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War of the Spark: Ravnica is a work of fiction. Names, places, and incidents either are
products of the author’s imagination or are used fictitiously. Any resemblance to actual
events, locales, or persons, living or dead, is entirely coincidental.

Copyright © 2019 by Wizards of the Coast LLC. All Rights Reserved.

Published in the United States by Del Rey, an imprint of Random House, a division of
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WIZARDS OF THE COAST, MAGIC: THE GATHERING, MAGIC, their respective


logos, War of the Spark, the planeswalker symbol, all guild names and symbols, and
characters’ names are property of Wizards of the Coast LLC in the USA and other countries.

Hardback ISBN 9781984817457

Ebook ISBN 9781984817938

randomhousebooks.com

Book design by Elizabeth A. D. Eno, adapted for ebook


Cover art: Magali Villeneuve
Cover design: Scott Biel
v5.4
ep

2
Índice
Dramatis Personae
Guildas de Ravnica
Prelúdio
Capítulo 01: Dois Dragões
Ato Um
Capítulo Dois: Teyo Verada
Capítulo Três: Chandra Nalaar
Capítulo Quatro: Ral Zarek
Capítulo Cinco: Liliana Vess
Capítulo Seis: Teyo Verada
Capítulo Sete: Jace Beleren
Capítulo Oito: Gideon Jura
Capítulo Nove: Dack Fayden
Capítulo Dez: Chandra Nalaar
Capítulo Onze: Nicol Bolas
Capítulo Doze: Jace Beleren
Capítulo Treze: Gideon Jura
Capítulo Quatorze: Liliana Vess
Capítulo Quinze: Kaya
Capítulo Dezesseis: Ral Zarek
Capítulo Dezessete: Vraska
Capítulo Dezoito: Liliana Vess
Capítulo Dezenove: Teyo Verada
Capítulo Vinte: Dack Fayden
Capítulo Vinte e Um: Gideon Jura

3
Capítulo Vinte e Dois: Chandra Nalaar
Capítulo Vinte e Três: Ral Zarek
Capítulo Vinte e Quatro: Kaya
Capítulo Vinte e Cinco: Jace Beleren
Capítulo Vinte e Seis: Teyo Verada
Capítulo Vinte e Sete: Dack Fayden
Ato Dois
Capítulo Vinte e Oito: Nicol Bolas
Capítulo Vinte e Nove: Kaya
Capítulo Trinta: Jace Beleren
Capítulo Trinta e Um: Ral Zarek
Capítulo Trinta e Dois: Gideon Jura
Capítulo Trinta e Três: Kaya
Capítulo Trinta e Quatro: Gideon Jura
Capítulo Trinta e Cinco: Liliana Vess
Capítulo Trinta e Seis: Teyo Verada
Capítulo Trinta e Sete: Ral Zarek
Capítulo Trinta e Oito: Teyo Verada
Capítulo Trinta e Nove: Dack Fayden
Capítulo Quarenta: Ral Zarek
Capítulo Quarenta e Um: Dack Fayden
Capítulo Quarenta e Dois: Vraska
Capítulo Quarenta e Três: Gideon Jura
Capítulo Quarenta e Quatro: Chandra Nalaar
Capítulo Quarenta e Cinco: Dack Fayden
Capítulo Quarenta e Seis: Kaya
Capítulo Quarenta e Sete: Jace Beleren

4
Capítulo Quarenta e Oito: Liliana Vess
Capítulo Quarenta e Nove: Teyo Verada
Ato Três
Capítulo Cinquenta: Ral Zarek
Capítulo Cinquenta e Um: Chandra Nalaar
Capítulo Cinquenta e Dois: Vraska
Capítulo Cinquenta e Três: Chandra Nalaar
Capítulo Cinquenta e Quatro: Dack Fayden
Capítulo Cinquenta e Cinco: Liliana Vess
Capítulo Cinquenta e Seis: Kaya
Capítulo Cinquenta e Sete: Jace Beleren
Capítulo Cinquenta e Oito: Gideon Jura
Capítulo Cinquenta e Nove: Nicol Bolas
Capítulo Sessenta: Liliana Vess
Capítulo Sessenta e Um: Kytheon Iora
Capítulo Sessenta e Dois: Liliana Vess
Capítulo Sessenta e Três: Chandra Nalaar
Capítulo Sessenta e Quatro: Nicol Bolas
Capítulo Sessenta e Cinco: Liliana Vess
Capítulo Sessenta e Seis: Chandra Nalaar
Capítulo Sessenta e Sete: Teyo Verada
Capítulo Sessenta e Oito: Jace Beleren
Coda:
Capítulo Sessenta e Nove: Dois Dragões

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DRAMATIS PERSONAE
Jace Beleren — Planinauta, Humano, Mago mental das Sentinelas.
Nicol Bolas — Planinauta, Dragão Ancião, Pretenso Imperador-deus.
Dack Fayden — Planinauta, Humano, Autoproclamado Maior Ladrão do Multiverso.
Gideon Jura — Planinauta, Humano, Fundador das Sentinelas, Hieromante.
Kaya — Planinauta, Humana, Mestre de Guilda Orzhov e Assassina Fantasma.
Chandra Nalaar — Planinauta, Humana, Piromante das Sentinelas.
Teyo Verada — Planinauta, Humano, Acólito Mago do Escudo.
Liliana Vess — Planinauta, Humana, Necromante, Ex-Sentinela.
Vraska — Planinauta, Górgona, Mestre de Guilda Golgari e Assassina.
Ral Zarek — Planinauta, Humano, Mestre de Guilda Izzet e Mago das Tempestades.

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GUILDAS DE RAVNICA
Senado Azorius
Dedicado a trazer ordem ao caos das ruas de Ravnica, o Senado Azorius se
esforça para educar os obedientes – e reprimir os rebeldes.
Legião Boros
A zelosa Legião Boros está unida em busca de uma Ravnica pacífica e
harmoniosa, não importa quantos corpos seus exércitos devem pisar para
alcançar esse objetivo.
Casa Dimir
Os agentes da Casa Dimir escondem-se nos cantos mais sombrios da cidade,
vendendo segredos para aqueles que anseiam por poder, e sua lâmina para
aqueles que precisam ter inimigos silenciados.
Enxame Golgari
A morte traz nova vida. Toda a vida deve morrer. Os membros da guilda do
Enxame Golgari são guardiões desse ciclo, alimentando os cidadãos de
Ravnica, e preparando-os para alimentar a terra quando a hora chegar.
Clãs Gruul
Anteriormente, os Clãs Gruul governavam as selvas indomáveis de Ravnica,
mas à medida que a cidade se expandia, eles eram cada vez mais empurrados
para o exílio para escapar daquele peso esmagador. Eles estão prontos para
esmagar de volta.
Liga Izzet
Com suas intermináveis obras públicas, a genial Liga Izzet mantém o
esplendor de Ravnica… quando seus experimentos não explodem
acidentalmente.

Sindicato Orzhov

7
O Sindicato Orzhov é impiedosamente ambicioso e interminavelmente
ganancioso. Se você deve para os Orzhov, eles vão te cobrar, mesmo após a sua
morte.
Culto Rakdos
Artistas e hedonistas, os cultistas do lorde demoníaco Rakdos sabem que a vida
é curta e cheia de dor. A única coisa que importa? Divertir-se tanto quando
puder, não importam as consequências.
Conclave Selesnya
A guilda Selesnya é a voz de Mat'Selesnya, a misteriosa manifestação da
própria natureza. Eles procuram constantemente por mais crentes para
adicionar ao seu Conclave – e um exército cada vez maior para defendê-lo.
Conluio Simic
Em nenhum lugar o equilíbrio entre natureza e civilização é mais importante –
ou mais ameaçado – do que em uma cidade que se estende por todo o mundo.
E o Conluio Simic está pronto para mantê-lo… ou revisá-lo para suas próprias
e únicas especificidades.

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PRELÚDIO

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UM
DOIS DRAGÕES
O Dragão Espírito e o espírito do dragão estavam tendo uma pequena conversa.
“Por quanto tempo o seu dispositivo pode preservá-lo?” perguntou o Dragão Espírito.
“Um século ou mais,” respondeu o espírito do dragão. “Eu removi a consciência de um
pontífice Orzhov para confirmar que era compatível. Eles são especialistas nesse tipo de
coisa. Em fantasmas. A tecnologia é toda minha. E ela é brilhante.”
“É claro.” O Dragão Espírito olhou para a pequena caixa de prata, com toda sua
filigrana delicada, engrenagens acendendo, e cristais cintilantes, enquanto ela projetava a
essência do espírito do dragão logo acima na madrugada cinzenta. “Gentil de Sarkhan Vol
entregá-lo aqui.”
“‘Gentil’ não é a palavra.”
“Necessário.”
“Sim. Necessário.”
Houve uma longa pausa.
Por fim, o espírito do dragão engoliu em seco – ou, em todo caso, inconscientemente
imitou esse tique biológico – e afirmou: “Nosso plano vai funcionar. Precisa funcionar.”
O Dragão Espírito olhou ao redor, para as águas serenas, para as cuidadosas ruínas que
seu irmão havia criado e curado, para os chifres gigantes que se erguiam dos Lagos da
Formação, curvando-se para dentro de si mesmos e marcando este Plano como seu retiro
pessoal. “Pode funcionar,” ele disse por fim. “Mas nossa estratégia é como o seu
mecanismo aqui. Todas as engrenagens devem agir como em um concerto. Todos os
envolvidos devem cumprir seus papéis. Podemos contar com Sarkhan para cumprir o dele.
Mas e os outros planinautas, e todas aquelas almas em Ravnica…? Se meu irmão
permanecer invulnerável, todas as outras precauções serão inúteis.”
“Zarek fará sua parte. Eu fui duro com ele para endurecê-lo, mas acho que as minhas
lições serão válidas.”
“Como elas foram para você, priminho? Parece-me que se você tivesse aprendido suas
lições não estaria tão morto quanto atualmente está. Meu irmão te levou de um lado para o
outro como se você tivesse uma focinheira.”

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O espírito do dragão se ressentiu com isso, seus ombros semi-transparentes se
ergueram, suas asas vermelho-pálidas se acenderam levemente. “Ninguém fala comigo
desse jeito.”
O Dragão Espírito ficou um pouco ressentido também. “Porque você está acostumado
a passar seu tempo com os mortais. Eu não sou assim.” Então ele se acomodou de novo,
assumindo um tom mais conciliatório: “Mas não se ofenda. Eu não me saí melhor. E meu
ponto é que derrotar Nicol Bolas precisará de mais do que um bom plano. Vai ser necessário
um timing quase perfeito e muita sorte.”
“Eu não acredito em sorte. Eu acredito em preparação.”
“Isso não será suficiente. Nicol está preparado para superar qualquer oposição
concebível. Se essa luta fosse apenas sobre preparação, nós não teríamos qualquer chance.”
“Então o Multiverso está condenado,” disse o espírito do dragão um tanto desanimado.
“Espero que não. Nós temos uma vantagem. Meu irmão coloca muita fé em si mesmo
e muito pouca em absolutamente qualquer outra pessoa. Sua bem-conquistada arrogância e
seu desprezo infalível por qualquer um que não seja Nicol Bolas nos oferece essa
oportunidade.”
“Que, se falhar, resultará na morte de milhares de pessoas.”
“Milhões, provavelmente. Mas, mesmo com sucesso, as apostas são altas. Centenas
certamente morrerão hoje. É lamentável, mas inevitável.”
“Como sempre,” disse o espírito do dragão. “Eu estou vivo há dezesseis mil setecentos
e sessenta e oito anos, e você viveu, o quê, o dobro do tempo, o triplo?”
O Dragão Espírito desconsiderou.
O espírito do dragão revirou os olhos. “Meu ponto é que já vimos isso antes. Mortais
se levantam. Mortais caem. O show começa. O show termina. E outra performance se segue.
Se eu já não estivesse morto, não perderia uma piscada de sono por mais um cataclismo, não
importa o quão devastadora fosse a carnificina.”
“É pior do que isso, e acredito que você sabe. Se meu irmão ganhar o dia, não será
mais um cataclismo. O show terminará, tudo bem, mas a próxima performance será
intitulada O Infinito Reino de Nicol Bolas. E nenhum outro artista jamais subirá ao palco. E
depois de “um século ou mais”, quando esse seu brinquedo chique deixar de funcionar,
você realmente vai pedir um bis?”
Isso silenciou o espírito do dragão por alguns minutos. Quando ele falou novamente,
sua voz era plana, clínica. “Então o que fazemos agora?”

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“Agora? Esperamos que a cortina se levante, Niv-Mizzet. Esperamos que a cortina se
levante…”

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ATO I

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DOIS
TEYO VERADA
Com a mochila pesada sobre os ombros, Teyo Verada arrastava-se pelas areias sob os
sóis gêmeos de seu mundo, ao longo da borda da duna, tentando ignorar a flatulenta besta de
carga à sua frente enquanto sonhava com o milagre… do banheiro.
Nascido em uma aldeia minúscula dezenove anos atrás, Teyo estava voltando agora de
sua primeira visita a uma grande cidade como Oásis. Para grande desgosto do Abade Barrez,
a dona da única pousada de Oásis havia se recusado a abrigar os acólitos em seus estábulos.
Honrada em ter magos dos escudos em seu estabelecimento, ela insistiu em alojá-los em
quartos de hóspedes pelo mesmo custo de uma casa de palha. O abade tentou explicar que
os acólitos ainda não eram magos dos escudos e não mereciam tal luxo. Mas, pela primeira
vez, a voz de sua autoridade absoluta caiu em ouvidos surdos.
Então foram dois acólitos para um quarto com o dobro do tamanho da cela de Teyo no
mosteiro, que ele normalmente dividia com Arturo, Peran e Theo. Mas essa não era a
verdadeira maravilha do lugar. Não havia penicos. Nem latrinas. Não havia lavatórios que
exigissem o reabastecimento com uma jarra, o que exigia o reabastecimento em uma bomba
a cem metros de distância. A água foi canalizada para dentro de um pequeno lavatório no
corredor para beber, lavar, tomar banho e, bem, desperdiçar. E esse desperdício foi então
canalizado de alguma forma para algum lugar que não estava do lado de fora de sua janela,
causando um fedor pior do que os gases da besta de carga. Era uma espécie de milagre para
Teyo, e sua mente simplesmente não conseguiria, não poderia esquecer.
Mas Oásis estava duas léguas atrás, e agora, carregado com um ano de suprimentos, o
grupo se dirigia para casa em fila indiana, cruzando as dunas de Gobakhan, o abade na
liderança, seguido por uma besta de carga, seguida por acólitos, seguidos por outra besta de
carga, seguida por mais acólitos, seguidos por um último animal, seguido por Teyo Verada,
o mais baixo dos baixos e o menos talentoso de todos os estudantes do Abade Barrez (como
o abade tanto gostava de dizer a ele).
Ele sonhava em se tornar um monge da Ordem dos Magos do Escudo, designado a
uma cidade grande como Oásis, onde o próprio mau cheiro era levado para longe, como por
magia.
Talvez seja uma magia que eu possa dominar, ele pensou com tristeza. Do que o
estalajadeiro chamou? “Encanamento”?

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Ele não tinha certeza do que a água corrente tinha a ver com as canas, mas ele sempre
gostara de canas1. Elas eram doces e suculentas e cada um dos acólitos recebia duas na
manhã do Solstício. Teyo suspirou audivelmente e se arrastou, sabendo que suas parcas
habilidades com um escudo não lhe renderiam um lugar no Oásis ou em qualquer lugar
parecido. Ele teria sorte de conseguir um vilarejo do tamanho do lugar sem nome em que
nascera e mais tarde se tornara órfão durante sua primeira—
De repente, alguém o agarrou pelos ombros, sacudindo-o para a realidade. “Pela
Tempestade,” o abade gritou sobre o vento crescente, “você é surdo e cego? Tire sua
mochila e se prepare! Estamos prontos para ela! Agora!”
Teyo se esforçou para obedecer, derrubando sua mochila, enquanto a areia da Nuvem
do Leste cortava suas bochechas nuas. Apertando os olhos, ele levantou as mãos, tentou se
concentrar e começou a recitar o conhecimento geométrico dos magos dos escudos.
Barrez avançou. “Ergam os escudos!” ele gritou, sua voz magicamente aumentada para
ser ouvida sobre o vento que agora rugia.
Teyo se concentrou. Um triângulo de luz branca cintilante se formou na palma de cada
mão. Então, segundos triângulos formados em ângulos de desvio dos dois primeiros.
Terceiros triângulos. E na sua forte mão esquerda, um quarto. Mas formas de três pontas não
funcionariam, e ele sabia disso. Ele precisava de losangos para deter diamantes. E o Acólito
Verada não era particularmente bom em quatro-pontas. Não era particularmente bom,
especialmente quando estava sob pressão. Como quando o abade o questionava durante os
exercícios da manhã. Ou quando uma tempestade de diamantes era iminente.
Seus escudos estavam desequilibrados. Sua mão esquerda, seu vértice oriental, sempre
fora muito mais forte que a direita. Ele se virou de perfil em direção à tempestade que se
aproximava para compensar enquanto convocava um perfeito círculo branco brilhante sob
sua orelha direita, numa tentativa de equilibrar as escalas de mana. Funcionou, mais ou
menos.
Teyo conhecia as instruções e se obrigou a segui-las.
Quatro pontas. Quatro pontas. Quatro pontas. Quatro pontas.
Círculos concêntricos se formaram acima, abaixo, à esquerda e à direita de seus dois
conjuntos de escudos triangulares.
Forme as linhas.

1Nota do tradutor: No texto original é feito um jogo de palavras entre "plumming" (encanamento) e "plum"
(ameixas). Como ocorreria perda da comicidade do pensamento se a ideia fosse recortada, optei pela
adaptação.

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Ele juntou cada conjunto de quatro círculos aos outros com linhas brancas brilhantes
de pensamento afiado.
Preencha as formas.
Ele expandiu seus vértices ocidentais e orientais para criar dois escudos sobrepostos
em forma de losango. Ele estaria protegido agora. Ele poderia respirar. Mas o trabalho
estava apenas na metade.
Como o abade ensinava, se tudo o que um mago dos escudos pudesse proteger fosse a
si mesmo, ele era um péssimo mago dos escudos.
Teyo estava no fim da linha, mas no mínimo ele precisava ampliar seus escudos para
proteger a besta de carga abaixada e os suprimentos em suas costas de couro.
Ele deu um meio passo à frente, apoiando-se na areia e no vento, que já estava
brilhando. Se ele tivesse sido um segundo mais lento, microgrãos de diamante já estariam
rasgando suas roupas e sua pele. Eles já estavam se alojando no grosso couro da besta, que
gemia tristemente com as pontadas de dor. Teyo usou o vento como uma plataforma vertical
sobre a qual ele expandiu seus escudos. Não era ortodoxo.
O abade não aprovaria.
Mas funcionou para ele. Os escudos – os sete triângulos e os dois quatro-pontas –
fundiram-se em um único losango maior. Sua geometria estava firme, e a besta agora
protegida recompensava-o com um suspiro aliviado e uma emissão bastante fedorenta.
E foi na hora certa. Diamantes maiores, do tamanho de pequenas pedras de granizo,
começaram a golpear seu escudo e os escudos de seus companheiros acólitos. Teyo olhou
para a esquerda e viu Arturo ostentando um poderoso trapézio.
Exibido, Teyo reclamou silenciosamente. Quem ele está tentando impressionar?
Teyo sabia a resposta para aquela pergunta, claro. Pois lá estava o abade, subindo e
descendo as linhas com apenas um pequeno oval pessoal, gritando com sua voz aumentada
para manter a linha, para serem a geometria. Os ventos de diamantes ficaram maiores, agora
do tamanho das ameixas do Solstício, batendo, batendo contra o losango de Teyo. Sete ou
oito bateram de uma vez, e por um momento Teyo pensou que os impactos quebrariam sua
concentração e seu conhecimento. Mas ele segurou, se inclinou, renovou seus cânticos e se
manteve.
E então as luzes começaram.
Luzes? Como pode haver luzes? Não faz sentido!

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A areia e os diamantes levantados pelo poderoso vento do deserto deveriam ter
obscurecido completamente todo o céu e toda a luz. No entanto, lá estavam elas, acima e
diante dele, luzes cintilando no céu como enormes rubis, esmeraldas, safiras e obsidianas e,
sim, mais diamantes. Isso atraiu a sua atenção, sua mente, sua concentração e, por último,
seu conhecimento para longe da tarefa que tinha em mãos. Um diamante do tamanho de
uma maçã raspou seu ombro antes que ele percebesse que seu escudo estava vacilando. Ele
tentou se recuperar, mas a geometria havia se perdido para ele. A besta gemia de dor
enquanto Teyo lutava para recuperar seu conhecimento. E, mesmo assim, as luzes-que-não-
poderiam-estar no céu que ele-não-deveria-ver, o chamavam.
Mais uma vez, o abade Barrez apareceu do nada, formando um amplo quatro-pontas
que protegia tanto Teyo Verada quanto a besta de carga. “Sério, garoto, o que há de errado
com você?”
“As luzes…” Teyo murmurou, apontando fracamente para cima.
“Que luz? Você tem sorte que eu pude ver você falhando e se debatendo nessa
escuridão. Menino, de todos os meus alunos, você me ensina o desespero.”
“Sim, Mestre,” Teyo disse automaticamente, seu verdadeiro foco ainda no alto.
Brevemente ele se perguntou por que o abade não podia ver as luzes. Mas mesmo esse
mistério não conseguiu prender sua atenção. As luzes agora falavam com ele, alcançando
um lugar profundo em sua alma, criando uma sensação de mau presságio e – apesar disso –
uma espécie de convocação que o puxava para frente.
Finalmente, a tempestade de diamantes começou a desvanecer-se. Os próprios
diamantes haviam passado, mas a areia ainda soprava ferozmente. Teyo mal notou. O abade
seguiu em frente, dizendo: “Encontre seu conhecimento, acólito, ou encontre-se corroído
pela areia.” Teyo o ignorou. Sem levantar nenhum escudo, nem entoar nenhum cântico, ele
tropeçou em direção às luzes, para dentro da tempestade que morria.
Arturo gritou: “Teyo!”
O abade Barrez olhou por cima do ombro e gritou: “Verada, mantenha a linha!”
Mas o aluno do abade não parecia conseguir se controlar. A areia – e um último
diamante perdido – realmente corroeu sua pele. Ele podia sentir o sangue escorrendo pelo
seu rosto. Ele fechou os olhos contra a tempestade – e ainda podia ver as luzes atrativas e
cintilantes atrás de suas pálpebras. Ele tropeçou na duna, caiu de lado. Ele ouviu vagamente
seu mestre e seus companheiros chamando seu nome. Ele tentou se levantar, mas já estava
enterrado em suas canelas na areia crescente. Ele achou que provavelmente morreria. Ele
pensou que deveria tentar levantar um escudo. Ele pensou que apenas uma esfera poderia
salvá-lo agora, mas ele nunca conseguiu uma maior que seu punho. A areia estava na cintura

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e parecia estar ativamente tentando arrastá-lo para baixo. Ele tentou se libertar, mas a
corrente de areia agarrou seu braço e o arrastou para baixo. Um pedaço da duna abriu
espaço atrás dele, e ele foi coberto…
Enterrado vivo.
Ele lutou para se mover, lutou para respirar. Desesperado e em pânico, ele esqueceu
todo o seu treinamento e abriu a boca para sugar o ar, apenas para sugar a areia. Ele estava
sufocando. Estava completamente escuro. E mesmo assim não estava. As luzes. As luzes. As
luzes seriam as últimas coisas que Teyo Verada viria…
Então, em algum lugar em seu núcleo, no centro do vértice de seu coração, uma brasa
se tornou uma centelha. Houve uma explosão final de geometria branca, que pareceu a
morte, enquanto Teyo se desintegrava em grãos de areia…

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TRÊS
CHANDRA NALAAR
Chandra Nalaar, planinauta e piromante, afundou-se mais na poltrona super macia do
novo apartamento de sua mãe, na cidade de Ghirapur, no Plano de Kaladesh. Ela estava
ansiosa, frustrada, zangada, assustada e mais do que um pouco entediada.
Pia Nalaar havia preparado uma bandeja de chocolate quente, escuro e caro para a filha
e os amigos da filha e depois partira para uma reunião do conselho, despedindo-se de
Chandra – como sempre fazia – como se nunca mais fosse vê-la novamente.
Só que desta vez ela pode estar certa.
Agora Chandra, com um copo de chocolate intocado em um lado da mesa, se abaixava
com o queixo praticamente tocando seu peito enquanto olhava em volta para seus
companheiros. No sofá, o mago-mental Jace Beleren, parecendo cansado e abatido, fitava
seu próprio copo de líquido marrom, como se de alguma forma ele pudesse revelar o
verdadeiro segredo para derrotar o Dragão Ancestral, Nicol Bolas. Ao lado dele, o mestre do
tempo, Teferi, recostou-se, descansando os olhos e respirando profundamente. Empoleirado
em banquetas no balcão da cozinha, o curandeiro com cabeça de leão, Ajani Juba D'Ouro,
conversava agradavelmente com a muitas vezes mentora piromântica de Chandra, Jaya
Ballard, sobre a observação de aves, de todos os temas possíveis. O golem de prata Karn
permanecia imóvel no canto, aparentemente absorto em aperfeiçoar sua já fenomenal
semelhança com uma estátua. Todos planinautas, eles eram as Sentinelas, os supostos
salvadores do Multiverso. Bem, tecnicamente, Jaya e Karn não se juntaram às Senti, o que
significa que eles se recusaram a fazer o juramento. Mas eles estavam aqui para lutar ao
lado do resto contra o dragão Bolas. Para lutar e provavelmente morrer.
Em um movimento apressado, Jace colocou seu copo na mesa de café, como se o
chocolate quente de repente o assustasse. “Ele está demorando demais,” Jace disse.
“Ele” era Gideon Jura, a alma das Sentinelas – ou, pelo menos, era no que Chandra
passara a acreditar. Gids tinha transplanado de volta a Dominária para encontrar outro
membro das sentinelas, a necromante Liliana Vess, que deveria tê-los encontrado aqui em
Kaladesh, mas não conseguira comparecer. Jace já tinha deixado abundantemente claro que
achava que Gideon estava no caminho errado, que Liliana nunca tivera nenhuma intenção
de se juntar a eles em sua luta contra Bolas, que ela explorara as Sentinelas como uma
ferramenta para matar seus próprios demônios, literalmente, e que agora que aqueles
demônios estavam mortos, seu uso para os supostos amigos também havia chegado ao fim.

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Mas Gids se recusou a acreditar nisso, e Chandra concordou com ele, assim como
Jaya, Karn e Teferi. Todos os cinco sentiram que Liliana – apesar de sua fachada bem
cuidada de egoísmo – era de fato sua verdadeira amiga e aliada. Que ela se importava com
eles, até com Jace. Talvez especialmente com Jace.
Eles dormiram juntos, certo?
Mas Liliana definitivamente se importava com Gideon, de quem ela zombava
incessantemente, mas com carinho. E Chandra não achava que ela estava se gabando
acreditando que Liliana se importava consigo também. Chandra pensava em Liliana como
uma irmã mais velha.
Uma irmã bem mais velha. Uma irmã séculos mais velha.
Mas uma irmã, de qualquer forma. Chandra estava confiante de que Gideon retornaria
a qualquer momento com Liliana, pronta para se juntar ao conflito – o conflito final – contra
o gênio dragão maligno.
Mas Chandra teve que concordar que Gideon estava demorando demais. Ela não
estava exatamente preocupada com ele. Os poderes de Gideon o tornavam quase
invulnerável. O resto poderia cair – Chandra poderia cair – mas Gids continuaria a lutar. E
continuaria, continuaria, continuaria…
É apenas quem ele é, ela pensou.
O guerreiro indomável, o juggernaut implacável com aquele senso infalível de justiça
e aquele abdômen de tábua de lavar. Antigamente, Chandra tinha uma grande paixão por
Gids. Ela havia superado isso agora, mas ele continuava sendo seu melhor amigo no mundo.
Em qualquer mundo. No Multiverso.
Tanto faz.
Ela suspirou. Ela era uma planinauta desde que era pré-adolescente, mas às vezes
ainda era difícil ajustar seu vocabulário ao que isso significava. Chandra Nalaar era parte de
um seleto grupo de indivíduos que podiam viajar – transplanar – entre dimensões, passando
de um Plano para outro, de um mundo para outro. Cada mundo que ela já havia caminhado
tinha seus próprios problemas e turbulências. Assim, nenhum deles precisava de novos
perigos vindos de Planos desconhecidos. É por isso que as Sentinelas foram formadas. De
modo que os planinautas que dessem a mínima estariam lá para lutar, para proteger mundos
de ameaças interplanares como Nicol Bolas.
Bem, não como Bolas. De Bolas.
Ficou claro nas últimas semanas que todas as ameaças que enfrentaram foram geradas,
iniciadas, inventadas pelo próprio dragão. E isso sem contar com o encontro deles no Plano

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de Amonkhet, onde Bolas chutou suas bundas coletivamente. Claro, na época as Sentinelas
não tinham Jaya, Teferi ou Karn com eles. Apenas Chandra, Jace, Gids, Liliana e…
Ela afundou ainda mais em sua cadeira. Gideon estava demorando demais. Se os sete
(ou, esperançosamente, oito) estavam planejando chegar no seu destino atrás de Bolas e se
prepararem para a próxima batalha, eles deveriam já começar a transplanar. Francamente, o
suspense estava matando-a.
Chandra esticou o lábio inferior e soprou para cima, uma tentativa preguiçosa de tirar
um dos seus cabelos vermelhos e selvagens do caminho do olho esquerdo. Não teve
literalmente nenhum efeito. Ela tentou novamente. E uma terceira vez.
E então ela ficou de pé, galvanizada por um chamado de outros Planos. Os outros
reagiram com menos movimento, mas não menos preocupados.
“Vocês sentiram isso?” Chandra perguntou, sabendo que haviam sentido.
Todos assentiram em silêncio. Ela olhou para cima, em direção ao céu, e, claro, viu
apenas o telhado do apartamento de sua mãe. Mas entre ela e o teto havia luzes que
brilhavam como pedras preciosas e gritavam para ela segui-las para… para… para Ravnica!
“Ravnica,” afirmou Jaya.
Houve um murmúrio de concordância de cada um dos outros.
“O que isto significa? Já estamos tão atrasados assim?” Karn perguntou.
Ninguém respondeu imediatamente. Todos sabiam que Bolas os queria em Ravnica.
Que ele havia colocado uma armadilha de algum tipo para eles lá. Eles esperavam chegar
antes dele e frustrar sua armadilha, sua invasão e qualquer outro plano nefasto. Mas a
experiência anterior com Bolas indicava que era muito mais provável de ser ele quem
frustraria os planos.
Jace falou com cuidado, devagar, como se tentasse se convencer. “Poderia ser um
pedido de ajuda daqueles que sabem que Bolas está indo para Ravnica.”
Teferi deu de ombros. “Poderia significar que ele já está lá.”
Chandra ainda estava olhando para as luzes cintilantes. Azul, verde, vermelha, branca
e preta brilhante, elas chamavam por ela, não prometendo nada além de desgraça e ainda
assim fomentando um poderoso desejo de transplanar com elas para outra dimensão, para
outro Plano, para a cidade-mundo de Ravnica.
“Vocês sentem o puxão?” ela perguntou, sabendo que eles haviam sentido.
Mais uma vez houve assentimentos por toda parte.

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Só então uma rajada de luz dourada anunciou a chegada de Gideon Jura enquanto ele
transplanava para o local, herói em cada centímetro, sua mão na empunhadura da Lâmina
Negra, a espada bebedora de almas que eles esperavam que matasse Bolas, já que nada mais
havia conseguido.
Então tá, sim, frustrar os planos é bom e tudo mais, mas, na verdade, nós só queremos
o maldito dragão morto. Deuses sabem que ele merece.
“Finalmente!” Chandra e Jace disseram em uníssono quase perfeito.
“Desculpe,” disse Gids. “Precisou de todas as minhas forças para vir até Kaladesh.
Senti um poderoso chamado para ir direto para Ravnica. Ainda sinto. E vocês?”
Jace assentiu, levantando o capuz. Chandra pensou que talvez a ação fosse uma
pequena distração, porque Jace de repente parecia bastante heroico – o que significava que
ele provavelmente havia gerado uma ilusão de seus melhores dias para compensar sua
exaustão generalizada… ou competir inconscientemente com não-preciso-de-ilusão Gids.
Gideon disse: “Bem, isso é duplamente perturbador. Achamos que a armadilha de
Bolas já está pronta?”
Teferi deu de ombros novamente: “É melhor assumir que sim.”
Chandra deixou escapar: “Onde está Liliana?”
Gideon desviou o olhar. “Não havia sinal dela em Dominária. Ela tinha transplanado—
mas obviamente ela não veio até aqui.”
“Talvez ela tenha sentido o chamado para Ravnica e não conseguiu se controlar,” disse
Chandra, sempre esperançosa.
Gideon sacudiu a cabeça. “Ela pode ter ido para Ravnica, mas se o fez, foi antes desse
chamado ou… seja lá o que for isso. E ela sabia que todos nós deveríamos vir aqui
primeiro.”
Jace disse, “Eu não quero dizer que eu te avisei.”
Gideon franziu o cenho. “Eu acho que é exatamente o que você quer dizer.”
Jace realmente parecia magoado. “Eu não tenho nenhuma satisfação nisso, Gideon.
Ninguém queria acreditar em Liliana mais do que eu. Ninguém torceu mais por isso do que
eu.”
“Exceto Liliana,” respondeu Gideon.
Jace inalou e assentiu. “Sim. Exceto ela.”

22
Jaya pegou o longo cabelo grisalho e enfiou-o no próprio capuz enquanto o levantava
sobre a cabeça. “É uma grande pena. Poderíamos ter usado sua experiência, suas
habilidades, seu poder.”
Ajani declarou, “Não há nada que possamos fazer sobre isso agora.”
Gideon disse “Não há nada que possamos fazer por ela agora. Eu sei disso. Temos que
ir para Ravnica e enfrentar o que Bolas tem guardado. Sabemos que é uma armadilha, o que
pode nos ajudar a evitá-la. E mesmo que não possamos evitar, vamos de qualquer maneira.
Não podemos deixar que o dragão faça a Ravnica o que ele fez com Amonkhet. Em uma
cidade do tamanho de um planeta, há muitas vidas em risco.”
Ninguém se mexeu. Chandra sentiu-se esquentando.
Jaya deve ter percebido também, enquanto lançava um olhar para sua protegida que
claramente instruía: Respire, criança.
Como Chandra não desejava incendiar o novo apartamento de sua mãe, ela aceitou o
conselho não dito e silenciosamente contou até dez. Ela estava com raiva de Liliana. E
também temia por ela. Mas, na verdade, seus pensamentos não estavam com Liliana Vess.
Por mais que sentisse falta de sua “irmã”, sentia ainda mais falta de Nissa Revane,
desejando secretamente que a elfa estivesse ao lado deles.
Ao meu lado.
Nissa foi o último membro original das Sentinelas. Mas ela abandonou a causa meses
antes, deixando Chandra e o resto para trás. Nissa fora uma fonte de força para Chandra,
para todos eles. De certa forma, ainda mais do que Gideon.
Mas não há como ajudar agora também.
Eles haviam perdido Nissa com tanta certeza quanto tinham perdido Liliana. Os sete
estavam por conta própria.
Os sete teriam que ser suficientes.
Chandra olhou ao redor da sala para os rostos sombrios.
“Olha, não é de todo ruim,” ela disse, sentindo a necessidade de animá-los – e a si
mesma.
“Ela está certa,” disse Ajani. “Eu recrutei Kiora e Tamiyo para nossa causa. Elas não
fizeram nenhum juramento, mas ambas prometeram nos encontrar em Ravnica.”
“E Jace ainda é o Pacto das Guildas Vivo de Ravnica,” acrescentou Chandra, dando a
Beleren um amigável soco no ombro. “Sua palavra lá é lei mágica. Literalmente. Nem Bolas
pode mudar isso, certo?”

23
“Certo,” disse Jace, esfregando o ombro enquanto tocava uma confiança que talvez ele
não sentisse. “Então, vamos seguir em frente.” Ele se desintegrou em um complexo padrão
cruzado de luz azul enquanto transplanava para Ravnica.
Gideon e Ajani seguiram em tempestades douradas; Jaya, em uma conflagração de
chamas vermelhas. Teferi pareceu se transformar em um redemoinho azul que o envolveu e
se afastou, e Karn simplesmente desapareceu com um PING metálico afiado.
Chandra fez uma pausa, olhando ao redor do local agora vazio. “Tchau, mamãe,” ela
sussurrou. “Deseje-nos sorte.”
Então, com sua própria explosão de fogo, ela transplanou para longe do seu plano natal
de Kaladesh para o que os esperava em Ravnica…

24
QUATRO
RAL ZAREK
Em Ravnica, Ral Zarek, planinauta e mestre de guilda de facto da Liga Izzet,
caminhou em direção à sua aliada, Kaya, planinauta e relutante mestre de guilda do
Sindicato Orzhov. A assassina fantasma estava deitada inconsciente no chão de um
campanário do Senado Azorius, a poucos metros do farol que Ral acabara de ativar. A
tempestade de raios que ele convocara estava sumindo, mas os ventos fortes ainda uivavam
através da quebrada e arqueada janela de dois metros de altura.
Ral ajoelhou-se ao lado de Kaya e lançou um olhar para Lavínia, também
inconsciente, a poucos metros de distância. Então ele permitiu-se um rápido olhar para
Hekara, deitada em uma poça do seu próprio sangue. No fim, restaram os quatro. Bem, os
quatro mais Vraska.
Kaya se mexeu, gemendo baixinho. Ral tocou o lado de metal do (patenteado)
Acumulador em suas costas, descarregando a última eletricidade estática que percorria seu
corpo, antes de acariciar suavemente seus dedos pálidos contra a bochecha de pele escura de
Kaya. Ele sussurrou seu nome como uma invocação, chamando-a de volta à consciência.
Abrindo um olho, ela olhou para ele, embaçadamente. “Ral?”
“Uhum.”
“Nós vencemos?”
Ele não respondeu, não sabia exatamente como responder, mas ele a ajudou a ficar de
pé. Imediatamente, seus olhos caíram sobre Hekara, e seu aperto ficou mais forte nele, em
busca de apoio, moral ou qualquer outra coisa.
“Oh, não… Hekara… Ral, eu sinto muito.”
“Nada poderia ter sido feito.”
Embora Hekara e Ral fossem de diferentes guildas, de diferentes temperamentos e não
tivessem quase nada em comum, a extremamente peculiar e esperta feiticeira de lâminas
sacrificara sua vida para salvá-lo, simplesmente porque considerava Ral Zarek seu amigo.
Em retrospecto, esta emissária do Culto de Rakdos pode ter sido uma das melhores amigas
que Ral já teve, o que só servia para aumentar sua tristeza e culpa, não apenas pelo seu
sacrifício, mas também pelo modo como ele frequentemente a tratava enquanto estava viva:
como um incômodo que ele queria se livrar.

25
Tomik deveria estar aqui, ele disse para si mesmo, embora honestamente ele estivesse
feliz por Tomik Vrona ter perdido a luta.
A última coisa que Ral precisava era ver outra pessoa muito importante para ele caída,
morta no chão.
Foi uma batalha que custou caro. Apenas outra no que se tornou uma guerra custosa.
E, na verdade, nem sequer começou.
Nicol Bolas estava determinado a conquistar Ravnica, e Ral estivera correndo por aí
como uma galinha sem cabeça, tentando fazer tudo em seu não desprezível poder para
montar uma defesa. Quase todo o esforço havia encontrado fracasso e morte.
Seguindo as ordens do seu ex-mestre de guilda – Niv-Mizzet, o Mente de Fogo – Ral
havia tentado unir todas as dez guildas de Ravnica para conceder ao dragão Niv o poder
necessário para lutar frente a frente contra o Dragão Ancestral Bolas. Ral reuniu – ou
acreditava ter reunido – um grupo central de indivíduos com ideias afins para ajudá-lo,
incluindo Kaya, Tomik, Lavínia, Hekara… e a planinauta górgona Vraska. Ral demorou a
confiar em Vraska, que admitira de antemão que uma vez fora agente de Bolas e que subira
ao poder como mestre de guilda do Enxame Golgari graças a sua ajuda. Mas Ral tinha sua
própria história sombria com Bolas e eventualmente acabara por pensar em Vraska como
uma verdadeira amiga e aliada – até o ponto em que ela traiu todos.
As frágeis alianças que Ral estivera construindo entre as dez guildas haviam se
quebrado como a janela de vidro do campanário. Niv-Mizzet foi forçado a enfrentar Bolas
sem o aumento de poder que ele estava esperando. Agora Niv estava morto, Hekara estava
morta e Bolas estava solto em Ravnica.
“E Vraska?” Kaya perguntou quando se soltou de Ral.
“Eu a explodi com relâmpagos suficientes para fritá-la – mas não o suficiente para
incinerá-la completamente. Considerando que seu cadáver não foi encontrado, nós vamos
ter que assumir que ela transplanou para longe.”
“Você acha que ela vai voltar?”
“Quando a fumaça das chamas de Bolas sumirem, talvez. Espero que sim. E espero
que eu ainda esteja vivo quando ela voltar. Quero muito matá-la por tudo isso.”
“Ral.”
“Ela fez sua escolha.”
“Ou Bolas fez por ela. Você e eu sabemos como ele é. Como é fácil cair sob o seu
domínio. Como ele é difícil de ser quebrado.”

26
“E mesmo assim, de alguma forma, nós dois conseguimos.”
Ela não respondeu.
Mas outra voz disse: “Sinto muito.” Era Lavínia. Ela havia recuperado a consciência e
estava de pé sobre o cadáver de Hekara.
Ral engoliu com dificuldade e se forçou a falar: “Não foi sua culpa. Pode ter sido a sua
mão que matou Hekara, mas apenas porque Bolas havia te possuído.”
“Eu sei disso,” disse Lavínia friamente, como a oficial da lei durona que ela havia
sido. “Eu não estava me desculpando por matar Hekara. Eu estava me desculpando por dar
aos capangas de Bolas a oportunidade de terem uma vantagem sobre mim. Por permitir que
Tezzeret colocasse aquele aparelho no meu pescoço, que deu ao dragão o controle da minha
mente.”
Kaya disse: “É apenas mais um motivo para derrubar o dragão.”
“Nós não precisamos de mais nenhum motivo.” Lavínia se afastou de Hekara e
pareceu instantaneamente se esquecer dela. Ela se aproximou do farol. “Você conseguiu
fazer essa coisa funcionar?”
Ral se juntou a ela na frente do zumbido do grande aparelho e olhou para o teclado
travado e codificado. “Sim,” ele disse. “O Farol deve convocar planinautas de todo o
Multiverso para Ravnica, para nos ajudar a lutar contra Bolas. E nem o dragão e nem seus
lacaios poderão desligá-lo. Ora, nem eu posso desligar isso.”
“Eu espero que você esteja certo. As dez guildas nunca estiveram tão divididas, e o
Pacto das Guildas Vivo ainda está desaparecido.”
Ral se viu encolher os ombros: “Talvez o Farol atraia o Sr. Pacto das Guildas de volta
para nos salvar.” Ele ouviu o sarcasmo amargo em sua voz e franziu a testa. Ral tinha
decididamente sentimentos mistos sobre Jace Beleren, mas relutantemente admitiu para si
mesmo que não havia ninguém mais que ele preferisse ver neste momento. Os poderes do
Pacto das Guildas de Beleren — minha palavra-é-lei-mágica, poderiam ser sua última
melhor chance contra Bolas.
Atrás deles, Kaya disse: “Pode ser que ele não chegue a tempo…”
Eles se viraram para ver uma Kaya de olhos arregalados olhando pela janela quebrada
em fascínio horrorizado.
“Por quê?” perguntou Ral. “O que foi agora?”

27
CINCO
LILIANA VESS
Liliana Vess olhou furiosamente para Nicol Bolas, Dragão Ancestral, ex-Deus-Faraó
de Amonkhet, ex-Deus-Imperador de múltiplos Planos do Multiverso e atual maldito Deus-
psicopata.
Ele não notou, e ela finalmente desistiu, silenciosamente abaixando os olhos em
amarga frustração.
Bolas e o Lacaio Supremo Tezzeret estavam manipulando algumas magias bastante
impressionantes para levantar o chão sob seus pés, com Liliana junto de carona. Sem o uso
de qualquer sutileza, eles esculpiram algo semelhante a uma pirâmide de degraus de pedra
na extremidade da praça do Décimo Distrito de Ravnica – bem em frente à Embaixada do
Pacto das Guildas, onde Jace Beleren mantinha seu escritório, biblioteca, aposentos e ideias
pitorescas sobre certo e errado. A nova estrutura era grande, volumosa e brutal, um pesadelo
estético completamente fora de lugar em meio à elegância da arquitetura multifacetada de
Ravnica.
E o barulho. A cacofonia encheu o ar com a quebra do pavimento, a derrubada dos
prédios vizinhos e a raspagem de enormes blocos de pedra contra enormes blocos de pedra.
Além disso, a gritaria. Haveria muito daquilo hoje, sem dúvida.
A dissonância não estava limitada ao mundo observável; Liliana era uma necromante e
não uma elementalista, mas praticamente podia ouvir a terra gritando em protesto pela
criação forçada daquela monstruosidade.
Enquanto cumpria a ordem do seu mestre, a luz do sol refletia na armadura de Tezzeret
e no seu braço direito totalmente mecânico – e totalmente monstruoso. O artífice fizera seu
melhor e mais cruel trabalho em si mesmo. Abaixo dos dreadlocks de sua cabeça, ele era
mais máquina do que homem. Liliana o achava apavorante. Bolas achava que ele era apenas
útil.
Quando a pirâmide atingiu uma altura suficiente para ser vista de todos os quatro
horizontes, Bolas e Tezzeret cessaram seus esforços. Liliana olhou para cima e avistou um
anjo de armadura, seu elmo coroado brilhando ao sol da manhã, parou no meio do ar e logo
voou para informar seus superiores da Legião Boros do que agora não poderia deixar de ser
visto até mesmo da Fortaleza da Morada do Sol, metade de um distrito de distância.

28
Elevando-se sobre seus dois lacaios (porque, ela pensou, o que eu sou neste momento,
senão outro lacaio de Bolas), o dragão considerou seu trabalho com um sorriso deturpado
que contorceu suas feições e achatou sua cabeça, formando o sorriso da morte.
Algo está faltando, ele pensou para eles, sem se incomodar em falar.
Então, do próprio ar, ele conjurou um trono de pedra, que flutuava dez metros acima
do topo da pirâmide. Com um único bater de suas asas, ele se levantou e sentou-se sobre ele.
Agora, se Liliana e Tezzeret quisessem olhar para o seu rosto feio, teriam que esticar os
pescoços para trás o máximo que pudessem. Isso fez com que Liliana se sentisse pequena e
insignificante, o que ela tinha certeza que era o objetivo.
Vamos chamá-la de Cidadela de Bolas, pensou o dragão satisfeito.
“Você está dando um alvo para eles,” disse um Tezzeret carrancudo.
Exatamente. Na verdade, acredito que vou dar a eles dois…
Com um dedo torto, Bolas apontou para a calçada de mármore no meio da praça.
Instantaneamente um enorme obelisco no estilo de Amonkhet começou a subir no céu,
elevando-se ainda mais alto que a nova Cidadela do Imperador-deus. Bolas sorriu de novo,
com a boca aberta desta vez para mostrar seu conjunto completo de dentes afiados. Então
ele cuspiu uma gota de fogo, que viajou como um redemoinho flamejante em direção ao
topo do obelisco. A chama engolfou a ponta antes de se calcificar rapidamente em uma
estátua de tamanho real, de cobre patinado com tons de ouro, do próprio e sempre-modesto
Bolas.
Agora, isso é um alvo, ele pensou a eles presunçosamente.
Ele riu telepaticamente, o som simulado de sua hilaridade não filtrada entrando na
mente de Liliana, contaminando sua psique com um Nicol Bolas puro e sem adulterações.
Ela pensou que vomitaria. Na verdade, ela deve ter pensado com clareza suficiente pois,
pela primeira vez desde sua chegada a Ravnica, ele realmente se dignou a olhá-la.
Se você vomitar, ele ameaçou, você vai limpar tudo. Com sua língua.
Ela fez uma careta, mas não disse nada.
Ele riu telepaticamente, provavelmente para testá-la. Ela manteve sua cara fechada,
mas não reagiu.
Com suprema confiança, ele os dispensou com um leve movimento da ponta de uma
das asas.
Vocês dois sabem o que fazer.

29
Tezzeret assentiu enquanto a armadura que cobria seu abdômen se abriu, revelando um
núcleo oco onde suas entranhas deveriam estar. Ele transplanou, seu corpo implodindo em
seu próprio vazio.
Era uma bela manhã. Tinha chovido pouco antes do amanhecer e o ar agora estava
fresco e limpo. O sol nascera há apenas alguns minutos e os céus tinham as cores de
ameixas e pêssegos maduros. Sabendo o que estava reservado para o dia, Liliana sentiu
vontade de chorar. E uma parte dela queria chorar. Desejou que ela pudesse chorar. Mas não
havia lágrimas. A mulher que podia se permitir chorar havia desaparecido há um século, e
ela não possuía uma necromancia poderosa o suficiente para trazer aquela mulher de volta à
vida, nem para erguer lágrimas verdadeiras dos olhos de uma alma morta.
Abaixando a cabeça, Liliana desceu lentamente os degraus da Cidadela. Ela olhou para
trás apenas uma vez: Bolas não estava olhando para ela, tinha se esquecido dela, tomando
sua cooperação – sua servidão – como garantida. Em vez disso, ele admirou sua obra e
sorriu.

30
SEIS
TEYO VERADA
Teyo Verada estava de quatro, tossindo areia. A primeira coisa que ele notou foi uma
pedra embaixo dele. Não era areia se movendo. Uma pedra.
A segunda coisa que ele notou foi que ele estava vivo.
Ele estava coberto de areia. Coberto. Não estava enterrado. Ele limpou seus olhos com
um braço cheio de areia, em uma tentativa inútil de limpar sua visão, e olhou para cima,
esperando ver as luzes. Mas as luzes haviam sumido. Ao invés delas, ele viu a luz de um
único sol nascente brilhando entre duas enormes construções de pedra e vidro, cada uma
grande o suficiente para abrigar quatro mosteiros da Ordem.
Espere, um sol? Onde está o outro?
Ele achou que devia estar sonhando, mas não acreditava que tivesse imaginação para
sonhar com o que ele estava vendo. Isso não era o deserto. Isso não era a sua aldeia ou o
mosteiro. Isso não era nem o Oásis.
Pela Tempestade, onde estou?
Ainda cuspindo areia, ele abaixou a cabeça e viu uma menina de cabelos escuros e
pele bronzeada sentada em uma grade de ferro, observando-o com curiosidade. Ela parecia
ter cerca de dezesseis anos, e seu traje era verdadeiramente bizarro, decorado com remendos
de pele e presas, fitas e sinos pendurados em seus ombros, sua túnica marcada com vinhas
trançadas de folhas e bagas. Estudando Teyo atentamente, ela distraidamente escolheu uma
pequena baga vermelho-sangue do cinto e colocou-a na boca.
O sangue fresco da ferida dos diamantes ainda escorria na sua própria boca, seu gosto
de cobre misturado com a areia. Ele cuspiu novamente, enfrentou uma sequência de tosse, e
– ainda de quatro – clamou para a garota por ajuda.
Surpresa, ela apontou para si mesma e disse: “Eu?”
Ele assentiu desesperadamente e tossiu: “Por favor…”
Ela sorriu largamente, pulou do corrimão e correu para o lado dele, dizendo: “Quase
ninguém me nota. Eu sou tão insignificante.” Ela o ajudou a ficar de pé e começou a tirar a
areia da sua túnica.
Ele murmurou um agradecimento e lutou para ordenar sua mente.

31
“Onde estou?” ele perguntou, finalmente.
“Passeio Transguildas,” ela disse com um encolher de ombros.
“O quê?”
“Você está no Passeio Transguildas. E haverá carroças-de-thrull passando por aqui a
qualquer momento, nas duas direções. Então, a menos que você queira ser esmagado por
elas, é melhor nos movermos.”
Ele deixou que ela o puxasse para frente. Esfregando a mão furiosamente para trás e
para frente em seu couro cabeludo, Teyo tentava tirar a areia de seu cabelo enquanto
atravessava uma ponte incrivelmente grande ao lado da pequena menina com o cabelo
escuro e roupas estranhas. Ela começou a falar sem parar em um ritmo acelerado.
“Não fomos apresentados corretamente. Eu sou Rata. Quer dizer, Rata não é meu
nome verdadeiro, claro. É mais um apelido. As pessoas me chamam assim. Bem, não muitas
pessoas. Mas você entendeu a ideia. Meu nome verdadeiro – ou, você sabe como é, o nome
que me deram – é Araithia. Araithia Shokta. Então Rata é menor, mais fácil dizer. Você pode
me chamar de Rata. Eu não fico ofendida pelo nome. A verdade é que é perfeito para mim.
Mais perfeito do que Araithia, eu acho. Embora eu ache que Araithia é mais bonito, sabe?
Minha mãe ainda me chama de Araithia. Assim como meu pai. Mas eles são praticamente os
únicos. Bem, tem um centauro que eu conheço, mas ele é tipo meu padrinho, então é a
mesma ideia. Os pais ficam presos aos nomes que escolhem. Mas eu estou bem com Rata.
Então, você pode me chamar de Rata, tudo bem?”
“Eu-”
“Eu atualmente sou Sem-Portão, caso você esteja se perguntando, mas eu nasci dentro
dos Clãs Gruul, então meus pais querem que eu me junte oficialmente à guilda deles, só que
eu não acho que sou raivosa o suficiente, sabe? Além disso, tenho bons amigos em Rakdos e
Selesnya – sim, sim, eles não poderiam ser mais diferentes, mas alguns dias eu sinto que me
encaixo bem em uma e, então no dia seguinte, em outra. Enfim, essas são minhas grandes
três: Gruul, Rakdos, Selesnya. Definitivamente eu vou me juntar a uma delas.
Provavelmente. Você está em uma guilda? Eu não reconheço pelas roupas.”
“Eu-”
“Ah, e qual é o seu nome? Isso deve vir primeiro, eu acho. Eu não falo com muitas
pessoas novas, então talvez eu não consiga acertar a ordem das coisas. Eu sempre tenho
tantas perguntas, mas eu geralmente tenho que descobrir as respostas por minha conta,
entende?”
“Eu-”

32
“Isso foi retórico. Acabamos de nos conhecer. Eu realmente não espero que você saiba
como eu vivo instantaneamente. Além disso, estamos tendo uma conversa aqui. Não há
pressa. Nós vamos chegar a todas as coisas importantes eventualmente, certo? Como está
sua cabeça? Isso é um corte bem feio. Eu não acho que vai precisar de pontos, mas nós
deveríamos mesmo limpá-lo – tirar a areia e fazer um curativo, ou talvez encontrar um
curandeiro que possa lançar uma pequena magia de reparação. Eu posso te levar a algum
lugar onde eles podem fazer isso, mas até mesmo uma pequena magia de cura pode ficar um
pouco caro. Ainda assim, é um corte tão pequeno, eles podem fazer isso de graça, se você
pedir com jeitinho. Ou, se você for muito tímido para pedir ajuda a um estranho – você me
parece tímido, mas eu não quero presumir muito, já que acabamos de nos conhecer – eu
mesma posso fazer um curativo. Quer dizer, acho que sou uma estranha também. Mas eu
sinto que estamos nos conectando um pouco. De qualquer forma, sou uma médica
razoavelmente decente. Eu tive que aprender a fazer isso por mim mesma ao longo dos
anos. Não é que minha mãe não faria por mim, mas ela é uma guerreira Gruul. Ela nem
sempre está disponível. Além disso, eu nunca realmente me machuquei tanto assim, sabe?
Cortes e arranhões. Eu sou relativamente baixa e pessoas maiores estão sempre esbarrando
em mim se eu não for muito cuidadosa. Ravnica é um lugar movimentado, você sabe.”
“Eu-”
“Eu não tenho nenhuma magia de cura, lembre-se, e eu não acho que tenho qualquer
coisa que eu possa usar como bandagem, mas eu posso roubar algo com certa facilidade. Ou
talvez você não queira um curativo roubado. Eu esqueci disso, nem todo mundo está bem
comigo sendo uma ladra. Os Encarceradores Azorius não aprovariam, com certeza. Hum,
você não é Azorius, é?”
“Eu-”
“Não, olhe para você. Você não pode ser Azorius. Eu acho que você é…”
Com o fim de sua paciência, Teyo ficou na frente dela, encarou-a e agarrou-a
duramente pelos braços, gritando: “Ouça!” Na verdade, ele foi tão rude que hesitou,
preocupado que poderia tê-la machucado.
Mas ela parecia satisfeita com o contato, sorrindo para ele com seus olhos brilhantes.
Ele notou que ela tinha íris de um tom violeta-escuro. “Eu falo muito, não é?” ela disse. “Eu
passo muito tempo sozinha e converso muito comigo mesma. Eu estou sempre me dizendo
isso. Então eu saio com outras pessoas, e você imaginaria que eu aprenderia a ouvir mais.
Eu quero aprender a ouvir mais. Então, sim, eu vou te ouvir, uhm… sabe, você ainda não
me disse seu nome. Comece com isso, e prometo que vou ouvir.”

33
Afobado e desorientado, ele disse “Teyo,” sua voz aumentando no fim, como se ele
estivesse perguntando a ela se ele tinha o nome certo. Na verdade, ele estava completamente
desorientado, se ela lhe dissesse que estava errado, ele não ficaria particularmente surpreso.
“Teyo,” ela repetiu. “É um bom nome. Você está em uma guilda, Teyo? Você está
ferido e cansado. Há algum lugar a que eu deveria te levar? Alguém?”
“Eu não estou em nenhuma guilda. Eu sou um acólito da Ordem dos Magos dos
Escudos.”
“Hum. Nunca ouvi falar disso.”
“Você nunca ouviu falar da Ordem? Como isso é possível? O que você faz durante
uma tempestade de diamantes?”
“Também nunca ouvi falar de uma tempestade de diamantes, mas parece bonita.
Brilhante. Eu gosto de coisas brilhantes. É meio imaturo, mas tudo bem. Se eu vejo algo
brilhante, eu pego. Eu já mencionei que sou ladra, não é?”
Teyo soltou seus braços e caminhou até o corrimão de pedra da ponte, olhando para o
imenso rio que passava por baixo. Ele nunca havia visto tanta água em nenhum lugar. O sol
solitário estava nascendo. Era de manhã bem cedo, praticamente a alvorada. Mas já era o
fim da tarde quando a Nuvem Oriental começara a soprar; ele tinha certeza disso. E ele tinha
certeza de que não tinha sido enterrado durante a noite. Ele teria morrido se tivesse ficado
enterrado por tanto tempo.
E onde está o segundo sol?
Suas mãos agarraram o corrimão com força, deixando os nós dos dedos brancos. Ele
murmurou: “Ela nunca enfrentou uma tempestade de diamantes? Nunca ouviu falar da
Ordem? Isso não faz sentido. A Ordem Monástica dos Magos dos Escudos é famosa por
todos os lados de Gobakhan. As pessoas dependem dela.”
Juntando-se a ele no corrimão, ela sorriu e encolheu os ombros, falando calmamente, e
em um ritmo mais moderado: “Eu nunca ouvi falar de 'Gobakhan' também.”
Ele bateu a mão no corrimão e bateu o pé o chão. “Isto é Gobakhan! Nosso mundo é
Gobakhan! Você está pisando em Gobakhan!”
Ela colocou o braço atrás dele e o empurrou para frente. Mais uma vez ela falou
devagar, suavemente, gentilmente. “Teyo, isso…” Sem diminuir o ritmo, ela deu um
pequeno salto sobre as pedras do pavimento, seus sinos tilintando suavemente.“…é
Ravnica. Este mundo é Ravnica. Teyo, tenho a sensação de que você não está mais em
Gobakhan. Eu tenho a sensação de que você é um 'caminhante'”.

34
“Estamos caminhando. Eu estou caminhando. Claro que sou um caminhante.” Ele
estava furioso, embora a verdade do que ela estava dizendo – na medida em que ele entendia
– estava começando a surgir.
“Não esse tipo de caminhante. Eu não sei muito sobre isso. Apenas coisas que eu ouvi
o Mestre Zarek e a Senhora Vraska discutindo quando não sabiam que eu estava por perto.”
Sua voz começou a acelerar novamente. “Assim, Hekara me pediu para seguir o Mestre
Zarek, então era quase uma missão, uma tarefa, certo? Ela queria saber aonde eles iam
quando estavam sem ela. Isso é quase uma citação, a propósito. Ela fala desse jeito, Hekara.
De qualquer forma, eu deveria segui-los, mas também escutei um pouco. Eu provavelmente
não deveria admitir isso, mas eu sou uma bisbilhoteira crônica. Eu realmente não consigo
me controlar.”
“Eu juro pela Tempestade, eu não sei do que você está falando.”
“Tudo bem. Sim. Entendi. Quer dizer, eu vi você se materializar todo coberto de areia
lá atrás, então eu provavelmente deveria ter adivinhado. Mas sua mente sempre pega a
explicação mais simples primeiro, você sabia? Eu imaginei que você sabia como se
teletransportar de um lugar para outro. Você sabe como se teletransportar de um lugar para
outro?”
“Não!”
“Exatamente. Então o que você consegue fazer, se eu entendi direito, é teleportar de
um mundo para outro mundo, de Plano para Plano.”
“Eu te juro que eu também não sei como fazer isso!” mas enquanto ele dizia isso,
gritava isso, Teyo Verada começou a suspeitar que talvez ele soubesse.
“Eu acho que talvez a primeira vez seja como um acidente ou, não, hum, quer dizer,
não é de propósito. Como um tipo de voo involuntário. Como se fosse para salvar sua vida,
talvez? Sua vida estava em perigo, talvez?”
Ela esperou. Ele olhou para ela com os olhos arregalados. “Como, como você sabe
disso?”
“Ah, sim, não. Eu não sei. Mas acho que essas podem ser as regras. Como eu disse, eu
ouvi coisas. Além disso, sou muito intuitiva e você estava realmente coberto de areia.
Enterrado vivo, talvez?”
Ele assentiu estupidamente. Ou de qualquer forma, ele se sentia estúpido. “Então eu
não estou em Gobakhan?”
“Ravnica.”

35
“Ravnica.” A palavra soou estranha em sua boca. Os grãos da areia que ele tossiu se
sentiam mais em casa em sua língua.
“E você não – você não poderia – não conhece ninguém aqui, certo?”
“Só você, eu suponho.”
Ela sorriu e deu um aperto no braço dele. “Então eu estou oficialmente te adotando.
Até que você esteja pronto para sair, você e eu somos família. Não se preocupe; eu vou
cuidar bem de você. Eu sou ótima nisso. Eu tive que aprender a cuidar de mim, sabe?
“Uhum.” Ele se sentiu entorpecido.
“Então vamos pensar sobre o que você precisa saber para viver em Ravnica.” Ela
bateu o queixo com o dedo. Ele a observou por um momento com algo semelhante à
admiração. Ele estava grato a essa garota e nem um pouco apavorado com ela. Ou talvez
não com ela, mas com o que ela poderia revelar.
Ele desviou os olhos e começou a olhar em volta. Este mundo, esta Ravnica, era
claramente mais… mais do que qualquer lugar em Gobakhan que ele havia visto ou falado.
Eles passaram por pessoas usando tantos tipos diferentes de roupas, vestimentas feitas de
couro polido, sedas e materiais que ele não conseguia identificar. Ele olhou para as
estruturas de pedra e vidro – e magia: algumas com arcos, fundações e ameias flutuando no
ar. A cidade era enorme e cheia de esquinas e sombras. O cheiro de chuva estava pesado no
ar. Embora o sol estivesse exposto, as ruas ainda brilhavam de uma chuva da madrugada que
deve ter precedido sua… chegada… por poucos minutos.
“Certo,” ela disse finalmente. “Aqui está o que você precisa saber: Ravnica é uma
cidade grande. E muitas pessoas moram aqui. Muitas. A maioria humanos, eu acho, como
você e eu. Mas muitos elfos, minotauros, ciclopes, centauros, goblins, anjos, vedalkeanos,
viashinos, gigantes, dragões, demônios e, bem, praticamente qualquer coisa que você possa
pensar. A Senhora Vraska é uma górgona. Eu só vi três dessas, mas eu acho que elas são
realmente muito bonitas, sabe?”
“Eu – acho que nunca vi uma górgona.”
“Elas são impressionantes. Você pode confiar em mim nesse assunto. Enfim, eu não
sei quem lidera as coisas em Gobakhan…”
“O Abade Barrez? Ou não. Ele apenas lidera o mosteiro.”
“Então você é tipo um monge? Eu pensei que todos os monges tinham que raspar suas
cabeças.”

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“Eu não sou um monge ainda. Eu sou um acólito. E raspar a cabeça não é uma regra.
Pelo menos eu não acho que seja.” Ele ergueu as mãos. “Agora, eu não tenho certeza de
mais nada!”
“Acalme-se. É por isso que estou te contando coisas. Então o abade lidera Gobakhan.
Mas aqui em Ravnica, são as guildas. Existem dez guildas e, entre si, elas administram
tudo.”
“Eles tinham guildas no Oásis. Essa é uma cidade grande em Gobakhan.” Eles
estavam chegando ao final da ponte, e ele parou diante de um pátio onde poderia caber o
Oásis perfeitamente. “Eu imagino que o Oásis não seja tão grande.”
“Mas é grande o suficiente para ter guildas?”
“Sim. Há a Guilda dos Carpinteiros. E a Guilda dos Cavalariços. Mas eu não acho que
eles administram nada. Eu acho que eles apenas se juntam para beber cerveja e reclamar.
Pelo menos, essa foi a minha impressão. Eu só fiquei alguns dias no Oásis.”
“Bem, nossas guildas são grande coisa. Embora eu tenha certeza de que eles bebem
cerveja e reclamam tanto quanto fazem qualquer outra coisa. Eu sei que meu pai bebe
cerveja e reclama muito, e ele é um importante guerreiro nos Clãs Gruul.”
“Então você está nessa guilda Gruul?”
“Eu já te disse. Eu sou Sem-Portão. Isso significa que não me comprometi com
nenhuma guilda ainda. Gruul, Rakdos, Selesnya. Elas estão todas me cortejando. Eu estou
em alta demanda.” Ela riu. Ele não entendeu a piada. “Eu estou brincando,” ela disse. “Eu
não estou em alta demanda.”
“Tudo bem. Se você diz.”
“Você é amável.”
“Sou?”
“Acho que sim. Eu já gosto de você. Estou feliz por ter te adotado.”
“Eu—” Ele riu, embora não soubesse exatamente do que estava rindo. Talvez tenha
sido apenas um alívio. “Eu acho que estou feliz com isso também.”
De repente tímida, ela sorriu e desviou o olhar. “Pare com isso,” ela murmurou, mais
para si do que para ele.
Ele respirou fundo e perguntou: “O que mais eu preciso saber?”
“Oh, hum… vejamos. As guildas estão sempre lutando umas contra as outras. Parece
idiota para mim. Parece que todos deveriam ser capazes de se dar bem já que eles são todos

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tão diferentes. Aquilo com o que eles se importam mal se sobrepõe. Mas eles acham que ser
diferente significa que eles precisam criticar os outros e esse tipo de coisa. Então, se as
coisas começam a ficar fora de controle, o conflito deve ser resolvido por esse cara chamado
Sr. Jace Beleren. Ele é chamado de o Pacto das Guildas Vivo, que significa que o que quer
que ele diga, acontece. Sabe, magicamente. O problema é que ele está desaparecido há
meses e meses. Eu acho que é está como você. Viajando de mundo para mundo. Só que de
propósito, talvez. De qualquer forma, com ele desaparecido – as coisas ficaram duvidosas,
sabe? Todas as guildas tentaram se reunir para parar algum tipo de dragão maligno, que
supostamente estava a caminho. Mas a Senhora Vraska – ela é a mestre de guilda Golgari –
assassinou Ispéria, a mestre de guilda Azorius.”
“Espere aí, ela a matou?”
“Uhum. E agora as guildas se odeiam. Ou, sabe como é, não confiam mais uma na
outra.”
“E o dragão maligno?”
“Não sei. Eu acho que ele ainda está a caminho.”
Viraram uma esquina e ela parou no meio do caminho. Teyo seguiu seu olhar para ver
um enorme obelisco com a estátua de um dragão na ponta. Um dragão maligno, se ele
tivesse que adivinhar.
“Hum,” Rata disse. “Isso é novidade.”

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SETE
JACE BELEREN
Com um turbilhão de linhas azuis entrecruzadas, Jace Beleren caminhou para dentro
de seu escritório, seu santuário, a Câmara do Pacto das Guildas dentro da Embaixada de
mesmo nome. Imediatamente ele sentiu um arnês familiar envolver sua mais básica e
primitiva Centelha – a magia inerente, dentro de seu ser, que fazia dele um planinauta. Ele
estava bastante confiante que sabia a causa, mas a premissa teria que ser testada. E o teste
teria que esperar.
Ravnica é a armadilha de Bolas, ele se lembrou enquanto se preparava para um ataque
iminente, criando uma ilusão de si mesmo na sala escura e escondendo sua própria forma
em um feitiço de invisibilidade.
Nada aconteceu – exceto que Gideon e Ajani apareceram em uma chuva de luz
dourada, seguidos por Jaya chegando em chamas. O turbilhão azul de Teferi sinalizou sua
chegada, e Karn foi precedido por um claro som prateado.
Olhando em volta, um Gideon preocupado só teve tempo de dizer: “Onde está
Chandra?” antes de ela aparecer em uma chama alaranjada e vermelha. Jace ouviu Gideon
soltar um suspiro de alívio. O soldado não queria perder outra companheira. E Jace não
podia culpá-lo.
Ajani se virou para a ilusão de Jace e disse: “Fique alerta. Esta é a sua base. Ele
contaria que você viria para cá.”
A ilusão de Jace assentiu e levou um dedo à boca, enquanto o verdadeiro Jace ligava
todos eles psiquicamente. (Ligar Karn era um pouco trabalhoso, a mente inorgânica do
golem era tão estranha, mas Jace conseguiu.) Ele transmitiu seus pensamentos: Procedam
com cuidado e silenciosamente. Há poeira em toda parte. Parece que ninguém esteve aqui
há semanas.
Chandra pensou: Sim, de jeito nenhum Lavínia deixaria qualquer coisa juntar poeira.
Cheira a desordem, e sua representante odeia desordem. Aonde será que ela foi?
Será que ela está morta, Gideon pensou sombriamente. Ele franziu a testa. Jace sabia
que Gideon não queria ter pensado aquilo “em voz alta”. Desculpe. Não importa quantas
vezes façamos isso, ainda é preciso algum tempo para se acostumar.
Eles ouviram passos se aproximando rapidamente e, sem qualquer pensamento, cada
um assumiu uma postura de combate. (Jace, na verdade, assumiu duas.)

