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Escrevi este texto para um ator, Eugenio Allegri, e um diretor,

Gabriele Vacis. Eles fizeram um espetáculo que estreou no festival de


Asti, em julho deste ano. Não sei se isso é suficiente para dizer que
escrevi um texto teatral: mas duvido disso. Agora que o vejo em forma
de livro, parece-me mais um texto que oscila entre uma verdadeira
entrada em cena e um conto para ser lido em voz alta. Não creio que
exista um nome para textos do gênero. Ainda assim, não importa.
Parece-me uma bela história, que valia a pena ser contada. E me
agrada pensar que alguém a lerá.
A. B.
Setembro, 1994.
Para Barbara
Acontecia sempre que alguém, a certa altura, levantava a cabeça... e a via. É
uma coisa difícil de entender. Quero dizer... Éramos mais de mil, naquele
navio, entre ricaços em viagem e emigrantes, e gente estranha, e nós... E no
entanto havia sempre um, um só, um que primeiro... a via. Talvez estivesse ali
comendo, ou passeando, simplesmente, na ponte... talvez estivesse ali
ajeitando as calças... levantava por um instante a cabeça, lançava um olhar ao
mar... e a via. Então ficava imóvel, ali onde estava, partia-lhe o coração em
mil pedaços e sempre, todas as malditas vezes, juro, sempre, virava-se para
nós, para o navio, para todos, e gritava (baixo e lentamente): a América!
Depois permanecia ali, imóvel como se devesse fazer parte de uma fotografia,
com cara de quem a tivesse feito, a América. À noite, depois do trabalho, e
aos domingos, pedira a ajuda de um cunhado, pedreiro, boa pessoa... primeiro,
tinha em mente alguma coisa em compensado, depois... tomou-lhe um pouco a
mão, fez a América...
Aquele que é o primeiro a ver a América. Em cada navio existe um. E não
é preciso pensar que são coisas que acontecem por acaso, não... nem mesmo
por uma questão de dioptria, é o destino, aquilo. É o tipo de gente que desde
sempre teve aquele instante gravado na vida. E quando eram crianças, você
podia olhá-los nos olhos e, se olhasse bem, já a via, a América, já ali, pronta
para saltar, para escorregar pelos nervos e pelo sangue — e eu sei como —
até o cérebro e dali para a língua, até dentro daquele grito (gritando),
AMÉRICA!, já existia, naqueles olhos de menino, inteira, a América.
Ali, esperando.
Isso me ensinou Danny Boodmann T. D. Lemon Novecentos, o maior
pianista que já tocou sobre o oceano. Nos olhos das pessoas se vê aquilo que
verão, não o que viram. Assim, dizia: aquilo que verão.
Eu vi isso, as Américas... Seis anos naquele navio, cinco, seis viagens por
ano, da Europa à América e volta, sempre de molho no oceano, quando você
desce a terra não consegue nem urinar direito na latrina. Ele estava parado,
ele, mas você... você continuava a balançar. Porque de um navio a gente
consegue descer, mas do oceano... Quando embarquei, tinha dezessete anos. E
me importava com uma única coisa, na vida: tocar trompa. Assim, quando
surgiu aquela história de que procuravam gente para o navio a vapor, o
Virginian, lá no porto, entrei na fila. Eu e minha trompa. Janeiro de 1927.
— Já temos os músicos — disse o fulano da Companhia.
— Sei disso — e me pus a tocar.
Ele ficou ali me olhando, sem mover um músculo. Esperou que eu
terminasse, sem dizer uma palavra. Depois, perguntou-me:
— O que era?
— Não sei.
Os seus olhos se iluminaram.
— Quando você não sabe o que é, então é jazz.
Então fez um movimento estranho com a boca, talvez fosse um sorriso,
tinha um dente de ouro bem aqui, assim no centro que parecia ter sido posto na
vitrine para vender.
— Estão loucos por aquela música, lá em cima.
Lá em cima significava no navio. E aquele tipo de sorriso significava que
tinham me contratado.
Tocávamos três, quatro vezes por dia. Primeiro para os ricos da classe
luxo, depois para aqueles da segunda, e de vez em quando íamos até os pobres
dos emigrantes e tocávamos para eles, mas sem as fardas, assim como
estávamos, e de vez em quando eles também tocavam, conosco. Tocávamos
porque o oceano é grande, e dá medo, tocávamos para que as pessoas não
sentissem o tempo passar e se esquecessem de onde estavam, e de quem eram.
Tocávamos para que dançassem, porque se você dança não pode morrer, e se
sente como Deus. E tocávamos ragtime, porque é a música que Deus dança,
quando ninguém o vê.
Que Deus dançava, só se fosse negro.

(O ator sai de cena. Começa uma música dixie, muito alegre e bem idiota. O
ator torna a entrar em cena, vestido elegantemente de jazzman do navio a
vapor. Daí em diante, comporta-se como se a banda estivesse, fisicamente,
em cena)

Ladies and Gentlemen, meine Damen und Herren, signore e signori...


Mesdames et Messieurs, bem-vindos a este navio, a esta cidade flutuante que
se assemelha em tudo e por tudo ao Titanic, calma, fiquem sentados, o senhor
lá em cima se tocou, eu vi muito bem, bem-vindos ao oceano, a propósito o
que fazem aqui? uma promessa, tinham os credores nos calcanhares, estão
atrasados uns trinta anos para a corrida do ouro, queriam conhecer o navio e
não notaram que tinha partido, saíram por um instante para comprar cigarros,
neste momento sua mulher está na polícia e diz que era um bom homem,
normalíssimo, nenhuma briga em trinta anos... afinal, que diabos fazem aqui, a
trezentas milhas de qualquer fodidíssimo mundo e a dois minutos da próxima
ânsia de vômito? Pardon madame, eu estava brincando, acredite, este navio é
como uma caçapa no bilhar do oceano, tac, ainda seis dias, duas horas e
quarenta e sete minutos e plop, no buraco, Nova Yoooooork!

(Banda em primeiro plano)

Não creio que haja necessidade de lhes explicar como seja este navio, em
muitos sentidos, um navio extraordinário e definitivamente único. Sob o
comando do capitão Smith, conhecido claustrófobo e homem de grande
sabedoria (certamente notaram que ele vive num dos escaleres de salvação),
trabalha para vocês um staff praticamente único de profissionais
absolutamente fora do normal: Paul Siezinskj, timoneiro, ex-sacerdote
polonês, sensitivo, pranoterapeuta, infelizmente cego... Bill Joung, telegrafista,
grande jogador de xadrez, canhoto, gago... o médico de bordo, doutor
Klausermanspitzwegensdorfentag, se tiverem urgência de chamá-lo estão
fritos..., mas, especialmente:
Monsieur Pardin,
o chef,
diretamente proveniente de Paris, para onde entretanto voltou de repente,
depois de ter verificado pessoalmente o fato curioso de não haver cozinha
neste navio, como argutamente notou, entre outros, Monsieur Camembert,
cabine 12, que hoje se queixou de ter encontrado o lavabo cheio de maionese,
coisa estranha, porque habitualmente nos lavabos mantemos os frios, isso
devido à inexistência das cozinhas, ao que se atribui entre outras coisas a
ausência neste navio de um verdadeiro cozinheiro, o qual certamente era
Monsieur Pardin, que voltou de repente a Paris, de onde era diretamente
proveniente, na ilusão de encontrar aqui cozinhas que, entretanto, para
permanecer fiéis aos fatos, não existem e isto graças ao espirituoso
esquecimento do projetista deste navio, o insigne engenheiro Camilleri,
anoréxico de fama mundial, para quem peço o seu caloroso aplausooooo...
(Banda em primeiro plano)

Creiam-me, não encontrarão outros navios assim: talvez, se procurarem


durante anos encontrarão um capitão claustrófobo, um timoneiro cego, um
telegrafista gago, um médico de nome impronunciável, todos no mesmo navio,
sem cozinhas. Pode ser. Mas o que não lhes acontecerá mais, podem jurar, é
ficarem aí sentados, com o traseiro em cima de dez centímetros de poltrona e
centenas de metros d’água, no coração do oceano, com o milagre, diante dos
olhos e nas orelhas a maravilha, nos pés o ritmo e no coração o som da única,
inimitável, infinita, ATLANTIC JAZZ BAAAAAND!!!

(Banda em primeiro plano. O ator apresenta os instrumentistas um a um. A


cada nome segue-se um breve solo)

No clarinete, Sam “Sleepy” Washington!


No banjo, Oscar Delaguerra!
Na trompa, Tim Tooney!
Trombone, Jim Jim “Breath” Gallup!
Na guitarra, Samuel Hockins!
E enfim, ao piano... Danny Boodmann T. D. Lemon Novecentos.
O maior.

(A música se interrompe bruscamente. O ator abandona o tom de


apresentador e, falando, veste a farda de músico)

Era, mesmo, o maior. Nós tocávamos música, ele era algo de diferente. Ele
tocava... Não existia aquela coisa, antes que ele a tocasse, okay?, não existia
em parte alguma. E quando ele se levantava do piano, não existia mais... e não
existia mais para sempre... Danny Boodmann T. D. Novecentos. A última vez
que o vi, estava sentado sobre uma bomba. É sério. Estava sentado sobre uma
carga de dinamite grande assim. Uma longa história... Ele dizia: “Você não
está verdadeiramente frito enquanto tiver de reserva uma boa história e alguém
para quem contá-la.” Ele tinha uma... boa história. Ele era a sua boa história.
Pensando bem, meio doida, mas bonita... E naquele dia, sentado sobre toda
aquela dinamite, presenteou-me com ela. Porque eu era o seu maior amigo,
eu... E afinal fiz bobagens, e se me virarem de cabeça para baixo, não sai mais
nada dos meus bolsos, até a trompa eu vendi, tudo, mas... aquela história,
não... aquela eu não perdi, está aqui ainda, límpida e inexplicável como só a
música era, quando, no meio do oceano, era tocada pelo piano mágico de
Danny Boodmann T. D. Lemon Novecentos.

