaliado seus
conceitos e estabelecido novos valores e prioridades.
Cada linha dos ditos relatórios era uma surpresa: desde as consultas ao terapeuta até a conversa
franca, que com apoio dos irmãos e das cunhadas, tivera com seus pais. E assim, seis anos antes, seu pai,
num gesto de confiança, apoio e amor incondicional, entregou a ela sua parte da herança familiar e fizera
uma única exigência: que para sua segurança, ela buscasse a orientação de Álvaro Nascimento para essa 39
nova fase de sua vida. Surpreendeu-se ainda mais quando percebeu que desde a primeira visita a cidade,
a compra da vinícola até a conquista de ser reconhecida com uma das mais importantes fabricantes de
vinho artesanal do mundo, tudo estava descrito em relatórios assinados por Bento Luis Lemes de
Albuquerque.
Quem era esse homem? Fizera para si mesmo essa mesma pergunta várias e várias vezes. O que o
herdeiro de uma tradicional família do sul do país, fazia como delegado de uma cidade minúscula?
Quando perguntou a Caetano, este lhe dissera que nem mesmo ele sabia qual era a história que ligava
Conrado e o delegado, a resposta o deixou ainda mais intrigado.
Enquanto a aeronave pousava numa pista particular de Paraty, Bourregard estava mais
determinado e irado que nunca.

Alicia fechou os olhos e inspirou o ar noturno da pitoresca Vila de Paraty Mirim, deliciada com a
sensação da areia fina da praia sob os pés descalços. O vento frio que vinha do oceano anunciava a
chuva iminente, ela abriu os olhos e contemplou os raios que a distância, rasgavam o céu e sentiu uma
forte ligação com a tempestade que não tardaria a cair, mas ela não tinha vontade alguma de entrar na
casa. Queria sentir a beleza daquela paisagem, a paz do silêncio quebrado apenas pelos sons da natureza.
Essa noite ela não queria dormir... Preferia a beleza da noite ao terror dos pesadelos noturnos que a
atormentavam...
“Fugir do passado é só adiar o inevitável, pois mais dia menos dia, o passado vai te alcançar e então, terá duas
opções: viver fugindo e ser infeliz ou enfrentá-lo, por mais doloroso que seja, e aí sim, começar a conquista da sua
felicidade”. As palavras de Marina ressoavam em sua mente, uma e outra vez, com uma insistência
impiedosa, uma verdade tão crua que chegava machucar.
Ela respirou fundo, inalando a brisa marinha.
Encarar o passado não tornava a realidade menos doída. Há dez anos, fragilizada por todo horror
vivido no cativeiro na Colômbia, se agarrara com desespero a oportunidade de sentir-se e viva e sem se
preocupar com orgulho, modéstia ou bom senso, implorara para que um homem fizesse amor com ela e
ele fora incapaz de dizer não.
Se para ele fora um ato de caridade, para ela havia significado tudo. E agora ele tinha voltado e
reaberto a ferida. Ele fizera com que ela se sentisse no inferno novamente, reascendera a necessidade
que a duras penas ela conseguira sufocar e tudo isso para quê? Para ir embora em seguida...
Ao contrário do que havia imaginado, sair de Vitória da Esperança, não tinha ajudado a melhorar
seu estado de espírito, sentia-se perdida e pela primeira vez em muitos anos, sentia raiva. Sim, estava

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com raiva de si mesma, com raiva dele e que Deus a ajudasse, raiva por ter perdido o casamento de sua
melhor amiga!

O automóvel blindado cruzou os portões da propriedade sem necessidade de identificação do


homem que o conduzia. Qualquer um dos funcionários da Abaré, por mais recente que fosse sua
contratação, conhecia os cinco homens de confiança dos irmãos Nascimento. Ninguém ousava
questionar a autoridade deles: a palavra de um dos lendários da Abaré, como eram conhecidos, era
inquestionável e quando receberam a ordem de retirar os seguranças que protegiam todo o perímetro e
manter somente os que guardavam o acesso a propriedade, prontamente a acataram.
Bourregard conversou rapidamente com os homens, para certificar-se que todos os protocolos de
segurança foram executados durante a estada de Alicia, e informado sobre onde encontrá-la seguiu em
direção à praia.
Caminhou pela trilha de pedras que cortava a grama do bem cuidado jardim e ao avistá-la parou
estupefato pela beleza ímpar da imagem diante de si: de frente para o mar, banhada pela luz da lua que,
por um breve instante conseguira escapar do cárcere das nuvens, que traziam a chuva que em breve
cairia, ela evocava o eterno, o belo, o suave... Um anjo, ou melhor, o seu anjo...
Usava um delicado vestido branco, os longos cabelos castanhos soltos e agitados pelo vento, os
pés estavam descalços, e ele soube que guardaria aquela imagem em sua mente pelo resto dos seus dias.
Ali parada, contemplando o mar de Paraty ela estava tão linda que ele quase esquecera que estava
furioso, quase...
Ele respirou fundo e por um momento contemplou a noite. Permitiu-se sentir em sua pele o
toque frio dos ventos que sopravam, agora com maior intensidade. Ventos da mudança! Pensou.