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As portas se abriram, revelando Lavínia.
Chandra pensou, suas orelhas devem estar queimando.
“Estou feliz em vê-lo, senhor,” Lavínia disse firmemente.
Desfazendo a ilusão, invisibilidade e ligação mental, Jace disse ironicamente: “Eu
estou vendo. Você quase deu um sorriso.”
Ignorando a brincadeira, a imperturbável mulher olhou ao redor da sala até que
encontrou e abordou o verdadeiro Jace: “Eu esperava que o Farol trouxesse o Pacto das
Guildas Vivo para casa. Estou feliz por ele ter trazido.”
Jace começou, “Ravnica não é minha—” Mas ele se interrompeu. Era irrelevante, de
qualquer modo. Ele disse: “Lavínia, temos motivos para acreditar que o dragão Nicol Bolas
está chegando para conquistar Ravnica. Na verdade, ele pode já estar aqui.”
Lavínia levantou uma sobrancelha. “É mesmo?”
Ela foi até uma janela e abriu as persianas. Todos eles se aproximaram. Jace teve que
reprimir uma arfada. No centro da praça estava um grande pilar, um obelisco, que não
estava lá antes. Sobre esta coluna estava uma estátua enorme do próprio Bolas. Além disso,
na extremidade final da praça, uma enorme pirâmide de pedra se erguera do nada. Uma
cidadela.
Lavínia, a ex-encarceradora, lançou um rápido feitiço telescópico sobre o vidro da
janela. Agora todos podiam ver que o próprio Bolas estava sentado em um trono que pairava
sobre a pirâmide.
“Eu não gosto dele apenas sentado lá,” Jaya Ballard disse. “Me dá nos nervos. O que
ele está fazendo?”
Gideon desembainhou a Lâmina Negra, bebedora de almas, e declarou: “Ele está
esperando para morrer.” Ele se virou e marchou em direção à porta.
Ajani e Karn entraram no seu caminho.
“Não pode ser assim tão fácil,” disse Karn.
O olho bom de Ajani encarou Gideon enquanto ele lhe recordava, “Esta é a
armadilha.”
Gideon hesitou… depois assentiu e embainhou a espada.
Jace se voltou para Lavínia. “Atualize-nos.”

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A atualização de Lavínia foi concisa e coerente. Bolas esteve trabalhando nos
bastidores há meses em uma tentativa de sabotar as guildas – ou mesmo as frágeis tréguas
entre elas.
“Ele tentou chegar à Liga Izzet através de Ral Zarek, que parece ter tido um
relacionamento anterior com o dragão. Felizmente, Zarek desafiou Bolas e tentou unir as
dez guildas para emendar o Pacto das Guildas. Com você desaparecido,” ela apontou para
Jace, "o plano era conceder ao próprio dragão mestre de guilda Izzet, Niv-Mizzet, o poder
necessário para combater Bolas de frente.
“E?”
“Foi um desastre. Bolas já havia recrutado a assassina Vraska, ajudado-a a se tornar
mestre de guilda — rainha — do Enxame Golgari. Ela assassinou Ispéria, a mestre de guilda
Azorius, durante a cúpula, colocando as guildas umas contra as outras.”
O rosto de Jace não mostrava nada, mas ele estava internamente furioso consigo
mesmo.
Isso é tudo minha culpa!
Ele e Vraska eram aliados. Mais que aliados. E eles haviam criado um plano. Ela tinha
começado a fazer o trabalho sujo de Bolas antes de saber quem ou o que ele realmente era.
Quando descobriu a verdade, ela ficou tão determinada quanto Jace em parar o dragão. Mas
ela ainda teria que enfrentar Bolas, enfrentar sua habilidade telepática. Então, a pedido dela,
para oferecer a ela uma proteção temporária, Jace apagou de sua mente todo o conhecimento
da aliança deles, de seus sentimentos um pelo outro, de Jace Beleren inteiramente. E ele
apagou todo o conhecimento da verdadeira natureza de Bolas. Ela deveria retornar a
Ravnica, enquanto Jace reuniria as Sentinelas e montaria um plano. Então Jace viria para
Ravnica, localizaria Vraska e desencadearia suas verdadeiras memórias. E juntos eles teriam
vencido o dragão. Mas reunir as Sentinelas levou mais tempo do que ele havia antecipado –
principalmente devido a Liliana, que tinha arrastado a maioria deles para se juntar à sua
busca pessoal em Dominária. Mas Jace também havia demorado para retornar. Ele havia
transplanado para Zendikar para rastrear Nissa Revane, um membro fundador das
Sentinelas. Levou semanas para encontrá-la e dias para perceber que ele não poderia
convencê-la a se juntar à causa novamente. Nesse ínterim, qualquer coisa que Vraska fez a
serviço de Bolas não era culpa dela.
“Com o fracasso da cúpula,” disse Lavínia, “Ral mudou para o Plano B. Niv-Mizzet
ordenou a construção de um Farol. Ral o ativou para atrair planinautas de todo o Multiverso
para cá. Parece que isso funcionou.”
“Funcionou,” disse Gideon. “Mas nós estávamos vindo de qualquer jeito.”

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“É bastante eficaz. Vai atrair mais do que apenas nós sete," disse Jace sombriamente.
“‘Atrair’?" Chandra perguntou, imitando seu tom.
Ele a ignorou e perguntou a Lavínia: “O que mais precisamos saber?”
Lavínia continuou, dando o status de cada guilda, uma por uma.

O Enxame Golgari.
“A própria Vraska fugiu do Plano, deixando várias facções Golgari lutando pela
supremacia. Não podemos esperar ajuda daquele quarteirão. ”
“Nenhum sinal de Vraska?” Jace perguntou, o mais neutro possível.
“Não,” Lavínia declarou, com uma sobrancelha levantada que disse a Jace que sua
tentativa de neutralidade foi menos do que bem sucedida.

O Conluio Simic.
“Eles partiram da cúpula fracassada e se barricaram dentro de seus territórios, sem
vontade de apostar.”

O Conclave Selesnya.
“Bolas tinha se infiltrado em Selesnya, mas Ral ajudou a curandeira élfica Emmara
Tandris a despachar os colaboradores. Mas, como os Simic, os Selesnya retiraram-se para
trás das suas fronteiras. Há rumores de que a mestre de guilda Selesnya, a dríade Trostani,
ficou em silêncio. E Tandris não ousa fazer nenhum movimento sem o consentimento dela.”
Jace hesitou novamente. Ele já tivera sentimentos por Emmara, sentimentos que ela
não havia retribuído. Mas ela fora gentil com ele. E ele também não a protegera. Emmara,
Liliana, Vraska.
Importar-se com Jace Beleren é o mesmo que uma maldição.

Os Clãs Gruul.
“O ciclope Borborigmo participou da cúpula com a objeção de muitos dos outros
líderes de clã. Quando ela fracassou, ele perdeu prestígio e foi deposto como mestre de
guilda, substituído por um jovem tolo chamado Domri Rade, que não foi tolo o suficiente de
repetir o ‘erro’ do seu antecessor.”

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O Culto de Rakdos.
“Hekara, a emissária Rakdos, foi morta… enquanto lutava contra Vraska. O próprio
Rakdos não aceitou bem a perda e cortou todos os contatos conosco.”
Jace notou a pausa de Lavínia. Ela estava deixando algo de fora sobre a morte desta
Hekara. Mas ele conhecia Lavínia bem o suficiente para se sentir confiante de que ela não
deixaria de fora nada que importaria a longo prazo, então ele deixou passar.

O Senado Azorius.
“Depois da morte de Ispéria, Dovin Baan foi—”
“Dovin Baan?” Chandra exclamou. “Como é que esse fiduma— ele nem é de Ravnica;
ele é do meu mundo!”
“Bem, ele apareceu aqui e se tornou muito popular muito rapidamente após promover
a construção de milhares de seus 'tópteros', pequenos dispositivos mecânicos de espionagem
que—”
“Nós sabemos o que são,” Ajani disse. “Eles eram as ferramentas favoritas de Baan em
Kaladesh.”
“Eles também serviram bem para os Azorius,” disse Lavínia pesarosamente. Azorius
era sua guilda, e Jace sabia que doía falar mal dela. Mas ela era muito pragmática para
amenizar as coisas. “Os tópteros de Baan estavam por toda parte, observando tudo.
Fornecendo mais inteligência sobre o crime, sobre nossos inimigos… sobre nossos amigos.
Mais conhecimento deu ao Senado mais controle sobre a cidade. Ispéria ficou
impressionada. Ela respeitou as habilidades de Baan, e ele rapidamente ascendeu para se
tornar o Grão Árbitro dela – e seu substituto como mestre de guilda após sua morte.”
“Mestre de Guilda? Mas Baan não é confiável!” A indignação de Chandra brilhava
vermelha em seus olhos. Chamas dançaram ao redor de seu cabelo.
Jaya caminhou até Chandra e calmamente colocou uma mão em seu ombro. “Criança,”
ela avisou. “Cuidado com seu temperamento. E com sua temperatura.”
Chandra assentiu bruscamente e suas chamas – e não sua indignação – recuaram. Com
os dentes cerrados, ela disse: “Em Kaladesh, Baan estava trabalhando com Tezzeret, que
estava trabalhando para Bolas.
“Sim, isso seria útil de saber alguns meses atrás. Mas percebemos a conexão de Baan
com o dragão tarde demais. O assassinato de Ispéria por Vraska extinguiu qualquer

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esperança de oposição unificada das guildas a Bolas, mas também serviu para elevar Baan a
mestre de guilda. E ele está solidamente no bolso de Nicol Bolas.”
“Mas agora que você sabe…”
“Agora que sabemos, eu mesma estou liderando uma facção rebelde dentro dos
Azorius para derrubar Baan. Infelizmente, os membros da guilda Azorius não são
exatamente do tipo rebelde. Baan é legalmente o seu mestre de guilda e o Senado respeita a
lei acima de tudo. Eu trouxe alguns para o meu lado, mas apenas alguns.”
Gideon disse: “Só tem más notícas? Cada guilda que você nomeou está trabalhando
ativamente para o dragão ou se retirou, recusando-se a lutar contra ele.”
“Temos alguns aliados,” disse Lavínia, e continuou.

O Sindicato Orzhov.
“Bolas contratou a assassina fantasma Kaya para eliminar o Conselho Fantasma
Obzedat, e ela foi bem-sucedida, destruindo até o último fantasma. O resultado inesperado
foi que Kaya se tornou a nova e indesejada mestre de guilda Orzhov.”
Karn disse: “A nova mestre de guilda Orzhov está morta?”
Lavínia pareceu surpresa. “O quê? Não.”
“Você disse que ela era uma assassina fantasma.”
“Eu quis dizer que ela é uma assassina especializada em matar fantasmas. Ela não é
um fantasma que também é uma assassina. Ela está viva.”
Karn franziu a testa. “Então, 'assassina fantasma' é um termo muito impreciso.”
“Então essa Kaya também é uma devedora do dragão?” Teferi perguntou, tentando
colocar as coisas de volta nos trilhos.
“Não. Essa era claramente a intenção de Bolas, mas Kaya se recusou a ajudá-lo, e
acredito que ela seja uma aliada confiável. Embora eu não saiba quanto apoio ela tem dentro
de sua guilda. Ela tem perdoado algumas dívidas.”
“Oh, isso deve estar fazendo bem aos banqueiros Orzhov,” disse Jace sarcasticamente.
“Exatamente como você imagina.”

Casa Dimir.

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“Bolas também tinha se infiltrado na guilda de espiões, mas seu mestre de guilda
Lazav parece ter limpado a casa. Não que Lazav também seja confiável. Ainda assim, ele
parece considerar o dragão uma séria ameaça e continua sendo um — possível — aliado.”

A Liga Izzet.
“Sem a emenda ao Pacto das Guildas, Niv-Mizzet foi forçado a lutar contra Bolas com
seu próprio poder.”
“Minha culpa—” Jace começou.
“A batalha foi breve, deixando apenas os ossos carbonizados de Niv para trás. Zarek é
o novo mestre de guilda, e um dos poucos que ainda está pronto e disposto a lutar contra o
dragão.”

A Legião Boros.
“A mestre de guilda Aurélia permanece solidamente do nosso lado.”
“É claro que sim,” disse Gideon com um sorriso satisfeito.
“De fato,” disse Lavínia. “Mas você perdeu sua primeira tentativa de derrubar Bolas.
Minutos depois de sua Cidadela e estátua aparecerem, eles atacaram com dois esquadrões. O
dragão os derrotou facilmente, sem esforço. Sem sair do trono. Aurélia retirou a Legião para
se reagrupar. Eles estão mantendo um amplo perímetro ao redor da praça, mantendo os
espectadores à distância. Mas ainda há alguns milhares de civis dentro do limite, e não
houve nenhuma tentativa organizada de evacuá-los.”

Jace fez uma rápida avaliação: “Então temos duas guildas com que podemos contar:
Izzet e Boros. Mais duas, Dimir e Orzhov, que são prováveis aliadas. Quatro – Simic,
Selesnya, Gruul e Rakdos – que acreditam poder ficar de fora da batalha.”
“Os tolos,” disse Ajani.
“Bem, há muita tolice por aí. Baan posicionou os Azorius firmemente ao lado de
Bolas. E…” Ele ficou reticente.
“Os Golgari,” disse Lavínia, levantando aquela única sobrancelha mais uma vez.
Jace limpou a garganta. “Sim, os Golgari. Em desordem, sem liderança. A menos que
Vraska retorne.”

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“Se ela retornar,” disse Lavínia, “ela terá outras nove guildas atrás de sua cabeça.
Especialmente a Azorius, pelo assassinato de Ispéria. E especialmente Izzet. Zarek confiava
nela, ajudava-a. Ele provavelmente não perdoará sua traição.”
Jace assentiu lentamente e então se virou para Gideon. “Tente transplanar,” ele disse.
“O quê? Eu não vou para lugar nenhum.”
“Estou confiando nisso. Mas tente assim mesmo.”
Gideon lançou-lhe um olhar suspeito. Então ele revirou os olhos e desapareceu com
um lampejo de luz dourada. Ele não esteve fora nem por dois segundos quando reapareceu,
gritando, talvez com dor, talvez em frustração. Não estava claro. Um círculo dourado dentro
de um triângulo – a crista de Azor – brilhou brevemente sobre sua cabeça… antes de
desaparecer.
“O que acabou de acontecer?” perguntou Chandra.
Recuperando-se rapidamente, Gideon disse: “Eu estava em Kaladesh. Na casa da sua
mãe. Mas eu não consegui me manter no Plano. Eu fui puxado de volta – arrancado de
volta. Eu tentei lutar contra isso. Não sei o porquê. Eu queria voltar. Mas não parecia
natural, então lutei com tudo o que tinha. Não funcionou.”
“É o que eu assumi que aconteceria." Jace andou para uma estante de livros, tirou um
título e folheou suas páginas. “Aqui,” ele disse, lendo para si mesmo. “Eu acho que posso te
mostrar.” Ele se aproximou de uma parede de janelas que dava para o leste da cidade. Os
outros o seguiram. Ele estendeu a mão e girou trinta graus enquanto sussurrava uma única
palavra: “Apareça.”
A alguns quilômetros de distância, acima do Paço da Guilda Azorius, em Nova Prahv,
uma versão gigantesca e intrincada do símbolo círculo-dentro-do-triângulo apareceu no céu.
Jace ouviu vários suspiros, mas não se incomodou em tentar decifrar quem estava mais
em choque. Ele disse: “É o Sol Imortal, um poderoso talismã criado pelo próprio Azor,
originalmente criado para capturar Bolas. Claramente, Baan o ativou para o dragão. Seu
poder vai impedir todos nós de transplanarmos para fora daqui, enquanto o Farol de Zarek
vai atrair mais e mais planinautas para cá.”
“E essa é a armadilha de Bolas,” Ajani disse.
“Exatamente,” Jace disse. “Não há escapatória para nenhum de nós agora, enquanto o
Sol estiver ativo.”
“O que significa,” afirmou Gideon simplesmente, “enquanto Nicol Bolas viver…”

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OITO
GIDEON JURA
Gideon havia parado de fingir que se importava com planejamentos.
Estrategista? Tático? Eu nunca fui isso. Um general? Não, eu sou um soldado de
infantaria. Um sargento, na melhor das hipóteses. Um lutador. Um brigão. E talvez, eu
acho, um mestre de armas.
Havia um dragão que precisava ser morto, um Dragão Ancestral, e Gideon havia
adquirido uma arma, a Lâmina Negra, que já havia matado outro Dragão Ancestral.
Era só encostar e apunhalar.
Nos dias de hoje, esse parecia ser o tipo de planejamento de Gideon.
Por outro lado, sua tentativa de matar Bolas em Amonkhet – admitidamente com a
arma errada – provou-se que “encostar e apunhalar” era mais fácil falar do que fazer. Bolas
tinha literalmente jogado Gideon para os lados como uma bola de borracha. A
invulnerabilidade mágica de Gideon tinha o protegido, mas ele nunca chegou a encostar em
qualquer órgão vital de Bolas para apunhalar uma solução viável.
Assim, Gideon estava de acordo com o atual consenso. Uma pequena unidade. Jace,
Teferi, Lavínia e Gideon. Jace já estava usando seu poder de ilusionismo para tornar todos
os quatro invisíveis. Inicialmente, ele insistiu que era apenas uma missão de
reconhecimento. Mas Jace não precisava de telepatia para saber que se Gideon tivesse uma
oportunidade, ele a aproveitaria.
Então, quando eles se aproximassem, Teferi iria, no momento crucial, usar seu
controle sobre o tempo para desacelerar o relógio ao redor do dragão, permitindo que Jace
usasse seu poder sobre a lei mágica de Ravnica, como o Pacto das Guildas Vivo, para
literalmente prender Bolas, para que Gideon pudesse usar a Lâmina Negra. Lavínia – uma
boa guerreira e a única nativa de Ravnica no pequeno grupo – cuidaria da retaguarda, no
caso de um dos infinitos lacaios de Bolas tentar resgatar seu mestre. (Lavínia tinha dito – em
voz baixa que quase provocou arrepios em Gideon – que estava esperando que tal lacaio
fosse Tezzeret. Ela parecia ter contas a resolver com esse indivíduo.) Novamente, um plano
simples.
Direto. Limpo. Sem bobagens. Ou sem muitas bobagens, pelo menos.
Chandra se opusera: “Vamos, Gids! Você não pode me deixar para trás!”

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Gideon se simpatizava, mas Jaya Ballard havia pontuado para sua protegida que
nenhum piromântico poderia gerar calor e labareda suficiente para ferir um Dragão
Ancestral. O fogo foi a primeira mágica que Bolas aprendeu, provavelmente quando ele
ainda estava em um ovo. Ele literalmente inalava e exalava a coisa. Jaya e Chandra não
seriam úteis, e quanto menos pessoas Jace tivesse que mascarar, melhor.
E também foi por isso que Ajani e Karn ficaram para trás. Ou parte do motivo. No
fundo, Gideon nem precisou captar o aceno sutil de Beleren para que eles permanecessem
no santuário de Jace, como medida de segurança. Ajani, Karn, Jaya e Chandra poderiam
reunir quaisquer planinautas convocados por esse tal Farol para derrotar Bolas, no caso de
Gideon e companhia caírem. Gideon não estava com medo de morrer. Sua invulnerabilidade
tornava isso improvável e, francamente, ele não temia a morte desde que era uma criança no
Plano de Theros. Kytheon Iora – o nome com o qual ele nascera, antes que a pronúncia
estrangeira o alterasse para Gideon Jura – devia uma morte ao Multiverso. Se hoje era o dia
que essa dívida venceria, que fosse assim. Mas ele não perderia a chance de levar o dragão
junto no passeio.
A Praça do Décimo Distrito estava quase vazia. Aqueles que não fugiram quando a
Cidadela e a estátua de Bolas se ergueram estavam quase todos dentro de suas casas. Mas
havia um punhado de almas resistentes (ou tolas) que ainda corriam por razões próprias. Os
quatro guerreiros invisíveis passaram correndo por cinco ou seis humanos, duas crianças
goblins e um vedalkeano de pele azul.
Eles estavam na metade da praça quando pararam por apenas um momento para olhar
o obelisco sobre o qual Bolas tinha colocado sua própria imagem. Gideon teve que sufocar a
vontade de tentar derrubar a coisa. Ele não tinha força para fazer aquilo, e isso advertiria
Bolas. Mesmo assim, ele estava disposto a quase arriscar a última situação se tivesse a
primeira.
Jace, mantendo até a comunicação telepática no mínimo absoluto, acenou para a
frente. Eles andaram novamente, passando por mais três crianças – uma humana, uma elfa e
outra goblin.
E todas essas crianças na praça? Não têm ninguém que se importa com elas para
tirá-las do caminho do perigo?
Claro que não, Kytheon também não tinha ninguém naquela idade. Nenhum adulto,
em geral. Apenas seus Irregulares, e o mais velho deles não era muito mais velho do que ele
próprio, antes de—

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Enfim, pelo que ele conhecia dos seus companheiros, a maioria também não teve
ninguém para cuidar deles, na maior parte de suas infâncias. Talvez fosse uma coisa de
planinauta.
Mas tinha que haver pais e guardiões responsáveis em algum maldito Plano, não é?
Novamente ele teve que lutar contra a tentação de fazer algo nobre, heroico e idiota.
Lutar para não parar, virar e tirar as crianças da praça. Em vez disso, ele continuou se
movendo. A longo prazo, os pequenos estariam mais seguro se Gideon despachasse o dragão
logo.
Então nada de parar. Nada de se virar.
E então, ele parou e se virou.
Um alto estrondo sônico e uma rajada de ar seco desértico vinda detrás deles quase
derrubou Gideon e os outros.
Os quatro se viraram ao mesmo tempo, quando o som de tijolos se quebrando ecoou
pela praça.
Para horror mútuo, um gigantesco portal – cinquenta metros de altura – abriu-se atrás
deles, dizimando instantaneamente a Embaixada do Pacto das Guildas, cortando-a quase
pela metade. Uma suave luz violeta suave se derramava do portal, quase serena – em
contraste com a destruição que o rasgo no espaço havia causado e estava causando.
Gideon assistiu horrorizado o momento em que um ogro tropeçou para frente, para
dentro do colapso, e todo o seu lado superior direito foi evaporado pela abertura do portal.
Estando muito distante para ajudar, Gideon viu a fachada da Embaixada desmoronar,
esmagando mais dois observadores sob sua anterior pedra polida.
Esta era a Ponte Planar que Tezzeret havia roubado para Bolas de Kaladesh. Com ela,
os dois poderiam transportar matéria inorgânica de um Plano para outro. Jace havia avisado
que isso era parte dos planos de Bolas, mas Gideon não tinha imaginado que a ponte seria
tão grande, tão devastadora. E o pior…
Eu deixei Chandra para trás! Ela e os outros ainda estão dentro da embaixada!

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NOVE
DACK FAYDEN
Em meio a uma nuvem de fumaça roxa, Dack Fayden transplanou para Ravnica,
irritado e de mãos vazias. E quase dois metros acima do chão.
“Maldição!” ele disse em voz alta enquanto caía em um amontoado. Isso já tinha
acontecido com ele mais vezes do que ele se importava em contar. Ele não conhecia muitos
planinautas, mas nenhum que ele conheceu admitiria se materializar no ar e cair como um
idiota. Claro, ele também não admitiria isso, então talvez tenha acontecido com todos eles.
Ainda assim, de alguma forma, eu duvido, ele pensou enquanto se levantava do beco
de paralelepípedos, esfregando seu – agora dolorido – traseiro.
Dack não planejara voltar tão cedo. Na verdade, Ravnica poderia ser a coisa mais
próxima que ele tinha de um lar, mas ele havia gastado tempo e energia considerável
encaixotando um número considerável de valiosos tesouros no Plano de Innistrad, e sair sem
nenhum deles era profissionalmente embaraçoso para o homem que já se autoproclamou o
Maior Ladrão do Multiverso.
Mas aqui estava ele, de volta a Ravnica sem Amuleto de Kralmar, nem Seelenstone,
nem Sanguinária, nem Gárgula Orador, nem Tomo de Eões, nem Grimório dos Mortos.
Nada para usar sua psicometria, para roubar sua mágica de criação. E nada para prender
J'dashe no Baixo Sexto. Dack havia pegado dinheiro emprestado da pontífice Orzhov (a
também autoproclamada Maior Contrabandista do Multiverso) algumas semanas antes de
J'dashe morrer. Os ganhos de Innistrad teriam quitado a dívida de Dack com o fantasma de
J'dashe, mas os juros sobre o empréstimo continuariam a se acumular.
Eu odeio dever dinheiro aos mortos. Eles são tão impacientes.
Não era mais sobre o dinheiro para J'dashe. Afinal de contas, que uso ela teria para ele
agora? “É o princípio da coisa,” dissera o espírito da pontífice, pouco antes de Dack partir
para Innistrad. Mas Fayden sabia que J'dashe realmente queria dizer “o principal”…e os
juros.
Então, por que eu voltei?
A verdade é que ele não conseguiu se controlar. Uma combinação de medo e
antecipação – para não mencionar um show de luzes que ninguém mais nas ruas da Cidade
Alta de Thraben parecia ver – o chamara para Ravnica.

50
Não fazia sentido, além da causa óbvia: magia. Algum tipo de magia. Magia poderosa
o suficiente para invocar um planinauta. E poderosa o suficiente para despertar a
curiosidade de Dack Fayden.
Bem, é melhor descobrir tudo logo, e quanto mais rápido, melhor. Afinal, os tesouros
de Innistrad não seriam roubados sozinhos.
Dack adaptou um feitiço tátil que ele adquiriu do Amuleto de Tarantual e rapidamente
escalou a parede do beco. Ele se ergueu no telhado do prédio mais próximo para se orientar.
Mas ele ainda não estava alto o suficiente para ver qualquer coisa que pudesse fornecer uma
pista sobre o que estava acontecendo.
Agilmente, ele foi de telhado em telhado, correndo, saltando, subindo quando
necessário. Desta parte ele gostou.
Isso é liberdade.
A única coisa que teria sido melhor era se fosse noite e não de manhã. Uma noite fria
com apenas uma parte da lua. Esse era o momento de um ladrão. Simplesmente estar fora
durante o dia o fazia se sentir exposto. A última coisa que ele precisava era ser capturado
por uma patrulha Boros ou um Encarcerador Azorius. Claro, pela primeira vez ele não
estava carregando nenhum objeto roubado. (Francamente, ele não estava carregando muito
de nada. Não sobrou muito nem mesmo do empréstimo de J'dashe.) Quebrado e desprovido
como estava, ele podia se arriscar lá fora, no sol. Na verdade, quando ele finalmente viu
uma patrulha de Cavaleiros Celestes Boros (e depois outra e outra), Dack Fayden, Ladrão
Mestre, sorriu para elas e acenou.
Ele estava indo para o nordeste, em direção ao centro da cidade, imaginando que se
houvesse algo para ser visto ou alguma informação para ser aprendida, ele encontraria lá.
Ele não estava errado. Minutos depois, Dack saltou um cânion urbano, suas mãos
grudadas ao lado de uma parede de arenito. Estava um pouco escorregadio devido a uma
chuva da madrugada, e seu feitiço tátil não segurou perfeitamente. Mas ele conseguiu subir
até um telhado alto com vista para a Praça do Décimo Distrito.
Desta altura, ele viu imediatamente três coisas que não deveriam estar ali, três coisas
que definitivamente não estavam ali quando ele deixou Ravnica um mês atrás: uma enorme
cidadela em forma de pirâmide, uma coluna ameaçadora com uma estátua de um dragão no
topo… e um maldito buraco para outro mundo!

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DEZ
CHANDRA NALAAR
Chandra não sabia o que havia lhe atingido.
Com um gemido, ela se levantou até ficar de quatro, empurrando-se do chão da
biblioteca de Jace. Um chão que agora estava inclinado em um ângulo de quarenta e cinco
graus. Através de nuvens de poeira e uma leve névoa roxa, ela tentou limpar seu pensamento
e compreender o que havia acontecido. O lugar inteiro estava inclinado. Não, não era o
lugar inteiro. Porque praticamente um terço do lugar simplesmente havia desaparecido. A
menos de meio metro do seu ombro direito, o que era piso, teto, várias prateleiras de livros e
metade de uma longa mesa de madeira para reunião, ao redor da qual as Sentinelas haviam
se reunido, agora não passava de uma abertura de luz violeta.
A Ponte Planar! Está aberta!
Sua ativação eliminou um pedaço do prédio, colapsando e derrubando o que restou da
embaixada em direção ao portal escancarado. Chandra olhou para baixo. Parte de um velho
livro encadernado em couro repousava sobre o chão contra a mão dela, parecendo que um
monstro muito preciso tinha mordido perfeitamente o canto do tomo. Ela tirou sua mão, e o
livro deslizou pelo chão inclinado de madeira, caindo em um vazio índigo.
Se eu estivesse a menos de meio metro à minha direita… ou se Nissa estivesse aqui…
“Chandra! Chandra, você está aí?” era a voz de Jaya, chamando do escritório de Jace,
que momentos atrás Chandra tinha deixado em um acesso de birra, porque Gideon e Jace
não a deixaram ir com seu time.
“Sim,” ela respondeu grosseiramente – e muito baixo para ser ouvida. Ela se levantou,
limpou a garganta e gritou: “Eu estou aqui! Estou bem!”
“Então venha aqui e ajude!”
Ela tropeçou “para cima” em direção à porta, conseguindo agarrar a maçaneta e se
puxar para o final. Ela virou a maçaneta e quando a porta se abriu para ela, ela quase perdeu
o equilíbrio, quase soltou a maçaneta, o que teria resultado nela deslizando para baixo no
chão liso, até a beirada e caindo no… no que, ela não sabia exatamente ao certo.
Mas ela se segurou. Até conseguiu agarrar o batente da porta e se puxar para o outro
cômodo. Ela puxou e trancou a porta atrás de si, assim nada mais poderia cair em qualquer

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tipo de esquecimento que estivesse além de Ravnica, do outro lado do gigantesco portal
circular da Ponte.
O santuário de Jace era ainda mais cheio de poeira do que a biblioteca. Gritando:
“Estou aqui!” ela apertou os olhos e olhou em volta até avistar a chama de Jaya. Ela se
inclinou e cuidadosamente subiu até a velha piromante, que estava usando chamas precisas
para queimar uma viga de carvalho que havia caído e afixado um inconsciente Ajani Juba
D'ouro ao piso de madeira lisa. Ajani estava sangrando de um corte acima do seu olho bom,
mas sua própria magia estava rapidamente curando a ferida com um brilho branco
semitransparente.
“Devo ajudar?” perguntou Chandra.
“Você consegue ajudar,” Jaya respondeu (um pouco irritada, Chandra pensou), “sem
colocar o que resta do lugar em chamas?”
Chandra se eriçou um pouco, mas imediatamente percebeu que não era o momento
para se ofender. Depois de silenciosamente bater nas próprias costas por essa pouca
maturidade, ela perguntou: “Onde está Karn?”
“Aqui,” o golem respondeu através da névoa, enquanto empurrava a grande mesa de
cedro de Jace com uma perna prateada.
De algum lugar, a mente de Jace alcançou com urgência a dela: Chandra? Você está
bem?
Seus pensamentos correram de volta para ele, jorrando em uma alta desordem
psíquica. Estou bem. Estamos bem. E você? Gideon está bem? Lavínia? Teferi? Jace, foi a
Ponte Planar que Tezzeret roubou. Ela se abriu dentro da sua biblioteca. Ou dentro do
edifício. Ou através do edifício. Eu só consegui ver uma parte da sua abertura, mas o portal
deve ser enorme. Maior que a embaixada. Poderia facilmente ter nos engolido. Temos sorte
de—
Chandra, devagar. Limpe seus pensamentos. Eu preciso que você se concentre. Eu não
quero deixar esse vínculo psíquico aberto por muito tempo ou deixar que ele crie muito
barulho telepático. Nós estamos bem. Nós estávamos no meio da praça quando a Ponte se
abriu. Mas é um verdadeiro desastre. Tem pessoas morrendo aqui. Você precisa de ajuda?
Vocês quatro conseguem sair por conta própria?
Acho que sim. Quer dizer, não, nós não precisamos de ajuda e, sim, nós conseguimos.
Então vou desligar o vínculo por enquanto. Eu não quero alertar Bolas da nossa
presença. Ele sabe que estamos chegando, mas ele não sabe necessariamente que estamos

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aqui. Ainda não. E em todo caso, eu não quero que ele consiga identificar nossas
localizações. Tome cuidado.
O vínculo sumiu. A mente de Jace foi silenciada dentro dela. Normalmente, ela não
gostava das suas intrusões mentais – quaisquer intrusões mentais – mas agora, a perda de
sua “voz” parecia uma ausência, um vazio. Ela imediatamente sentiu falta dele. E Chandra
se perguntou se as precauções dele não eram inúteis. Ela achava difícil acreditar que a Ponte
Planar tinha se aberto ali aleatoriamente. Até agora ela conhecia o suficiente de Bolas para
sabe que tudo o que ele havia feito, foi feito com algum propósito. Ou dois propósitos. Ou
doze.
Ainda assim, Jace está certo. Nós não precisamos anunciar. Se houver alguma chance
de o dragão não souber onde estamos, precisamos explorar todo o seu valor. Nós vamos
derrotá-lo. Nós ainda vamos derrotar Bolas.

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ONZE
NICOL BOLAS
Se essas formigas não fossem tão ultrajantes, eu até as acharia divertidas. Será que
Nalaar, Beleren e o resto dos seus amiguinhos realmente acreditam que eles podem se
esconder de Nicol Bolas?
Não, o dragão havia sentido cada chegada no momento em que cada um deles chegou
em Ravnica. Como eles podiam não imaginar que Bolas estava rastreando cada movimento
que as “poderosas Sentinelas” faziam? Sério, esses pretensos heróis eram ainda mais
ingênuos do que ele havia pensado.
Beleren, Jura, Teferi e a mulher Azorius, Lavínia, estavam todos na praça abaixo dele,
sob a impressão absurda de que um pequeno feitiço de invisibilidade poderia escondê-los da
mente de um Dragão Ancestral. Até seu irmão fraco, Ugin, teria notado a presença deles. E
eles pensam que Bolas poderia ser enganado?
E seus aliados? Juba D'ouro, Nalaar, Ballard e Karn estavam dentro da embaixada.
Foi, Bolas tinha que admitir, um pequeno milagre que todos eles sobreviveram à abertura do
portal da Ponte. Mas esse seria o último milagre que qualquer um deles veria hoje.
Vess, claro, estava em posição. Pronta para seguir o comando do seu mestre, a fim de
salvar sua própria pele misticamente tatuada. Outro lacaio, Baan, guardava o Sol Imortal.
Bolas deixou sua mente se ampliar. Que outros planinautas estavam em Ravnica?
Havia um menino que ele não reconheceu, recém-despertado, com o cheiro de Gobakhan
sobre ele. Ele estava por perto, assim como o ladrão Fayden. Os ex-lacaios do dragão, Kaya
e Zarek, estavam a caminho, depois de tentativas separadas de consolidar seu poder dentro
de suas duas guildas, que cada um agora liderava por ausência. (Nenhum dos dois teria
conseguido esse tremendo sucesso, e ambos devem suas ascensões a Bolas. Quando eles
abandonaram seu serviço, o dragão, por sua vez, os abandonou. E sem o seu apoio, eles
tinham pouca esperança de firmar até uma torta de carne, muito menos uma guilda.) Da
mesma forma, o “Mestre de Guilda” Rade estava sentado perto de uma fogueira na cratera
Gruul tentando controlar sua própria e fraca base de poder. Bolas ainda poderia ajudá-lo se
ele quisesse, e considerou isto por um momento. Ele também tinha arranjado para a
ascensão de Rade. Mas não havia sentido. Bolas não tinha utilidade para Rade por agora.
Havia uma utilidade.

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No outro extremo da cidade, Tamiyo e Kiora haviam chegado minutos atrás e agora
estavam procurando se juntar a Juba D'ouro. Narset e Samut vieram separadamente em
resposta ao Farol.
E neste exato segundo, outro planinauta havia chegado em território Rakdos.
Quem? Ah sim. Ob Nixilis. Ele, pelo menos, é levemente interessante. Bem, talvez
interessante não seja a palavra certa? Um pouco menos maçante, talvez?
E mais estavam chegando. Mais chegariam. Bolas sabia todos os seus nomes; ele
conhecia todas as suas habilidades. Seus pontos fortes e fracos. As rachaduras em todas as
suas armaduras. Bolas fez questão de saber.
Antes do final do dia, algumas centenas de planinautas atenderiam ao chamado do
Farol de Niv-Mizzet. A invenção tinha sido aquele infantil plano de segurança do dragão. Se
tudo o mais falhasse, Zarek ativaria o Farol, que convocaria os planinautas, que chegariam
para salvar o dia. Como tudo o mais falhou, já que Bolas reduziu Mizzet a uma pilha de
ossos, o Farol foi de fato ativado. E nem um único ser-consciente-com-uma-desculpa-
patética notou que o próprio Bolas havia plantado a ideia do Farol no que se passou como
sendo da “Mente de Fogo” de Niv-Mizzet.
Bolas não pôde deixar de sorrir.
Os planinautas estão chegando – oh, talvez nem todos eles, mas o suficiente, o
suficiente.
Eles seguiriam o Farol e ficariam presos em Ravnica pelo Sol Imortal, deixando-os à
mercê das maquinações do dragão. Seus planos prosseguiam como um relógio. Tezzeret
estava em Amonkhet e já havia ativado o primeiro toque do relógio daquele dia do juízo
final, abrindo a ponte.
Bolas percebeu que estava sendo soberbo e se perguntou por um momento se tal
emoção estava abaixo dele. Mas foi difícil se empenhar em qualquer autocensura real. Até
agora, seus inimigos não conseguiram gerar literalmente nenhuma surpresa para o Dragão
Ancestral. Nenhuma. A única coisa que se aproximava de surpresa era o quão pouca as
Sentinelas estavam preparadas para este dia. Depois do modo como ele as brutalizara em
Amonkhet, ele supôs que elas tivessem algum tipo de plano para enfrentá-lo agora.
Alguma coisa! Certamente seria patética e desesperançosa, mas, pelo menos, teria
sido uma estratégia.
Mas formigas não criam estratégias. Elas simplesmente seguem seus instintos,
repetindo infinitamente as mesmas ações, seguindo o mesmo curso, e de novo, e de novo,
não importando os resultados.

56
Ah, sim, desta vez as formigas podem marchar alguns metros para a esquerda em vez
de irem para a direita. Mas ainda assim elas marcham, mesmo que seja em direção à
desgraça certeira.
Elas simplesmente nunca aprendem.
Bolas estava realmente um pouco embaraçado por eles.
A única planinauta ravnicana que Bolas não conseguiu localizar naquele momento foi
Vraska. Sua mente vasculhou a cidade-mundo, deixando-o confiante de que ela não estava
mais no Plano. Ela deve ter fugido para outro. Não foi uma surpresa, mas foi um pequeno
desapontamento. Ele queria muito castigá-la por seus momentos de rebelião. Mas ele a
encontraria eventualmente. Ele eventualmente se encontraria com cada planinauta do
Multiverso, tendo vindo para Ravnica hoje ou não.
Afinal de contas, havia tempo. Ele era imortal. Antigamente, ele havia sido até um
deus. E breve – muito em breve – Nicol Bolas seria um deus novamente…

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DOZE
JACE BELEREN
Agora já chega.
Jace era, afinal, o Pacto das Guildas Vivo. Não é como se ele houvesse desejado
aquele poder. Na verdade, ele geralmente se ressentia das responsabilidades que advieram
daquilo. Havia uma antiga esfinge, um quebra-cabeças, um labirinto, uma oficial de justiça e
um presente que geralmente parecia mais ser uma maldição. Era tudo tão complicado, mas
ainda havia outra coisa: as magias que conectavam Ravnica através das suas dez guildas e as
linhas de força que corriam debaixo da cidade encontravam seu locus primário na pessoa de
Jace Beleren.
O músculo mágico que veio ao se tornar o Pacto das Guildas Vivo era, de fato,
poderoso. O que Jace declarava como lei se tornava instantaneamente real. Ele tinha que ser
cuidadoso – ou, pelo menos, seletivo. Ele não podia abusar do processo. Como um juiz, ele
tinha que interpretar o atual Pacto das Guildas escrito ao fazer seus pronunciamentos. Ele
não podia simplesmente desejar que algo acontecesse – ou deixasse de acontecer, no caso.
Ele havia testado aquilo algumas vezes em temas insignificantes. Ele havia desejado uma
fatia de bolo de vidro trdeljic e coisas do tipo. Nenhum bolo apareceu, é claro, porque não
havia nada na lei que dizia que um indivíduo tinha direito a uma sobremesa grátis
simplesmente porque ele, ela ou eles estavam com vontade. Mas em assuntos bem mais
importantes, Jace ostentara uma autoridade mística tremenda, seguindo os escritos ou o
espírito da lei, ou ambos.
E é por isso que ele hesitou até esse ponto. Se estivesse dentro seu alcance, ele
alegremente teria banido Nicol Bolas deste Plano. Ou desejado vê-lo morto. Mas não havia
nada no Pacto das Guildas que determinava o aparecimento do dragão em Ravnica como
algo ilegal. Até mesmo a criação da pirâmide e a estátua eram ofensas discutíveis, já que a
Praça do Décimo Distrito era território neutro. Se Jace tivesse tentado mandá-las
desaparecer ou as usado como uma desculpa para atacar Bolas, poderia ter funcionado. Mas
dado o considerável poder de Bolas, poderia ter falhado. E Jace teria mostrado sua força – e
os limites dela.
Quando os quatro deixaram a embaixada, o plano era suficientemente simples. Usar os
poderes mentais de ilusionismo de Jace e os de controle temporal de Teferi para chegar
perto o suficiente de Bolas para que Jace pudesse emitir um mandado de prisão mágico
sobre acusações simples como perturbação do sossego. Jace iria “interpretar” essa garantia

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com um feitiço temporário de paralisia, e então Gideon usaria a Lâmina Negra para matar o
dragão. Sob a lei, Gideon teria que ser punido por este crime. Mas Jace poderia usar uma
cláusula de perdão do Pacto das Guildas para minimizar a punição para quase nada. Serviço
comunitário. Catar lixo, talvez. Gideon poderia até gostar daquilo.
Mas a Ponte Planar mudou tudo. O portal havia matado pessoas e demolido a
Embaixada do Pacto das Guildas. Qualquer tentativa de interferir com o Pacto das Guildas
era punível de várias maneiras – incluindo a morte – e qualquer ameaça comprovadamente
devastadora para Ravnica estava claramente dentro do alcance legal de Jace Beleren. Agora
ele tinha certeza de que ele poderia usar o poder do Pacto das Guildas. Fechar aquela Ponte
e acabar com a ameaça que Bolas apresentava de uma vez por todas.
Jace, Gideon, Teferi e Lavínia ainda eram invisíveis para todos os outros olhos.
Gideon tinha começado a voltar para a embaixada, mas Jace segurou seu ombro e o
alcançou com a mente. Eles estão bem, Jace sussurrou telepaticamente sob o vínculo. Eu
chequei. Estão todos vivos, ilesos e saindo de lá.
Isso é bom. Mas há espectadores lá, sofrendo e ainda em perigo. Precisamos ajudá-
los, afirmou Gideon.
E nós vamos. Mas me dê dois minutos para agir como o Pacto das Guildas Vivo, e eu
posso parar tudo isso. Assim que o dragão estiver morto e o portal fechado, “ajudá-los”
será consideravelmente mais fácil.
Jace podia ver que Gideon ainda estava se mordendo para não pular em ação, mas
mesmo o Sr. Grande-Heroizão poderia enxergar a prudência do que Jace estava dizendo.
Dois minutos, Gideon pensou para ele.
Ou menos.
Jace trocou olhares com Lavínia e Teferi. Lavínia assentiu uma vez. Poderia não
parecer muito para ninguém, mas Jace sabia que para ela, era o equivalente a um discurso
inflamante, e isso o encorajou. Sinceramente, Lavínia sempre acreditara (grosseiramente) no
potencial de Jace como o Pacto das Guildas Vivo mais do que o próprio Jace.
Teferi deu de ombros e desejou, Boa sorte.
Jace se enrijeceu, reunindo a magia de Ravnica. Sentiu algo diferente. Algo parecia
desconectado. Alguma coisa parecia errada. Ou talvez fosse apenas sua própria insegurança,
suas próprias dúvidas. Agora não era hora disso. Com um último toque na mente de Lavínia
e sua firme determinação, Jace Beleren convocou todo o poder do Pacto das Guildas Vivo.

59
“O dragão Nicol Bolas assassinou cidadãos ravnicanos e interferiu com o Pacto das
Guildas ao destruir sua embaixada. Como Pacto das Guildas Vivo, este é o meu decreto:
Feche aquele portal. Execute Bolas.”
Nada aconteceu.
“FECHE AQUELE PORTAL.”
Nada.
“EXECUTE O DRAGÃO NICOL BOLAS.”
Nada.
Jace procurou pelo poder do Pacto das Guildas. Ele procurou profundamente em si
mesmo. Ele procurou por toda Ravnica.
Nada. Nada.
O que há de errado? Gideon perguntou com um toque de impaciência que fez Jace
querer dar um soco nele.
Eu não sei.
Mas Jace pensou que talvez ele soubesse. Ele percebeu que talvez tivesse passado os
últimos minutos falando para si mesmo para acreditar em algo que já sabia que não
funcionaria.
Eu o perdi. Eu perdi o poder.
Jace—
Droga, Gideon, eu não sou mais o Pacto das Guildas Vivo!
Como?
Lavínia pensou: A aliança entre as dez guildas sempre fora tênue, na melhor das
hipóteses. Quando Vraska matou Ispéria e fomos todos traídos, o resultado foi catastrófico.
As lealdades entre as guildas foram totalmente destruídas. Talvez o próprio Pacto das
Guildas tenha se extinguido.
Então reacenda a maldita coisa! ordenou Gideon.
Se fosse assim tão simples, Jace pensou consigo mesmo.
E então, sombriamente, usando o vínculo de comunicação: não é sobre as guildas.
Elas nunca confiaram umas nas outras, o que era o objetivo do Pacto. Não, são as linhas
de força. As linhas de força de Ravnica convergiam para a Embaixada do Pacto das
Guildas. É por isso que ela foi construída ali. E é por isso que Bolas fez a Ponte Planar se
abrir ali. De modo que as linhas de força fossem interrompidas. E foi isso que aconteceu. O

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Pacto das Guildas e a magia que ele comandava foram dissolvidos. Talvez
permanentemente.
E a sua coisa de minha-palavra-é-lei?
Foi-se. Acabou. Sumiu. Mais uma arma perdida no nosso arsenal…
Em algum lugar em sua mente, Jace Beleren podia ouvir o dragão rir.

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TREZE
GIDEON JURA
Gideon rosnou e partiu, correndo em direção ao portal para salvar quem pudesse do
desastre.
Teferi gritou sobre o vínculo telepático de Jace: Pelos Nove Infernos, Gideon, espere!
Eu não sou mais tão jovem e não consigo te acompanhar!
“Temos que salvar essas pessoas!” Gideon gritou, sobre seu ombro.
Jace o recordou: Você pode ficar quieto? Estamos tentando manter essa espada
escondida de Bolas!
Lavínia foi a única rápida o suficiente para agarrar o braço de Gideon. Ele virou-se
sobre ela, com os olhos molhados.
Nós temos que ajudá-los. Cada segundo conta.
Ela agarrou o rosto dele entre as duas mãos e sussurrou só para ele: “Eu sei. Este é o
meu mundo. Estas são as minhas pessoas. Mas você deve ficar escondido. A Lâmina Negra
é nossa última esperança.”
Ele assentiu e enxugou os olhos.
Jace pensou, Obviamente, nós não vamos atrás de Bolas agora. Estou lançando o
feitiço da invisibilidade sobre nós para que eu possa concentrar minhas energias em
esconder a Lâmina Negra e seu poder.
Todos começaram a se voltar para a Ponte Planar.
E foi aí que Gideon a viu. Ela estava pisando cautelosamente sobre alguns destroços.
Ela chegou ao topo de uma balaustrada caída, endireitou-se e parou.
Liliana Vess.
Ela chegou a Ravnica afinal.
Gideon sorriu. Ele se virou para encarar Jace.
Eu te disse! Eu te disse que ela viria!
Jace não respondeu. Ele simplesmente olhou na direção de Liliana.
Gideon disse a ele, Vincule-a. Precisamos atualizá-la.

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Jace ainda não respondeu. Gideon percebeu que ele não estava olhando para Liliana.
Jace estava olhando para o portal atrás dela.
Gideon se virou.
Algo estava emergindo do portal.
Um exército. Um exército marchava através da Ponte Planar.
Mas isso não é possível, pensou Gideon. Nada orgânico pode viajar pelo portal.
E então instantaneamente ele entendeu. Este não era um exército de seres orgânicos.
Não eram mais. Eles eram Eternos, do devastado Plano de Amonkhet. O Plano que Nicol
Bolas praticamente destruíra.
Em Amonkhet, as Sentinelas descobriram outro dos planos de longo prazo de Bolas.
Durante décadas, as pessoas do povo de Amonkhet haviam treinado para serem guerreiras.
Então, quando os melhores dos melhores treinavam à perfeição, eles eram mortos e
mumificados, embalsamados em camadas do mineral azul lazotep, até ficarem totalmente
revestidos, totalmente blindados. Pouco sobre eles permanecia orgânico. Então, eles foram
ressuscitados, com todas as suas habilidades e força – e absolutamente nenhuma vontade
própria. Agora eles serviam apenas a Bolas.
Gideon os viu em ação em Amonkhet. Eles haviam assassinado todos em seu caminho.
Irmãos mataram irmãos. Pais mataram filhos. Amantes mataram aqueles que mais amavam.
Este era o destino que Bolas tinha reservado para Ravnica. Esta Horda Medonha era a
força de invasão de Bolas. E, mais uma vez, as Sentinelas não conseguiram pará-la.
A não ser que…
Gideon voltou-se para Liliana. Ela era a necromante mais poderosa que Gideon já
tinha visto.
Se ela pudesse tomar o controle dos Eternos…
Ele viu que ela usava o Véu Metálico, suas correntes de ouro polido brilhavam no sol.
Gideon mordeu o lábio. O Véu aumentava o poder de Liliana, mas esse poder chegava
muito perto de matá-la. E ele nem sempre tinha certeza do quanto ela controlava esse poder
– ou era controlada por ele.
Ainda assim, se algum cenário exigisse aquele risco…
O Véu cobria a maior parte do rosto dela. Mas mesmo a essa distância, ele podia ver –
e sentir ainda mais – sua energia mística fluir através dela e sobre ela. As gravuras em sua
pele exposta – testa, peito e dedos – começaram a emitir um brilho roxo. Seus olhos

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começaram a brilhar roxo atrás do Véu. Ele podia ver o poder ondulando dela. Ele podia
ouvir Liliana Vess gritar.
Ela está fazendo…
Ele se virou para os Eternos. Os olhos deles também estavam roxos. Ao mesmo tempo,
a marchante Horda Medonha parou e se virou para olhar sua senhora.
Ela tomou o controle deles. Ela vai usá-los como uma arma contra o Dragão…
Mas então, com um claro movimento de seu braço, os Eternos voltaram a marchar em
direção aos cidadãos de Ravnica, que ainda se recuperavam da destruição provocada pelo
portal e olhavam enquanto a Horda Medonha se aproximava. Gideon queria acreditar que
Liliana estava usando os mortos-vivos para ajudar os vivos. Ele queria acreditar nisso
desesperadamente. Ainda assim, ele começou a correr novamente.
Por favor, por favor…
O Eterno na frente chegou a uma jovem mulher humana, que estava tentando libertar
seu marido, namorado ou irmão que estava caído sob uma pedra. Ela olhou para o Eterno
que se aproximava. Paralisada com horror, ela não moveu um músculo quando o Eterno deu
um passo à frente e torceu seu pescoço. Gideon ainda estava um pouco distante, mas ele
ouviu o crack, o sentiu em seu próprio corpo.
Não…
Todos correram em direção à carnificina crescente, Jace, Lavínia e Teferi logo atrás de
Gideon. Desolado, ele olhou por cima dos ombros para seus rostos sombrios. O vínculo
estava em silêncio. Gideon esperava por um Eu te avisei de Jace, que vinha dizendo há
semanas que Liliana não era confiável, que ela estava usando as Sentinelas para matar seus
próprios demônios, para se libertar do contrato que a prendia. Eles fizeram isso. Gideon e
Liliana juntos usaram a Lâmina Negra para matar o último desses demônios. Ele vira
pessoalmente que ela ganhara sua liberdade. Haviam se atrasado para chegar a Ravnica por
isso. Ele acreditou que a liberdade lhe daria o poder de ajudá-los a derrotar Bolas. Ele
acreditou quando ela disse que queria usar esse poder para ajudá-los a derrotar Bolas. Em
vez disso, agora ela o usava para servir ao dragão.
Liderando seu exército para tomar este Plano…
Jace não ofereceu nenhum Eu te avisei. Mas não foi necessário. Gideon acreditara em
Liliana, e ela estava perdida para eles. Ela os traíra.
Então, agora Liliana Vess teria que morrer…

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QUATORZE
LILIANA VESS
Ela estava em Amonkhet na primeira vez que os Eternos foram libertados. Mesmo
assim, Liliana Vess não fazia ideia de que eram tantos. Eles continuaram a emergir do
portal, músculos substituídos por lazotep, brilhando azul metálico na luz da manhã.
Falanges de humanos e minotauros eternizados marchavam para o Plano de Ravnica;
esquadrões de avianos, anjos, demônios, dragonetes e até dragões eternizados voavam
acima das tropas terrestres. Não importava a espécie, cada Eterno era um mestre guerreiro
de Amonkhet, criado e treinado para a batalha, o melhor dos melhores, agora desprovido de
qualquer coisa parecida com vontade própria. Todos foram adornados com uma cártula de
lazotep, que brilhava suavemente em azul conforme emergiam da Ponte Planar, e mudava
para roxo quando caíam sob o feitiço de Liliana.
Meu feitiço…
Ela disse a si mesma que não tivera escolha. Muito tempo atrás, ela fora uma
planinauta quando esse termo ainda significava alguma coisa. Naquela época, quando a
centelha que concedia o poder de atravessar mundos não era entregue a cada Bifão que
conseguisse empunhar uma espada ou criança que pudesse invocar um pouco de fogo.
Naquela época, os planinautas eram imortais. Naquela época, os planinautas eram deuses.
E Liliana Vess era uma – deusa!
Então veio a maldita Emenda. O Multiverso mudou e os planinautas se tornaram
mortais novamente. Instantaneamente ela sentiu os séculos pesarem sobre si. Ela
envelheceria e morreria. A maior parte do seu grande poder já havia se perdido; o resto iria
flutuar sobre suas cinzas ou seria mastigado pelos vermes e larvas que se alimentariam do
seu cadáver.
Agora, ela imaginava o que teria acontecido se simplesmente tivesse aceitado aquele
destino. Mas mesmo neste momento, sua mente rejeitava aquele caminho. E, de qualquer
jeito, já era tarde demais, era inútil especular sobre tais coisas. Aceitar o destino nunca foi
seu jeito.
Desesperada para recuperar seu poder, sua juventude, sua imortalidade, ela havia se
voltado a alguém que entendia o que ela havia perdido. Ela se voltou a Nicol Bolas, outro
planinauta, outro antigo deus do Multiverso. E o dragão havia sobrevivido – ou, pelo menos,
parecia. Ele negociou um acordo para ela, um pacto, um contrato, entre Liliana Vess e

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quatro demônios – Kothophed, Griselbrand, Razaketh e Belzenlok. Ela se tornou serva deles
e, em troca, Liliana voltou a ser Liliana. Jovem, bonita em seu jeito sombrio. E poderosa.
E a melhor parte é que ela havia enganado todos eles. Os demônios a deixaram muito
poderosa. Um por um, ela matou todos eles. Ou manipulou as Sentinelas para matá-los em
seu lugar. Depois que Gideon a ajudou a matar Belzenlok com a Lâmina Negra, ela
sinceramente pensou que estava livre. Ela estava pronta para se juntar a eles no encontro em
Kaladesh. Para a batalha em Ravnica contra Bolas. Liliana sabia que ela era um tipo de
monstro, mas Bolas era outro tipo completamente diferente. Ele teria que morrer.
Ela ainda achava que sim. Mas tudo mudara em Dominária. Ali ele a informou sobre
uma verdade bastante infeliz. Bolas havia negociado o acordo com os demônios. E, com
todos os quatro mortos, o contrato dela havia se voltado para ele. Ela era sua serva agora,
como ele sempre planejara que seria. E enquanto os demônios eram arrogantes e tolos o
suficiente para permitir-lhe autonomia para causar suas mortes, Bolas era arrogante, mas
não era tolo. Seu controle era rígido. Se ela o desafiasse, morreria. Era simples – e horrível –
assim.
Mas…
Mas se ela jogasse o jogo por agora, sempre haveria uma chance – a chance – em que
ela poderia virar a mesa, matar Bolas e se libertar para sempre!
Ela queria tanto acreditar nisso. Acreditar em si mesma tanto assim. Como ela tinha
acreditado algumas horas atrás.
No entanto, mesmo quando tentava racionalizar suas ações, no fundo ela sabia que o
que estava fazendo era apenas aquilo: racionalizando.
Ao seu comando – e de acordo com o plano do dragão – os Eternos atacaram os
cidadãos. Espadas foram desembainhadas; machados foram levantados. Eles se inclinaram,
cortando através do ar da manhã. Eles se levantaram com as lâminas ensanguentadas.
Ela havia questionado desesperadamente a necessidade daquilo. Foi tão longe a ponto
de perguntar ao dragão por que ele mataria “seus futuros escravos”.
Mas Bolas insistiu que a carnificina era necessária: suas pequenas Sentinelas precisam
ser atraídas para pararem as mortes. Então, deve haver mortes. E muitas delas. Todos os
planinautas devem acreditar que estão impedindo uma invasão – assim, eles não estarão
preparados para o que virá depois.
“Eu não vou fazer isso,” ela havia dito.
Então você morrerá de forma horrível, ele simplesmente respondeu.

66
Gritos ecoaram pela praça. Era um massacre. Diante dela, ao redor dela, inocentes
estavam tendo mortes horríveis. Ela estava escolhendo sua própria vida sobre a de todos os
outros. Escolhendo um preceito sobre todos os outros. Jace estava certo sobre ela.
Todos podem morrer… enquanto Liliana Vess estiver viva.

67
QUINZE
KAYA
Kaya e Ral já estavam indo em direção à embaixada quando ouviram o estrondo
sônico à frente deles. Eles trocaram rápidos olhares ansiosos e, em seguida, começaram a
correr.
Imediatamente, Kaya se sentiu ofegante. Ofegante e irritada.
Estou em boa forma para isso. Eu não deveria—
Então ela percebeu. Isso não tinha nada a ver com o seu condicionamento físico. Se ela
estava cansada, fraca, sem fôlego, era por causa do peso mágico que estava carregando.
Kaya não era apenas uma planinauta. Ela também era uma assassina fantasma
altamente treinada. Isso não era uma metáfora. Ela matava fantasmas para viver. Enviava
aqueles espíritos que se recusavam a deixar o(s) Plano(s) mortal(is) para o seu descanso
final. Ou era algo que ela tinha feito até muito recentemente, quando ingenuamente aceitou
um contrato com Bolas para matar o Obzedat inteiro, o Conselho Fantasma do Sindicato
Orzhov. Ela fora muito bem sucedida, mas, a cada espírito patriarca e matriarca despachado,
seus respectivos contratos místicos recaíam sobre sua alma. E o Obzedat fizera milhares de
contratos místicos. Eles eram cobradores de dívidas, verdadeiros tubarões dos empréstimos,
que não deixariam uma coisinha simples como a falta de pulsação impedi-los de receber
seus percentuais.
Derrubar Karlov, o último e dessaudoso presidente do Obzedat, selou o fato. Uma
tecnicalidade – uma com a qual o dragão contava – tornou Kaya a mestre de guilda Orzhov,
e colocou outra tonelada de dívidas contratuais sobre os ombros de sua alma. Isso afetava
tudo o que ela fazia agora, e ela estava constantemente lutando contra a exaustão. Bolas
tinha se oferecido para arranjar sua libertação, mas o preço – ser fantoche dele – também era
muito alto a se pagar. Ela optou por viver com a responsabilidade, pelo menos inicialmente.
Nos últimos dias, ela perdoara, por pena, as dívidas das pobres famílias
escandalosamente sobrecarregadas por gerações pelo que havia começado como o menor
dos empréstimos. Isso aliviou um pouco o seu fardo – mas criou dificuldades dentro da
guilda que ela agora liderava. O Sindicato, sendo amena, eram bastardos gananciosos. Eles
não aprovaram as inclinações caridosas de Kaya, e Kaya estava muito ciente da rebelião que
estava no ar. A maior fonte disso era a neta viva de Karlov, Teysa. Teysa e Kaya foram
aliadas por um tempo, mas claramente esse tempo já havia passado.

68
O namorado de Ral, Tomik Vrona, foi de alguma forma útil em guiá-la pelo labirinto
que era os Orzhov, mas Tomik era assistente de Teysa e havia passado os últimos anos
secretamente tentando ajudar Teysa a derrubar o Obzedat e se tornar a mestre de guilda.
Kaya gostava de Tomik, mas ela seria uma tola se confiasse completamente nele.
Ainda assim, todos eles tinham um inimigo comum em Bolas, que havia traído Kaya,
Teysa, Ral e quase todo mundo neste maldito Plano. Então, nesse momento em particular,
Kaya percebeu que sua guilda atacando-a pelas costas era a menor das suas preocupações.
Ela estava certa.
Ela e Ral dobraram uma esquina e entraram na praça a tempo de testemunhar o início
do massacre. Criaturas mortas-vivas cobertas de algum tipo de mineral azul eram despejadas
de um portal gigante e matavam implacavelmente todos em que pudessem colocar as mãos.
Ral não hesitou. Ele acionou o Acumulador em suas costas e imediatamente começou
a explodir o exército dos mortos-vivos com relâmpagos, muitas vezes derrubando dois ou
três de cada vez. Ele caminhou para a frente, um olhar de fúria em seu rosto, seu cabelo em
pé, suas mãos brancas pelo calor da eletricidade, e os guerreiros azuis explodiram diante
dele.
Kaya hesitou. Outra onda de exaustão a atingiu, mas ela viu uma mãe ruiva encolhida
sobre uma criança ruiva e percebeu que a exaustão teria que esperar. Ela pegou os dois
longos punhais que usava em seus quadris e se lançou para o assassino morto-vivo que
erguia a espada sobre a cabeça da jovem. As adagas de Kaya, brilhando púrpura com sua
magia, afundaram profundamente nas costas da criatura. Os poderes e armas de Kaya eram
especificamente projetados para acabar com os espíritos, fantasmas, zumbis, e seja lá o que
diabos fosse esse cadáver ambulante coberto por mineral. Ele caiu em um amontoado na
frente da mãe, que puxou o filho para mais perto do peito e olhou para Kaya, mais assustada
do que grata.
Kaya disse: “Corra”.
A mulher piscou duas vezes. Então saiu da paralisia induzida pelo medo que havia lhe
prendido aos paralelepípedos e correu em direção ao prédio mais próximo com a criança nos
braços. Kaya mal teve tempo de vê-los entrar quando mais dois monstros correram para ela.
O mais próximo e maior girou um machado. Como se ela mesma fosse fantasma, Kaya
ativou seu maior dom místico, a capacidade de se tornar incorpórea, e o machado passou
inofensivamente através dela. Isso pareceu confundir o atacante, e Kaya aproveitou a pausa
para se rematerializar e cortar a garganta da segunda criatura que se aproximava. A luz
púrpura clara de seus punhais pareceu brigar brevemente com a luz púrpura-escura que

69
irradiava dos olhos e da cártula do guerreiro. Mas, como um veneno, os poderes de Kaya
penetraram no cadáver, infectando-o. Ele caiu.
Ela se virou para o portador do machado, que a atacou novamente. Novamente ela
ficou intangível e novamente o machado passou por ela, deixando o oponente aberto para
tomar os dois punhais no abdômen. Ele não caiu de primeira. Sólida mais uma vez, ela
arrastou as lâminas para cima e o eviscerou. Suas adagas eram afiadas, mas foi preciso mais
esforço do que geralmente era necessário para despachar um fantasma. E ela ainda sentia os
contratos Orzhov pesando em seus braços, sobrecarregando-os. Ela já estava respirando com
dificuldade.
E mais daquelas coisas estavam surgindo do portal a cada segundo.
Ela viu Ral à frente, em cima de um banco de parque, defendendo mais três crianças,
uma delas abraçava uma bola de borracha com o mesmo cuidado que a mãe havia tido com
seu filho. Ral estava ferindo os guerreiros metálicos, um atrás do outro. Mas Kaya podia ver
que cada relâmpago que se sucedia era um pouco menos intenso do que o antecessor. O
Acumulador de Ral acabaria ficando sem combustível.
Eles logo seriam esmagados.
Kaya correu para se juntar a Ral, golpeando algumas criaturas no caminho. Ela
derrubou uma. Deu uma cambalhota em cima de outra para empalar uma terceira. Deu uma
rasteira para derrubar a segunda. Enfiou os punhais em seu peito.
Ela finalmente chegou ao lado de Ral espectrificando-se através de outra criatura,
atacando-a no caminho.
“Está acabando?” ela perguntou.
“Estou tentando convocar uma tempestade, mas está um pouco difícil me concentrar
agora.”
“Eu vou tentar conseguir algum tempo.”
Então, mais uma vez, ela se virou para os espectadores e gritou: “Corram!” As três
crianças instantaneamente obedeceram, indo em direção ao mesmo porto seguro em que a
mãe havia desaparecido.
Kaya só teve tempo para pensar, eu me pergunto quanto tempo aquele refúgio em
particular permanecerá seguro.
Então outro estava sobre ela. Mais uma vez seu corpo perdeu toda a substância. O
guerreiro tropeçou através dela. Ele se virou. Ela se virou. Ela se solidificou e cravou os

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punhais profundamente em seus olhos, no que talvez tivesse sobrado do seu cérebro. Ele
caiu como uma marionete com as cordas cortadas.
Ela o observou por um segundo a mais. Um minotauro mineralizado bateu nela e a
lançou sobre um amontoado de pedras. Ela gemeu e lutou para se levantar. Suas costelas
doíam e ela tropeçou enquanto tentava ficar de pé; os contratos Orzhov pareciam puxá-la de
volta para as pedras. O minotauro avançou e Kaya lutou para sacudir o peso de suas
obrigações místicas, mas ainda se sentia aturdida, visão embaçada. Ela não tinha certeza
nem se poderia se tornar incorpórea.
De repente, uma garota passou correndo, desviando do caminho do minotauro. A
criatura a ignorou e continuou em direção à Kaya com a clara intenção de acabar com a
planinauta.
E, tão de repente quanto, um jovem – quase um homem, um menino na verdade –
parou sobre Kaya, erguendo um escudo triangular de luz para protegê-los da criatura. A
maça esmagou o triângulo, que reluziu brilhantemente, mas manteve sua forma. O garoto
fez uma careta, mas manteve sua base, cantando baixinho. Kaya piscou duas vezes, como a
mãe, e se percebeu encarando um círculo perfeito de luz que o menino usava como uma
espécie de brinco no lóbulo da orelha direita.
O minotauro se levantou para balançar sua maça novamente. A menina, usando duas
pequenas adagas, pulou nas costas da criatura e enfiou as lâminas no pescoço da fera. Ele
rugiu, sacudiu e a lançou para longe. Ela foi voando, ainda segurando suas adagas. Então,
um raio de eletricidade branco-azulado inflamou a criatura, que explodiu em pedaços
flamejantes de azul derretido.
Quando Ral se aproximou, o garoto soltou o ar e desfez seu escudo. O pequeno círculo
de luz em sua orelha também desapareceu e seus ombros caíram. Ele ajudou Kaya a ficar de
pé. Sua cabeça estava começando a clarear e ela estava olhando em volta procurando pela
garota. Ral puxou um par de óculos sobre o olhos. Ele olhou para o menino e declarou:
“Você é um planinauta.”
“Eu sou o quê?” perguntou o menino.
“Como você sabe que ele é um planinauta?” Kaya perguntou a Ral. Mas antes que ele
pudesse responder, ela finalmente avistou a garota. Ela estava circulando entre os
guerreiros, que pareciam ignorá-la até que ela os atacava. Ela cortou os isquiotibiais de um
deles, e, quando ele caiu de joelhos, o apunhalou nos olhos. Então ela correu para se juntar a
Kaya, Ral e o garoto, desviando de outro monstro no caminho.
Impressionada, Kaya ironicamente perguntou: “Essas coisas não parecem muito
interessadas em você. Qual é o seu segredo?”

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A garota olhou para Kaya por um instante.
Ral preencheu o silêncio dizendo: “Eles estão interessados o suficiente.”
Ignorando-o, Kaya dirigiu-se à menina novamente: “Você está bem?”
“Ah, sim,” ela respondeu. “Eu apenas nunca esperei que a poderosa Mestre de Guilda
Orzhov me notasse.” Então ela murmurou sob a própria respiração, “Uau, dois em um dia.
Isso é quase mais estranho do que o grande buraco no mundo.”