(O ator se dirige para os bastidores. Em áudio, a banda recomeça, para o


final. Quando se apaga o último acorde, o ator volta à cena)

Quem o encontrou foi um marinheiro que se chamava Danny Boodmann.


Encontrou-o numa manhã, quando todos já tinham descido, em Boston,
encontrou-o numa caixa de papelão. Teria uns dez dias, não mais. Sequer
chorava, estava silencioso, com os olhos abertos, naquela caixa. Tinham-no
deixado no salão de baile da primeira classe. Em cima do piano. Não tinha
cara de ser um recém-nascido de primeira classe. As emigrantes costumavam
fazer aquelas coisas. Dar à luz escondido, em qualquer parte da ponte, e
depois deixar ali as crianças. Por pura maldade. Era miséria, aquilo, miséria
negra. Mais ou menos como a história das roupas... quando subiam tinham
remendos no traseiro, cada um com a sua roupa gasta em todos os lugares, a
única que tinham. Depois porém, dado que a América era sempre a América,
via-os descer, por fim, todos bem vestidos, até de gravata, os homens e as
crianças com umas camisetas brancas... em suma, sabiam como fazer, naqueles
vinte dias de viagem costuravam e cortavam, no fim, você não encontrava mais
uma cortina no navio, mais um lençol, nada: tinham feito as roupas boas para a
América. Para toda a família. Não se podia dizer absolutamente nada...
Enfim, de vez em quando escapava também o menino, que para um
emigrante é uma boca a mais para alimentar e um saco de grãos para o
escritório de imigração. Deixavam-no no navio. Em troca das cortinas e dos
lençóis, de certa forma. Com aquele menino devia ter sido assim. Devem ter
raciocinado: se o deixamos sobre o piano de cauda, no salão de baile da
primeira classe, talvez algum ricaço o pegue e será feliz por toda a vida. Era
um bom plano. Funcionou pela metade. Não virou rico, mas pianista, sim. O
melhor, juro, o melhor.
Seja como for. O velho Boodmann o encontrou lá, procurou alguma coisa
que indicasse quem era, mas achou apenas uma inscrição, no papelão da caixa,
feita com tinta azul: T. D. Limoni. Havia também uma espécie de desenho, de
um limão. Azul ele também. Danny era um negro da Filadélfia, um gigante de
homem que era uma maravilha. Tomou o menino nos braços e disse “Hello
Lemon!” E alguma coisa disparou-lhe por dentro, alguma coisa como a
sensação de que tinha se tornado pai. Por toda a vida continuou a afirmar que
aquele T. D. significava evidentemente Thanks Danny. Obrigado, Danny. Era
absurdo, mas ele acreditava nisso realmente. Tinham-no deixado ali para ele,
aquele menino. Ele estava convencido disso... T. D., Thanks Danny. Um dia
levaram-lhe um jornal no qual havia um anúncio de um homem com uma cara
idiota e os bigodes muito finos, de latin lover, e havia desenhado um limão
grande assim e ao lado escrito: Tano Damato o rei do limão, Tano Damato,
limão de rei, e não sei qual atestado ou prêmio ou o quê... Tano Damato... O
velho Boodmann não fez uma ruga. “Quem é este frouxo?”, perguntou. E pediu
o jornal, porque ao lado do anúncio havia os resultados das corridas. Não que
ele jogasse nas corridas: agradavam-lhe os nomes dos cavalos, tudo ali, tinha
uma verdadeira paixão, dizia sempre a você “escuta isso, isso aqui, correu
ontem, em Cleveland, ouve aqui, chamaram-no de Círculos vermelhos,
entende? Mas é possível? E isto? Olha, Melhor antes, não é de morrer?” Em
suma, ele gostava dos nomes dos cavalos, tinha aquela paixão. Quem vencia
não importava porra nenhuma. Eram os nomes que lhe agradavam.
Ao menino, começou dando o seu nome: Danny Boodmann. A única
vaidade que se permitiu em toda a vida. Depois juntou T. D. Lemon, como na
inscrição que havia na caixa de papelão, porque dizia que era chique ter letras
no meio do nome: “todos os advogados as têm”, confirmou Burty Bum, um
maquinista que tinha acabado na cadeia graças a um advogado que se chamava
John P. T. K. Wonder. “Se ele for advogado, eu o mato”, sentenciou o velho
Boodmann, mas depois deixou as duas iniciais no nome, e assim surgiu Danny
Boodmann T. D. Lemon. Era um bonito nome. Estudaram-no um pouco,
repetindo-o em voz baixa, o velho Danny e os outros, lá em baixo, na casa de
máquinas, com as máquinas desligadas, de molho no porto de Boston. “Um
bonito nome”, disse por fim o velho Boodmann, “mas falta-lhe alguma coisa.
Falta-lhe um gran finale.” Era verdade. Faltava-lhe um gran finale. “Vamos
acrescentar terça-feira” — disse Sam Stull, que era camareiro. “Você o
encontrou terça-feira, chame-o de terça-feira.” Danny pensou um pouco.
Depois sorriu. “É uma boa ideia, Sam. Eu o encontrei no primeiro ano desse
novo e fodidíssimo século, não foi?: eu o chamarei de Novecentos.”
“Novecentos?” “Novecentos.” “Mas é um número!” “Era um número: agora é
um nome.” Danny Boodmann T. D. Lemon Novecentos. É perfeito. É
belíssimo. Um grande nome, Cristo, de verdade, um grande nome. Vai longe,
com um nome assim. Inclinaram-se sobre a caixa de papelão. Danny
Boodmann T. D. Lemon Novecentos olhou para eles e sorriu: eles ficaram
enojados: ninguém esperava que um menino assim tão pequeno pudesse fazer
toda aquela merda.

Danny Boodmann ainda foi marinheiro por oito anos, dois meses e onze dias.
Depois, durante uma borrasca, em pleno oceano, levou com uma roldana
enlouquecida no meio da espinha dorsal. Demorou três dias para morrer.
Estava quebrado por dentro, não havia meios de remontá-lo. Novecentos era
um menino, então. Sentou-se ao lado da cama de Danny e dali não se moveu
mais. Tinha uma pilha de jornais velhos e por três dias, fazendo um esforço
bestial, leu para o velho Danny, que estava morrendo, todos os resultados de
corridas que encontrou. Mantinha as letras juntas, como Danny lhe ensinara,
com o dedo apertando o papel do jornal e os olhos sem se desviarem um
instante. Lia lentamente, mas lia. Assim, o velho Danny morreu na sexta
corrida de Chicago, vencida por Água Potável, com dois corpos sobre
Minestrone e cinco sobre Fondotinta Blu. O fato é que não conseguiu deixar
de rir daqueles nomes e, rindo, estourou. Enrolaram-no num telão e o
restituíram ao oceano. No telão, com uma tinta vermelha, o capitão escreveu:
Thanks Danny.
Assim, de repente Novecentos ficou órfão pela segunda vez. Tinha oito
anos e já tinha ido para a frente e para trás, da Europa à América, umas
cinquenta vezes. O oceano era a sua casa. E quanto à terra — bem, nunca tinha
posto os pés nela. Tinha-a visto dos portos, lógico. Mas descido, nunca. O fato
é que Danny tinha medo que o levassem embora, com alguma história de
documentos, de vistos e coisas desse tipo. Assim, Novecentos permanecia a
bordo, sempre, e depois a qualquer momento partia novamente. Para ser exato,
Novecentos sequer existia para o mundo: não havia cidade, paróquia, hospital,
cadeia, equipe de beisebol que tivesse escrito em qualquer lugar o seu nome.
Não tinha pátria, não tinha data de nascimento, não tinha família. Tinha oito
anos: mas oficialmente nunca havia nascido.
“Essa história não poderá continuar por muito tempo”, diziam de vez em
quando a Danny. “Além de tudo, também é contra a lei.” Mas Danny tinha uma
resposta, e não fazia uma ruga: “No cu, a lei”, dizia. Não que se pudesse
discutir grande coisa, com aquela tirada.
Quando chegaram a Southampton, no fim da viagem em que Danny morreu,
o capitão decidiu que era hora de terminar com aquele espetáculo. Chamou as
autoridades portuárias e mandou que seu substituto fosse pegar Novecentos.
Bem, não o encontrou mais. Procuraram-no por todo o navio, durante dois
dias. Nada. Tinha desaparecido. Ninguém engolia aquela história, porque
afinal, ali no Virginian estavam habituados àquele menininho e ninguém
ousava dizê-lo, mas... não é preciso muito para se atirar da amurada e...
depois, o mar faz o que quer, e... Assim, tinham a morte no coração quando,
vinte e dois dias depois, partiram para o Rio de janeiro, sem que Novecentos
tivesse voltado ou que se tivesse sabido alguma coisa dele. Serpentinas,
sirenes e fogos de artifício, na partida, como em todas as vezes, mas era
diferente, aquela vez, estavam quase perdendo Novecentos, e era para sempre,
alguma coisa lhes esmaecia o sorriso, a todos, e os corroía por dentro.
Na segunda noite de viagem, quando já não se viam nem as luzes da costa
irlandesa, Barry, o contramestre, entrou como louco na cabine do comandante,
acordando-o e dizendo que devia a todo custo vir ver. O comandante
blasfemou, mas foi.
Salão de baile da primeira classe.
Luzes apagadas.
Gente de pijama, de pé, à entrada. Passageiros fora das cabines.
E depois marinheiros, e três inteiramente negros saídos da casa de
máquinas, e também Truman, o telegrafista.
Todos em silêncio, olhando.
Novecentos.
Estava sentado na banqueta do piano, com as pernas penduradas, que
sequer tocavam o chão.
E,
por Deus,
estava tocando.