Alicia observava os raios que caíam ao longe e silenciosamente iluminavam o céu quando sentiu o
corpo ser percorrido por uma sensação tão íntima e familiar quanto o próprio respirar, e ofegou. Não
precisou ouvir seus passos ou enxergá-lo, para ter a certeza de sua presença. Assim como acontecera
naquela manhã em seu escritório, a energia do corpo dele acariciava o seu, sem ao menos tocá-la. Sentiu
o sangue correr mais rápido por suas veias, o coração acelerou de tal forma que a deixou
momentaneamente sem ar e a necessidade de ser tocada por ele era tão intensa, quanto imperiosa.
Uma sensação da qual tinha uma remota lembrança, subiu desde seu ventre, percorreu o caminho
até seu peito e seguiu adiante exigindo liberdade, como uma força que não poderia ser contida, ela estava
furiosa! Num último resquício de controle, respirou fundo e virou-se para enfrentá-lo e quase fraquejou,
quase...
Por alguns instantes ficaram apenas olhando um para outro, num mudo embate de vontades.
O homem parado no jardim, há alguns metros dela numa postura rígida e com uma expressão
irada em seu rosto, emanava força, poder e masculinidade. A camisa social com mangas dobradas e
botões abertos, que permitiam um vislumbre do peito que ela sabia por experiência, ser firme e quente
sob o toque; a calça elegante e os sapatos caros que pisavam sem piedade sobre a grama a fizeram ter
certeza do complemento que faltava; gravata e fraque. E ela soube, que ele viera direto do casamento de
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Marina. A lembrança de não haver comparecido ao dia mais importante da vida da amiga, a fez
concentra-se novamente em sua raiva.
Bourregard enxergou o desafio no olhar dela, a indignação por sua presença em seu refúgio e o
conhecimento que não era bem vindo, doeu em seu peito.
Com determinação e ira renovadas, caminhou até a mulher, cuja beleza e força o fascinava, desde
que pusera os olhos nela no cativeiro das Farc, e sequer se deu conta das primeiras gotas da chuva que
começavam a cair. Parou somente a alguns passos de distância, não conseguindo controlar as emoções 41
que como uma faca cravada em seu peito o rasgava por dentro e fez a pergunta que o atormentava desde
que recebera a noticia de sua fuga.
- Porque fugiu de mim?
Tê-lo tão perto era um desafio ao seu controle e o conhecimento do fato irritou-a ainda mais.
- Como me encontrou? Perguntou, não se intimidando com expressão furiosa em seu rosto. Ele
estava furioso? Pois bem, ela estava furiosa e meia... Pensou com coração trovejando.
- Como acha que a encontrei? Bo devolveu a pergunta ainda mais irritado pela fria recepção.
- Álvaro não tinha o direito de dizer onde eu estava. Protestou.
- Por que Alicia? Eu só queria entender o por que. Insistiu.
Se Alicia não estivesse cega pela raiva que sentia estar prestes a explodir em seu âmago, teria
notado a dor na voz dele.
Por alguns instantes, nenhum dos dois disse mais nada, ouviam somente o som da respiração
ofegante de ambos, tão carregadas de emoções quanto a chuva que caia agora com maior intensidade.
- Porque se acovardou e fugiu Alicia? Fez a pergunta mais uma vez – Até algumas horas atrás não
tinha ideia que pudesse ser tão covarde. Sustentou o olhar no dela e foi quando testemunhou o
momento mais precioso de sua vida. O opaco verde da resignação foi substituído pelo verde intenso, cor
da mata que ele enxergara a primeira vez que amou seu corpo e que agora tinha algo a mais, uma força e
energia que não existiam antes.
Alicia, ao ouvir as palavras dele, sentiu o despertar de uma sensação há tanto tempo adormecida
dentro dela e explodiu:
- Covarde? Gritou ignorando a chuva que agora caia pesadamente - Quem você esta chamando
de covarde? O desafio e a indignação impressos na voz - Você já foi torturado? Perguntou, incapaz de
controlar as emoções que transbordavam com uma força assustadora.
Na verdade sim, ele pensou, mas optou pelo silêncio.
- Eu tinha dezenove anos quando fui seqüestrada sabia? Ela andava em volta dele enquanto
falava. - Eu era uma menina, e fui espancada, torturada física e psicologicamente e não me entreguei.
Tentei fugir tantas vezes quanto fui capaz, aguentei viva enquanto outros ao meu redor roubavam as
armas dos guerrilheiros e se matavam. Já assistiu alguém ficar tão desesperado a ponto de tirar a própria
vida, bem ali na sua frente? Perguntou o desafiando a responder. A respiração ofegante, as mãos de
punhos fechados ao lado corpo sinalizavam o quão tumultuadas estavam suas emoções.
Novamente sim, ele pensou e novamente optou pelo silêncio.
- Eu sobrevivi, eu saí de lá e construí uma vida da qual me orgulho! Pode não ser perfeita aos
seus olhos, mas aos meus sim. Covarde? Retrucou. – Sabe o que é encarar uma família que te olha com