72
DEZESSEIS
RAL ZAREK
Os óculos de Ral Zarek, baseados em um design fornecido por Niv-Mizzet, podiam
identificar os planinautas convocados pelo Farol. Bem, quaisquer planinautas, na verdade,
embora o Farol fosse a chave para a identificação pelos óculos. Através dos óculos, Ral
podia ver a centelha do rapaz, manifestada como um rastro de energia dourada que ia do
garoto até o Farol.
Ral virou-se para Kaya, cuja aura aparecia como outro rastro dourado, arqueando-se
em direção ao Farol. Ele rapidamente olhou para as próprias mãos, que zumbiam com sua
própria aura. Ele olhou para cima. E viu que ele, também, era banhado pela luz dourada do
Farol. Ral de repente não gostou de saber que era tão facilmente identificado como um
planinauta.
Kaya perguntou: “Como você sabe que ele é um planinauta?”
Ral considerou o que dizer a ela. Então se perguntou por que estava hesitando com a
simples verdade.
Talvez por sentir sua hesitação e sem querer pressioná-lo, ela mudou de assunto:
“Essas coisas não parecem muito interessadas em você. Qual é o seu segredo?”
A princípio ele pensou que “essas coisas” se referiam aos óculos, então percebeu que
ela estava se referindo à horda azul, que – dissuadida por seu relâmpago – estava atualmente
concedendo a seu pequeno grupo um minuto inteiro de descanso. Ainda assim, não era
como se eles estivessem imunes ao perigo, então, ligeiramente irritado, ele disse: “Eles
estão interessados o suficiente.”
“Você está bem?”
“Estou bem,” ele disse. “Desculpa. São os óculos. Eles são um projeto do Mente de
Fogo. Eu posso usá-los para identificar os planinautas. É… um pouco desconcertante.”
“Algum outro ao redor? Digo, planinautas. Não óculos. Porque nós aceitaríamos
alguma ajuda.”
Virando-se de Kaya e do garoto – que era claramente novo em ser um planinauta, ele
nunca havia realmente ouvido a palavra antes – Ral escaneou o céu e seguiu os arcos
dourados do Farol até o chão. Ele rapidamente avistou Beleren a cinquenta metros de
distância da praça. Lavínia estava com ele, assim como dois outros planinautas. Um deles,

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Ral nunca tinha visto antes. O outro ele reconheceu como um associado do Pacto das
Guildas Vivo.
Gideon, acho que é o nome dele.
Ral e Gideon nunca se conheceram, mas Ral o tinha visto à distância uma vez, e ele
era uma figura difícil de esquecer.
Enquanto o quarteto de Jace lutava contra as criaturas, Ral tentou alcançá-los com sua
mente, chamando por Beleren. Ral não era psíquico, mas ele contava com a telepatia do
Pacto das Guildas para fazer o trabalho pesado. Funcionou. O mago mental virou-se para
procurá-lo.
Ral, cadê você?
Aqui, mas— Jace! Cuidado!
Uma das criaturas pulou em Jace. Mas, claro, não era realmente Jace. Era uma ilusão.
O monstro passou direto pelo falso Beleren e literalmente caiu de cara. Ral não podia ver o
verdadeiro Jace, que tinha claramente criado uma ilusão de invisibilidade em torno de si,
mas Ral viu a criatura caída se romper telecineticamente.
Os pensamentos sarcásticos de Jace alcançaram Ral: Oh, Ral, então você se importa.
Você até me chamou pelo meu primeiro nome.
Apenas venha até aqui, Beleren. Nós precisamos—
Comparar anotações.
Eu ia dizer, um plano.
Isso também.
Ral observou a ilusão de Beleren sinalizar a seus companheiros. Lutando enquanto se
movimentavam, eles fizeram o seu caminho em direção a Ral e Kaya. E o garoto, cujo nome
Ral ainda não sabia.
O aliado desconhecido de Beleren estava usando algum tipo de magia do tempo para
desacelerar qualquer demônio azul que se aproximasse dentro de dez metros de sua pequena
tropa. Isso os tornava alvos fáceis para Beleren e Lavínia, que, como sempre, era uma
mestre com sua espada. Mas a revelação foi esse Gideon, que não era apenas um rosto
bonito ligado a um corpo impressionante. Com uma ordinária espada larga, ele fazia
picadinho das criaturas, não importando se estavam magicamente lentas ou não.
Ral soltou um relâmpago que tirou alguns monstros do caminho de Beleren e Gideon.
Este último acenou para Ral em agradecimento. Então Gideon viu algo atrás de Ral e gritou:
“Chandra!”

74
Ral se virou. Mais planinautas estavam lutando em seu caminho, na direção da
Embaixada do Pacto das Guildas – ou o que costumava ser a embaixada. Novamente ele
reconheceu um deles, uma piromante com cabelo vermelho flamejante – literalmente
flamejante – como uma das associadas de Jace. Ela disparou tremendas explosões de fogo
que reduziram o inimigo a poças de lazotep derretido. Ela estava acompanhada de outra
piromante, esta com longos cabelos grisalhos; um leonino, que Ral supunha ser do Plano de
Alara; e um enorme autômato de prata maciça, que Ral normalmente não consideraria estar
vivo, exceto que seus óculos confirmaram que ele, de fato, tinha uma centelha.
Os dois grupos convergiram para o lado de Ral, Kaya e o menino. Através dos óculos
de proteção, Ral viu arcos de gloriosa luz dourada subindo de todos, exceto Lavínia. Dez
planinautas, juntos, todos prontos e dispostos a lutar por Ravnica. Ruim como as coisas já
estavam – e apesar de seu benemérito cinismo – Ral, sinceramente, sentiu algum conforto
com a presença deles
Ele não foi o único. O leonino de um olho não precisou de óculos para exultar sua
frente unificada. Ele ergueu os braços para os céus e rugiu. Foi um som de triunfo, e embora
talvez prematuro teve o efeito desejado. Pela primeira vez durante o dia, Ral sentiu algo
parecido com esperança.
“Formação!” Gideon gritou.
Ele é ainda mais impressionante de perto, pensou Ral, que seguiu o olhar de Gideon
em direção às ruínas da embaixada. Mais dos monstros continuavam a marchar e voar para
fora do portal. Instantaneamente Ral sentiu a esperança se transformar em cinzas em sua
boca.
Gideon gritou outro comando: “Os Eternos ainda estão chegando! Precisamos salvar o
maior número de pessoas possível!”
Ral apreciou o sentimento, o desejo de reunir seus companheiros planinautas para
salvar seus companheiros ravnicanos. Mas, quanto mais desses “Eternos” vinham em
direção a eles, Ral não tinha certeza se poderiam salvar nem a si mesmos…

75
DEZESSETE
VRASKA
Longe de Ravnica, na cidade flutuante conhecida como Banco de Areia, no Plano de
Ixalan, a contramestra Amélia, o navegador Malcolm e o marujo Calçola estavam bebendo
alegremente na Traseira da Contramestra, uma famosa cervejaria.
Calçola, o goblin sociável, já estava bêbado, gritando “Capitã, Capitã!” a plenos
pulmões a cada dezesseis segundos como um relógio. A quase-gigante Amélia e o sireno
Malcolm, ambos quase bêbados, aplaudiam todas as vezes.
A razão daquele entusiasmo sorriu palidamente. Era bom ver sua tripulação
novamente, sem dúvida. Mas a Capitã Vraska não estava em clima de celebração. Ela estava
cuidando de suas feridas (que eram pequenas) e de sua amargura (que era poderosa). Ela
podia sentir o chamado do Farol de Ral Zarek, convocando a si e todos os outros planinautas
para Ravnica, e uma parte dela esperava que muitos heróis respondessem ao chamado.
Mas a górgona Vraska não estaria entre eles.
Por razões desconhecidas, Calçola rodeou a mesa de carvalho três vezes. Ele então
parou na frente de sua amada capitã, inclinou a cabeça como uma criança e perguntou em
alto volume:“Jace? Jace?”
Vraska reprimiu um gemido. Da última vez que estivera em Ixalan, ela e Jace tinham
sido parceiros de tripulação – e talvez algo mais. Mas aquilo parecia uma vida inteira para
trás. Antes que ela tivesse instruído Jace a remover suas memórias como parte de sua
estratégia brilhante para derrubar Bolas.
O plano mais bem bolado de todos e tal…
Em vez disso, as memórias de Vraska foram restauradas por outro telepata: Xeddick,
um dos seus aliados insetóides kraul e a coisa mais próxima de um amigo que ela tivera em
Ravnica, antes de ele ser morto a seu serviço.
Com a memória restaurada, ela sabia o que Bolas era – sabia que ele estava usando-a –
e ainda assim ela não tinha sido forte o suficiente para aquela descoberta importar. Embora
tivesse sido sincera quando se aproximara de Ral, Kaya e Hekara para oferecer seus serviços
e sua guilda em sua luta contra o dragão, ela acabou traindo-os… e a si mesma.
Ela não conseguiu controlar sua necessidade de vingança e assassinou a mestre de
guilda Azorius – Ispéria, por vingança pelos sofrimentos de sua juventude.

76
Ispéria uma vez ordenara sua prisão pelo crime de ser Golgari. Aquele encarceramento
fora um pesadelo infernal de superlotação, fome e espancamento. Ela não se arrependeu da
morte de Ispéria. Mas matá-la naquele momento e naquele lugar destruiu a chance de Zarek
unir as guildas contra Bolas. Ela sabia que poderia, sabia que matar Ispéria era exatamente o
que Bolas queria. E acabou matando Ispéria, de qualquer jeito.
Vraska também não conseguiu controlar sua necessidade de poder e permitiu que
Bolas a chantageasse para lutar ao seu lado, a fim de manter o título de Rainha dos Golgari.
Ela confiou no sacerdote da morte kraul, Mazirek, mestre dos Vetustos, os Golgari mortos-
vivos. O kraul e os Vetustos foram os dois pilares de sua ascensão a mestre de guilda. Mas
Mazirek acabou por se tornar outro dos asseclas do dragão. Ela poderia ter matado o
sacerdote da morte, mas temia que sem o apoio de Mazirek – sem o apoio de Bolas –
perderia o apoio dos kraul e dos Vetustos e seria deposta. Ela sabia que ignorar a situação
faria dela uma serva de Bolas novamente. E ela se permitiu se tornar uma assecla do dragão,
de qualquer jeito.
Calçola questionou novamente: “Jace? Jace?”
Ela retrucou para ele, “Jace não está aqui! Ele nunca está quando você precisa dele!”
Aquilo era verdade. Jace havia prometido retornar a Ravnica com ajuda. Para ficar ao
lado dela, ajudá-la a lutar contra Bolas e salvar seu Plano natal. Mas ele não voltou. Ou
talvez ela tivesse saído cedo demais.
Calçola não estava entendendo a mensagem, mas Amélia e Malcolm estavam ouvindo
sua capitã alto e claro. Eles puxaram o goblin bêbado para longe, com ele ainda clamando
alternadamente, “Capitã, Capitã!” e “Jace? Jace?”
Vraska foi deixada sozinha na mesa. Sozinha na cervejaria, exceto por um barman,
limpando incessantemente seu balcão imundo com um trapo imundo.
No fim, ela fez o melhor que pôde para os Golgari, libertando o seu povo das últimas
amarras que Bolas mantinha sobre eles.
Então, por que continuei a trabalhar para Bolas? Por que eu lutei contra Zarek?
Era uma pergunta que ela não podia responder satisfatoriamente para si mesma. Ral
não lhe fizera mal algum, mas ela estava preparada para matá-lo. Possivelmente em legítima
defesa, mas mais provavelmente porque ele era um lembrete vivo da traição dela. Ou talvez
ela simplesmente precisasse provar a si mesma que ela era verdadeiramente o monstro que
seu mundo sempre lhe dissera que era.

77
E Ral ficou tão zangado, sentiu-se tão traído. Sua última explosão de relâmpagos
certamente a teria destruído se ela não tivesse transplanado para longe, se ela não tivesse
deixado Ravnica para trás. Para sempre.
Porque eu não tenho mais lugar no meu mundo.
Ela sabia que não poderia retornar como a mestre de guilda do Enxame. Seu apoio
dentro dos Golgari teria evaporado sem os Vetustos e os kraul para apoiá-la. E ela não podia
esperar qualquer ajuda de seus ex-aliados depois de trair Ral, Kaya e Hekara para Bolas.
Hekara…
Hekara – a última verdadeira amiga que ela tivera – morrera tentando salvar Ravnica
de Bolas. De Bolas e de sua górgona-braço-direito Vraska.
Xeddick. Hekara. É perigoso ser amigo de uma górgona, não é?
Além disso, e se o Farol finalmente tivesse convocado Jace? Como poderia enfrentá-lo
depois do que ela fez?
Não. Não há lugar para um monstro como Vraska em Ravnica…

78
DEZOITO
LILIANA VESS
Tão previsível.
Cercada por guarda-costas Eternos, Liliana atravessava a praça para a Cidadela,
observando, de longe, Gideon liderar Jace e os outros em frente.
Eles eram estilisticamente todos tão diferentes. Mesmo as duas piromantes Chandra e
Jaya tinham pouco em comum. A primeira com suas maciças erupções de fogo, carbonizava
dois ou três Eternos de uma só vez; a última com seus precisos golpes flamejantes,
derrubava um de cada vez, mas com mais precisão e em um ritmo mais rápido.
A prioridade deles era limpar a praça, os autoproclamados heróis evacuando os
autoproclamados inocentes do caminho do exército de Bolas (dela) que se aproximava.
Espadas, facadas e chamas. Distorção temporal, escudos, telecinese, ilusão e força
bruta. Os Eternos individualmente, apesar de seus anos de treinamento em Amonkhet,
tinham pouca chance com a sua limitada força de vontade e limitadas ações contra estes
planinautas. Até mesmo contra Lavínia. Ajudava que os Eternos também tinham instrução
limitada e a supervisão de Liliana. Mas ela não via razão para corrigir aquilo. Conquistar
Ravnica era o objetivo de Bolas, não dela. Ela tinha que fazer apenas o suficiente para
honrar seu contrato. E não mais do que isso.
Ela viu esse ampliado grupo de Sentinelas levantar os moleques em seus braços – em
um dado momento Gideon estava segurando três – e transportá-los para longe do perigo. Ela
os assistiu correrem para interferir nos observadores, amedrontados demais para se
defenderem por si só. Ela os assistiu destruírem os Eternos, um atrás do outro. E ela
balançou a cabeça com pena, ou aversão.
As Sentinelas claramente perderam a visão do quadro geral. Gideon provavelmente
nunca compreendeu aquilo para começar, mas mesmo Jace estava completamente distraído
com o negócio de resgatar algum tolo atrasado. Eles literalmente não fizeram nada para
conter a grande ameaça. Pois os Eternos, conforme o comando de Bolas (de Liliana Vess), já
estavam saindo da praça e se espalhando pela cidade. Enquanto isso, mais Eternos
emergiam do portal a cada segundo. Enquanto as Sentinelas conseguiam salvar alguns
indivíduos, eles certamente estavam falhando em salvar a cidade, em salvar Ravnica.
E parar Bolas?

79
Isso nem parecia mais fazer parte do plano.
Não me admira que o dragão sempre vença. Embora ele já tenha revelado noventa
por cento dos seus planos, Bolas ainda corre em círculos ao redor destes tolos
completamente previsíveis.
Como ela pensara que eles teriam alguma chance?
Ela se percebeu assentindo. Ela havia tomado a decisão certa, contando com seu
próprio poder, suas próprias artimanhas, para esperar sua hora, dando-lhe a chance de
derrubar Nicol Bolas. Se tivesse tentado manter sua aliança com Jace, Gideon, Chandra e os
outros, ela já estaria morta, e eles ainda estariam ocupados cavando suas próprias sepulturas.
Não havia como negar isso. Era simplesmente um fato.
Então, por que ela ainda sentia vontade de chorar?

80
DEZENOVE
TEYO VERADA
Teyo estava exausto. Em seu dia mais pesado de treinamento de acólitos, durante a
pior tempestade de diamantes do verão passado, ele nunca havia erigido tantos escudos de
luz em tão curto período de tempo.
Mas aqui estava ele, usando sua geometria várias e várias vezes para proteger homens,
mulheres, crianças e… outras coisas – e não de forças da natureza, diamantes e areia, mas
de guerreiros mortos-vivos – estes Eternos, como Jace Beleren os chamava – que atacavam
com fúria imprudente. (No entanto, não era tão imprudente para o seu gosto.) Acólito
Verada entoou um três-pontas aqui, um quatro-pontas ali, usando-os para bloquear golpes de
espada e de maça.
Pressão?
O abade em sua grande geniosidade nunca tinha colocado muita pressão sobre Teyo.
Se seus escudos caíssem, pessoas morreriam. Rata morreria.
Eu morreria!
Ele sabia que não pertencia a este lugar. Não era apenas o perigo ou que aquela não era
sua luta ou mesmo seu mundo. Era que ele não se sentia digno de ficar entre esses estranhos
e campeões. Por que ele foi escolhido para fazer essa jornada? Quantas vezes o abade
Barrez sacudiu a cabeça para seu aluno mais fraco? Uma vez por dia, pelo menos. Qualquer
um dos seus companheiros acólitos poderia fazer melhor.
Pela Tempestade, por que não um deles? Ou um dos monges investidos? Ou o próprio
abade?
Do nada, Rata inclinou-se e disse: “Ah, você está fazendo tudo certo.”
Engolindo em seco, ele acenou para ela e colocou outro escudo, um círculo que se
expandiu sobre o seu vértice leste estendido, dando a duas pequenas crianças élficas a
cobertura de que elas precisavam para fugir do Eterno coberto-com-mineral — ou coberto-
de-lazotep, como Gideon Jura os chamava – que os perseguia. O escudo de Teyo segurava
por enquanto, bloqueando o Eterno de sua presa, mas um escudo não conseguiria destruir
estas criaturas.
A assassina fantasma Kaya conseguia, com suas lâminas brilhantes. O homem dos
raios Ral conseguia, com seus trovões de poder. Até mesmo Rata corria de um Eterno atrás

81
do outro e enfiava profundamente as pequenas adagas em seus olhos, no que quer que
restasse de seus cérebros. Ela já havia feito aquilo quatro ou cinco vezes. Na primeira vez,
Teyo pensou que fosse vomitar, mas ele estava se acostumando com aquilo.
Houve rápidas apresentações. Ele conheceu Ral e Kaya. Jaya e Chandra. (Ou foi Ral e
Jaya e Kaya e Chandra?). Jace e Gideon. Teferi e Lavínia. Ajani e Karn. Além disso, Teyo e
Rata – embora todos parecessem ignorar Rata, talvez porque ela não fosse um desses
planinautas que, por mais absurdo que parecesse, ele também era. Teyo nunca tinha visto
alguém como Ajani ou Karn antes. O primeiro era um tipo de minotauro, exceto que com a
cabeça de um grande gato de um olho só em vez de um touro. O último era uma criatura de
sólido, porém maleável, metal. Estes eram maravilhas de se ver, maravilhas para
envergonhar o Oásis e qualquer coisa de que já ouvira falar em Gobakhan, mas ele mal teve
tempo para registrar um pouco daquilo. Ele podia ouvir o abade gritando:“Pela Nuvem
Ocidental, criança, há escudos para formar!”
Havia escudos para formar. O Eterno golpeou seu círculo novamente, e mais uma vez,
com um mangual de bronze. Teyo sentiu cada golpe do braço até o ombro. E embora cada
ataque o tenha abalado, na verdade ele se sentiu um pouco aliviado. Houve um ritmo nos
golpes e uma pausa entre cada um deles. As tempestades de diamantes não eram tão
educadas. Elas podem não ser tão duras, mas vinham em múltiplas e sem intervalo. Mais a
areia, que impedia um acólito de ver qualquer coisa. Mas agora Teyo podia ver cada balanço
do mangual chegando. Ele percebeu que poderia se inclinar a cada golpe, pegando-o logo
antes do ápice do movimento, suavizando cada golpe.
“Teyonrahta, empurre aquele desse jeito!” Era Gideon. Ele e a maioria dos outros
pensaram que Teyonrahta era o nome de Teyo. (Um nervoso Teyo arrastou as palavras ao
apresentar a si mesmo e Rata, e eles pensaram que ele estava falando apenas o seu nome).
"É só Teyo," ele gritou enquanto tentava obedecer. Criando um pequeno círculo de
equilíbrio sob a orelha direita, ele empurrou seu conhecimento através de seu vértice
oriental para expandir o escudo da mão esquerda, enquanto transformava sua geometria de
um círculo para um quatro-pontas. Era um movimento complicado para seus padrões, mas
ele conseguiu. Foi bem sucedido. Animado por aquela vitória, ele tentou outro movimento
avançado: usando as duas mãos, ele acrescentou uma dimensão ao escudo de diamante e
andou para frente.
Seja a geometria!
O mangual do Eterno ricocheteou no ângulo estranho, desequilibrando o monstro.
Teyo se inclinou e empurrou. O Eterno tropeçou para trás, e Gideon cortou sua cabeça.
“Bom,” Gideon ladrou antes de se virar para atacar outra das criaturas.

82
Teyo se percebeu sorrindo.
Mais elogios do que eu jamais recebi do abade Barrez.
Novamente ele ouviu a voz do abade em sua cabeça: “Não é hora de sorrir, acólito!
Um sucesso não te transforma em um mago dos escudos!” Teyo sacudiu rapidamente o
sorriso e virou o escudo para proteger as costas de Jaya.
Ou era Kaya?
Jace, o líder não oficial deles, gritou: “Precisamos convocar as guildas! Trazê-las para
a luta!”
Ral explodiu outro Eterno e gritou de volta: “Eu não sei se isso é possível! Eu posso
comandar os Izzet no campo – e talvez Kaya possa fazer o mesmo com os Orzhov.” Ele
olhou para a mulher de pele escura e cabelo preto encaracolado, finalmente confirmando
para Teyo qual planinauta era qual.
Lavínia terminou o pensamento de Ral: “O resto das guildas recuaram para apoiar seus
próprios territórios, mais desconfiados uns dos outros do que de Bolas.”
Kaya disse: “E isso sem contar as guildas que já servem Bolas. Golgari e Azorius.
Talvez Gruul também.”
Teyo viu Lavínia franzir à menção de Azorius. Ele supôs que era sua guilda e
brevemente se perguntou o que cada guilda representava.
Pelo menos com a Guilda dos Carpinteiros no Oásis, você sabia o que era cada coisa.
De costas um para o outro com Kaya enquanto ela aparava golpes com um Eterno,
Teyo viu Rata deslizar entre eles. Ela se inclinou e sussurrou para Kaya, “Chame Hekara.
Ela vai trazer todo o Culto.”
Kaya esfaqueou seu Eterno, então parou para sacudir a cabeça tristemente. “Hekara
está morta.”
Ral Zarek exclamou:“Você acha que eu não sei disso!”
Pela primeira vez desde que a conheceu, Teyo viu Rata perder seu sorriso.“Hekara era
minha amiga,” ela disse. “Ela me conhecia. Ela me via.”
Teyo não sabia o que fazer. Empurrando sua geometria para a mão esquerda, ele
estendeu a mão direita e deu ao braço dela um pequeno aperto reconfortante. Ou tentou
confortá-la de alguma maneira.
Rata respondeu com um sorriso triste, mas grato.
Ral gritou, “Talvez tenhamos algo melhor do que as guildas. Planinautas.”

83
Lavínia disse: “Eu contei a eles sobre o Farol.”
“Ele deve convocar todos os planinautas do Multiverso para Ravnica. Mais estão
chegando agora. Veja!”
Teyo olhou para onde Ral estava apontando. Uma explosão de chamas sinalizou a
chegada de um minotauro substancial, empunhando uma corrente de ferro flamejante. A
criatura foi pega de surpresa por seus arredores e os Eternos, e mal conseguiu se defender.
Mas logo sua corrente estava girando em grandes arcos ao seu redor, quebrando qualquer
Eterno que chegasse muito perto.
“Eu acho que o nome dele é Angrath,” disse Jace. “E tem Kiora e Tamiyo, e tem a
garota de Amonkhet…”
“Samut,” Gideon gritou. “O nome dela é Samut.”
Mais uma vez, Teyo se virou para seguir o olhar de Jace. Ele viu quatro mulheres
correndo na direção deles.
“Quem é a quarta?” disse Ral.
“Não a conheço,” respondeu Jace.
“Ela é uma planinauta.”
“Como você pode ter certeza?”
“Seus óculos,” Kaya gritou por trás de Teyo.
Karn disse: “Deixe-me ver isso,” e os pegou diretamente da cabeça de Ral.
“Ei, pare!” Por um segundo, parecia que Ral ia atacar Karn com um raio.
Teyo teve tempo suficiente para imaginar se aquilo pelo menos machucaria o homem
de metal antes de Karn dizer, “Eu entendi o que você fez aqui.” Ele entregou os óculos de
volta para Ral e lançou algum tipo de feitiço ao circular sua mão esquerda, parecida com
uma marreta, no ar. Teyo assistiu enquanto correntes de luz dourada fluíram da mão de prata
do golem.
Uma delas atingiu Teyo bem nos olhos. Ele ficou temporariamente cego, e seu
conhecimento vacilou, seu escudo caiu.
“Por Krokt! Avise-nos da próxima vez, Karn,” alguém gritou. Teyo não tinha certeza
de quem. Mas quando a visão dele voltou, ele viu uma aura dourada cercando todos os
membros de seu grupo, exceto Lavínia e Rata. Ele viu a mesma aura em torno do minotauro
Angrath e em torno das quatro mulheres que se aproximavam.

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Karn declarou: “Não se preocupem; não é permanente. Durará apenas até o pôr do sol.
Mas agora todos nós podemos reconhecer os planinautas assim que eles chegarem.”
Teyo viu Ral franzir a testa brevemente, como se estivesse triste por seu truque ter sido
copiado. Mas o homem dos raios rapidamente sacudiu o cenho do jeito que Teyo tinha
sacudido seu sorriso mais cedo.
A Jaya de cabelos grisalhos disse: “Você sabe que nem todo planinauta é do tipo
Sentinela. E alguns são francamente desagradáveis.”
Teyo se perguntou o que estava envolvido em ser “do tipo Sentinela” - e só então
lembrou que ele não estava cuidando nem da própria segurança.
Acho que não sou do tipo Sentinela, seja lá o que isso signifique.
Ele entoou baixinho e ergueu um novo quatro-pontas.
Ainda assim, a geometria está vindo mais fácil para mim agora, ele pensou com uma
pequena surpresa.
Gideon disse, “Você tem que presumir que desagradável ou não, a maioria dos
planinautas não são grandes fãs de Nicol Bolas. Nós precisamos nos separar. Nos espalhar
pela cidade. Salvar quantas pessoas pudermos e reunir cada planinauta que encontrarmos.”
Teyo examinou o grupo. A maioria concordou e disse coisas como: “Sim!” e
“Concordo!”
Todos, menos Jace. Teyo viu sua testa se enrugar. Porém o homem não disse nada.

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VINTE
DACK FAYDEN
Honrando uma noção vaga de que ele deveria continuar na Praça do Décimo Distrito,
Dack cruzou rapidamente de telhado em telhado. Ele ainda estava muito longe para ver o
que estava acontecendo lá com detalhes, embora lhe parecesse que um pequeno exército
estava marchando para fora do portal gigante que havia destruído a Embaixada do Pacto das
Guildas.
Ele ouviu gritos abaixo de si e parou para olhar pelo lado do edifício. Ele não viu nada,
ouviu mais gritos e cruzou para a beirada oposta. Ele olhou para baixo.
Uma falange de guerreiros azul-metálicos, brilhando com uma luz violeta, estava
atacando os cidadãos no solo. Não, não estavam atacando. Cortando-os. Implacavelmente.
Impiedosamente. Com espadas, machados, maças e até com suas mãos metálicas nuas.
Inocentes estavam morrendo.
Dack era um ladrão, não um lutador. Mas isso era demais. Parecia o massacre de
Drakeston, sua aldeia natal no Plano de Fiora. Todos morreram lá enquanto Dack estava fora
do mundo. E agora todo mundo estava morrendo diretamente abaixo dele.
Ele estava descendo a parede antes mesmo de alcançar a consciente decisão de fazê-lo
– e definitivamente antes de ter planejado qualquer estratégia consciente para parar essas
criaturas.
No momento em que caiu violentamente no chão atrás da horda, ele pôde ver que eles
eram mortos-vivos. Isso ajudou. Dack não era um necromante, mas já havia roubado um
anel infernal de um vampiro em Dominária. Há muito tempo ele havia perdido o anel para
J'dashe, mas não antes de absorver e aprender o seu feitiço, que ele imediatamente usou
sobre um guerreiro revestido-de-mineral na linha traseira da falange. A criatura começou a
fumegar, queimando de dentro para fora, finalmente explodindo em chamas.
Ela caiu nos paralelepípedos como uma casca carbonizada. Dack sorriu. E então
pareceu um pouco em pânico quando toda a linha de fundo da horda se virou para enfrentá-
lo.
Isto é um problema.
O feitiço veio de um anel – que deveria ser colocado no dedo da vítima, e assim foi
projetado para matar apenas uma coisa morta-viva de cada vez. Ele imediatamente virou seu

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poder para o mais próximo, e ele fumegou e caiu de joelhos. Mas antes de o trabalho ser
concluído, outras três criaturas estavam se aproximando.
Dack pulou a parede e ficou lá, fora de alcance. Então um aviano morto-vivo abriu
suas asas e se lançou em direção a ele. O guerreiro ajoelhado tinha queimado até ficar
crocante durante esse tempo, permitindo que Dack ativasse a energia no aviano azul
metálico. Ele começou a fumegar mas ainda dirigia-se para Dack, que instintivamente criou
um dublê ilusório sobre a parede a meio metro de distância. O aviano esfumaçado parecia
indeciso quanto a qual Dack Fayden atacar – e acabou colidindo com parede de pedra no
meio do caminho entre a ilusão e o real. O aviano pegou fogo quando caiu, e por sorte
pousou em alguns dos seus companheiros, que queimaram sob suas asas de fogo.
A essa altura, Dack tinha a atenção de toda a falange. Ele não tinha nada parecido com
um plano, mas o que havia feito tinha servido ao propósito. Os civis estavam recolhendo os
feridos – deixando os mortos onde estavam – e se tornando escassos. Agora tudo o que Dack
tinha de fazer era se tornar escasso.
Lanças voaram em seu caminho enquanto ele – e mais alguns de seus mágicos
doppelgängers – corria para o lado da parede. Algumas lanças atingiram seus alvos,
explodindo as ilusões em faíscas azuis. Uma lança roçou seu braço. Não rasgou a pele, mas
rasgou a cara jaqueta de couro que ele tinha roubado por um capricho em Innistrad apenas
na noite passada.
Felizmente, a falange não tinha outros voadores. Ele se esquivou de outra lança e
conseguiu alcançar o telhado, parando para olhar para baixo. A falange já tinha se esquecido
dele. Eles se moveram para encontrar suas próximas vítimas inocentes. Dack queria queimar
todos, mas…
Ele olhou de volta para a praça. Essas criaturas eram o maldito exército que estava
saindo do portal.
Já deve haver centenas delas nas ruas de Ravnica.
Por mais que o satisfizesse, ele sabia que não conseguiria queimar todas elas ao ritmo
de uma de cada vez. Tinha que haver outra solução, e ele não ia encontrar essa solução aqui.
Seu instinto original tinha sido de ir até a praça, e ao longo dos anos o ladrão havia
aprendido a confiar em seus instintos.
Ele começou a atravessar os telhados novamente…

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VINTE E UM
GIDEON JURA
Ajani e Gideon rasgaram ainda outra safra de Eternos, a terceira desde que se
separaram do grupo e deixaram a praça. Desta vez foram lanceiros, então Gideon liderou o
caminho, correndo à frente de seu companheiro. As lanças dos Eternos eram menos que
eternas, estalando contra sua aura brilhante de invulnerabilidade. Antes que os Eternos
pudessem largar suas armas quebradas e pegar as espadas, Gideon e Ajani estavam sobre
eles, entre eles. Gideon usou a Lâmina Negra sem mirar, cortando cabeças, membros e
qualquer outra coisa que estivesse ao seu alcance. Ou apunhalando os Eternos em seus
corações. Na verdade, a mística espada parecia mais inclinada ao último método de ataque.
Era uma sensação estranha, mas Gideon podia sentir a preferência da Lâmina Negra nos
seus braços inteiros e por todo o caminho até sua espinha. Em seu inconsciente, ele sabia
que alimentar as predileções sanguinárias da arma era uma má ideia. Ele escolheu ignorar
aquela voz. Ele mal conseguia se lembrar do quanto fora relutante em usar a Bebedora-de-
Almas, mesmo sobre o profano demônio Belzenlok. Ele tinha poucos escrúpulos sobre isso
agora. Ajudava o fato de que esses Eternos já estavam mortos, que eles eram perversões dos
grandes guerreiros de Amonkhet, forçados a servir Bolas através de Liliana. Ele sentia que
estava fazendo um favor ao acabar com suas não-vidas. Ainda assim, em seu inconsciente,
ele sabia que não estava libertando suas almas. Se eles ainda tivessem almas, não era
improvável que ele estivesse alimentando a espada com elas.
E, de alguma forma, neste momento, ele simplesmente não se importava.
Gideon olhou para Ajani. O grande gato não se alegrava em destruir Eternos, mas isso
não significava que não fosse muito bom naquilo. Garras e presas, apoiadas por tendões e
magia, rasgavam os membros dos guerreiros de lazotep um atrás do outro.
Em poucos minutos a safra inteira estava em pedaços aos pés dos dois planinautas.
Eles seguiram em frente.
Eles estavam a caminho da Morada do Sol, fortaleza da Legião Boros. O plano de
Gideon era se encontrar com a mestre de guilda Boros, o anjo Aurélia, e recrutar sua velha
amiga para a causa. Ele sabia que os Cavaleiros Celestes Boros foram os primeiros a atacar
o dragão. Mas, sofrendo uma primeira derrota, eles se retiraram para estabelecer um
perímetro.

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Aquilo não era suficiente.
Conhecendo a força e a justiça da Legião, era imperativo que os Boros fizessem mais
do que manter uma linha arbitrária. A Legião tinha que se envolver. Tinha que atacar. De
preferência, em coordenação com o crescente número de planinautas que estava chegando a
cada minuto.
Exemplificando: outro planinauta se materializou bem na frente dos dois em meio a
uma explosão de luz verde fantasmagórica. Mulher, pele escura, cabelo curto, fortemente
musculosa e armada com um arco, que ela prontamente apontou para ambos.
Ajani disse: “Planinauta?” Embora, claro, isso fosse óbvio, tanto pela sua chegada
quanto pelo arco de luz dourada que ambos podiam ver sair dela, graças ao feitiço de Karn.
Ela hesitou, depois assentiu.
Ajani disse: “Já ouviu falar do dragão Nicol Bolas?”
Ela não disse nada, mas a fúria ardente em seus olhos contou a história.
Gideon disse: “Sim, é assim que nos sentimos. Eu sou Gideon. Esse é Ajani. Bolas está
aqui neste plano. Ele acha que vai conquistá-lo. Nós planejamos matá-lo antes. Quer nos
ajudar?”
Ela falou pela primeira vez, a raiva subindo firmemente em sua voz: “Meu nome é
Vivien Reid. E eu não quero ajudar. Eu quero matar o dragão eu mesma.”
“Desde que ele acabe morto,” Ajani disse.
Ela inspirou, tentando refrear sua raiva. Ela conseguiu. “Desde que ele acabe morto,”
ela concordou.
“Então siga-nos,” Gideon afirmou, passando por ela.
Vivien e Ajani o flanquearam.
“Eu tenho perguntas,” ela disse.
“Provavelmente temos respostas,” Ajani ofereceu.
“Agora nós não temos, não!” Gideon gritou.
Um esquadrão de Eternos voadores – anjos, avianos, demônios e dragonetes – tinha
acabado de passar por cima. Gideon saltou em um arranco para alcançá-los. Seus dois
companheiros estavam logo atrás dele.
Eles viraram uma esquina para o Grande Pátio da Quarta Jurisdição. Os Eternos
estavam atacando o local, atacando todos que viam. Gideon tentou lutar, mas os voadores
entravam e saíam, sempre ficando além do seu alcance ou da Lâmina Negra.

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Ajani não estava tendo mais sorte do que ele, mas o arco de Vivien era extremamente
eficaz. Cada vez que disparava uma flecha, ela perfurava um Eterno voador – e
simultaneamente liberava algum tipo de espírito animal verde brilhante, uma grande coruja,
falcão ou pterodáctilo, que atacava e, às vezes, matava um segundo Eterno antes de
desaparecer.
“Isso que eu chamo de arco,” Ajani disse.
Ela simplesmente assentiu e colocou outra flecha.
Mas mesmo com a ajuda da nova companheira, a batalha não ia bem. Eles eram
muitos, e terrestre como ele era, Gideon se sentiu impotente. O melhor que podia fazer era
reunir civis em volta de si e usar sua espada para afastar os avianos de lazotep ou esse
demônio de lazotep. Mas, invariavelmente, algum pobre ravnicano desgarrado, fora do seu
alcance, seria pego, levado para o alto e soltado para se quebrar contra o chão pedregoso.
Gideon sentia cada morte como um fracasso pessoal.
Ele olhou para o norte. A Fortaleza da Morada do Sol estava à vista, e Gideon xingou-
se por não alcançar Aurélia antes que este ataque tivesse começado.
Ele não precisava ter se incomodado.
Parélio II – a Guarnição de Combate, a Cidadela Flutuante, a Fortaleza Voadora –
erguia-se sobre a Morada do Sol, perfeitamente simétrica, pairando no ar, uma visão
gloriosa de se ver. Até os Eternos pareciam parar para observá-la. Então, das duas grandes
plataformas de pedras do Parélio II, os Boros foram enviados. Anjos de Combate alçaram
voo. Cavaleiros Celestes montados em grifos desceram para encontrar o inimigo.
Gideon procurou no céu por Aurélia, de repente desesperado para vê-la novamente. E
lá estava ela. Com asas de penas brancas se espalhando por quase três metros atrás. Espada
em uma mão, lança na outra, liderando o ataque, esbravejando ordens e pessoalmente
devastando a linha Eterna.
Foi quase uma derrota. Quase. Gideon conduziu os seis humanos e dois goblins que
estava protegendo em direção ao prédio mais próximo, à porta mais próxima. Ajani estava
fazendo o mesmo com seu grupo. Vivien ainda estava disparando um fluxo aparentemente
interminável de flechas, criando um zoológico quase infinito de animais espirituais e
ajudando os Boros de baixo. O ar acima deles ressoava com o som da batalha, uma batalha
em que Gideon ansiava por se juntar.
Cuidado com o que você deseja…
Assim que Gideon fechou a porta de um café que, no momento, protegeria seus oito
civis, ele olhou para cima para ver um legionário Boros cavalgar um pégaso em direção a

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um trio de avianos Eternos. O legionário atingiu dois com a espada, mas o terceiro balançou
a asa e derrubou o homem para fora de sua sela. Ele caiu. O pégaso mergulhou para alcançar
seu mestre, mas ele bateu de cabeça nas pedras. Gideon pôde ouvir o pescoço do homem
estalar. Um som que ele já estava se cansando de ouvir.
Isso não é o que eu queria, ele disse a si mesmo.
E ele quase se convenceu – mas, verdadeiramente, ele não ia perder aquela chance.
Sem perder tempo, Gideon correu em direção ao cadáver, chegando simultaneamente
ao pégaso. Ele agarrou suas rédeas e montou, dando à fera um chute suave para guiá-la de
volta ao ar. Ele temia que ela resistisse a ele, por lealdade ao seu cavaleiro morto ou
desgosto por uma mão estranha. Mas o pégaso levou seu novo comandante
instantaneamente, e Gideon logo subiu em direção ao terceiro aviano Eterno. A Lâmina
Negra decepou uma asa de lazotep imediatamente. A criatura morta-viva caiu em pequenos
círculos, quebrando seus ossos finos contra o pavimento perto do legionário morto.
Gideon puxou o pégaso e juntou-se à batalha aérea mais próxima. Assim como os
lanceiros, os Eternos caíram diante dele.
“Já era hora de você chegar aqui,” gritou uma voz. Era Aurélia, sorrindo aquele sorriso
de guerreiro. Do tipo que ela só sorria em batalha. Ela tinha outro sorriso para ocasiões mais
tranquilas, mas qualquer um deles era uma visão de boas-vindas para Gideon.
“Elegantemente atrasado,” Gideon gritou com seu próprio sorriso. Ele sabia que não
havia tempo para sorrir ou gracejar, mas não conseguia se controlar. Ele se lembrou de
Liliana dizendo-lhe uma vez:“Ninguém gosta de um Gideon abobalhado, Bifão.”
Bem, não fazia mais sentido em tentar agradar aquela.
Aurélia mergulhou ao lado dele. Ela acenou com a cabeça em direção ao pégaso.
“Gostou dela?”
“Ela é uma ótima montaria.”
“É para ser. Eu mesmo a treinei.”
“Ela tem um nome?”
Aurélia sorriu novamente e se afastou, gritando: “Ela é a Promessa de Gideon.”
O sorriso de Gideon se ampliou. Ele sussurrou: “Vamos, Promessa, vamos!” O pégaso
acelerou em direção ao inimigo cada vez menor.
Talvez ainda possamos virar esta maré…

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VINTE E DOIS
CHANDRA NALAAR
Chandra, Jaya e Lavínia estavam perseguindo uma safra (ou dez) de Eternos em
profundo território Selesnya. As duas piromantes acertavam alguns por trás sempre que
podiam, esperando que as falanges se virassem e lutassem. Mas a Horda Medonha ignorou
as perdas e manteve seu curso. Eles eram muitos e se moviam rapidamente, e as três
mulheres tinham que correr apenas para acompanhá-los.
Chandra lembrou que Ravnica – em grande parte, uma cidade de ruas estreitas e
esquinas, de edifícios altos e pesados e sombras ainda mais pesadas – mostrava diferentes
paisagens a cada esquina. Os territórios mantidos pelo Conclave Selesnya eram abertos e
ensolarados, cheios de espaços verdes e jardins, com construções de pedra branca, abertas,
que eram muitas vezes pouco mais do que conchas abrigando ainda mais jardins. Selesnya
era uma floresta de catedrais a céu aberto… ou talvez uma catedral de florestas a céu-aberto.
E a maior catedral de todas era a sagrada árvore-mundo Vitu-Ghazi, que se erguia
sobre todas as propriedades do Conclave. Por dez mil anos, tinha sido o salão da guilda,
com arcos, terraços e câmaras construídas nela e sobre ela. Chandra não era exatamente uma
filha da natureza – não era nada como uma filha da natureza –, mas a árvore ainda a deixava
sem fôlego. E só de pensar nos Eternos correndo sobre sua casca, raízes e galhos a deixava
fisicamente enjoada.
Felizmente, Vitu-Ghazi não estava sem defesas. Uma linha de Guardiões Ledev –
humanos e elfos de armaduras, montando lobos do tamanho de ursos – esperava os Eternos.
O confronto foi épico quando os lobos se lançaram sobre a Horda Medonha. Mas Chandra
viu que os Guardiões confiaram muito em seus arqueiros. Suas flechas atingiram com
precisão, perfurando o revestimento de lazotep dos Eternos e retardando alguns deles.
Muitas das criaturas mortas-vivas continuaram com cinco, dez, vinte flechas presas em seus
peitos e membros. Mas aquilo não era dano suficiente para impedir seu avanço.
Alcançando a horda, Chandra e Jaya começaram a incinerar Eternos por trás. Como
antes, eles aceitaram aquelas perdas e ignoraram-nas, concentrando seu ataque à frente,
empurrando a linha dos Ledev para alcançar a árvore-mundo.
Lavínia também avançou para lutar. Mas uma voz grave a surpreendeu: “Para trás,
Lavínia de Azorius! Você não é bem-vinda aqui!” Todos se voltaram para ver um poderoso
centauro encouraçado, um Lanceiro-Mestre do Conclave. Ele estava atropelando um Eterno

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sob suas quatro patas, mas seu foco estava em Lavínia. “Pegue seus ‘amigos’ e saia! Nós
não precisamos de Encarceradores Azorius aqui!” ele gritou para ela.
“Boruvo, seu idiota, estamos aqui apenas para ajudar!”
Jaya assobiou, “Eu não tenho certeza se chamá-lo de idiota vai convencê-lo.”
Lavínia a ignorou. “Além disso, Lanceiro-Mestre, eu não sou mais uma encarceradora,
nem mesmo membro do Senado!”
“E você espera que eu acredite nisso? Agora quem é o idiota?”
“Ainda é você!”
“Selesnyanos não confiam em Azorius, especialmente no seu novo mestre de guilda
Baan.”
“Eu também não confio em Baan!”
Nesse momento, um esquadrão de guerreiros Eternos montando dragonetes de lazotep
os sobrevoou, arrancando os Guardiões de seus lobos e lançando-os contra madeira e pedra.
A linha de Ledev se rompeu e a Horda Medonha avançou. Chandra pensou ter reconhecido
o Eterno que liderava a investida: uma ex-humana chamada Makare, que Chandra conhecera
em Amonkhet. Makare estava profundamente apaixonada por um homem chamado Genub,
e Chandra se perguntou brevemente o que haveria acontecido com Genub, imaginou se ele
estaria vivo ou morto, se ele mataria a coisa em que seu amor havia se tornado, se pudesse.
Lavínia gritou para Boruvo: “Já parou de ficar guardando rancor, Lanceiro-Mestre? Ou
prefere ver a queda de Vitu-Ghazi?”
Boruvo grunhiu algo indiscernível enquanto Makare liderava as safras para seguir
adiante, para cortar e retalhar a própria árvore sagrada enquanto os dragonetes cuspiam fogo
em suas folhas e galhos grossos.
“Já chega!” Chandra rosnou, aquecendo-se. “Afaste-se, centauro!” Ela lançou uma
torrente de chamas, começando na parte de trás da falange Eterna, mas movendo-se
rapidamente para a frente, em direção aos Eternos que estavam atacando a árvore.
Jaya agarrou seu braço e puxou-a para trás, advertindo, “Não podemos salvar a maldita
árvore ateando fogo nela!”
Chandra estava prestes a protestar. Ela não ia queimar a árvore-mundo.
Tá bom, sim, talvez alguns galhos seriam chamuscados, mas os dragonetes já estão
fazendo isso mesmo—

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Algo a impediu de falar. Ela não saberia dizer exatamente o quê, mas sentiu algo…
familiar. Instintivamente, ela olhou para cima, olhou ao redor. De pé em uma varanda, atrás
de uma faixa verde de Vitu-Ghazi, estava uma figura pequena – uma mulher pequena –
rodeada de um turbilhão de magia verde. Não, explodindo com magia verde. Ela era
inequivocamente Nissa Revane.
O poder de Nissa se manifestava como um ciclone verde, que se iniciava nela, girando
não em direção aos Eternos, mas em direção a Vitu-Ghazi. A árvore-mundo parecia absorver
o ciclone – e então a árvore-mundo começou a se mover. Raízes se arrancaram do chão,
expulsando os Eternos, afastando-os para longe; a Horda Medonha agora parecia
minúsculas pulgas enquanto a árvore subia e ficava ereta. Galhos se tornaram armas e mãos.
Troncos e raízes se tornaram pernas maciças e poderosas quando Vitu-Ghazi deu seus
primeiros passos. A árvore sagrada havia se tornado um elemental vivo, caminhante e
pisoteador, de mais de cem metros de altura, com edifícios e arcos ainda conectados,
parecendo e funcionando como uma armadura para este novo e gigantesco guardião que mal
havia entrado na briga e já estava triunfando.
Makare e aqueles ao seu redor foram esmagados sob os pés. Dragonetes foram
estapeados no céu e se tornaram fragmentos de lazotep pelas mãos imensas da madeira
ancestral.
Boruvo e Lavínia aplaudiram (apesar de Lavínia dificilmente ser do tipo que aplaude)
conforme Vitu-Ghazi se adiantava para esmagar todos os Eternos em seu caminho, enquanto
sacudia qualquer Eterno que ainda estava se agarrando às suas raízes e tronco. E logo ficou
claro que o grande elemental havia apenas começado sua marcha. Ele avançou em direção
ao centro da cidade, em direção ao exército de Eternos, em direção ao próprio Bolas.
Mas Chandra mal notou o elemental imponente, ou o caos em seu despertar. Nissa
Revane era todo o seu panorama. Os olhos de Chandra estavam cheios de lágrimas, embora
ela estivesse queimando tão quente que as lágrimas instantaneamente se transformavam em
vapor. Ela assistiu arrebatada quando Nissa desceu, pulando levemente da varanda para o
terraço para a sacada até ficar de pé entre eles.
Boruvo e até Jaya Ballard ficaram admirados com ela – ou, pelo menos, por sua
realização.
Lavínia a saudou.
Nissa não respondeu. Ela olhou para Chandra. Chandra olhou para Nissa. Chandra
engoliu em seco. Nissa deu um sorriso envergonhado. Nenhuma delas disse uma palavra.

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VINTE E TRÊS
RAL ZAREK
Ral sabia o que deveria fazenr. Ele deveria ajudar Kaya e Teyo, o garoto novo, na luta
contra os Eternos ou reunindo alguns planinautas. Em vez disso, quando ele disse a Kaya o
que queria – precisava – fazer, ela simplesmente assentiu e disse: “Vá.”
Isso acalmou um pouco sua consciência antes de sair, e, pelo menos, ele se lembrou de
ordenar à senescal Maree que liderasse a Liga Izzet na batalha contra a Horda Medonha.
Mas a verdade é que se alguém deveria liderar as forças de Izzet na batalha, deveria ser o
novo mestre de guilda. Ao optar por resolver um assunto pessoal, ele não estava
demonstrando exatamente habilidades estelares de liderança.
Ele não se importava. Tomik ocupava todos os seus pensamentos.
Ele passou a mão pelo cabelo prateado e checou seu Acumulador. Estava em quarenta
e seis por cento. Não houve uma oportunidade para recarregar. Ele pensou em convocar
outra tempestade de relâmpagos – mas não tinha tempo e nem energia mística para controlá-
la agora.
Ele avistou outro Eterno. Um pelotão, falange, safra ou qualquer que seja o inferno
que eles se chamavam – supondo que os mortos-vivos autômatos se incomodavam em se
chamar de qualquer coisa – se separou e se dispersou por toda a Toca para matar qualquer
alma viva que pudessem encontrar no distrito.
“Ei, você!” ele gritou.
A Eterna se virou e imediatamente correu para ele, dois machados erguidos para atacar.
Ele estendeu os braços, cabelo em pé, e a explodiu com um raio. Foi imensamente
satisfatório assisti-la convulsionar, chiar e fritar.
Mas isso foi idiotice. Você poderia ter cuidado dela com metade do combustível. Você
precisa economizar.
Ele checou seu estoque novamente: quarenta e dois por cento.
Idiota.
Ele estava indo para o apartamento que compartilhava com Tomik Vrona. Eles tinham
escolhido um lugar na Toca porque era uma área de remanso que estava começando a
melhorar: boa, mas não tão boa para chamar atenção, e fora tanto do território Izzet quanto
do Orzhov, onde eles estariam menos propensos a serem vistos juntos por qualquer pessoa

95
de suas respectivas guildas. Ele não precisava se preocupar. Seu apartamento “secreto” era
aparentemente o segredo mais mal guardado de toda Ravnica. O que agora só aumentava
seus medos. Bolas sabia do lugar. E o dragão não poderia estar feliz por Ral ter abandonado
seu serviço. Se Bolas atacasse Ral por meio de Tomik…
Outro Eterno apareceu. Desta vez, Ral se controlou, usou um ataque de precisão para
explodir a cabeça da criatura. Ela caiu, sacudiu, então parou.
Ele verificou novamente: quarenta e um por cento.
Pelo menos estou perdendo a batalha aos poucos.
Um mago de guilda Izzet não tinha nada que se apaixonar pelo assistente pessoal da
herdeira Orzhov. E Ral negou o quanto pôde que amor não tinha nada a ver com seu
relacionamento com Tomik. Mas aquilo era passado. Não havia sentido manter aquela
mentira conveniente. A verdade era simples: ninguém em sua vida importara tanto quanto
Tomik.
A um quarteirão de distância de seu destino, ele virou uma esquina e encontrou outro
Eterno assassinando uma jovem, enquanto dois amigos se encolhiam e assistiam, sem fazer
nada além de lamentar o nome dela: “Emmy, Emmy. Não, Emmy.” Ele explodiu o Eterno e
passou apressado pelos amigos, rosnando: “Saiam da rua, idiotas.”
Ele checou: trinta e nove por cento.
Uma dúzia de Eternos estava descendo na outra direção da rua. Muitos para ficar
brincando. Ele abriu bem os braços e disparou simultaneamente nos Eternos da extrema
esquerda e da extrema direita. Ele tinha sorte de que o lazotep era um bom condutor. Com
pouco esforço, ele criou um circuito entre ele e os doze. Eles se contorceram e sacudiram
como borboletas presas a uma parede até que ele desligou a eletricidade, e ao mesmo todos
caíram nos paralelepípedos, fumegando.
Trinta e quatro por cento.
Ele estava na porta da frente, estava pegando na maçaneta, quando ouviu o grito. Ele
se virou e viu um anjo eternizado descendo em sua direção.
Ele atirou.
E errou.
E mal conseguiu sair do caminho. Rolando, ele parou, olhando para cima.
Trinta e três por cento.
Ele se sentia como uma tartaruga virada. O Acumulador em suas costas era tão leve
quanto ele conseguira projetá-lo. O que significava que não era mais pesado do que deveria

96
ser. O que significava que ainda era pesado pra caramba. Ele estava acostumado a ele, havia
treinado com ele, havia lutado várias batalhas com ele, mas isso não facilitou a recuperação,
a rolagem e o preparo para disparar novamente.
Ele conseguiu.
O anjo desceu, usando soqueiras com garras de bronze.
Ral atirou novamente.
Errou novamente.
Esquivou-se novamente – mas não foi rápido o bastante. As garras da mão direita do
anjo rasgaram sua jaqueta de couro e cortaram superficialmente seu ombro. Ele inspirou
com um silvo – e torceu para que as garras não tivessem sido mergulhadas em veneno.
Trinta e dois por cento.
O anjo estava voando para outro ataque. Ral abriu seus braços, estremeceu e entoou
suavemente através da dor.
Ele gerou uma rede virtual de eletricidade entrecruzada no ar.
O anjo rolou para longe dela, acelerou para cima e mergulhou ao lado da rede de Ral.
Vinte e sete por cento.
Ral puxou os punhos para o peito e a rede de raios veio em sua direção, só um pouco
mais rápida do que o terrível anjo.
Ela enredou as asas de lazotep do anjo, e a criatura já era – o que não a impediu de
continuar mirando em Ral enquanto tremia e morria.
Era uma coisa muito boa Ral ser imune à própria eletricidade, já que a criatura levou
uns bons trinta segundos para fritar. E como Ral não era imune ao calor que sua morte
estava gerando, ele gritou enquanto o Eterno incandescente queimava sua jaqueta, túnica e
uma boa porcentagem das calças.
Ele jogou a carcaça para longe de si.
Vinte e um por cento.
Ele ficou de pé o mais rápido que pôde. O que restou de suas roupas estava em
farrapos queimados, e algumas manchas em sua pele precisariam de um bom feitiço de cura.
Mas nada daquilo importava agora.
Ele olhou em volta em busca de mais Eternos e, não vendo nenhum, agarrou a
maçaneta da porta e entrou no prédio.
Ele correu escada acima para encontrar Tomik, para tomá-lo em seus braços.

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Mas, quando chegou ao seu apartamento… ele estava vazio.

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VINTE E QUATRO
KAYA
Por algum motivo, os Eternos decidiram – até onde Kaya podia dizer – não entrar em
nenhum edifício. Falanges e safras da Horda Medonha estavam vasculhando as ruas de
Ravnica, mas os cidadãos estavam, pelo menos temporariamente, seguros se
permanecessem dentro de casa. Era um cenário que dificilmente continuaria daquele jeito.
Não era exatamente uma característica de Bolas atacar antes de criar o caos. Mas os
planinautas ficariam felizes em obter qualquer descanso que pudessem, pelo tempo que
durasse.
Deste modo, Kaya, Teyo e Rata estavam lutando contra Eternos enquanto caminhavam
pelas ruas, caminhos e becos da cidade – salvando observadores no trajeto. Mas era
suficientemente fácil dizer para os resgatados encontrarem abrigo em algum lugar, em
qualquer lugar. O trio poderia então seguir em frente sem muita preocupação com os que
ficavam para trás. Além disso, eles nunca precisaram se aventurar dentro das construções, o
que era melhor que nada. Ir de casa em casa, de prédio em prédio, teria sido muito mais
perigoso e demorado.
Eles estavam indo em direção a Orzhova, a Catedral Opulenta, para convocar as forças
do Sindicato Orzhov para a batalha contra o inimigo. Como havia apenas três deles – e já
que as habilidades de Teyo eram em grande parte (bem, quase inteiramente) defensivas –
eles tentaram evitar os contingentes maiores. Mas sua taxa de sucesso contra Eternos
individuais ou pequenas safras eram espetaculares.
Kaya fazia a maior parte do trabalho pesado quando se tratava de realmente assassinar
aquelas criaturas. Elas pareciam particularmente vulneráveis às suas adagas fantasmas. E
elas não podiam tocá-la quando ela estava incorpórea. Ela tinha que prestar muita atenção, é
claro; sempre havia o risco de que enquanto ela estivesse matando um, outro pudesse
descobrir o momento certo, mas ser cuidadosa não era nenhuma novidade para a assassina
fantasma. Muito menos matar mortos-vivos. Além disso, Teyo estava lá, protegendo sua
retaguarda.
Ele alegou ser um mago do escudo novato, e o menino estava claramente operando
próximo da exaustão, mas ele fez sua parte, protegendo suas costas, sua frente, seus lados.
Ele era rápido e inteligente e, se a situação não fosse tão desesperadora, Kaya poderia ter se
divertido com a maneira como ele era constantemente surpreendido pelo rápido crescimento
de suas próprias habilidades.

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E Rata não era molenga. Ela era pequena e rápida.
Basicamente, fazia jus ao apelido.
E ela era talentosa com seus dois punhais. Ela esperava por seu momento, em seguida,
saía detrás de um dos escudos losangulares de Teyo, se esquivava de dois ou três Eternos e
depois esfaqueava qualquer um que não a tivesse visto se aproximar, mergulhando ambos os
punhais nos olhos do Eterno, profundamente em seu cérebro. A criatura caía
instantaneamente, e Rata fugia antes que outro dos Eternos sequer reagisse à sua presença.
Durante um breve intervalo, enquanto atravessavam uma via pública larga e vazia –
vazia de tudo, exceto um punhado de cadáveres que indicava que os Eternos já haviam
tornado sua presença conhecida – Teyo se virou para Kaya e perguntou: “Então, nós somos
Sentinelas agora?”
“Eu não sei,” ela respondeu. “Nunca ouvi falar de ‘Sentinelas’ antes de hoje. Não está
totalmente claro o que é.”
Rata disse: “Os mocinhos, eu acho.”
Teyo assentiu. “O equivalente de Ravnica à Ordem dos Magos do Escudo.”
Kaya sacudiu a cabeça. “Eu não acho que eles estão limitados a Ravnica. Todos os
membros são planinautas. Talvez eles sejam o equivalente do Multiverso da sua Ordem.”
Rata encolheu os ombros. “Então… os mocinhos.”
“Sim.”
“Então eu acho que vocês dois são Sentinelas,” Rata disse. “Eu não, claro. Eu não sou
uma 'nauta.” Um pensamento pareceu atingir a jovem, e ela riu, dizendo: “Eu não sou
Sentinela; Eu sou Sem-Portão. Essa é Rata. Sempre Sem-Portão.”
“Você matou mais Eternos do que eu,” Teyo disse.
“Isso é uma coisa tão doce de se dizer, Teyo. Você é um menino tão doce. Ele não é um
menino doce, Senhora Kaya?”
“Muito doce,” disse Kaya enquanto procurava a próxima safra ou falange.
Teyo franziu o cenho levemente, dizendo para Rata: “Tenho certeza de que sou mais
velho do que você.”
Ela o ignorou. “É por isso que eu te adotei logo.”
“Eu-”
Ela se virou para interrompê-lo. “Como está o corte? Parece que não ficou nenhuma
cicatriz.”

100
Confuso pelas rápidas mudanças de assunto, Teyo esfregou a cabeça onde o corte
estava. “Bem, eu acho. Eu não sinto nada.”
“Foi legal do Sr. Juba D'ouro curá-la pra você. Como se ele não estivesse ocupado com
outras coisas, com todos os Eternos que ele estava matando de todos os lados. Não foi legal
do Sr. Juba D'ouro, Senhora Kaya?”
“Muito legal,” Kaya disse, balançando a cabeça distraidamente, pensando em como
exatamente ela poderia convencer os Orzhov a se juntar à luta. Ela já vira Maree levar os
Izzet para o campo, lutando lado a lado com guerreiros biológicos do Conluio Simic, sob o
comando de um tritão híbrido chamado Vorel. Foi um raro momento de união entre guildas.
E foi uma surpresa agradável ver os Simic saírem detrás de suas muralhas de isolamento
para ajudar.
Se eu pudesse convencer minha própria guilda fazer o mesmo.
Ela estava em dúvida sobre sua chance de sucesso, mas percebeu que não haveria
nenhuma chance se ela não chegasse a Orzhova.
Ela agora podia ver as torres pontiagudas e os pilares (literalmente) voadores da
Catedral Opulenta pairando sobre as estruturas menores e mais próximas. Ansiosa para
finalmente chegar lá, Kaya correu para uma viela – praticamente um beco – que parecia um
caminho mais direto, correndo diagonalmente entre dois prédios altos. Rata agarrou a mão
de Teyo e seguiu.
A cem metros de distância, Rata disse: “Acho que não devemos ir por esse caminho.”
“Devemos, se ele nos levar a Orzhova mais rápido.”
“É uma rua sem saída.”
Kaya parou de falar. Ela se virou para encarar Rata e disse: “Você poderia ter
mencionado isso antes.”
“Você parecia tão confiante. Eu pensei que talvez você conhecesse alguma passagem
secreta. Digo, há muitas passagens secretas em Ravnica. Muitas. E eu praticamente conheço
todas elas – ou a maioria delas, enfim. Mas eu imaginei que a mestre de guilda Kaya poderia
conhecer uma ou duas que eu não conhecesse, certo?”
“Rata, eu sou mestre de guilda há algumas semanas. Eu só estive em Ravnica por
alguns meses. Eu mal conheço esta cidade melhor do que Teyo.”
“Eu só cheguei esta manhã,” Teyo disse um pouco desnecessariamente.
“Eu sei disso,” Kaya rosnou.

101
A cabeça de Rata balançou. “Certo, certo. Então, a partir de agora, a nativa lidera. Por
aqui.”
Ainda segurando a mão de Teyo, ela o puxou de volta pelo caminho que eles vieram.
Ele se deixou ser arrastado para longe. Kaya seguiu, sentindo-se furiosa e tola ao mesmo
tempo.
Por que eu estava na liderança?
“Certo,” Rata disse, “talvez devêssemos voltar para o outro lado.”
“Por quê?” Kaya perguntou uma fração de segundo antes que ela soubesse o motivo.
Uma safra de Eternos estava entrando na boca da viela, seis metros à frente. Eram muitos
para eles combaterem naquele espaço fechado. As criaturas avistaram o trio e
instantaneamente correram na direção deles. Kaya, Rata e Teyo se viraram e correram. Kaya
gritou: “Você disse que essa era uma rua sem saída!”
“E é!”
“Então para onde estamos correndo?”
“Há uma porta para um boteco no final do beco. Não vai nos levar para a catedral, mas
se entrarmos talvez os monstrengos se esqueçam da gente.”
Parecia uma solução tão boa quanto qualquer outra.
Os Eternos eram rápidos, mas eles não estavam correndo por suas vidas. Rata, Teyo e
Kaya os venceram até o fim da rua, até a pesada porta de ferro. Finalmente soltando a mão
de Teyo, Rata tentou abrir a maçaneta da porta. Estava trancada. Ela bateu com os dois
punhos. Não houve resposta. Ela se ajoelhou e disse: “Tudo bem. Eu consigo destravar a
fechadura.”
“Eu também consigo,” Kaya disse, olhando para o avanço dos Eternos, “mas acho que
não há tempo.”
“Eu vou arranjar algum tempo,” afirmou Teyo. Ele começou a entoar e formou um
grande escudo losangular de luz branca para separá-los de seus perseguidores poucos
segundos antes que a colisão com os Eternos os esmagassem. Teyo grunhiu dolorosamente,
mas manteve o escudo, até o expandiu em um retângulo que se estendeu pela largura da rua
para que nenhuma das criaturas pudesse deslizar ao redor dele.
“Eu não sabia que você conseguia fazer isso,” Rata disse por cima do ombro, enquanto
trabalhava na fechadura.
“Nem eu. Nunca fiz isso antes. Mas eu posso usar as paredes para substituir a
geometria. É como se apoiar.”

102
“Se você diz.”
Ele não respondeu. Kaya estava perto o suficiente para ver as gotas de transpiração se
formando na testa e nas bochechas do menino. Ele entoava sob sua respiração, seus lábios
apertados e quase brancos. Os Eternos batiam suas armas contra seu escudo
implacavelmente, e ele parecia sentir cada golpe. Ela imaginou quanto tempo ele poderia
aguentar sob a tensão.
Algo clicou suavemente. “Consegui,” Rata disse, levantando-se. Ela pegou a maçaneta
da porta. Ainda não se mexeu. “Está destravada! Deve estar aparafusada por dentro!”
“Deixa comigo,” Kaya disse. Ela atravessou a porta.
Mas do outro lado, as notícias não era boas. Uma pesada barra de ferro fora colocada
do outro lado da porta – com grandes cadeados em cada extremidade. Kaya estava bastante
confiante de que ela poderia destravar os dois cadeados – mas não necessariamente rápido o
bastante para colocar as duas crianças dentro antes que o escudo de Teyo falhasse.
Eu poderia deixá-los para trás.
Ela mal conhecia qualquer um deles. Ela nem sabia que eles existiam antes de hoje.
Kaya era uma assassina e uma planinauta, constantemente em movimento, constantemente
deixando as pessoas, até mesmo os mundos, para trás. Ela não era exatamente do tipo de
estabelecer vínculos duradouros. Amigos, ela bem sabia, eram um risco em sua linha de
trabalho.
Eu deveria deixá-los para trás.
Mas não vou.
Ela atravessou sua cabeça de volta pela porta e disse: “Eu vou abrir, mas você precisa
segurar um pouco mais.”
Teyo, com os olhos fechados, balançou a cabeça uma vez, mas não disse nada. Ele não
estava mais entoando. Apenas rangendo os dentes e apoiando o escudo com as duas mãos, à
medida que um minotauro de lazotep dava sucessivas cabeçadas, e enquanto o restante dos
Eternos golpeava com maças ou com as pontas de suas espadas falciformes. Luz branca
brilhava a cada impacto. Não iria segurar.
Vendo o perigo, Kaya atravessou seu corpo de volta para a rua. Ela segurou seus
punhais e alcançou seu íntimo, recorrendo aos muitos contratos Orzhov que controlava
enquanto mestre de guilda, valendo-se dos contratos contra a vontade deles, a fim de
convocar a força total e as tropas de sua elevada posição, o poder inerente a ela, a esse local.
Ela sabia que muitos dos membros do mais alto escalão do Sindicato a consideravam uma
intrusa (e ela era) - alguém que tinha perdoado muitas pobres almas da esmagadora dívida (e

103
ela tinha) - e adorariam se atrasar em responder ao seu chamado apenas o tempo suficiente
para ela perecer (o que bem poderia acontecer). Ela não podia contar com eles chegando a
tempo ou até mesmo liberar a força bruta que seria necessária para explodir todos aqueles
Eternos.
Felizmente, a ajuda veio de outro quarteirão. De trás da safra, Kaya ouviu berros,
gritos e assobios. Ela não entendeu, mas viu Rata sorrir e colocar uma mão tranquilizadora
no ombro de Teyo. “Só mais alguns segundos,” ela disse a ele. “Vai dar tudo certo.”
Guerreiros Gruul – homens e mulheres – atacaram os Eternos por trás, machados
cortando lazotep. Presas perfurando. Martelos descendo. Um humano particularmente
robusto, com longos cabelos escuros, esmagou duas cabeças de Eternos com força suficiente
para estilhaçar seus crânios em fragmentos de osso e lazotep.
Os Eternos imediatamente esqueceram o trio e se voltaram para os novos inimigos.
Teyo caiu, desfazendo o escudo. Rata ficou protetivamente em cima dele, com suas adagas
expostas.
Brandindo suas longas facas, Kaya começou a atacar os Eternos por trás.
Um jovem e sorridente guerreiro Gruul cortou a cabeça de um Eterno com uma foice
longa e pesada. Ela podia ver uma trilha de energia dourada saindo dele e indo em direção
ao céu no rumo do Farol. Ele era um planinauta.
Ele olhou para ela e gargalhou: “Você deve ser a mestre de guilda Kaya, a toda-
poderosa assassina fantasma. Sorte sua que Domri Rade estava por aqui, aproveitando o
caos sangrento!”
“Você é Rade?”
Ele pareceu imediatamente insultado: “Claro que eu sou Rade! Quem mais?”
Kaya tinha ouvido falar de Domri Rade, o novo mestre de guilda dos Clãs Gruul. Seu
antecessor, o ciclope Borborigmo, perdera popularidade com os clãs ao concordar em se
juntar à tentativa de Ral de unir as guildas. Quando a tentativa foi pelos ares – quando
Vraska jogou tudo pelos ares – o ciclope foi deposto e Rade entrou. Mas Kaya nunca tinha
realmente visto Domri antes.
Como esse pequeno arrogante catarrento – planinauta ou não – conseguiu se levantar
entre os brutais Gruul para ficar em posição de dar ordens?
Ela suspeitou que ele fosse outro peão de Bolas. No entanto, aqui estava ele matando
Eternos e – felizmente – salvando seu traseiro.
“Estou agradecida,” ela se forçou a dizer.

104
“Deve estar mesmo!” ele respondeu, muito satisfeito consigo mesmo. Agora, a maioria
dos Eternos estava em pedaços no chão. Domri bufou e gritou para seus guerreiros: “Isso aí,
galera, acabou a diversão por aqui. Vamos procurar mais!”
Eles começaram a sair da rua, Domri liderando o caminho e o corpulento guerreiro de
cabelo escuro ocupando a retaguarda. Problematicamente, um dos Eternos não estava
suficientemente morto. Estava lhe faltando um braço, mas isso não parecia incomodar
muito, e ele saltou de pé com uma espada na mão, preparado para apunhalar as costas do
grande homem.
Teyo reagiu primeiro, estendendo a mão e lançando uma pequena, mas sólida esfera de
luz branca na nuca da criatura. Ela atingiu duramente, e o Eterno tropeçou brevemente,
fazendo barulho o suficiente para alertar o Grandão sobre o perigo. O grande homem se
virou a tempo de ver Teyo atingir o Eterno com outra esfera.
Então Kaya estava sobre o Eterno, apunhalando suas entranhas com ambas as facas. O
Eterno estava morrendo – mas não parecia saber disso ainda. Ainda estava balançando sua
espada em direção ao Grandão.
De repente, Rata estava montada nos ombros do Eterno. Ela enfiou suas adagas em
seus olhos e profundamente em seu crânio. Ele colapsou sob ela.
Grandão franziu a testa. Com alguma relutância, ele grunhiu um agradecimento a Kaya
e Teyo ao mesmo tempo em que ignorava Rata completamente. Então ele se virou e trotou
para alcançar seus companheiros Gruul.
“Quem era aquele?” Teyo perguntou.
Rata encolheu os ombros. “O grandão? Aquele é Gan Shokta. Meu pai.”