(Começa em áudio uma música para piano, bem simples, lenta, sedutora)

Tocava não sei que diabo de música, mas pequena e... linda. Não havia
truque, era ele mesmo que tocava, as suas mãos, com aquele toque, Deus sabe
como. E era preciso sentir o que ele transmitia. Havia uma senhora, de roupão
rosa e estranhos grampos nos cabelos, cheia de dinheiro... para explicar
melhor: a mulher americana de um agente de seguros... bem, tinha lágrimas
assim que lhe desciam pelo creme da noite, olhava e chorava, não parava
mais. Quando deu com o comandante ao seu lado, fervendo pela surpresa, ele,
literalmente fervendo, quando o viu ao seu lado, levantou o nariz, a ricaça,
digo, levantou o nariz e, indicando o piano, disse-lhe:
— Como se chama?
— Novecentos.
— Não a canção, o garoto.
— Novecentos.
— Igual à canção?
Era aquele gênero de conversa que um comandante de navio não pode
sustentar por mais do que um instante. Principalmente quando acaba de
descobrir que um menino que acreditava morto não só estava vivo como, nesse
meio tempo, tinha aprendido a tocar piano. Deixou a ricaça plantada ali onde
estava, com as suas lágrimas e tudo o mais, e atravessou o salão com passos
firmes: calças de pijama e paletó da farda desabotoado. Só parou quando
chegou ao piano. Quis dizer muitas coisas, naquele momento, entre outras
“onde diabos aprendeste isso?” ou ainda “onde diabos estavas escondido?”
Mas, como tantos homens habituados a viver fardados, tinha acabado de
pensar, também, na sua farda. Assim, o que disse foi:
— Novecentos, tudo isso é absolutamente contra o regulamento.
Novecentos parou de tocar. Era um garotinho de poucas palavras e de
grande capacidade de aprendizado. Olhou o comandante com doçura e disse:
— No cu, o regulamento.

(Em áudio, barulho de tempestade)

O mar despertou / o mar perdeu o rumo / a água estoura contra o céu /


estoura / enxágua / separa do vento nuvens e estrelas / furibundo /
desencadeia-se, até quando / não se sabe / dura um dia / acabará / mamãe, isto
/ você não me havia dito, mamãe / nana, neném / o mar te embala / um chifre te
embala / furibundo / tudo em volta / espuma e tormento / louco, o mar / até
onde pode ver / solo negro / e paredes negras / e redemoinhos / e todos mudos
/ a esperar / que a pare / e naufragar / isto, mamãe, não quero fazer / quero a
água que repousa / que te reflete / parada / essas / paredes / absurdas / d’água
/ embaixo, a desmoronar / e esse barulho /
quero de novo a água que tu sabias
quero de novo o mar
silêncio
luz
e peixe voador
lá em cima
voando.

Primeira viagem, primeira tempestade. Diacho. Nem bem tinha entendido


como era o passeio, e me pega uma das tempestades mais mortíferas na
história do Virginian. Em plena noite, os colhões foram revirados e olhe, virou
a mesa. O oceano. Parecia que não acabava mais. Quem toca trompa no navio,
não é quando chega a borrasca que pode fazer grande coisa. Pode apenas
evitar de tocar a trompa, para não complicar mais as coisas. E se manter
quieto, no seu beliche. Mas eu não resistia, lá por dentro. Você consegue até
uma bela distração, mas pode jurar que mais cedo ou mais tarde vem, direta ao
miolo, aquela frase: você teve o fim do rato. Eu não queria ter o fim do rato, e
por isso saí daquela cabine e comecei a perambular. Mal sabia aonde ir,
estava havia quatro dias naquele navio, já era alguma coisa se encontrasse o
caminho para as privadas. São pequenas cidades flutuantes, aquelas. De
verdade. Em suma, é claro, esbarrando por todo lado e percorrendo aqueles
corredores sem fim, como era de se esperar, finalmente, me perdi. Estava
feito. Definitivamente fodido. Foi àquela altura que chegou um cara, todo
elegante, de terno escuro, caminhava tranquilo, sem um pingo de jeito de estar
perdido, parecia nem sentir sequer as ondas, como se passeasse à beira-mar,
em Nice: e era Novecentos.
Tinha vinte e sete anos, agora, mas pareciam mais. Eu mal o conhecia:
tinha tocado lá junto com ele, nesses quatro dias, com a banda, mas nada mais.
Não sabia nem em que cabine estava. Lógico que os outros tinham me contado
alguma coisa sobre ele. Diziam uma coisa estranha. Diziam: Novecentos nunca
desceu daqui. Nasceu neste navio e desde então permaneceu aqui. Sempre.
Vinte e sete anos, sem nunca ter posto os pés na terra. Dito assim, tinha todo o
jeito de ser uma balela colossal... Diziam também que tocava uma música que
não existia. O que eu sabia era que todas as vezes, antes de começar a tocar,
ali, no salão de baile, Fritz Hermann — um branco que não entendia nada de
música mas tinha um belo tipo para quem dirigia a banda — aproximava-se
dele e lhe dizia em voz baixa:
— Por favor, Novecentos, só as notas normais, okay?
Novecentos dizia que sim com a cabeça e depois tocava as notas normais,
olhando fixo adiante de si, nunca uma olhada para as mãos, parecia que estava
tudo em outro lugar. Agora eu sei que estava, com efeito, tudo em outro lugar.
Mas na ocasião eu não sabia: Achava que tudo ali era meio estranho.
Aquela noite, bem no meio da tempestade, com aquele ar de um senhor em
férias, encontrou-me lá, perdido num corredor qualquer, com cara de morto,
olhou para mim, sorriu e disse: “Venha.”
Ora, se alguém que toca trompa num navio encontra, bem no meio de uma
tempestade, alguém que lhe diz “venha”, o, que toca trompa só pode fazer uma
coisa: ir. Fui atrás dele. Caminhava, ele. Eu... era um pouco diferente, não
tinha aquela compostura, mas ainda assim... chegamos ao salão de baile e
depois, ricocheteando aqui e ali — eu, obviamente, porque ele parecia que
tinha trilhos sob os pés — chegamos ao piano. Não havia ninguém em volta.
Quase escuro, só alguma luzinha, aqui e ali. Novecentos apontou para os pés
do piano.
— Tire os calços — disse. O navio dançava que era uma beleza, era
preciso fazer-se esforço para ficar em pé, era uma coisa sem sentido
desbloquear aquelas rodinhas.
— Se confia em mim, tire-os.
Esse é louco — pensei. E tirei.
— E agora venha sentar aqui — disse-me então Novecentos.
Eu não entendia onde ele queria chegar, não entendia, mesmo. Eu estava
ali, segurando o piano que começava a escorregar como um enorme sabonete
negro... Era uma situação de merda, juro, enfiado na tempestade até o pescoço
e ainda por cima aquele maluco, sentado na sua banqueta — outro belo
sabonete — e as mãos no teclado, paradas.
— Se não subir agora, não sobe mais — disse o maluco, sorrindo. (Sobe
um marchingegno, uma coisa entre um balanço e um trapézio) — Okay,
mandemos tudo à merda, okay? O que é que eu tenho a perder, se subo agora,
certo, está bem, no seu estúpido banquinho, lá vou eu, e agora?
— E agora, não tenha medo.
E se pôs a tocar.

(Começa uma música para solo de piano. É uma espécie de dança, valsa,
suave e doce. O marchingegno começou a balançar e a levar o ator girando
pela cena. À medida que o ator vai seguindo com a história, o movimento se
faz mais amplo, até tocar os bastidores)
Ora, ninguém é obrigado a acreditar, e eu, para ser preciso, não acreditaria
nunca, se me contassem, mas a verdade dos fatos é que o piano começou a
deslizar sobre o assoalho do salão de baile, e nós atrás dele, com Novecentos,
que tocava e não tirava os olhos das teclas, parecia em outro lugar, e o piano
acompanhava as ondas ia e voltava, e rodava sobre si mesmo, apontava direto
para a vidraça e quando chegava a um fio de cabelo dela parava e desligava
docemente para trás, digo, parecia que o mar o embalava, e nos embalava, e
eu não entendia porcaria nenhuma, e Novecentos tocava, não parava um
instante, e estava claro, não tocava simplesmente, ele o guiava, aquele piano,
entende? com as teclas, com as notas, não sei, ele o guiava para onde queria,
era absurdo mas era assim. E enquanto volteávamos entre as mesas, roçando
luminárias e poltronas, entendi, naquele momento, o que estávamos fazendo,
aquilo que, na verdade, estávamos fazendo; era dançar com o oceano, nós e
ele, bailarinos loucos, e perfeitos, premidos por uma valsa agitada, sobre o
dourado parquet das notas. Oh, yes!