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piedade, sem saber como lidar com você, imaginando se podem te abraçar ou se você vai ter um ataque
de pânico com a proximidade deles? As palavras saiam sem controle agora. - E a curiosidade mórbida
dos estranhos, que fingindo solidarizar-se com sua dor, querem na verdade, apenas ouvir os detalhes
mórbidos do teu sofrimento, somente para diminuir o deles? Covarde? Sabe o que é reviver noite após
noite o inferno, em pesadelos tão reais, que você pode sentir o fétido cheiro do seu cativeiro. Covarde?
Mato um leão por dia lutando contra tudo isso. Não me chame de covarde, não admito que, nem você
nem ninguém, me chame de covarde, entendeu? Alicia nem percebeu que estava com o dedo em riste,
apontado para cara dele, sentia o corpo trêmulo da cabeça aos pés e uma incrível sensação de liberdade.
Sem se importar com a chuva, Bourregard sentia o peito explodir de orgulho por ela. A
importância daquele momento impressa em cada traço do rosto delicado. Seu corpo também respondia
com ferocidade à proximidade, e que os anjos tivessem piedade dele! Irada ela ficava ainda mais sexy do
que se lembrava.
- Quem é você para me chamar de covarde? Ela perguntou finalmente. – Quem você pensa que é
para invadir o meu espaço? Quem você pensa que é para invadir a minha vida e me dar ordens?
A raiva e a frustração dele que pareciam ter ido embora, ao ver-se questionado por seus atos,
voltaram renovadas.
- Quem sou eu? Perguntou num tom tão descontrolado quanto o dela – Quem eu sou? Pois eu
vou lhe dizer quem sou, Alicia Mendes Bittencourt. Sou Melquisedec Bourregard, o homem de quem
você roubou a alma naquela noite a dez anos atrás. Ele não conseguia acreditar que tinha dito seu
primeiro nome a ela! Ninguém exceto os caras de sua equipe o conheciam e nem mesmo eles, ousavam
pronunciar aquele nome.
A inesperada resposta a desarmou. Ela piscou desconcertada, por um momento sentiu-se
desnorteada. Ela lhe roubara a alma? O que ele queria dizer com isso? Perguntou-se confusa.
Melquisedec? O nome dele era Melquisedec? Ela olhou bem dentro dos olhos dele e lá estava a
resposta. Enfim começava a conhecer o homem que lhe roubara o coração.
- Quem seu sou Alicia? Ele não conseguia parar de falar - Sou o homem que procurou por você
em cada canto desse maldito planeta durante dez anos. Por dez anos em cada folga, a cada oportunidade,
busquei por uma pista sobre seu paradeiro... Por dez anos não faço outra coisa senão reviver aquela
noite em que foi minha, por dez anos eu não consigo pensar em outra mulher, que não seja você. Não
sou um santo Alicia! Mas porra... era você quem eu queria, só você... Ele respirou fundo, tentando
controlar tanto sua frustração, como a dor por ela não o ter esperado, mas foi em vão.
Assim como a chuva os castigava sem piedade, a necessidade de expor a ferida em seu peito, era
grande demais para ser reprimida. – Sou o homem que finalmente, há quinze dias descobriu que a
informação que eu tanto procurei, sempre esteve ao meu alcance e se eu não tivesse sido orgulhoso
demais, se não insistisse em fazer tudo sozinho, a teria encontrado a mais tempo.
Alicia sabia que era importante o que ele estava dizendo, mas não ouviu nada o que ele disse
depois de maldito planeta. Em seu coração e mente a frase: “Sou o homem que procurou por você em
casa canto desse maldito planeta durante dez anos”, ressoava iluminando as trevas, aquecendo o frio
ártico que ela sentiu por todos aqueles anos de solidão.
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- Procurou por mim? Conseguiu perguntar, sentindo uma sensação nova nascer em seu peito:
algo quente e delicioso. Ele havia procurado por ela!
- Se eu procurei pro você? Ele bufou – Encontrar você foi minha obsessão. Como eu não iria
atrás de você Alicia? Um homem não pode viver sem sua alma e você decididamente tem a minha.
Confessou e desejando ardentemente que ela acreditasse nele, expôs ainda mais a ferida em seu peito
quando começou a narrar sua incansável busca, que teve inicio uma semana depois da partida dela para a
Europa. 43
Ele procurara por ela! Ele procurara por ela! Alicia olhava para o homem que parecia estar
dizendo algo importante, mas sua mente não conseguia captar as palavras, e seu coração batia num
compasso desesperado, ele buscara por ela!
Nada mais tinha importância... Esse homem forte, másculo e orgulhoso, confessava à sua
maneira que a amava. Ela não queria perder tempo com palavras, teriam todo tempo do mundo para
falar e obedecendo aos pedidos de seu corpo e coração, se lançou nos braços dele e o beijou.
Num momento ele contava a ela o quanto a havia procurado, rezando para que ela acreditasse
nas palavras dele, no instante seguinte tinha Alicia em seu braços, na mais perfeita interrupção da
história. Ele teve certeza disso enquanto beijava a mulher pela qual esperara por dez anos.
Ela estava por todo o seu corpo, as pernas em volta da sua cintura, os braços em torno de seu
pescoço, tão faminta e desesperada quanto ele. Qualquer chance de controle lhe foi roubada, quando o
corpo quente e macio dela pressionou sua ereção. O gemido necessitado, que escapou dos lábios
feminino, foi sua perdição. Sem descê-la de seu colo, lutaram com o vestido que segundos depois estava
esquecido sobre a areia. Tocar a pele dela, embaixo da chuva incessante, fez rugir um feroz desejo de
posse.
- Minha! Sussurrou ao percorrer o pescoço delicado com os lábios.
- Sua! Ela respondeu ofegante.
Mãos tocaram os corpos, famintas exigentes, enquanto beijos ardentes contavam o quanto a
saudade castigara seus corações.
Alicia desconhecia a necessidade desesperada que a dominava, queria aquele homem com uma
ferocidade que a surpreendia, mas não a assustava. Sem saber como, se viu com os pés sobre a areia
novamente. Em algum lugar longínquo de sua mente, ouvia Melquisedec sussurrar algo como a
necessidade de entrarem na casa, mas ela não queria entrar... Não agora, quanto tudo estava tão perfeito!
As bocas voltaram a se encontrar impetuosas, e ela, sentindo-se corajosa e ousada, como nunca
se sentira antes, acariciou o membro rígido por cima da calça e deliciada o ouviu deixar escapar um som,
que era um misto de gemido e rugido. A violência da chuva intensificava ainda mais a emoção do
reencontro, da entrega...
O restante das roupas encharcadas foram descartadas com desespero. Exploraram o corpo um
do outro com pressa, com fome, colocando em cada carícia, em cada beijo, dez anos de espera, fantasias.
Sentiam as emoções, curando os corações.
Bourregard a fez sua, na areia da praia de Paraty Mirim, sob a chuva que lavava suas almas e
abençoava uma história de amor tão forte e inabalável como próprio tempo.

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Quase vinte quatro horas depois, Bourregard observava extasiado a mulher adormecida ao seu
lado na cama. Os longos cabelos castanhos espalhados sobre o travesseiro, a pele clara e sedosa,
salpicada por sardas quase imperceptíveis, o nariz delicado, a boca de lábios rosados, inchados por seus
beijos, o corpo macio e morno que ele sabia estar nu sob o lençol. Alicia ainda levava algumas cicatrizes
em seu corpo, além das que existiam nos pulsos e ele beijara e acariciara todas elas, queria que elas as
enxergasse não como lembrança do sofrimento pelo qual passara e sim como marcas de sua coragem e
valentia.