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VINTE E CINCO
JACE BELEREN
Apenas Jace, Karn e Teferi permaneceram na praça para conter a maré de Eternos que
marchava pela Ponte Planar. Sob o comando de Gideon, o resto dos doze ou mais
planinautas que eles já tinham identificado se espalharam pela cidade, alguns – como Zarek
e aquela tal de Kaya – para tentar novamente reunir as guildas, e o restante para identificar e
recrutar novos planinautas quando eles chegassem. E tudo isso para matar todos os Eternos
que encontrassem.
E eles matariam muitos, Jace sabia. Mas havia uma considerável distância entre
“muitos” e “o bastante” quando mais e mais da Horda Medonha continuaram a emergir de
Amonkhet.
A missão das Sentinelas em Amonkhet fora um completo desastre, um horror
devastador. No entanto, Jace não havia percebido quão pouco do verdadeiro horror ele e
seus companheiros testemunharam. O número de Eternos que eles viram naquele dia era
claramente apenas uma fração do verdadeiro exército de Bolas. Além disso, o massacre da
população de Amonkhet resultou em mais cadáveres que já foram reaproveitados em mais
guerreiros lazotep. Esse era o destino prometido para as pessoas de Ravnica.
Ainda assim, isso não pode ser tudo.
Se tudo o que Bolas queria era conquistar Ravnica – mesmo que isso fosse apenas um
passo em direção à criação de uma Horda Medonha ainda maior para usar contra Dominária,
Innistrad ou… todo o Multiverso – então os planos do dragão estavam complicados demais.
Por que trazer e ativar o Sol Imortal, forçando seus maiores inimigos em potencial a
permanecer aqui e lutar? Por que não preferir um campo aberto? E realmente seria uma
coincidência que o Farol de Niv-Mizzet estivesse convocando os planinautas para serem
presos pelo Sol aqui?
Não.
Jace apostaria que Niv e Zarek foram de alguma forma manipulados por Bolas para
criar e ativar o Farol. O Farol e o Sol combinados eram uma grande peça desse quebra-
cabeça. Isso não era apenas uma armadilha para os derrotados remanescentes das Sentinelas.
Esta era uma armadilha para cada um dos planinautas no Multiverso.
Jace sabia disso com a mesma certeza que sabia de qualquer outra coisa.

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Mas a peça final ainda está faltando. A armadilha está posta. Como e quando estará
completa?
Teferi se esforçava para retardar o tempo ao redor da Ponte Planar, para retardar o
avanço dos Eternos e retardar seus tempos de reação. Jace criava ilusões o mais perto
possível do portal para colocar os Eternos uns contra os outros e criar um engarrafamento na
saída do portal. Karn estava perfeitamente posicionado para esmagar todos os crânios
cobertos de lazotep que conseguisse entre os Eternos que passassem pelos feitiços de Teferi
e Jace. Considerando os três, era uma estratégia eficaz. Mas não era o suficiente. Era como
tapar o sol com a peneira, com raios Eternos entrando e queimando por todos os lados.
Usando uma versão do feitiço telescópico de Lavínia, Jace olhou para Nicol Bolas em
seu trono. Apesar das ilusões de invisibilidade que Jace estava usando para esconder Karn,
Teferi e a si mesmo dos Eternos, ele sentiu que certamente Bolas sabia que eles estavam lá.
E ele simplesmente não se importa. Na verdade, ele pode estar realmente feliz com
esse fato.
Ainda usando o feitiço, Jace olhou para Liliana Vess. Ele fez uma tentativa superficial
de ler sua mente, mas havia muito barulho psíquico causado pelos espíritos Onakke que
possuíam o Véu Metálico que ela usava. E Bolas provavelmente estava bloqueando
qualquer tentativa de ler, alcançar ou influenciar seu peão.
Jace estava irritado com Liliana. E mesmo assim ele também sentia pena dela. Ela teve
que desistir de amizades verdadeiras para escolher o lado de Bolas. E talvez não haja
ninguém no Multiverso que precise de um amigo verdadeiro tanto quanto Liliana Vess.
Gideon passou a confiar e a contar com ela, a acreditar nela. Chandra a amara como
uma irmã. E Jace…
Eu a amei?
Antes, talvez. Liliana usou e manipulou Jace a cada momento. Ela o tratara como um
brinquedo – ou uma ferramenta.
Em todos os sentidos da palavra.
Mas isso não mudava o fato de que ele já tivera sentimentos verdadeiros por ela. Ou,
sendo honesto, que ele ainda tinha sentimentos por ela. Ele não estava mais apaixonado por
ela, não estava mais apaixonado pelos esfumaçados mistérios da tentadora Liliana Vess.
Mas droga, eu ainda me importo com ela!
E ele não conseguia afastar o pensamento de que também falhara com ela. Que de
alguma forma devia ter havido algum jeito de alcançá-la, tocá-la, trazer esta infame

107
necromante sombria para a luz. Ele sabia que ela havia lhe estendido a mão, que mesmo ao
tentar manipulá-lo ela havia tentado, de sua maneira travada e ferida, criar uma conexão
verdadeira com Jace Beleren. E ele tinha certeza de que, em um ou dois momentos-chave,
ele havia rejeitado aquela conexão.
Ela mereceu depois das merdas que fez.
Mas ela também merecia mais dele.
Claro, ela não era a única que ele havia decepcionado. A lista era longa e começava
com as dez guildas de Ravnica.
Inferno, não só as guildas.
Agora ele poderia colocar todos os seres vivos de Ravnica nessa lista. Jace nunca
realmente abraçou o fato de ser o Pacto das Guildas Vivo, mas ele havia certamente perdido
aquele poder. Ral e Lavínia explicaram o que deu errado em sua tentativa de unir as guildas
e dar a Niv-Mizzet o poder para destruir Bolas. E Jace queria ficar furioso com a arrogância
deles, mas havia muita culpa ao redor. Se o Pacto das Guildas Vivo estivesse aqui, fazendo o
seu maldito trabalho, então os esforços de Niv e o Ral poderiam nunca ter sido necessários.
Pior, se Jace não tivesse feito o que fez com Vraska, não tivesse apagado sua mente de
todo o verdadeiro conhecimento sobre a maldade de Bolas, ela poderia não ter destruído
qualquer esperança de uma aliança das guildas. Se ele tivesse vindo para Ravnica quando
prometeu e restaurado sua memória como ele prometeu, ela ainda poderia estar aqui, lutando
ao seu lado, apoiada pelo poder das dez guildas unidas e todo o poder místico do Pacto das
Guildas Vivo.
Tudo recai sobre mim, ele pensou.
Eu sinto falta dela, ele pensou.
Apesar de todo esse pensamento, Jace manteve sua invisibilidade, a invisibilidade de
Karn, a invisibilidade de Teferi e as ilusões no gargalo do portal que faziam cada Eterno
pensar que todos os outros Eternos eram seres-vivos e vítimas em potencial. Era um pouco
cansativo, mas não era exatamente o feitiço mais difícil que ele já havia tentado. Nem perto
disso.
Eu deveria fazer mais.
Eu deveria assumir o comando.
Jace havia permitido que Gideon, com sua natural e descomprometida autoridade
moral (para não mencionar todo o seu natural e descomprometido carisma), emitisse seus
comandos e espalhasse suas tropas. Uma parte de Jace – bem, na verdade, tudo em Jace –

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sabia que era uma solução negligente. Era o típico Gideon, bem intencionado, direto e quase
inteiramente sem qualquer tentativa real de ponderação. Gideon Jura combatia os sintomas
sem pensar em como curar a doença. O que não impedia Jace de dizer absolutamente nada
em discordância.
Para quê? Para que eu pudesse reclamar mais tarde, como sempre?
Ele não queria mais ser esse Jace.
Seu tempo com Vraska em Ixalan o mudara, para melhor ele acreditava. Ele não queria
ser uma pobre versão masculina de Liliana, fazendo joguinhos, resolvendo quebra-cabeças,
e manipulando seus amigos para assumirem responsabilidades que ele se recusava a
realmente carregar ou abraçar.
Após finalmente ser capaz de ver seu verdadeiro potencial através dos olhos dourados
de Vraska, ele pensou ter encontrado outro caminho. Mas fora da sua influência, ele
rapidamente se reverteu aos velhos hábitos.
Eu não tenho que ser o substituto de Gideon. Eu não tenho que ser o ex chorão de
Liliana. Eu posso enfrentar o desafio de hoje e me tornar—
De repente, um grito de guerra vindo de cima retirou Jace de seu monólogo interior e
da mecânica invocação de ilusões.
A voz era familiar, e, mesmo antes de Jace olhar para o céu, ele sabia que sinalizava o
retorno de Gideon Jura. Ele estava montando um pégaso, incrivelmente.
Olhe para ele. Gideon nasceu para montar um maldito cavalo voador!
Gideon não estava sozinho. Flanqueando-o estavam Ajani Juba D'ouro e uma mulher
armada com um arco impressionante, ambos montados em grifos. Suas três auras douradas,
que os marcavam como planinautas, subiam de trás deles como rastros de éter.
Então veio a mestre de guilda Boros, o anjo Aurélia, liderando um esquadrão de anjos
Boros e Cavaleiros Celestes. E, movendo-se lentamente atrás de todos, estava a Fortaleza
Celeste Boros, Parélio II.
Jace enviou uma rápida mensagem telepática para Gideon não atacar direto na boca do
portal, onde suas magias e as de Teferi ainda estavam surtindo efeito. Não ajudaria ter as
forças Boros retardadas pelo campo temporal de Teferi ou jogadas em desordem pelas
ilusões de Jace. E havia muitos Eternos para combater além da Ponte Planar.
Gideon sinalizou para Aurélia com uma mão: alguns breves gestos militares que de
alguma forma transmitiram instantaneamente todo o conhecimento relevante.
A telepatia de um soldado, Jace pensou com pesar.

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Aurélia sinalizou para seus Cavaleiros Celestes. Eles mergulharam para lutar contra os
Eternos voadores que Karn nunca poderia alcançar. Eles desceram para bombardear os
guerreiros lazotep com flechas e lanças.
Isso está indo muito bem.
Empregando o feitiço telescópico novamente, Jace olhou para Liliana Vess, sua
expressão escondida pelo Véu. Nada em sua postura tinha mudado, contudo, aquilo era um
pouco preocupante.
Jace olhou para Nicol Bolas. Nada em sua expressão ou postura tinha alterado nem em
um mínimo detalhe. E isso era mais do que um pouco preocupante.
O que não estou enxergando?
Ele expandiu sua mente. Mas foram seus ouvidos que primeiro registraram algo. Ele
gradualmente se deu conta de uma batida lenta e grave. Quando ficou mais alto, o chão
começou a tremer com o concerto.
E agora? É isso? Este é o ultimato de Bolas?
Jace olhou para o portal, mas ele não era a fonte do barulho. E, a essa altura, ele não
era o único que havia notado aquilo.
Karn gritou: “Está vindo de trás de nós!”
Sim, estava.
Jace se virou logo que um poderoso elemental verde apareceu acima dos prédios,
circulando uma torre de mármore e pisando sobre um hotel de pedra calcária, pisoteando em
direção à ação.
Aquilo é… Vitu-Ghazi?
Jace focou o feitiço telescópico nas figuras minúsculas sobre os galhos e colunas do
elemental.
Aquela ali é Chandra? Jaya? Lavínia?
Aquela é Nissa Revane?
Luz dourada fluía de sua ex-aliada Sentinela. Apesar de dizer a ele que não iria, Nissa
havia retornado, havia permitido que o Farol a convocasse para Ravnica, havia se juntado à
batalha ao lado deles.
Ele gentilmente tocou sua mente: Obrigado foi tudo o que ele disse.

110
Ela respondeu com o equivalente psíquico a seu sorriso comedido. Passou por sua
mente como uma chuva de verão. Jace sentiu uma imensa inundação de alívio. Então sentiu
a necessidade de testá-la.
Ele olhou para Liliana Vess. Ainda nenhuma mudança.
Droga.
Ele olhou para Nicol Bolas. O dragão estava sentado em seu trono, fumaça saindo de
sua boca.
Está funcionando!
Eles haviam movido o dragão. Surpreendido-o, pelo menos. Ele poderia se juntar à
luta a qualquer momento, então Jace enviou uma mensagem de aviso para Nissa, Karn,
Teferi, Gideon, Ajani, Aurélia e Lavínia. Ele não incluiu a nova planinauta, a arqueira. Ele
não a conhecia e não sabia como ela reagiria à intrusão telepática.
Aurélia fez um amplo movimento com o braço. O Parélio II se virou em direção a
Bolas, seu canhão místico pronto para atirar – esperando apenas pelo sinal.
Nissa não esperou. Ela não fez gestos militares, não emitiu sinais. Nada disso era
necessário. A enorme árvore-elemental se virou. Não para o próprio Bolas, mas em direção
ao obelisco no centro da praça e à estátua de Bolas sobre ele. Era uma monstruosidade e um
símbolo do desprezo de Bolas por todos eles.
Vitu-Ghazi alcançou a grande coluna e envolveu suas duas mãos de tronco ao seu
redor. Poderosos tendões de madeira puxaram. O mármore se rachou, o pilar tremeu em sua
base, e quando Vitu-Ghazi recuou, o obelisco e a estátua desabaram. O barulho foi
simplesmente espetacular.
Assim como a visão de tudo aquilo.
E assim também foi a reação. A ovação do exército Boros percorreu toda a praça,
como se o próprio Bolas tivesse sido derrubado. Ravnicanos que estavam escondidos dentro
dos prédios ao redor, espiando através das janelas com medo da Horda Medonha, abriram as
janelas e se juntaram aos aplausos. Alguns até saíram – embora o perigo estivesse longe de
terminar.
E como se tivessem vindo de outros mundos para ajudar na celebração, Jace viu dois,
três, não, quatro novos planinautas que ele não reconheceu se materializarem na praça,
ostentando a reveladora luz do feitiço de Karn.

111
Jace observou enquanto Vitu-Ghazi se voltava para a Ponte Planar e começou a
esmagar Eternos sob seus pés. Jace rapidamente removeu os feitiços de invisibilidade que
escondiam a si mesmo, Karn e Teferi.
Não precisamos ser esmagados acidentalmente.
Jace ouviu o bater de asas, e o pégaso de Gideon pousou ao lado dele. Seu mestre não
desmontou, mas se inclinou sobre a montaria e trocou um sorriso com o sorridente Jace. “A
maré virou,” Gideon disse.
Jace assentiu. Ele sabia que este era um grande momento. Bolas não tinha sido
derrotado, mas algo como esperança estava no ar.
Vitu-Ghazi fez uma breve pausa para abaixar Nissa, Chandra, Jaya e Lavínia até o
chão ao lado de Jace, Gideon e o pégaso. Gideon escorregou da sela para abraçar Nissa. Jace
não conseguiu deixar de balançar sua cabeça. Todos sabiam que Nissa particularmente não
gostava de ser abraçada. Mas ela parecia pelo menos apreciar o sentimento.
Ora, até Lavínia estava sorrindo. Talvez. Eu acho que aquilo é um sorriso. Bem, pelo
menos, ela não estava franzindo a testa.
Ele disse a ela com ironia, “Aposto que as guildas vão se juntar à luta agora.”
Ela respondeu com um inexpressivo “Todo mundo quer estar no lado vencedor.”
Jace manteve sua atenção em Bolas. Fumaça bufou de suas mandíbulas e narinas. Mas
ele ainda não fez nenhum movimento para se juntar à batalha.
Mais uma vez, Jace tornou-se gradualmente consciente do som de outra grave batida.
Sorrindo, ele se virou para Nissa.
Gideon disse o que Jace estava pensando: “Você despertou outro?”
Mas Nissa estava olhando para o portal, e ela não estava sorrindo.
Jace olhou de volta para Nicol Bolas. Ele estava.
As batidas dos passos vinham da Ponte Planar. E então ela emergiu, abaixando a
cabeça enquanto saía do portal: Bontu—A imensa Deusa da Ambição de Amonkhet, que
havia sido morta por Bolas durante uma hora de pura devastação, quando aquele Plano fora
destruído. Só que agora ela havia ressuscitado como uma Deusa-Eterna coberta de lazotep.
E ela não estava sozinha. Kefnet, Deus do Conhecimento a seguiu. Então Oketra, Deusa da
Ordem. E finalmente, Rhonas, Deus da Força. Todos mortos. Todos Eternos. Todos tão
grandes quanto Vitu-Ghazi.
Os Deuses-Eternos avançaram. O Parélio II disparou seu canhão, mas com pouco
efeito, e foi forçado a recuar.

112
Vitu-Ghazi avançou para enfrentar esses novos adversários – apenas para ser atingida
por um golpe de Bontu.
No chão, Nissa parecia sentir o golpe como se ela mesma tivesse sido atingida. Ela se
dobrou enquanto Chandra e Gideon correram até seu lado para apoiá-la.
Os quatro deuses mortos rapidamente cercaram o elemental. Eles espancaram Vitu-
Ghazi. Rhonas arrancou um de seus braços. Nissa gritou… e abandonou o controle dele. O
elemental caiu, inerte.
Em vez de se desesperar, Gideon perguntou a Nissa: “Você tem outro?”
Jace a viu balançar a cabeça e colapsar nos braços de Gideon.

113
VINTE E SEIS
TEYO VERADA
Os três ainda não haviam alcançado a catedral, mas eles não estavam mais sozinhos.
Teyo, Rata e Kaya estavam agora na companhia de um crescente número de guerreiros
Gruul de Domri Rade, incluindo o pai de Rata, Gan Shokta, além de xamãs, druidas, um
ogro e uma dupla de mulheres-lagarto bípedes que Rata chamou de viashinos. Durante uma
batalha contra outra falange Eterna, eles também se uniram ao que Rata chamou de
“formador de terra, super-soldados e tritões” do Conluio Simic, liderados pelo “Biomante”
Vorel; e por “magos-mecanoides” Izzet – humanos, goblins, e vedalkeanos de pele azul –
liderados pela Senescal Maree. Uma segunda batalha tinha acrescentado duas planinautas a
suas fileiras: uma tritã chamada Kiora, de um mundo chamado Zendikar, e uma jovem
humana chamada Samut, de Amonkhet, que aparentemente era a fonte da ameaça Eterna.
Samut lutava com uma fúria e paixão que Teyo nunca tinha visto antes. Ela parecia
saber os nomes de cada um dos seus inimigos lazotep, dizendo severamente: “Você está
livre, Eknet. Você está livre, Temmet. Você está livre, Neit,” enquanto matava cada um.
Teyo percebeu que Gobakhan – com suas tempestades de diamantes, monges,
humanos, anões e gênios – era um mundo bastante inofensivo se comparado não apenas a
Ravnica, mas a todos os outros planos de onde todos os outros planinautas vieram. Ele não
se sentia mais sobrecarregado por aquilo. Ele estava tão além do conceito de se sentir
sobrecarregado que o notável, o surpreendente, o sensacional passava sobre ele como um
simples movimento, deixando-o em um estado permanentemente maravilhado, ao qual ele
estava simplesmente se acostumando.
Isso parecia não parar de divertir Rata: “Você nunca viu um tritão antes?”
“Não temos muita água em Gobakhan.”
“Você nunca viu um vedalkeano?”
“Eu conheço pessoas com pele negra, morena e bronzeada, mas eu nunca vi ninguém
com pele azul antes.”
“Você nunca viu um viashino?”
“Talvez alguns dos nossos lagartos cresçam até se tornarem viashinos?”

114
Ela ria a cada resposta. Era um som adorável, como uma preciosa água fluindo de um
milagroso encanamento. Ele sabia que ela estava provocando-o, e ele sempre odiou ser
provocado pelos outros acólitos, mas com Rata, de alguma forma, ele não se importava.
“Nunca viu um rato antes?”
“Eu vi muitos ratos em Gobakhan. Nenhum como você.”
Ela riu de novo e deu um soco no braço dele. (Não tão gentilmente.)
Excepcionalmente, a única estranheza que ainda intrigava Teyo Verada era o cisma
entre pai e filha. Gan Shokta se recusava a até olhar para a filha, muito menos falar com ela,
menos ainda agradecê-la por salvar sua vida. Araithia Shokta roubava um olhar ocasional de
seu pai, mas ela não fez nenhuma tentativa de confrontá-lo, chegar até ele ou se comunicar
com ele de alguma forma. Teyo, um órfão, ansiava por perguntar o porquê, ansiava por
conhecer a história por trás daquela triste divisão, mas apesar de ela parecer aceitar esse
menosprezo com uma serenidade incomum, ele percebia que, por dentro, aquilo provocava
uma dor substancial em sua nova amiga. Talvez ele perguntaria a ela em algum momento,
se eles sobrevivessem tempo suficiente para chegar a ter um momento particular.
Neste momento, eles estavam no meio de mais uma batalha contra outra safra de
Eternos. A Horda Medonha estava em um terreno elevado em cima de um monte de
paralelepípedos, e Vorel gritou um comando para atacarem os invasores.
A líder Izzet, Maree, estava prestes a se opôr a receber ordens do biomante Simic, mas
antes que ela pudesse falar, Rade disse desdenhosamente a Vorel que ele poderia pegar suas
ordens e enfiá-las em algum lugar que Teyo pensou ser anatomicamente impossível.
Rade, por sua vez, liderou suas tropas para cima, gritando: “Vambora, galera! Não
precisamos desses ratos de laboratório ensinando como esmagar cabeças!”
Teyo olhou para Maree, que claramente decidiu que era melhor ser aliada de Vorel do
que ser colega de Domri Rade.
Então Gruul, Simic e Izzet invadiram a colina, acompanhados por Teyo, Rata, Kaya e
Kiora. Teyo procurou por Samut e percebeu que ela já estava lá em cima, matando Eternos:
“Você está livre, Haq. Você está livre, Kawit.”
Assim que Teyo chegou ao cume, duas mulheres subitamente se materializaram muito
próximas a ele. O feitiço de Karn instantaneamente as identificou como planinautas, com
auras douradas se arrastando para o céu – caso a materialização não tivesse sido uma pista
suficiente. Ambas as planinautas tinham pele amarronzada. Se não fosse por isso,
dificilmente poderiam ser menos parecidas. Uma – a quem ele mais tarde descobriu se
chamar Huatli – estava encouraçada e armada, com um longo rabo de cavalo preto bem

115
trançado emergindo de baixo de seu elmo. Ela era baixa, mas poderosamente musculosa
com olhos ávidos e uma boca determinada. A outra – mais tarde apresentada como Saheeli
Rai – tinha um longo vestido circular, decorado com abundante filigrana de ouro. Ela era
mais alta e usava seu cabelo em um coque, o que a fazia parecer ainda mais alta. Ela era ágil
e graciosa com olhos curiosos e uma boca sorridente.
Apesar de suas diferenças, elas eram claramente amigas. Tentando dimensionar a
situação, elas trocaram um rápido olhar, mas ficaram lá paradas, talvez sem ter certeza de
qual lado deveriam estar. Teyo inadvertidamente respondeu à pergunta não feita, lançando
uma pequena geometria para bloquear um machado lançado por um dos Eternos que poderia
ter dividido o crânio da garota mais alta.
Ela o agradeceu, assim como a garota mais baixa em favor de sua amiga.
Olhando de relance para as recém-chegadas, Rata passou por elas para atacar outro
Eterno. Elas não lhe deram atenção e Rata devolveu o favor.
Teyo aumentou o tamanho de seus quatro-pontas para proteger todas as três.
“Permita-nos perguntar o que está acontecendo?” perguntou Saheeli.
“Ou onde estamos?” perguntou Huatli.
“Vocês estão em Ravnica. Eu acabei de chegar aqui sozinho. Eu sou um planinauta há
quatro horas, então provavelmente não sou a melhor pessoa para te atualizar, mas todos nós
estamos lutando contra esses monstros mortos-vivos. Eles estão invadindo este Plano,
atacando e matando todos que puderem. Eles são chamados Eternos, e eles trabalham para
um dragão maligno chamado Bolas. Essa é a versão curta. Rata poderia explicar melhor.”
Saheeli perguntou: “Invasores? Eles são todos planinautas?”
“Não. Eles vieram – bem, na verdade, eles ainda estão vindo – através de algo
chamado ‘Ponte Planar’. É um grande portal. Como uma janela para outro mundo.”
A boca de Saheeli se tornou uma linha. Seus olhos se tornaram fendas. Ela disse
friamente: “Eu sei o que ela é.” Ela enfiou a mão em uma pequena bolsa ao seu lado e
retirou algo. Parecia uma pequena bola de fios de ouro. Mas ela rapidamente se abriu,
transformando-se em uma espécie de colibri mecânico de ouro, que pairava diante de seu
rosto. Ela balançou a cabeça uma vez. O pássaro balançou de volta.
Então disparou para o ar, voando sobre o escudo de Teyo. Em alta velocidade voou
direto até testa de um Eterno, atravessando e emergindo na parte de trás do crânio. O Eterno
cambaleou e caiu. Mas o pássaro não desacelerou. Repetiu o processo em outro Eterno e
depois em outro.

116
Huatli havia empunhado uma pequena arma curvada, do tipo que Teyo nunca tinha
visto antes. Ela balançou a cabeça para ele. Ele não entendeu, mas assentiu de volta. Parecia
a coisa educada a se fazer.
“Deixe-me sair de trás disso,” ela disse secamente.
Teyo assentiu novamente, um pouco embaraçado. Seu quatro-pontas se reduziu para
um três-pontas, cobrindo apenas Saheeli e a si mesmo. Teyo foi brevemente distraído com o
fato de que ele tinha conseguido aquela pequena magia de escudos sem entoar nada. Ele não
tinha certeza de quando parara de cantar, mas estava criando geometria sem palavras há
algum tempo sem perceber.
Ele sorriu sombriamente: O abade não aprovaria.
Huatli, enquanto isso, estava se dando bem matando Eternos.
A batalha não seguiu sem baixas. O ogro Gruul tinha corrido muito à frente de seus
companheiros. Embora ele tivesse esmagado cinco ou seis crânios de lazotep com seu
martelo de pedra, os Eternos acabaram cercando-o, arrastando-o para baixo e esfaqueando-o
cerca de trinta vezes. Um xamã Simic demorou um momento a mais para lançar um feitiço e
acabou sendo decapitado. A cabeça caída conseguiu falar as últimas poucas palavras
necessárias antes de expirar, e a criatura que a matou explodiu em uma chuva de lazotep e
gosma.
Apesar destes terríveis contratempos, a batalha acabou alguns minutos depois. Eles
haviam vencido, e nem um único Eterno permaneceu vivo ou morto-vivo. Enquanto a
pequena multidão de heróis respirava fundo coletivamente, Teyo ouviu um distante, mas
ensurdecedor CRACK, como um raio de calor no meio da Nuvem Ocidental. Todos se
viraram, e de sua posição privilegiada de cima do monte, eles puderam ver quatro imensos
Eternos elevando-se sobre a distante Praça do Décimo Distrito.
Rata disse: “Uau. Grande.”
Samut xingou.
Kaya perguntou: “O que são eles?”
“Eles eram nossos deuses,” Samut disse amargamente. “Mas Bolas os matou ou
mandou matá-los. Agora eles são dele. Seus Deuses-Eternos.”
Pela primeira vez em horas, Teyo se lembrou o que era se sentir “sobrecarregado”.
Todo o grupo assistiu em silêncio quando os quatro Deuses-Eternos rasgaram uma
árvore elemental igualmente gigante e a derrubaram.

117
O silêncio foi quebrado por Domri Rade… que aplaudiu: “Uhuuu! Cês viram aquilo!
Aquilo era Vitu-Ghazi que eles destruíram! Krokt, eles ensinaram uma lição praqueles
Selesnya!”
Dois ou três de seus homens assentiram ou grunhiram sua concordância. O resto dos
reunidos olhou para ele com surpresa descrença.
Rade disse: “Gruul, estamos lutando do lado errado! Esse dragão está agitando as
coisas! Ele vai derrubar as guildas! Ele vai arrebentar Ravnica! Não é isso que sempre
quisemos? Quando as guildas caírem, o caos vai reinar, e quando o caos reinar, Gruul
governará! Cês ouviram? Vamos nos juntar ao dragão!”
Gan Shokta olhou para Domri antes de falar em um sussurro quase controlado. “Rade,
você servirá aquele mestre?”
“Vou ser parceiro, companheiro, e não servir!”
“Você não sabe a diferença, garoto. Você não é um líder de clã. Você é um seguidor. Eu
vou voltar para Borborigmo.”
Rade pareceu atordoado. O grande homem franziu o cenho para ele, então virou-se e
foi embora, saindo – mais uma vez – sem olhar na direção de Rata.
Teyo olhou para ela; como de costume, ela simplesmente encolheu os ombros,
aparentemente achando a falta de preocupação por ela ser completamente normal.
Domri Rade ficou emburrado por um momento e depois gritou: “Esqueçam Gan
Shokta. Ele é um velho preguiçoso! Este é o nosso momento, tão vendo?”
Kaya disse: “Você é um tolo, Rade. Bolas não acredita nem naqueles com quem ele
escolhe negociar. Você realmente acredita que pode ganhar a confiança dele?
Espontaneamente?”
Mas Domri a ignorou, levando seus guerreiros para baixo em direção à Praça,
berrando ao dragão enquanto corria: “A ajuda está a caminho, Dragão! Vamos derrubar
todos eles juntos!”
Kaya parecia zangada o suficiente para segui-lo e arrastá-lo de volta.
Mas outra safra de Eternos estava chegando do outro lado da colina. Com um suspiro
coletivo, todos se prepararam para outra luta.

118
VINTE E SETE
DACK FAYDEN
Dack Fayden estava em um telhado que, embaixo, dava para a Praça do Décimo
Distrito. Mas Dack Fayden estava olhando para cima.
Ele alcançara sua atual localização a tempo de ter a visão frontal de um assento de
primeira fileira da esperançosa chegada de uma Vitu-Ghazi viva e caminhante e assistiu com
um sorriso mórbido quando o elemental – que ele anteriormente tinha pensado como uma
super chique casa na árvore – esmagou uma infestação de lazoteps sob seus pés.
Agora seu sorriso desaparecera, deixando apenas a tristeza para trás. Deuses de algum
Plano alienígena atravessaram o portal e destruíram Vitu-Ghazi. De qualquer forma,
certamente eles teriam derrubado o elemental. O próprio Dack uma vez salvara a árvore-
mundo de um diferente tipo de ameaça, mas agora soldados, heróis e magos poderosos, no
chão e no ar, não podiam fazer nada contra aqueles quatro titãs, para não mencionar o
imenso dragão entronizado sobre a nova pirâmide Cidadela que se elevava sobre o resto da
praça. Até mesmo a Fortaleza Voadora da Legião Boros estava recuando.
Dack sabia que ele deveria fazer o mesmo.
Mas antes que conseguisse, ele testemunhou a chegada barulhenta dos Gruul. Eles
eram liderados por Domri Rade, o que surpreendeu Dack um pouco.
Desde quando Domri tem alguma importância entre os clãs?
Dack conhecia Rade, sabia que Rade era um planinauta e sabia que Rade guardava um
ressentimento de um quilômetro de largura. Domri sempre quisera liderar, mas nunca tivera
a influência – literal ou figurativa – para impor sua pretensa autoridade.
Agora, de repente, esse pequeno general parece estar no comando? Tudo está de
cabeça para baixo. O que diabos aconteceu enquanto eu estava em Innistrad?
Domri e os Gruul estavam indo direto para a cidadela e o dragão. Dack podia ouvir
Rade gritar alguma coisa, mas não conseguiu descobrir o que era. Usando um feitiço
bastante simples, plagiado do Chifre de Loxodonte (também há muito tempo
contrabandeado para J'dashe), Dack convocou as alegações de Rade para seus ouvidos.
“Ei, dragão! Eu sou Domri Rade, campeão e mestre de todos os Clãs Gruul! Você e eu
deveríamos conversar, companheiro! Que tal eu jurar fidelidade a você e aos seus? Vamos
destruir Ravnica totalmente!”

119
Dack sentiu um calor subir em seu peito e em seu rosto.
Domri está jurando fidelidade ao monstro que claramente trouxe este inferno para
este mundo?
Dack estava quase furioso o suficiente para ele mesmo ir atrás de Rade. O ladrão podia
não ser desafio para um dragão, mas lhe daria uma maldita satisfação eliminar esse traidor
de Ravnica.
Antes que ele pudesse admitir para si mesmo que não iria desbravar a praça em busca
daquele objetivo duvidoso, algo chamou a atenção de seus olhos. Algum tipo de clarão
mágico surgiu do trono do dragão.
Um sinal, talvez? Ou um feitiço?
Antes de qualquer outra coisa acontecer, Dack foi subitamente dominado por uma
sensação de medo que gelou todos os seus ossos e paralisou seus movimentos. Isso foi pior
do que as luzes que o convocaram de Innistrad para Ravnica. Era primitivo, uma magia
ancestral, como nada que ele já tivesse visto antes.
Ele viu quando os guerreiros lazotep rapidamente cercaram Domri Rade e os Gruul.
Os Gruul eram temíveis. Todo mundo sabia disso. Mas o massacre deles foi rápido e
impiedoso. Dack não sabia mais como ele conseguira derrubar quatro daquelas criaturas
apenas alguns minutos atrás.
Eles estavam se segurando? Ou essa nova destreza é parte da magia ancestral que
acabou de ser liberada?
Uma das criaturas, um guerreiro alto com um elmo impressionante, agarrou Rade,
aparentemente cravando os dedos profundamente no peito de Domri. Rade gritou alto o
suficiente para não precisar do Chifre de Loxodonte para ser ouvido. E só piorou a partir
daí. Dack assistiu em horror quando o guerreiro treinado alcançou não apenas o peito de
Domri, mas sua alma, colhendo um núcleo brilhante de mana que Dack de alguma forma
sabia que era a centelha de Rade, a parte que fazia dele um planinauta. A parte que fazia
dele Domri Rade. Domri implorou por misericórdia em um sussurro que ecoou nos ouvidos
do ladrão.
Não haveria misericórdia. Domri foi rapidamente drenado, da centelha, da alma, da
vida, até mesmo da água em seu corpo. Sua centelha se foi, o que restou foi uma carcaça
morta do que outrora fora Domri Rade. O guerreiro de elmo soltou a carcaça. Ela caiu no
chão com um barulho seco.
O Eterno colocou a centelha de Domri dentro de seu corpo de lazotep. Mas tal nexo de
pura energia mágica era excessivo para a coisa morta-viva. Imediatamente o guerreiro foi

120
incinerado de dentro para fora. E a centelha de Rade voou em direção ao céu… para o
dragão.
A atenção de Dack tinha sido fixada em Domri e no guerreiro com elmo, mas com
ambos agora mortos, carcaça e cinzas, ele começou a sondar o piso da praça. Os guerreiros
de lazotep estavam agarrando outros indivíduos – planinautas, ele percebeu tardiamente – e
colhendo suas centelhas, reduzindo-os a cascas secas e sem vida. Por sua vez, as centelhas
dos planinautas fritaram seus assassinos, e o feitiço atraiu a energia para o ar como luz
púrpura que procurava o dragão. Logo, o ar estava cheio de centelhas arqueando em direção
à cidadela e ao mal entronizado sobre ela.
Isso não pode estar acontecendo. Você não pode roubar a centelha de um planinauta!
Não pode!
Exceto que era exatamente o que o dragão estava fazendo. Mais e mais e mais vezes.
Dack quase podia perceber a fera crescendo em estatura a cada nova aquisição.
Dack engoliu em seco.
Bem, com certeza não é assim que Dack Fayden quer morrer. Talvez lutar contra
colheitadores mortos-vivos e dragões não seja o trabalho de um ladrão.
Ele tentou transplanar – apenas para descobrir que não podia. Isso nunca havia
acontecido antes. Em uma fúria de pânico, ele empurrou as paredes do espaço e encontrou-
se sob a lua de Innistrad por, talvez, um segundo – antes de ser levado de volta a Ravnica à
luz do dia. Não, não foi levado.
Esticado.
Era como se ele tivesse sido esticado como um elástico que havia alcançado o limite
de sua elasticidade e retornado à sua origem. Ele tentou uma última vez, mas não conseguiu
sequer se desmaterializar. Alguma coisa o prendera ao Plano ravnicano.
Não, não, não, não, não, não, não…
Ele estava preso. E ele temia isso mais do que ter a própria centelha colhida.
Ele percebeu que estava chorando.
Maldição, Dack, engole o choro!
Ele enxugou os olhos. Não havia muito o que ele pudesse fazer sobre nada daquilo
agora. E enquanto os deuses azul-metálicos lideravam a horda do dragão à frente, Dack se
virou e fugiu da praça…

121
ATO II

122
VINTE E OITO
NICOL BOLAS
O plano todo tinha sido impecável. Cada contingência foi abordada. Cada ameaça
potencial foi neutralizada. Bolas vinha fazendo esse tipo de coisa há milênios, mas, ainda
assim, ele estava impressionado. Ao longo de sua interminável vida, Nicol Bolas já tinha
visto de tudo. E a Ancianomancia era um espetáculo a ser visto.
Ele sentou em seu trono, observando o céu escurecer. Observando as centelhas voarem
dos planinautas mortos e drenados, dos Eternos mortos-vivos e queimados. Ele assistiu a
trajetória delas se arquear pelo ar conforme se aproximavam da cidadela.
O vórtice místico girava acima dele enquanto uma centelha atrás da outra flutuava para
fluir desse vórtice para dentro da flutuante Gema-Espiritual entre seus chifres.
E a cada centelha vinha o poder. Poder correndo para a gema. Poder correndo para
Nicol Bolas. Não eram simplesmente poderes de planinautas, não quando eles eram
combinados dessa forma. Não. Esse era o poder de um deus. E não era de qualquer deus.
Ele já teve poder assim antes. Poder que havia pertencido a Bolas antes da Grande
Emenda. Ele estava apenas tomando de volta o que era seu por direito.
Que morram todos. Eu era imortal. Não apenas de vida longa como todos os dragões,
mas verdadeiramente, infinitamente imortal. Com poder além dos limites. Eu era um deus.
O que emendou Dominária e o Multiverso desfez esse poder. Roubou meu direito de
nascimento. O que era a Emenda de Dominária comparado a esse crime? O que era a cura
do Multiverso perto daquele mal? Então, que morram todos. Seus ganhos foram às minhas
custas, então eu vou pegar de volta o que foi tirado de mim – com juros. Eles merecem tudo
o que estão tendo hoje. Eu serei verdadeiramente, infinitamente imortal de novo. Mas eu
não vou me contentar em ser um mero deus novamente. Agora eu serei o Deus. Nós seremos
o único DEUS do Multiverso. Seu DEUS-IMPERADOR. E Nós nos tornaremos isso… hoje.
Fumaça soprou de Suas narinas. Ele se lembrou dos Seus torturantes primeiros dias em
Dominária, quando Ele e Seu irmão gêmeo, Ugin, eclodiram de um único ovo, os chamados
raquíticos da ninhada de Ur-Dragon. Ele mostrara a seus irmãos e primos dragões – todos
toscos – que tipo de raquíticos eles estavam atormentando, ignorando, subestimando em
Nicol Bolas. Ele mostrara a todos eles. Agora ele estava mostrando a Ravnica. E, muito em
breve, ele mostraria ao Multiverso.

123
No limiar de seus pensamentos, Bolas ouviu o rato Jace Beleren guinchar uma ordem
telepática para recuar. E BOLAS, o DEUS-IMPERADOR, riu.

124
VINTE E NOVE
KAYA
Cinco frases curtas. Elas tocaram a mente de Kaya e, embora ela dificilmente pudesse
discordar de sua mensagem ou se importar, ela achou a sensação – a intrusão –
extremamente desagradável. Também parecia muito algo de Bolas. Distraída – até mesmo
um pouco aflita – pelo assalto psíquico, Kaya quase foi dividida em dois pelo machado de
um minotauro Eterno.
Rata a puxou para fora do caminho.
“Você ouviu isso?” perguntou Teyo confuso.
Rata pulou para cima: “Ouviu o quê?” enquanto pulava nas costas do minotauro e –
incapaz de alcançar ao redor dos seus chifres para acertar os globos oculares – mergulhava
suas duas adagas em seu pescoço.
Kaya assentiu para Teyo.
O chamado telepático os encontrou lutando lado a lado com quatro outros planinautas
– Samut, Kiora, Saheeli, Huatli – que Kaya tinha acabado de conhecer. Além de Vorel e seus
guerreiros Simic, e Maree e seus Izzet.
O ataque de Rata causou pouco dano ao Eterno – mas chamou a atenção da criatura.
Rata saltou e correu para trás de um dos escudos de Teyo.
O confuso minotauro olhou ao redor, procurando seu atacante – tempo suficiente para
Kaya usar suas próprias adagas espectrais para enviar o Eterno para seu descanso eterno.
De repente, um grande viashino com pele verde-limão se materializou na frente dela,
cercado pela distinta aura dourada de um planinauta.
Ele só teve tempo de sibilar “O que é isssso?” antes de uma Eterna o agarrar por trás.
A Eterna não usou nenhuma arma no homem-lagarto. No entanto, o que se seguiu foi puro
horror: a Eterna parecia arrancar a centelha do viashino por suas costas, absorvendo a aura
dourada até que a centelha brilhou de dentro da Eterna, como rachaduras em sua casca de
lazotep. O viashino caiu, uma carcaça sem vida, ao mesmo tempo que a Eterna explodiu em
chamas de dentro para fora. A centelha do planinauta disparou no ar, lançada como um
cometa em direção à praça do Décimo Distrito. A Eterna queimada colapsou em cima do
lagarto morto, como se tivessem sido amantes, perecendo juntos em um último abraço.
Kaya não conseguia se mexer, não conseguia respirar.

125
Foi uma grande sorte que Huatli estava matando o último Eterno desta safra em
particular, porque naquele momento Kaya ficou incapaz de se defender.
As cinco frases repetidas. Uma voz-sem-voz em suas mentes que de alguma forma
soava como o eco de Jace Beleren, mago mental, ex-Pacto das Guildas Vivo e líder das
Sentinelas: Recuem! Precisamos de um plano. Contatem todos os planinautas e mestres de
guilda que encontrarem. Encontrem-nos no Senado Azorius. Agora.

126
TRINTA
JACE BELEREN
Jace estava perto o suficiente do idiota de Rade para ver o Eterno extrair sua centelha,
aura, alma e – para acrescentar insulto à injúria – toda a água do corpo do jovem planinauta.
Ele viu a carcaça ressecada de Domri Rade cair; ele viu o Eterno entrar em combustão de
dentro para fora; e ele viu a centelha de Rade voar em uma labareda flamejante até o dragão
Nicol Bolas.
Imediatamente Jace entendeu o perigo que eles estavam enfrentando. Ele enviou um
comando telepático, amarrando-o ao feitiço de identificação de Karn, dizendo a cada
planinauta para recuar, reagrupar e reconvocar.
Mas Jace, invisível aos Eternos, demorou-se a estudar o horror que se seguia enquanto
um planinauta atrás de outro morria. Ele se forçou a ficar. Forçou-se a assistir, a aprender.
Era necessário. Mas também era sua punição. Todos os planinautas que caíram deviam suas
mortes ao… atraso de Jace Beleren.
Se eu tivesse retornado mais cedo, tivesse usado o poder do Pacto das Guildas Vivo
antes que as linhas de força fossem interrompidas, nada disso aconteceria.
Então Jace Beleren atravessaria aquele sofrimento, para adquirir qualquer
conhecimento que pudesse, para parar aquilo assim que pudesse.
Algumas coisas ficaram claras.
Karn não foi o único a lançar um feitiço de reconhecimento. Quando o feitiço de Bolas
foi ativado, ele deu aos Eternos a mesma habilidade de distinguir os planinautas na
multidão. Os Eternos ainda mataram “civis” (sejam civis reais ou guerreiros Boros) com
espadas, machados ou suas próprias mãos. Mas eles não precisaram trabalhar tanto para
matar um planinauta. Tudo o que um Eterno precisava fazer era segurar com firmeza, e a
centelha do planinauta seria colhida.
Jace nem sequer sabia os nomes dos caídos. Nem tinha percebido que havia tantos
planinautas assim para morrer.
Quem era aquele vedalkeano? Quem era aquela mulher elfa alta? Quem era aquele
ogro de quatro braços ou aquele homem muito baixo de cabelo verde ou aquela velha anciã
ou aquela adolescente assustada ou…?

127
Tudo o que Jace sabia era que – entre o Farol de Ral convocando-os, e o Sol Imortal
impedindo-os de partir para a segurança de outro Plano – algumas das almas mais poderosas
do Multiverso estavam sendo mastigadas por Eternos e cuspidas para alimentar Nicol Bolas.
Jace praticamente podia ver Bolas crescendo cada vez mais como um deus diante de
seus olhos. Este era o verdadeiro objetivo do dragão o tempo todo. Atrair não apenas as
Sentinelas – mas todos os azarados (muito azarados) planinautas do Multiverso a Ravnica
para a colheita. Conquistar Ravnica era apenas outra isca.
Jace deu um olhar telescópico para Liliana. Mas isso não revelou nada. Ela não se
moveu. Se ela foi minimamente afetada pelo que estava vendo – por aquilo de que estava
participando – ela não dava nenhuma indicação por detrás do Véu. Ele tentou alcançar sua
mente, mas a consciência sorridente de Bolas bloqueou seu caminho.
Jace se virou para observar Gideon. Ele era, talvez, o único planinauta no Multiverso
com algum nível de imunidade à colheita dos Eternos. Muitos Eternos tentaram, mas
Gideon concentrava a sua aura branca de invulnerabilidade na direção de todos os que se
aproximavam, não permitindo que nenhum deles conseguisse se aproximar o suficiente.
Aqueles que tentaram foram logo clivados, esfaqueados ou decapitados pela Lâmina Negra.
Mas a Horda Medonha continuava vindo. E vindo. E vindo.
Gideon não podia compartilhar sua imunidade com os outros, mas ele podia colocar e
colocou seu corpo entre eles e qualquer um dos Eternos que se aproximava, enquanto ele,
Ajani, Aurélia e o resto traçavam seu caminho para fora da praça na direção do encontro
designado por Jace, na Casa do Senado Azorius.
Lavínia também fez sua parte. Ela tinha rapidamente dimensionado a nova realidade.
Percebendo que os planinautas estavam agora mais vulneráveis do que os planestáticos, ela
se tornou uma guarda-costas para as pessoas que supostamente seriam os salvadores de
Ravnica.
E Teferi? Ele lançou ondas de distorção temporal para retardar os perseguidores de
lazotep. Provavelmente salvou mais pessoas do que o resto somados.
E Jace Beleren?
Ele ficou lá. Protegido por ilusão e invisibilidade. Os Eternos ainda pareciam confiar
em seu senso de visão, inclusive para identificar um planinauta. Um após o outro, eles
marcharam e passaram por ele. Mascarando a luz dourada de sua centelha e criando a ilusão
de um pilar decorativo onde ele estava, ele nem sequer teve que se esquivar. Os Eternos
simplesmente se separavam ao redor dele, cada um de um lado.

128
Se eu achava que Gideon era o único planinauta com imunidade às maquinações de
Bolas? Bem, isso não era bem verdade. Os poderes de Jace Beleren o tornavam imune
também.
A graça salvadora, como ele enxergava, era que o poder de Gideon poderia suportar
qualquer coisa, enquanto as habilidades de Jace eram uma gota no balde se comparadas com
Bolas. O dragão era um mago mental superior. Por enquanto ele estava muito ocupado
engolindo as centelhas dos indefesos. Eventualmente, no entanto, Nicol Bolas voltaria sua
mente para Jace. Ele rasgaria a frágil consciência de Jace, dissolveria suas ilusões e o
deixaria vulnerável ao toque de qualquer Eterno.
Ótimo. Se eu não puder parar isso, não mereço sobreviver.
Agora, finalmente, Jace entendeu os avisos de Gideon contra a arrogância. A própria
arrogância de Jace o horrorizou ainda mais do que a carnificina. Todas as pistas haviam sido
reveladas. Ele sabia sobre a Ponte Planar, sobre os Eternos, sobre o Sol Imortal, sobre
Ravnica. E ele guiou todos que ele conhecia e amava para a morte.
Esse sangue está em minhas mãos. Eu tenho que parar isso. Eu preciso.
É melhor começar então.
A esta altura a praça estava limpa de todos, exceto Jace, Bolas, Liliana, os Eternos e
uma quantidade aparentemente infinita de cadáveres. Não havia mais nada a ser feito aqui.
Nada mais a ser aprendido aqui.
Jace se forçou a virar e ir embora. Ele era necessário na Casa do Senado…

129
TRINTA E UM
RAL ZAREK
Ral entendeu – com a Embaixada do Pacto das Guildas em ruínas – por que Jace
escolheu espontaneamente a Casa do Senado Azorius como seu ponto de recuo, mas o mago
mental dificilmente poderia ter escolhido pior.
O cadáver petrificado de Ispéria não havia sido removido da câmara. Provavelmente
não poderia ser movido sem quebrar sacrilegamente uma asa ou duas. Então, a vítima de
Vraska agora era um lembrete inconfundível das alianças despedaçadas das guildas.
Ral havia enviado representantes Izzet para todas as outras guildas, convocando seus
mestres de guilda para esta conferência de emergência, mas, apesar da óbvia ameaça externa
de Bolas e dos Eternos, a resposta foi menos do que encorajadora.
Ele passou por uma lista mental de todas as dez guildas:

A Liga Izzet.
O próprio Ral estava lá, é claro, como mestre de guilda Izzet, e apesar de nunca terem
sido exatamente grandes fãs um do outro, a Senescal Maree estava ao seu lado. Ela, pelo
menos, entendia que aquela não era hora de pequenas brigas internas. Além disso, eles
tinham um último plano, um último presente, uma última tentativa maluca de salvação do
falecido, grande Mente de Fogo para repassar às outras guildas.

O Sindicato Orzhov.
Ral ficou aliviado quando a mestre de guilda Kaya chegou em segurança para
representar os Orzhov, apesar da quantidade de lealdade que ela realmente tinha dentro do
sindicato ser discutível.
“Nem sequer discutível,” ela disse. “Teyo, Rata e eu finalmente conseguimos chegar
até a Catedral Opulenta. Os pontífices e oligarcas nem se dignaram a colocar uma fachada
de cooperação. Quando eles disseram que ficariam atrás de mim, suas palavras foram
traduzidas para ‘muito atrás de mim’. Eles mal sufocam seu desprezo por tempo suficiente
para puxa-saquismos.”
“Veja, é aí que você errou,” ele disse com tristeza. “Você deveria saber que eles são
mesquinhos sobre qualquer tipo de sacos, incluindo puxa-saquismos.”

130
Ela ignorou a piada. “Não ajudou quando eles descobriram que Jace não é mais o
Pacto das Guildas Vivo. Fez a minha fria recepção ficar mais gélida ainda. Nenhuma
provocação aberta, lembre-se. E uma guarda de honra foi enviada aqui junto comigo. Mas
você notará que nenhum outro nobre da minha guilda veio para a festinha de Beleren.”
“Então, basicamente, Orzhov está fora?”
“Em grande parte. Mas um gigante chamado Bilagru se aproximou de mim e pareceu
mais inclinado a ouvir do que a velha guarda Orzhov. Então eu pontuei que as dívidas da
guilda seriam difíceis de coletar se os Eternos do dragão assassinassem todos os devedores
em Ravnica e todos os descendentes devedores – para não mencionar todos os membros do
Sindicato. Ele balançou a cabeça para baixo, para mim, e resmungou que fantasmas e
espíritos têm guiado as coisas dentro de Orzhova por tanto tempo, que todo mundo esquece
que a maior parte da coleta é feita pelos vivos. Então ele prometeu levar seus aplicadores
para as ruas para proteger os investimentos Orzhov.”
“Eu não posso acreditar que apelar para a racionalidade funcionou.”
“Provavelmente ajudou que, quando os pontífices começaram a se opor, eu ameacei
perdoar cada dívida do Obzedat de uma só vez. Na Catedral Opulenta, a racionalidade não
vai tão longe, mas a cobiça pode cobrir a distância final.

O Conluio Simic.
Havia Vorel, afirmando que ele tinha sido autorizado pela Oradora Principal Vannifar a
representar os Simic. Ral assentiu e expressou sua apreciação, sem admitir que ele nem
sabia que Vannifar era a oradora principal.
Quando diabos Zegana foi deposta?
Ral ouvira falar de Vannifar. Ela era uma elfa – ou, se os rumores fossem verdades,
uma ex-elfa agora mutada pelos biomantes Simic – mas ele sabia muito pouco mais sobre
ela. Ele certamente nunca a conhecera.
Vorel, talvez percebendo o desconforto de Ral, tranquilizou o mestre de guilda Izzet de
que Vannifar era uma lutadora, uma que estava se preparando para a guerra desde muito
antes de o dragão ser conhecido como uma ameaça. “Sob as circunstâncias atuais,” declarou
Vorel conclusivamente, “Vannifar é uma escolha muito melhor para oradora principal do
que Zegana.”
Ral permitiu-se ser tranquilizado e tomou a consciente decisão de não fazer a pergunta
óbvia: contra quem exatamente Vannifar estava se preparando para guerrear antes de
Bolas?

131

A Legião Boros.
Aquele velho e confiável anjo da ordem e do combate, a mestre de guilda Aurélia dos
Boros, é claro, foi uma das primeiras a chegar. Ela olhou furiosamente de Ispéria para Ral,
como se culpasse o mago da tempestade pela morte da esfinge. O que era aceitável, já que
ele mesmo também se culpava.
Bem, eu e Vraska, praticamente.
Mas Aurélia não era nada senão pragmática. E ela era a aliada mais forte que eles
tinham entre as guildas.

Casa Dimir.
Ral também tomou como certo que o mestre de guilda Dimir, o metamorfo Lazav
estaria presente em uma forma ou em outra. Como chefe da guilda de espiões, Lazav
adorava jogar seus joguinhos. Mas até agora ele fora surpreendentemente cooperativo. Não
era confiável, mas cooperativo.
E como Aurélia, Lazav era um pragmático. Bolas era ruim para os negócios.
Quem vai contratar um assassino se todos no seu mundo já estiverem mortos?

O Culto de Rakdos. O Enxame Golgari. Os Clãs Gruul.
Após a morte de sua emissária Hekara, o demônio Rakdos e seu Culto recusaram-se a
enviar um representante. E com Vraska desaparecida e Domri morto, os Golgari e os Gruul
foram deixados em completa desordem sem mestres de guilda.

O Conclave Selesnya.
Mais decepcionante, o Conclave permaneceu entrincheirado em seu território, sem
enviar ninguém.
Ral esperava que a destruição quase completa de Vitu-Ghazi os faria enxergar a luz.
Mas teve o efeito oposto. Eles estavam cavando até suas raízes, sem mostrar nenhuma folha.

O Senado Azorius.

132
O mestre de guilda Azorius, Dovin Baan – que, como Vraska, trabalhara como um
figurante de Bolas – sem nenhuma surpresa não participou desta reunião, mesmo em seu
próprio assento de poder. Ele estava, pelo que se sabia, escondido em uma das três torres de
Nova Prahv, mantendo aquele maldito Sol Imortal seguro para Bolas.
Lavínia e alguns outros Azorius da velha guarda estavam presentes, tendo repudiado
Baan e sua liderança, mas, verdade seja dita, ninguém tinha nenhuma autoridade real. Os
estatutos Azorius declaravam que Baan era o mestre de guilda. E os Azorius amavam seus
estatutos.

Dito isso, significava que apenas Izzet, Simic e Boros tinham realmente comprometido
suas forças para a causa. Pior ainda, cinquenta por cento das guildas não estavam sequer
oficialmente representadas na conferência de Beleren.
E esse é o problema real.
Ral e Maree compararam notas. Ele perguntou: “Cinquenta por cento não será o
suficiente, não importa como vamos apertar isso, não é?”
Ela parecia sombria. “Sinto muito, mestre de guilda. Mas mesmo noventa por cento
não será suficiente. Tentamos usar porcentagens da última vez. Quando Niv Mizzet estava
vivo, poderíamos ter conseguido com oito das dez guildas. Com ele morto…”
“Com o Mente de Fogo morto, a única opção é a Operação Desespero.”
“E, para que isso aconteça, você precisará da cooperação de dez das dez guildas. Não
pode haver exceções.”
Ral assentiu. A avaliação dela combinava com os cálculos dele. Foi a primeira vez que
ele esperara que Maree tivesse uma melhor matemática.
Dez das dez. Não pode haver exceções.
“Traga-me opções,” Ral disse, sabendo muito bem que não havia nenhuma.
Mas Maree assentiu bruscamente, e obedientemente se afastou para encontrar algumas.
Vendo Ral sozinho, Kaya se aproximou. O menino Teyo manteve uma distância
respeitável, mas continuou em sua órbita. Ele estava murmurando para si mesmo, parecendo
estranho e inseguro a respeito de seu lugar. Ral teve um momento incomum de simpatia
pelo garoto.
Seu primeiro transplanar e ele caminhou para isso.
Sem ser indelicada, Kaya perguntou: “Você e Tomik se encontraram?”

133
Ele balançou sua cabeça. “Eu esperava que você tivesse alguma notícia dele.” Tomik
era Orzhov e Ral sabia que ele gostava de Kaya.
Então talvez…
Ela balançou sua cabeça também. “Ele não estava na catedral. Ou, se estivesse, ele não
se mostrou. Ele ainda trabalha para Teysa Karlov, que quer muito ser mestre de guilda no
meu lugar. Ela pode tê-lo sequestrado. Na verdade, dada a falta de cooperação que estou
recebendo, passou pela minha cabeça o pensamento de que Teysa está tentando fazer uma
nova aliança com o dragão pelas minhas costas. Eu não acho que Tomik participaria
voluntariamente disso, mas poderia explicar sua ausência.”
Era um pensamento perturbador, mas ganhava de uma alternativa possível, do maior
medo de Ral: que os Eternos tivessem encontrado Tomik antes de Ral, Kaya ou Teysa.
Kaya pegou a mão de Ral e apertou. Ela sussurrou: “Tenho certeza de que ele está
bem.” Mas ela parecia mais esperançosa do que convincente…

134
TRINTA E DOIS
GIDEON JURA
Gideon e Jace – dois lados, Gideon pensou, da mesma moeda arranhada – ficaram na
frente de Ispéria, ex-mestre de guilda, campeã e legisladora do Senado Azorius, atual estátua
ornamental do Salão do Senado Azorius.
“Esfinges,” Jace murmurou com desgosto. “Mais encrenqueiras que dragões.”
Gideon levantou uma sobrancelha.
Pegando a pergunta não dita de Gideon, Jace pareceu realmente lutar antes de
tardiamente e a contragosto oferecer uma ligeira correção: “Do que todos os dragões, menos
um.”
“Não sabia que você tinha um problema com esfinges.”
“Alhammarret. Azor. Ispéria. Nunca conheci uma esfinge que não fosse arrogante,
indiferente e um pé-no-”
“Opa, opa, opa. Ispéria fez muito bem a Ravnica. De fato, se Vraska não a tivesse
transformado em pedra, poderíamos estar bem melhor—”
“A vingança de Vraska foi bem merecida! Você não a conhece. Você não sabe a
história dela.” A voz de Jace era um sussurro silencioso, mas sua paixão por esse assunto era
óbvia.
“Eu acho que não.”
Quem é Vraska para Jace? Mais do que apenas uma assassina, obviamente. Primeiro
Liliana, agora a assassina de Ispéria. Jace pode escolher.
Gideon colocou uma mão calmante no ombro de Jace. Jace parecia pronto para
empurrá-la.
Em vez disso, ele respirou fundo e até conseguiu dar um sorriso fraco.
“Precisamos começar,” Gideon disse. “Quanto mais tempo estivermos parados aqui,
mais dano Bolas e seu exército conseguirão causar lá fora. Então pare um minuto.
Componha seus pensamentos e, em seguida, vamos começar essa reunião.”
Jace assentiu e começou a se afastar – antes de parar para dizer, “Você é um bom
amigo, Gideon. Eu não sei se já te disse isso.”

135
Gideon riu. “Tenho certeza que você não disse. Mas, para ser justo, eu também acho
que nunca te disse isso. Eu estou um pouco envergonhado por você ter me vencido nessa…
velho amigo.”
Jace sorriu novamente. Ele parecia ao mesmo tempo infantil e velho. Gideon estava
ciente de que Jace muitas vezes criava uma ilusão de um Jace Beleren mais jovem, mais
vigoroso para se apresentar ao seu público. Ele não achou que o mago mental estivesse
usando aquele truque hoje. Jace estava claramente mais em forma hoje do que Gideon já
tinha visto antes. Certamente mais em forma do que quando eles lutaram juntos em
Amonkhet. Ele parecia mais magro, mais robusto, mais resistente. Ele até tinha um pouco
de cor nas bochechas. Mas a culpa no coração do telemante mostrava a idade em seu rosto.
E o peso de muitos mundos claramente descansavam nos ombros um pouco curvados de
Jace Beleren. Era uma sensação que Gideon Jura conhecia intimamente. Era uma sensação
que Gideon Jura estava bem ciente de experimentar naquele exato segundo.
Ele endireitou as costas em desafio a essa sensação e se virou para observar a
multidão.
As guildas poderiam estar melhor representadas, mas a contagem das cabeças dos
planinautas era de alguma forma encorajadora.
Todas as Sentinelas – ele, Jace, Chandra Nalaar, Ajani Juba D'ouro, Teferi e, graças
aos deuses, Nissa Revane – estavam presentes (sem Liliana Vess, obviamente). Além disso,
havia Jaya, Karn, Samut, Kiora, Tamiyo, Saheeli Rai, Kaya, Ral Zarek, a arqueira Vivien
Reid e o novo garoto Teyo Verada. Gideon até viu o homem-demônio Ob Nixilis,
incongruente e desdenhosamente caminhando entre uma multidão que se afastava para
evitá-lo. Gideon odiava muito Nixilis, mas quando seu oponente era Bolas, a cavalo dado
não se olha os dentes. Claro, isso não significava que Gideon estaria despreocupado quando
o demônio estivesse por perto. Não fora há muito tempo que Ob Nixilis jurara vingança
eterna contra as Sentinelas.
Aparentemente, a vingança eterna pode esperar enquanto os Eternos de Bolas
estiverem por aí.
Havia novos rostos também – ou novos para ele, pelo menos. Gideon sendo Gideon, já
havia atravessado a Casa do Senado, fazendo um esforço para se apresentar e se familiarizar
com tantos quanto fosse possível…
Dack Fayden era um tipo um pouco nervoso, constantemente olhando por cima de seu
ombro.
E não só, Gideon tinha certeza, porque estamos todos contra probabilidades
impossíveis.

136
Seus instintos sobre Dack foram confirmados quando Aurélia viu Fayden e começou a
andar em direção a ele, rosnando, “Aquele ladrãozinho tem a ousadia de mostrar a sua—”
Gideon colocou a mão em seu ombro e sussurrou: “Agora não é a hora.”
Aurélia engoliu a raiva e assentiu.
Gideon seguiu em frente, apresentando-se em sucessão a Narset, uma ex-monge
Ojutai; a Huatli, a poetisa guerreira de Ixalan; a litomante Nahiri, uma kor de pele branca de
Zendikar, que estava esquadrinhando a multidão como se procurasse alguém específico; a
Mu Yanling e a Jiang Yanggu, que tinham ambos transplanado para Ravnica de um lugar
que eles chamavam de Plano das Montanhas e Mares, trazendo consigo Mowu, o cão de
Jiang.
“Como você cruzou as Eternidades Cegas com um cachorro?” Gideon perguntou,
perplexo.
“Ele é um cão mágico,” Jiang disse com um encolher de ombros, como se aquilo
explicasse tudo.
“Ele é feito de pedra,” Mu ofereceu, como se de alguma forma suficientemente
preenchesse a lacuna.
Gideon conheceu o minotauro Angrath, que estava rindo barulhentamente com uma
mulher de Innistrad chamada Arlinn Kord, que tinha um agradável sorriso que mostrava
todos os seus dentes brancos. Angrath sorrateiramente cheirava a mulher toda vez que ela se
virava para falar com Gideon. Quando ela se afastou, Angrath inclinou a cabeça na direção
de Arlinn e disse com sabedoria, “Lobisomem”.
Esses foram todos os que ele teve tempo de conhecer antes da pequena reunião com
Jace na frente da falecida e um tanto dessaudosa Ispéria. Mas, graças ao feitiço de Karn,
Gideon viu pelo menos trinta ou quarenta planinautas reunidos na Câmara do Senado.
Juntos, eles representavam uma força sem precedentes de impressionante poder mágico, e
Gideon estava francamente ansioso para voltar para lá com todos eles, para lutar contra os
Eternos e acabar com a ameaça de Bolas de uma vez por todas.
Mas ele foi instantaneamente lembrado da primeira ocasião em que tentara lutar contra
um deus. Certo tempo atrás, Gideon Jura era um jovem – ou, na verdade, um menino – de
Theros chamado Kytheon Iora. Naqueles dias, ele andava com uma equipe unida, que ele
chamava de seus Irregulares: Drasus, Epikos, Olexo e Zenon. Quando Kytheon atacou
insensatamente o deus Érebo, o ataque foi facilmente direcionado para os Irregulares. A aura
de invulnerabilidade de Kytheon o protegeu, mas seus quatro melhores amigos do mundo –
os quatro melhores amigos que qualquer homem ou garoto poderia ter em qualquer mundo

137
– todos pereceram. Kytheon Iora jurou que nunca iria novamente arriscar perder aqueles
com quem se importava por sua própria arrogância, sua própria soberba. Sendo honesto, era
um juramento que Gideon Jura nem sempre mantinha, mas ele silenciosamente acabara de
renová-lo.
Jace retornou, assentindo para Gideon, que assentiu de volta. Já era tempo. Com
Gideon ao seu lado, Jace foi até a frente do tablado e falou, sua voz magicamente reforçada
para encher o salão: “Vamos nos concentrar, por favor. Precisamos de um plano.”
A voz estridente de Ob Nixilis, que não exigia mágica para ser ouvida, gotejou
venenoso sarcasmo: “E vocês dois gênios estratégicos pensam que podem chegar a um?”
Um zumbido baixo subiu daqueles reunidos em resposta. Ninguém parecia gostar de
Nixilis, mas estava claro que muitos compartilhavam sua opinião. O mandato de Jace como
o Pacto das Guildas Vivo tinha sido… irregular, na melhor das hipóteses, e sua liderança
não era universalmente reconhecida, mesmo por seus aliados mais próximos. Mesmo, de
tempos em tempos, por Gideon, pra dizer a verdade.
Mas o caminho mais rápido para resolver a situação era com Jace Beleren, então
Gideon se adiantou e exercitou sua própria voz grave e alta para ter bom efeito. “Haverá
tempo para que todos possam opinar. Mas ficar em pé murmurando um para o outro não nos
levará a lugar algum. Então, que tal guardarmos os comentários maliciosos por enquanto e
ouvirmos?”
Houve outro murmúrio coletivo, mais breve, mas isso foi seguido por um silêncio
desconfortável que Jace aproveitou: “Enfrentamos um certo número de problemas. Cinco
para ser exato. Alguns de vocês estão cientes de todos eles, mas muitos acabaram de chegar
e não tiveram tempo ou oportunidade de entender toda a situação. Então deixem-me
oferecer alguns esclarecimentos agora.”
Jace olhou para Ral Zarek, que encolheu os ombros, sabendo o que Jace estava prestes
a dizer: “Um. O Farol Izzet está atraindo mais e mais planinautas desavisados para Ravnica,
onde eles correm o risco de se tornarem mais combustível para o poder de Bolas.”
Como se fosse para ilustrar o ponto, outro planinauta se materializou no meio da
multidão em meio a um flash de luz turquesa. Ele era um homem mais velho com olhos
turquesa e uma barba branca cuidadosamente aparada. Gideon sussurrou para Jace: “Você
poderia ter planejado algo melhor do que isso?”
Jace suspirou pesadamente e continuou: “Precisamos desativar o Farol, que está sob a
guarda Izzet e Azorius na apropriadamente chamada Torre do Farol. Chegar lá pode ser
difícil, mas o verdadeiro problema é a própria máquina, que foi construída com
salvaguardas para impedir que Bolas a desligasse.”

138
“Brilhante,” Angrath bufou. “Como vocês tolos gostam de brincar nas garras do
dragão.”
Do outro lado da sala, Huatli respondeu: “Assim como você ao vir até aqui?”
Angrath bufou de novo, mas não disse mais nada. Gideon decidiu que havia gostado
de Huatli.
Jace continuou: “Problema número dois. O Sol Imortal. Uma vez que o Farol invoca
os planinautas para Ravnica, o Sol os mantém presos aqui. Então, como o Farol, precisamos
desligar o Sol. Não está longe daqui, em uma das torres de Nova Prahv, sendo guardado
pelo novo mestre de guilda Azorius, Dovin Baan, que nós descobrimos ser um peão de
Nicol Bolas.”
Gideon lançou um rápido olhar para Chandra. Seus olhos brilharam com fogo, mas ela
estava mantendo seu temperamento por enquanto.
“Três. A Ponte Planar de Amonkhet permite que um aparente interminável exército de
Eternos entre em Ravnica e mate os planinautas atraídos pelo Farol e presos pelo Sol. Temos
que desligá-la e nós só podemos fazer isso do lado de Amonkhet.”
Samut gritou: “Mas como? Eu tentei transplanar de volta para Amonkhet, mas o Sol
Imortal—”
Jace levantou a mão dizendo, “Eu sei. E nós não podemos esperar que o problema dois
seja resolvido. Então, vamos utilizar o próprio portal… para viajar para Amonkhet.”
Jaya zombou: “Enquanto os Eternos saem dela? Isso parece um grande plano para
cometer suicídio.”
Jace sorriu. “Há passos que podemos dar para torná-lo apenas um plano ruim para
cometer suicídio.”
“Eu estou dentro,” Samut disse.
Jace a agradeceu com outro sorriso. Mas voltando-se para Gideon, aquele sorriso
desapareceu rapidamente. Quando ele falou novamente, era como se estivesse dirigindo seu
próximo ponto apenas para Gideon, como se ele meio que esperasse que Gideon o
desafiasse. “Problema quatro. Liliana Vess. Ela está claramente controlando os Eternos para
Bolas. Precisamos garantir que ela não possa mais fazer isso. Nunca mais.”
Gideon se viu estremecendo com a inclusão de Liliana na lista de Jace, embora ele
dificilmente pudesse negar a necessidade daquela inclusão. Ele não disse nada.
Jace expirou e continuou: “Finalmente, cinco. O próprio Bolas. Entretanto, se não
pudermos lidar com os primeiros quatro problemas, o quinto é bem impossível.”