(Começa a voltear amplamente, pelo palco, no seu marchingegno, com um ar


feliz enquanto o oceano enlouquece, o navio dança, e a música do piano dita
uma espécie de valsa que, com diversos efeitos sonoros, acelera, freia, gira,
em suma, “guia” o grande baile. Então, depois da enésima acrobacia, erra
uma manobra e acaba, num arremesso, atrás dos bastidores. A música
procura “frear”, mas é muito tarde. O ator tem apenas tempo de gritar

— Oh, Cristo...

e sai por uma coxia lateral, batendo contra alguma coisa. Ouve-se um
grande estrondo, como se tivesse acabado de destruir uma vidraça, a mesa
de um bar, um salão, alguma coisa. Um grande cassino. Um instante de
pausa e de silêncio. Então, pela mesma coxia de que saiu, o ator volta,
novamente)

Novecentos disse que ainda precisava aperfeiçoá-lo, aquele truque. Eu


disse que era apenas uma questão de regular os freios. Terminada a
tempestade, o comandante disse (perturbado e gritando): — PORCO DE
DEMÔNIO, VOCÊS DOIS AGORA TERMINEM NA SALA DE MÁQUINAS
E FIQUEM POR LÁ, SE NÃO EU OS MATO COM ESTAS MÃOS, E FIQUE
CLARO QUE VÃO PAGAR TUDO, ATÉ O ÚLTIMO CENTAVO, VÃO TER
QUE TRABALHAR A VIDA TODA, OU ESTE NAVIO NÃO SE CHAMA
VIRGINIAN E VOCÊS NÃO SÃO OS DOIS MAIORES IMBECIS QUE JÁ
SULCARAM O OCEANO!
Lá embaixo, na casa de máquinas, naquela noite, Novecentos e eu ficamos
amigos. De pele. E para sempre. Passamos todo o tempo a fazer contas de
quanto podia dar, em dólares, tudo aquilo que tínhamos quebrado. E quanto
mais a conta subia, mais ríamos. E quando penso nisso, me parece que ser
feliz era aquilo ali. Ou alguma coisa do gênero.
Foi naquela noite que lhe perguntei se aquela história era verdadeira,
aquela dele e do navio, em suma, que ele tinha nascido ali e tudo o mais... se
era verdade que nunca tinha saído dali. E ele respondeu:
— Sim.
— Mas verdade, de verdade?
Ele estava sério.
— Verdade de verdade.
E eu não sei, mas naquele momento, aquilo que senti por dentro, por um
instante, sem querer, e não sei por quê, foi um tremor: era um tremor de medo.
Medo.
Uma vez, perguntei a Novecentos em que diabos pensava, enquanto tocava,
e o que olhava, sempre fixo, à sua frente e, em suma, onde estava com a
cabeça, enquanto as mãos iam de um lado para o outro, nas teclas. E ele me
disse: “Hoje eu estive num país belíssimo, as mulheres tinham os cabelos
perfumados, havia luz por todos os lados e estava cheio de tigres.”
Ele viajava.
E cada vez terminava num lugar diferente: no centro de Londres, num trem
no meio do campo, numa montanha tão alta que a neve chegava à barriga, na
igreja maior do mundo, a contar as colunas e olhar no rosto os crucifixos.
Viajava. Era difícil entender o que mais podia ele saber de igrejas, e de neve,
e de tigres e... quer dizer, nunca tinha saído daquele navio, nunca, mesmo, não
era uma mentira, era tudo verdade. Nunca saíra. No entanto, era como se ele as
tivesse visto, todas aquelas coisas. Novecentos era um cara que se você lhe
dissesse “Uma vez estive em Paris”, ele perguntava se você tinha visto tal
jardim, se tinha comido em tal lugar, sabia tudo, dizia:
— O que me agrada, naquele lugar, é esperar o pôr do sol andando de um
lado para o outro da Pont Neuf e, quando passam as chatas, parar e olhar lá de
cima, acenando com a mão.
— Novecentos, você nunca esteve em Paris?
— Não.
— E então...
— Isto é... sim.
— Sim, o quê?
— Paris.
Vocês podem pensar que era maluco. Mas não era assim, simples. Quando
alguém lhe conta com exatidão que cheiro existe em Bertham Street, no verão,
assim que para de chover, não pode pensar que é maluco só pela estúpida
razão de que, em Bertham Street, ele nunca esteve. Nos olhos de alguém, nas
palavras de alguém, ele, aquele ar, ele tinha mesmo respirado. Ao seu modo:
mas de verdade. O mundo, talvez, nunca o tenha visto. Mas eram 27 anos que o
mundo passava, em cima daquele navio. E eram 27 anos que ele, a bordo
daquele navio, o espiava. E lhe roubava a alma.
Nisso era um gênio, nada a dizer. Sabia escutar. E sabia ler. Não os livros,
aqueles são todos bons, sabia ler a gente. Os sinais que a gente carrega:
lugares, barulhos, cheiros, a sua terra, a sua história... Toda escrita, consigo.
Ele lia, e com cuidado infinito, catalogava, arrumava, ordenava... Todo dia
juntava um pequeno pedaço àquele imenso mapa que estava desenhando na
própria cabeça, imenso, o mapa do mundo, do mundo inteiro, de cabo a rabo,
cidades enormes e esquinas de bar, longos rios, poças, aviões, leões, um mapa
maravilhoso. Viajava lá por cima, com Deus, enfim, enquanto os dedos
deslizavam sobre as teclas, acariciando as curvas de um ragtime.

(Em áudio, um ragtime melancólico)

Foram necessários anos mas, afinal, um dia, tomaram coragem e foram


juntos pedir-lhe. Novecentos, por que é que você, por Deus, não desce, uma
vez — só uma vez — por que não vai vê-lo, o mundo, com os seus olhos, os
seus próprios. Por que você fica aí em cima dessa prisão viajante, você podia
estar sobre a sua Pont Neuf olhando as chatas e tudo o mais, podia fazer o que
quer, toque o seu piano, por Deus, ficariam doidos por você, você faria um
monte de dinheiro e poderia escolher a casa mais linda que existe, depois até
fazê-la em forma de navio — que é o seu desejo — mas você a meteria onde
quisesse, no meio dos tigres, talvez, ou em Bertham Street... Santo Deus, você
não vai poder ficar a vida toda andando de um lado para o outro como um
bobo... você não é bobo, você é grande, e o mundo está ali, há só aquela
escadinha fodida para descer, aquele estúpido gradil, Cristo, no fim daquele
gradil, tudo. Por que não acaba com isso e desce daqui, uma vez ao menos,
uma vez só?
Novecentos, por que você não desce?
Por quê?

Por quê?