Percorreu mais um vez com olhos o corpo que ele explorara com suas mãos e boca repetidas
vezes no último dia e estava muito longe de sentir-se saciado, muito pelo contrário estava pronto para
possuí-la mais uma vez. Quando se tratava dela, não tinha controle sobre o insaciável desejo que parecia
consumi-lo, mas pelo menos por algumas horas isso estava fora de questão. Alicia dormia tão profunda
e serenamente que seria um crime acordá-la.
Tocou a face delicada e não resistiu ao desejo de contornar os lábios com seus dedos. Eram tão
macios e deliciosos, pensou e respirou fundo, na tentativa vã de controlar as exigências de seu corpo.
Decidido a deixá-la descansar optou por tomar uma ducha fria.
No banheiro, sob o jato forte do chuveiro, ele recordou os momentos vividos nas ultimas horas.
Da posse desesperada na praia sob a chuva, durante a qual esquecera totalmente do uso do preservativo,
aos momentos ainda mais intensos sob a água quente do chuveiro e quando enfim conseguiram chegar à
cama, ele tentara ser gentil e delicado, mas ela lhe roubara novamente o controle e mais uma vez se
amaram com a mesma urgência desesperada da praia.
Recordou sorrindo o desespero de ambos ao abrir os preservativos, e em como ela se deliciava ao
ajudá-lo a colocá-los. Ele nunca havia pensado que usar uma camisinha pudesse ser um ato tão erótico, e
naquele dia, haviam usado vários...
Ao final da manhã, haviam feito um lanche improvisado na cozinha bem equipada da casa, e
sorriu ao lembrar o quanto estavam famintos.
Nas ultimas horas muitas das tentativas de diálogo, foram interrompidas por beijos e carícias:
depois de tanto tempo precisam do toque, do tato, do sentir. Finalmente, conseguira dizer a ela que não
usava o primeiro nome, que todos o chamavam pelo sobrenome ou simplesmente por Bo. Mas não
podia mentir para si mesmo, todas as vezes que a ouvira sussurrar seu nome ou mesmo gritá-lo no
momento de êxtase, seu tesão subia a níveis nunca antes suspeitados. Era algo tão forte e profundo,
ouvir sua mulher pronunciar seu nome durante o orgasmo! Uma sensação primitiva de orgulho e posse
que não era de se estranhar que os homens nunca falassem sobre isso.
Bo sentiu o peito pesar ao recordar a resistência de Alicia em ceder ao sono. Não era preciso ser
especialista sobre o comportamento humano para entender que ela estava com medo de dormir, isso
explicava o porquê a encontrara na praia de madrugada, quando chegou à propriedade: estava fugindo
dos pesadelos. Isso mexeu com ele, queria cuidar dela, protegê-la e acima de tudo fazê-la feliz.

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Série Santuário - Conto 2 – Outra vez você – Alicia e Bourregard
Preocupado, prometeu a si mesmo que conversaria com ela e com o tal terapeuta sobre o
assunto. Desligou o chuveiro, secou o corpo, que apesar do banho frio, ainda estava excitado, voltou
para cama, aconchegou-se a sua mulher adorando sentir o aroma único da pele feminina e adormeceu.

45

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Um mês depois

Alicia ouvia os sons que vinham da cozinha, onde Bourregard deveria estar preparando o café da
manhã, porém nem mesmo o aroma da saborosa bebida a seduzia a abrir os olhos, queria, não, precisava
de mais alguns minutos de sono.
Suspirou deliciada, sentindo o corpo languido e saciado, as recordações da noite vivida nos
braços dele invadiram sua mente e os lábios se curvaram num sorriso que Bo adoraria ter flagrado.
Hoje, fazia um mês que estavam em Paraty Mirim, trinta dias preciosos, intensos... Alicia nunca
sonhou que pudesse ser assim, tão intenso e sereno ao mesmo tempo. Em dez anos, era a primeira vez
que se sentia verdadeiramente em paz, os pesadelos tinham desaparecido. Na realidade nunca
desconfiara que podia dormir como fazia agora, sempre acordava depois dele, que normalmente trazia
seu café na cama e ela adorava ser mimada e amada por ele.
Melquisedec Bourregard! Como adorava o nome dele! Soava pomposo e arrogante como o dono,
que escondia do mundo uma ternura e docilidade que somente ela conhecia.
Sentiu o corpo esquentar com as lembranças dos momentos de paixão compartilhados. Ele tinha
se transformado em seu professor na arte dor amor e ela se descobrira uma aluna ousada e curiosa.
Alicia sentiu o rosto queimar ao pensar na mulher sensual e sedutora que os carinhos daquele homem
revelaram existir em seu interior. Adora ser seduzida por ele, porém sentia um prazer ímpar em vê-lo
perder o controle sob suas carícias, a sensação do poder feminino era viciante, pensando nisso suspirou
novamente.
E não parava por aí, ele era uma excelente companhia, bem humorado, inteligente, culto e com
um corpo de tirar o fôlego... Haviam dedicado tempo a conhecer um ao outro. Contara a ele sua luta
para superar o cativeiro, como nascera a paixão por vinhos e sua fabricação, como se sentira estranha e
incomodada com a família, dos desafios da universidade à compra da vinícola em Vitória da Esperança e
como nascera sua amizade com Marina.
Ele por sua vez, havia revelado tudo sobre seu nascimento, infância, adolescência, a fase adulta e
como fora parar no esquadrão de elite que era liderado por Álvaro Nascimento. Esclareceu a ela, que
Alberto era o líder da equipe um, a qual ele pertencia, porém Álvaro era o chefe de todas as três equipes.
A uma Alicia boquiaberta ele revelara sua nacionalidade. Ele era francês! Filho de um oficial
francês e uma diplomata americana. Os pais ainda vivos, casados e aposentados, viviam num chateau em
Avignon, sul da França e não só conheciam os detalhes sobre as atividades profissionais do filho, como
em algumas ocasiões, usavam sua influência para tirá-los de algumas situações de risco. Quando
totalmente estupefata ela perguntara como ele podia não ter sotaque, ele exibira o familiar sorriso
arrogante e dissera simplesmente que fazia parte de seu treinamento.
Numa noite, após o jantar, falavam sobre o passado e ele lhe contou a surpreendente história da
Irmã Maria da Anunciação, a freira doce, de coração ingênuo e espírito de leoa que cativara a equipe em

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sua estada no santuário e ela se sentiu mesquinha e egoísta, por nunca ter dado a Marina, a oportunidade
de falarem sobre seus passados.
Ela sabia que o mundo real os chamaria a qualquer momento, mesmo com os acertos com o
administrador, não poderia ficar longe da vinícola por muito mais tempo e ainda tinha a profissão dele...
Sentiu o peito se apertar em imaginar que teria de vê-lo partir para uma missão da qual ele poderia não
voltar com vida. Não sabia se conseguiria lidar com isso e não conseguia imaginar como Marina podia
parecer tão serena durante as ausências de Aberto Nascimento. Ela seria consumida pelo medo dia após 47
dia. Não permitindo que tais pensamentos, que ameaçavam violar a beleza do que estavam vivendo, se
instalassem em sua mente, levantou da cama e foi para o banheiro.