139
Outro murmúrio geral ecoou aquela sensação de desesperança.
Gideon deu um passo à frente: “Há um sexto problema. Nós temos a responsabilidade
de proteger os ravnicanos comuns, já que nenhum deles estaria em perigo se não fosse pela
fome de Bolas por centelhas de planinautas.”
Jace colocou a mão no ombro de Gideon. “Está certo. Seis problemas.”
“Sete.” Era Zarek. “Precisamos reconstituir o Pacto das Guildas pela união de todas as
dez guildas. Sem o poder combinado do Pacto das Guildas, nunca vamos ter uma chance
real contra o dragão.”
“Você já tentou isso,” Vorel gritou, apontando para os restos de Ispéria. “Olhe o
resultado. Ispéria está morta e hoje você não conseguiu nem mesmo reunir representantes de
todas as dez guildas durante o maior momento de crise de Ravnica. O que no mundo faz
você pensar que pode reconstituir o Pacto das Guildas agora?”
Outra onda de murmúrios ameaçou se tornar um rugido, mas Ral reforçou sua própria
voz com magia. Ela zumbiu e estalou quando ele falou sobre a multidão: “Eu sinceramente
não tenho certeza que podemos. Mas devemos tentar. O Mente de Fogo deixou um
estratagema final. É um pouco desesperado—”
“Mais desesperado que seu último estratagema?” Vorel perguntou, incredulamente.
“Na verdade, sim,” Ral reconheceu. “Mas pode ser a nossa única chance.”
“Tudo bem,” Jace disse, antes que a multidão pudesse se dividir em facções
argumentativas. “Sete objetivos – ou seis, de qualquer forma, se subtrairmos ir atrás de
Bolas por enquanto. Eu proponho dividir as nossas forças para atingir esses objetivos.”
A murmuração recomeçou, e o teor dela parecia menos do que entusiasmado. Um
planinauta, um aviano que Gideon não reconheceu, disse, “E se nos rendêssemos? Nos
entregássemos à mercê de Bolas?”
Dack Fayden virou-se para o aviano e disse: “Eu não acho que Bolas é do tipo
misericordioso. Você provavelmente não viu, mas um planinauta chamado Domri Rade
tentou mudar de lado e se juntar ao dragão. Ele foi o primeiro planinauta ceifado.”
Outra planinauta, uma mulher com cabelos negros e brilhantes olhos verdes, disse:
“Então vamos nos esconder. Em algum momento, o próprio Bolas vai querer transplanar.
Ele mandará Baan desligar o Sol Imortal, e todos nós poderemos escapar.”
Vorel, cada vez mais irritado, gritou: “Essa é a sua solução? Se esconder e abandonar
Ravnica aos Eternos e ao dragão? Vocês planinautas são a razão pela qual Bolas está aqui, a
razão pela qual Ravnica está em perigo.” Ele se virou para o aviano. “Mas eu gosto da sua

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ideia. A rendição – uma rendição forçada, se necessário – do seu tipo permitiria que Bolas
comesse até se saciar. Uma vez saciado, ele deixará Ravnica em paz.”
Uma amarga Vivien Reid disse: “Bolas nunca está satisfeito.”
Uma igualmente amarga Samut concordou. “Isso é verdade.”
“Tudo bem,” Vorel disse. “Mas deixe-me esclarecer uma coisa. Se vocês planinautas se
esconderem enquanto Ravnica queima, você vai encontrar pouca ajuda ou socorro dos seus
cidadãos e guildas.”
A esta altura, Gideon estava perdido em pensamentos. O argumento de Vorel de que os
planinautas eram culpados pela situação de Ravnica estava em ressonância com ele. Ele se
percebeu virando-se para Jace e dizendo, “Talvez devêssemos nos render.”
Jace parecia exasperado.
Samut deu um passo à frente. “Gideon Jura, é nobre da sua parte desejar fazer tal
sacrifício. Mas não se esqueça do destino de Amonkhet.” Ela virou-se para enfrentar a
multidão. “Bolas deixou meu mundo completamente desolado. Agora mesmo, apenas um
punhado de sobreviventes luta para derrotar os monstros que Nicol Bolas deixou para trás
para nos matar. Bolas não vai deixar Ravnica como ele encontrou.”
“Bolas. Nunca. Está. Satisfeito,” repetiu Vivien. “Literalmente nada sobrou do meu
mundo Skalla graças a ele. O dragão deve morrer.”
Houve gritos de concordância – seguidos de gritos de discórdia. Tudo estava
desmoronando.
Lavínia falou. “Uma coisa é certa. Se brigarmos entre nós mesmos, não temos chance
contra Bolas.”
Aurélia gritou: “Ouçam, ouçam! O destino de Amonkhet e Skalla não deve cair sobre
Ravnica.”
Gideon, que ainda parecia pouco convencido, notou Ajani estudando-o do lado. O
leonino estendeu a mão. Gideon pegou e desceu do estrado. Ajani disse: “Lembre-se do seu
juramento. O juramento das Sentinelas. A rendição não é a resposta, meu amigo. A arqueira
está certa e você sabe disso. Um tipo como Bolas nunca será saciado, e nem mostrará
misericórdia. Ele vê essas coisas como fraqueza e qualquer tentativa de tal apelo só
aumentaria seu apetite.”
Gideon internalizou aquilo e assentiu. Então ele se aventurou na multidão, movendo-se
igualmente entre planinautas e membros de guildas. Ele falou e eles ouviram. “Agora que
todos vocês sabem da nossa existência, vocês poderiam ser perdoados por acreditar que a

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nossa capacidade de atravessar mundos é uma desculpa para um planinauta sempre fugir de
uma luta. Mas nós Sentinelas fizemos um juramento de sempre ficar. Foi uma escolha que
tivemos o luxo de fazer, e, de alguma forma, pensamos que essa escolha nos tornava
superiores. Agora estamos entre vocês com essa escolha tirada de nós. Agora a escolha é
lutar ou não.”
Ele desembainhou sua espada com efeito dramático intencional, elevando-a alto no ar.
“Essa é a Lâmina Negra. Já matou um Dragão Ancestral, e também pode destruir Bolas.
Com ela, eu juro tomar esse mundo de volta. Quem está comigo?”
Seu discurso despertou a multidão, que começou a se reunir em torno dele. Ajani
colocou a mão em seu ombro, e esse gesto simples agiu como um gatilho. De todos os
lados, os planinautas e ravnicanos levantaram suas mãos para tocar Gideon ou – se mais
distante – para tocar alguém tocando Gideon, como se quisessem tirar força da força de sua
convicção.
Foi um momento de galvanização. Gideon sentiu o toque de Jace Beleren em sua
mente. Ele permaneceu no palanque e sorriu para Gideon Jura.
Eu não sei como você faz isso, Jace pensou para ele. Mas estou muito feliz que você
fez.
Só então um pequeno goblin Izzet entrou pela porta da varanda, gritando: “Mestres,
um dos Deuses-Eternos se aproxima, à frente de um pequeno exército daqueles horrorosos
mortos-vivos! Vocês têm cerca de onze minutos e meio antes que eles estejam aqui!”
Gideon riu.
“Onze minutos e meio.” Era necessário admirar a precisão Izzet.
Jace gritou: “Seis desafios! Seis missões! Nós precisamos de voluntários Agora!”

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TRINTA E TRÊS
KAYA
Encontrar uma alternativa para recrutar o Senado Azorius e seu mestre de guilda
colaborador, Dovin Baan, foi uma tarefa designada para outros voluntários. Mas como
mestre de guilda do Sindicato Orzhov, Kaya ficou encarregada de trazer as outras quatro
guildas rebeldes – o Enxame Golgari, o Culto de Rakdos, os Clãs Gruul e o Conclave
Selesnya – para a Operação Desespero de Ral Zarek. Pensou-se que, por ser uma
estrangeira, ela traria menos bagagem – e suspeita – para a empreitada do que o próprio
Zarek, mas, sendo mestre de guilda, ela ainda teria prestígio suficiente para que fosse
recebida nas audiências necessárias.
Sua primeira parada seria Selesnya, que ela esperava que seria a mais fácil das quatro.
Kaya tinha três companheiros: Teyo, Rata (ambos que de alguma forma se tornaram sua
comitiva) e a elfa quase silenciosa, Nissa Revane, a quem Jace esperava que se desse bem
com Emmara Tandris, a líder élfica e mestre de guilda Selesnya.
Infelizmente, chegar a Tandris estava se mostrando difícil. Para começar, eles tiveram
que evitar a Horda Medonha que estava sendo liderada pelo Deus-Eterno Rhonas, que
estava a poucos minutos de invadir uma Casa lotada do Senado e acabar com toda a
oposição significativa de Bolas em uma só investida.
Felizmente, Rata foi capaz de levá-los por passagens, becos e atalhos que os invasores
de Amonkhet não conheciam.
Revane parecia impressionada o suficiente com a velocidade do seu progresso para até
dizer algumas palavras. “Você conhece bem a cidade,” disse a Rata enquanto evitava
qualquer contato visual com a garota, do seu jeito ligeiramente distraído.
Ao se aproximarem dos territórios Selesnya, eles se depararam com uma única – e
inevitável – safra de Eternos, procurando por vítimas. Teyo ergueu um escudo e, por trás
dele, Revane pediu permissão a um velho vidoeiro, que prontamente cresceu múltiplos
galhos que atravessaram os cérebros de cada crânio de lazotep e depois se retraíram. O
ataque foi tão rápido que dois ou três segundos se passaram antes que os Eternos
começassem a cair no chão, mortos de verdade.
Eles encontraram o Conclave a salvo e verdadeiramente fortificado. E receptivos. Uma
longa fileira de Guardiões Ledev e Arqueiros Sagitários bloqueava o caminho deles.
Ninguém os deixaria passar, mesmo em sua missão diplomática. Revane, em particular,

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parecia ser a inimiga pública número um por ter despertado Vitu-Ghazi, resultando na
partida, desmembramento e quase completa destruição do elemental. As vitórias que Vitu-
Ghazi tinha conquistado antes de encontrar os Deuses Eternos – para não mencionar os
aplausos dos selesnyanos até aquele momento – foram totalmente esquecidas.
Kaya começou a pensar que teria que espectrificar seu caminho para conseguir uma
audiência com Emmara quando Teyo gritou: “Onde está Araithia?”
Nissa perguntou: “Quem?”
Revirando os olhos impacientemente, Kaya estava prestes a explicar para a elfa que
Araithia era Rata, quando de repente a voz de Rata gritou: “Aqui!”
Teyo e Kaya se viraram para encontrar Rata se aproximando por detrás da linha Ledev,
montada nas costas de um centauro. Kaya estava claramente atordoada. Ela conhecia
centauros em seu Plano natal, e, se você parecesse que queria montar em um, você estaria
praticamente morto.
Ah, bem. Talvez os centauros de Ravnica sejam mais complacentes.
Os Guardiões Ledev se separaram, curvando-se, para permitir que o centauro passasse.
Rata disse: “Senhora Kaya, Teyo Verada… e a Senhorita Revane, permitam-me
apresentá-los ao meu padrinho, Lanceiro-Mestre Boruvo.”
O centauro inclinou a cabeça para Kaya e depois para Teyo, mas pareceu deixar uma
mensagem ao não se curvar à elfa, que assistiu ao processo em silêncio, parecendo
extremamente desconfortável o tempo todo.
Rata continuou do seu jeito acelerado, “Boruvo era dos Clãs Gruul, antes de se juntar a
Selesnya. Ele é um bom amigo dos meus pais. E eles o escolheram para ser meu padrinho.
Digo, ele era a escolha óbvia, a única escolha praticamente, se você pensar bem. Eu acho
que meu pai sempre teve um pouco de ciúmes do meu relacionamento com Boruvo. Não
que seja por isso que Boruvo deixou os Clãs. Ele ouviu um chamado, sabe. Ele acha que eu
também tenho um, e realmente quer que eu deixe os Gruul e me junte a Selesnya. E às vezes
isso parece o caminho certo para mim. Mas acho que sou indecisa quando se trata de-”
O centauro limpou a garganta e disse, “Afilhada”.
“Eu estou divagando de novo, não estou?”
“É compreensível. Mas acredito que temos negócios para tratar.” Ele se virou para
Kaya e Teyo, dizendo: “Qualquer um com bom gosto para notar nossa Araithia merece uma
chance de ser ouvido.”
Novamente Revane se inclinou para sussurrar, “Quem é esta Araithia?”

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E novamente Kaya ia dizer a ela que Araithia era Rata. Mas Rata sorriu e balançou a
cabeça, e Kaya se virou para estudar Nissa. Ela estava olhando diretamente para Rata e
ainda olhando através dela, como se Rata não estivesse lá. De repente, ocorreu a Kaya que
Rata era invisível para Nissa. Ela lembrou da reação de Ral ou da não-reação a Rata – e a
maneira como todos tinham combinado os nomes de Teyo e Rata quando Teyo tinha
apresentado os dois. Seria Rata invisível para todos, exceto Teyo, Boruvo e Kaya? Invisível,
talvez, até para o próprio pai?
Rata disse: “Não é invisibilidade exatamente. Eu vou explicar mais tarde.”
Invisível… e talvez um pouco psíquica?
A garota tinha lido os pensamentos de Kaya… ou apenas lido suas expressões? Kaya
não sentiu nenhum toque em sua mente, como havia sentido antes com Beleren. Mas
pensando bem, Beleren estava gritando altos comandos para algumas dezenas de pessoas
simultaneamente. Talvez ele pudesse ser igualmente indetectável quando quisesse. Kaya
sabia que Jace também criava ilusões, tornando-se invisível a olho nu – ou a cérebro nu.
É isso que Rata está fazendo?
“Mande a elfa ir embora,” Boruvo disse, imediatamente demandando a total atenção
de Kaya. Ele estava olhando para Revane com intenso desprezo. “Mande ela ir embora, e eu
escoltarei o restante de vocês para falar com Emmara Tandris.”
Kaya estava prestes a protestar. Afinal, Nissa Revane deveria ser sua arma secreta para
conseguir a generosidade de Tandris.
Mas Revane já estava recuando, parecendo um tanto aliviada. Ela disse: “Eu nunca fui
muito boa em falar. Vocês dois vão com o centauro. Eu vou me juntar a Gideon.”

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TRINTA E QUATRO
GIDEON JURA
Gideon guiou Promessa para a batalha ao lado de Aurélia e de seus Cavaleiros
Celestes, enquanto Angrath liderava uma força terrestre de trinta ou quarenta planinautas e
três vezes mais guerreiros Simic, Izzet e Boros.
Huatli, que parecia ter uma história com o minotauro, o advertiu contra o egoísmo e a
imprudência de Angrath.
“Ei, você não precisa se preocupar comigo,” ele bufou com alguma amargura interior.
“Tudo que eu quero é derrotar o maldito dragão para que eu possa voltar para minhas filhas.
Pra falar a verdade, eu não sei por que eu as deixei, pra começar! Eu sempre penso, vou dar
uma pausa de transplanar por alguns dias, e então eu acabo em algum maldito Plano com
esse maldito Sol Imortal e fico preso lá por anos. Bem, eu quero cair morto se esse dragão
me custar mais anos longe da minha família. Então me ponha para trabalhar. Você não vai se
arrepender.”
Gideon o achou sincero, e até mesmo Huatli parecia convencida – e ela certamente
estava preparada para admitir que Angrath seria um inimigo perigoso para os Eternos.
“Sendo bem honesto,” ele disse. “Eu posso derrubar cinco de cada vez com as minhas
correntes, eu aposto.”
Agora, quando Gideon olhou para baixo, ele viu Huatli ao lado de Angrath – no
mínimo para ficar de olho nele.
Todos tinham saído para interceptar o Deus-Eterno Rhonas. O Deus Serpente estava se
aproximando da Casa do Senado com múltiplas falanges de Eternos marchando em sua
longa sombra, enquanto avianos, dragonetes e anjos Eternos circulavam sua cabeça como
moscas.
Ou eles circulavam até os Cavaleiros Celestes se aproximarem. Então eles afastaram
de seu deus para atacar.
Felizmente, a batalha aérea estava sob o controle de Aurélia. Gideon era o único
planinauta no céu, e ele estava protegido por sua aura de invulnerabilidade. Então não havia
necessidade de nenhuma defesa especial. Foi uma luta aérea direta e, francamente, os
Eternos, embora perigosos, estavam simplesmente em desvantagem.

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Era uma história diferente no solo, conforme observou Gideon, enquanto mergulhava
montado em Promessa, em alta velocidade, decepando cabeças revestidas de lazotep com a
Lâmina Negra.
Abaixo dele, ele podia ver que, com poucas exceções, os planinautas estavam
relutantes em chegar muito perto dos Eternos, e em vez disso usavam suas magias para
destruir o inimigo à distância. Isso era compreensível, mas nem sempre eficaz – e
certamente causaria ainda mais ressentimento entre os membros das guildas.
Entre essas exceções estava o próprio Angrath. O minotauro acendeu sua pesada
corrente de ferro com seu poder piromântico, e sem dúvida, enquanto a girava em arcos
largos, ele destruía quatro ou cinco Eternos a cada rotação.
Ele havia penetrado profundamente nas safras. Muito profundamente, para ser
honesto, considerando que tudo o que um Eterno tinha que fazer era conseguir um bom e
sólido agarrão. O comprimento de sua corrente tendia a mantê-los na beirada, mas de vez
em quando o impacto com uma casca de lazotep interrompia seu balanço, deixando-o
extremamente vulnerável.
Era aí que Huatli entrava – ou melhor, saía de dentro do arco de sua corrente para
proteger a retaguarda do minotauro. Ela poderia não gostar muito de Angrath, mas não iria
deixá-lo morrer.
Inspirado pela dupla, alguns dos planinautas começaram a atacar o inimigo
diretamente – e não sem sucesso. Mas também não sem perigo, um perigo que mais uma
vez se tornou óbvio quando um planinauta vedalkeano foi agarrado por dois Eternos e
ceifado diante dos olhos de todos os outros. Um dos dois Eternos entrou em combustão,
quando a centelha do vedalkeano disparou para o céu, arqueando em direção à praça e
Bolas. O segundo Eterno também entrou em combustão, graças a um Angrath vingativo, que
chicoteou sua corrente ao redor da criatura e a puxou – enquanto Huatli mais uma vez
apoiava o minotauro, dirigindo sua lâmina para o coração de outro Eterno, que estava
tentando capturar Angrath por trás.
Claramente, o destino do vedalkeano teve um efeito assustador sobre o resto dos
planinautas, que novamente se retiraram em massa para se contentar com ataques à
distância.
E nem isso necessariamente funcionou. Rhonas se aproximou mais rápido do que a
corrente de Angrath, agarrou uma planinauta humana de cabeça raspada e poderes de
fundição de metal. Ela tentou, nos poucos segundos que teve, convocar a sua metralha
voadora para atacar a cauda do Deus-Eterno para se libertar. Mas foi tarde demais. A
metralha não causava dano discernível a um Eterno do tamanho de Rhonas, e em segundos

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sua faísca foi colhida. Gideon esperava que, pelo menos, a Serpente entraria em combustão,
como acontecia com os outros Eternos quando entregavam suas centelhas roubadas para
Bolas. Mas não teve essa sorte. O Deus-Eterno tinha o poder de colher, entregar e ainda
sobreviver. Ele seguiu em frente, esmagando dois biomantes Simic sem nenhum esforço.
Compreensivelmente, isso causou um impacto ainda maior nos esforços dos outros
planinautas. E também não estava ajudando muito os guerreiros das guildas. O medo estava
se instalando.
Mas Gideon não tinha aquela constituição delicada.
Rhonas voltou sua atenção para o combate aéreo e estava rapidamente se tornando um
problema significativo. Os Eternos voadores – desprovidos de alma, paixão e verdadeiro
pensamento independente – podiam estar em desvantagem para os Cavaleiros Celestes de
Aurélia bem treinados, apaixonados e pensantes, mas o Deus-Serpente não. Ele os esmagou
do céu da esquerda para a direita. Gideon decidiu que era hora – de uma vez por todas – de
descobrir o quão potente a arma Lâmina Negra realmente era.
“Vamos lá, menina,” ele sussurrou para Promessa, e ela respondeu imediatamente.
Com apenas um leve toque em suas rédeas, ele foi capaz de guiá-la entre dois dragonetes
Eternos (de um dos quais ele dividiu a coluna durante a passagem), em direção ao lado
esquerdo do Deus-Eterno.
Rhonas tinha acabado de estapear com as costas da mão uma roca Boros e seu
cavaleiro para fora do céu, e, enquanto a mão do Deus se virava, completando o arco do
movimento, ela se achatou brevemente, palma para cima. Isso era tudo o que Gideon
precisava. Ele saltou do pégaso e direto para a mão estendida de Rhonas.
O Deus-Eterno virou a cabeça. Apesar do revestimento de lazotep cobrir suas
características ofídicas e a evidente falta de qualquer coisa semelhante a uma verdadeira
auto-percepção, a Serpente realmente parecia… surpresa. Mas apenas por um momento. Ele
fechou o punho em torno de Gideon e uma luz roxa emanou entre suas placas de lazotep
quando tentou colher a centelha de Gideon.
Mas a aura de Gideon brilhou branca ao redor de si. Ele permaneceu invulnerável,
intocável. Rhonas não poderia fazer contato direto com a pele de Gideon – ou mesmo suas
roupas. Claro, ser espremido (virtualmente esmagado) por uma cobra gigante não era
exatamente um piquenique, mas a hieromancia de Gideon em grande parte – em grande
parte – também o protegeu daquilo.
Mais uma vez o rosto de Rhonas expressou uma emoção real, embora breve: dessa
vez, confusão.

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Por que este planinauta não morre?
O Deus-Serpente levantou Gideon na altura dos olhos para estudá-lo.
E mais uma vez, era tudo o que Gideon Jura precisava. Ele empunhou sua espada e a
golpeou para frente com toda a sua força – perfurando o olho do Deus-Cobra.
Lâmina Negra, a Bebedora de Almas, drenou para si qualquer essência restante de
Rhonas. Gideon realmente podia sentir a arma ficando mais pesada. Talvez não fisicamente
mais pesada, mas moralmente, magicamente, psiquicamente mais pesada, sem dúvida.
Rhonas foi rapidamente reduzido a uma carcaça, não muito diferente dos planinautas
que ele havia colhido. E, da mesma forma, a carcaça rapidamente começou a se desfazer em
poeira. A mão de Rhonas, onde estava o pé de Gideon, desintegrou-se e ele começou a cair.
Ele estava, no mínimo, a uns trinta metros de altura. Com ou sem aura, aquilo ia doer.
Ou teria doído. Promessa mergulhou e pegou seu cavaleiro nas costas. O chifre da sela
entrou nas costelas de Gideon. Sua invulnerabilidade o protegeu.
Mas ainda doeu.
Mas valeu a pena.
Uma aclamação irrompeu de todos os lados.
Um a menos, Gideon pensou, e foi um pensamento compartilhado por uma sorridente
Aurélia, por Angrath, Huatli e todos os outros combatentes não-Eternos nos arredores.
Inspirados, todos eles avançaram. Os Eternos – pelo menos estes Eternos – agora
estavam claramente condenados.
Gideon se colocou de pé nas costas de Promessa e daquela altura olhou para a praça.
Ele não pôde evitar. Seus pensamentos se viraram para Liliana.
Ele sabia que o esquadrão de Jace estava indo atrás dela. Uma parte dele queria voar
até lá para detê-los, para salvá-la. Uma parte dele ainda acreditava que ela podia ser salva.
Mas outra parte não conseguia mais defendê-la. Liliana Vess ultrapassara muitos limites.

149
TRINTA E CINCO
LILIANA VESS
Embora estivesse muito longe para ver os detalhes, Liliana pôde sentir Rhonas
desaparecer. (Sua conexão com o Deus-Serpente se movimentava de dentro para fora da sua
percepção enquanto os outros Eternos intermitentemente exigiam mais atenção imediata.)
Sua destruição veio como um alívio: um deus a menos para controlar, um fardo a menos
para carregar, muito menos vítimas pesando sobre o que passa por minha consciência.
Ela não poderia ter cem por cento de certeza, mas apostaria no bom e velho Bifão
como a causa da morte do Deus-Eterno, o que veio como um tipo de alívio. A
invulnerabilidade de Gideon, em essência, o tornava imune à Ancianomancia. Depois da
queda de todos os outros planinautas, Gideon Jura ainda estaria lá com a Lâmina Negra,
tentando matar Bolas.
Liliana não poderia ajudar, claro. Seu contrato com o dragão tornava isso impossível.
Mas isso não significa que ela não torceria por Gideon. Afinal, ela, com certeza, não estava
torcendo por Nicol Bolas.
Na verdade, ela estava fazendo o seu melhor – dentro dos limites do seu contrato –
para frustrar o dragão o quanto fosse possível, para mitigar o dano que ele estava causando à
vida e aos membros. Ela deu aos Eternos de Bolas uma autonomia muito pequena e ainda
menos assistência. Ela estava fazendo tudo em seu poder para impedi-los de entrar em
qualquer construção, de seguir suas presas dentro das casas. Francamente, se mais
ravnicanos apenas tivessem cérebro suficiente para ficar longe das ruas poderia ter havido
muito menos carnificina neste dia. Agora, com a Ancianomancia dando aos Eternos uma
visão de cada centelha dos planinautas, ficou mais difícil, mas, ainda assim, ela fez o seu
melhor para restringir suas ações sem chamar a atenção do dragão.
Quer dizer, dadas as minhas circunstâncias, o que mais eles podem esperar de mim?
Então, claro, que ela queria que Gideon vencesse.
E se Gideon vencer? Bem, eu sei que eu ultrapassei um limite hoje. Alguns limites.
Mais do que alguns.
Mas ela sempre fora capaz de justificar esses limites para o Bifão. De manipulá-lo para
ver as coisas do jeito dela.
Ela ainda poderia se salvar.

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Claro que eu posso…

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TRINTA E SEIS
TEYO VERADA
Não era como se ele nunca tivesse visto vegetação antes. Ele tinha visto, claro.
Gobakhan não era um completo deserto. Oásis tinha um pequeno parque na praça da cidade.
E também havia um jardim no mosteiro. Mas novamente Teyo Verada se sentiu como se
tivesse vindo de um mundo muito pequeno para (sobre?) um Plano de maravilhas. Ele nunca
tinha visto tal quantidade e variedade de tons de verde antes em sua vida – e muito menos
por dentro. Gavinhas que alcançavam até trinta metros, sessenta metros, escalando paredes
de mármore e varandas. Arbustos, sarças – honestamente, ele nem sequer tinha o
vocabulário para descrever o que ele estava vendo – que se espalhavam pelo chão de
ladrilhos.
Árvores crescendo dentro de casa!
Isto é, se você pudesse chamar isso de “dentro de casa”. Cada espaço era aberto para o
ar. Seria inútil – até perigoso – como abrigo durante uma tempestade de diamantes. Ou
durante um ataque de Eternos, no caso. Mas, mesmo assim, nenhum deles havia alcançado
aqueles salões.
E os aromas, os ricos aromas e perfumes de todo aquele verde, e todas as flores e todos
os… os Selesnyas do lugar eram inebriantes.
Rata ainda estava cavalgando nas costas de Boruvo enquanto guiava Teyo e Kaya para
sua audiência com Emmara Tandris, a atual mestre de guilda do Conclave Selesnya. Os
corredores de mármore quase brilhante estavam apinhados com arqueiros e soldados, todos
vestindo armaduras decoradas que pareciam folhas ou lâminas de grama. Muitos eram elfos.
Todos abaixavam a cabeça em ligeira saudação ao reconhecer Boruvo. Todos olharam Teyo
e Kaya com o mínimo indício de ameaça. Nenhum deles parecia sequer olhar para Rata.
Eles atravessaram um arco guardado por duas imensas criaturas segurando machados. Cada
uma tinha grandes presas, maiores que as de um javali, e cada uma tinha um focinho que se
estendia além do seu rosto. Como de costume, Teyo nunca tinha visto qualquer coisa
parecida com eles. Eles também acenaram para Boruvo, olhando para Teyo e Kaya, e não
viram Rata.
A luz estava começando a sumir em Teyo quando Kaya viu o olhar em seu rosto e se
inclinou para sussurrar: “Apenas o centauro, você e eu conseguimos enxergar Rata. De
alguma forma, ela é invisível a todos os outros. Mesmo para seu pai.”

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Não fazia sentido e, no entanto, explicava tudo.
Teyo deve ter ficado encarando Rata, porque ela sorriu para ele e graciosamente
escorregou das costas do centauro para ficar entre seus novos amigos e tentar esclarecer:
“Eu não sou invisível,” ela disse. “Eu sou insignificante. Um rato. Um pequeno rato. Você
vê um, você olha para o outro lado. Você tenta fingir que não o percebeu. Você tenta
esquecê-lo até que você realmente esquece. Sua mente rejeita sua presença.”
“Você não é insignificante,” Kaya protestou.
“Você é tão doce por dizer isso, Senhora Kaya, mas eu sou.”
“É magia,” Teyo disse.
“Pode ser,” Rata respondeu com um encolher de ombros. Ela ainda estava sorrindo,
embora Teyo pensou que seu sorriso havia se desvanecido em algo agridoce. “Magia que
nasceu comigo. Muitas pessoas não podem me ver a menos que saibam que estou lá e se
concentrem. Meu pai é bom nisso, mas ele tem que saber que eu estou por perto para
conseguir. Antes de hoje, havia apenas três pessoas que consistentemente foram capazes de
me notar por conta própria: minha mãe, Boruvo e Hekara.”
Kaya assentiu. “É por isso que você ficou tão chateada quando eu te disse que Hekara
estava morta.”
Rata sacudiu a cabeça enfaticamente. “Não. Bem, talvez por essa parte também. Mas
principalmente eu fiquei chateada porque Hekara era muito legal e maravilhosa. Mas sim,
eu acho que dói saber que há menos uma pessoa que vai me notar. Claro, depois eu
encontrei vocês dois.”
Teyo e Kaya pegaram uma das mãos de Rata e deram a ela apertos encorajadores.
Em algum ponto todos eles viraram uma esquina e ficaram cara a cara com o que só
poderia ser Emmara Tandris. Ela era uma elfa alta com orelhas pontudas, olhos pálidos e
cabelos cor de seda. Ou talvez apenas cor de luz. Ela usava um longo vestido branco com
uma longa túnica ou capa branca – ou talvez manto – drapejada sobre seus ombros. Ela
estava diante do que Teyo a princípio pensava que era uma árvore. Não, não era uma árvore.
Uma mulher. Ou três mulheres. Ou uma mulher com três troncos e três cabeças. Ou uma
mulher de três cabeças e três torsos, que também era uma árvore, com cabelo feito de folhas
de outono.
A cabeça do centro/tronco/mulher parecia estar dormindo. As outras duas não olhavam
uma para a outra. A da esquerda estava chorando lágrimas quentes. A da direita cruzou os
braços com raiva. Teyo desistiu de tentar entender esse mundo estranho. Meninas que não
podiam ser vistas pelos próprios pais. Mulheres que se fundiram com árvores e ainda não

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conseguiam se dar bem. Então Teyo decidiu que tudo o que ele poderia fazer era tentar ser
de alguma utilidade.
Boruvo se curvou, o que era uma visão interessante de se ver em um centauro. Ele
disse, “Milady Tandris, você conhece a mestre de guilda Kaya do Sindicato Orzhov. Com
ela está seu associado Teyo Verada e minha afilhada Araithia Shokta, ainda Sem-Portão.”
Teyo tentou não sorrir quando o centauro o chamou de associado. Ele imaginou
brevemente como o abade Barrez teria respondido ao seu novo título.
Emmara Tandris estava semicerrando os olhos, examinando a sala. Ela disse, “Araithia
está aqui?”
Rata acenou, o sorriso triste substituído pelo velho sorriso de Rata. “Aqui, milady!”
Tandris piscou duas vezes e disse: “Mais uma vez, por favor.”
“Eu estou aqui, bem entre Teyo e a Senhora Kaya.”
Boruvo também ofereceu alguma ajuda. “Ela está entre os outros dois, milady.”
“Ah, sim,” Emmara disse, de repente radiante de alegria.
Teyo engoliu em seco.
Eu já vi um sorriso desses?
A elfa disse: “Oh, criança, eu gostaria que isso não fosse tão difícil. É uma grande
alegria ver seu rosto e ouvir sua voz.”
“Só porque cada vez é como se fosse a primeira. Confie em mim, milady, se você me
visse todos os dias, você se cansaria de ambos.”
“Eu sinceramente duvido disso.”
Rata deu de ombros, ainda sorrindo. “Eu poderia provar isso com cinco minutos de
conversa, milady, mas não é por isso que estamos aqui.”
Tandris suspirou pesadamente, ficou séria e voltou os olhos para Kaya. “Eu sei por que
você está aqui.”
“Emmara, por favor,” Kaya disse. “Nós precisamos unir as guildas. Ral tem um plano
transmitido por Niv para salvar Ravnica, mas não vai funcionar sem todas as dez guildas
cooperando.”
“E pode não funcionar mesmo se todas as dez guildas cooperarem, correto?”
Kaya não respondeu, mas seu silêncio falou em voz alta.

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“Mestre de guilda Kaya, nós duas sabemos que Ral Zarek e Niv-Mizzet amavam seus
planos, suas estratégias, seus modelos. Até agora, cada um deles foi um desastre absoluto
para as guildas, para Ravnica, e especialmente para Selesnya.”
“Mas desta vez—”
“Os Izzet sempre dão nomes para seus projetos. Nada é real para eles a menos que eles
os nomeiem, definam, limitem. É por isso que nós temos tão pouco em comum. De que Ral
está chamando esse?”
Kaya hesitou, parecendo quase envergonhada. Mas então ela endireitou as costas e
disse em uma voz clara: “Operação Desespero.”
Emmara Tandris quase riu. Ela certamente sorriu enquanto balançava a cabeça, do jeito
que uma mãe balança a cabeça com as palhaçadas de uma criança.
Kaya estava pronta para aquilo. “Eu sei o que parece, mas tempos desesperadores
exigem medidas desesperadoras. Os planinautas e as guildas devem se unir para derrotar
Bolas.”
“Eu não discordo, Kaya.”
“Bem então—”
Tandris a interrompeu novamente. Foi estranho. Ela tinha um jeito de interromper que
não parecia rude. Ela parecia deslizar, sua voz aumentando entre as palavras de Kaya como
as folhas de grama cresciam entre as pedras de pavimentação. Ela disse: “Desculpe, mas há
pouco apoio para qualquer coisa que se assemelhe à unificação dentro de Selesnya. As
coisas estavam bastante ruins antes da perda de Vitu-Ghazi. Mas agora…” Ela parou.
Teyo se virou para ver como Kaya responderia e notou que Rata já não estava entre
eles.
Ele rapidamente olhou em volta e viu a menina sussurrando algo para Boruvo, que
estava se inclinando apenas para esse propósito. Teyo pensou que o centauro literalmente se
curvaria para Rata. Teyo então percebeu que ele também.
Boruvo limpou sua garganta e disse: “Milady, foram as criaturas de Bolas que
devastaram Vitu-Ghazi.”
“Sim,” Kaya disse, “exatamente. E este não seria o primeiro mundo onde Bolas causa
estragos. Duas planinautas – Vivien Reid de Skalla e Samut de Amonkhet – relatam que
ambos os seus mundos foram absolutamente devastados por Bolas. Skalla está
completamente morto. E os poucos sobreviventes de Amonkhet estão lutando para
sobreviver, enquanto os monstros de Bolas continuam a devastar o que restou de sua casa.

155
Na verdade, eu suspeito que os problemas do meu mundo também sejam obra de Bolas. Não
se engane, Emmara. O dragão está transformando Ravnica inteira – senão o Multiverso
inteiro – em um túmulo.”
De repente, a árvore central/cabeça/tronco/mulher acordou, chorando, lamentando ou
talvez apenas cantarolando. Teyo descobriu que não conseguia identificar o som.
As outras duas se viraram para ela.
Assim como Emmara Tandris com um suspiro, e Boruvo com uma reverência.
Teyo devia ter parecido tão confuso quanto ele se sentia, porque Rata estava
novamente ao seu lado, silenciosamente oferecendo uma explicação: “Ela é a dríade
Trostani, a verdadeira mestre de guilda Selesnya, as vozes do seu parun… hum, digo, do seu
fundador, Mat'Selesnya. A Senhora Cim, no meio, é a dríade da Harmonia. Ela estava
dormindo e não respondia há meses. Agora ela acordou.”
“Sim,” Teyo disse, “eu percebi essa última parte.”
“A dríade à esquerda é a Senhora Oba, a dríade da Vida. À direita está a Senhora Ses, a
dríade da Ordem. Sem a Senhora Cim, eles estavam em desacordo, divididas e incapazes de
chegar a uma decisão por sua guilda. Milady Tandris vem tentando manter Selesnya unida
durante a hum, ausência… de Trostani.”
O lamento da Senhora Cim ficou mais alto, culminou e diminuiu. Todos esperaram
ansiosamente. Finalmente, ela falou – ou melhor, cantou ou, ah, bem, Teyo não tinha certeza
do que ela estava fazendo. Apesar de a boca da Senhora Cim se mover, suas palavras eram
como música em sua mente, como uma brisa passando pelas areias. Ou passando pelas
árvores, ele imaginou. Isso era muito, muito mais gentil do que a telepatia de Jace Beleren, e
ainda como Jace, Teyo sentiu as palavras mais do que ouviu.
Eu ouvi a música que toca ao vento, irmãs. A dríade da Harmonia virou-se para a
dríade da Ordem: Ses, a Ordem de Bolas é a Ordem da Sepultura. Você brigou com sua
irmã, mas ela ainda é sua irmã. É realmente o seu desejo vê-la destruída? Ver toda a vida
terminada?
Com esse incentivo, a Senhora Oba também apelou para a Senhora Ses. Existe uma
grande Ordem para a Vida. Isso não é suficiente?
A Senhora Ses ficou em silêncio por um tempo. Ela olhou para longe das irmãs. Ela
olhou para o céu. Sinceramente, sua expressão lembrou Teyo do abade depois de uma das
muitas falhas do seu acólito mais patético.

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Então, com um aceno de cabeça, a Senhora Ses concordou, dizendo (cantando),
Trostani está novamente em Harmonia. É a vontade de Mat'Selesnya que o Conclave se una
às outras guildas para derrotar Nicol Bolas.

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TRINTA E SETE
RAL ZAREK
Turbinas de Mizzium se agitavam enquanto a pequena quase-aeronave transportava o
mestre de guilda Ral Zarek e a Senescal Maree em direção à Torre do Farol, no centro do
território Azorius.
Na última vez em que Zarek estivera a bordo do Levantador-de-Nuvem da Golbet
Frezzle, estava chovendo – e o vento soprava frio e úmido através da gôndola ao ar livre,
esfriando-o até os ossos. Desta vez, o céu estava ainda mais sombrio, escurecido com a
Ancianomancia, iluminado apenas pelas centelhas colhidas que arqueavam em direção a
Bolas, no alto de sua Cidadela.
Zarek e Maree observavam de cima, por telescópios de várias magnitudes, quando
mais um, dois, três planinautas chegaram em Ravnica – e como dois desses três foram quase
imediatamente colhidos por Eternos.
Um quarto planinauta, um elfo alto com uma longa capa branca com capuz, foi colhido
pelo Deus-Eterno Kefnet, que nem sequer teve a decência de se queimar por seu crime
quando enviou a centelha do elfo para o dragão.
Zarek sentiu-se grato pelo barulho dos motores estragados do Levantador-de-Nuvem
esconderem qualquer som de gritos. Mas aquilo pouco importava. Através da lente de maior
magnitude de seu telescópio, Zarek podia ver todos os detalhes quando os rostos dos
planinautas mortos se contorciam em um olhar de medo, permitindo que sua mente
conjurasse todo o som de horror que ele estava perdendo – e lembrando-o da sua própria
culpabilidade no massacre. O Farol trouxe estes planinautas aqui para o seu destino. Fora
ideia de Niv-Mizzet, mas Zarek havia projetado a maldita coisa e até mesmo supervisionara
sua construção à distância. Em meio a todos os seus fracassos, incluindo sua ruinosa
tentativa de unir as dez guildas, esse – esse – foi seu único sucesso. Ele estava muito
orgulhoso disso, é claro. Ele lutou para ligá-lo. Ele matou para ligá-lo.
Assim são os sucessos de Ral Zarek, pensou amargamente.
Minutos depois, o Levantador-de-Nuvem atracou ao lado do último andar da Torre do
Farol. Ral e Maree a encontraram fracamente guardada por soldados Azorius e Izzet. Os
Izzet rapidamente abriram caminho para seu novo mestre de guilda. Ral pensou que teria
que lutar contra as tropas Azorius. Mas não. Talvez eles não soubessem que seu novo mestre
de guilda, Dovin Baan, estava secretamente trabalhando para o dragão e, portanto,

158
desaprovaria as intenções de Ral na torre. Ou talvez eles tivessem deixado Zarek passar
porque estavam muito conscientes da traição de Baan a Ravnica. De qualquer forma, eles
não se opuseram.
Não. Guardas não eram o problema. O problema era a minha própria maldita
meticulosidade.
O quimiomante-chefe Varryvort, um goblin Izzet e o principal engenheiro do Farol,
correu para cumprimentar os dois principais oficiais de sua guilda: “Mestre Zarek! Senescal
Maree! Que bom vocês virem nos visitar no meio de todo esse inferno.”
Ou seja, pensou Ral, por que você não está fazendo alguma coisa útil em vez de me
incomodar?
Ele disse, “Viemos desligar o Farol.”
Varryvort recusou. “Criar o Farol foi o último comando do Mente de Fogo!”
“Eu sei disso, quimiomante-chefe. Mas agora ele está sendo usado para servir aos
planos de Bolas. Bolas, aquele que matou o Mente de Fogo.”
“Sim, tudo bem. Eu entendi. Mas não há nada que possamos fazer. Não consigo
desligá-lo. Você não pode desligá-lo. Por suas próprias ordens, Mestre, o dispositivo foi
projetado sem a possibilidade de ser desligado – para evitar que Bolas o desligasse.”
“Eu sei disso também, mas também sei que qualquer quimiomante bom de serviço
instalaria algum tipo de backdoor infalível.”
Varryvort encolheu os ombros. “O Farol ainda precisa de poder energético. Sem poder,
sem Farol. Essa é a melhor solução que posso lhe oferecer.”
Maree revirou os olhos. “Se ao menos conhecêssemos alguém com um apetite
interminável por poder.”
Ral sabia que ela estava falando sobre ele, mas pensou que suas palavras também se
aplicavam a si mesma, para não mencionar metade dos seres sencientes de Ravnica.
Pelo menos eu sei o que tenho que fazer.
Ele ligou seu Acumulador, colocou as mãos no painel de controle metálico do Farol e
começou a absorver eletricidade bruta através de seus dedos. Por sorte, ele havia
negligenciado a recarga do Acumulador desde antes da sua tentativa fracassada de encontrar
Tomik. Seria falta de sorte se o Farol mantivesse um enorme excedente de energia bruta. Ral
drenou, drenou e drenou o poder do Farol, mas ele podia sentir que estava apenas
arranhando a superfície.

159
Ele sabia que muito em breve teria que liberar um pouco da energia ou seu
Acumulador iria explodir, arrancando o telhado da torre e matando todos dentro dela – tudo
sem danificar o Farol criado-para-ajudar-um-Dragão-Ancestral.
Varryvort começou a se afastar, uma mão protegendo os olhos, gritando “Mestre…
Mestre…” sobre o gemido do Acumulador de Ral.
Maree assistia com firmeza, mas em dado momento, um canto de sua boca se
contorceu.
Os soldados Azorius estavam se afastando. Os Izzet sorriram para eles – então,
trocaram olhares nervosos.
Ral olhou por cima do ombro e viu que Golbet estava pilotando o Levantador-de-
Nuvem longe do seu alcance. No entanto, Ral continuou tentando drenar o Farol. Ele estava
progredindo, mas o Acumulador emitia um gemido cada vez mais alto. Então ele começou a
chispar pelo excesso de potência.
Isso não é bom. Tenho que liberar, ou seremos todos fritos.
Ele quebrou o contato com o painel de controle e tropeçou em direção a uma varanda,
procurando desesperadamente o horizonte para um ângulo seguro de liberação. Avistando
Kefnet a meia distância, Ral liberou um enorme relâmpago que cortou o braço direito de
Kefnet. O Deus-Íbis não pareceu nem notar.
Ral tropeçou de volta para os controles do Farol, sem fôlego e suando. Maree, com um
verdadeiro – talvez temporário e situacional – olhar de preocupação para ele, tentou
endireitá-lo. Mas a descarga estática crepitando ao redor dele a empurrou a quase meio
metro de distância. Ela caiu de bunda, praticamente ilesa, mas ofuscante.
Ral a ignorou. Novamente ele colocou as mãos no painel de controle.
Instantaneamente ele sentiu que tinha feito algum progresso. Não muito, mas algum. O
suficiente para testar e provar a teoria de que aquele método tinha resultado.
Eu consigo fazer isso.
Ele continuou a drenar a fonte de energia do Farol.
Isso pode demorar algum tempo, mas o resultado final é inevitável. O Farol será
silenciado. Nenhum planinauta mais será involuntariamente chamado para Ravnica como
um cordeiro para o abate. Não vai parar Bolas, mas vai colocar um limite em sua fonte de
energia, limitando o número de centelhas que ele pode devorar. E isso, pelo menos, é
alguma coisa.

160
TRINTA E OITO
TEYO VERADA
“Alguma coisa mudou,” Teyo disse.
“Sim,” disse Kaya, “eu também senti. Ral deve ter conseguido desligar o Farol.”
“Os planinautas ainda podem vir?” Rata perguntou.
“Sim, mas eles não serão atraídos para cá. Não há mais nenhuma convocação.”
“E isso é uma coisa boa?”
“Acho que sim. Nós já somos suficientes para derrotar o dragão. Ou suficientes pelo
menos para morrer tentando.”
Rata socou Kaya no ombro, dizendo, “Olha só, tem certeza de que você não é um
otimista raio de sol?”
“Ai.”
Rata correu à frente, dizendo, “Por aqui.”
Kaya sinalizou para ela se calar.
Rata revirou os olhos. “Ninguém mais me ouve. Ninguém mais quer me ouvir. Além
disso, quase chegamos a Skarrg. Agora, quando chegarmos lá, vocês deveriam me deixar
falar.”
“Eu pensei que eles não pudessem te ouvir,” Teyo disse – e depois se arrependeu
imediatamente, com medo de que pudesse ter ferido os sentimentos de Rata.
Mas aparentemente ela era bastante imune àquela dura verdade. “A maioria não pode.
Mas minha mãe, Ari Shokta, pode. E meu pai pode, se ele estiver prestando atenção. O
mesmo com Borborigmo. Ele acha que sou adorável, o que eu sou. Eu sou uma Rata
adorável!” Ela riu e o riso ecoou pelas paredes curvas do túnel, tilintando de volta no trio
como uma espécie de música. Teyo acreditava que a “música” de Emmara Tandris e
Trostani era magnífica e de outro mundo. Mas ele acreditava que preferia a música do riso
de Araithia Shokta a qualquer outra que já ouvira em sua vida.
Seus olhos são da cor das ameixas do Solstício, ele pensou.
Então ele corou.

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Eles estavam se movendo por túneis de esgoto como, bem, como ratos. Era escuro,
úmido e apertado. Teyo, criado em climas áridos, estava pingando suor. Ele se preocupou
que Kaya e Rata pudessem pensar que ele estava suando de medo.
Eu estou com medo!
Mas ele não precisava ou queria que elas soubessem daquilo. Ambas eram tão
destemidas, enquanto ele ainda lutava apenas para ser um pouco útil. Ainda assim, com todo
o horror e confusão, havia algo libertador sobre estar em Ravnica.
Eles não me conhecem. Eles não sabem que eu sou um fracasso.
A ignorância deles já havia percorrido um longo caminho para mantê-lo no jogo. O
abade sabia que Teyo Verada não poderia levantar um escudo decente para salvar sua vida.
Essas boas pessoas não faziam ideia. E assim Teyo tinha sido capaz de enganá-los, de vez
em quando salvá-los e assim salvar a si mesmo.
Eles chegaram ao final de um longo túnel de tijolos. O fedor estava começando a pesar
em Teyo. Rata aproximou-se de uma porta de ferro e se ajoelhou diante dela para alcançar
rapidamente a fechadura.
Rápido o suficiente para impressionar Kaya, que disse: “Você é boa nisso. Melhor do
que eu, e sou meio que uma especialista.”
Rata revirou os olhos novamente: “Por favor, aprendi a fazer isso quando tinha seis
anos. Quando ninguém sabe que você existe, eles não abrem nada para você.” Ela abriu a
porta e instantaneamente o trio pôde ouvir vozes furiosas e o som de armas ressoando.
Rata correu na frente até outro túnel, e Teyo e Kaya lutaram para acompanhá-la.
O túnel logo se abriu em uma imensa câmara subterrânea, resquícios de um enorme
palácio. Imediatamente múltiplos machados voaram em direção às cabeças de Teyo e Kaya.
Instintivamente, Teyo levantou um três-pontas, e um machado ricocheteou dele. Kaya ficou
incorpórea e um machado passou direto por ela, se enfiando uns bons cinco centímetros de
profundidade na parede atrás dela. Ambos os planinautas se prepararam para o próximo
ataque – apenas para perceber que eles não estavam sendo atacados. Eles estavam
simplesmente de pé entre dois oponentes Gruul: o pai de Rata, Gan Shokta e um enorme
ciclope.
“Esse é Borborigmo,” Kaya disse. “É ele que viemos ver.”
Sua aparição repentina fez com que ambos os combatentes dessem uma parada no
conflito. Eles estavam lutando diante de uma fogueira gigante que só fazia Teyo suar ainda
mais. E eles não estavam sozinhos. Outros trinta ou quarenta – guerreiros dos Clãs Gruul,

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presumiu Teyo – reuniram-se para observar a batalha. Agora eles olhavam para Teyo e
Kaya, segurando e apertando suas armas com clara hostilidade.
Teyo procurou por Rata, mas não a viu.
Ela pode ficar invisível para mim também, ou ela nos abandonou?
Nenhuma opção parecia provável.
Borborigmo olhou com um olho para Kaya. Ele começou a grunhir elaboradamente.
“O que ele está dizendo?” Teyo perguntou em um sussurro nervoso enquanto desejava
que não parecesse tão nervoso.
“Eu não consigo entendê-lo,” Kaya sussurrou de volta, sem parecer que estava um
pouco nervosa. “Mas tenho certeza de que ele me reconhece da tentativa anterior de Ral de
unir as guildas. Concordar em comparecer àquele encontro custou-lhe sua supremacia entre
os clãs.”
O ciclope levantou uma maça de quase um metro e meio de comprimento e,
grunhindo, bateu a alça em sua mão livre para enfatizar. O que exatamente ele estava
enfatizando era menos que claro.
Gan Shokta resmungou uma tradução: “Borborigmo está inclinado a matá-la aqui e
agora, Assassina Fantasma. Ele culpa você e o mago da tempestade por sua queda.”
“Eu entendo,” Kaya disse cuidadosamente. E então, enfaticamente: “Por outro lado,
Teyo e eu ajudamos a salvar sua vida. E, além disso, somos amigos da sua—”
Antes que Kaya pudesse mencionar Rata, um furioso Gan Shokta gritou: “Eu não
preciso ser lembrado da minha… falha momentânea. Eu te devo. Eu reconheço isso. Mas
não pense que por um momento estou mais feliz de ver você do que o ciclope. Acredite,
você não poderia ter aparecido em pior hora.”
“Não queremos estar aqui mais do que você. Mas não há escolha, Gan Shokta. Não há
escolha, Borborigmo. Nós precisamos dos Gruul para—”
Uma voz feminina interrompeu, gritando com uma mistura de euforia e urgência: “Ela
está aqui, Gan!”
Gan Shokta virou: “Aqui? Onde?”
Uma mulher deu um passo à frente com os braços ao redor de Rata. A mulher era
consideravelmente mais alta e mais musculosa. Ela também estava armada até os dentes,
com uma espada, um machado, duas adagas longas e uma corrente de ferro enrolada em
volta da cintura como um cinto. No entanto, ela tinha o mesmo cabelo escuro e quase o

163
mesmo sorriso. A semelhança era óbvia. Sem dúvida, essa era a mãe de Rata, Ari Shokta.
Ela respondeu ao marido, dizendo, “Bem aqui!”
Todos os olhos ao redor da fogueira se voltaram para a grande mulher.
Gan Shokta apertou os olhos. Ele disse: “Fale, menina!”
“Estou aqui, pai,” Rata disse.
“Ela está aqui em meus braços, Gan,” sua esposa disse.
Então Gan Shokta sorriu: “Eu a vejo.”
Borborigmo grunhiu seu próprio reconhecimento.
Alguns outros na multidão também concordaram, embora Teyo achasse que a maioria
estava apenas fingindo ver a garota para impressionar seus superiores.
Com um ar surpreendentemente formal, Rata dirigiu-se a seu pai e ao ciclope: “Grande
Borborigmo. Lendário Gan Shokta. Vocês devem unir os Clãs e ajudar as outras guildas. Ou
será o fim de todos nós.”
Gan Shokta resmungou sua resposta, apontando para Borborygmos: “É o que eu tenho
dito a ele. Mas o idiota teimoso não ouve."
Borborigmo balançou na direção de Rata e estendeu a enorme mão. Ela escorregou dos
braços de sua mãe para ela, que se fechou em torno dela, praticamente eclipsando-a.
Involuntariamente, Teyo deu um passo para trás para se proteger, mas Kaya colocou
um mão em seu ombro e sussurrou, “Ela sabe o que está fazendo.”
O ciclope levantou Rata. Ela sussurrou algo em seu ouvido.
Ele balançou a cabeça violentamente.
Ela segurou as mãos e sussurrou outra coisa. Então, ela beijou sua bochecha. Pela
Tempestade, Teyo pensou, aquele monstro acabou de corar?

164
TRINTA E NOVE
DACK FAYDEN
Dack se esquivou quando dois de seus “compatriotas” se ajoelharam para flanqueá-lo
dos dois lados. O primeiro, o golem de prata Karn, era intimidador o suficiente. O segundo,
o demônio Ob Nixilis, era aterrorizante, um efeito que Nixilis parecia gostar – se não exaltar
– de produzir em Dack. O demônio riu baixinho e sussurrou, “Você está preparado, pulga?
Aquela Ponte havia sido projetada apenas para transportar matéria inorgânica de um Plano
para outro. Os Eternos escapam disso graças ao seu revestimento de lazotep. Mas tudo o que
você tem para atravessar é sua frágil centelha. Eu acho que você provavelmente vai queimar
no momento em que passar na beirada do portal. Você parece uma pulga que gosta de
apostas. Você se importa se apostarmos sua sobrevivência?”
“Ah, deixe-o em paz,” Karn resmungou.
“O quê?” Nixilis disse, fingindo ofensa. Ele deu um tapinha não tão delicado nas
costas de Dack, com uma mão com garras que parecia feita de lava quente. “Eu não estou
fazendo mal à pulga. Eu poderia esmagá-la. E que diferença isso faria ao Multiverso? Uma
pulga a menos? Uma pulga a menos, que – se você pensar bem – dificilmente sobreviverá o
restante do dia?”
Dack olhou para Karn, que não mordeu a isca.
Ob Nixilis bocejou e disse, “Mas eu não vou te esmagar, pulguinha. Eu gostei bastante
dele nos últimos três minutos.” Tapinha, tapinha, tapinha. “Seu medo palpável tem um
cheiro tão delicioso. E eu sempre posso esmagá-lo mais tarde, mastigá-lo e engoli-lo, se ele
começar a incomodar. Ele não seria uma refeição, mas se eu ficar com fome durante a
missão…” Ob deixou a ameaça semi-implícita, semi-explícita, no ar.
Dack engoliu em seco.
Eu consigo lidar com isso.
Eles tinham uma tarefa clara para realizar: esgueirar-se pela Ponte Planar e fechá-la do
outro lado, em algum Plano chamado Amonkhet que Dack nunca havia visitado antes.
Felizmente, sua terceira e última compatriota – uma guerreira humana extremamente intensa
chamada Samut – era nativa daquele mundo. Ela estava no extremo oposto do telhado,
pronta e esperando para partir.
Honestamente, ter três parceiros assustadoramente perigosos no crime deveria ter sido
reconfortante. Afinal, Dack havia se voluntariado para essa tarefa com mais do que uma

165
vaga noção de interesse próprio. A única maneira de sair de Ravnica, de fugir da colheita de
centelhas dos Eternos, era através daquele portal, então ele iria atravessá-lo. Ele estava certo
de que sua centelha realmente o protegeria durante a travessia. Que essa certeza foi
elaborada com um “provavelmente” de Beleren, e um “grandes chances” de Saheeli Rai,
talvez tenha minado sua credibilidade, mas a sobrevivência nas ruas de Ravnica, entre os
caçadores-de-planinautas de Bolas, não parecia mais acertada e consideravelmente menos
atraente após a morte horripilante de Rade. Por outro lado, se Dack iria retornar após a
missão para continuar a lutar era um assunto completamente diferente. Afinal, se ele
ajudasse a fechar o portal – evitando assim que mais Eternos infestassem Ravnica – ele teria
feito mais do que sua parte por seu mundo adotivo. Afinal, ele sentia alguma
responsabilidade em relação a Ravnica. Ele tinha um punhado de amigos aqui. Marik e
Leona eram pessoas decentes. E Dack gostava muito da filha de Leona, Kella. Nem todo
ravnicano era outra J'dashe. Mas se tirasse essa parte, ele se sentia muito bem em deixar o
resto do trabalho para os verdadeiros heróis. Dack era um ladrão. Ele não era um maldito
herói.
Agachados em um telhado nas proximidades, “o Quarteto da Ponte Planar” tinha
chegado o mais perto possível do portal sem ousar chamar atenção. Então o demônio bateu
uma asa no ombro de Dack e disse: “Sua vez, pulga.”
Dack se concentrou. Tocar a mente de um Eterno – e ignorar múltiplas mentes Eternas
– era mais desconcertante do que qualquer coisa que ele já havia tentado antes. Seus fluxos
de pensamentos eram tão distantes, tão, bem… amortecidos, que arrepiavam os pelos dos
seus braços.
Mas o feitiço era bastante simples. Ele se concentrou em uma safra de Eternos a trinta
metros em frente ao portal, fazendo todos pensarem que estavam cercados por planinautas
com centelhas colhíveis. Inevitavelmente, eles atacaram um ao outro. Girando suas armas.
Agarrando forte e tentando ingerir. Logo se tornou um tumulto.
E quanto mais Eternos surgiam do portal, maior ficava a confusão.
Karn sinalizou para Samut, que passou por eles a uma velocidade incrível. Ela
literalmente correu direto para a lateral do prédio e entrou na multidão.
Karn saltou para baixo, sacudindo o chão quando aterrissou.
Ob Nixilis ficou de pé. Dack não gostava do demônio, mas sentiu-se obrigado a dizer,
“Lembre-se, você não pode deixar nem que te agarrem, ou você perderá sua centelha.”
Nixilis rosnou: “Eu nunca vou permitir que alguém ou alguma coisa tome minha
centelha novamente.”

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Novamente? Dack pensou. Você pode perder sua centelha mais de uma vez? Eu aposto
que Rade gostaria de saber disso.
Ob Nixilis pegou Dack debaixo dos braços, abriu as asas e os dois voaram em direção
ao portal.
Maldição, parece que minhas axilas estão pegando fogo!
Ob riu novamente: “Aproveitando o passeio, pulga? Provavelmente o seu último!”
Dack tentou ignorá-lo. Ele olhou para baixo. Abaixo deles, a maioria dos Eternos
estava lutando entre si. Karn e Samut estavam cuidando dos poucos que tentaram entrar em
seu caminho enquanto eles limpavam sua rota terrestre em direção à Ponte.
Mas Nixilis não parecia muito interessado em saber se eles conseguiriam ou não. Ele
sobrevoou bem em cima deles e, sem parar, voou com Dack direto para dentro do portal
para Amonkhet.
Ao cruzar a fronteira, Dack Fayden gritou em agonia…

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QUARENTA
RAL ZAREK
“Por favor,” Ral disse. “Chega.” Ele alcançou Kaya e Teyo pouco antes de todos terem
entrado juntos em Korozda. “Acabei de passar um total de sessenta e seis minutos drenando
o Farol. Estou cansado e não tenho paciência para seus jogos. Ou seu amigo imaginário.”
“Não é um jogo; Rata não é imaginária e, a propósito, abra a sua maldita mente, Ral.
Você acha que nunca encontrou uma magia de invisibilidade antes.”
“Bem, se ela está usando um feitiço de invisibilidade, diga a ela para parar de usá-lo.”
“Não é tão simples com ela. É… inato. Ela não pode ligar e desligar.”
Então Kaya se virou; Teyo também, como se ambos estivessem ouvindo esta “Rata”.
Ral Zarek revirou os olhos.
“Vale a pena tentar,” Kaya disse, e em seguida, sem aviso ela se espectrificou através
dele, o que foi extremamente desconcertante.
“Droga, Kaya, o que Krokt você está—”
Por trás, Kaya literalmente agarrou o rosto dele com ambas as novamente-sólidas
mãos e apontou para… a… tem uma garota lá, sorrindo e acenando. “Oi.”
De onde ela veio?
“Eu vim dos Clãs Gruul, inicialmente. Mas eu sou Sem-Portão, no caso de você estar
se perguntando. Meu nome é Araithia Shokta, mas você pode me chamar de Rata. Todo
mundo chama. Bem, nem todo mundo. Nem meus pais e nem meu padrinho, mas todo
mundo que sabe sobre mim. Hekara me chamava de Rata. Eu sinto falta dela. Eu aposto que
você sente falta dela também. Eu sei que você fingia não se preocupar com ela, mas também
sei que você valorizou sua amizade. Ela era uma amiga tão leal, não era? E tão engraçada.
Ela me fazia rir, rir e rir. Poucas pessoas fazem isso comigo. Não de propósito, mas enfim.”
Ele tinha que se concentrar para vê-la e ouvi-la, embora isso não exatamente impedisse
sua verborragia.
“Não se ofenda. Hekara pediu, e eu teria feito qualquer coisa por ela. Absolutamente
qualquer coisa. Ela sabia que você não me notaria. Digo, eu acho que inicialmente ela
esperava que você fosse notar, mas ficou claro bem rápido que você não conseguia. E o
mestre de guilda Rakdos tinha dito a ela para ficar com você e você continuava a abandoná-

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la. Então ela teve que pedir minha ajuda, na verdade. Isso é meio que sua culpa. Então eu te
segui, praticamente em todos os lugares que você foi.”
A garota olhou para Kaya atrás de Ral, e ocorreu a ele que as pessoas deviam olhar
além dela – através dela – a cada minuto de cada dia. Ele se lembrou daquele sentimento,
crescendo em Ravnica, indigente e com fome. As pessoas olhavam através do pobre menino
o tempo todo. Ele sentiu um nó na garganta. Quando ele se lembrou de se concentrar nela e
não em si mesmo, ele olhou para cima, mas ela havia sumido. Ele apertou os olhos
novamente, focado na garota, em Rata, e sua voz se desvaneceu em sua consciência; sua
imagem seguiu um segundo depois.
“É por isso que estou surpresa que você não tenha me notado,” Rata estava dizendo
para Kaya.
Kaya finalmente soltou Ral e foi até a garota. “A primeira vez que eu te vi hoje, achei
que você parecia vagamente familiar, como se eu tivesse te visto pela cidade. Mas eu sou
uma estranha aqui, então vejo muitos locais que não se registram totalmente, desde que não
sejam uma ameaça.”
“E não havia como você saber que não deveria poder me ver, então você nunca
mencionou esse detalhe. Ou nem mesmo disse olá!”
“Sim, bem, sinto muito por isso.”
“Sim, bem, eu te perdoo,” Rata disse, imitando a sonoridade de Kaya com um sorriso e
tomando as mãos de Kaya.
Tentando acompanhar, Ral interveio: “Então você está me seguindo desde que conheci
Hekara?”
“Mais ou menos. Ela não precisava dos meus serviços quando ela estava com você.
Mas eu tentei ficar por perto, então eu poderia pegar seu rastro e reportar se e quando você
enviasse o pacote. A propósito, aquele cara que está com você, Sr. Vrona, é muito bonito, de
um jeito estudioso. Vocês são adoráveis juntos.”
Kaya sorriu maliciosamente; Ral lutou para não corar, e a garota desapareceu
novamente. Droga!
Teyo percebeu a confusão de Ral e ofereceu, “Ela ainda está ao lado de Kaya.”
Ral se concentrou e lá estava ela de novo. “Eu acho que, me desculpe, eu não
conseguia te enxergar,” ele disse.
Por mais de um motivo.

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Parecia que ela sabia muito mais sobre ele do que ele sabia sobre ela. O que não era
surpreendente, já que ele não sabia que ela existia até um minuto atrás.
“Estou acostumada com isso. E, realmente, estou meio impressionada com o que você
está fazendo agora. Minha mãe diz que só após três meses do meu nascimento que meu pai
conseguiu dominar a concentração em mim. Você conseguiu quase instantaneamente. Você
está mais aberto a coisas novas do que pensa.”
“Eu acho que estou muito aberto a coisas novas.”
“Não, você não está. Você quer estar. Mas você não acredita que está. Mas você está.
Isso não é estranho?”
Ral percebeu que sua boca estava aberta, então ele a fechou.
Kaya ainda estava sorrindo quando disse, “Não há tempo para divagar. Precisamos
seguir em frente.”
Kaya guiou os dois – não, droga, os três – mais profundamente em Korozda, o
Labirinto da Degeneração, que significava por definição que eles estavam andando em
círculos. Círculos concêntricos que se aprofundavam cada vez mais no território do Enxame
Golgari, assumindo que eles não se perderam ao longo do caminho, o que era uma
possibilidade distinta, apesar do fato de tanto Kaya quanto Ral terem resolvido seu quebra-
cabeças e caminhado por seus fungos em decomposição uma meia dúzia de vezes quando
estavam aliados a Vraska.
Antes de Vraska nos trair.
Eles já haviam sido admitidos em Korozda após passarem por baixo da fortaleza de
Pevnar, a Fortaleza Suspensa, um castelo invertido com as bases fixadas no teto. Ral estava
preparado para a oposição dos Krunstraz que guarneciam a fortaleza. Mas os guerreiros
insetóides kraul simplesmente observaram os quatro – bem, na verdade, eles provavelmente
só viam três de nós – entrarem no labirinto.
Agora, enquanto se aproximavam do centro, Ral percebeu que eles não tinham apenas
não encontrado oposição, eles também não encontraram ninguém. O que significava que
estavam sendo esperados. Ou talvez eles estivessem entrando em uma armadilha. Ou, mais
provavelmente, ambos.
Ele examinou de um lado para o outro em busca de sinais de uma emboscada – e
percebeu que havia perdido o rastro de Rata novamente. Ele estava vagamente ciente de que
ela ainda deveria estar lá com eles, mas agora ele estava tendo problemas até mesmo em se
lembrar de como ela parecia ou soava.

170
Ainda assim, há coisas piores do que ter um aliado que ninguém mais pode ver ou
ouvir.
Ral respirou fundo, checou seu Acumulador, que estava o mais carregado possível
devido ao Farol, e apertou o passo passando por Kaya para entrar no grande anfiteatro
circular, com suas muitas fileiras de assentos de pedra, todas cobertas por um macio musgo
felpudo.
A lich Vetusta de Vraska, uma feiticeira morta-viva Golgari, estava esperando para
recebê-los: “Saudações, mestre de guilda Zarek. Saudações, mestre de guilda Kaya. O
Enxame Golgari lhe dá as boas vindas a Svogthos.” Sua voz soava como folhas mortas
sendo sopradas de uma sepultura.
Ral já encontrara essa lich mais de uma vez.
Mas eu juro pela minha vida que não consigo lembrar o nome dela!
No canto da sua consciência, uma voz sussurrou, “Storrev.”
Ral sorriu e pensou, Obrigado, Rata.
“Não tem de quê.”
“Agradecemos a recepção, Storrev,” Ral disse com alguma formalidade. Ele pensou
que a Vetusta parecia levemente surpresa e talvez um pouco satisfeita por Ral a conhecer
pelo nome, e novamente Ral pensou – um pouco menos a contragosto – Obrigado, Rata.
Ele pensou ter ouvido uma risadinha.
“Este é um momento de crise,” Kaya disse. “Viemos nos encontrar com Mazirek.”
Mazirek, líder dos kraul, tinha sido o braço direito de Vraska – e o candidato mais provável
a substituí-la como mestre de guilda Golgari.
Storrev suspirou, assentiu e disse, “Sigam-me.”
Eles atravessaram o anfiteatro e seguiram a lich até Svogthos, a sede da guilda
subterrânea dos Golgari. Era uma grande catedral Orzhov, arqueada e magnífica, que havia
sido absorvida por um sumidouro alguns séculos atrás. Os Orzhov a abandonaram. Os
Golgari reivindicaram suas ruínas como suas.
Storrev os conduziu a uma câmara cavernosa, conhecida como Estatuário. Uma
passarela de pedra elevada corria pelo seu centro, com estátuas enfileiradas de todos os
lados. Exceto que as estátuas não eram exatamente estátuas. Elas eram vítimas. Vítimas de
Vraska. Como Ispéria, cada uma estava congelada em pedra. Mas, ao contrário de Ispéria,
cuja expressão final foi de leve surpresa, cada um desses troféus capturou um último olhar

171
de terror, as mãos levantadas tarde demais para protegê-los do místico olhar mortal da
górgona.
Alguns indivíduos estavam reunidos no final da passarela, em torno do enorme trono
de pedra de Vraska. Isso significava que nenhum deles estava ocupando o trono. Pra ser
sincero, não era um assento que Ral também estaria ansioso para preencher. Consistia
inteiramente de mais inimigos mortos por Vraska, entrelaçados e posicionados de forma a
ficarem permanentemente petrificados no mesmo lugar, de modo que a grande Vraska
poderia conceder-lhes a última indignidade de se tornarem uma base para sua bunda.
Quando se aproximaram, Ral pôde ver que Mazirek não estava entre os Golgari
reunidos.
Storrev fez uma ligeira reverência, e Ral, Kaya e Teyo (exceto Rata, é claro) foram
introduzidos ao guerreiro kraul Krunstraz Azdomas, a líder devkarin Izoni, o trol Varolz e o
elfo xamã Cevraya.
“Mazirek?” Ral perguntou.
Azdomas fez uma série de sons de clique em sua garganta antes de falar. Havia uma
raiva sombria nos cliques e na voz dele: “Mazirek foi outro colaborador de Bolas, revelado
pela Rainha Vraska antes de sua partida.”
“Vraska delatou ele?”
“Sim,” Storrev disse, em sua voz de folhas, “Vraska libertou os Vetustos e nos
entregou nosso atormentador Mazirek.”
“Ele pagou o preço final por trair o Enxame,” Azdomas acrescentou conclusivamente.
Kaya olhou de Azdomas para Storrev, para Izoni, para Cevraya e depois até encontrar
os olhos de Varolz, o enorme trol coberto de fungos. Ela parecia medir cada um deles – e
avaliar exatamente o que seria necessário para derrubá-los, se necessário.
Ral, por sua vez, não sentiu necessidade de ser tão preciso com o Acumulador
carregado-para-explodir preso às costas. Mas ele estava pronto.
Kaya disse, “Permita-me perguntar… quem é seu novo mestre de guilda? É a ele que
viemos nos dirigir.”
Todos eles trocaram olhares perigosos que revelaram a resposta antes mesmo de
Storrev dizer, “Cada um desses indivíduos – exceto eu – reivindica o trono de Vraska.”
“Vraska vem reivindicar o trono de Vraska.”
Ral se virou a tempo de ver uma figura emergindo, desvanecendo – transplanando – de
uma silhueta.