Foi no verão, no verão de 1931, que Jelly Roll Morton subiu ao Virginian.
Todo de branco, até o chapéu. E um diamante assim, no dedo.
Ele era um que quando dava os concertos escrevia nos manifestos: “Esta
noite Jelly Morton, o inventor do jazz.” Não escrevia assim só para dizer:
estava mesmo convencido disso: o inventor do jazz. Tocava piano. Sempre
sentado a três quartos e com duas mãos que eram borboletas. Ligeiríssimas.
Começara nos bordéis, em Nova Orleans, e aprendera ali a tocar as teclas e
acariciar as notas: faziam amor, no andar de cima, e não queriam tumulto.
Queriam uma música que escorregasse para trás das cortinas e para baixo das
camas, sem perturbar. Ele fazia aquela música ali. E naquilo, verdadeiramente,
era o melhor.
Alguém, em algum lugar, um dia, falou-lhe de Novecentos. Devem ter-lhe
dito qualquer coisa do tipo: aquele é maior. O maior pianista do mundo. Pode
parecer absurdo, mas é uma coisa que podia acontecer. Nunca tinha tocado
uma só nota fora do Virginian, Novecentos, no entanto, era um personagem
célebre, do seu modo, naqueles tempos, uma pequena lenda. Aqueles que
desciam do navio falavam sobre uma música estranha e um pianista que
parecia ter quatro mãos, tantas notas fazia. Corriam histórias curiosas, também
verdadeiras, às vezes, como aquela do senador americano Wilson que tinha
feito toda a viagem na terceira classe, porque era ali que Novecentos tocava,
quando não tocava as notas normais, mas as suas, que não eram normais.
Havia um piano, lá embaixo, e ele ia lá à tarde, ou tarde da noite. Primeiro
escutava: queria que as pessoas lhe cantassem as canções que sabiam, de vez
em quando alguém aparecia com um violão, ou uma sanfona, alguma coisa, e
começava a tocar, músicas que vinham quem sabe de onde... Novecentos
escutava. Depois, começava a roçar as teclas, enquanto eles tocavam ou
cantavam, alisava as teclas e pouco a pouco aquilo ia virando um soar
verdadeiro e, realmente, saíam do piano — vertical, preto — e eram sons do
outro mundo. Havia tudo, dentro: todas de uma vez, todas as músicas da Terra.
Era de se ficar pasmo. E pasmo, o senador Wilson, ficou escutando aquela
coisa e, à parte aquela história da terceira classe, ele, todo elegante, no meio
daquele fedor, porque era fedor mesmo, de verdade, à parte aquela história,
tiveram que fazê-lo descer do navio à força, na chegada, porque se dependesse
dele, estaria lá em cima, ouvindo o Novecentos por todo o resto dos fedidos
anos que ainda lhe restavam para viver. Verdade. Escreveram nos jornais, mas
era verdade, sério. Tinha sido assim mesmo.
Em suma, alguém foi a Jelly Morton e lhe disse: naquele navio tem um cara
que faz o que quer com o piano. E quando tem vontade, toca jazz, mas quando
não tem vontade toca alguma coisa que é como dez jazz juntos. Jelly Roll
Morton tinha um caráter duvidoso, todos sabiam disso. Disse: “Como pode
tocar bem alguém que não tem colhões nem para descer de um estúpido
navio?” E danou-se a rir como doido, ele, o inventor do jazz. Podia terminar
ali, só que alguém, àquela altura, disse: “Faz bem em rir, porque basta que
aquele se decida a descer que você volta a tocar nos bordéis, como Deus
existe, nos bordéis.” Jelly Roll parou de rir, sacou do bolso uma pequena
pistola com o cabo de madrepérola, apontou para a cabeça do fulano que tinha
falado e não disparou, mas disse: “Onde está essa porra de navio?”
O que ele tinha em mente era um duelo. Usava-se, então. Desafiavam-se
com golpes de demonstração de habilidade e no fim um vencia. Coisa de
músicos. Nada de sangue, mas uma boa porção de ódio, ódio verdadeiro, sob
a pele. Notas e álcool. Também podia durar a noite inteira. Era aquilo que
Jelly Roll tinha em mente, para acabar com essa história de pianista no oceano
e toda aquela balela. Para acabar com aquilo. O problema era que
Novecentos, para falar a verdade, nunca tocava nos portos, não queria tocar.
Já eram meio terra, os portos, e ele não ia. Ele tocava onde queria. E onde ele
queria era no meio do mar, quando a terra são apenas luzes distantes, ou uma
recordação, ou uma esperança. E assim foi feito. Jelly Roll Morton blasfemou
mil vezes, depois pagou do seu bolso a passagem de ida e volta para a Europa
e subiu ao Virginian, ele que nunca tinha posto o pé num navio que não
andasse de baixo para cima no Mississípi. “É a coisa mais idiota que já fiz na
minha vida”, disse, com algumas blasfêmias no meio, aos jornalistas que
vieram saudá-lo, no píer 14 do porto de Boston. Depois, fechou-se na cabine e
esperou que a terra se tornasse luzes distantes, e lembrança, e esperança.
Novecentos, ele, não é que se interessasse muito pela coisa. Nem estava
entendendo muito bem. Um duelo? E para quê? Mas estava curioso. Queria
sentir como diabos tocava o inventor do jazz. Não o dizia por brincadeira,
acreditava mesmo: que fosse realmente o inventor do jazz. Creio que tinha em
mente aprender alguma coisa. Alguma coisa nova. Era feito assim, ele. Meio
como o velho Danny: não tinha o sentimento da disputa, não o excitava nada
saber que vencia. Era o resto que o admirava. Todo o resto.
Às 21:37 h do segundo dia de navegação, com o Virginian andando a vinte
nós na rota para a Europa, Jelly Roll Morton se apresentou no salão de baile
da primeira classe, elegantíssimo, de preto. Todos sabiam muito bem o que
fazer. Os dançarinos pararam, nós, da banda, pousamos os instrumentos, o
barman serviu um uísque, as pessoas se amontoaram. Jelly Roll tomou o
uísque, aproximou-se do piano e olhou Novecentos nos olhos. Não disse nada,
mas o que se ouviu no ar foi “levanta daí”.
Novecentos levantou-se.
— O senhor é aquele que inventou o jazz, certo?
— Isso. E você é aquele que só toca se tem o oceano embaixo do cu,
certo?
— Isso.
Estavam apresentados. Jelly Roll acendeu um cigarro, equilibrou-o na
beirada do piano, sentou-se e começou a tocar. Ragtime. Mas parecia uma
coisa nunca ouvida antes. Não tocava, deslizava. Era como uma roupa de
baixo de seda que escorregava pelo corpo de uma mulher, e o fazia dançando.
Todos os bordéis da América estavam naquela música, mas aqueles bordéis de
luxo, aqueles onde até a recepcionista da chapelaria é bonita. Jelly Roll
terminou bordando umas notas invisíveis, altas, altas, lá no fim do teclado,
como uma pequena cascata de pérolas sobre um piso de mármore. O cigarro
estava sempre lá, na beirada do piano: meio consumido, mas a cinza ainda
estava toda ali. Você diria que ela não queria cair para não fazer barulho. Jelly
Roll pegou o cigarro entre os dedos, tinha mãos que eram borboletas, eu disse,
pegou o cigarro e a cinza continuava lá, não queria saber de cair, talvez fosse
até um truque, não sei, o certo é que não caía. Levantou-se, o inventor do jazz,
aproximou-se de Novecentos, chegou-lhe o cigarro perto do nariz, ele e toda a
sua bela cinza arrumada, e disse:
— Sua vez, marinheiro.
Novecentos sorriu. Estava se divertindo. Sério. Sentou-se ao piano e fez a
coisa mais estúpida que podia fazer. Tocou Torna indietro paparino, uma
canção de uma idiotice infinita, uma coisa para crianças, ouviu-a de um
emigrante, anos atrás, desde então não lhe saiu mais da cabeça, agradava-lhe,
na verdade, não sei o que é que ele achava nela, mas lhe agradava, achava-a
comovente, coisa de louco. Lógico, não era aquilo que se poderia chamar de
uma demonstração de habilidade. Querendo, até eu saberia tocá-la. Ele tocou-
a brincando um pouco com os baixos, aumentando alguma coisa, juntando dois
ou três dos seus adejos, mas em suma era uma idiotice e uma idiotice ficou.
Jelly Roll tinha a cara de alguém de quem tinham roubado o presente de Natal.
Fulminou Novecentos com dois olhos de lobo e voltou a sentar ao piano.
Soltou um blues que tinha feito chorar até um maquinista alemão, parecia que
todo o algodão de todos os negros do mundo estivesse ali e ele o recolhesse,
com aquelas notas. Uma coisa de deixar a alma ali. Todo mundo ficou em pé:
levantavam o nariz e aplaudiam. Jelly Roll não fez o mais leve aceno de
reverência, nada; parecia que já estava ficando de saco cheio daquela história
toda.
Era a vez de Novecentos, novamente. Já começou mal, porque sentou-se ao
piano com duas lágrimas assim nos olhos, por causa do blues, estava
comovido e isso se pode até entender. O verdadeiro absurdo foi que: com toda
a música que tinha na cabeça e nas mãos, o que lhe dá na telha de tocar? O
blues que tinha acabado de ouvir. “Era tão bonito”, me disse depois, no dia
seguinte, para se justificar, imagine. Não tinha mesmo a menor ideia do que
fosse um duelo, não tinha a menor ideia. Tocou aquele blues. A maior parte, na
sua cabeça tinha-se transformado em uma série de acordes, lentíssimos, um
depois do outro, em procissão, uma chatice mortífera. Ele tocava tudo
enroscado sobre o teclado, gozava cada um daqueles acordes, estranhos, coisa
dissonante, ele gozava, mesmo. Os outros, menos. Quando terminou
começaram até alguns assobios.
Foi nesse ponto que Jelly Roll Morton perdeu definitivamente a paciência.
Mais do que ir ao piano, saltou-lhe em cima. Dele para ele mesmo, mas de
modo a que todos entendessem muito bem, sibilou poucas palavras, muito
claras.
— E então, vai tomar no cu, seu colhão.
Aí desandou a tocar. Mas tocar não é bem a palavra. Um prestidigitador.
Um acrobata. Tudo aquilo que se pode fazer com um teclado de 88 teclas, ele
fez. A uma velocidade assustadora. Sem errar uma nota, sem mover um
músculo do rosto. Nem era música: eram gestos de prestidigitação, era magia
bonita e boa.
— Era uma maravilha, nem santo! Uma maravilha.
As pessoas enlouqueceram. Gritavam e aplaudiam, eu nunca tinha visto
uma coisa assim. Era um cassino que parecia réveillon. Naquela loucura,
encontrei-me diante de Novecentos: tinha a cara mais desiludida do mundo. E
também um pouco estúpida. Olhou-me e disse:
— Mas esse é completamente bobo...
Não lhe respondi. Não tinha nada para responder. Ele se inclinou para mim
e disse:
— Me dá um cigarro, vai...
Eu estava tão pasmo que dei. Quero dizer, Novecentos não fumava. Nunca
tinha fumado, antes. Pegou o cigarro, deu meia-volta e foi sentar-se ao piano.
Deu uma olhada pela sala, dando a entender que estava sentado ali e que
talvez quisesse tocar. Escaparam ainda algumas batidas fortes e risadas,
alguns assobios, as pessoas fazem assim, são más com os que perdem.
Novecentos esperou, paciente, que houvesse um pouco de silêncio em volta.
Depois, lançou um olhar a Jelly Roll, que estava ali, em pé, no bar, bebendo
uma taça de champanhe, e disse, baixo:
— Você pediu, pianista de merda.
Aí, apoiou o meu cigarro na beira do piano.
Apagado.
E começou.