Bourregard gemeu desapontado ao notar que Alicia já havia acordado, ele queria fazer uma
surpresa, o café da manhã na cama não seria surpresa, mas o ingrediente especial sim! Ele esperara um
mês, o mais longo de sua vida, mas ela precisava de tempo, precisava se sentir segura.
Depositou a bandeja sobre a cama e seguiu para a janela, pois se entrasse naquele banheiro...
Contemplando a beleza do mar, sob a luz das primeiras horas da manhã, refletiu sobre a mudança de
Alicia nesse ultimo mês. Ele testemunhara seu desabrochar, os olhos tinham agora, o constante brilho
que o deixava fascinado, a não ser nos momentos de reflexão, que ela se permitia sempre que acreditava
que ele não a estava observando, e lá estava a sombra que ameaçava sua paz e felicidade: seu trabalho.
Ele convivia com a violência da qual ela tanto fugia, ele respirou fundo. Já tinha tomado sua
decisão, ela era sua prioridade e sua felicidade era o que mais importava. O som da porta do banheiro
sendo aberta, roubou sua atenção e com o coração na mão, a viu aproximar-se. Vestia um hobby negro,
tinha os cabelos molhados do banho, o rosto limpo de qualquer maquiagem, ela estava linda. Seu corpo
se acendeu como sempre o fazia quando ela estava por perto.
Cortou a pouca distância entre eles e a beijou, um beijo apaixonado, sedutor.
- Bom dia dorminhoca. Sussurrou, ao mesmo tempo, em que percorria a delicada pele de seu
pescoço, com seus lábios. Deus! Como adorava ouvir a maneira como ela suspirava quando fazia isso.
- Bom dia. Ela sussurrou com voz rouca.
- Seu café está servido princesa. Anunciou e adorou a expressão confusa em seu rosto, amava
como ela perdia a noção de tempo e espaço quando estava em seus braços.
O riso convencido dele a fez prometer a si mesma, que depois do café daria o troco a ele, mas
naquele momento a fome era maior. Sentaram-se na cama e começaram a planejar o que fariam naquele
dia, Bourregard propunha que eles voltassem a mergulhar, já que na semana anterior ele a ensinara, e
havia sido uma das experiências mais belas de sua vida.
Alicia falava despreocupadamente e enquanto Bo lhe servia o café, notou um brilho diferente em
seu olhar e se perguntava qual surpresa ele havia lhe preparado para aquele dia, quando ao erguer a
xícara seu coração quase parou ao enxergar o conteúdo que estava escondido sob a mesma. Por um
instante esqueceu-se até de respirar e boquiaberta pousou a xícara diretamente sobre a bandeja sem tirar
os olhos do pires e da linda e trabalhada aliança de ouro pousada sobre ele.
Oh Meu Deus! Ela pensou emocionada. Muito lentamente ergueu o rosto para ele que a olhava
com uma intensidade nova e Alicia entendeu por fim o que queria dizer a expressão coração nos olhos.

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Série Santuário - Conto 2 – Outra vez você – Alicia e Bourregard

- Respira. Bourregard pediu voz rouca e foi então que ela se deu conta que prendia a respiração e
respirou fundo, meio que abobalhada.
- Agora diga que aceita ser minha mulher, carregar meu sobrenome, dar a luz aos meus filhos.
Bourregard não sabia como interpretar a reação de Alicia, ela estava visivelmente emocionada, mas
nenhum som saía de sua boca. Ele não queria esperar mais, Caetano levara quase dois anos para pedir
Nina em casamento e ele não precisava de dois anos: há dez sabia que a mulher surpreendida a sua
frente era a mulher da sua vida.
- Alicia sei que as coisas nem sempre serão como queremos, que não sou um homem fácil de
lidar, mas... eu amo você tanto e a tanto tempo! E sei que sou amado por você! Me de a honra de ser a
senhora Alicia Bourregard. Pediu ao fazer um carinho na face dela e tocar os cabelos castanhos que o
fascinavam. O olhar dela trazia tantas perguntas, e ele tratou de responder a principal – Sei o quanto
meu trabalho a perturba, sei o quanto tudo o que envolve meu trabalho a faz sofrer, não precisa se
preocupar com isso, não mais, tenho mais um mês de licença, depois disso apresentarei meu pedido de
dispensa ao Álvaro. Disse olhando diretamente nos olhos dela e a viu ofegar com uma expressão
chocada no rosto.
- Vai pedir demissão? Seria essa a expressão correta? Perguntou-se incrédula, pois todas as vezes
que falavam sobre o trabalho na Abaré, ele o fizera com um entusiasmo apaixonado. Ele acreditava no
que fazia e tinha orgulho disso, não passara por sua cabeça a possibilidade dele abandonar tudo por ela.
- Entre meu trabalho e você, a escolha é óbvia Alicia, escolho passar minha vida ao seu lado.
Você escolhe passar a sua ao meu lado também? Perguntou.
Alicia não teve chance de responder. O som de um dos celulares dele ecoou no quarto, o toque
pegou a ambos desprevenidos e a maneira como ele olhou para o aparelho, fez o sangue dela gelar. Era
óbvio que aquele aparelho não deveria tocar, exceto para chamá-lo ao trabalho.
Bourregard praguejou ao ouvir o som do toque do celular, de todos os momentos
inconvenientes, Álvaro escolhera o pior para entrar em contato. Pegou o aparelho pronto para mandar o
homem ao inferno, mas não teve chance: o outro homem não esperou para ouvir sua voz para notificá-
lo dos últimos acontecimentos.
- Marina sofreu um atentado e Javier foi gravemente ferido. Álvaro comunicou lacônico do outro
lado da linha.