172
Era Vraska.
Assim que ela entrou em foco, Ral lembrou-se de levantar a mão à frente de seus
próprios olhos. Kaya fez o mesmo. Quanto a Teyo – sua mão parecia estar colocada em sua
amiga invisível. Ral ativou seu Acumulador. Kaya puxou seus longos punhais. Ambos
estavam tão prontos quanto podiam para enfrentar a górgona traidora.
Vraska os ignorou dizendo, “Alguém desafia o meu direito a esse trono?”
Storrev, Azdomas, Varolz e Cevraya se curvaram imediatamente, dizendo em
uníssono, “Não, minha rainha.” Izoni não parecia muito satisfeita, mas ela se curvou e deu a
mesma garantia, apenas meio segundo depois de seus companheiros.
Ral olhou para Vraska. Seus olhos não estavam brilhando, o que significava que ela
ainda não tinha invocado a mágica para transformar alguém em pedra. Foi um pequeno
alívio, mas ele sabia que ela poderia evocar esse poder rapidamente. E ela tinha outras
habilidades, outras armas também. Por exemplo, o cutelo pendurado em seu cinto.
“Você está ridícula,” Ral disse, tentando substituir a amargura que ele sentia por um ar
de desprezo. “O que você deveria ser, uma pirata?”
Ela continuou a ignorá-lo, passando por ele para se sentar em seu trono de horror
petrificado.
“Estou surpresa que você tenha voltado para Ravnica,” Kaya disse equilibradamente,
“Chocada, na verdade…”
“Espantado,” Ral corrigiu.
“Especialmente depois que o farol foi desligado?” Vraska perguntou, como se
estivesse tentando enfurecer seus antigos amigos e aliados.
Ral estava carregado e pronto para a inevitável luta. A estática estalava em seu cabelo
espetado. “Então, qual foi a opção?” ele rosnou. “Você presumiu que Bolas já havia sido
derrotado – ou que ele já havia triunfado?”

173
QUARENTA E UM
DACK FAYDEN
Dack devia ter desmaiado por alguns segundos. Ele abriu seu olhos – recuperando a
consciência – assim que Ob Nixilis pousou. A dor e a lembrança daquilo mal começava a
desaparecer. Nixilis o jogou e Dack caiu de quatro, ofegando por ar.
“Você é bom de grito, pulga. Vou me lembrar disso.”
Samut correu para se juntar a eles. Do chão, Dack olhou para ela. Ela estava
respirando com dificuldade, seus olhos lacrimejavam, mas ela permanecia em pé. Sentindo-
se envergonhado, Dack lutou para se levantar, administrando aquele esforço heroico
enquanto Karn movia-se lentamente do portal para equilibrá-lo.
Dack olhou em volta. Na Casa do Senado, Samut havia avisado que Amonkhet era um
Plano devastado por Bolas. Ela não estava brincando. Dack poderia dizer que não fazia
muito tempo que esta era uma cidade abundante e reluzente. Agora o lugar fedia a morte.
Havia areia por toda parte. As construções foram destruídas, algumas meio destruídas como
se gigantes – ou deuses – tivessem usado o Plano como uma caixa de areia, chutando
grandes partes de todos os belos castelos de areia. E, claro, havia os Eternos, os guerreiros
mortos de Amonkhet, revestidos de lazotep e ainda marchando em tropas pelo portal.
Ob Nixilis havia voado com Dack para o lado da marcha, e Samut e Karn se juntaram
a eles. Mas o quarteto ainda estava bem perto do avanço da Horda Medonha. Com quatro
faíscas maduras para serem colhidas, Dack não entendeu por que eles estavam sendo
ignorados.
Não que eu esteja reclamando, claro.
Karn deve ter tido um pensamento semelhante; ele ruminou, “A Ancianomancia não
está ativa neste lado da Ponte. Aqui as instruções deles são simples: 'Atravessem'.”
“Ela conseguiu erguê-la novamente,” disse Samut, uma emoção preenchendo sua voz.
Dack se virou para ela. “Quem conseguiu o quê?”
Samut estava olhando para um campo de energia, uma parede semitransparente de
puro éter que separava a cidade em ruínas dos desertos ermos. Ela disse: “Hazoret, Deusa-
Sobrevivente de Amonkhet, levantou a Hekma, o escudo que protege o meu povo dos
horrores do deserto. Ela estava trabalhando nisso quando parti para Ravnica. Ela
conseguiu.”

174
“Então onde ela está agora? Porque nós poderíamos usar a ajuda de um deus.”
“Cuidado com o que você deseja, pulga. Deuses nem sempre se importam com
mortais. E você é fácil de ser pisoteado.”
Dack lutou para ignorar Ob, mas ele pensou que Samut provavelmente viu seu lábio se
contrair.
“Eu imagino que Hazoret ainda esteja com os sobreviventes em nosso acampamento
na extremidade mais distante de Nactamon - esta cidade outrora gloriosa. Nós atraímos o
Deus-Escaravelho e o Deus-Gafanhoto para fora de seus limites antes de voltarmos.
Naquela época, os Eternos estavam focados em sua missão e nos ignoravam se ficássemos
fora do caminho deles. Então, ficamos fora do seu caminho. Eu enviei minhas orações a
Hazoret. Ela virá ajudar.”
“Porque ela fez um glorioso trabalho te protegendo até agora?” Ob Nixilis disse com
um aceno desdenhoso.
Samut ficou tensa, intrinsecamente ofendida, mas Karn pôs uma mão sobre seu ombro
e disse, “Não podemos nos dar ao luxo de esperar. Vamos lá. Execute o plano.”
Nixilis flexionou suas asas e levantou voo, atacando os Eternos de acima, chovendo
fogo sobre eles. Assim que ele fez um círculo de fogo, pousou, pegou um Eterno e arrancou
seus membros. Ele continuou rasgando e/ou queimando Eternos com suas mãos flamejantes,
e Dack assistiu como o demônio parecia se tornar mais feroz, mais poderoso – e maior – a
cada vitória.
Karn e Samut também entraram. Karn era mecânico e impiedoso. Samut estava cheia
de fúria, lágrimas escorrendo por seu rosto. Ela parecia conhecer cada Eterno por seus
antigos nomes, chamando-os enquanto os matava, “Você está livre, Basetha. Você está livre,
Asenue.”
Dack Fayden não lutou, mas novamente ele não estava lá para ser o músculo. Usando
o mesmo feitiço de antes, ele fez uma safra de Eternos lutar um contra o outro, causando
mais caos. Então ele avançou, de costas para as fileiras, procurando a origem da Ponte
Planar.
Ele manteve-se à margem, mas de vez em quando um Eterno o via e desviava do seu
curso para atacá-lo. Um simples feitiço de confusão o manteve seguro.
Suficientemente seguro, pelo menos.
A quinhentos metros do portal, ele viu sua fonte óbvia. Um homem com um braço de
metal estava de pé em cima de uma pirâmide de topo achatado, com um pequeno portal no

175
meio do seu próprio peito. Esse, Dack soube pelas instruções, deveria ser Tezzeret,
planinauta e faz-tudo de Bolas.
O pequeno portal no peito de Tezzeret parecia projetar a ponte gigante através da qual
a Horda Medonha marchava. Uma coisa daquela valeria alguns zinos, o suficiente para
pagar J'dashe duas vezes—
Vamos lá, Fayden, não é por isso que estamos aqui!
Dack enviou uma luz mágica. Ela chamou a atenção de Tezzeret, mas Dack usou um
feitiço camaleão para se fundir com a parede. Ele viu o olhar de Tezzeret passar por cima
dele, seus olhos atraídos para Samut e Ob Nixilis, que estavam acelerando e voando,
respectivamente, até a linha de Eternos, destruindo o maior número possível no caminho.
Tezzeret mordeu a isca, erguendo seu braço metálico e disparando rajadas de metal de
seus dedos.
Não, espere. Aqueles são os dedos dele! O cara está disparando seus dedos mesmo!
E… eles estão voltando para ele!
Felizmente, Samut se esquivou de cada projétil facilmente, e Nixilis, agora claramente
maior do que quando todos começaram, ignorou os que acertaram.
Karn, que podia se mover de forma discreta e suave quando a situação exigia, deslizou
ao lado de Dack. Eles acenaram um para o outro. Dack desatou uma bolsa em seu cinto,
liberando um pequeno colibri mecânico de prata, um presente de Saheeli Rai. Karn assumiu
o controle místico do elegante dispositivo e o guiou em direção a Tezzeret. Ele pairou diante
do rosto do planinauta, atraindo facilmente a atenção total de Tezzeret. Mas assim que ele
estendeu a mão metálica para esmagá-lo, Dack tentou controlar misticamente o braço de
Tezzeret.
Tezzeret reagiu com mais choque enquanto lutava para recuperar o controle. Ambos os
sentimentos rapidamente deram lugar à fúria. Enquanto Dack tentava socar o planinauta
enganador com seu próprio punho, o braço orgânico de Tezzeret agarrava o pulso de metal e
lutava para segurá-lo enquanto suas mágicas lutaram para recuperar o controle.
Dack estava bem ciente de que sua influência sobre a coisa não duraria muito. E nem
precisava.
Tezzeret rugiu quando finalmente recuperou o comando total de seu membro, mas
naquele momento, Karn já tinha guiado o colibri para o portal dentro do peito de Tezzeret –
onde ele explodiu!
Tezzeret voou para trás.

176
Dack se virou para olhar por cima do ombro. O portal maior – a Ponte Planar –
colapsou instantaneamente sobre si mesma. Sua energia implodiu em um flash de luz e
mana que brevemente cegou Dack.
Ele apertou os olhos lacrimejantes e quando os abriu novamente, a ponte simplesmente
havia desaparecido. Meio Eterno – isto é, o que restou de um que estava atravessando no
exato momento da implosão – tropeçou meio passo antes de desmoronar na areia.
Maldição, funcionou!
Com a Ponte agora fechada, o resto dos Eternos pararam sua marcha. Eles congelaram
no lugar, sem saber o que fazer. Nixilis, a esta altura, estava enorme – ele tinha facilmente
dobrado de tamanho desde que Dack o encontrara pela primeira vez. O demônio voava para
cima e para baixo na linha eterna, incinerando metodicamente todos os Eternos
remanescentes.
Tezzeret, enquanto isso, se levantou. Seu peito parecia estar em curto-circuito, jogando
faíscas mágicas no ar à frente de si. Ele gemeu e enfiou o braço de metal no buraco,
executando um gesto místico que o selou. Mas ele estava claramente com considerável dor.
Quando Karn e Samut se aproximaram, Dack teve certeza de que ele sucumbiria a eles.
Em vez disso, Tezzeret os parabenizou. “Bom trabalho, planinautas. Isso será um
grande retrocesso para o dragão.”
Karn fez uma careta: “Não finja que você está feliz; você foi derrotado.”
“Acredite, estou muito satisfeito. Eu não pude arriscar trair Bolas. Poder conhece o
poder, e eu teria que ser um tolo para não reconhecer a ameaça que ele representa. Mas eu
legitimamente espero que você possa reduzir o dragão a poeira.”
“Por quê?”
“Porque com ele fora do caminho, não haverá ninguém com poder para me impedir.
Como eu disse, o poder conhece o poder. E eu simplesmente não conheço nenhuma coisa do
tipo por aqui.”
Ele riu e, antes que Samut, a veloz, pudesse reagir, ele transplanou para longe,
desaparecendo em serras circulares de faíscas azul-prateadas para algum outro plano.
Dack silenciosamente desejou sorte a esse outro Plano.
Samut pareceu desmoronar. Com Tezzeret desaparecido e todos os Eternos a caminho
de serem destruídos, qualquer força que a estivesse mantendo de pé se dissolveu, e Karn
teve que literalmente pegá-la para evitar que ela caísse.
Dack se aproximou.

177
Lágrimas escorriam do seu rosto. “Acabou,” ela sussurrou. “Amonkhet está livre.”
De fato, está, criança.
Dack sentiu a voz ressoar em sua mente. Era telepatia, ele supôs, mas não era nada
como a telepatia de Jace Beleren. Estas palavras encheram-no, aqueceram-no, satisfizeram-
no, como se ele estivesse esperando a vida inteira só para ouvi-las.
Samut sussurrou, “Hazoret,” e levantou a cabeça.
Dack seguiu seu olhar e observou, fascinado, enquanto Hazoret se aproximava. Ela se
elevou acima da cidade em ruínas, um sorriso benigno em seu rosto de chacal. Dack nunca
tinha visto ninguém ou nada mais lindo.
Ob Nixilis pousou ao lado dele e zombou: “Olha só, a pulga está apaixonada.”
Não zombe, demônio. Todos nós adoramos do Nosso próprio jeito.
Nixilis balançou a cabeça com uma expressão de desgosto no rosto.
Dack fechou os olhos com força.
Não. Dessa vez, Ob está certo. Eu não posso adorar essa maldita deusa que apareceu
depois que a luta acabou.
Ele abriu os olhos novamente. Hazoret ainda era extremamente impressionante, mas o
“feitiço” natural de sua presença havia sido quebrado. Ela ainda se elevava sobre eles, mas
sua altura parecia praticamente infinita anteriormente. Agora ela nem parecia ser tão grande
quanto os Deuses Eternos que eles tinham deixado para trás em Ravnica. Ela carregava uma
longa lança de duas pontas, mas ela parecia pesada em sua mão.
Está bem, Dack Fayden. Você Nos vê agora como somos. Uma deusa fracassada,
lutando para ajudar o Seu povo. Mas saiba, pelo menos, que não esperamos que a
batalha terminasse. Nós viemos o mais rápido que pudemos depois que a oração de
Samut chegou até Nós.
A voz ainda era fascinante – talvez ainda mais em sua sinceridade. Dack não estava
exatamente imune, mas ele foi capaz de colocá-la em perspectiva, ou algo parecido. Uma
que não requeria adoração.
Samut, que estava de joelhos, disse, “Você ergueu a Hekma.”
E o Deus-Escaravelho e o Deus-Gafanhoto estão presos do lado de fora, bastante
enfraquecidos sem o falso Faraó-Deus para aumentar sua força. Mas Nós não
poderíamos levantá-la sozinhos. Nós tivemos ajuda.

178
Karn olhava para trás de Hazoret e Dack viu um humano – um planinauta – se
aproximar. Ele era alto e musculoso com a pele pálida e cabelos longos e escuros. Karn
assentiu bruscamente e disse, “Sarkhan Vol.” O golem não pareceu particularmente
satisfeito em ver este Vol novamente.
A atitude de Sarkhan Vol em relação a Karn não parecia mais acolhedora. “Karn.”
Então ele se virou para o demônio e com ainda menos emoção disse, “Nixilis.”
Ob Nixilis olhou para o recém-chegado com desconfiança: “O que lhe trouxe aqui?”
"Eu recebi a notícia – de… Juba D'Ouro – que Bolas estava indo para Ravnica. Eu vim
para Amonkhet com a esperança de encontrar algo neste Plano que pudesse derrotar o seu
antigo Faraó-Deus.
Infelizmente, não sabemos de nada aqui que possa derrotar Nicol Bolas.
“Ele está destruindo outro mundo,” Samut sussurrou, olhando para sua deusa com
olhos suplicantes.
Sarkhan disse, “Talvez sua lança?”
Hazoret a levantou, como se estivesse avaliando.
Talvez. Embora pareça improvável, assim como foi a sua criação. Mesmo assim…
vemos em seu coração, valente Samut, que você deseja voltar a este mundo em perigo.
Assim, se essa arma puder ser de alguma utilidade, leve-a com você.
Dack olhou para a coisa na mão de Hazoret. A lança era imensa. “Ham, podemos levar
conosco?”
Samut a considerou e disse: “Talvez se nós quatro segurarmos?”
Ob Nixilis riu: “Você realmente acreditou que eu voltaria para Ravnica? Como
Tezzeret, eu tenho meus próprios planos – e nenhuma intenção de retornar voluntariamente
à ratoeira de Bolas, onde qualquer Eterno pode pegar meu rabo e colher minha faísca.” E, ali
mesmo, o demônio desapareceu em chamas.
Dack queria matar Ob. Em parte, porque o demônio havia acabado de roubar uma
página do próprio livro do ladrão. Não voltar para Ravnica era o plano de Dack. Talvez só
por essa razão, Dack então decidiu ali mesmo que ele retornaria. Ele estava longe de ser
perfeito – ele acreditava que era um ladrão e não era um herói. Mas, comparado com Bolas,
Tezzeret e Ob Nixilis, Dack Fayden era o Extraordinário-Gideon-Jura! Ele não abandonaria
seu mundo adotivo agora.
Você é um homem melhor do que pensa, Dack Fayden.
Eu duvido, ele pensou de volta à deusa.

179
Não duvide e vá para o seu destino com a bênção e o agradecimento de Hazoret e de
Amonkhet.
Dack desejou que ela tivesse dito, vá para a sua vitória em vez de destino, mas a
cavalo dado não se olha os dentes.
Samut disse, “Não tenho certeza se nós três seremos suficientes para levar esta lança.”
Vol deu um passo à frente. “Eu vou no lugar do demônio.”
Karn sacudiu a cabeça. “Não é sobre a quantidade. Não é necessário que nós
literalmente carreguemos a lança. Com minha massa e controle, eu devo ser capaz de
transplanar a arma sozinho.”
Vol disse, “Ainda assim, eu vou com vocês.”
Obrigado, Sarkhan Vol. E a você também, Karn.
Cada um fez uma curta reverência.
E, Samut, a mais maravilhosa de todos os Nossos filhos… lute bem e volte para Nós.
Amonkhet precisa de você.
“Eu farei o meu melhor, Deusa-Sobrevivente.”
Seu melhor sempre foi mais do que suficiente.
E, com aquilo, Hazoret se ajoelhou e colocou a lança no chão, aos pés de Karn. O
golem não tentou levantar a coisa. Em vez disso, ele estendeu a mão gentilmente e tocou
nela. Ele estremeceu ligeiramente, depois desapareceu com um trovão que quase explodiu
os tímpanos de Dack.
Vol partiu em seguida. Samut o seguiu. Dack hesitou por um momento.
Parceiro, você ainda pode ir embora…
Mas ele sacudiu o impulso para longe. Contrariando sua melhor lógica, ele voltaria a
Ravnica. Em uma nuvem de fumaça roxa, um determinado Dack Fayden deixou Hazoret e
Amonkhet para trás…

180
QUARENTA E DOIS
VRASKA
A monstruosa górgona na ridícula fantasia de pirata guiou os outros através dos túneis
Golgari – seus túneis – dolorosamente ciente de que seus antigos amigos Ral e Kaya
estavam bem atrás dela, um deles carregado e pronto para fritá-la, a outra armada e pronta
para espetá-la.
Ral sibilou nas suas costas: “Se virar para olhar para mim, eu não vou hesitar.”
Mas Kaya disse: “Eu não sei. Eu vou perguntar.”
“Perguntar o quê?” Vraska grunhiu por cima do ombro.
“Minha amiga Rata quer saber por que você voltou. Ela está inclinada a confiar em
você porque Hekara te considerava uma amiga. Então, mais uma vez, eu também estaria
inclinada a confiar em você…”
Vraska ignorou a questão e seus julgamentos. Ou, pelo menos, ela tentou.
Por que eu voltei?
Ela sentiu que o Farol foi desligado. Era tão simples como imaginar o que aquilo
significava? Não. Ela voltou para lutar por seu povo, pelos Golgari.
Se isso resultar na minha morte pelas mãos de Bolas ou dos meus “amigos”, que
assim seja.
Mas, enquanto isso, ela estava determinada a ajudar.
Bateu forte nela quando ela chegou e encontrou Kaya e Ral de pé diante de seus
súditos e de seu trono. Ela tentou brincar como se não estivesse afetada pela presença deles.
Ignorando sua indignação e até mesmo suas perguntas, a Rainha dos Golgari exigiu uma
atualização imediata.
O kraul Azdomas, líder da sua (milagrosamente) ainda leal Guarda de Honra
Krunstraz, reportou que Golgaris, Sem-Portão e outros civis ficaram presos em vários
bolsões da cidade, à mercê dos Eternos do dragão. “Aliados do ex-Pacto das Guildas Vivo
estão tentando levar os inocentes para um local seguro, minha Rainha.”
“Ex?”
“Sim, minha Rainha. Beleren está na cidade, mas sem o poder do Pacto das Guildas.”
Só então Vraska descobriu que Jace estava em Ravnica.

181
Bem, claro que ele está. Agora. Tarde demais para salvar minha alma. Presumindo
que havia uma alma dentro de mim que valesse a pena ser salva. Presumindo que havia
uma alma, pelo menos.
Quando Azdomas terminou, Vraska afirmou que ela sabia como ajudar. Ela fizera a
oferta. Ral a rejeitou. Kaya começou a rejeitar – antes de discutir insensivelmente com ela
na frente de todos. Finalmente, Kaya aceitou a ajuda de Vraska e obrigou Ral a aceitar,
também a contragosto.
Então agora Ral, Kaya, o menino Teyo, Azdomas e Storrev estavam se arrastando
através dos canais subterrâneos e esgotos de Ravnica em sua missão de resgate.
Vraska parou debaixo de uma grade de ferro maciça. Ela gesticulou com uma mão,
com cuidado para não olhar para trás, já que até seu olhar mais inofensivo poderia
desencadear um ataque preventivo de Zarek.
Azdomas se aproximou e arrastou a grade. A raspagem de ferro contra pedra ecoou
pelos túneis.
De cima, uma voz rugiu, “Quem está aí?”
Ral, esquecendo Vraska por um momento – ou, pelo menos, esquecendo seu ódio por
ela – deu um passo à frente. “É o Juba D'ouro?” ele disse em um alto sussurro.
Uma criatura com a cabeça de um leão enfiou a cabeça para baixo. “Zarek?” Mas ele
avistou Ral antes de receber sua resposta e falou com alguma urgência: “Eu estou liderando
alguns outros planinautas para ajudar a evacuar civis. Mas os Eternos estão em vantagem
sobre nós. Seis ou sete safras. Nós estamos presos dentro dessa antiga capela por mais de
uma hora. O edifício está completamente cercado. Eles são atraídos pelas nossas centelhas e
não vão sair. Mantivemos a Horda Medonha à distância, mas é uma batalha perdida. Khazi
foi colhida quando um Eterno socou a mão direita através da parede e a agarrou pelo pulso.”
Vraska apareceu ao lado de Ral e disse, “Esta é a saída.”
O homem de cabeça de leão olhou para ela com seu único olho bom e disse, “Você
deve ser Vraska. Jace estava esperando que você aparecesse. Ele acredita em você.”
Vraska franziu a testa, mas disse, “Traga todos para baixo. Os Golgari vão mantê-los
salvos. Você tem minha palavra.”
Ral zombou alto mas de alguma forma conseguiu resistir à tentação de dizer o que
Vraska estava pensando: por enquanto.
Silenciosamente, o rosto do cabeça de leão desapareceu da abertura. Um minuto se
passou. Então dois. Vraska e Ral trocaram olhares confusos. Ela notou que Ral tinha

182
esquecido de proteger seus olhos. O pensamento que ela poderia tê-lo matado cruzou sua
mente. Tardiamente, o pensamento parecia cruzar a mente dele também. Não havia energia
se concentrando atrás de seus olhos, mas, de repente, ele se iluminou com eletricidade.
Poderia ser agora. Ele poderia jogar um de seus malditos raios em mim, e desta vez
eu não vou conseguir transplanar. Desta vez, Ral Zarek vai conseguir matar o monstro que
o traiu por Nicol Bolas.
Mas antes que Ral pudesse agir – supondo que ele estivesse prestes a fazê-lo – o
cabeça de leão pulou entre eles.
Ele se aproximou da górgona sem medo e disse: “Nós não fomos apresentados. Eu sou
Ajani Juba D'ouro, das Sentinelas.” Ele estendeu sua mão.
Ela tentou não recuar. Não que ela estivesse com medo desse Ajani; era sua confiança
irrestrita que a fez querer correr. Ela não precisava e nem queria outro amigo para
decepcionar. Mas ela agarrou seu grosso antebraço peludo, e ele agarrou o seu antebraço
lisinho. “Bem-vindo ao território Golgari, Ajani Juba D'ouro. Você está seguro aqui.”
Ele assentiu, sorrindo. Então ele se virou de volta para o teto do túnel e disse:
“Comece a descê-los.”
Um por um, os ravnicanos – crianças, principalmente – foram colocados nos braços de
Juba D'ouro, de Azdomas, de Kaya, Teyo e Vraska. Apenas Ral recuou, cauteloso. Vraska
recebeu uma jovem élfica – cinco ou seis anos de idade, que ela reconheceu como a filha de
um elfo devkarin que Vraska transformou em pedra quando se tornou mestre de guilda
durante um golpe assistido por Bolas. A estátua do pai da menina, permanentemente
congelada em um olhar de puro terror, era a terceira ao lado de seu trono, à esquerda. Se a
garota sabia quem era Vraska – ou o papel que a górgona tinha assumido no triste estado
atual de sua vida, ela não deu nenhuma indicação. Em vez disso, ela se enterrou no seio do
monstro, soltando grandes soluços de medo e tristeza.
Que maravilha. Achando que não me sentiria pior. É bom saber que não há fundo
para essa culpa.
Houve barulho de cima. Uma voz gritou, “Eles quebraram as portas!” Vraska pensou
que a voz soava vagamente familiar, mas ela não conseguiu reconhecê-la.
O último dos ravnicanos desceu, e eles foram seguidos por dois planinautas que Ajani
rapidamente introduziu como Mu Yanling e Jiang Yanggu. Este último exclamou, “Mowu,
venha!”

183
Um pequeno cachorro pulou nos braços de Jiang. Ele colocou o canino para baixo, no
chão do túnel, e ele começou a crescer, expandindo-se até o triplo do tamanho do seu
mestre.
Ajani disse, “Onde está Huatli?”
Huatli. Esse é um nome de Ixalan.
“Aqui!” gritou uma guerreira do Império do Sol enquanto pulava. “Eu sou a última,
mas eles estão bem atrás de mim!” Como se para provar que ela estava certa, uma mão e um
braço coberto de lazotep estendeu-se de cima para baixo, varrendo o ar e não alcançou por
pouco essa Huatli.
A mão desapareceu na escuridão acima e foi substituída pelas cabeças de três desses
Eternos mortos-vivos. Eles começaram a descer, atrasados apenas porque nenhum deles
esperou pelos outros dois.
Esse atraso deu a Vraska o tempo de que ela precisava. Ela convocou o poder; ele se
formou por trás de seus olhos, que ela manteve focado no teto para não desencadear os
medos (perfeitamente legítimos) de Ral. A górgona puxou a criança elfa que estava
chorando para perto de seu peito e cobriu os olhos da menina com uma mão. Então, quando
os três Eternos encheram a abertura, Vraska fixou os olhos em cada um deles,
transformando todos em pedra. O som deles se calcificando foi bastante satisfatório e o
resultado foi que ela não só impediu os perseguidores de Huatli de atacarem, mas também
efetivamente selou o buraco e o único caminho da capela para baixo.
Storrev se aproximou dela por trás e sussurrou em seu ouvido. As magias da lich a
mantinham em constante contato com os Vetustos, e ela tinha novidades.
Vraska ouviu e se virou para Ral, que deu um passo para trás, mas não tentou
eletrocutá-la. Talvez porque seus olhos não estavam mais brilhando, e assim ela não era uma
ameaça imediata. Talvez tenha sido porque ela ainda estava segurando a pequena criança
elfa chorando baixinho nos seus braços. Talvez – apenas talvez – tenha sido porque ela
finalmente ganhou de volta um pouco da confiança perdida que eles compartilharam.
Não. Não é isso. É a garota. Infelizmente, não posso sair por aí carregando uma
criança inocente aonde quer que eu vá. Simplesmente não é prático.
Seus pensamentos circulavam infinitamente. Ela não sobreviveria a essa guerra da
centelha. Naquele momento, ela estava tão certa disso quanto de qualquer outra coisa. Ela
havia traído muitos, incluindo Bolas. O Dragão ou seus aliados, ou seus antigos amigos a
matariam. Eventualmente. Eles tinham que matar. Inevitavelmente.
E está tudo bem.

184
Mas ela pretendia fazer algo de bom antes de sua morte. Ela devia isso aos Golgari. O
monstro não poderia se redimir. Mas ela poderia redimir seu povo.
Ela disse, “Em toda a cidade, os Golgari estão abrindo caminhos seguros para todos os
ravnicanos que eles conseguirem encontrar. Nós estamos lutando contra o exército de Bolas
e preservando a vida.” E então – mais para se exibir do que qualquer coisa – ela acrescentou
com sarcasmo amargo, “Não tem de quê.”
Ral não disse nada.
Mas Kaya disse: “Ótimo. Agora, há mais uma coisa que precisamos que você faça…”

185
QUARENTA E TRÊS
GIDEON JURA
Está realmente funcionando, pensou Gideon.
Com menos civis em perigo, as forças planinautas e das guildas estavam convergindo
para a Horda Medonha de todos os lados, com tropas de guildas adicionais juntando-se a
cada minuto, indicando que Kaya devia ter tido sucesso em suas negociações com os Gruul,
Orzhov, Selesnya e Golgari.
Ao norte, Nissa se juntou a Angrath e à lobisomem Arlinn Kord à frente de um
pequeno, mas entusiasta, exército Gruul e Golgari. Ao leste, Tamiyo e Narset lutaram ao
lado de Vorel e suas forças mágicas Simic. Ao sul, Tibalt e o diabolista Davriel Cane
lideravam um punhado de seus demônios ao lado de armeiros Izzet, cavaleiros Orzhov,
gigantes e gárgulas em batalha. Do oeste, uma planinauta conhecida apenas como A Errante
lançou um impressionante e destrutivo ataque, sua espada atravessou uma grande região das
fileiras Eternas, enquanto Boruvo e os Guardiões Ledev de Selesnya reforçavam seus
golpes. E, de cima, o próprio Gideon, montando Promessa, lutava lado a lado com Aurélia,
seus Cavaleiros Celestes Boros e outros voadores da guilda para chover devastação nas
safras e falanges do inimigo abaixo.
Na verdade, Gideon reconheceu lutadores de todas as guildas, exceto Rakdos e
Azorius de Dovin Baan. Até os assassinos Dimir estavam se expondo para derrubar os
Eternos.
Havia mais planinautas também. Muitos cujos nomes ele não sabia. Alguns desses
planinautas desconhecidos caíram, suas centelhas foram colhidas e roubadas, seus corpos
reduzidos a uma carcaça áspera, afundando no chão em um abraço final com os Eternos que
os destruíram.
E por alguma razão bizarra, enquanto o resto deles lutava valentemente contra as
forças de Bolas, a litomante Nahiri pôde ser vista à distância, no topo de um edifício, em um
combate isolado contra o vampiro planinauta Sorin Markov.
Alguém não havia dito que Markov estava preso em uma parede?
Gideon sentiu vontade de voar para aqueles dois idiotas e exigir saber o que diabos
eles achavam que estavam fazendo – mas ele não tinha tempo e não desperdiçaria energia.
Olhando para baixo, ele viu que tanto a Errante (em seu inconfundível traje branco) quanto
Cane (em seu preto inconfundível) lutaram por seu caminho para o centro do conflito, onde,

186
claro, a luta era mais intensa. Muito adiante, longe do apoio das guildas, os dois planinautas
logo foram cercados por Eternos. Vulneráveis, eles estavam prontos para a colheita.
Gideon guiou Promessa para baixo rapidamente. Seus cascos esmagaram o crânio de
um Eterno enquanto Gideon saltava de sua montaria para se juntar a estes dois planinautas
que ele mal conhecia. Sua aura explodiu, bloqueando o agarrão de um Eterno que estava
alcançando a Errante. “Recue,” ele gritou sobre o barulho da batalha. “Eles são muitos!”
A Errante estava mantendo o inimigo à distância com expansivos giros de sua espada
larga. Mas o rastro de puro mana branco que a arma deixava estava desaparecendo. Ela se
virou para Gideon e por debaixo do seu chapéu de aba larga gritou: “Me acerte!”
“O quê?”
“Me acerte! O mais forte que você conseguir! Vai! Agora!”
Então Gideon Jura saltou com um soco circular que poderia ter derrubado meia dúzia
de planinautas e – sua aura flamejando – atravessado a mandíbula da Errante. A cabeça dela
recuou apenas uma ou duas polegadas – enquanto o resto da energia cinética do golpe foi
absorvido e transformado em mana que fluiu do seu braço para sua espada. Um segundo
depois, sua arma reenergizada estava novamente dividindo Eternos, sem muito esforço.
Cane, entretanto, sussurrou um encantamento que convocou um demônio flamejante,
que gargalhava enquanto queimava qualquer Eterno que se aproximava dele.
O trio de planinautas e o monstro de estimação de Cane lutaram em direção a Nissa
Revane, Angrath e Arlinn Kord. Gideon – muito longe para interceptar – viu um Eterno
alcançando Nissa por trás. Ele gritou um alerta, mas foi Davriel Cane que emergiu da
sombra ofuscante para agarrar o Eterno pouco antes de ele prender Nissa. Gritando de dor,
Davriel absorveu a sombria Ancianomancia da criatura, tornando seu aperto sobre Nissa
inofensivo. Ela virou e atravessou seu cajado na cabeça do Eterno. Ele caiu.
Cane estava dobrado de dor, mas Angrath agarrou o colarinho da capa preta de Cane e
o puxou para perto dos seus pés, soltando-o em segurança atrás do corpo do minotauro
enquanto ele balançava sua corrente de fogo em um arco íngreme para esmagar e queimar
seus oponentes.
Kord, enquanto isso, estava em fúria impiedosa, rasgando os guerreiros lazotep com
garras e dentes.
Gideon se permitiu um sorriso impiedoso.
Os bons estão ganhando.

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E assim a batalha continuou. E continuou. E continuou. Reforços Eternos continuaram
a emergir da Ponte Planar, e seus números pareciam ilimitados. No entanto, guildas,
planinautas, forças aéreas e terrestres estavam conduzindo a maior parte do inimigo de volta
à Cidadela de Bolas.
Gideon assobiou; Promessa desceu, e ele se balançou de volta em sua sela. Ele voou
para se juntar a Aurélia.
“Está funcionando,” disseram ambos em uníssono quase perfeito. Eles trocaram
sorrisos impiedosos.
Ainda assim, quando Gideon olhou para Bolas em seu trono, o dragão nem parecia
prestar atenção na batalha. Em vez disso, Bolas simplesmente parecia se glorificar com as
centelhas colhidas sendo absorvidas por sua Gema Espiritual. Isso enfureceu Gideon, e
talvez a intensidade de sua emoção atraiu brevemente a atenção de Bolas. Ele se virou para
olhar na direção de Gideon Jura. Gideon estava longe demais para ter certeza… mas poderia
jurar que o maldito dragão estava realmente sorrindo.
Mas então, nesse momento, o portal finalmente se fechou! A maré infinita de Eternos
quebrando em ondas de Amonkhet para as “praias” de Ravnica tinha finalmente sido
contida. Karn, Samut e os outros tiveram sucesso.
Pelos Deuses, Ob Nixilis realmente se provou útil em uma boa causa?
Gideon não pôde deixar de gargalhar.
Ainda assim, a batalha estava longe de terminar. Gideon viu um minotauro Eterno que
ele reconheceu de Amonkhet: Nassor tinha sido uma alma honrada; sua morte, uma tragédia.
Mas uma segunda morte agora seria clemência e libertação. Gideon desceu, determinado a
fazer aquilo.

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QUARENTA E QUATRO
CHANDRA NALAAR
Nissa havia dito aquilo antes de todos se dividirem em esquadrões, a serviço das
muitas ramificações do plano de Jace: “Você vai enfrentar Dovin Baan. A magia dele é a
magia da fraqueza. Ele vê falhas em todas estratégias, em cada indivíduo. Ele conhece você,
Chandra. Ele conhece suas falhas e fraquezas.”
Chandra balançou a cabeça: “Depois do que ele fez conosco em Kaladesh, se você
pensar bem, eu não vou atrás dele depois daquela—”
Mas Nissa claramente não tinha ilusões sobre a determinação ou intenção de Chandra.
Ela reiterou: “Baan conhece as fraquezas de Chandra Nalaar, então, para esta missão você
não deve ser Chandra Nalaar.”
Após essa conversa, levou algum tempo para o time de Chandra viajar da Casa do
Senado até o centro de Nova Prahv — não por causa da distância, obviamente, mas porque
precisavam e queriam evitar ser descobertos pelos tópteros-espiões autômatos de Baan.
Quanto menos tempo um planejador como Dovin Baan tivesse para se preparar para sua
oposição, melhor. Mas agora não havia como evitar a observação.
Chandra, Saheeli Rai e Lavínia se aproximaram da luz do Sol Imortal, revelado pelo
mais simples dos feitiços. Ele brilhava direto no chão, do céu, em meio às três torres de
Nova Prahv, passando e atravessando uma plataforma estabilizadora em forma de disco, que
desafiava a gravidade, toda baseada em projetos da terra natal de Dovin Baan, Kaladesh. Da
mesma terra natal de Chandra. A mesma terra natal de Saheeli. Baan havia causado muito
dano enquanto teve autoridade naquele Plano. E agora ele estava causando mais, em
Ravnica, em nome dos Azorius, a guilda à qual Lavínia havia dedicado a maior parte de sua
vida. Todas as três, portanto, tinham bons motivos para querer a cabeça de Dovin em um
prato. Mas a prioridade era desligar o Sol que estava prendendo os planinautas em Ravnica,
onde os Eternos podiam colher suas centelhas para alimentar o poder do dragão Nicol Bolas.
Elas entraram no complexo. Quase em uníssono, Saheeli e Lavínia expiraram em
resposta ao tremendo calor que a atividade do Sol estava gerando – um calor apenas
parcialmente aliviado pelas cachoeiras de resfriamento que desciam do topo de cada uma
das três torres. (Sem surpresa alguma, a piromante Chandra sequer parecia notar.) O trio
podia ver o Sol; estava apenas vinte, vinte e cinco metros à frente delas em um estrado que
ficava a cerca de seis metros do chão, ponto morto entre as três estruturas imponentes. Uma
corrida rápida poderia levá-las até lá e apenas um pequeno empurrão da coisa para fora do

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estrado – combinado a um feitiço bastante simples desenterrado por Jace da mente de seu
criador Azor (fundador do Senado de Azorius) - desabilitaria o Sol Imortal e daria fim ao
seu aperto mortal sobre os planinautas.
Se fosse assim tão fácil…
Como trezentas colmeias sob ameaça, portais deslizantes se abriram em cada nível de
todas as três torres, e os tópteros semelhantes a abelhas despejaram-se para atacar as
inimigas de Baan e Bolas. Alguns desses tópteros eram do tamanho de abelhas, outros do
tamanho de cavalos, a maioria estava em algum ponto entre esses tamanhos, mas todos
miraram o trio, suas asas zumbindo em uníssono, quase alto o suficiente para abafar os sons
das cachoeiras e da chama do Sol.
Felizmente, Saheeli estava preparada com suas próprias pequenas e lindas criações
mecânicas. Em forma de seis bandares alados, cada um não maior do que o pequeno punho
de Saheeli, eles subiram graciosamente para encontrar o enxame que se aproximava. Três
dos seis divergiram para os lados, cada um rapidamente tomando posição entre duas torres e
rapidamente ativando um campo de éter triangular que imediatamente causou estragos
nos sistemas de mira dos tópteros. Muitas das coisas colidiram com as torres, com o solo
ou uns com os outros. Alguns giraram em círculos. Alguns voaram para cima, para o alto e
para longe de vista. Mas o ímpeto de vários tópteros permitiu que eles passassem pelo
campo, e uma vez longe dele, seus sistemas se normalizaram. Esses que atacavam eram
suficientemente fáceis para Chandra acertar com algumas rajadas precisas de chama. Mas
muitos não se incomodaram em atacar. Em vez disso, eles pairavam ameaçadoramente ao
redor do estrado do Sol Imortal, uma flutuante muralha circular de metal móvel que zumbia.
De repente, um pequeno empurrão e um simples feitiço tornaram-se algo muito mais difícil
de se fazer.
Sobre o ruído de éter e asas, Lavínia gritou, “Nós nunca desativaremos o Sol enquanto
essas coisas o protegerem. Para completar nossa missão, devemos localizar e derrubar seu
mestre, Dovin Baan.”
“Lá!” gritou Chandra, apontando para o disco estabilizador que pairava entre as três
torres, exatamente noventa metros acima do piso de Nova Prahv. O vedalkeano de pele azul,
Dovin Baan, estava no topo da plataforma, com as mãos atrás das costas, inclinando-se
judiciosamente para o lado - não o suficiente para se arriscar a cair, mas apenas o suficiente
para analisar seus três oponentes, enquanto tomava nota, Chandra tinha certeza disso, de
todos os seus pontos fortes e fraquezas.
Lavínia acenou para Saheeli, que acenou de volta e depois tirou um pequeno apito
prateado. Ela franziu os lábios e soprou; o assovio não emitiu nenhum som audível. Mas os

190
três bandares voadores restantes ouviram o seu chamado e entraram em ação, cada um se
prendeu a um tóptero do tamanho de um cavalo para assumir o controle total de seus
dispositivos mecânicos.
Saheeli sorriu. “Baan não é o único que se preparou para seus oponentes.”
Os três grandes tópteros desceram e pairaram diante de Saheeli, Lavínia e Chandra,
que rapidamente montaram e subiram, até o disco estabilizador, até Dovin Baan.
Baan observou a subida delas calmamente. Ele ficou lá, com as mãos ainda atrás das
costas. Mais três tópteros surgiram de algum lugar e alvejaram os três bandares com
projéteis de metal que quebraram seus crânios. Imediatamente as três montarias do trio
estavam de volta ao controle de Baan. Eles sacudiram e guinaram para desalojar suas
passageiras, e tudo o que Lavínia, Saheeli e Chandra puderam fazer era saltar. Lavínia e
Saheeli bateram na plataforma rolando. Chandra quase não conseguiu agarrar a beirada e se
erguer a tempo de levantar os braços e disparar três raios de chamas cuidadosamente
apontados, que derrubaram os grandes tópteros.
As mulheres se viraram para Baan, que estava a uma distância segura, balançando a
cabeça quase tristemente. Com um suspiro, ele falou, apenas alto o suficiente para ser
ouvido sobre o tumulto e nem um decibel mais alto: “A decisão de enviar a apóstata Azorius
e as duas Kaladeshi – isto é, de enviar aquelas que guardam um rancor pessoal contra mim –
não poderia ser mais previsível. Eu suponho que todas vocês se voluntariaram – ou
melhor, insistiram - nesta missão?”
Elas não se incomodaram em responder, já que era evidente que era verdade.
“Então, eu suponho,” ele continuou, “que não será nenhuma surpresa que eu
esteja cuidadosamente preparado para cada uma de vocês, com tópteros especificamente
projetados para neutralizar suas habilidades enquanto exploram suas fraquezas.”
Ele inclinou a cabeça alguns graus e mais trezentos tópteros surgiram de trás das
cachoeiras de Nova Prahv para pairar ao redor das três mulheres. Lavínia rapidamente sacou
sua espada, cortando o mais próximo ao meio. Saheeli puxou mais três bandares de sua
bolsa e os soltou, tomando o controle de mais três tópteros, que por sua vez esmagaram e
desativaram outros três. Chandra disparou bolas de fogo do tamanho de maçãs, uma atrás da
outra, derrubando mais seis tópteros em rápida sucessão. Mas para cada tóptero que caía,
outro tomava o seu lugar.
“Eu não sou um assassino,” Baan disse. “Vocês todas podem me odiar, mas eu não
sinto tal emoção sobre nenhuma de vocês. Então, por favor, confiem em mim quando digo
que os Azorius têm sido – sob minha guarda – entusiastas e eficientes na fabricação e
produção dos meus tópteros. Portanto, eu tenho mais do que suficiente para manter as três

191
ocupadas e, bem, inutilizadas para qualquer outro esforço, exceto autodefesa, e
indefinidamente.”
Ele deu um passo em direção a Chandra e a estudou atentamente. “Eu admito que
estou surpreso em relação a você, Nalaar. Nunca na minha experiência você demonstrou tal
contenção e precisão em seu ataques piromânticos. Suponho que você possa estar
amadurecendo. Parece muito improvável, mas não posso chegar a outra conclusão neste
momento.”
Chandra fez uma careta, mas não disse nada. Em vez disso, mirou em Baan, que exibiu
um leve sorriso, como se dissesse: Sim, essa é a Chandra Nalaar de que eu me lembro.
Trinta tópteros voaram para se posicionar entre ela e ele – rápido o suficiente para que
Chandra nem se desse ao trabalho de soltar seu fogo.
E, no entanto, Dovin Baan foi balançado por uma explosão.
Desequilibrado, ele tropeçou, uma expressão de surpresa aparecendo em um rosto
desacostumado a tais emoções. Enervado, ele rapidamente percebeu que a explosão havia
detonado de baixo. Ele olhou para baixo, para fora do disco.
Outra Chandra Nalaar – a verdadeira Chandra Nalaar – estava desencadeando uma
enorme torrente de chamas logo abaixo da muralha de tópteros flutuantes. Estava derretendo
a base do estrado que segurava o Sol Imortal, deixando-o desalinhado e sacudindo todo o
complexo.
Tarde demais, Baan percebeu seu erro. Ele olhou para cima, mas a Chandra de
quem ele estava zombando havia desaparecido, substituída pelo mestre de guilda e
metamorfo Dimir Lazav, usando um lança-chamas Izzet para completar a ilusão. Antes que
ele pudesse recalcular, Lazav jogou—não eram mais chamas, para as quais Baan havia se
preparado, mas duas pequenas estrelas de um metal peculiar que atravessou os feitiços de
proteção de Dovin Baan e atingiu o vedalkeano direto em seus olhos, causando uma grave
limitação em sua capacidade de detectar fraqueza nos outros.
Cego e sangrando, Dovin Baan gritou.
Ouvindo aquilo de baixo, Chandra deu um sorriso sombrio de satisfação, enquanto
silenciosamente agradecia Nissa Revane por seu sábio conselho. Então ela usou seu fogo
para abrir caminho pela muralha de tópteros. Ela correu e com toda a sua força tensionou-se
para derrubar o Sol Imortal de cima do estrado deformado. O artefato amaldiçoado de Azor
caiu no chão do complexo. Ela esperava que ele se quebrasse, mas não teve essa sorte.
Então, seguindo as instruções de Jace, ela moveu-se e ficou em cima dele.
Instantaneamente, um poder fluiu através dela. Ele galvanizou Chandra, que soube
brevemente como era ser um deus. Ela usou cada grama de vontade que tinha para não

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liberar uma torrente de chamas que teria incinerado todas as três torres – para não
mencionar seus amigos. Por um momento, ela considerou não desligar o Sol.
Não há motivo para desistir disso. Nós podemos usar esse poder. Podemos usá-lo
para derrotar Bolas nós mesmos! E quando o dragão for destruído, podemos tomar o seu
lugar no topo—
NÃO!
Forçando sua mente de volta ao momento, ela falou em voz alta as nove palavras de
Azor que Jace havia lhe ensinado. As nove palavras que desativariam o Sol. Ao praticá-las
mais cedo, elas soaram estranhas e sobrenaturais em sua boca, mas agora ela se sentia como
se fossem uma herança sua. E isso a assustava.
Felizmente, as palavras rapidamente fizeram sua mágica. Chandra sentiu seu novo
poder incalculável rapidamente retroceder.
Quanto ao Sol Imortal, ela pôde sentir que ele perdera imediatamente sua contenção. A
fechadura havia sido aberta. Ela poderia transplanar novamente. Todos os planinautas
poderiam transplanar novamente. Ela se perguntou brevemente quantos fariam aquilo.
Mas Dovin ainda não estava satisfeito. Ele conseguiu aplaudir com suas mãos
encharcadas com seu próprio sangue. O som era patético e suficiente, desencadeando
em cada um dos seus tópteros o modo de ataque total. Com tudo aquilo realizado, isso deu à
verdadeira Chandra a desculpa para se soltar. E depois do que ela tinha acabado de
experimentar, se soltar parecia uma descarga quase necessária.
Dois raios entrelaçados de fogo emergiram de suas mãos. Abaixo de seu cabelo
flamejante e olhos brilhantes, ela sorriu quando seus duplos infernos procuraram cada um
dos tópteros de Baan – e explodiram todos em uma poderosa conflagração que fez Baan,
Saheeli, Lazav e Lavínia cobrirem seus rostos.
Confrontado com a derrota, uma que ele não poderia calcular nem mesmo um por
cento de possibilidade de transformar em vitória, Baan aproveitou a desativação do Sol
Imortal e transplanou para longe.
Quando ela o viu desaparecer em um movimento lateral, Chandra perdeu seu sorriso
brilhante. Cego ou não, Baan ainda era uma ameaça que precisava ser derrubada. Ainda
assim, sua missão era liquidar o Sol Imortal. Missão cumprida.

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QUARENTA E CINCO
DACK FAYDEN
Retornando de Amonkhet, Dack, Samut, Sarkhan e Karn juntaram-se ao ataque de
Gideon aos Eternos. Um minotauro chamado Angrath havia inflamado a lança de Hazoret, e
juntos ele e Karn estavam usando-a para incinerar mais da Horda Medonha de Bolas, três ou
quatro ao mesmo tempo.
Samut avistou outro minotauro, um minotauro eternizado, e disse baixinho: “Quantas
vezes eu tenho que te libertar, irmão?”
Eles se atacaram. Dack se moveu para ajudar, mas a batalha acabou antes que ele
descobrisse como poderia ser útil. O minotauro era brutalmente forte, rasgou uma pedra
inteira para jogar em Samut. Mas ela era muito rápida. Em um piscar de olhos, ela estava
literalmente andando nas costas dele. Dack viu o minotauro recuar e sabia que bastava uma
boa agarrada em Samut para que sua centelha se perdesse. Ela cruzou os dois khopeshes em
seu pescoço – e segurou sua cabeça, gritando, “De uma vez por todas, você está livre,
Neheb!”
Dack ficou tão distraído com a vitória de Samut que ele mesmo quase foi “agarrado”.
Mas Sarkhan Vol transformou suas próprias mãos em dragões místicos, que sopraram fogo
de dragão, incinerando os dois Eternos que tentavam alcançar o ladrão. Enquanto as
criaturas queimavam, uma planinauta branca cortou ambas as cabeças.
Ela olhou para Sarkhan e disse, “Vol.”
Ele disse, “Errante.”
Então os dois olharam com desaprovação para Dack antes de voltarem à batalha.
Dack olhou para baixo e balançou a cabeça resmungando, “Preste atenção, idiota.”
Ele já possuíra uma luva mística supremamente poderosa que o ajudara até a lutar
contra um kraken. Ele teve que trocar o artefato para curar uma maldição adormecida e não
tinha conseguido nem um zino pelo negócio. Assim que ele voltou a lutar novamente,
desejou apenas ter aquela luva de volta em sua mão.
No entanto, apesar de suas reservas, Dack teve que admitir que a estratégia de Gideon
estava funcionando. Os Eternos – até mesmo os Deuses-Eternos – estavam sendo
empurrados de volta para a Cidadela de Bolas.
E foi aí que aconteceu.

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Assim que ele voltou para Ravnica, Dack sentiu a magia opressiva que o impedia de
transplanar desaparecer. Parte dele estava feliz. Ele queria ser corajoso. Queria ser o tipo de
homem que ficou e lutou. E, graças ao Sol Imortal, não havia escolha sobre o assunto. Mas
de repente ele sentiu. A missão da piromante de desligar o Sol havia sido claramente bem-
sucedida. Dack sabia que ele poderia sair a qualquer momento. E, ao seu redor, ele viu
outros planinautas fazendo exatamente isso.
Na verdade, muitos fizeram exatamente isso, o ataque começou a vacilar. Os Eternos
empurraram de volta. Os Deuses-Eternos avançaram novamente, e, de cima, Gideon –
montando um pégaso Boros – ordenou uma retirada.
Dack ficou extremamente tentado a partir deste mundo naquele momento.
Olha, sou apenas um ladrão. Quem sou eu para ficar quando os outros fogem? E
agora nós não estamos falando apenas dos bastardos malignos como Ob Nixilis. Muitos
dos outros estão indo embora enquanto as coisas estão indo bem. Por que não Dack
Fayden?
Só então ele viu a Errante presa entre dois Eternos. Ela fez a coisa inteligente e
transplanou – apenas para transplanar de volta atrás de seus oponentes e rapidamente
despachar ambos com um balanço de sua espada. Dack ficou bastante impressionado.
Transplanar era algo cansativo em um dia bom, mas em um dia como hoje, transplanar duas
vezes – ir e voltar – em questão de segundos, era uma façanha que ele não conseguiria
realizar, não importa o quão malditamente descansado ele estivesse.
Ainda assim, Dack se entusiasmou com aquilo. O que a Errante tinha feito serviu para
ele.
Se eu ficar preso, eu posso sair – e, em seguida, voltar logo depois. Talvez não dois-
segundos-logo-depois, mas eventualmente. Ou não. Se eu ficar preso, eu posso sair – e
então decidir se vou voltar. Mas, agora, eu vou ficar e lutar.
Porque, em última análise, Dack Fayden se recusava a ser um daqueles planinautas, do
tipo que corre quando as coisas ficam difíceis. Talvez ele fosse apenas um ladrão e não
algum tipo de herói. No entanto, ele seria o tipo de ladrão que escolhia ficar…

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QUARENTA E SEIS
KAYA
O primeiro malabarista, usando roupas vermelhas de couro cravejado de pontas de
metal e fitas que terminavam em anzóis afiados, impressionantemente equilibrava seis
tochas flamejantes. O segundo fez malabarismos com oito crânios humanos. O terceiro fez
com doze crânios flamejantes. O quarto malabarista era um esqueleto morto-vivo, ossos
reforçados com ferro forjado, incluindo quatro chifres imitando os do seu mestre, Rakdos, o
Profanador. Ele equilibrava crânios de gato em chamas puxados de uma pequena fornalha
ardendo em chamas, dentro de sua própria caixa torácica.
Sem aviso, o esqueleto arremessou uma dessas pequenas cabeças flamejantes em Teyo,
que mal conseguiu lançar um escudo circular de luz branca para impedi-lo de acertar seus
olhos. O crânio ricocheteou de seu escudo e atingiu o esqueleto no rosto. Ele riu uma risada
rouca, sem ar, e Teyo estremeceu.
Kaya tentou tranquilizá-lo. “Eles estão apenas tentando te intimidar.”
Teyo olhou para o chão e resmungou, “Está funcionando.”
O esqueleto sussurrou, “Você nos interpretou errado, senhora. Estávamos apenas
tentando entreter você.”
Teyo olhou para o esqueleto e resmungou, “Não está funcionando.”
O esqueleto riu novamente e disse, “Bem, pelo menos você está me entretendo.”
Eles estavam descendo os quinhentos degraus íngremes do Vestíbulo do Demônio em
direção a Rix Maadi, Salão de Guilda do Culto de Rakdos. Veios de lava escorrendo pelas
paredes esculpidas por vormes emitiam uma luz vermelha ao redor de tudo o que eles
conseguiam enxergar. Outro artista estava empoleirado em cada quarto ou quinto degrau.
Depois dos malabaristas vieram os titeriteiros, cada um com uma marionete projetada para
trazer pesadelos. O último destes fez Rata suspirar em voz alta. No começo Kaya pensou
que a menina estava com medo – ela estivera estranhamente silenciosa durante toda a sua
descida – mas vendo que a marionete era uma caricatura brutalmente precisa da Feiticeira
de Lâminas Hekara, feita com lâminas reais, Kaya rapidamente percebeu que a reticência de
Rata não vinha do medo, mas da tristeza. Rata sorriu tristemente para Kaya e sussurrou,
“Aqui não será a mesma coisa sem ela.”
A morte de Hekara era exatamente o motivo de Kaya ter sugerido fortemente que a
górgona acompanhasse ela, Ral, Teyo e Rata para Rix Maadi – e por que Kaya insistiu que

196
Vraska viesse sem seus defensores kraul ou Vetustos. Se os Cultistas quisessem uma
explicação (ou exigissem vingança) pela morte da Emissária Hekara, Ral e Kaya queriam
Vraska lá para explicar (ou para pagar o preço).
Surpreendentemente, a górgona não se opôs.
Aparentemente por vontade própria, o boneco de Hekara jogou lâminas muito reais em
Ral Zarek e Vraska. As pequenas lâminas não foram lançadas com força suficiente para
causar qualquer dano sério aos mestres de guilda Izzet ou Golgari, embora Ral tenha ficado
com um pequeno corte no braço e o rosto de Vraska tinha sido cortado e estava lentamente
pingando uma linha de sangue abaixo sua bochecha. Kaya brevemente se preocupou se
aquelas lâminas estavam revestidas com algum veneno. Mas Rata leu sua preocupação e
sacudiu a cabeça. “Elas estão limpas. Mas elas podem não estar no caminho de volta,” ela
disse, “dependendo do que vai acontecer.”
Titeriteiros deram lugar a horrores enjaulados com demônios mascarados sentados em
cima das gaiolas, prontos e dispostos a libertar os pequenos monstros. Estes horrores em
particular, coisas aracnídeas que bufavam, sopravam, guinchavam e lamentavam, eram
apenas do tamanho de guaxinins, mas nessa escadaria apertada e claustrofóbica, um horror
do tamanho de um guaxinim seria suficiente para causar danos significativos a qualquer um
ou a todos do grupo. Os demônios riram descontroladamente e constantemente apontaram
para as travas, ameaçando abrir suas gaiolas. Teyo hesitou todas as vezes, o que só
encorajava o comportamento deles.
As paredes eram forradas, manchadas, com centenas de folhetos sobrepostos, algumas
propagandas de performances centenárias, a maioria incorporando algum insulto a uma das
outras guildas, com Orzhov, Azorius e Boros sendo os alvos mais comuns ou populares.
Kaya parou para olhar um folheto que parecia tão antigo quanto qualquer outro, mas
descrevia ela, Ral, Vraska e Lavínia pendurados como marionetes, cada uma com uma única
corda enrolada firmemente em torno de suas gargantas. Suas cabeças estavam penduradas,
suas línguas esticadas, seus membros moles, seus rostos inchados e azuis. O titeriteiro
segurando as quatro cordas em forma de nariz era uma imagem pintada da marionete
Hekara, e o titeriteiro que trabalhava nas cordas de Hekara era o próprio Profanador. Aquilo
não era um bom presságio para a recepção logo abaixo. Kaya inspirou, expirou e seguiu em
frente, olhando por cima do ombro para ver Teyo parar e também dar uma olhada. Kaya
achou que ele estava desenvolvendo um tique na bochecha esquerda. Rata observou um
pouco e foi na direção dele, dizendo “Pelo menos eles não têm um folheto seu.”
“Ainda,” ele emendou nervosamente.

197
Passados os demônios e seus horrores, vieram os cuspidores de fogo. Teyo sinalizou
que iria criar um escudo, mas Rata prendeu sua mão e sacudiu a cabeça. “Você só vai
incentivá-los. Apenas preste atenção e quando eles inalarem, ignore-os.”
Ao longo de sua descida, Ral e Vraska permaneceram cautelosos, mas impassíveis,
cada um meditando profundamente em seus próprios pensamentos sombrios, a maioria
provavelmente girava em torno de Hekara. Exceto por Teyo, que não a conhecera, eles
estavam todos lamentando a perda da feiticeira de lâminas em algum grau. Ela tinha sido a
cola improvável que mantivera este grupo de improváveis amigos juntos. Quando Vraska os
traiu, e Hekara morreu quase que como um resultado direto, a amizade se desintegrou. Até
mesmo Kaya e Ral, que não fizeram nada um para o outro e não tinham razão para mútua
desconfiança, sentiram a perda de Hekara pairando sobre eles. Em parte, isso era porque Ral
tinha se mantido distante de Hekara – aproveitando-se dela sem nunca verdadeiramente
reconhecê-la como alguém com quem ele se importava, embora, é claro, depois que já era
tarde demais, ele tivesse percebido que se importava muito com ela. Kaya sabia que ele se
sentia culpado por essa falha, e ela supôs que uma parte (uma parte irracional) de Zarek
estava furiosa com ela por ter tratado Hekara abertamente com carinho e companheirismo.
No entanto, em grande parte, ele estava apenas com raiva de si mesmo.
“E preocupado com Tomik,” Rata acrescentou.
Rata é definitivamente um pouco psíquica. E sim, claro, Ral estava preocupado com
Tomik. Ele está desaparecido desde que Bolas chegou. Ral deve estar enlouquecendo.
Kaya tentou oferecer a Ral um olhar de simpatia. Mas seus olhos nunca se focavam
nela o suficiente para ver isso.
Quanto mais fundo eles iam, mais quente e mais rarefeito ficava o ar, e não apenas por
causa dos cuspidores de fogo. As veias vermelhas nas paredes curvas eram mais largas e
mais líquidas aqui, a lava ardente escorria nos degraus e precisava ser cuidadosamente
evitada se alguém quisesse manter as botas intactas – ou os pés.
Os cuspidores de fogo agora davam lugar a monociclistas, que se equilibravam
impressionantemente, rolando para frente e para trás no espaço de algumas polegadas, em
dispositivos que pareciam projetados para uma câmara de tortura: raios de arame farpado,
rodas com garras, assentos feitos de lâminas de machado. Mais de um dos acrobatas
sangrava. Cada um deles chegou perto de cortar o grupo de cinco. Um ciclista, que
claramente não enxergava Rata, quase cortou o pé dela. Mas esse tipo de quase catástrofe
parecia ser uma ocorrência comum para Araithia Shokta; a garota tinha se treinado para ser
sobrenaturalmente consciente de seu entorno o tempo todo e facilmente ignorou a ameaça.

198
Finalmente, eles chegaram ao degrau inferior, e o Vestíbulo terminou na Área do
Festival, que era guardada por dois imensos ogros usando máscaras feitas de crânios
verdadeiros de ogro. Kaya hesitou, mas os ogros ignoraram todos eles – como se todos os
cinco fossem ratos – então ela os ignorou de volta e continuou em frente através do grande
pátio. No seu centro estava uma fonte rachada e grafitada com uma estátua de um centauro.
De um certo ângulo, a estátua era surpreendentemente elegante, mas quando Kaya se
aproximou, viu que pedaços de mármore tinham sido arrancados do homem-cavalo, como
se por uma marreta. A água gotejava dos lábios quebrados, e essa água, por sua vez, escorria
da fonte trincada e descia através de uma rachadura no chão, onde erguia-se novamente
como vapor.
Acima deles, balanços de trapézio desocupados pendiam de ganchos enferrujados,
enquanto uma solitária jovem caminhante de corda bamba de maria-chiquinhas, em um
corpete preto-e-vermelho de arlequim, deslizava despreocupadamente sobre um fio puído.
Os movimentos dela eram cheios de graça, chamando a atenção. Ela olhou para baixo, para
seu novo público, e Teyo engasgou. Seus lábios e pálpebras tinham sido costurados.
Havia gaiolas vazias grandes o suficiente para conter horrores humanos. E tudo,
absolutamente tudo, foi pintado a esmo com respingos do que Kaya teve que assumir ser
sangue verdadeiro.
Na extremidade da Área do Festival, mais duas máscaras de caveiras ogres ficavam de
guarda diante da fachada de pedra ornamentada de Rix Maadi. Como a primeira dupla, esses
ogros pareciam não notar Kaya e os outros. Ainda assim, seu pequeno grupo hesitou diante
do sinistro brilho vermelho da entrada – até que Vraska murmurou, “Dane-se,” e marchou
através da porta gótica arqueada. Ral e Kaya trocaram um olhar e a seguiram, com Rata e
Teyo logo atrás.
A fachada de Rix Maadi era literalmente aquilo. Dentro não havia arquitetura, apenas
uma enorme caverna vulcânica natural. Vapor subia de um enorme poço de lava central –
tão grande quanto o Lago Keru no mundo natal de Kaya – e era expulso acima por chaminés
naturais que presumivelmente corriam todo o caminho até a superfície de Ravnica.
Eles estavam todos suando profusamente agora. Até Teyo, o morador do deserto. Ele
deu de ombros e disse, “Não é o calor; é a umidade.”
Calçadas de pedra cruzavam o poço de lava. Cabos de aço entrecruzavam-se no teto,
suportando gaiolas e ganchos mais enferrujados. Bacias cheias de sangue pontilhavam a
paisagem. Assim como os cães do inferno. As paredes eram marcadas com dezenas de
portas para dezenas de câmaras. Risos emanavam de algumas. Gritos de outras. Ambos de
muitas. À esquerda deles, ao nível do solo, uma grande abertura na parede estava envolta

199
por uma névoa sobrenatural de pura sombra. Uma aura profana emanava de dentro. Alguma
coisa naquilo arrepiou até a assassina fantasma.
Rata deslizou até Kaya e sussurrou, “Onde está todo mundo? Rix Maadi é geralmente
cheio de artistas. Eu nunca vi isso tão vazio.”
Kaya olhou através da escuridão tingida de vermelho. Exceto pelos sabujos infernais, e
um ocasional rato correndo, não havia uma alma ao redor, viva ou morta, exceto os cinco
membros do seu grupo. Então, como se fosse um sinal, uma figura surpreendente apareceu
em uma explosão de fumaça vermelha.
“Madame Exava,” Rata sussurrou. “Bruxa sanguinária. Ela é atualmente a segunda no
comando após o Profanador.”
Quando a fumaça lentamente se dissipou, Exava entrou em foco. Ela era alta,
musculosa e aparentemente humana. Ela usava uma imensa e elaborada máscara decorada
com dois conjuntos do que eram provavelmente genuínos chifres de demônio. Um corpete
apertado acentuava um grande peito e uma cintura à mostra. Ela usava botas de cano alto e
um cinto largo de onde pendiam numerosos espetos de ferro, todos manchados de vermelho,
novamente presumivelmente de sangue. Ela ficou em pé em um pequeno palco e,
inconsciente da presença de Rata, olhou para os outros quatro com desprezo imperioso.
Kaya, Ral e Vraska se entreolharam e depois curvaram suas cabeças ao mesmo tempo.
Ral falou as formalidades: “Nós te honramos, Exava, uma bruxa sanguinária de talento raro,
e imploramos uma audiência com seu mestre, o Profanador.”
Exava os estudou em silêncio. Então ela olhou para o fosso. Lava borbulhou, mas nada
mais apareceu, incluindo o demônio.
“Aparentemente,” Exava disse em um rico contralto, “o Profanador não deseja te
ouvir.”
Mas, naquele momento, a voz estrondosa de Rakdos ecoou por toda a caverna:
“ONDE ESTÁ A NOSSA EMISSÁRIA?”
Ral olhou para Vraska, que deu um passo à frente, pronta para tomar o que quer que
viesse para ela. Mas, antes que ela pudesse falar, uma voz gritou, “Ela está aqui!”
Todos se voltaram para a entrada principal. Era Tomik Vrona, puxando um único thrull
Orzhov, que carregava um cadáver coberto. Tomik sinalizou para o thrull, que parou. Ele
descobriu o rosto do cadáver. “Eu trouxe Hekara de volta para o seu povo.”
Todos viram Ral correr para Tomik, mas apenas Kaya e Teyo viram Rata correr para o
lado de Hekara. Ela ficou na ponta dos pés para ver sua amiga e beijou Hekara em sua
bochecha pálida.

200
Ral parou perto de beijar Tomik, embora Kaya soubesse que ele claramente queria.
Nesse ponto, Exava limpou a garganta com impaciência. Todos os olhos se viraram
para encará-la. Ela disse, “Faça sua criatura colocar a feiticeira de lâminas no palco aos
meus pés.”
Tomik fez um gesto e o thrull obedeceu.
Exava se ajoelhou ao lado do cadáver de Hekara e sacudiu a mortalha que a cobria. Ela
a atirou no ar e explodiu em chamas dramaticamente – super dramaticamente. Suas cinzas
caíram sobre o thrull, Tomik e o resto.
A bruxa sanguinária correu uma mão do topo da cabeça de Hekara até as pontas dos
dedos pintados em uma carícia perturbadoramente erótica. Ela disse, “Você deveria tê-la
trazido de volta mais cedo.”
“Desculpas,” Tomik disse com uma reverência. “As coisas estão um pouco caóticas na
superfície.”
“Isso não é uma preocupação do Culto.”
“Mas deveria ser,” Ral afirmou.
Exava se levantou, estalando os dedos arrogantemente. Ou foi o que pareceu
inicialmente. Mas dentro de segundos mais seis bruxas de sangue apareceram em mais seis
baforadas de fumaça vermelha. Elas vieram preparadas e rapidamente tiraram a roupa de
Hekara – para o óbvio constrangimento de Teyo – e depois a adornaram com trapos e sinos.
Quando o processo foi concluído, Exava disse, “Faça o seu thrull levar Hekara para a Cripta
do Bufão.” Ela apontou um dedo longo e elegante para a abertura perniciosa.
Tomik fez mais dois gestos com as mãos, e o thrull pegou o cadáver. Com Hekara em
seus braços, a criatura passou pela abertura, flanqueada por uma procissão de seis bruxas.
Rata disse, “Espero que o Sr. Vrona não tenha gostado daquele thrull. Ele não vai vê-lo
novamente.”
E novamente, como um sinal, todos congelaram ao som do horripilante grito de morte
do thrull. Tomik parecia absolutamente horrorizado. Rata encolheu os ombros.
Exava disse, “Eu voltarei em breve. Fiquem aqui.” Então ela explodiu em chamas, do
mesmo modo que a mortalha de Hekara. As cinzas choveram, mas ninguém realmente
pensou que Exava tivesse se queimado.
Ral então agarrou Tomik pelos ombros e rosnou: “Eu estive procurando por você em
todos os lugares!”

201
Tomik sorriu para seu parceiro e gentilmente inclinou a testa contra a de Ral. Ambos
ficaram ali respirando por alguns momentos. Então Tomik se afastou, encolheu os ombros e
disse, “Você tinha seus deveres; eu tinha os meus.”
Ral deu um passo para trás. “E quais são, exatamente?”
Tomik respondeu a Ral, mas olhou para Kaya, atrás dele: “Eu sou o assistente
executivo da verdadeira mestre de guilda Orzhov. Por anos, eu acreditei que era Teysa
Karlov. Agora eu sei que é Kaya. E então eu estive cuidando dos negócios da minha
senhora.”
Kaya sorriu para Tomik e o agradeceu. Então a epifania a atingiu: “Tomik, foi você
quem reuniu as tropas Orzhov e enviou para a batalha.”
“A maior parte disso foi feita pelo gigante Bilagru. Você causou uma boa impressão
nele.”
“Depois que você injetou dinheiro e o mandou vir falar comigo.”
Tomik virou a mão esquerda como se dissesse, Essa é minha função.
Então, Exava emergiu da Cripta do Bufão. Ela estava vestida do mesmo jeito, exceto
que agora usava luvas vermelhas brilhantes.
Kaya engoliu em seco.
Não, aquilo não eram luvas. Luvas não pingam.
Vraska deu um passo à frente novamente. “Grande e talentosa Exava, Ravnica requer
sua ajuda. Se Hekara estivesse viva, ela pediria que você nos ajudasse a convencer seu
mestre—”
Exava interrompeu, “A Emissária Hekara morreu porque confiou em vocês três.” Ela
apontou de Vraska para Ral, então para Kaya. “Um de vocês a traiu, um de vocês a negou, e
um de vocês simplesmente falhou com ela.”
“É tudo verdade,” Ral disse com evidente remorso – mas com pouca determinação. “E
agora não há nenhuma garantia, exceto que se as dez guildas não se unirem, Ravnica está
certamente condenada.”
“Então o Culto de Rakdos dançará no túmulo de Ravnica. Somos muito bons em
dançar sobre sepulturas. É uma especialidade.”
“Tenho certeza que é, e tenho certeza que você vai,” Ral disse. “Mas os mortos não
podem dançar.”
“Você ficaria surpreso.”