(Em áudio, começa um trecho de um virtuosismo extravagante, talvez tocado


a quatro mãos. Não dura mais de meio minuto. Termina com uma descarga
de acordes fortíssimos. O ator espera que termine, depois recomeça)

Assim.
O público absorve tudo sem respirar. Tudo em apneia. Com os olhos
pregados no piano e a boca aberta, como perfeitos imbecis. Permaneceram
assim, em silêncio, completamente estarrecidos, mesmo depois daquela
mortífera descarga final de acordes que parecia ter cem mãos, parecia que o
piano iria estourar de um momento para outro. Naquela situação esdrúxula,
Novecentos levantou-se, pegou o meu cigarro, deslocou-se um pouco para a
frente, além do teclado, e aproximou-o das cordas do piano.
Ligeiro chiado.
Tirou o cigarro dali e estava aceso.
Juro.
Bem aceso.
Novecentos segurou-o como se fosse uma pequena vela. Não fumava, ele,
nem mesmo sabia mantê-lo entre os dedos. Deu alguns passos e chegou diante
de Jelly Roll Morton. Estendeu-lhe o cigarro.
— Fume-o você. Eu não sou bom nisso.
Foi aí que as pessoas acordaram do encantamento. Veio junto uma
apoteose de gritos e aplausos e o cassino, não sei, nunca se viu uma coisa
assim, todos berravam, todos queriam tocar Novecentos, uma zona geral, não
se entendia mais nada. Mas eu o vi, lá no meio, Jelly Roll Morton, fumar
nervosamente aquele maldito cigarro, procurando a cara que devia fazer, e
sem encontrá-la, sem saber direito sequer para onde olhar, a certo ponto a sua
mão de borboleta começou a tremer, tremia mesmo, e eu a vi, e não esquecerei
nunca, tremia tanto que a certa altura a cinza do cigarro soltou-se e caiu,
primeiro na sua bela roupa preta, e depois rolando, até o seu sapato direito,
sapato de verniz preto, brilhante, aquela cinza como um borrifo branco, ele
olhou para ela, me lembro muito bem, olhou o sapato, o verniz e a cinza e
entendeu o que era para entender, entendeu, girou sobre si mesmo e,
caminhando devagar, passo a passo, tão devagar que a cinza não se moveu
dali, atravessou o salão e desapareceu, com os seus sapatos de verniz preto, e
sobre um deles estava a cinza branca e ele a levava embora, e ali estava
escrito que alguém tinha vencido, e não era ele.
Jelly Roll Morton passou o resto da viagem fechado na cabine. Ao
chegarem a Southampton, desceu do Virginian. No dia seguinte, partiu para a
América. Num outro navio, porém. Não queria mais saber daquilo, de
Novecentos e todo o resto. Queria voltar e basta.
Da ponte da terceira classe, apoiado na amurada, Novecentos o viu descer,
com a sua bela roupa branca e todas as malas, bonitas, de couro claro. E me
lembro que disse apenas:
— E no cu, o jazz também.

Liverpool, Nova York, Liverpool, Rio de Janeiro, Boston, Lisboa, Santiago do


Chile, Rio de Janeiro, Antilhas, Nova York, Liverpool, Boston, Liverpool,
Hamburgo, Nova York, Hamburgo, Nova York, Gênova, Flórida, Rio de
Janeiro, Flórida, Nova York, Gênova, Lisboa, Rio de Janeiro, Liverpool, Rio
de Janeiro, Liverpool, Nova York, Cork, Cherbourg, Vancouver, Cherbourg,
Cork, Boston, Liverpool, Rio de Janeiro, Nova York, Liverpool, Santiago do
Chile, Nova York, Liverpool, Oceano, bem no meio. E ali, naquele ponto, cai
o quadro.
Sempre me impressionei com esse negócio dos quadros. Estão lá em cima
há anos, então, sem que aconteça nada, mas eu digo nada mesmo, fran, caem.
Estão ali, amarrados ao prego, ninguém lhes faz nada, mas eles, a um certo
ponto, fran, caem como pedras. No silêncio mais absoluto, com tudo imóvel
em volta, nenhuma mosca voando e eles, fran. Não existe uma razão. Por que
exatamente naquele instante? Não se sabe. Fran. O que acontece com um
prego para decidir que não pode mais com ele? Tem uma alma, ele também,
pobrezinho? Toma decisões? Discutiu o assunto longamente com o quadro,
tinham dúvidas sobre o que fazer, falavam disso todas as noites, durante anos,
então decidiram uma data, uma hora, um minuto, um instante, é aquele, fran.
Ou já o sabiam, desde o início, os dois, já estava tudo combinado, olha, eu
largo tudo dentro de sete anos, para mim está bem, okay então, entendido, em
13 de maio, okay, lá pelas seis, digamos cinco e 45, de acordo, então boa
noite, noite. Sete anos depois, 13 de maio, cinco e 45: fran. Não dá para
entender. É uma daquelas coisas em que é melhor nem pensar, ou se fica
maluco. Quando cai um quadro. Quando você acorda, uma manhã, e não a ama
mais. Quando abre o jornal e lê estourou a guerra. Quando vê um trem e pensa
devo ir embora daqui. Quando você se olha ao espelho e percebe que está
velho. Quando, no meio do oceano, Novecentos levantou o olhar do prato e me
disse:
— Em Nova York, dentro de três dias, eu descerei deste navio.
Permaneceu seco.
Fran.
A um quadro não se pode pedir absolutamente nada. Mas a Novecentos,
sim. Deixei-o em paz por um pouco, depois comecei a amolecê-lo, queria
entender por quê, pois devia existir uma razão, um cara não fica 32 anos num
navio e então um dia de repente desce dele, como se nada acontecesse, sem
sequer dizer o porquê ao seu melhor amigo, sem lhe dizer nada.
— Tenho que ver uma coisa, lá embaixo — disse-me.
— Que coisa? — Não queria dizer, e pode-se também entendê-lo, porque
quando por fim disse, o que disse foi:
— O mar.
— O mar?
— O mar.
Pense bem. Podia-se pensar em tudo, mas não naquilo. Não queria
acreditar. Era a cacetada do século.
— São 32 anos vendo o mar, Novecentos.
— Daqui. Eu quero vê-lo de lá. Não é a mesma coisa.
Santo Deus! Parecia-me estar falando com uma criança.
— Está bem, espere para estar no porto, estique-se e olhe bem para ele. É
a mesma coisa.
— Não é a mesma coisa.
— E quem lhe disse?
Alguém que se chamava Baster — Lynn Baster, tinha lhe dito. Um
camponês. Um daqueles que vivem quarenta anos trabalhando como mulas e
tudo o que viram foi o seu campo e, uma ou duas vezes, a cidade grande,
algumas milhas mais para lá, no dia da feira. Só que depois a estiagem levou
embora tudo dele, a mulher foi embora com um pregador não sei de quê, a
febre lhe levara os filhos, todos os dois. Um cara de boa estrela, em suma.
Assim, um dia pegou as suas coisas, e andou toda a Inglaterra a pé para chegar
a Londres. Como, no entanto, não entendia grande coisa de estrada, em vez de
chegar a Londres acabou num vilarejo de nada, onde porém se você
continuasse pela estrada, fizesse duas curvas e desse a volta numa colina, por
fim, de repente, via o mar. Ele nunca o tinha visto antes. Ficou fulminado.
Estava salvo, a se acreditar no que dizia. Dizia: “É como um urro gigantesco,
que grita e grita, e o que grita é: ‘bando de cornudos, a vida é uma coisa
imensa, querem entender, ou não? Imensa’.” Ele, Lynn Baster, nunca tinha
pensado naquela coisa. Nunca tinha acontecido, mesmo, de ele pensar naquilo.
Foi como uma revolução, na sua cabeça.
Talvez, Novecentos, a ele também... nunca tenha passado pela cabeça
aquela coisa, que a vida é imensa. Talvez o suspeitasse, também, mas ninguém
jamais havia gritado com ele daquele modo. Assim, ele fez com que fosse
contada mil vezes, pelo tal do Baster, a história do mar e do resto todo, e no
fim decidiu que ele também tinha que experimentar. Quando começou a me
explicar, parecia que estava falando sobre o funcionamento de um motor a
explosão: era científico.
— Posso ficar anos ainda, aqui em cima, mas o mar jamais me dirá nada.
Eu agora desço, vivo na terra e da terra por anos, passo a ser alguém normal,
depois um dia parto, chego a uma costa qualquer, levanto os olhos e olho o
mar: é ali, eu o escutarei gritar.
Científico. Parecia a cacetada científica do século. Eu podia dizê-lo a ele,
mas não disse. Não era tão simples. O fato é que eu lhe queria bem, a
Novecentos, e queria que descesse dali, um dia ou outro, e tocasse para as
pessoas da Terra, e se casasse com uma mulher simpática, e tivesse filhos e
em suma todas as coisas da vida, que talvez não seja imensa, mas ainda é
bonita, é só ter um pouco de sorte e de vontade. Em suma, aquela do mar me
parecia uma verdadeira infâmia, mas se conseguia levar Novecentos a descer
dali, estava bem para mim. Por isso no fim pensei que era melhor assim. Disse
que o raciocínio dele estava certo. E que eu estava contente, de verdade. E que
lhe teria presenteado com o meu casaco de camelo, teria feito um figurão,
descendo a escada, com um casaco de camelo. Ele também estava um pouco
comovido.
— Mas você vai me visitar, não é? Em terra...
Deus, eu tinha um nó, aqui, na garganta, como uma pedra, estava me
matando fazendo aquilo, detesto despedidas, desatei a rir o melhor que podia,
um sacrifício, e disse que era lógico que iria visitá-lo e faríamos o seu cão
correr pelos campos, e a sua mulher assaria um peru, e não sei que outra
cagada, e ele ria, e eu também, mas por dentro todos dois sabíamos que a
verdade era outra, a verdade era que estava para acabar tudo, e não havia nada
para fazer, tinha que acontecer e agora estava acontecendo: Danny Boodmann
T. D. Lemon Novecentos desceria do Virginian no porto de Nova York, num
dia de fevereiro. Depois de 32 anos vividos no mar, desceria a terra, para ver
o mar.

(Começa uma música tipo velha balada. O ator desaparece no escuro, para
reaparecer nas roupas de Novecentos, no alto de uma escada do navio a
vapor. Casaco de camelo, chapéu, uma grande mala. Está ali, de pé, no
vento, imóvel, olhando diante de si. Olha Nova York. Depois desce o
primeiro degrau, o segundo, o terceiro. A música se interrompe bruscamente
e Novecentos para. O ator tira o chapéu e volta-se para o público)

Foi no terceiro degrau que parou. De chofre.