Quatro horas mais tarde, Alicia e Bourregard desceram do jato da Abaré numa pista de pouso
particular em Curitiba e embarcaram no helicóptero que os levaria ao Hospital Santa Isabel, onde Marina
e Javier estavam internados. Durante todo o percurso os dois se mantiveram silenciosos e centrados em
seus próprios pensamentos.
Bourregard olhou para a mulher ao seu lado, que absorta contemplava a bela vista da cidade e
pensou no quanto o destino era caprichoso. Havia acabado de prometer mantê-la longe da violência de
seu trabalho e estava fazendo completamente o contrário... Mas como ele poderia deixar Caetano
sozinho num momento como aquele? Como podia abandonar Javier?
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Ainda não conseguia acreditar que Alicia o convencera a trazê-la. Era a atitude mais irresponsável
que tivera em sua vida, mas assisti-la furiosa, defendendo seu ponto de vista, enquanto discutiam, minou
suas defesas. Porra, a pequena atrevida tinha batida a porta do quarto na cara dele! E contrariando todo
bom senso, ficara orgulhoso dela: numa crise a raiva era muito melhor que o medo.
Sentiu o peito encolher ao imaginar o que Caetano estava passando. Ver a mulher que significava
tudo para ele, quase ser atingida por um tiro, vê-la ser transportada, ainda desacordada, para o hospital.
Porra... como isso fora acontecer? Perguntou-se pela milésima vez desde que recebera o telefonema de 49
Álvaro e até aquele momento tinha poucas informações.
Sabia que os irmãos Montessori estavam em Curitiba para inauguração da ala de câncer infantil
que havia sido parcialmente financiada pela Abaré, mas ainda não entendera o porquê da presença dos
homens da equipe um no evento.
Eles estavam de licença, não deveriam estar escalados... A não ser que o filho da puta do coronel
paraense tivesse feito alguma movimentação que indicasse ter identificado a localização de Marina, mas
isso não fazia sentido... Porque o homem se daria a esse trabalho depois de tanto tempo e quando
Marina não representava mais qualquer ameaça para ele? E porque Javier, ao proteger Marina, se
expusera ao tiro? Eles eram exaustivamente treinados para atuar em situações como aquela! Era o básico
do básico... cara... Marina tinha batido fortemente a cabeça no momento da queda que a desviou do tiro
e Javier corria o rico de ficar paraplégico, isso fazia rugir um fúria imensa em seu interior, aquela equipe
era sua família e alguém ousara machucá-los.
Eles pegariam o desgraçado que ousou atirar em Nina e ferira Javier e quando o fizessem teriam a
honra de deixar Caetano dar uma lição no filho da puta, ah se iam... E se o tal coronel tivesse algo haver
com aquele tiro, bom... o que era dele estava guardado e bem guardado.

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Três dias depois

Bourregard, Thor e Kashim realizaram o procedimento de identificação para ter acesso ao


interior do discreto imóvel do subúrbio da cidade do Porto Alegre, onde a equipe três mantinha o
atirador sobre custódia. Demoraram três dias para localizarem o filho da puta, mas enfim haviam
conseguido.
Lembrou a reação de Alicia ao saber que deixaria o hospital com os outros dois homens e lera em
seus olhos que apesar dele nada revelar, ela havia entendido perfeitamente o que se passava. Ela o beijara
e dissera: “Dê uma lição no desgraçado que atirou na minha melhor amiga”, deixando não somente ele,
mas todos os homens que estavam próximos, boquiabertos.
Seu peito se aqueceu ao recordar o exato momento em que se dera conta que ela usava a aliança
no dedo anelar da mão direita. Eles já estavam de saída e ela acenara para ele. Cristo... naquele momento
desejara tanto voltar e beijá-la até senti-la derreter-se em seus braços, mas não pudera e por isso estava
ainda mais furioso.
A aproximação de Helena, a única mulher do esquadrão de elite, o fez afastar-se de suas
divagações. A pequena mulher de curtos cabelos loiros, olhos castanhos e traços delicados havia entrado
para o esquadrão há dez anos e seu jeito de agir era uma das razões dos precoces cabelos brancos de
Conrado Montessori. Ela tinha tudo para integrar a equipe um, mas sua impulsividade, que por várias
vezes colocara a própria vida em risco, a mantinha na terceira equipe.
- Relatório. Bourregard perguntou sem rodeios.
- O pegamos há cinco horas, estava em Jaguarão, tentando chegar a Rio Branco no Uruguai pela
Ponte Internacional Mauá, estamos tentando interrogá-lo desde então, sem sucesso.
- Tem certeza que pegaram o cara certo? Thor perguntou fazendo os olhos da loira arderem.
- Te digo como fazer seu trabalho? Ela respondeu nem um pouco intimidada pelo tamanho dele.
- Como sabem que esse sujeito é o atirador? Kashim perguntou.
Helena ergueu uma sobrancelha numa expressão que não escondia sua ironia sarcástica.
- Ele fala! Provocou, já que era a primeira vez em dez anos que escutava a voz do sujeito.
- E também sei atirar. Kashim não fugiu da provocação. Mulher insolente, ele pensou.
- Hei, foco aqui. Bourregard exigiu. - Responda a pergunta Helena.
Ela bufou de um modo nada feminino antes de acatar a ordem.
- O cara foi pego pelas imagens das câmeras de segurança em Curitiba, próximo ao local
identificado como de origem do disparo, e adivinhem? Existem imagens das câmeras de rua e de trânsito
que o registraram deixando o local menos de dois minutos após o tiro. Revelou orgulhosa do trabalho
da qual fazia parte.

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- Porque não fomos notificados que possuíam essas imagens? Thor perguntou no mesmo mau
humor que Bourregard, pois não entendia o porquê de Henrique não ter lhes mandado as malditas
imagens.
- Não foram? Ela realmente estava surpresa – Ninguém avisou vocês? Wow! Humberto, líder de
sua equipe dessa vez passara dos limites, ocultar informação dos lendários da Abaré era quase suicídio e
numa questão pessoal como aquela era burrice, para dizer o mínimo.
- Ok, o que está acontecendo aqui Helena? Bourregard perguntou numa voz perigosamente 51
controlada – Onde esta o Humberto? Porque ele não veio nos receber?
- Ele continua tentando interrogar o sujeito, mas nada o faz falar, o desgraçado não emite som
algum, nem gemido, nem rugido, nada. A voz dela não escondia a frustração.
Bourregard sentiu o sangue gelar nas veias.
- Nos mostre o caminho. Eles seguiram a pequena loira e a porta do quarto foi aberta exatamente
no momento em Humberto acertava um soco na cara do homem que estava amarrado em sua cadeira
que com o impacto, tanto o homem quanto a cadeira foram ao chão.
Bourregard empurrou Humberto fora de seu caminho, reconheceu de imediato o desgraçado de
nacionalidade russa que estava desacordado e sentiu o mundo cair em cima de suas cabeças. Pragas em
diversos idiomas ressoaram no quarto, vindas dele próprio, de Thor e de Kashim, enquanto ele chamava
Conrado, na conexão de segura de comunicação.
- Estamos em alerta máximo, Disse no momento que o homem atendeu. -Dimitri Stankowich
nos encontrou.