202
“Por favor, escute. Niv-Mizzet nos deixou um último plano para derrotar Nicol Bolas.
Se você me permitir explicar—”
“JÁ SABEMOS TODOS OS DETALHES DA ÚLTIMA TENTATIVA DE PODER DO
FALECIDO MENTE DE FOGO,” ecoou a voz de Rakdos. “NÃO TEMOS NADA A VER
COM ISSO!”
Exava sorriu perigosamente. “Eu acho que vocês deveriam ir embora,” ela disse.
“Mas—”
“Antes de você realmente irritá-lo.”
Ral, Tomik, Vraska e Kaya olharam para dentro, estudando para ver se havia algo que
eles pudessem fazer ou dizer que pudesse fazer alguma diferença. Mas, no final, todos os
ombros se afundaram coletivamente, e eles se viraram para sair.
Kaya viu Teyo se virar para Rata e dizer, “É isso? Vamos desistir?”
Mas Rata não estava escutando. Ela estava focada na abertura da Cripta do Bufão.
Kaya seguiu seu olhar e ofegou.
“Que pressa é essa, parceiros?” Hekara disse, emergindo do espaço sombrio.
Ral, Vraska e Tomik estavam a meio caminho da saída; eles pararam em seus lugares e
se viraram.
“Hekara?” Ral disse estupidamente.
“Bem, sim,” ela disse com um encolher de ombros.
“Você não estava morta?” Vraska disse, tão estupidamente quanto ele.
“Bem, claro. Sentiram minha falta?”
“Mais do que você pode imaginar… minha amiga,” Ral disse. A admissão pareceu
causar algum desconforto, mas ele não se importou.
“Para com isso,” Hekara disse. “Você me deixa envergonhada. Brincadeira! Eu nunca
fiquei envergonhada. Seja tão piegas quanto você quiser. É uma atuação horrível, mas todos
temos nossos prazeres culpados, né?”
Vraska, ainda mais aflita do que Ral, disse, “Eu lhe devo um pedido de desculpas,
Hekara. Eu nunca deveria ter traído sua confiança.”
“Foi uma coisa muito ruim. E morrer é horrível. Mas, ei, deu tudo certo. Afinal, você
não pode ser ressuscitada como uma bruxa sanguinária se não morrer primeiro, né?”
“Agora você é uma bruxa sanguinária?” Rata perguntou com alguma admiração.

203
Mas Ral não podia ouvir Rata e perguntou por cima dela, “Você consegue convencer
Rakdos a participar da Operação Desespero?”
“Ohh, bom nome,” disse a nova bruxa sanguinária. “De qualquer forma, não se
preocupe. Eu representarei o Culto em qualquer coisa que você tiver planejado, parça.”
“Não, você não vai,” Exava explodiu. “O Profanador deixou sua vontade clara.”
“Mesmo? Porque ele não disse nenhuma palavra para mim.”
“Naquele momento, você estava morta e, portanto, era uma plateia um pouco
desatenta.”
“Ele poderia me dizer agora.”
“Não há necessidade. Eu estou fazendo isso.”
“Mas você não é o chefe. Digo, não o meu chefe. Você é apenas uma bruxa
sanguinária. E já que eu também sou uma bruxa sanguinária, estou pensando que não
preciso seguir suas ordens. Você não é superior a mim, Exava. Você apenas meio que me
igualou a você.”
“Bruxa, eu vou te matar de novo!” Exava pulou, suas mãos ensanguentadas
alcançando a garganta de Hekara.
Hekara girou para longe. O giro se transformou em uma cambalhota, que se
transformou em um mortal para trás. Hekara parou sobre o palco. Assim que ela estava no
terreno elevado, materializou várias lâminas em ambas as mãos e jogou todas
simultaneamente. “Uma vez bruxa de lâminas, sempre bruxa de lâminas!”
Exava foi pega despreparada. Ela se esquivou da maioria das lâminas com um aceno
de mão, mas mais de uma perfurou sua pele. Elas mal a desaceleraram, mas Hekara não
estava nessa luta exatamente sozinha. Ral acendeu seu Acumulador e disparou um raio
relativamente pequeno que acertou Exava por trás. Ela gritou e caiu de joelhos.
Um dos sabujos infernais reagiu, levantando-se para defender sua senhora. Mas
Hekara interceptou o bruto, dizendo, “Para com isso, Whipsaw. Senta!”
O cão infernal parou, mas não se sentou. Ele rosnou ameaçadoramente, boca pingando
uma saliva ácida que chiava quando encostava no chão. Ral estava recarregado, pronto para
fritar a fera. Hekara acenou para ele, mas não se incomodou em olhar em sua direção. Ela
apenas continuou falando suavemente para o cão infernal: “Não ligue, Ral. Ele está bem. E
Exava será sua antiga diva logo. Agora, senta!”
A besta sentou-se.

204
Hekara chamou o ainda ausente Rakdos, “Estou indo ajudar os meus parças agora.
Você não se importa, né chefe?”
O Profanador permaneceu em silêncio.
“Certo, então,” Hekara disse com uma risada. “Vamos continuar com isso!” ela liderou
a saída, e Tomik, Vraska e Ral a seguiram. Mas Kaya e Teyo viram Hekara andar ao lado de
uma ansiosa Rata – sem percebê-la em absoluto. A expressão de Rata se desfez; ela desviou
o olhar. Todos os três souberam instantaneamente: seja qual foi o processo que trouxera
Hekara de volta à vida, ele a mudou o suficiente para que ela não pudesse mais ver Rata… e
isso despedaçou o coração da jovem garota.

205
QUARENTA E SETE
JACE BELEREN
Jace disse a si mesmo que ela havia deixado todos sem escolha.
Ele lembrou a si mesmo, como se para provar esse ponto, que mesmo Chandra – até
mesmo Gideon – não tentaram pará-lo, não importa o quão descontentes a ideia os deixasse.
Que Jaya Ballard e Teferi, ambos que conheciam e tinham gostado o suficiente da
necromante, haviam concordado em ajudar.
Ele insistiu para si mesmo que não se tratava de sua própria história com a mulher –
nem pelo mal ou nem pelo bem disso. Que não tinha nada a ver com sua suposta
parcialidade em relação a ela, sobre as semanas e semanas dele contando para todo mundo
como ela era indigna de confiança. Não, a decisão decorria de dois fatos simples: um, os
Eternos estavam assassinando todos em que eles poderiam colocar as mãos, planinautas e
civis inocentes, e dois, ela controlava os Eternos.
Foi por essas duas razões, e apenas essas duas razões, que Jace Beleren se forçara a
planejar o assassinato de Liliana Vess.
E isso estava acabando com ele.
Seu tempo em Ixalan com Vraska ensinara muitas coisas a Jace. Vraska era uma pirata,
uma assassina e uma colaboradora de Bolas, e ainda assim seu crescente relacionamento
havia demonstrado em termos grosseiros o quão doentia tinha sido sua ligação com Liliana.
Ela o usara em cada chance que havia tido. Ela o usara por seus poderes, por suas conexões,
por sexo. Ela o torcia com o seu dedo mindinho. Ele era velho demais para ser seu
cachorrinho, mas, olhando para aqueles dias e noites, ele sabia que era exatamente como ele
havia se comportado – porque era exatamente assim que ela queria.
Ela brincara com ele. Mandara nele. Afastara-se dele. Aproximara-se dele. Magoara
seus sentimentos. Brincara com sua vaidade. Havia feito ele se sentir uma porcaria. Até,
uma ou duas vezes, o fizera sentir-se como um deus. Talvez, no começo, ele pudesse ter
saído sem problemas, mas, durante o tempo em que ela ficou com toda aquela ladainha
elástica, ele ficou viciado nela como qualquer outro tipo de vício. Foi necessário um grave
caso – mesmo que temporário – de amnésia e o consistente carinho de uma górgona para
tirar Jace do vício.
E ainda assim, e ainda…
Sim, droga, havia muito mais em Liliana do que aquilo.

206
Ele tinha que acreditar que havia.
Claro, ela é atraente (ridiculamente, sedutoramente, fascinantemente,
misteriosamente atraente), mas ele não estava tão desesperado, não é?
Em algum lugar, enterrado dentro dela – tudo bem, sepultado poderia ser a melhor
palavra – Liliana Vess devia ter se importado com ele. Pelo menos um pouco.
Certo? CERTO?
E ele devia ter – devia ter – visto, abaixo dos seus impressionantes escudos defensivos
de egoísmo, egocentrismo e sex appeal, que ela tinha o potencial para o bem em seu âmago.
Só porque ela não tinha vivido aquele potencial – na verdade, o traíra, o próprio Jace e
as Sentinelas – não significa que o potencial não estava lá.
E se esteve lá, ainda poderia estar lá. E se ainda estivesse lá, como ele poderia matá-la
e roubá-la de qualquer chance de redenção?
Bem, o fato de que ela estava tentando colher cada planinauta (sem isenções óbvias
concedidas a Jace, Chandra, Gideon ou qualquer um de seus “amigos”) ajudava a justificar,
é claro. Mas não era apenas sobre a sua vida ou até mesmo sobre a vida dos seus amigos.
Ela estava cometendo um genocídio em Ravnica. Genocídio dos planinautas. Ela havia
prometido ajudá-los a derrotar Bolas, e em vez disso ela estava usando os poderes e a
liberdade que as Sentinelas tinham lhe ajudado a conseguir para assassinar um mundo, seu
povo e os planinautas para o dragão, mesmo sabendo o que era o dragão e o que ele faria
com o poder que ela estava o ajudando a adquirir.
Se eu achasse que poderia me arriscar a tentar falar com ela, tentar raciocinar com
ela…
Mas eles já passaram daquele ponto. Ela viu o que Bolas tinha feito em Amonkhet – a
devastação e perda de vida – e se aliara a ele mesmo assim. Ela fizera sua escolha. Ela devia
estar além de qualquer coisa semelhante a “raciocínio”.
Então, ela teria que morrer.
Vivien Reid era o único membro de sua pequena equipe a se opor ao plano – e só
porque ela odiava Bolas, que destruiu seu mundo natal. Ela preferia uma tentativa contra a
vida do próprio dragão. Porém, o restante concordou que eles não tinham o poder
necessário para matar o dragão à distância. Não, acabar com Nicol Bolas de vez seria com
Gideon e a Lâmina Negra a curta distância. Mas o caminho de Gideon teria que ser limpo
primeiro, e isso significava derrubar Liliana Vess.

207
O plano de Jace pedia que os quatro – Jace, Teferi, Jaya, Vivien – estivessem nos
telhados de quatro edifícios separados, equidistantes em quatro lados da Cidadela onde
Liliana estava, servindo Nicol Bolas e controlando seu exército mortal. A sincronização da
coisa tinha que ser precisamente coordenada, que era o trabalho de Jace. Ele havia ligado
todos os quatro psiquicamente, certificando-se, ao mesmo tempo, de que o ruído psíquico –
especificamente os gritos psíquicos dos mortos – abafariam sua comunicação, impedindo o
dragão de lê-los.
Em seguida veio Teferi, que, ao sinal de Jace, lançou um feitiço para desacelerar o
tempo para Liliana, que agora se moveria e, mais importante, reagiria lentamente aos seus
ataques.
Jaya disparou primeiro, um ataque piromântico preciso. Uma lâmina fina de chamas
para fazer um buraco no peito de Liliana. Jace duvidou se Liliana perceberia ou não. Ela não
precisara. Rostos indistintos e translúcidos, com a boca aberta em gritos silenciosos,
surgiram do Véu Metálico e conseguiram desviar o ataque de Jaya. O fogo ricocheteou em
seu mana de luz incolor e espirrou contra as pedras da pirâmide.
Essas emanações fantasmagóricas, Jace sabia, eram os espíritos Onakke que possuíam
o Véu e que também tinham projetos para a necromante. Mas aqueles espíritos nunca
haviam operado dessa maneira antes. Liliana nunca tinha permitido aquilo. Jace franziu a
testa, concluindo que o controle de Bolas sobre Liliana de alguma forma a libertara para
liberar o verdadeiro poder do Véu.
De trás de Vess, Vivien disparou uma flecha do seu Arco Bestial. Jace se viu torcendo
para que a flecha pudesse levar a vida de Liliana, rapidamente e (talvez) sem dor. Outro dos
Onakke, no entanto, desviou a flecha de seu alvo. No entanto, a flecha nunca foi a
verdadeira ameaça. Acertando a Cidadela, a flecha desencadeou o seu próprio espírito: um
lobo Skalla, que pulou, atravessou os Onakke e rasgou o braço esquerdo de Liliana, ferindo-
a seriamente.
Os Onakke se reuniram e tentaram manter o lobo espírito à distância – dando a Jaya e
Vivien a oportunidade de tentar novamente. Os Onakke bloquearam a maioria desses
ataques, mas, graças a Teferi, os ataques pareciam chegar mais e mais rápido, com mais do
que alguns poucos conseguindo passar pelos espíritos e causando danos significativos, ainda
que não letais.
Liliana estava queimada. Liliana estava perfurada. Liliana estava rasgada. Liliana
estava falhando. Jace reprimiu o desejo de salvá-la. Com um leve aceno do seu braço direito
bom, ela sacrificou vários Eternos voadores, jogando seus corpos na direção das chamas,
flechas e bestas espirituais. Usando o Véu, ela drenou outros Eternos, aplicando as energias

208
de suas profanas ressurreições para curar suas feridas quase ao mesmo tempo em que as
recebia.
Mas Jaya e Vivien eram implacáveis, e os pensamentos e as defesas desacelerados de
Vess e dos Onakke não conseguiam acompanhar o ritmo da ofensiva.
Liliana estava vulnerável, e Jace sabia que nunca teriam uma chance melhor. E embora
uma voz em sua cabeça estivesse praticamente implorando para ele parar os outros e acabar
com o seu tormento, ele sabia que os tormentos de Ravnica superavam o que quer que
Liliana estivesse sofrendo. Melhor acabar com isso.
Até agora, Jace não tinha participado diretamente.
Estou tentando fugir da culpa sendo apenas um participante passivo? Não. Este é meu
plano. Eu sou responsável por ele. Então pare de fingir o contrário.
Ele disparou seu próprio ataque – um ataque psíquico que chamou e segurou a atenção
de Liliana, enquanto Ballard e Reid davam mais dois ataques cada.
Ele ouviu seu momento de reconhecimento em sua mente: Jace? Jace, por favor…
As chamas de Jaya queimaram a pele do peito de Liliana – embora os Onakke
contornassem qualquer dano que fosse pior que queimadura.
A próxima flecha de Vivien afundou no ombro de Liliana. Uma aranha Skalla emergiu
e afundou as presas em seu pescoço.
Através de tudo, seus gritos mentais ecoavam dentro da cabeça de Jace. Mas ele a
segurou firme, impedindo-a de chamar os Eternos ou o próprio Bolas para ajudá-la.
Ela estava tentando dizer algo a Jace através da dor, mas ele não ouviria mais suas
manipulações.
Está funcionando… Droga.
Ela caiu em um joelho. Eles quase conseguiram… até a intervenção talvez inevitável
de Bolas. O dragão estava distraído pelas centelhas voadoras que estavam subindo em
direção a ele e se arqueando em sua gema espiritual. Ele estava olhando para o céu – e não
para sua serva Vess. Mas flechas e chamas foram suficientemente disparadas nas
proximidades de Nicol Bolas – inclusive em sua parte mais envolvida – e ele foi obrigado a
notá-las eventualmente.
E parecia que ele ainda tinha uma utilidade para Liliana Vess.
O dragão quase divino disparou quatro de suas próprias explosões mágicas. Cada uma
desmoronou os quatro edifícios em que os quatro assassinos estavam. Jace sentiu o telhado
desmoronar sob seus pés. Felizmente, com grande esforço, Teferi conseguiu, um após o

209
outro, fazer cada desmoronamento acontecer lentamente. Jace pulou de um pedaço de
alvenaria para outro, como se estivesse usando pedras para atravessar cuidadosamente um
rio. Ele pisou no chão e correu, estendendo-se com sua mente. Os outros três também
conseguiram sair vivos e ilesos.
Mas quando Jace olhou para cima, viu que Vess também sobrevivera. Ele pôde ver os
Onakke afugentando o último espírito animal do Arco Bestial. Ele pôde ver Vess absorver a
energia de mais Eternos para se curar. Ele pôde ver Bolas sorrir seu sorriso sem graça e se
virar, espetacularmente despreocupado pelos esforços de Jace e seus aliados.
Agora que o dragão fora alertado, não haveria uma segunda chance. Tudo o que eles
podiam fazer era recuar. Eles falharam.
E uma parte substancial de Jace Beleren estava feliz.

210
QUARENTA E OITO
LILIANA VESS
Dói.
Ela tinha sido queimada pelas chamas de Jaya, a pele chamuscada estava descascando
sobre seus músculos e tecido adiposo. Havia uma flecha enfiada no ombro direito. E aquelas
malditas bestas tinham ferido gravemente seu braço esquerdo e a perna direita – e arrancado
um pedaço substancial do pescoço dela, quase acertando as principais veias e artérias.
Ela estava de joelhos, respirando irregularmente. Ela olhou para Bolas acima, que
havia salvado sua vida. Ele não lhe deu qualquer atenção. Embora Liliana estivesse certa de
que o dragão tinha o poder necessário, curar sua lacaia era algo claramente abaixo dele – ou,
em qualquer caso, algo com o que ele simplesmente não se incomodaria.
Os Onakke chamaram-na em sussurros nada sutis, Liberte-se, Receptáculo. Liberte-se
para nós.
Ela os ignorou, deixando para trás a oferta deles de invocar o poder do Véu
diretamente. Então, ela drenou a essência de dois Eternos nas proximidades. Eles
praticamente se derreteram diante dela. Revestimentos de lazotep tilintaram contra a
Cidadela de pedra, mas os corpos ali contidos, enrijecidos pela morbidez, se espalharam
como bonecas de pano. Ela usou a energia deles como uma força de cura, reparando
primeiro seu pescoço, que parecia representar o maior risco, e seu peito em segundo lugar,
onde a queimadura causou mais dor – embora, claro, no momento em que a pele se curou, a
dor da perna e do braço tornou-se quase tão insuportável quanto a outra.
Ela foi forçada a convocar mais dois Eternos e forçada a esperar a caminhada
terrivelmente lenta até os degraus da Cidadela, até o seu alcance. Então ela também os
drenou para curar seus membros.
Puxar a flecha do ombro foi quase um extra. Ela gritou enquanto arrancava a ponta
farpada e caiu ao seu lado em uma poça do próprio sangue. Ela começou a tremer
descontroladamente. Ela não conseguia concentrar sua visão – muito menos seu poder –
para encontrar – muito menos convocar – outro Eterno. Mas sangue era sangue. Ela
conseguiu estender a mão e lamber algumas gotas de seus dedos. Foi. Humilhante. Mas foi
o suficiente. Seu poder necromântico se uniu ao sangue coagulante. Desafiando a gravidade,
ele se elevou, subindo do braço até o ombro dela. Logo as pedras estavam limpas e sua

211
ferida estava se curando. Ela se permitiu permanecer prona por mais alguns segundos, então
lentamente, com ternura, cautelosamente, começou a se levantar.
Ainda respirando com dificuldade, ela tentou recuperar sua dignidade. Um feitiço
simples limpou o seu rosto. Outro reparou e limpou seu vestido preto. Ela removeu o Véu
Metálico para silenciar seus sussurros – pelo menos temporariamente. Ela estava exausta,
mas era ela mesma novamente, Liliana Vess novamente.
Mas ainda doía.
Cada centímetro dela estava inchado e dolorido. Cada nervo parecia exposto e aberto.
Mas o que doía ainda mais do que seus ferimentos físicos era o eco de Jace Beleren em sua
mente.
Ele tentou me matar. Não era para me atingir. Não era para me impedir. Não era para
me convencer a parar. Nem mesmo para me deixar inconsciente. Ele apenas me queria
morta.
Claro, uma parte dela não se surpreendeu.
Por que eu deveria esperar misericórdia ou compreensão dos meus supostos amigos?
E, só por essa razão, por que eu deveria ter alguma misericórdia deles?
E ainda outra parte dela tinha que admitir que Jace e os outros tinham poucas escolhas
se eles queriam parar a carnificina.
Bolas me deixou sem escolha e eu, por minha vez, também os deixei sem escolha.
Uma terceira parte, enterrada profundamente, acreditava que ela merecia a morte.
Que tipo de vida será deixada para mim quando tudo isso acabar? E será que isso vai
acabar, ou passarei a eternidade como peão e brinquedo de Bolas? Talvez eu devesse ter
deixado eles me matarem.
E uma última parte – enterrada ainda mais fundo – derramou uma lágrima pela perda
do homem que ela conhecera e a amara, e a quem talvez, apenas talvez, ela também havia
amado…

212
QUARENTA E NOVE
TEYO VERADA
Teyo não tinha nenhum papel na cerimônia. Ele era apenas uma mosca na parede (ou o
que havia sobrado das paredes, já que eles estavam realizando o ritual nas ruínas da antiga
Embaixada do Pacto das Guildas). Rata ficou ao lado dele providenciando a narração, como
o comentarista de um jogo de diabo-na-areia, o que significa dizer que muito do que ela
falava já era conhecido ou óbvio, mas ela ajudava a tornar o evento mais divertido.
“Operação Desespero, o plano final do Mente de Fogo,” ela disse, “requer todas as dez
guildas, as linhas de força de Ravnica, os ossos carbonizados de Niv-Mizzet e aquela coisa.”
Ela estava apontando para um modelo de bronze de uma cabeça de dragão – a cabeça
de Niv-Mizzet, para ser mais específico – sendo conduzida à frente pelo goblin Izzet
Varryvort. “É chamado de Receptáculo do Mente de Fogo e encerrará seu espírito quando
convocado de onde quer que esteja residindo atualmente – supondo que isso dê certo, o que
é, considerando o nome do plano, algo que pode ser difícil de acontecer, não é?”
Varryvort gentilmente colocou o receptáculo sobre os ossos enegrecidos de Niv.
“Veja, o Plano A foi dar ao Mestre Niv-Mizzet o poder de lutar contra Bolas. Isso não
deu certo, e você pode ver o resultado final. Plano B – o Farol – falhou também. Este é o
Plano C, eu acho. A menos que eu tenha perdido a conta. Então, ali, o Mestre Zarek está se
consultando com a Senhorita Revane. O Senhor Beleren diz que ela é uma especialista em
linhas de força. Que ela tem uma conexão mágica com elas. Então, Mestre Zarek está
explicando o que eles precisam fazer.”
Ral e Nissa Revane estavam falando muito baixo para Teyo ou Rata decifrarem as
palavras. Mas quando Ral ficou em silêncio, Rata também ficou. Nissa então começou a
estudar o problema por seis longos minutos, durante os quais ela permaneceu
completamente imóvel, assemelhando-se mais a uma estátua pintada do que um ser vivo.
Durante esse intervalo, Varryvort veio para ficar ao lado de Teyo. Sem poder enxergar Rata,
ele teria tropeçado em cima dela, mas a garota se desviou para o outro lado de Teyo.
Finalmente, Nissa balançou a cabeça, dizendo, “Pode ser possível. As linhas de força foram
interrompidas pela Ponte Planar, mas com a Ponte desaparecida, eu acredito que posso
consertá-las e ajudar Ravnica a se reafirmar.”
“Bem, isso é promissor, pelo menos,” Rata disse com um sorriso. “Agora tudo o que
temos a fazer é esperar que o resto dos representantes das guildas se reúnam.”

213
Ral, Kaya e Vraska já estavam presentes, embora cada um dos três tinha se tornado
mestre de guilda a menos de um mês. Lavínia foi a próxima a chegar. Desde que Dovin
Baan fugiu, ela agora estava atuando como mestre de guilda do Senado Azorius, uma
posição que ela ocupava há cerca de cinquenta e dois minutos.
Hekara, recentemente ressuscitada como bruxa sanguinária e Emissária do Culto de
Rakdos, literalmente fazia estrelinhas ao redor da câmara dizimada, sinos tilintando nas fitas
de couro de sua roupa. Os olhos violetas de Rata se alargaram: “Ela é tão legal!” Então seus
olhos violetas se entristeceram, assim que Hekara girou perto dela novamente.
Ainda assim, Teyo observou (e não pela primeira vez), Rata era muito resiliente.
Quando Borborigmo, líder dos Clãs Gruul, chegou com os pais de Rata, Ari e Gan Shokta, a
mãe de Rata sorriu para a filha, apontando Rata para Gan Shokta e os ciclopes. Ambos
olharam para o espaço ao lado de Teyo até que eles conseguissem ver a garota. Os olhos
violetas de Araithia Shokta se iluminaram como duas estrelas. “Minha mãe também é bonita
e legal,” ela disse.
Emmara Tandris, campeã do Conclave Selesnya, chegou com Boruvo, que trocou
alguns rosnados perigosos com os seus ex-companheiros de clã Gruul, que pareciam
considerá-lo um traidor por ter mudado de guilda. Teyo se preparou, pronto para criar um
escudo para evitar uma briga. Mas um olhar severo de Rata repreendeu o centauro, o ciclope
e seus pais. “Não podemos todos apenas nos dar bem?” ela disse. Eles assentiram sem muita
relutância.
Em seguida veio Vannifar, oradora principal do Conluio Simic, acompanhada por
Vorel.
Então Aurélia, mestre de guilda da Legião Boros, voou para dentro, ainda quente da
batalha.
Apenas quando todos os outros mostraram seus rostos, o mestre de guilda Lazav da
Casa Dimir revelou que estava lá o tempo todo – bem ao lado de Teyo e Rata – saindo da
forma metamorfoseada do goblin Varryvort.
“Droga, Lazav!” Ral disse em uma voz cortante e perigosa. “O que diabos você fez
com o verdadeiro Varryvort?”
Lazav “tranquilizou” Ral com um sotaque preguiçoso: “Seu chefe quimiomante está
dormindo. Ele vai ficar bem amanhã de manhã – supondo que isso aqui funcione, e que
qualquer um de nós esteja bem amanhã de manhã.”
Nissa parecia desconfortável, e Rata cutucou Teyo com o cotovelo. Ele olhou para ela,
sem saber o que ela queria. “Ajude a elfa,” ela sussurrou.

214
Ele balançou a cabeça e deu um passo à frente, dizendo: “Se todo mundo puder se
reunir em torno da Senhorita Revane.”
Kaya se aproximou e Nissa indicou silenciosamente onde precisava que a mestre de
guilda Orzhov ficasse de pé. Este processo foi repetido por sua vez com Hekara, Ral,
Lavínia, Lazav, Aurélia, Borborigmo, Vannifar, Vraska e Emmara. Houve alguns resmungos
– e considerável desconfiança entre os vários representantes da guilda, com Lavínia e
Vraska quase chegando aos tapas quando Nissa as colocou uma ao lado da outra. Mas Nissa
finalmente abriu a boca e declarou, “Deixe-me esclarecer isso: sem um ato perfeito de
unidade de cada guilda em conjunto, o plano não tem chance de sucesso. Vocês devem
deixar todas as queixas – mesquinhas ou não – atrás de vocês.” O ato de dizer aquela
quantidade de palavras em sequência pareceu esgotar visivelmente a elfa, mas elas
cumpriram o objetivo. Logo, os dez representantes das guildas estavam sobre um círculo
levemente torto ao redor de Nissa, dos ossos e do Receptáculo do Mente de Fogo. Os
poucos remanescentes presentes – Teyo, Rata, Boruvo, Vorel, Ari e Gan Shokta – estavam
em uma espécie de moita do lado de fora do círculo. Ari parecia olhar Teyo de cima a baixo.
Ela franziu a testa um pouco em um olhar reminiscente daqueles concedidos ao acólito pelo
abade Barrez. Aparentemente, Teyo Verada não tinha passado no teste de amigo confiável da
filha de Ari Shokta.
“Vocês estão sobre as antigas linhas de força do Pacto das Guildas,” Nissa disse,
puxando a atenção de Teyo de volta para o assunto em questão.
“O que exatamente tem a ver com os ossos de dragão?” perguntou Aurélia em um tom
decididamente desconfiado.
A elfa novamente pareceu desconfortável, e Ral deu um passo à frente antes de
rapidamente recuar quando Nissa olhou para ele em frustração por deixar seu local
designado. Ele disse, “Estamos aqui para ressuscitar o Mente de Fogo como o novo Pacto
das Guildas Vivo.”
Aparentemente, isso era novidade para cerca de metade dos líderes de guilda.
Vorel gritou: “O quê?” e Aurélia rosnou: “Então é disso que se trata?” mais ou menos
ao mesmo tempo. Borborigmo rugiu junto com os dois.
Lavínia resmungou, “Nós já não tentamos, quando ele estava vivo? O que faz você
pensar—”
Hekara disse, “Não se chama Operação Desespero por acaso.”
Ral ergueu as mãos e disse, “Nós tentamos, e nós falhamos. Mas os mesmos termos se
aplicam. Jace Beleren perdeu o poder de Pacto das Guildas Vivo. Precisamos desse poder

215
para derrotar Nicol Bolas. Se tivermos sucesso aqui, Niv-Mizzet se erguerá novamente para
esse poder e o usará contra o Dragão Ancestral. Então o Mente de Fogo deixará de ser o
mestre de guilda Izzet e, como um dos mais antigos, sábios e veneráveis paruns de Ravnica,
assumirá este novo papel como árbitro imparcial de todas as dez guildas e dos Sem-Portão.
Os deuses sabem que dificilmente ele conseguirá fazer um trabalho pior do que Beleren.”
Lavínia, Vraska e Emmara franziram a testa ao último comentário, mas o restante
parecia, a contragosto, reconhecer a verdade daquilo e aceitaram.
Rata sussurrou no ouvido de Teyo, “Que bom que ele se lembrou dos Sem-Portão. Nós
sempre somos esquecidos quando os grandes figurões se reúnem para conversar sobre
negócios de guildas.”
Hekara estava praticamente saltando para cima e para baixo, dizendo, “Eu nunca fiz
parte de um elenco de todas-as-guildas. Agora estou feliz que o Chefe não quis vir ele
mesmo.”
Aurélia balançou a cabeça e zombou, “O demônio não podia se incomodar em salvar
Ravnica, então Rakdos enviou um de seus lacaios.”
Rata sussurrou novamente no ouvido de Teyo, “A Legião Boros sempre foi intolerante
a Rakdos.”
Eu não posso imaginar o por quê, Teyo pensou, lembrando os horrores enjaulados,
malabaristas de caveiras e sangue. Especialmente o sangue.
Hekara balançou o dedo para Aurélia. “Não é nada disso. O chefe não me enviou em
seu lugar. Eu vim totalmente sem a sua permissão.”
Vraska sorriu. “Hekara, se estamos sendo honestos aqui, você veio claramente contra
os desejos dele.”
“Exatamente!”
Isso iniciou outra rodada de reclamações e recriminações. Emmara e Vannifar se
voltaram para Ral, exigindo saber como ele esperava qualquer tipo de sucesso quando o
mestre de guilda homônimo do Culto e parun não estava a bordo.
Aurélia disse, “Até mesmo tentar isso é praticamente inútil.”
Hekara, reagindo como uma criança que foi pega roubando doces, tentou recuar de sua
anterior rebeldia alegre. “Não me entenda mal. O chefe está apoiando totalmente essa
empreitada.”
Aurélia a olhou como uma mãe que pegou seu filho roubando doces “Agora ele está?”
“Ah, sim, completamente. Inteiramente. Provavelmente.”

216
Ral entrou em cena (verbalmente – ele não estava prestes a se mover de seu local
designado e arriscar outro olhar de Nissa): “Podemos muito bem dar uma chance. A
cerimônia só vai levar…” Ele parou com um olhar questionador para Nissa Revane.
“Cinco minutos no máximo,” ela respondeu. “Assumindo que funciona em todos.”
Kaya disse: “Cinco minutos? O tempo é precioso, mas por cinco minutos nós não
podemos deixar de tentar.”
Nissa olhou em volta do círculo. Um por um, cada um dos dez assentiu de acordo,
alguns com entusiasmo, alguns com determinação, alguns com considerável relutância.
Mas, todos eles assentiram.
Longe de parecer entusiasmada, determinada ou relutante, uma Nissa aparentemente
sem emoção disse, “Todos, respirem fundo.”
Teyo inalou e exalou profundamente.
Rata riu. “Eu acho que ela só estava falando com as pessoas no círculo.”
Ele corou intensamente.
“Ah, olha só. Você é tão fofo quando está envergonhado.”
Ele corou mais intensamente.
“Sim, assim mesmo!”
Enquanto Teyo lutava para recuperar a compostura, Nissa começou a entoar – muito
baixo para Teyo ouvir. De onde ela estava, ao lado dos ossos e do Recipiente, linhas
começaram a se acender sob seus pés. Linhas pretas. Linhas azuis. Linhas verdes. Linhas
vermelhas. Linhas brancas. Então, de repente, as linhas dispararam em múltiplas direções,
formando círculos concêntricos sob os pés dos dez representantes. Teyo ficou
instantaneamente fascinado com a geometria e procurou acompanhar quais linhas se
conectavam com quais representantes. Ele observou que todos os representantes tinham dois
círculos coloridos abaixo deles, e tanto quanto ele podia dizer não havia duas combinações
iguais. Kaya, por exemplo, foi cercada por um círculo branco e um círculo preto. Linhas
pretas conectadas ao círculo preto de Kaya formavam círculos idênticos em torno de Vraska,
Lazav e Hekara. O segundo círculo de Hekara era vermelho, que a conectava a Borborigmo,
Aurélia e Ral. O segundo círculo de Ral era azul, conectando-o a Lavínia, Lazav e Vannifar.
O segundo círculo de Vannifar era verde, ligando-a a Borborigmo, Vraska e Emmara. O
segundo círculo de Emmara era branco, conectando-a a Lavínia, Aurélia e de volta a Kaya.
Era tão intrincado e perfeito.
O abade aprovaria, Teyo pensou.

217
No momento em que o acólito notou todas as conexões, os onze participantes da
cerimônia haviam caído em algum tipo de transe, ostentando onze olhares vazios. De
repente, uma luz dourada saiu de vinte e um olhos cegos. A Operação Desespero foi ativada.
Um portal sem cor – como água clara – se abriu acima do Receptáculo do Mente de Fogo, e
uma fumaça fina de azul e vermelho emergiu e desceu, como se sugada do portal para o
Receptáculo. Os ossos se inflamaram, chamas amarelo-brilhante e alaranjadas subiram alto
– e emitiram luz suficiente para cegar Teyo, Rata, Vorel, Boruvo e os Shoktas. Teyo
levantou a mão para proteger seus olhos e, apertando-os, viu que Nissa estava engolfada no
fogo. Envolvida mas não em chamas. Impossivelmente, a elfa não gritou, não se contorceu e
nem se queimou. A chama se expandiu dos ossos, do Receptáculo e de Nissa para abranger
também os dez líderes de guilda. E, assim como Nissa, eles não mostravam sinais de serem
queimados pelo fogo. Ainda em transe, eles nem pareciam notar.
Infelizmente, outra coisa aconteceu.
Rata o avistou primeiro, apontando para cima e gritando sobre o rugido do fogo: “Nós
temos companhia!”
Conforme a luz do fogo brilhava mais e mais, ela atraiu a atenção de Kefnet, o Deus-
Eterno de um só braço, que atravessou a praça em enormes avanços e foi logo pairando
sobre as ruínas da antiga embaixada, olhando para baixo na Operação Desespero, ainda em
andamento.
Teyo nem sequer pensou. Ele nem mesmo entoou. Quando o único punho maciço de
Kefnet desceu na direção deles, o jovem mago dos escudos ergueu ambas as mãos e
manifestou uma meia esfera de luz sobre todos os dezessete presentes. Mas o acólito nunca
havia criado um escudo grande daquele jeito em lugar nenhum, e quando o punho de Kefnet
o acertou, o escudo quase não conseguiu segurar – e Teyo ficou abalado, atordoado. Ele
abraçou seus joelhos, e Rata impediu que ele se envergonhasse.
“Você conseguiu,” ela sussurrou. “Continue fazendo isso.”
Ele assentiu entorpecido e levantou os braços novamente.
Outro golpe desceu. O escudo de luz se espatifou no impacto mas impediu o punho de
Kefnet de fazer contato com qualquer um deles. Teyo gemeu e tentou limpar a cabeça.
Atordoado como estava, no entanto, ele não conseguiria invocar a geometria para –
literalmente – salvar sua vida. O próximo golpe esmagaria todos eles.
Mas Teyo havia garantido a Nissa e aos líderes de guilda o tempo que eles precisavam.
O ritual foi completado sob seu escudo. Mana suficiente tinha sido filtrado através dos
participantes para fluir através e ao redor dos ossos e do Receptáculo do Mente de Fogo. As
chamas amarelas e alaranjadas tinham se transformado em dourada e incendiaram as

218
fumaças azuis e vermelhas dentro do Receptáculo. A fumaça havia queimado brevemente
roxa antes das chamas douradas oprimirem todas as outras cores. A labareda pareceu tomar
forma e se solidificar em torno dos ossos do dragão, preenchendo-os, transformando-os de
esqueleto para uma criatura viva.
E então Niv-Mizzet renasceu, com escamas de ouro brilhante para combinar com o
brilho dourado que emanava de seus olhos. Um decágono foi gravado – queimado, na
verdade – em seu peito, e esferas mágicas de preto, azul, verde, vermelho e branco giravam
em torno dele, como cinco planetas orbitando o sol.
Rata, que ainda estava segurando o peso de Teyo, disse, “Isso é diferente.”
Teyo ainda não conseguia falar. Seus olhos rolaram para cima em sua cabeça, apenas a
tempo de ver o punho de Kefnet descendo em direção a eles.
Mas bem a tempo de segurar aquele punho estava o novo e supostamente aperfeiçoado
Mente de Fogo. Niv-Mizzet abriu as asas e lançou-se em direção ao Deus-Eterno. Suas asas
douradas brilhavam com uma luz dourada, e a amplitude de sua subida decepou o punho de
Kefnet na altura do pulso. Ele aterrissou como um pedregulho a três metros atrás de Teyo,
Rata e dos outros, tremendo o chão, mas sem causar mais danos.
Kefnet, cabeça de íbis, girou seu único membro incompleto na direção de Niv-Mizzet,
mas o dragão desviou facilmente do golpe, batendo as asas para se elevar sobre o Deus-
Eterno. Então Teyo viu o Mente de Fogo abrir sua boca enorme; seus incisivos superiores e
inferiores se roçaram, gerando uma faísca, que acendeu a baforada de Niv. Uma
interminável torrente de chamas engolfou Kefnet, incinerando o que restava de sua carne e
derretendo o revestimento de lazotep do Deus-Eterno em uma chuva fundente que caiu três
metros à frente de Teyo, Rata e dos outros, crepitando contra o chão, mas novamente sem
causar mais danos.
Ari e Gan Shokta aplaudiram. Vorel rosnou com óbvia satisfação. Boruvo grunhiu do
mesmo jeito. Rata sorriu e Teyo lutou para não desmaiar. Ari se ajoelhou ao lado de sua
filha e, colocando um mão quente e áspera no ombro de Teyo, disse: “Seu garoto foi bem,
Araithia.”
Agora foi a vez de Araithia corar. “Ele não é meu garoto,” ela disse. “Ele é meu
amigo.”
“Ele pode te ver e pode te proteger.”
“Eu não preciso de proteção.”
“Todos nós precisamos de proteção de vez em quando. Só não precise disso com muita
frequência.”

219
“Nenhuma, mãe.”
Os onze estavam apenas começando a sair de seus transes. Ral balançou a cabeça para
clarificar e depois olhou para cima… bem a tempo de ver Niv Mizzet pousar.
O dragão caiu três metros à esquerda de Teyo, Rata e dos outros, balançando o chão –
e quebrando todas as suas esperanças. Niv estava ali, respirando pesadamente e mal se
mexendo. Uma asa parecia dobrada embaixo do corpo dele em um ângulo tão desajeitado
que era quase doloroso de se ver.
Gan Shokta disse: “É isso? O grande poder do novo Pacto das Guildas Vivo já foi
gasto ao lidar com um único Eterno maneta?"
Ral parecia atordoado, e todo mundo parecia ferido, irritado ou ambos. De repente, a
noção de que Niv teria de alguma forma o poder para derrotar o próprio Nicol Bolas agora
parecia tola e, bem, desesperada.

220
ATO III

221
CINQUENTA
RAL ZAREK
Tudo o que tentei falhou. Tudo.
Ral foi forçado a deixar a segunda versão do catatônico Mente de Fogo exatamente
onde ele estava – no chão, em meio às ruínas da Embaixada do Pacto das Guildas Vivo.
Com todas as energias místicas do dragão ressuscitado gastas na morte de um capanga
zumbi gigante, ele ficou um pouco decepcionado. Niv poderia se recuperar. Ele talvez não.
Mas sua condição atual só parecia demonstrar uma maldição que ele sentia atuar sobre ele.
Talvez tenha sido seu serviço anterior para Bolas – antigo, mas decididamente acabado –
que havia comprometido sua alma e colocou todos os seus esforços sob uma nuvem escura
de, bem, diga: MALDIÇÃO. Talvez ele simplesmente não merecia – nunca mereceu – tudo
pelo que ele trabalhou, pelo que ele lutou. Quem poderia questionar? Mas os resultados
finais eram indiscutíveis. Falha. Falha. Falha. Uma atrás da outra.
Até os pontos brilhantes pareciam cheios de algo escuro. O retorno de Vraska, por
exemplo. Ela estava lutando ao lado deles agora, mas já tinha lutado do seu lado antes,
apenas para traí-los no final e apoiar o Dragão. O que o fazia pensar que agora ela era mais
confiável? Nada. Nada além do desejo de acreditar nela porque ele precisava acreditar nela.
E Hekara? Era maravilhoso ela estar de volta. Viva. E ela parecia ser a mesma maluca de
antes. Mas ainda assim, ainda assim… algo havia mudado nela. Ele não queria ver. E ele
também não conseguia exatamente apontar. Como uma bruxa sanguinária, certamente, agora
ela tinha mais autoridade. Mais poder. Mas não era só isso. Houve momentos em que seus
olhos se fixaram em uma direção, como se ela pudesse ver algo que o restante não
conseguia. Ele queria chamar de paranoia, uma reação natural ao medo de todos os seres
vivos da morte e dos mortos-vivos. Mas uma parte dele sabia que ele precisava manter um
olhar atento em sua amiga.
Alguém estava falando. Ral percebeu que ele estava encarando o chão da Casa do
Senado de Azorius, onde os líderes das forças combinadas anti-Bolas se reuniram mais uma
vez, talvez pela última vez. Ele olhou para cima. Gideon, o planinauta absurdamente bonito
de Theros estava dizendo alguma coisa. Ral tentou se concentrar, para ouvir.
Gideon: “Sempre vai girar ao redor da batalha. Tentar ressuscitar Niv-Mizzet foi um
esforço que valeu a pena, mas mesmo com a sua ajuda, ainda teríamos que lutar. Então, tudo
bem, nós não temos a ajuda do Mente de Fogo. Mas as coisas estão longe de

222
desesperançosas aqui. Nós reduzimos a horda Eterna. Destruímos metade dos Deuses-
Eternos do dragão. Agora precisamos terminar isso usando a Lâmina Negra em Bolas.”
Ral se percebeu concordando. Jura falou com tanta confiança, tanta autoridade. O
próprio tenor de sua voz – barítono, na verdade – era reconfortante.
“O plano, desta vez, é bem simples. No atual momento, Bolas recuou a maior parte de
suas forças para sua Cidadela. Então, vamos responder lançando um ataque massivo de duas
frentes. No chão, cada membro de guilda, cada planinauta – ora, cada ravnicano que puder
segurar uma arma – encetará um completo ataque frontal. Com tudo o que temos. Tudo de
uma só vez. Todos. A menos que você possa voar ou pegar carona em alguma coisa que voe.
Em seguida, enquanto o ataque terrestre mantém os Eternos ocupados, Aurélia, eu e o resto
de nossas forças aéreas combinadas atacaremos por cima. Usarei minha invulnerabilidade
para chegar mais perto. Então eu vou golpear Bolas com a Lâmina Negra. E tudo estará
acabado.”
Ral não estava mais assentindo. De fato, apesar do impressionante carisma de Gideon,
Ral Zarek ficou chocado com a ingenuidade do guerreiro.
“Tudo estará acabado.” Certo. Simples assim.
Ele estava prestes a falar, para injetar alguma realidade (francamente pessimista) na
situação, quando ouviu Tomik pedir uma espada para Lavínia.
Ral atravessou a multidão e puxou Tomik para o lado. “Você não é um lutador.”
Tomik disse, “Somos todos lutadores hoje.”
Ral sacudiu a cabeça com veemência. “Você não precisa fazer isso. Eu farei isto. Mas
eu não posso me concentrar se você estiver por aí.”
Tomik olhou para ele por um longo momento… depois disse, “Você é um planinauta.
Os Eternos podem sentir sua centelha. Você se apresenta como um alvo muito mais atrativo
do que eu. Além do mais… supere.”
Ral não se “superou”. Ele ficou apavorado por Tomik. Apavorado que a maldição sob
a qual ele vivia ditasse que sua participação condenaria o plano de Gideon ao fracasso. Só
que desta vez, essa falha incluiria a morte de Tomik Vrona.
Tomik leu o rosto de Ral e balançou a cabeça, como se dissesse, Não há nenhuma
maldição em você; pare de se preocupar.
Então ele agarrou a mão de Ral, e eles se viraram para ouvir enquanto um por um, as
Sentinelas renovavam seus juramentos…

223
Gideon Jura começou, levantando a Lâmina Negra mais uma vez: “Nunca mais. Em
qualquer mundo. Esse é o meu juramento: pelo Portão Marinho, por Zendikar, por Ravnica
e todo o seu povo, por justiça e paz, eu serei uma sentinela. E depois que Bolas cair, quando
qualquer novo perigo surgir para ameaçar o Multiverso, estarei lá com as Sentinelas ao meu
lado.”
Jace Beleren foi mais breve: “Nunca mais. Pelo bem do Multiverso, eu serei uma
sentinela.”
Então Chandra Nalaar falou: “Cada mundo tem seus tiranos, seguindo seus próprios
desejos, sem preocupação com as pessoas que eles pisam. Então eu digo nunca mais. Se isso
significa que as pessoas vão poder viver em liberdade, eu serei uma sentinela. Com todos
vocês.”
Teferi entonou: “Por tempos imemoriais, os fortes têm atormentado os fracos. Nunca
mais. Pelos perdidos e esquecidos, eu serei uma sentinela.
Então, sorrindo para os outros, Ajani Juba D'ouro rosnou o seu: “Eu vi tiranos cujas
ambições desconheciam limites. Criaturas que se intitulavam deuses, pretores ou cônsules,
mas pensavam apenas em seus próprios desejos, não daqueles que governaram. Populações
inteiras enganadas. Civilizações mergulhadas na guerra. Pessoas que estavam simplesmente
tentando viver sendo vítimas de sofrimento. De morte. Nunca mais. Até que todos tenham
encontrado seus lugares, eu serei uma sentinela.”
Finalmente, esses cinco se voltaram para olhar Nissa Revane. Ela parecia relutante em
falar. Então ela olhou para Chandra, que estava mordendo o lábio e olhando ansiosa de volta
para Nissa.
A elfa sorriu?
Se sorriu, veio e foi em um instante. Ela deu um passo à frente e falou com uma voz
suave e clara, como um sino: “Eu vi um mundo devastado, a terra reduzida a pó e cinzas. Se
deixado desprotegido, o mal vai consumir tudo em seu caminho. Nunca mais. Por Zendikar
e a vida que ela nutre, por Ravnica e pela vida de todos os Planos, eu serei uma sentinela.”
Chandra parecia uma adolescente tonta, pronta para pular para cima e para baixo. Mas
verdade seja dita, apesar de cínico e derrotista como Ral se sentia naquele momento, os seis
juramentos eram mais do que um pouco inspiradores.
Gideon olhou através da multidão e perguntou, “Alguém mais?”
As pessoas se entreolharam ou olharam para o chão. Jaya sorriu um pouco. Karn
cruzou os enormes braços de prata. Por um segundo parecia que Kaya estava prestes a falar
– antes de perder a coragem. Ninguém deu um passo à frente. Ninguém falou.

224
Ral olhou para Tomik e pôde ver a determinação nos olhos dele. Ral sabia que ele não
seria capaz de dissuadir o homem que amava de lutar. Então houve um momento em que
Ral estava quase tentado a fazer seu próprio juramento, um juramento muito mais pessoal e
singular.
Então Lavínia entregou uma espada a Tomik e o momento passou.

225
CINQUENTA E UM
CHANDRA NALAAR
Gids e Jace procuraram Chandra. Segurando seu braço, eles a levaram para longe da
multidão, para o único lugar onde poderiam ter um pouco de privacidade: atrás do cadáver
pedregoso de Ispéria.
“O que é?” ela perguntou, um pouco alto demais.
Jace gesticulou com as mãos para ela diminuir o volume.
Ela respirou fundo e perguntou: “O que é isso?” em um tom consideravelmente mais
baixo.
Gideon disse, “Temos um trabalho especial para você. Nós queremos que você retorne
a Nova Prahv e ligue o Sol Imortal novamente.
“O quê?” ela gritou novamente. “Você sabe como foi difícil desligar aquela porcaria?”
Eles trocaram um olhar que parou sua indignação.
Ela se inclinou e sussurrou: “Você não confia que os outros planinautas não vão
fugir?”
Jace balançou a cabeça. “Não é isso. Precisamos do Sol para fazer o trabalho que ele
foi criado para fazer. Para evitar que Bolas fuja.”
Gids concordou: “De um jeito ou de outro, isso acaba hoje.”
“Bem, então mande outra pessoa,” ela disse. “Porque você está louco se acha que vou
perder essa luta.”
Então, Gideon realmente gargalhou. “Nenhum de nós pensou isso em nenhum
momento.”
Jace disse: “Leve quem você precisar. Coloque o Sol em funcionamento e deixe uma
guarda forte. Então nós vamos agradecê-la na batalha.”
“Eu não sei,” Chandra reclamou. “Bolas quer o Sol ligado. Eu nem tenho certeza se
isso é uma boa ideia.”
“Parece uma boa ideia para mim.” Todos os três se viraram e olharam para cima. Um
sorridente Dack Fayden estava sentado nas costas de Ispéria. “Desculpa. Não quis
bisbilhotar.”

226
Chandra zombou. “Olhe onde você está sentado. Claro que você quis bisbilhotar.”
“Bem, sim. Eu vi as poderosas Sentinelas isolarem-se atrás da esfinge morta, e fiquei
um pouco curioso.
“Só um pouco?” Jace perguntou, levantando uma sobrancelha.
“Só um pouco,” confirmou Dack. “Olha, eu sei que não faço parte dessa reunião de
estratégia, mas vou dar minha opinião assim mesmo. Ninguém quer passar por isso
novamente. E se Bolas fugir, você sabe que todos nós também vamos fugir. Estou com o
grandalhão,” Dack apontou para Gideon. “De um jeito ou de outro, isso acaba hoje.”
Gideon e Jace se voltaram para Chandra. Seus ombros afundaram. “Tudo bem,” ela
disse.
Minutos depois Chandra tinha Saheeli Rai ao seu lado e um pequeno esquadrão dos
mais resistentes membros de guilda que ela pôde encontrar atrás de suas costas. Então,
respirando fundo, ela se aproximou de Nissa.
“Você faria—” ela começou.
“Qualquer coisa,” Nissa respondeu.
Chandra sorriu, e juntas elas partiram novamente para Nova Prahv.

227
CINQUENTA E DOIS
VRASKA
Enquanto caminhavam em direção à praça, Vraska aproximou-se dele por trás. Eles
ainda não tiveram a oportunidade de conversar. Ela não tinha certeza do que ele sabia – não
tinha certeza de como ele reagiria – mas ela queria, precisava, se confrontar com ele.
“Jace,” ela disse, engasgando.
Ele se virou, parou e sorriu. Ele gentilmente envolveu sua mão atrás da nuca dela e
encostou sua testa na dela. “Olá, Capitã,” ele sussurrou.
Sua confiança nela seria responsável por quebrar seu coração.
Acabe logo com isso! ela gritou internamente, então sussurrou, “Você não sabe o que
eu fiz.”
Ele disse, “Na verdade, eu sei. Mas não é sua culpa. Você não tinha todas as suas
memórias e eu cheguei tarde demais.”
Ela inclinou a cabeça para longe da dele e sussurrou novamente: “Definitivamente
você chegou tarde demais. Mas a verdade é que eu tinha todas as minhas memórias. E isso
não mudou nada.”
Ele encolheu os ombros. “Olha,” ele disse, “eu já tentei matar uma ex hoje. Podemos
prorrogar a angústia para depois que Bolas ou nós estejamos mortos?”
Ela sorriu com tristeza. “Ah, eu sou uma ex agora?”
“Espero que não,” ele disse, parecendo em pânico.
“Não temos que ser alguma coisa antes de podermos ser ex?”
“Espero que sim,” ele disse. “Hum, a primeira parte, não a segunda.”
Ele parecia tão vulnerável. Ela se lembrou daquela expressão do seu tempo juntos em
Ixalan. Jace no seu estado mais inseguro – e mais adorável. Era difícil deixar de lado,
francamente. Mas ela não queria jogar, não queria ser outra Liliana Vess em sua vida. Ela
disse, “Então amanhã nós vamos tentar… depois que Bolas ou nós estivermos mortos?”
“De um jeito ou de outro?”
“De um jeito ou de outro.”

228
Ele assentiu. “Combinado. Mas, novamente, estou esperando pela primeira opção, não
pela segunda.”
“Combinado.”
Ela pegou a mão dele. Ela viu Ral Zarek olhando para os dois. Ela sabia que o
relacionamento – ou o que quer que fosse aquilo – de Jace com a infame górgona que
assassinou Ispéria não ajudaria muito a lustrar a já danificada reputação do Pacto das
Guildas Vivo, isso era certo. Mas se isso não o incomodava – e parecia que não, já que ela
viu um Jace sorridente oferecer a Ral um pequeno aceno de gozação – então ela também
não deixaria isso incomodá-la.
Amanhã, se vivermos, faremos uma tentativa.
De repente, Vraska queria muito viver.

229
CINQUENTA E TRÊS
CHANDRA NALAAR
O esquadrão de Chandra era incrivelmente eficiente. Dois ogros e um gigante
ajudaram Saheeli a alinhar o Sol Imortal. Eles preencheram a parte derretida do estrado
derramando e batendo os restos derretidos de tópteros caídos no buraco. Saheeli garantiu
que o estrado estivesse novamente nivelado, e seus três enormes ajudantes ergueram o Sol
no lugar.
No entanto, ele não se ativou imediatamente. Chandra sabia que ela ainda poderia
transplanar se quisesse. E se ela poderia, Bolas também.
Por que Jace me enviou? Ele é quem saberia se Azor tinha algum feitiço para fazer a
coisa funcionar de novo.
Chandra forçou seu cérebro, tentando descobrir o que fazer. A resposta veio
rapidamente – mas ela resistiu. Não porque ela não queria fazer, mas porque ela queria um
pouco demais.
Mas não havia como fugir disso.
Ela pediu a ajuda de Nissa e mais uma vez subiu no Sol Imortal.
Imediatamente, ela sentiu o impulso.
Mas desta vez eu não vou deixar isso me dominar. Nem mesmo por um segundo.
Ela se concentrou. Profundamente. Tentou se lembrar de tudo o que Jaya Ballard tinha
lhe ensinado. Ela sentiu a pedra do Sol sob seus pés. Tentou se unir a ela. Azor sacrificou
sua centelha para ativar sua criação em Ixalan, e Chandra não tinha intenção de fazer aquilo.
Mas ela tinha certeza de que não era chamado de Sol por nada.
“AFASTEM-SE, TODO MUNDO.” Sua voz ecoou em seus próprios ouvidos, como a
de um deus.
Um pouco atordoados, todos eles concordaram, dando alguns passos para trás.
Chandra respirou fundo… e acendeu seu corpo inteiro, de dentro para fora. Ela não
sacrificaria sua centelha, mas com certeza a usaria para alimentar suas chamas. Ela queimou
tão brilhantemente, que os outros tiveram que cobrir seus olhos e dar mais alguns passos
para trás. Ela moveu o núcleo da sua chama do peito até o estômago, até o útero. Ela a levou
até suas pernas, até os pés, e então, com um último empurrão, dirigiu sua chama para dentro
da pedra.

230
Instantaneamente, ela acendeu. Mais uma vez, sua luz irradiava em direção ao céu e
com ele a tentação de seu poder.
Descendo do Sol, Chandra tinha certeza de que tinha funcionado, mas para testar, ela
tentou transplanar para Kaladesh. Por apenas um segundo ela viu o novo apartamento de sua
mãe. Mas ela foi puxada de volta como um estilingue e mais uma vez se encontrou em Nova
Prahv, com o brasão de Azor brilhando acima de sua cabeça.
Sucesso.
Sucesso?
Ela não gostou muito de ficar presa novamente em Ravnica. Mas sabia porque tinha
feito aquilo. Bolas tinha que morrer. Hoje. E se ele pudesse escapar, se ele pudesse 'planar,
eles nunca o pegariam e o matariam.
Gids havia dito: “De um jeito ou de outro, isso acaba hoje.”
Minutos depois, Nissa cercou o estrado com uma verdadeira floresta de carvalhos,
incluindo dois grandes elementais de árvores, que ela colocou de guarda. Na verdade,
Chandra e Nissa deixaram toda a sua comitiva – Saheeli, ogros e gigante – de guarda e
voltaram rapidamente em direção à batalha.
Quando deixaram Nova Prahv para trás, Chandra sorriu para Nissa. E Nissa sorriu de
volta. Tudo parecia tão certo, Chandra simplesmente sabia que eles venceriam.

231
CINQUENTA E QUATRO
DACK FAYDEN
Ele se juntou à batalha. Dack Fayden estava extremamente amedrontado. Lá estavam
eles, lá estava ele, correndo em direção à Cidadela, a maioria dos exércitos bradando gritos
de batalha (ou o que quer que aquela gritaria deveria ser) a plenos pulmões coletivos. O
dragão pairava no topo da pirâmide, suas asas abertas, aquele maldito ovo flutuando entre
seus chifres, ainda coletando centelhas roubadas voando dos planinautas mortos.
Os planinautas que não morreram estavam lado a lado com guerreiros das guildas,
enfrentando a silenciosa Horda Medonha.
Era o caos. Verdadeiro caos. Como os pesadelos que ele tinha antes de Ravos e os
mortos de Theros terem acabado com a maldição do sono de Ashiok.
O que eu estava pensando? Isto não é lugar para um ladrão respeitável!
Ainda assim, Dack ficou aliviado ao observar que os dois lados estavam mais
equilibrados do que ele havia esperado. Havia, sem dúvida, menos Eternos do que havia
antes e – graças a ele, Karn, Samut, Sarkhan e, sim, Ob Nixilis – não estavam chegando
mais reforços.
Dack tinha corrido para a praça sob a sombra do enorme Borborigmo, que estava
varrendo a área à frente de ambos com duas enormes maças, literalmente quebrando Eternos
na esquerda e na direita. O ciclope forneceu a Dack alguma proteção e permitiu que ele
cuidasse dos Eternos que já estavam danificados. Muitos aliados por perto para arriscar usar
o feitiço que fazia a Horda Medonha ver centelhas em todos os lugares. Era provável que
um Eterno mistificado atacasse alguém que realmente tinha uma centelha como se fosse um
dos seus. Mas Dack descobriu que o revestimento metálico de lazotep respondia a um tipo
específico de feitiço de um artífice que ele havia dominado há muito tempo. Ele
magnetizava o lazotep, fazendo com que dois Eternos se chocassem um contra o outro e,
bem, grudassem. Em suas tentativas de se libertar, eles geralmente tropeçavam e caíam,
causando consideráveis danos um ao outro – e, de qualquer forma, eles ficavam expostos
para serem atacados. Dack então poderia se mover e acabar com ambos os Eternos com uma
espada emprestada. Era um trabalho horrível, mas eficaz.
Ocasionalmente, ele olhava para cima e via outro guerreiro fazendo seu próprio
trabalho. Samut corria em alta velocidade através das fileiras Eternas, cortando cabeças com
suas lâminas curvas. Dack estava longe demais para ouvi-la falar, mas ele sabia, com

232
certeza, que a cada cabeça removida, outro Eterno teria, pelo ponto de vista dela, “sido
libertado.”
Dack apunhalou um de seus Eternos magnetizados na testa, girando a lâmina até que a
criatura parasse de se contorcer. Erguendo-se, ele viu Vorel cruzar o campo de batalha em
um ritmo constante e determinado. Dack tinha ouvido falar que o biomante Simic tinha sido
um líder dos Clãs Gruul, e agora, lutando de perto, suas origens bárbaras ficaram
ferozmente expostas conforme ele usava uma maça biomântica para captar o que quer que
havia restado de carne nos Eternos, virando-os do avesso. A explosão resultante de vísceras
e lazotep era ao mesmo tempo horrível e – dadas as circunstâncias – bastante animadora.
Dack seguiu em frente. Ele permitiu que Borborigmo ficasse muito à frente dele. Ele
se sentiu exposto, mas viu Karn não muito longe, esmagando a cabeça de um Eterno entre
suas mãos de metal. Ele fez o seu caminho em direção ao golem de prata, sabendo que Karn
protegeria sua retaguarda. Ele viu um Eterno mancando em direção a ele, um que a maça do
ciclope já tinha danificado. Seu peito estava parcialmente afundado e um braço pendia do
ombro por um fio de carne. Ainda assim, a criatura serviria para o truque. Identificando um
Eterno fisicamente capaz, ele usou seu feitiço para magnetizá-los. O Eterno ferido tropeçou
sobre outro, e ambos caíram no chão praticamente aos pés de Dack. Ele desceu sua espada
com força suficiente para cortar a cabeça do Eternal inteiro.
“Bom trabalho,” gritou Ajani enquanto passava sem diminuir a velocidade.
Dack gritou seu agradecimento, mas Ajani já estava longe demais para ouvi-lo sobre o
barulho da batalha. O planinauta leonino carregava um machado de lâmina dupla e não tinha
vergonha de usá-lo em um Eterno atrás de outro.
Dack passou um momento longo demais admirando a eficiência de Juba D'ouro.
Quando se virou, ele encontrou o Eterno destruído alcançando seu pé com a mão boa,
segundos antes de agarrar a centelha de Dack e sua vida. Enquanto Dack considerava usar
sua espada ou transplanar – aquele momento de indecisão quase ditou o seu fim.
Felizmente, uma mão forte segurou seu ombro por trás e o arrancou para longe do
perigo. Era Karn, claro, que rapidamente esmagou a ofensiva mão estendida do Eterno sob
seu pé e, em seguida, desceu um punho de prata como um martelo para estilhaçar o crânio
do Eterno no chão.
Não havia – a experiência agora dizia a Dack – tempo para agradecimentos. Eles
trocaram sorrisos tortos por um breve momento, e então voltaram para a luta.
Determinado agora a manter seu foco, Dack escolheu dois Eternos – dois que ainda
estavam a uma distância segura – e lançou seu feitiço. Eles se chocaram e caíram a tempo

233
de Kaya mergulhar seus dois longos punhais fantasmas em cada um dos seus cérebros. Ela
continuou em frente, flanqueada por dois gigantes Orzhov.
Dack então escolheu mais dois Eternos e repetiu o processo. Desta vez eles
continuaram a arrastar-se para a frente agarrando o pavimento com os dedos mortos. Dack
se movimentou e cortou as quatro mãos, para que não estendessem o braço e o agarrassem
enquanto ele estava acabando com eles. Então ele balançou a espada para cortar uma das
cabeças. A espada se alojou na coluna da criatura, falhando em concluir a tarefa. Um
nervoso Dack passou alguns preciosos segundos arrancando-a e fazendo uma segunda
tentativa, mais bem-sucedida.
No momento em que ele terminou, outro Eterno já estava sobre ele. Mas ele manteve a
calma e enfeitiçou o lazotep que adornava a criatura, que foi puxada para trás, ancorando-a
aos dois Eternos no chão.
Aquilo foi tão incrivelmente eficaz, ele tentou de novo. E de novo. E novamente. Logo
havia uma enorme massa de Eternos emaranhados em uma pilha diante dele. Foi rápido,
elegante, perfeito e repetitivo.
Quase como roubar.
Ele permitiu-se um momento para se orientar. Karn ainda estava nas costas dele. Uma
tropa de magos Izzet estava usando lança-chamas nos Eternos – e chegou perto de queimar
Jace Beleren no processo. Jace gritou um aviso psíquico que soou alto no cérebro de Dack.
Outra safra de Eternos atacou – e foi interceptada por Encarceradores Azorius.
Nunca pensei que ficaria feliz em vê-los.
Os Azorius finalmente entraram em campo por insistência de sua nova mestre de
guilda em exercício, Lavínia, que os liderava para a frente.
Enquanto magnetizava outro Eterno para a pilha e avistava assassinos Dimir e cultistas
Rakdos destruindo uma falange Eterna inteira, Dack percebeu que estava testemunhando
uma batalha como nenhuma que ele já tinha visto antes – como nunca tinha ouvido falar
antes nas histórias ou lendas. E ele estava lá, firme. Ele não se via particularmente como um
homem que se estabeleceria e teria filhos, mas enquanto esfaqueava os olhos dos Eternos
empilhados, ele pensou que um dia gostaria de ter alguns netos em seus velhos joelhos
artríticos para contar-lhes este conto épico – e a parte de seu avô nele.
Ele olhou para cima, para encontrar sua próxima vítima – mas ele tinha sonhado
acordado por um segundo a mais. Novamente ele se viu frente a frente com um Eterno,
estendendo a mão para o seu braço, tentando agarrar sua centelha. E mais uma vez uma mão
forte em seu ombro o puxou de volta, para que o Eterno agarrasse apenas a manga da roupa

234
de Dack, que se rasgou: um sacrifício que Dack estava mais do que disposto a fazer –
embora sua jaqueta cara agora fosse uma causa totalmente perdida. Ele se virou para sorrir
para seu salvador, supondo que fosse Karn.
Mas seu salvador não era Karn. Seu salvador não era nem um salvador. Ele foi
agarrado por um maldito Eterno. Horrorizado, ele enfeitiçou o lazotep e seu crânio
magnetizado foi puxado abruptamente para trás, quebrando o pescoço, deixando a cabeça
frouxamente pendurada atrás dos ombros. Mas a coisa não soltou seu agarrão. Dack podia
senti-lo. Ele estava colhendo sua centelha. Era hora de transplanar.
Saia antes que seja tarde demais!
Mas já era tarde demais. Ele podia sentir isso. O Sol Imortal tinha sido reativado. Ele
estava preso em Ravnica com os dedos de um Eterno cravados em seu braço. Ele tentou
erguer sua espada para cortar a mão do Eterno, mas descobriu que não tinha forças para
segurar a espada. Os dedos se afrouxaram, e ele vagamente ouviu a arma bater nas pedras
do pavimento.
E então veio a dor. Dor excruciante. Ele achou que deveria estar gritando, mas ele não
conseguia ouvir nada; mesmo o grande estrondo da batalha tinha desaparecido, enquanto
sua visão também se escurecia. Ele não podia ouvir, não podia ver, não podia nem cheirar.
Mas ele ainda poderia sentir. Passada a dor horrível, ele podia sentir o Eterno alcançar
aquilo que fazia Dack ser quem ele era e tomá-la. Parecia que suas entranhas estavam sendo
arrancadas. Como se seu corpo estivesse sendo drenado de todos os fluidos, de todos os
tecidos moles, deixando apenas pele e ossos. De fato, o que a criatura estava fazendo era
muito, muito pior. Sua essência, sua alma. Sua centelha. Estava sendo puxada e arrancada.
Por um momento, a escuridão foi iluminada por uma luz roxa brilhante.
Ele murmurou, “Por favor…”
Ele pensou em Domri Rade. Ele pensou em Atha. Em Sifa Grent. E em Marsh.
Ele pensou em Mariel. Ele pensou que talvez ele podia sentir uma lágrima rolando em
sua bochecha e brevemente se perguntou por quem exatamente ele chorava. Ele esperava
que fosse por ela. Foi a última coisa que ele esperou. A última questão que ele se perguntou.
Aquela lágrima foi a última coisa que ele sentiu.
Felizmente, a dor desapareceu.