— O que é? Pisou na merda? — disse Neil O’Connor, que era um irlandês
que nunca entendia porra nenhuma, mas não havia meios de tirar-lhe o bom
humor, nunca.
— Deve ter esquecido alguma coisa — disse eu.
— O quê?
— E eu sei lá o quê...
— Talvez tenha se esquecido por que é que está descendo.
— Não diga besteiras.
E no entanto ele lá, parado, com um pé no segundo degrau e outro no
terceiro. Ficou ali assim por uma eternidade. Olhava lá adiante, parecia que
procurava alguma coisa. Por fim fez uma coisa estranha. Tirou o chapéu,
esticou o braço por cima do corrimão da escada e deixou-o cair. Parecia um
pássaro cansado ou uma fritada azul com asas. Fez algumas curvas no ar e caiu
no mar. Flutuava. Evidentemente era um pássaro, não uma fritada. Quando
voltamos a dirigir os olhares para a escada, vimos Novecentos, no seu casaco
de camelo, no meu casaco de camelo, que saltava os dois degraus, de costas
para o mundo e com um estranho sorriso no rosto. Dois passos e desapareceu
dentro do navio.
— Viu? Chegou o novo pianista — disse Neil O’Connor.
— Dizem que é o maior — disse eu. E não sabia se estava triste ou feliz
como louco.

O que foi que ele viu, daquele maldito terceiro degrau, não quis me dizer.
Naquele dia e durante as duas viagens que fizemos depois, Novecentos
permaneceu meio estranho, falava menos do que de costume e parecia muito
ocupado com alguma tarefa pessoal. Nós não fazíamos perguntas. Ele fingia
que nada acontecia. Via-se que não estava mesmo tudo normal, mas ainda
assim não ousavam lhe perguntar nada. Ficou assim alguns meses. Então um
dia Novecentos entrou na minha cabine e lentamente mas de uma vez só, sem
parar, me disse:
— Obrigado pelo casaco, eu estava por conta de Deus, foi um pecado,
poderia ter feito um figurão, mas agora vai tudo muito melhor, já passou, você
não deve pensar que eu esteja infeliz: não o serei nunca mais.
Quanto a mim, não estava sequer certo de que ele tivesse ficado infeliz.
Não era uma daquelas pessoas de quem você se pergunta se está ou não feliz.
Ele era Novecentos, e basta. Não lhe ocorria pensar que ele tivesse alguma
coisa a ver com a felicidade, ou com a dor. Parecia além de tudo, parecia
intocável. Ele e a sua música: o resto não contava.
“Você não deve pensar que eu esteja infeliz: nunca estarei.” Deixou-me
seco, aquela frase. Tinha a cara de quem não estava brincando, quando a disse.
Alguém que sabia muito bem aonde ia. E que chegaria lá. Era como quando se
sentava ao piano e desandava a tocar, não havia dúvidas nas suas mãos e as
teclas pareciam esperar sempre por aquelas notas, que pareciam estar ali para
elas e só para elas. Parecia que as inventava ali, para ali: mas em alguma
parte, na sua cabeça, aquelas notas sempre estiveram escritas.
Agora eu sei que naquele dia Novecentos tinha decidido sentar diante das
teclas brancas e pretas da sua vida e começar a tocar uma música absurda e
genial, complicada mas bonita, a maior de todas. E que naquela música teria
bailado aquilo que lhe restava dos seus anos. E que nunca mais seria infeliz.

Eu desci do Virginian em 21 de agosto de 1933. Embarcara seis anos antes.


Mas parecia-me que tinha passado uma vida. Não desci dele por um dia ou
por uma semana: desci para sempre. Com os documentos de desembarque e o
pagamento atrasado e tudo o mais. Tudo em ordem. Fechei, com o oceano.
Não é que não me agradasse, aquela vida. Era um modo estranho de
acertar as contas, mas funcionava. Só que eu não conseguia pensar que podia
mesmo prosseguir para sempre. Se você é marinheiro então é diferente, o mar
é o seu lugar, você pode ficar ali até morrer, que está bem assim. Mas alguém
que toca trompa... Se você toca trompa, no mar é um estrangeiro, e o será
sempre. Mais cedo ou mais tarde, é justo que volte para casa. Melhor mais
cedo, disse:
— É melhor mais cedo — disse a Novecentos. E ele entendeu. Via-se que
não tinha nenhuma vontade de me ver descer aquela escadinha, para sempre,
mas dizer, não me disse nunca. E era melhor assim. Na noite passada,
estávamos ali tocando para os habituais imbecis da primeira classe, chegou o
momento do meu solo, comecei a tocar e depois de algumas notas ouvi o piano
que vinha comigo, baixo, com doçura, mas tocava comigo. Prosseguimos
juntos, e eu tocava o melhor que podia, oh, Deus, eu não era o Louis
Armstrong, mas toquei bem mesmo, com Novecentos atrás me seguindo onde
quer que eu fosse, do jeito que ele sabia fazer. Deixaram-nos ir adiante por um
bom tempo, a minha trompa e o seu piano, pela última vez, ali a nos dizer
todas as coisas que se podem dizer, com palavras. Em volta as pessoas
continuavam dançando, não tinham percebido nada, não podiam perceber, não
sabiam de nada, continuaram, a dançar, como se nada estivesse acontecendo.
Talvez alguém tenha dito a um outro: “Olha aquele com a trompa que bobão,
está bêbado ou é maluco. Olha aquele com a trompa: enquanto toca, chora.”
Como andaram as coisas, depois de ter descido de lá, isso é uma outra
história. Talvez conseguisse até combinar alguma coisa de bom se não se
ficasse no meio daquela guerra danada, até ela. Aquilo foi uma coisa que
complicou tudo, não se entendia mais nada. Era preciso ter um grande cérebro,
para orientar-se. Era preciso ter qualidades que eu não tinha. Eu sabia tocar
trompa. É surpreendente como é inútil tocar uma trompa, quando há uma
guerra em volta. E bem na gente. Que não nos larga.
Assim mesmo, do Virginian e de Novecentos, eu não soube mais nada,
durante anos. Não que tivesse esquecido, continuei a me lembrar sempre,
acontecia sempre de perguntar a mim mesmo: “Quem sabe o que faria
Novecentos se estivesse aqui, o que diria, ‘no cu, a guerra’ diria”, mas se eu o
dizia não era a mesma coisa. Ia tão mal que de vez em quando eu fechava os
olhos e voltava lá em cima, na terceira classe para ouvir os emigrantes que
cantavam uma ópera e Novecentos que tocava sabe-se lá que música, as suas
mãos, o seu rosto, o oceano em volta. Eu vivia de fantasia, e de recordações, é
aquilo que lhe resta fazer, às vezes, para se salvar, não há nada mais. Um
truque de pobres, mas funciona sempre.
Em suma, aquela era uma história acabada. Que parecia mesmo acabada.
Então um dia chegou-me uma carta, tinha sido escrita por Neil O’Connor,
aquele irlandês que estava sempre brincando. Daquela vez, entretanto, era uma
carta séria. Dizia que o Virginian tinha-se acabado, pela guerra, tinham-no
usado como hospital flutuante e por fim estava tão ruim que decidiram afundá-
lo. Desembarcaram em Plymouth a pequena tripulação remanescente,
encheram-no de dinamite e mais cedo ou mais tarde o levariam ao largo para
acabar com ele: bum, e pronto. E tinha um post scriptum que dizia: “Você tem
cem dólares? Juro que devolvo.” E embaixo, outro post scriptum: e dizia:
“Novecentos, ele desceu.” Só aquilo: “Novecentos, ele desceu.”
Revirei a carta na mão durante dias. Depois peguei um trem que ia para
Plymouth, fui ao porto, procurei o Virginian, encontrei-o, dei uns trocados aos
guardas que estavam ali, subi ao navio, rodei de cima a baixo, desci à sala de
máquinas, sentei sobre uma caixa que tinha cara de estar cheia de dinamite,
tirei o chapéu, coloquei-o no chão e fiquei ali, em silêncio, sem saber o que
dizer /
... Parado ali a olhá-lo parado ali a olhar-me /
Dinamite também embaixo do seu cu, dinamite por todo lado /
Danny Boodmann T. D. Lemon Novecentos /
Você diria que sabia que eu ia chegar, como sempre soube as notas que ia
tocar e... /
com aquela cara envelhecida, de um jeito bonito, sem cansaço /
Nada de luz no navio, havia só aquela que filtrava lá de fora, talvez a
noite, como era /
As mãos brancas, o paletó bem abotoado, os sapatos brilhantes /
Tinha descido, ele /
Na penumbra, parecia um príncipe /
Tinha descido, teria saltado junto com todo o resto, no meio do mar /
Gran finale, com todos olhando, do cais, e da praia, o grande fogo de
artifício, adeus, desce o pano de boca, fumaça e chamas. Uma onda grande, no
fim /
Danny Boodmann T. D. Lemon /
Novecentos /
Naquele navio engolido pelo escuro, a última lembrança de você é uma
voz, quase só isso, adágio, a falar /
/
/
/
/
/
(O ator se transforma em Novecentos)
/
/
/
/
Toda aquela cidade... não se via o fim... /
O fim, por favor, poder-se-ia ver o fim? /
E o barulho /
Em cima daquela muito maldita escadinha... era muito bonito, tudo... e eu
era grande com aquele casaco, fazia o meu figurão, e não tinha dúvida, era
garantido que desceria, não havia problema /
Com o meu chapéu azul /
Primeiro degrau, segundo degrau, terceiro degrau /
Primeiro degrau, segundo degrau, terceiro degrau /
Primeiro degrau, segundo /
Não foi o que vi que me parou /
Foi o que não vi /
Pode entender, irmão? foi o que não vi... procurei-o mas não existia, em
toda aquela destruída cidade existia tudo, exceto /
Havia tudo /
Mas não havia um fim. O que não vi é onde acabava tudo aquilo. O fim do
mundo /
Agora você pensa: um piano. As teclas iniciam. As teclas terminam. Você
sabe que são 88, sobre isso ninguém pode culpá-lo. Não são infinitas, elas.
Você é infinito, e dentro daquelas teclas, infinita é a música que pode fazer.
Elas são 88. Você é infinito. Isso me agrada. Isso se pode viver. Mas se você /
Mas se eu subo naquela escadinha e diante de mim /
Mas se eu subo naquela escadinha e diante de mim se desenrola um
teclado de milhões de teclas, milhões e bilhões /
Milhões e bilhões de teclas, que não acabam nunca e esta é a verdade
verdadeira, que não acabam nunca e aquele teclado é infinito /
Se aquele teclado é infinito, então /
Se aquele teclado não tem música que possa tocar. Você está sentado no
banquinho errado: aquele é o piano em que Deus toca /
Cristo, mas via-lhe as ruas? /
Também apenas as ruas, havia milhares delas, como fazem para escolher
uma /
Para escolher uma mulher /
Uma casa, uma terra que seja sua, uma paisagem para olhar, um modo de
morrer /
Todo aquele mundo /
Aquele mundo em cima, que nem ao menos sabe onde acaba /
E quando está lá /
Não têm mais medo, vocês, de acabar em mil pedaços só em pensar nela,
aquela enormidade, só em pensar nela? Em vivê-la... /
Eu nasci neste navio. E o mundo passava aqui, mas com duas mil pessoas
de cada vez. E desejos os havia também aqui, mas não mais do que aqueles
que podiam estar entre uma proa e uma popa. Você tocava a sua felicidade num
teclado que não era infinito.
Eu aprendi assim. A terra, aquela é um navio muito grande para mim. É
uma viagem muito longa. É uma mulher muito bonita. É um perfume muito
forte. É uma música que não sei tocar. Perdoem-me. Mas não vou descer.
Deixem-me voltar atrás.
Por favor /
/
/
/
/
/
Agora procure entender, irmão. Procure entender, se puder /
Todo aquele mundo nos olhos /
Terrível mas lindo /
Muito lindo /
E o medo que me levava para trás /
O navio, de novo e para sempre /
Pequeno navio /
Aquele mundo nos olhos, todas as noites, de novo /
Fantasmas /
Pode-se morrer se os deixa fazer /
A vontade de descer /
O medo de fazê-lo /
Você fica maluco, assim /
Maluco /
Alguma coisa deve-se fazer e eu fiz /
Primeiro, imaginei /
Depois fiz /
Cada dia por ano /
Doze anos /
Bilhões de momentos /
Um gesto invisível e muito lento /
Eu, que não fui capaz de descer desse navio, para salvar-me desci da
minha vida. Degrau após degrau. Para cada passo, um desejo ao qual dizia
adeus.
Não sou doido, irmão. Não somos doidos quando encontramos a fórmula
para nos salvar. Somos astutos como animais famintos. Nada a ver com a
loucura. É gênio, aquilo. É geometria. Perfeição. Os desejos estavam
rasgando-me a alma. Podia vivê-los, mas não consegui.
Agora, eu os encantei.
E um a um eu os deixei atrás de mim. Geometria. Um trabalho perfeito.
Todas as mulheres do mundo eu encantei tocando uma noite inteira para uma
mulher, uma, a pele transparente, as mãos sem um adereço, as pernas
delicadas, ondeava a cabeça ao som da minha música, sem um sorriso, sem
franzir o olhar, nunca, uma noite inteira, quando se levantou não foi ela que
saiu da minha vida, foram todas as mulheres do mundo. O pai que não serei
nunca encantei-o olhando um menino morrer, durante dias, sentado ao lado
dele, sem perder nada daquele espetáculo tremendo e belíssimo, eu queria ser
a última coisa que olhava no mundo, quando se foi, olhando-me nos olhos, não
foi ele a ir-se mas todos os filhos que nunca tive. A terra que era a minha terra,
em qualquer parte do mundo, eu a encantei, ouvindo cantar um homem que
vinha do norte, e você o ouvia e via, via o vale, as montanhas em volta, o rio
que descia devagar, a neve no inverno, os lobos à noite, quando aquele homem
acabou de cantar, acabei a minha terra, para sempre, onde quer que ela esteja.
Os amigos que desejei encantei-os tocando para você e com você naquela
noite, no rosto que você tinha, nos olhos, eu os vi, todos, meus amigos amados,
quando você saiu deles, vim embora com você. Eu disse adeus à maravilha
quando vi os imensos icebergs do mar do Norte ruírem vencidos pelo calor,
disse adeus aos milagres quando vi rirem os homens que a guerra tinha feito
em pedaços, disse adeus à raiva quando vi encher este navio de dinamite,
disse adeus à música, à minha música, no dia em que não consegui tocá-la
toda, numa só nota num instante, e disse adeus à alegria, encantando-a, quando
vi você entrar aqui. Não é loucura, irmão. Geometria. E um trabalho de cinzel.
Desarmei a infelicidade. Livrei a minha vida dos meus desejos. Se você
pudesse remontar a minha trajetória, iria encontrá-los, um depois do outro,
encantados, imóveis, parados ali para sempre marcando a rota dessa estranha
viagem que a ninguém mais contei senão a você /
/
/
(Novecentos se afasta em direção aos bastidores)
/
/
/
(Para, vira-se)