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Epílogo
Vinte dias depois
- Esta linda Alicia! Marina contemplou a imagem da amiga no espelho. - Parece um anjo!
Alicia contemplou sua própria imagem no espelho e respirou fundo, nervosa. A mulher que
olhava para ela no espelho tinha um brilho no olhar e na face que demonstrava o quanto seu coração
estava em paz. Enxergava uma bela mulher, que havia percorrido um longo caminho de redescoberta e
estava pronta para ser feliz. O nervosismo era comum em noivas não era? Sentiu o friozinho no
estômago... Ainda mais quando o noivo sequer desconfiava que se casaria dentro de alguns minutos...
- Estou começando a achar que talvez essa não seja uma boa ideia. Confessou nervosa. – E se
não for o momento certo? Perguntou mais para si mesma, do que para a amiga.
- Depois de todo o trabalho que tivemos? Nem pense em mudar de ideia senhorita. Marina disse
no familiar tom de voz doce e conciliador. -Olhe para si mesma Alicia. Ela pediu e a amiga obedeceu.
Agora imagine a reação de Bourregard ao vê-la tão linda. O sorriso amplo foi a resposta que ela
precisava. - Qualquer momento é o momento certo para um gesto de amor. Agora eu vou colocar o meu
vestido, afinal sou a madrinha. Disse entusiasmada. – Precisa de mais alguma coisa? Ela perguntou
solicita.
- Coragem, tem um pouquinho aí? Perguntou sorrindo.
- Sei que tem coragem de sobra Alicia, já demonstrou isso muitas vezes. Por alguns instantes
ficaram apenas olhando uma para outra, o silêncio falando mais do que as palavras poderiam.
- Obrigada Marina, por tudo, por ser minha amiga, por ser tão compreensiva, por ser tão valente.
Elas se abraçaram emocionadas.
- A vida te deu uma chance única Alicia e você está sendo suficiente esperta para agarrá-la. Você
é que está sendo valente e corajosa, eu sou só a madrinha. Nina gracejou.
- Agora é melhor ir se arrumar, não podemos nos atrasar. Alicia disse tentando conter as lágrimas
que ameaçavam cair.
Ao ficar sozinha, ela respirou fundo e novamente contemplou sua imagem no espelho, uma
sensação de serenidade tomou conta de seu corpo. Ocupava novamente a suíte principal do santuário.
Refletiu sobre tudo o que havia acontecido desde a notícia do atentado contra Marina. Os dias no
hospital Santa Izabel haviam sido confusos e tumultuados, mas nada se comparara ao dia que antecera
seu retorno ao santuário dez anos depois. Num minuto estavam aliviados celebrando a alta médica de
Marina e a bem sucedida cirurgia de Javier e no seguinte Álvaro gritava ordens para remoção de todos
eles ao santuário.
Mesmo sem entender o que acontecia, ajudou no que lhe foi possível e em menos de vinte e
quatro horas, numa reveladora reunião já no santuário, ela descobrira as verdadeiras identidades dos
homens que a resgatara e o motivo que levara Álvaro a uma atitude tão radical.

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Série Santuário - Conto 2 – Outra vez você – Alicia e Bourregard
Sabia que os homens não se sentiram a vontade em ter suas verdadeiras identidades reveladas a
ela, mas o momento era de crise e todos, incluindo ela, corriam risco. As equipes dois e três estavam
responsáveis pela segurança da propriedade e os homens da equipe um trabalham incessantemente para
descobrir até onde o tal mandante do crime contra Nina e Javier sabia sobre eles.
Há dez dias, Álvaro, contrariando, tudo e todos, também transportara Javier ao santuário. Os
aposentos dele foram transformados em um micro hospital. Ângela, que agora sabia ser o nome
verdadeiro da enfermeira Janis, fizera um verdadeiro escândalo, batera de frente com o chefe que 53
assumira o peso do risco dessa delicada transferência, pois qualquer movimento não calculado poderia
significar que Javier ficaria permanentemente paralisado da cintura para baixo.
Percorreu o quarto com passos lentos, revivendo os poucos momentos que ela e Bourregard
tiveram desde que retornaram ao santuário.
Há quatro dias, antes de deixar a propriedade para preparar o novo local para onde seriam
transferidos, atônita o ouvira pedir perdão a ela por tê-la trazido para o meio da violência da qual tanto
fugia. Mas ela não vira violência desde que chegara, vira força, determinação, respeito e profundos laços
de amizade. Apesar de enxergar claramente que os homens não se sentiam a vontade em sua presença,
sempre fora tratada com muito respeito e cortesia. Nos dias anteriores observara fascinada a ligação da
equipe com Marina, era visível o quanto eles a adoravam, estavam sempre em torno dela, ajudando na
cozinha ou limpeza da casa, nas horas de lazer envolvidos em jogos que a deixavam ganhar
descaradamente ou em conversas sobre os mais diversos assuntos, desde o tempo a diversidade religiosa.
Há dez dias, com a chegada de Ângela e Javier a casa ganhara outro ritmo, o humor de cão do espanhol
que obviamente não aceitava o fato de estar imobilizado em cima de uma cama, mesmo que fosse
apenas pelo tempo necessário a sua recuperação, e deixava claro em palavras e atitudes que não queria a
enfermeira, que ignorava seus protestos, por perto.
O inusitado comportamento dos homens com Angie, como chamavam a enfermeira, fora uma surpresa
deliciosa para Alicia. Os homens provocavam a ruiva de olhos azuis todo o tempo e ela devolvia as
provocações sem medo ou intimidação. A tratavam como um irmã mais nova, que os irmãos mais
velhos não se cansavam de perturbar.
Alicia sabia que assim como fora ela que estabelecera a distância entre eles há dez anos, teria de partir
dela a iniciativa de conquistar seu lugar nessa família e estava disposta a tentar.
O som do carro estacionando em frente a casa era o sinal que estava aguardando, agora não tinha
mais volta, levantou, respirou fundo e foi ao encontro do homem de sua vida.

Bourregard, estava puto da vida com Caetano, podiam ter retornado na noite anterior, mas o
infeliz insistiu em mais uma vistoria em todo o sistema de segurança criado por Henrique para o sítio de
Minas Gerais, para onde os dois casais seriam transferidos no dia seguinte.
Tinha ficado uma noite a mais longe de Alicia, que deveria estar apavorada, pois com certeza o
santuário era o último lugar onde ela gostaria de estar. Estava pensando no quanto desejava quebrar a
cara do amigo, quando ao entrar na casa ficou boquiaberto com o cenário com o qual se deparou.
A sala do santuário estava decorada com toalhas brancas, ramos, flores e velas. Thor, Kashim,
Henrique, que segurava uma câmera e Marina estavam elegantemente vestidos. O som de salto alto

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pobre o piso de madeira chamou sua atenção e ao virar-se em direção do som, estarrecido enxergou
Ângela elegantemente vestida empurrando a cadeira de rodas de Javier. O homem estava com aparência
péssima para dizer o mínimo, mais magro, a barba por fazer, muito abatido, por baixo da roupa usava o
colete e no pescoço o equipamento que protegia a coluna.
- O que faz fora da cama? – Bourregard perguntou lançando um olhar nada amigável a Ângela.
- Não me olhe assim, fui contra essa loucura, mas conhece o Zé Turrão melhor do que eu. – A ruiva
respondeu nenhum pouco intimidada.
- Ficou louco? – Bourregard perguntou a Javier temporariamente esquecido do cenário elegante.
- Não perderia isso por nada. – Javier respondeu com uma voz fraca, mas permeada com a ironia e o
sarcasmo que lhe eram familiar.
Bourregard não teve tempo de perguntar a que ao espanhol se referia, o som da marcha nupcial,
providenciada por Henrique, ressoou no ambiente e Álvaro entrou no aposento trazendo Alicia, que
parecia um anjo num lindo vestido branco, que marcava os seios e caia fluído em camadas até os pés. Os
cabelos estavam soltos e tinham flores brancas espalhadas por todo ele.
Ela estava tão linda... ele não conseguia esboçar uma única palavra.
- Era disso que eu falava, não perderia essa cara de abestalhado por nada no mundo – Javier comentou
baixinho, e dessa vez sua voz estava carregada de afeição.
- Eu sei exatamente o que está sentindo. O tapinha camarada de Caetano em seu ombro o trouxe
de volta a realidade.
- Alicia... Sussurrou ao se aproximar, ela estava tão linda que ele tinha medo de tocá-la.
- Você me fez uma pergunta há uns dias atrás e eu não tive a chance de responder. Ela respirou
fundo para continuar, profundamente emocionada - Essa é a minha resposta Melquisedec Bourregard!
Os pigarros que disfarçaram os risos ecoaram pelo ambiente e ele não deu a mínima. - Aceito ser sua
esposa, a mãe dos seus filhos, aceito partilhar minha vida com você. Ela fez uma pausa e olhou para
todos na sala, pousando os olhos em Javier uns segundos a mais, ele arriscava tudo para estar presente
ao casamento deles, por um instante se sentiu pequena diante da grandeza daquele homem, e convicta
de sua decisão continuou. - E com todos eles. – disse olhando diretamente para as caras de espanto que
revelaram o quanto ela os havia surpreendido - Quer casar comigo? perguntou ao homem diante de si,
sorrindo e com os olhos marejados.
Bourregard achou que seu peito fosse explodir de tanto orgulho e amor, ela o aceitava inteiro,
aceitava seus irmãos.
- Se quero casar com você? Perguntou rindo de alivio, de alegria. - Não tem coisa que eu deseje
mais nesse mundo Alicia.
Ele pegou a mão que ela lhe estendeu.
- Espera. Disse dando-se conta de algo importante. - Você está tão linda, eu estou usando
uniforme, vou me... Ela o interrompeu e percorreu com os olhos o familiar uniforme preto do
esquadrão.
- Esta perfeito como está Melquisedec, foi usando uma roupa como essa que entrou na minha
vida e me regastou do inferno, nada mais perfeito que estar vestido assim para me levar ao paraíso.
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O coro de uaus e assovios ecoaram pela sala quase quebrando o encanto do momento, quase...
Ele se colocou ao lado dela e surpreso viu Conrado Montessori tomar a posição diante deles, o
homem descarado piscou travesso para Alicia revelando estar por dentro de toda aquela preparação e
pela primeira vez em quinze dias Bourregard não enxergava tensão ou preocupação em seus traços, o
homem estava realmente feliz por ele e por Alicia.
- Nos foi revelado que o sacramento do matrimônio é realizado pelos noivos, não sendo assim,
obrigatório a presença de um padre, mas é necessário alguém inteligente, bonito e com boa voz, ou seja 55
eu, para presidir a cerimônia. - o gracejo ecoou pela sala, provocando risos e algumas réplicas.
Conrado pigarreou chamando a atenção de todos e deu inicio a cerimônia de casamento, que se realizava
no lugar mais improvável de todos, o Santuário. Ele não sabia ao certo o que o destino reservava a cada
um deles, em todos esses anos Dimitri Stankowich nunca chegara tão perto, mas obstante ao perigo e a
incertezas eles ainda encontravam tempo e vontade de celebrar a vida e o amor.
Esses homens e suas mulheres eram sua família e ele daria sua vida por cada um deles, pensou e falando
as palavras de núpcias a Alicia e Bourregard sentiu o coração verdadeiramente aquecido pela primeira
vez em muito tempo...

Fim... Por enquanto!

Adriana Reis

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