Já vejo a cena, chegando lá em cima, aquele que procura o meu nome na


lista e não o encontra.
— Como disse que se chama?
— Novecentos.
— Nosjinskij, Notarbartolo, Novalis, Nozza...
— É que nasci num navio.
— Perdão?
— Nasci num navio e também morri lá, não sei se aparece ali em cima...
— Naufrágio?
— Não, explosão. Setecentos quilos de dinamite. Bum.
— Ah. Tudo bem agora?
— Sim, muito bem... isto é... há só esse negócio do braço... perdeu-se um
braço... mas me garantiram...
— Falta um braço?
— Sim. Sabe, na explosão...
— Deveria haver muitos desses, lá... qual é o que lhe falta?
— O esquerdo.
— Ahn.
— Teria?
— Receio que sejam dois direitos, sabe?
— Dois braços direitos?
— Isso. No caso, o senhor teria problemas com...
— Com o quê?
— Quero dizer, se pegasse um braço direito...
— Um braço direito no lugar do esquerdo?
— Sim.
— Maaas... não, em último caso... melhor um direito do que nada...
— É o que eu penso, também. Espere um instante, Vou pegá-lo.
— Se eu passar qualquer dia desses, se chegasse um esquerdo...
— Ouça, tenho um branco e um negro...
— Não, não, a mesma tinta... nada contra os negros, hein, é só uma questão
de...
Puxa. Toda uma eternidade, no paraíso, com duas mãos direitas. (Com voz
anasalada) E agora façamos um belo sinal da cruz! (Começa, mas para. Olha
para as mãos) Não sabe qual delas usar. (Hesita um instante, depois faz um
rápido sinal da cruz com ambas as mãos) Toda uma eternidade, milhões de
anos, fazendo papel de bobo. (Repete o sinal da cruz com as duas mãos) Um
inferno. No Paraíso. Não há nada para rir.

(Volta, vai em direção aos bastidores, para um passo antes de sair, vira-se
de novo para o público: seus olhos estão brilhantes)

Lógico... sabe que música, porém... com aquelas mãos, duas, direitas... só
se houver um piano...
(Fica sério novamente)

É dinamite, aquilo que você tem embaixo do cu, irmão. Levanta daí e vai
embora. Acabou. Desta vez acabou mesmo.

(Sai)

FIM
Título original
NOVECENTO
Un monologo

© 1994 by Giangiacomo Feltrinelli Editore, Milão

Direitos para a língua portuguesa reservados


com exclusividade para o Brasil à
EDITORA ROCCO LTDA.
Rua Rodrigo Silva, 26 — 5º andar
20011-040 — Rio de Janeiro, RJ
Tel.: 507-2000 — Fax: 507-2244
e-mail: rocco@rocco.com.br
www.rocco.com.br

Printed in Brazil/Impresso no Brasil

preparação de originais
MÔNICA MARTINS FIGUEIREDO
CIP-Brasil. Catalogação na fonte.
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

B232n Baricco, Alessandro, 1958-


Novecentos: um monólogo / Alessandro Baricco; tradução Y. A. Figueiredo. —
Rio de Janeiro: Rocco, 2000

Tradução de: Novecento: un monologo


ISBN 978-85-325-1084-6

1. Romance italiano. I. Figueiredo, Y. A. II. Título.

CDD: 853
99-1517 CDU: 850-3
Italiano de Turim, Alessandro Baricco nasceu em 1958 e esteve no Brasil em 1999, quando a Rocco
lançou seu primeiro romance Mundos de vidro. Originalmente publicado como Castelli di rabbia,
foi laureado com o prêmio de seleção Campiello e anos depois com o prêmio Médicis Étranger. Seu
segundo romance Oceano Mare, saudado como proeza literária, obteve ao ser lançado o prêmio
Viareggio. O romance Seda, no Brasil publicado pela Rocco, foi lançado em um teatro em Roma,
com uma leitura pública assistida por mais de trezentas pessoas.
Digitalização e revisão
Virgínia Vendramini

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