235
CINQUENTA E CINCO
LILIANA VESS
Liliana Vess estava tendo um pouco de dificuldade para decidir por quem torcer. Claro,
ela odiava Bolas com uma paixão vermelha, branca e negra e queria vê-lo morto por mais
razões do que poderia contar. Mas ela estava pensando se os “mocinhos” poderiam perdoá-
la.
Sim, ela se considerava uma mestre manipuladora.
Mas existem limites.
E a tentativa contra sua vida expusera o seu limite. Se Bolas cair, seus “amigos”
podem não lhe dar para ela fazer sua “mágica” neles. E com o Sol Imortal reativado – pois,
de fato, ela podia sentir o peso de seu misterioso aprisionamento assim que voltou – ela não
seria capaz de transplanar.
Não, para sobreviver a uma vitória das Sentinelas, ela teria que fazer algo
espetacularmente redentor de antemão, algo que realmente os fizesse pensar duas vezes
antes de matá-la.
E esse é o problema, não é?
Não havia nada que ela pudesse fazer para trair Bolas que faria alguma diferença. Não
sem morrer. E morrer praticamente acabaria com o propósito.
Então, para quem eu torço?
Ela assistiu as centelhas dos planinautas mortos e colhidos espiralando-se na gema
espiritual entre os chifres do dragão. Então, seus olhos se focaram em algo além deles. O
Parélio II estava avançando.
Com um gesto místico, ela deslocou sua visão. Pelos olhos da Deusa-Eterna Oketra,
Liliana achou que podia ver o próprio Bifão em pé, no convés do dirigível – ao lado de um
pégaso. Ele praticamente se lançou nas costas do animal alado e desembainhou a Lâmina
Negra.
Olhe para isso. Ora, se o Bifão não nasceu para montar um cavalo alado.
Liliana observou ele acenar para um anjo; o anjo acenou de volta. Uma corneta soou.
Anjos desceram dos conveses do Parélio II. E eles não estavam sozinhos: Cavaleiros
Celestes Boros e Viajantes Equestres élficos de Selesnya cavalgavam mais pégasos, grifos e
águias. Magos Izzet montando esferas de vôo de mizzium dispararam em direção à luta ao

236
lado de goblins Izzet em patinetes voadores e fadas Izzet montando pipas-labaredas. Um
único pequeno dragão hipersônico voou lado a lado com um dragonóptero, um dragonete de
vapor, um dragonete de safira, um dragonete do vento e um nadador celeste Simic, que
normalmente estaria tentando comer os outros. Mas não hoje.
Juntos, eles estavam derrotando o pouco que restava dos Eternos que cobriam o céu.
Liliana sabia que deveria jogar mais Eternos no combate aéreo, mas a maioria estava
ocupada lidando com o ataque terrestre. (E por que aquilo parecia emocioná-la um
pouquinho?) Claro, ela poderia usar Oketra e Bontu; as Deusas-Eternas certamente
poderiam causar danos consideráveis ao batalhão voador de Gideon. Mas ela hesitou,
usando a justificativa de que a melhor maneira de parar uma serpente alada era cortando sua
cabeça. Ela havia perdido a posição de Bifão entre o ataque de voadores que se aproximava
– mas Bolas não.
Sua voz agora divina atravessou sua mente, causando dor considerável. CUMPRA
SEU DEVER, ele ordenou. USE OKETRA CONTRA JURA. AGORA! ANTES QUE ELE
TRAGA AQUELA MALDITA ESPADA PARA MAIS PERTO.
Novamente ela olhou pelos olhos mortos de Oketra, avistando Gideon em questão de
segundos. Liliana levantou um arco imaginário e Oketra seguiu o exemplo com o seu arco
real-até-demais. Elas sincronizaram a pontaria em Gideon. Juntas, elas soltaram uma flecha
do tamanho de um dardo. Mas no último segundo, Liliana… hesitou?
Mesmo ela não tinha certeza. Mas a flecha de Oketra não acertou Gideon. Em vez
disso, seus quase dois metros de comprimento empalaram a montaria. O pégaso ferido
morreu sem gemer e caiu do céu; Gideon, ainda segurando a Lâmina Negra, despencou
junto com ele, para longe do seu campo de visão.
Bolas estava com raiva: COMO VOCÊ PÔDE ERRAR?
Liliana estremeceu: Sua raiva parecia um espeto de ferro atravessando seu cérebro.
Eu não errei, ela pensou de volta para ele. Gideon é invulnerável. Disparar contra ele
teria pouco efeito. Matar sua montaria, por outro lado…
Bolas pareceu acreditar em sua explicação. Pelo menos, ele a aceitou sem reprimendas
adicionais.
Liliana se perguntou se ela também acreditava em sua explicação. E Liliana se
perguntou se mesmo o poderoso e invulnerável Gideon Jura poderia sobreviver a uma queda
daquela altura…

237
CINQUENTA E SEIS
KAYA
Tomik, pensou Kaya, é um idiota com uma espada. Pior que isso, ele é um burocrata
com uma espada.
Mas ela não pôde deixar de admirar ele e seus esforços. Ou o jeito que Ral explodia
cada Eterno que se aproximava a menos de um metro e meio dele.
Ela tinha amigos, amigos de confiança, aqui e agora. Mas ela não tinha alguém para se
importar daquele jeito – amar daquele jeito – desde Janah. Ela não sentia falta de Janah, mas
ela sentia falta daquele sentimento.
Mas agora não era a hora de pensar em Janah ou em amor. Agora não havia tempo para
perder o foco. Havia Eternos para matar. Eternos que poderiam matá-la.
Kaya estava passando muito mais tempo em sua forma fantasma do que nunca. Mais
tempo, honestamente, do que era seguro para seu coração. Ela se espectralizava através de
um Eterno, materializava sua mão e apunhalava sua lâmina fantasma através de seu crânio.
Então ela espectralizaria sua mão enquanto materializaria seus pés, a fim de manter seu
coração batendo enquanto se movia para outra das criaturas. Mas a urgência, a ameaça e a
miríades de distrações inerentes à batalha fizeram com que ela se tornasse mais imprudente
do que o habitual. Ela fora, afinal, treinada como uma assassina, não como um grupo. Seu
trabalho era cuidar de indivíduos, não de exércitos. Ocasionalmente, ela errava o ritmo e
ficava completamente espectrificada por mais que alguns segundos; ela podia sentir seu
coração pular uma ou duas batidas antes de conseguir se materializar o suficiente para
começar a bombear novamente. Era como ter vários minúsculos ataques cardíacos, e ela
sentia a fadiga e a tensão resultante se aproximando. Além disso, ainda havia aqueles
malditos contratos Orzhov sobrecarregando-a. Tomik – graças às suas habilidades
burocráticas – devia ter feito algo para reduzir o puxão deles, mas o peso permanecia;
apenas parecia um pouco menos opressivo.
Felizmente, seus amigos aqui-e-agora a protegiam. Era quase assustador como este
batalhão de diferentes planinautas e ravnicanos tornou-se uma máquina bem regulada de
matar Eternos.
Rata, tendo pegado um machado de sua mãe emprestado, caminhava de um Eterno
para o outro e os derrotava sem sequer ser notada.

238
“Bem,” Rata gritou sobre o barulho, “crescer entre os Gruul serviu para alguma coisa!
E crescer com a minha condição particular às vezes conta muito mais!”
Rata ficou boa parte do seu tempo protegendo Kaya – mas uma parte ainda maior
protegendo Hekara. Na verdade, Kaya assistiu a jovem ser a sombra da bruxa sanguinária,
que se segurava muito bem para uma morta e nunca percebia quantas vezes sua segunda
vida estava sendo salva pela amiga que ela não podia mais enxergar.
Kaya olhou de relance para Teyo, que tinha chegado por conta própria. Ele podia ter
pouca capacidade ofensiva – além de jogar uma ocasional mini-esfera de luz sólida em um
adversário – mas ele estava alerta, rápido e pronto com seus escudos para defender todos
entre suas fileiras que se encontravam em apuros.
E então, de repente, o garoto com pouca habilidade ofensiva descobriu que ele poderia
usar seus escudos como um aríete, esmagando os Eternos, preparando-os para Borborigmo,
Kord ou Vorel.
Vraska, enquanto isso, lutava como um demônio – um demônio com algo a perder, ou
com uma nova razão para viver. Ela usava seu cutelo como uma lâmina cirúrgica e usava a
magia górgona de seu olhar para transformar os Eternos que ela não fatiava em estátuas de
pedra. Às vezes, no calor das coisas, ela fazia as duas coisas.
Jace criou múltiplas ilusões de si mesmo para atrair Eternos até onde estavam
posicionados Ajani, Jaya e Karn para serem massacrados, enquanto eventualmente usava
sua telecinesia para fazer o trabalho por si mesmo.
Teferi criou bolhas de tempo lento ao redor dos Eternos, desligando-as apenas quando
Lavínia, Boruvo, Ari ou Gan Shokta estavam em posição para destruí-los.
Qualquer que fosse o conflito entre Sorin Markov e Nahiri, aparentemente – e
felizmente – foi postergado por enquanto. Enquanto Sorin arrancava as cabeças dos Eternos
com força assustadora, Nahiri formava espetos de pedra para empalar três ou quatro de cada
vez.
No entanto, apesar do óbvio sucesso de sua força, a luta não era nem simples e nem
fácil. E as pessoas estavam morrendo. Kaya viu um planinauta chamado Dack ser colhido, e
ele não foi o único planinauta a cair.
Ainda assim, se essa batalha fosse apenas sobre os Eternos, ela estaria se sentindo
bastante confiante sobre uma vitória vindoura. Mas é claro, os Eternos eram apenas o
sintoma.
A grande e má doença Bolas ainda estava sentada em seu trono, absorvendo uma
centelha atrás da outra.

239
Não, os Eternos eram apenas bucha do canhão de Bolas. E todo mundo na luta sabia
disso. Então, quando Gideon e Aurélia trouxeram as forças do céu para a batalha, ela
aplaudiu ao lado de todo mundo. Gideon empunhava a espada que poderia pôr fim a tudo
isso – pôr fim a Nicol Bolas. Kaya quase podia saborear a esperança palpável irradiando
dela e de seus companheiros no solo quando o viram.
E ela pôde sentir o desespero palpável quando o pégaso de Gideon foi alvejado, e ele
caiu – com a Lâmina Negra e tudo – atrás da Cidadela e longe da visão…

240
CINQUENTA E SETE
JACE BELEREN
Houve uma pausa na batalha quando Gideon caiu. Um hiato que afetou não apenas os
aliados de Jura no chão, mas também o inimigo. Por um momento os Eternos pareceram
hesitar, o que Jace atribuiu ao cérebro complicado de Liliana Vess. O momento não durou
muito, é claro. A batalha foi continuada em ambos os lados. Jace avistou um dos seus
ilusórios chamarizes serem atacados por um Eterno e respondeu com uma fúria que
surpreendeu até a si mesmo – ele dilacerou telecineticamente a criatura atacante em duas.
Sim, Jace estava furioso. Desesperado, até. Não era a queda de Gideon em si. Jace
conhecia Gideon há tempo suficiente para acreditar que cair de um cavalo – mesmo de um
cavalo com asas a trinta metros de altura – não poderia matá-lo. Mas aquele cavalo era a
melhor chance de Gideon para alcançar Bolas…
Até que não era mais.
Jace primeiro viu a fumaça. Então as chamas. Então o enorme demônio alado com a
coroa de fogo.
A bruxa sanguinária Hekara bateu palmas, tilintou seus sinos e aplaudiu em voz alta
para seu profano mestre da guilda: “Pega ele, Chefe!” Ela se virou para Ral, Kaya, Vraska e
gritou: “Numfalei que ele estava a bordo. Ele ama esse plano!”
Rakdos. Profanador. Demônio. Mestre de Guilda. Parun. Senhor dos tumultos. Grande
como um dragão, com braços e pernas musculosos e proporcionais como algum tipo de
gigantesco lutador therosiano. Dois pares de chifres, um par se arqueando para cima, para
fora e para trás como os de um boi, o outro para baixo e curvando-se como os de um enorme
carneiro. Olhos amarelos ardentes. Dentes de navalha, presos juntos em um sorriso ricto.
Uma barba de esporas ósseas emergindo de uma mandíbula larga. Asas de morcego. Cascos
de cavalo. Pele vermelho-sangue vestida com correntes e crânios. Em sua testa, uma coroa
de chamas. Aqui estava um mal à altura de qualquer outro.
Mas ele estava à altura de Nicol Bolas?
E então, claro, Jace avistou Gideon, montado no alto da cabeça do demônio.
Erguendo-se de dentro das próprias chamas da coroa de Rakdos, a aura branca de
invulnerabilidade de Gideon devia tê-lo protegido do fogo do inferno, mas de onde Jace
estava, Gideon Jura parecia apenas ser o centro incandescente da chama infernal.

241
Gideon ainda tinha a Lâmina Negra desembainhada e pronta, e como uma criança Jace
ficou extasiado pelo herói e pelo demônio, assim que o último voou alto e depois mergulhou
precipitadamente em direção à Cidadela e seu mestre, seu rugido ecoando pela praça.
O rugido foi um erro.
Ele chamou a atenção de Bolas. O dragão se virou a tempo e lançou um feitiço
incapacitante que explodiu as costas de Rakdos.
Mas Gideon saltou sobre a explosão, usando o impulso de Rakdos para mergulhar em
direção a Bolas com a Lâmina Negra pronta para acertar.
Jace prendeu a respiração quando Gideon, com as duas mãos na empunhadura, dirigiu
a espada em direção à ruga entre os olhos de Bolas.
Aquela espada já era conhecida por matar um demônio maior, um Deus-Eterno e até
mesmo um Dragão Ancestral como Nicol Bolas.
É isso. Isso vai acabar com ele. Até mesmo Liliana não continuará essa luta assim que
Bolas estiver morto.
E o golpe desceu, Gideon empurrou a arma para baixo com toda a sua não-desprezível
força…
E a Lâmina Negra simplesmente se estilhaçou contra a testa do invencível Deus-
Imperador.
E estilhaçadas com a Lâmina Negra: as esperanças de cada alma viva em Ravnica.

242
CINQUENTA E OITO
GIDEON JURA
Gideon viu.
Pouco antes de ele dirigir a espada para baixo.
Aquela sugestão de sorriso no rosto do dragão, aquela sensação de triunfo nos olhos do
monstro.
Então Gideon Jura não ficou tão surpreso quanto se poderia esperar quando a Lâmina
Negra se estilhaçou.
Enquanto a dor rasgava através de seus braços – estilhaços da antiga lâmina mística
destroçando sua aura de invulnerabilidade como se mal existisse – Gideon caía em meio aos
fragmentos de sua arma quebrada, inútil, aterrissando pesadamente no teto da cidadela.
A última coisa que ele ouviu antes de perder a consciência foi o riso do dragão Nicol
Bolas.
Ele está rindo de nós… rindo…
E depois…
Apenas escuridão.

243
CINQUENTA E NOVE
NICOL BOLAS
FOI QUASE FÁCIL DEMAIS, pensou BOLAS.
ESPALHE A NOTÍCIA QUE A LÂMINA NEGRA MATOU UM DRAGÃO
ANCESTRAL.
TORNE SUFICIENTEMENTE DIFÍCIL ENCONTRAR A COISA, ASSIM ELES
APRECIARÃO SEU VALOR.
DÊ-LHES UM DOS DEMÔNIOS DE LILIANA PARA MATAR COM ELA, ASSIM
ELES ACREDITARÃO NA INQUESTIONÁVEL FORÇA DA SUA PODEROSÍSSIMA
ARMA.
ACREDITEM NELA O SUFICIENTE PARA QUE NUNCA SE INCOMODEM EM
PROCURAR OUTRA COISA.
E ASSISTA ENQUANTO ELES COMPROMETEM TUDO O QUE TÊM PARA UM
ATAQUE QUE ABSOLUTAMENTE DEPENDA… DA ÚNICA ARMA QUE ESTAMOS
TOTALMENTE PREPARADOS PARA REPELIR.
O DRAGÃO riu com cada fibra mental, espiritual e física do seu ser.
SIM, A LÂMINA NEGRA UMA VEZ MATOU UM DRAGÃO ANCESTRAL.
E POR CAUSA DESSE FATO, NÓS GARANTIMOS MILÊNIOS ATRÁS QUE ELA
NUNCA PODERIA. NOS. MATAR.
Com um sorriso satisfeito, BOLAS olhou para Jura, pateticamente lutando por sua
consciência, seus braços destroçados agora eram massas sangrentas de pele e estilhaços
negros.
Aquilo fez BOLAS rir de novo. Rir alto o suficiente para o arrepiante som passar em
sua poderosa gema espiritual e ecoar através de todo o Multiverso, causando terrores
noturnos em crianças e paralisias do sono em adultos, a maioria não sabia absolutamente
nada dessa batalha, nada de Ravnica, nem mesmo de seu futuro DEUS-IMPERADOR e
MESTRE, NICOL BOLAS.
ELE instruiu Vess a enviar Bontu e Oketra para terminar as coisas.
FAÇA AMBAS PISOTEAREM O TERRENO ATÉ QUE NADA SE MOVA EMBAIXO
DE SEUS PÉS.

244
NÓS JÁ NOS DIVERTIMOS, declarou DEUS-BOLAS. AGORA NOS CANSAMOS DA
IMPERTINÊNCIA DAS FORMIGAS.

245
SESSENTA
LILIANA VESS
Então é isso, pensou Liliana, tentando desesperadamente ignorar seus próprios
sentimentos não resolvidos em relação ao Bifão e ao resto das Sentinelas, que em breve
estariam morrendo ao seu redor. Mais fácil se concentrar em si mesma do que em Gideon e
no que sua amizade e confiança significou para ela, poderia significar para ela, inclusive
agora.
Então, tudo bem. Concentre-se em você, Liliana. A Lâmina Negra foi estilhaçada.
Gideon está morto – novamente – embora ele provavelmente sobreviverá. Com sua
invulnerabilidade, ele é provavelmente o único planinauta – além de você mesma – que
sobreviverá à purga gananciosa de Bolas. Mas agora não há como parar o dragão. O que
significa que eu serei sua escrava ad infinitum.
Por mais de cem anos, o único objetivo de Liliana era aumentar sua expectativa de
vida e seu poder – com custo zero para si mesma. Então, agora ela tinha poder, um tremendo
poder, e porque o dragão tinha uma utilidade para ela (e completo controle sobre ela) uma
sólida chance de viver para sempre.
E foi aí que Liliana teve um momento de clareza.
Esta não é uma vida que vale a pena viver. Servir Nicol Bolas pela eternidade é ainda
menos atraente do que… do que… Era difícil para ela até mesmo completar o pensamento
…do que morrer.
Ela olhou para baixo em um Gideon inconsciente, seus dois braços eram massas
sangrando. Os cacos da Lâmina Negra se espalhavam sobre ele. Seus olhos se contorceram
com a visão. Sua boca ficou seca. Na verdade, ela sentiu… coceira. Rubor. Uma gota de
suor escorreu de sua bochecha.
Não, isso não pode estar certo. Liliana Vess não sua como uma cozinheira qualquer.
Então, talvez, realmente, fosse uma lágrima verdadeira. Mas se fosse, por quem
exatamente ela estaria chorando?
Sério? Eu realmente estou fazendo isso?
Ela realmente estava. Mana negro circulou ao seu redor apesar da compreensão certa
de que violar seu contrato significava morte certa.

246
Bolas, distraído por seu triunfo sobre Gideon e o restante de suas enganações, não
notou instantaneamente sua mudança de vontade. Ele havia ordenado que ela enviasse
Bontu e Oketra para acabar com sua oposição.
“Formigas impertinentes,” ele havia os chamado. Ele ainda não tinha visto
impertinência.
As duas Deusas-Eternas restantes não atacaram os ravnicanos e planinautas. Elas não
esmagaram aquelas formigas. Em vez disso elas ficaram paradas. Na verdade, cada Eterno
em Ravnica parou de lutar e ficou quieto.
Agora Bolas notou. VESS, ele pensou a ela, e a única sílaba de seu próprio nome
atingiu seu cérebro como uma pedra, empurrando-a um ou dois passos para trás. NÓS
REALMENTE PRECISAMOS TE ADVERTIR SOBRE O QUE ACONTECERÁ POR ESSE
ATO FÚTIL?
Ela o ignorou. Até sorriu, enquanto Oketra, Bontu e todo maldito Eterno virou-se para
marchar em direção a Nicol Bolas.
Ela se perguntou o que Jace pensaria disso. Ela se perguntou quanto tempo demoraria
para ele perceber o que estava acontecendo.
Ele apreciaria ainda mais isso.
Mas ela disse a si mesma que não estava fazendo isso por ele. Nem por ele, Chandra
ou Gideon. Se matar todos eles pudesse libertá-la, ela não sabia o quão baixo poderia se
afundar a serviço de Bolas. Mas não poderia haver liberdade para ela; agora ela sabia disso.
Então ela poderia muito bem aproveitar o pouco tempo que ainda restava…
“Bolas,” ela gritou, embora soubesse que ele estava lendo cada pensamento, “alguém
já te disse que você tem uma cabeça notavelmente chata? Você tem sorte de ter esses chifres
e essa gema espiritual para distrair as pessoas, porque eu nunca vi uma cabeça mais chata
em toda a minha vida! Eu estava querendo te dizer isso há décadas: sua cabeça é muito,
muito, muito chata!”
Por um breve momento, ela pôde sentir sua atordoante confusão sobre o insulto tolo à
sua vaidade enquanto flutuava por sua consciência. Foi curta e seguida por seu imenso
desprezo à sua mesquinha grosseria sem sentido. Mas por apenas um segundo…
Ah, isso foi divertido! Quase fez tudo valer a pena. Quase…
Os Eternos marcharam em direção ao dragão. E as repercussões foram praticamente
instantâneas. Não para ele, claro. Mas para ela. Dos seus olhos e mãos resplandeceram a
magia púrpura e negra que exercia seu controle sobre o exército de mortos-vivos de Bolas.
Mas com a quebra do seu contrato, um calor vulcânico começou a queimar através de suas

247
tatuagens, que rapidamente se tornaram rachaduras em sua pele e revelaram o ardente poder
que rapidamente a consumia de dentro para fora. E de fora para dentro. Liliana começou a
literalmente descamar. Ela podia sentir, ver, cheirar. Suas roupas. Sua pele. Ela agora era
uma testemunha de sua própria desintegração.
Bolas balançou a cabeça, quase com tristeza, embora ela soubesse que ele não estava
triste por ela. Ele simplesmente achava que ela estava triste, o que era dizer, patético.
Sua voz soou em sua cabeça uma última vez: QUE DESPERDÍCIO.
Seu poder irradiava como a pura energia mágica que mantinha Oketra e Bontu à
distância.
Liliana lutou para manter o controle. Se pudesse aguentar apenas um pouco mais, ela
poderia empurrar as Deusas-Eternas através da barreira do dragão.
Tudo o que era preciso era um toque… apenas um toque… um agarrão… e eles
poderiam colhê-lo como ele colheu tantos outros hoje…
Mas o tempo estava se esgotando. Liliana Vess estava morrendo, por suas próprias
mãos, por uma causa que ela não conseguia ver acontecer, para ajudar pessoas – amigos –
que provavelmente morreriam amaldiçoando o nome dela…
Então ela sentiu uma mão em seu ombro. Meio pensando que era um Eterno
desgarrado que Bolas havia mandado para colher sua centelha, ela se virou.
Era Gideon, sangrando por ambos os braços, mas alto, bonito e sorrindo para ela.
Ela viu quando ele estendeu sua invulnerabilidade para ela, sobre ela.
Não, ele não está estendendo aquilo… ele está dando de presente.
Ela se percebeu pensando, Pare. Se você fizer isso, você vai assumir meu fardo – sem
proteção. Isso vai te matar. E você não precisa morrer. Você é a única pessoa que não
precisa morrer.
Ele apenas sorriu de novo e balançou a cabeça. Alguém pensaria que ele era Jace, seus
pensamentos pareciam tão claros: Muitos morreram para impedir Bolas. Deixe-me ser o
último.
Gideon, por favor…
Ele sussurrou, “Eu não posso ser o herói desta vez, Liliana, mas você pode.”
Liliana brilhou com a invulnerabilidade de Gideon – pura luz branca, que a manteve
íntegra, consertou suas costas, reabasteceu e a deixou completa.

248
Em troca, a magia negra mortal de seu contrato quebrado rastejou até a mão de
Gideon, transferindo-se dela para ele. Suas tatuagens brilhavam na pele retalhada de seus
braços. Ele acendeu, descamando, como ela estava poucos segundos atrás.
Faça valer a pena, ela o ouviu dizer, pensar ou algo assim.
Olhando para trás por cima do ombro, lágrimas agora definitivamente rolando sobre
suas bochechas, ela assentiu para ele – ou pretendia.
Atrás dela, Gideon estava morrendo. Embora dificilmente fosse do tipo empática,
Liliana podia sentir sua agonia… Ele levantou a cabeça, fechou os olhos e UIVOU…

249
SESSENTA E UM
KYTHEON IORA
Gideon levantou a cabeça, fechou os olhos e UIVOU… e depois parou.
A dor desapareceu de repente. Houve silêncio ao seu redor. Não, não era exatamente
silêncio. O som da batalha, da magia, da morte e da destruição havia desaparecido de seus
ouvidos. Mas ele podia ouvir o som do chilrear dos pássaros. Um grilo. Um riacho. Era tudo
como música.
Cautelosamente, ele abriu os olhos. Ele olhou para as mãos, para os braços. Ele estava
inteiro. Não estava descamando como apenas alguns segundos atrás. Nem mesmo
sangrando. Os estilhaços da Lâmina Negra se foram. As tatuagens de Liliana sumiram.
Ele olhou para suas roupas. Sua armadura foi embora. Suas roupas agora eram as de
Theros, seu mundo natal.
Ele olhou ao redor. Ele não estava em Ravnica.
Eu estou em Theros!
Um campo em Theros, com a cidade de Ácros espreitando sobre uma colina próxima.
Uma brisa refrescou sua testa, ao mesmo tempo que a luz do sol aqueceu seu coração.
Eu transplanei para cá? Não. O Sol Imortal teria impedido.
Isso é uma lembrança?
Mas ele não se sentia jovem novamente. Ele se sentia mais velho do que jamais se
sentiu antes, ossos cansados – mas sem dor. E as cicatrizes nos seus braços? Havia algumas
de Theros. Mas havia uma grande que ele ganhou em Amonkhet, e havia algumas novas dos
estilhaços.
Não, isso não é uma lembrança. Este sou eu agora. O que restou de mim.
Ele os sentiu antes de vê-los. Eles pareceram emergir da luz do sol, do som do riacho,
da brisa. Seus Irregulares.
Ali estava Drasus. Ele era três anos mais velho que Gideon, e agora – congelado no
tempo e inalterado – parecia tão jovem.
Ali estava Epikos. Cabeça raspada. Peito nu. Brinco na orelha direita. Todo músculos e
um sorriso.

250
Ali estava o Pequeno Olexo. O mais novo dos Irregulares. Nunca crescerá mais ou
envelhecerá. O cansado (e velho) Gideon Jura observou o menino se aproximar, imaginando
como ele havia permitido que essa criança lutasse em vez de simplesmente crescer. Então,
novamente, naqueles dias, Gideon também era uma criança.
E ali estava Zenon. Alto e reto. Com seu cabelo desgrenhado e despenteado e aquele
manto verde de Setessan do qual ele sempre se orgulhava tanto. Como os outros, ele sorriu
para seu amigo há muito ausente.
Drasus, Epikos, Olexo, Zenon. Seus Irregulares. Os Irregulares de Kytheon. Porque ele
não era Gideon Jura agora, aqui, no final. Ele era Kytheon Iora novamente. Ele não voltou
no tempo. Fisicamente, ele ainda era o mesmo guerreiro envelhecido e cicatrizado. No
entanto, apesar disso, ele era ele mesmo antes de seu nome ter sido adulterado por línguas
estrangeiras em mundos estrangeiros. Antes do seu senso de autopercepção ter sido
deturpado por suas próprias ações vãs. Ele havia negado seu verdadeiro nome por muito
tempo. Era hora de reivindicá-lo novamente.
Eu sou Kytheon Iora. E estou com meus amigos.
Ele abriu a boca para pedir desculpas, para dizer que sentia muito por sua arrogância,
por ser a causa de suas mortes há tantos anos. Mas Drasus sacudiu a cabeça ironicamente e
silenciosamente parou a língua de Kytheon antes que uma palavra escapasse de seus lábios.
Todos os quatro sorriram para ele e colocaram as mãos em seus ombros largos. Por um
breve momento, ele sentiu pena de seus amigos mais recentes, de Chandra, Nissa, Jace,
Ajani, Aurélia e, sim, Liliana e tantos outros. Ele estava aqui e foi encontrado. Eles estavam
lá e ainda estavam perdidos. Mas apenas estar neste presente dava-lhe esperança por eles.
Eles sobreviveriam. Liliana iria salvá-los. Ou Jace. Ou eles conseguiriam todos juntos.
Ou não.
Mas se este era o fim, então o fim, talvez, não fosse tão ruim.
Não é tão ruim para mim, certamente. Então eu posso torcer que não seja tão ruim
para eles.
Havia sol e uma brisa fresca. O riacho balbuciou. Havia serenidade. Kytheon estava
em paz. Em paz e, finalmente, redimido…

251
SESSENTA E DOIS
LILIANA VESS
A uma polegada de distância (ou talvez um mundo de distância), Liliana viu Gideon
sorrir beatificamente – antes do seu sorriso, seus dentes, sua pele, seus olhos, de todo o seu
rosto bonito, gentil e musculoso começar a brilhar com a luz infernal das suas tatuagens, do
seu contrato quebrado.
Não, ela implorou, enquanto a chama se expandia, como se tentasse queimar seu braço
– seu braço, que não podia ser queimado graças ao presente de Gideon.
Pegue de volta… Por favor…
O sorriso ainda estava lá. Até o momento em que ele explodiu em chamas negras e se
desintegrou diante de seus olhos.
Sua armadura vazia caiu aos seus pés. Suas cinzas se espalharam no vento. Ela olhou
para Bolas. O dragão parecia orgulhoso. Ela gritou em fúria e forçou as Deusas-Eternas a
avançarem…

252
SESSENTA E TRÊS
CHANDRA NALAAR
Chandra e Nissa chegaram na praça a tempo de testemunharem a completa obliteração
de Gideon – simplesmente, ao que parecia, por tocar os ombros de Liliana.
Enfurecida, Chandra explodiu em chamas vermelho-alaranjadas que rapidamente se
agitaram em um inferno de azul e branco.
Nissa foi forçada a recuar. “Chandra,” ela disse, como se estivesse avisando.
Mas pela primeira vez, Chandra não tinha interesse nas palavras de Nissa. A piromante
estava pronta para matar a necromante – queimar Liliana Vess, que ela já havia considerado
como uma irmã, até virar cinzas.
Cinzas seria um final adequado. Cinzas como aquelas que eram tudo o que havia
restado de Gideon, do seu Gids, do homem por quem sua versão mais jovem e tola se sentira
estupidamente atraída e apaixonada, do homem que ela viria a amar intensamente mais do
que um irmão.
De uma vez por todas, Liliana Vess pagaria por seus crimes, por todas as mortes,
manipulações e traições que ela trouxe para a vida de Chandra, de Ravnica, do Multiverso.
Mas os pensamentos de Jace se chocaram com os dela: PARE, CHANDRA! Não é o
que parece! Gideon salvou Liliana! Ele escolheu salvá-la! E fazendo isso, ele pode ter
salvado todos nós!
Chandra, sua mente cambaleante, ainda não havia entendido, mas ela obedeceu,
absorvendo sua chama para dentro de si. Parecia, atipicamente, como se as chamas fossem
queimá-la: seu coração, sua mente, sua alma. Lágrimas escorriam por seu rosto,
transformando-se quase instantaneamente em vapor.
No entanto, Chandra estava com frio. Muito frio.
Nissa timidamente colocou a mão em seu ombro. Uma Chandra de coração partido se
virou para olhar nos olhos dourados e esverdeados da elfa.
“Gids se foi,” Chandra murmurou.
Nissa assentiu com tristeza.
De algum lugar, eles ouviram Ajani gritar, “Olhem!”

253
SESSENTA E QUATRO
NICOL BOLAS
As Deusas-Eternas remanescentes, Oketra e Bontu, se aproximaram dos dois lados de
BOLAS, obedecendo ao comando de Vess enquanto lutavam contra o fluxo de poder que o
DRAGÃO-DEUS mantinha da Ancianomancia. Cada uma deu um passo em direção ao
trono de BOLAS – antes que o poder empurrasse ambas dois passos para trás.
BOLAS sacudiu a cabeça.
VESS, VOCÊ É UMA TOLA. ESSAS DEUSAS NÃO PODERIAM NOS PARAR
QUANDO ESTAVAM VIVAS E NÓS ESTÁVAMOS FRACOS. COMO VOCÊ PODE
ACREDITAR QUE ELAS PODEM NOS DERROTAR AGORA? AGORA QUE ELAS ESTÃO
MORTAS? AGORA QUE NÓS SOMOS, NOVAMENTE, UM DEUS?
Então, do nada, BOLAS experimentou uma dor tão intensa como ELE não havia
sentido há milênios. O passar do tempo diminuiu para BOLAS. ELE olhou para baixo. A
lança de duas pontas de Hazoret estava saindo do SEU peito, sangue e vísceras pingando de
cada dente. SEU sangue e SUAS vísceras. Não era o suficiente para matá-LO. Não como
ELE estava agora. A dor, até mesmo a ferida em si, poderia ser eliminada com alguns
feitiços simples. Mas como ELE tinha sido surpreendido?
QUEM SEQUER OUSARIA?
O DEUS-IMPERADOR olhou para trás. Pairando atrás DELE e segurando a lança,
estava o dragão infante Niv-Mizzet.
O cérebro de BOLAS rosnou, NÓS JÁ NÃO TE MATAMOS?
Em resposta, Niv empurrou mais ainda a lança nas costas de BOLAS.
Um gemido audível escapou da boca de NICOL.
Niv sorriu sombriamente e pensou de volta para BOLAS, Você, mais do que todos,
deveria saber que nós dragões não morremos facilmente.
Com um movimento de asa, o DRAGÃO-DEUS jogou o ressuscitado Niv-Mizzet para
longe e o assistiu cair no chão a cinco quilômetros de distância.
ELE então tentou dissolver a lança. (ELE dificilmente poderia acabar com a dor ou
selar a ferida enquanto a arma se projetava de SEU peito.) Estranhamente, apesar de SUA
ONIPOTÊNCIA, o DEUS-IMPERADOR percebeu que ELE não poderia simplesmente
fazê-la desaparecer. Isso O surpreendeu por um momento, até que se lembrou de que ELE

254
MESMO forjou aquela coisa para Hazoret. Sua própria DIVINDADE recém-adquirida
estava mantendo a lança intacta, como se por um ato de SUA PRÓPRIA VONTADE. Isto
era apenas um pequeno contratempo, é claro. Tendo percebido o SEU erro, levaria menos de
um minuto para desfazer os feitiços, dispersar sua magia e desforjar a arma. Ainda assim,
seria mais rápido simplesmente puxar a lança para fora. Iria doer, mas ELE poderia se
vingar de Niz Mizzet de cada instante de dor que ELE sofrera multiplicado por mil vezes.
Um milhão de vezes.
Mas durante essa fração de segundo, enquanto o DRAGÃO-DEUS deliberava entre
uma solução mágica e uma física para o problema de remover a lança, tudo mudou. BOLAS
percebeu tarde demais que ELE tinha se esquecido de Vess, e dado a ela uma oportunidade
de atacar com sua própria arma de duas pontas.
As Deusas-Eternas de Liliana se moveram para matar e de repente estavam bem em
cima DELE. BOLAS mal conseguiu OBLITERAR Oketra.
Mas enfraquecido pelo esforço – e pela lança ainda-não-solta – ELE foi muito lento
em parar Bontu, que mordeu o pulso do seu antigo FARAÓ-DEUS.
A dor foi insignificante – certamente se comparada à ferida da lança – mas o estrago já
estava feito.
NÃO! NÃO! NÃO!
De uma vez e automaticamente, Bontu começou a colheita. De todas as centelhas que
a ancianomancia tinha lhe concedido. Todas elas, todas de uma vez. Bontu absorveu aquelas
centelhas, mas não pôde contê-las. Ela se rompeu em fragmentos, explodindo em uma luz
tão brilhante, que até mesmo Bolas foi forçado a proteger os olhos.
NÃO. NÃO POSSO SER FERIDO POR MERA LUZ. AGORA NÃO. Agora não.
Um repentinamente desesperado Bolas tentou reabsorver o poder divino que ele havia
recentemente adquirido. Ele tentou puxar as centelhas de volta. Na verdade, ele esperava
que elas retornassem à sua gema espiritual – apenas percebendo que a Ancianomancia havia
sido interrompida.
Mas ainda havia tempo.
Eu ainda sou Nicol Bolas, Dragão Ancestral.
E as centelhas ainda estavam lá, circulando logo acima de seus chifres em um vórtice
de puro poder …
Meu Poder!

255
Através de uma névoa de dor e de feridas ensanguentadas, ele olhou para baixo e viu
um exército de Eternos marchando pelos degraus da Cidadela em sua direção. E logo atrás
deles um segundo exército de ravnicanos e planinautas.
Mas está tudo bem. Em alguns momentos, as formigas irão perceber novamente que
todas elas marcham em direção ao seu destino.
E mais uma vez, sua hesitação seria sua ruína. Ele tentou refazer a Ancianomancia,
mas já era tarde demais. O vórtice de centelhas acima dele havia evaporado, cada uma das
centelhas se dissipando no nada. E com elas, todas as décadas de planejamento, de
esquemas, de manipulações e de assassinatos. Tudo estava desaparecendo, somando-se a
nada além do vazio onde uma vez estivera o seu poder.
O vazio… O VAZIO!
E então a verdade o atingiu. Bontu não tinha simplesmente colhido as centelhas
roubadas dos planinautas mortos; ela também absorveu a própria centelha de Nicol Bolas.
Quando o vórtice se espalhou e as centelhas se dispersaram, a própria grande centelha
havia desaparecido junto com elas. Bolas estava vivo, mas ele estava fraco – pior, ele se
surpreendeu, atordoado.
Eu não sou mais um deus. Eu não sou nem sequer um planinauta.
Ele havia sido reduzido a ser a coisa que ele mais odiava: um mero mortal.
Uma formiga…

256
SESSENTA E CINCO
LIILANA VESS
Liliana assistiu Bolas começar a se dissolver, assim como Gideon tinha se dissolvido
momentos atrás.
A voz telepática do dragão – soando mais estridente do que nunca – ecoou em sua
mente uma última vez: Não. NÃO! Isto é incompreensível! Eu sou Nicol Bolas! Isso não
acontece comigo!
Então, também como Gideon, Bolas UIVOU enquanto se desintegrava, átomo por
átomo, as partículas levadas pelo vento. Claro, ao contrário de Gideão, não havia nada
beatífico ou bonito nos momentos finais do Dragão Ancestral.
Bolas simplesmente desapareceu. Estava acabado. Apenas sua gema espiritual
permanecia, e ela caiu no teto da Cidadela, quicou algumas vezes e rolou para uma parada
não muito longe dos pés de Liliana. Ficou ali, inerte, ao lado da armadura fumegante e vazia
de Gideon.
As nuvens da tempestade sobrenatural se separaram e se dispersaram, dando lugar à
luz do sol no final da tarde.
Liliana estava sozinha no topo da Cidadela. Ela podia sentir a invulnerabilidade de
Gideon escapando. No entanto, agora ela tinha tudo o que sempre quis: sua juventude, seu
poder, sua liberdade.
Mas a que custo?
Jace a alcançou com sua mente. Liliana?
Esperando – merecendo – sua inimizade, Liliana se preparou para um ataque, até
mesmo um fatal. Preparada, ela não realizou nenhuma tentativa de esquiva ou de
impedimento.
Liliana, você está… você está bem…?
Atordoada com sua preocupação hesitante por ela, ela olhou para baixo. Uma
verdadeira muralha de Eternos imóveis, desativados, separava a Cidadela dos ravnicanos e
planinautas – a maioria dos quais, ela pensou, gostaria bastante de vê-la morta. Ela procurou
na multidão por Jace. Ela viu dois ou três dele, todas ilusões, que ele rapidamente eliminou
agora que a crise havia passado. Mas ela não podia vê-lo, o verdadeiro Jace. Não conseguia
localizá-lo em lugar nenhum.

257
Talvez ele ainda esteja invisível.
Não, estou aqui, Liliana, olhe para a esquerda. Você vai me ver.
Mas ela não olhou para a esquerda. Ela olhou para o chão. Para a armadura vazia de
Gideon.
Jace sentiu sua dor, seu conflito, sua falta de compreensão dos próprios sentimentos.
Está tudo bem, ele disse a ela. Gideon fez sua escolha. Ele sabia que você poderia nos
salvar e escolheu ajudá-la a fazer exatamente isso.
A fúria de Jace, ela poderia ter lidado com ela. Sua simpatia era mais do que ela
poderia suportar.
Saia da minha cabeça, droga…
Ela tentou gritar para que ele quebrasse o contato, mas ele quase veio como um
sussurro mental.
Ouça, ele pensou. Eu contatei mentalmente Saheeli. Disse a ela para desligar o Sol
imortal. Ela está trabalhando nisso agora. Assim que ela terminar… bem, você vai querer
sair deste Plano, Liliana. Assim que você puder. Eu sei que você nos salvou, mas… mas
você não está segura aqui.
Saia da minha cabeça, droga…
Liliana…
Por favor, pare, pare…
Ela podia senti-lo concordar com o pedido dela. Ela podia senti-lo sair da mente dela.
Ela resistiu ao impulso de chamá-lo de volta, de olhar para a esquerda, de encontrá-lo.
Um momento depois, ela sentiu a influência do Sol desaparecer. Ela poderia
transplanar, se quisesse. A multidão abaixo tinha saído do seu estupor e já estava ocupada
cortando a Horda Medonha por trás. Cortando-a em pedaços. Pequenos pedaços. Não
demoraria muito antes de mais do que alguns daquela multidão subisse as escadas para fazer
o mesmo com ela.
Ajoelhando-se, ela estendeu a mão e sua mão acariciou a placa torácica carbonizada de
Gideon Jura. O metal ainda estava quente. Ela tentou imaginar o seu último sorriso. Ela
lembrou que era isso que o tornava bonito – horrivelmente lindo – aos olhos dela. Mas ela
não conseguia nem mesmo invocar uma lembrança específica de seu rosto. Ela podia se
lembrar do rosto se dissolvendo diante dela. Mas os traços – e a humanidade – eram
indistintos. Como a lembrança de alguém que ela havia sonhado. Não como um homem
real. Ele já era uma lenda.

258
Gideon viveria em Ravnica. Mas não o homem. Poucos se lembrariam do homem.
Apenas do herói.
Foi uma perda, ela sabia.
Sim, ele era um herói. Sim, ele merecia o status mítico que certamente alcançaria.
Mas ele era muito mais que isso. E a parte que era mais… foi exatamente a parte que eu
permiti que morresse por mim.
“Agora me mate,” ela se ouviu sussurrar. Mas sacudiu aquela ideia para longe.
Essa não era você, ela disse a si mesma. Isso é autopiedade. E autopiedade não é o
seu estilo.
Ela achou sua própria conversinha bem pouco convincente. Mas por enquanto, seria
suficiente. Ela passou as costas da mão pelo rosto, limpando as lágrimas que uma parte dela
estava grata por ter sido capaz de derramar. Ela empurrou essa parte de si mesma para
baixo.
Bem fundo.
Ela estendeu a mão e pegou a gema espiritual de Bolas, segurando-a firmemente.
Parecia gelada em seu punho.
Então ela se levantou, fechou os olhos e transplanou.

259
SESSENTA E SEIS
CHANDRA NALAAR
Após a desintegração do dragão Nicol Bolas, uma enorme comemoração se ergueu
entre os combatentes da Praça. Mas Chandra não se sentia no clima de comemorações. Ela
se sentou – praticamente se jogou – no chão. Jace e Nissa sentaram-se em cada um dos seus
lados, enquanto serpentinas em espiral de magia verde da comemoração voavam pelos ares.
Pessoas – homens crescidos e mulheres – estavam subindo nas ruínas da estátua de Bolas,
como se ela fosse um playground para crianças. Crianças, que apareciam de todos os
lugares, estavam escalando Vitu-Ghazi caído e adormecido (apesar das tentativas de Boruvo
de afastá-las). Guerreiros atacaram os Eternos dormentes, que permaneciam imóveis,
olhando para um trono que já não detinha o seu imperador. Os restos da Horda Medonha
nem tentaram se defender quando ravnicanos e planinautas, liderados por Borborigmo e
Angrath, começaram a esmagar e cortar os Eternos em pedaços. Não parecia a Chandra que
essa violência fosse resultada de raiva, malícia ou até mesmo vingança. Foi um esforço
impassível, determinado. Algo que simplesmente precisava ser feito.
Chandra pôde sentir o aprisionamento do Sol Imortal sumir. Ela observou à distância
enquanto a pequena figura de Liliana transplanava para longe do mundo. E ela foi apenas a
primeira. Com o Sol Imortal desativado novamente e a ameaça de Bolas e dos Eternos no
passado, os três velhos amigos assistiram do pavimento enquanto um planinauta atrás do
outro partia de Ravnica, como se temessem que aquele pesadelo pudesse começar
novamente. A Errante foi a primeiro a ir, quase simultaneamente a Liliana. Mu Yanling,
Jiang Yanggu e seu cachorro foram os próximos. Outros, também, cujos nomes ela não
conhecia.
“Gids se foi,” repetiu Chandra.
Nissa hesitantemente colocou a mão em seu ombro.
Olhando para a frente, Chandra disse: “Sabe, eu já fui um pouco apaixonada por ele
antes. Eu nunca disse a ele.”
Jace disse, “Eu acho que ele sabia. Ele também te amava.”
“Não do jeito que eu quis dizer.”
“Não. Mas ele te amava do mesmo jeito. Como uma irmãzinha. Mas isso é amor do
mesmo jeito.”

260
Ela não precisava dizer Eu o amava como um irmão, ou até mesmo Eu também te amo
como um irmão, Jace. Ela tinha certeza pela expressão dele que ele sabia – nenhuma
comunicação psíquica era necessária.
Chandra olhou para o chão e começou a chorar baixinho. Desta vez suas lágrimas não
se transformaram em vapor. Elas correram livremente pelo seu rosto, e Nissa a surpreendeu
estendendo as mãos e enxugando-as com seus polegares. Chandra se inclinou contra a elfa.
Nissa endureceu por um momento. Então ela suavizou seu corpo e permitiu que
Chandra descansasse sobre si. Ela colocou um braço em volta do ombro da jovem e até
começou a lentamente, suavemente balançar a soluçante Chandra pra frente e para trás.
Sem olhar para ela, Chandra sussurrou, “Você sabe que eu também te amo.”
Nissa sussurrou de volta, “Eu também te amo, Chandra.”
Chandra finalmente se virou para olhar para Nissa Revane. Então de repente alguém a
estava colocando de pé.
Era Jaya. “Vamos,” ela disse. “Temos trabalho a fazer.”
Chandra não sabia o que Jaya queria dizer e estava cansada demais para qualquer que
fosse o “trabalho” que sua mentora tinha em mente, mas Jaya não estava esperando por
uma resposta. Com um aperto firme no bíceps de sua protegida, ela puxou Chandra para trás
dela. Chandra mal teve tempo de falar com Nissa, “Depois a gente conversa!” antes de Jaya
puxá-la para a multidão.
Elas caminharam até a linha de Eternos decapitados (a maioria) e mutilados. Samut
estava ali, de pé, com cinco tons de fúria. “Não deve ser assim”, ela rosnou. “Este é o meu
povo. Eles devem ser destruídos, eu sei. Mas não assim. Conceda-lhes alguma dignidade.”
“É por isso que estamos aqui,” Jaya disse com um aceno de cabeça para Chandra, que
só agora entendeu o sórdido trabalho das duas piromantes.
Angrath e Borborigmo pararam seu trabalho e até acenaram para seus seguidores
voltarem. Eles continuaram de guarda. De um jeito ou de outro, a ameaça daquelas criaturas
terminaria aqui e agora, mas eles respeitaram os sentimentos de Samut o suficiente – ou,
pelo menos, respeitaram suas habilidades de batalha o suficiente – para permitir que fosse
feito de um modo que amenizasse seu orgulho sobre aqueles ex-cidadãos de Amonkhet.
Então, sob os olhos atentos do minotauro, do ciclope e dos filhos de Amonkhet, as
piromantes se moveram entre o que restava da inerte Horda Medonha e meticulosamente
queimaram cada um – cada último fragmento – até se tornarem cinzas.

261
SESSENTA E SETE
TEYO VERADA
O único sol deste Plano estava se afundando atrás das torres estranhas e diversificadas,
as que ainda estavam de pé, em todo o caso. O crepúsculo estava caindo. E não era o
crepúsculo artificial da Ancianomancia, mas a coisa real. Crepúsculo. Entardecer. Com a
noite a seguir. Teyo pensou no Passeio ao amanhecer onde Rata o encontrara. E então, de
repente, a lembrança o acertou como uma tempestade de diamantes e ele percebeu que fazia
menos de um dia desde que havia deixado Gobakhan.
Pela Tempestade, parece um milhão de anos atrás.
Ele estava exausto. Ossos cansados. Cada um dos seus vértices parecia ter sido
queimado até fritar. E se ele nunca mais visse outra forma geométrica, seria cedo demais.
Além disso, ele estava com fome. Ele percebeu que sua última refeição tinha sido há mais
de um dia e a um mundo de distância. Além disso, ele tinha outro impulso que o fez
imaginar se Ravnica tinha ou não encanamento interno.
Kaya parecia acreditar que ela podia ler seus pensamentos, ou, pelo menos, sua
expressão. “Está tudo bem,” ela disse. “Acabou. Você pode voltar para casa agora.”
“Talvez,” ele respondeu. “Não tenho certeza de que casa eu pertenço. Eu era um
acólito muito pobre.”
“Bem, você é um ótimo planinauta,” ela disse com um sorriso e um a gentil em sua
bochecha lisa.
Ele corou e ela riu baixinho, desviando o olhar para não para constrangê-lo ainda mais.
Teyo suspirou e olhou em volta.
Ral Zarek e seu amado Tomik Vrona estavam se abraçando e se beijando. Era bom vê-
los. Era reconfortante depois de toda a tragédia que Teyo havia testemunhado hoje. Eles
pararam – e Ral virou seu corpo defensivamente – enquanto Vraska se aproximava. Ral fez
uma careta para ela, então, cutucado por um cotovelo de Tomik, pareceu ceder (pelo menos
um pouco) e balançou a cabeça; ela balançou de volta.
Caminhando atrás dela, Jace Beleren bateu no ombro de Vraska. Ela se virou para
encará-lo. Ele parecia velho e um pouco quebrado. Ela se derreteu um pouco, colocou os
braços ao redor dele e lhe deu um abraço. Ele a abraçou de volta. Por um longo tempo eles
ficaram parados naquele abraço. Eles não falaram. Então eles se beijaram.

262
Ral sacudiu a cabeça ligeiramente e olhou nos olhos de Tomik.
Ao redor deles, as pessoas celebravam. Teyo não tinha certeza se essa vitória merecia
muita celebração – especialmente porque aqueles que não estavam celebrando estavam
levando embora os feridos e os moribundos. E os cadáveres. Muitos, muitos cadáveres.
“Todas essas pobres pessoas morreram,” murmurou Teyo tristemente.
“Rapaz, eu não dou a mínima para os mortos.” Era um Angrath coberto de fuligem,
fresca da pira funerária Eterna. Ele colocou uma mão áspera, mas não hostil, no ombro de
Teyo e continuou: “Eu posso – em raras ocasiões – ter alguma pena dos moribundos. Mas eu
reservo a maior parte da minha simpatia aos enlutados. As provações dos mortos acabaram,
seus sofrimentos acabaram. Se eu derramar algumas lágrimas, serão para os que ficaram,
aqueles que carregam a esmagadora culpa, a perda e o desespero que vem com a
sobrevivência quando seus entes queridos não sobreviveram.”
Teyo achou que ele sentia um pouco daquela culpa – e só tinha sido poupado da perda
e do desespero porque mal conhecia as pessoas que havia encontrado hoje. Ele admirava
Gideon, mas não o conhecia. Havia aquele outro homem – Dack, ele achava que esse era o
nome dele. Eles tinham trocado algumas palavras, tentando se tranquilizar antes da última
batalha. E sim, Teyo se sentia culpado por ter sido incapaz de alcançar Dack com um escudo
antes de um Eterno colher sua centelha. Mas era uma culpa desconectada de qualquer
emoção mais profunda, qualquer perda mais profunda ou desespero, como Angrath havia
dito. E felizmente, as duas pessoas que ele realmente se sentia próximo, Rata e Kaya, ambas
sobreviveram, praticamente ilesas.
“São apenas os vivos que merecem sua preocupação, pequeno monge,” Angrath disse.
“Pelo menos, eles são os únicos que merecem a minha. Os mortos não sentem.”
Teyo assentiu silenciosamente.
São os vivos que merecem nossa preocupação.
Eu preciso encontrar Rata.
Ele foi olhando e a encontrou encarando Hekara melancolicamente, que estava
ocupada na busca solitária de celebrar o momento de vitória com dois fantoches de mão
grotescamente e estranhamente realistas (versões de si mesma e de Ral) que teriam lhe dado
pesadelos eternos se ele os tivesse visto quando criança. Ela fornecia as vozes para ambas as
mãos.
“Nós vencemos o dragão maligno, não é verdade, Hekara?”, disse o boneco de Ral.
(Era uma boa imitação, embora um tanto aguda, do mestre de guilda Izzet.)

263
“Claro que sim,” respondeu o boneco Hekara. (Ironicamente, o barítono afetado de
Hekara não soava nada parecido como Hekara.)
“E tudo o que precisava era que você morresse horrivelmente.”
“Claro. Mas apenas uma vez. Eu não me importo de morrer uma vez. Nem de vez em
quando. Você sabe, por uma boa causa. Ou pelo valor de entretenimento.”
Teyo viu que Hekara ainda não a tinha notado – ainda não podia ver sua antiga amiga.
E Rata estava tão fascinada por Hekara e o show, que ela não tinha notado Teyo.
Esperando ajudar, ele se aproximou de Hekara e disse, “Emissária, você se lembra da
sua amiga Rata? Araithia?”
Hekara disse, “Claro, eu me lembro de Rata! Eu amo a Rata! Onde ela está?”
Rata sorriu e Teyo apontou para ela. Mas Hekara apenas pareceu confusa. Então, com
um pouco de relutância, Teyo pegou o boneco de Hekara de sua mão e tentou orientar, guiar,
Hekara para a esperançosa Rata.
Mas Hekara hesitou, resistiu. Pela primeira vez desde que Teyo a viu ressuscitada, a
destemida bruxa sanguinária parecia nervosa, desconfortável, dizendo: “Sabe, eu não
consigo lembrar como era a aparência de Rata. Isso é meio estranho, não é?”
Teyo não sabia o que dizer. Então ele perdeu a oportunidade de dizer qualquer coisa
quando o som coriáceo das asas e o cheiro de enxofre fez com que ambos olhassem para
cima. O próprio demônio Rakdos estava descendo para encontrar sua Emissária.
“VENHA, MULHER,” ele disse em sua voz sepulcral, “RAVNICA É NOSSA
OUTRA VEZ. A LONGA BATALHA ENTRISTECEU AS PESSOAS, E O CIRCO
MACABRO DEVE SE APRESENTAR PARA A MULTIDÃO E ILUMINAR TODOS OS
CORAÇÕES. TEMOS ARTISTAS PARA REUNIR, ATOS PARA PREPARAR, E UMA
AUDIÊNCIA PRONTA E ANSIOSA PARA ESQUECER OS HORRORES DO DIA –
COM QUEIMADURAS, SANGRAMENTOS E QUEIMADURAS.”
“Ah, delícia,” Hekara disse, aparentemente esquecendo Rata completamente conforma
ela se permitir ser levada na mão do demônio como um boneco de Hekara de tamanho real
pronto para falar as palavras de seu mestre. Eles voaram juntos, com Hekara gritando,
“Queimem! Sangrem! Queimem!”
Teyo havia tentado ajudar Rata, mas percebeu que ele tinha acabado de quebrar o
coração da jovem menina mais uma vez, oferecendo-lhe brevemente uma esperança não
realizada.

264
Tentando melhorar a situação, Rata sorriu, encolheu os ombros e disse, “Eu a perdi.”
Mas ela não conseguiu manter o sorriso. Seus ombros caíram. Sua cabeça abaixou. “Eu
nunca perdi ninguém antes. Muitas pessoas que eu nunca tive. Mas ela é a primeira que
podia me ver e que eu perdi.”
Para piorar a situação, Saheeli Rai escolheu esse momento para caminhar. Não vendo
Rata, ela quase entrou direto nela, forçando a garota a sair do caminho da planinauta.
Teyo se sentiu impotente. Mais impotente do que ele se havia se sentido naquela
manhã. Ele viu Kaya se aproximando deles e disse, “Não se esqueça, você ainda tem nós
dois.”
Araithia Shokta assentiu com tristeza e disse, “Só que vocês são ambos planinautas.
Vocês vão deixar Ravnica eventualmente.”
Teyo, ainda impotente, olhou para Kaya, que estava considerando Rata
silenciosamente, preparando alguma coisa em sua mente.
Juntos, o trio serpenteou para se juntar a Saheeli e aos outros planinautas.
Um debate estava acontecendo sobre o que fazer com o Sol Imortal.
“Destruir a maldita coisa,” dizia Angrath.
Saheeli Rai protestou. “Mas é uma incrível peça de—”
“É uma incrível ratoeira para planinautas. Uma que me prendeu duas vezes. E me
deixe esclarecer uma coisa, eu não tenho intenção alguma de ser preso por isso novamente.”
Vraska, com a mão direita entrelaçada à esquerda de Jace Beleren, disse, “Destruir isso
pode ser mais fácil falar do que fazer. É feito de magias extremamente poderosas, reforçadas
pela centelha do próprio Azor.”
Jace esfregou seu queixo com uma barba curta. “Além disso, a coisa pode ser útil
algum dia – para caçar e prender Tezzeret.”
“Ou Dovin Baan,” acrescentou Chandra Nalaar.
“Ou Ob Nixilis,” Karn ofereceu.
“Ou,” disse Vivien Reid, “Liliana Vess.”
Teyo notou que tanto Jace quanto Chandra se encolheram quando o nome de Liliana
foi mencionado neste contexto. Vraska olhou para Jace com preocupação. Jaya Ballard e
Teferi trocaram olhares. O jovem mago dos escudos mal conhecia qualquer um desses
planinautas, mas podia ver que havia uma história complicada entre eles e a necromante.

265
Nada havia sido decidido no momento em que o resto das Sentinelas – Nissa Revane e
Ajani Juba D'ouro – chegaram com o anjo Aurélia, que carregava o peitoral queimado de
Gideon Jura nos braços como se fosse uma relíquia sagrada.
Ansiosa para mudar de assunto, Chandra disse, “Devemos enterrar isso em Theros. Eu
acho que Gids gostaria disso.”
“O que ele gostaria,” Ajani disse, “é saber que não acabou.”
“Não acabou?” Teyo perguntou, horrorizado.
Ajani riu e colocou uma pata tranquilizadora no ombro de Teyo. “Eu acredito que a
ameaça de Nicol Bolas passou.” Então ele se virou para falar com todos os reunidos. “Mas
não podemos fingir que Bolas será a última ameaça a enfrentar o Multiverso. Se realmente
quisermos honrar nosso amigo Gideon, precisamos garantir que a próxima vez que uma
ameaça se erguer, as Sentinelas estarão lá.”
Chandra olhou para a câmara demolida do Pacto das Guildas e disse, “Nós perdemos o
nosso clube.”
“Não precisamos de um clube,” Ajani disse. “Só precisamos renovar nossos
juramentos.
“Ajani, nós todos os renovamos hoje mais cedo.” Jace suspirou, soando um pouco
exausto – ou talvez exasperado. “Você não acha que uma vez por dia é suficiente?”
Ajani franziu o cenho. A pata no ombro de Teyo involuntariamente apertou com mais
força. O planinauta leonino não chegou a tirar nenhuma gota de sangue, mas Teyo
estremeceu.
Kaya notou e delicadamente removeu a pata, permitindo que Teyo respirasse um
pequeno suspiro de alívio.
Rata riu e, apesar de estar rindo às custas dele, Teyo estava contente de ver um sorriso
real em seu rosto novamente – e naqueles olhos cor de ameixa.
“Talvez…” Kaya disse, “talvez eu poderia fazer o juramento.”
Chandra olhou para ela esperançosa e disse, “Sério?”
Ral olhou para ela com ar duvidoso e repetiu, “Sério?”
“Eu não sou uma pessoa perfeita…” Kaya começou.
“Confie em mim, nenhum de nós é,” Jace interveio com pesar.
Vraska bufou provocativamente.

266
Kaya basicamente ignorou os dois. “Eu tenho sido uma assassina e uma ladra. Eu
tenho o meu próprio código moral, mas o primeiro princípio dele sempre foi, ‘Cuide do seu
próprio traseiro.' Eu tenho a habilidade de espectrificar meu caminho através da vida, para
permitir que nada me toque. Essa é a verdade literal dos meus poderes, mas de alguma
forma, também se tornou minha verdade emocional. Mas meu tempo em Ravnica como
assassina, ladra, relutante mestre de guilda e talvez até mais relutante guerreira não me
deixou indiferente. Lutar ao lado de vocês foi uma honra. A mais assustadora e a melhor
coisa que eu já fiz em toda a minha vida um pouco bizarra. O que as Sentinelas fizeram aqui
hoje—” Ela olhou para a armadura nas mãos de Aurélia. “—o que vocês sacrificaram aqui
hoje… bem… isso vai parecer cafona, mas foi verdadeiramente inspirador. Se vocês me
quiserem, eu gostaria de fazer parte disso. Eu gostaria que todos vocês soubessem que, se
houver problemas, vocês podem me chamar, e eu ficarei ao seu lado.”
“Nós gostaríamos disso,” Chandra disse.
“Sim, menina,” disse Ajani, abrindo seu sorriso leonino, que Teyo teve que trabalhar
duro para não considerá-lo mais com aparência de fome do que de satisfação.
Nissa, Teferi e Jace todos sorriram e acenaram com a cabeça.
Kaya respirou fundo e levantou a mão direita. Talvez como um símbolo do que ela
tinha para oferecer, ela transformou aquela mão em espectro, de modo que se tornou
transparente, brilhando com uma suave luz violeta. Ela disse: “Eu cruzei o Multiverso,
ajudando os mortos, hum… a seguir em frente, a serviço dos vivos. Mas o que eu
testemunhei aqui em Ravnica nestes últimos meses – nessas últimas horas – mudou tudo
que eu pensava que sabia. Nunca mais. Pelos vivos e pelos mortos, Eu serei uma
Sentinela.” Ela se virou e sorriu para Teyo e Rata.
Teyo se perguntou se ele deveria fazer o juramento – ou se alguém queria que ele
fizesse. Mas novamente ele foi distraído pelo som das asas e pelo cheiro de enxofre. Ele
olhou para cima, esperando ver Rakdos, o Profanador. Mas na silhueta da lua crescente, em
vez disso ele viu um dragão. Por um terrível segundo, Teyo pensou que poderia ser Bolas
retornado.
Em vez disso, era Niv-Mizzet, que pousou de maneira chamativa e sorriu para Jace.
“Você está desempregado, Beleren,” disparou o dragão. “O Mente de Fogo é o novo Pacto
das Guildas. Como sempre foi destinado a ser.”
Jace riu, “E ainda assim, de alguma forma eu não me sinto triste de entregar essa
responsabilidade.”

267
Teyo olhou ao redor da multidão. Ninguém parecia chateado por Jace ser substituído
por Niv – exceto talvez Lavínia. Ela pareceu brevemente melancólica, nostálgica, talvez,
mas sua expressão logo endureceu para o seu comportamento severo usual.
Ignorando o dragão completamente, Nissa inclinou a cabeça sobre uma das muitas
rachaduras no pavimento da praça. Ela fechou os olhos e respirou fundo. Entre as pedras
quebradas pela batalha, uma semente brotou e cresceu rapidamente em uma planta com
grandes folhas verdes.
Nissa acenou para Chandra, que de alguma forma instintivamente sabia o que a elfa
queria que ela fizesse. A piromante arrancou cuidadosamente três das folhas maiores da
planta.
Então Teyo, Rata, Kaya, Vivien, Angrath, Saheeli, Niv-Mizzet, Teferi, Vraska, Jaya,
Karn, Ral, Tomik, Lavínia, Ajani e Jace observaram, enquanto Aurélia, Chandra e Nissa
envolveram carinhosamente a armadura de Gideon nas folhas.
Aurélia entregou a armadura para Chandra, que – ao lado de Jace e Nissa liderou uma
procissão solene em direção à multidão celebrante (e em luto). Uma desesperançosa Aurélia
os assistiu caminharem, mas não os seguiu – embora a maioria dos outros planinautas tenha
feito isso.
Ral tocou Kaya no ombro e gesticulou com os olhos para ela esperar. Tomik fez o
mesmo com Vraska, que assentiu e disse para Jace que ela iria alcançá-lo.
Um confuso Teyo e uma Rata curiosa esperavam ao lado deles, assim como Lavínia,
Aurélia, Saheeli e o dragão. Eles logo foram acompanhados por Vorel, Exava, Gan Shokta e
Boruvo. (Este último sorriu para a sua afilhada Araithia, embora, como de costume, seu
próprio pai não tivesse conhecimento da sua presença.) Uma vez que todos foram reunidos –
e assim que a procissão das Sentinelas tinha se afastado com segurança o suficiente –
Saheeli se transformou em Lazav, fazendo com que Teyo se perguntasse brevemente onde a
verdadeira Saheeli Rai estava naquele momento.
Mas outras preocupações logo compeliram essa preocupação de sua cabeça.
O Mente de Fogo falou primeiro: “Como o novo Pacto das Guildas Vivo, eu me
consultei com representantes de cada guilda.”
Kaya levantou uma sobrancelha para Tomik, que assentiu.
Niv continuou: “Concordamos que certos indivíduos, aqueles que colaboraram com
Nicol Bolas, devem ser punidos.”
Vraska se arrepiou, seus olhos brilhando com magia: “Eu não vou ser julgada por
pessoas como você.”

268
“Você já foi julgada,” Lavínia disse severamente, mas sem ameaça. “E suas ações
neste dia mitigaram aquele julgamento.”
Ral, fazendo um esforço para não levantar a mão para cobrir os olhos, disse, “Você
não foi a única que Bolas enganou e usou. Kaya e eu compartilhamos essa culpa em
particular. Podemos ter percebido nosso erro antes do que você, mas não temos vontade de
discutir com uma aliada. Não com uma aliada disposta a provar sua lealdade à Ravnica e à
sua própria guilda.”
Vraska não parecia menos desconfiada – não menos em guarda – mas seus olhos
deixaram de brilhar. “Estou ouvindo.”
Aurélia disse: “Centenas, talvez milhares de seres sencientes morreram em Ravnica
hoje.”
“Com danos materiais incalculáveis,” acrescentou Tomik.
Ignorando-o, Aurélia continuou, “Tais atos de terror não devem ficar impunes. Há três
que fizeram tudo ao seu alcance para ajudar e incentivar o dragão: Tezzeret, Dovin Baan e
Liliana Vess.”
Sem pensar, Teyo disse, “Mas Liliana não—”
Vorel interrompeu: “Vess mudou de lado tarde demais. Só depois de ser a causa direta
da maior parte da carnificina.”
“O que exatamente você está propondo?” Kaya disse, entristecida.
“Todos os três são planinautas,” Lazav declarou. “Eles estão fora do nosso alcance.
Mas não dos seus.”
O Mente de Fogo terminou, “Ral Zarek já concordou em caçar Tezzeret. Vraska, como
punição por seus pecados passados, nós lhe designamos Dovin Baan. E Kaya, as dez guildas
desejam contratá-la para assassinar Liliana Vess.”

269
SESSENTA E OITO
JACE BELEREN
Jace Beleren andou ao lado de Chandra e fez tudo exceto lançar uma ilusão para
esconder a verdade que ele tinha certeza que devia ser óbvia em sua face.
Nicol Bolas não está morto.
Nos momentos entre Bontu mordendo Bolas e colhendo todas as suas centelhas, uma
voz telepática ecoou na mente de Jace, dizendo: Nicol Bolas não deve morrer aqui.
Jace demorou um segundo, mas logo ele reconheceu a voz como pertencente a Ugin, o
Dragão Espírito. Um incrédulo Jace relutou ao comando de Ugin. Você deve estar
brincando. Bolas vai morrer. Aqui e agora. E não acredite por um segundo que você pode
protegê-lo.
Eu vou protegê-lo, assim como você.
Você está muito errado.
Pense, Jace Beleren. Bolas morreu antes e ressuscitou mais perigoso do que nunca.
Eu também morri e você viu o resultado. Você não acha possível que um Nicol morto possa
se tornar um Dragão Espírito como seu irmão gêmeo? E essa entidade seria uma versão de
Bolas que você gostaria de enfrentar?
Seu irmão gêmeo?! Mas nós não podemos deixar ele—
Não me entenda mal. Eu sei o que meu irmão é. Ajude-me agora, e eu vou colocar um
Bolas vivo em uma prisão eterna comigo mesmo como seu carcereiro eterno. Você vai se
livrar de nós dois. Para sempre. Não é simplesmente o caminho mais seguro, é o único
caminho que garante a segurança do Multiverso.
Se você está tão determinado, o que você precisa de mim?
Você e os seus o espancaram, enfraqueceram-no. Mas ele continua sendo um Dragão
Ancestral e não virá comigo de bom grado. Vai ser necessária toda a minha força e
concentração para tirá-lo deste lugar. Eu preciso que você oculte o nosso conflito de seus
companheiros planinautas, dos seus companheiros mortais. Até mesmo de Niv-Mizzet. Eu
preciso de você para esconder o fato de que Bolas está vivo.
Se este é o caminho certo, por que esconder alguma coisa?

270
Qualquer planinauta que procurar vingança e vier encontrá-lo em sua prisão
arriscaria libertá-lo. O Multiverso deve pensar que Bolas está morto, apesar de você e eu
sabermos que não podemos nos arriscar matando-o.
Eu não sei disso.
Você sabe. Bolas planejou contingências para tudo. A morte não o parou antes; não
vai pará-lo agora. Mas aprisionamento? Bolas nunca poderia conceber tal destino e não
teria planejado nada contra isto.
Então Jace seguiu as instruções de Ugin. Ele usou um feitiço de invisibilidade para
esconder a chegada de Ugin e seu ataque ao irmão – enquanto criava simultaneamente uma
ilusão de Bolas se desintegrando diante dos olhos de toda Ravnica.
Temendo que Liliana pudesse ver através da fachada, ele fez a sua melhor tentativa de
imitar a voz psíquica de Bolas e gritou a morte do dragão em sua mente. Ao fazer isso, ele
tocou em sua mente e percebeu apenas o quão desesperada e quebrada o sacrifício de
Gideon a tinha deixado, mesmo com sua vitória sobre o dragão. Jace tentou alcançá-la como
ele mesmo, mas ela implorou para ele desistir.
A esta altura, o Ugin invisível tinha rendido o invisível e enfraquecido Bolas
inconsciente. O Dragão Espírito estava pronto, então Jace alcançou telepaticamente Saheeli
Rai, instruindo-a a desligar o Sol Imortal. Ela não questionou a ordem.
Fisicamente, mentalmente e moralmente exausto, Jace se sentou no chão quebrado da
praça ao lado de uma chorosa Chandra e de Nissa – assim que primeiramente os dois
dragões e, em seguida, Liliana transplanavam para longe.
Agora Jace caminhava ao lado de Chandra e Nissa enquanto elas carregavam a
armadura de Gideon Jura, lamentando o homem que tinha sacrificado tudo para derrotar
Bolas. E cada passo que Jace Beleren dava parecia uma mentira.

271
CODA

272
SESSENTA E NOVE
DOIS DRAGÕES
O Dragão Espírito e seu irmão dragão se entreolharam em silêncio.
O último foi abatido. Apesar de estar enrolado nas asas de seu irmão gêmeo, a jornada
de Ravnica através das Eternidades Cegas havia literalmente cegado o dragão sem centelha,
havia queimado as escamas de sua pele. Levou semanas para ele recuperar a consciência,
meses para se curar. Mesmo agora, sua visão ainda estava embaçada e míope. Caído no
chão, ele parecia… sim, derrotado. Ele sentia como se algo estivesse faltando. Sua centelha,
é claro, mas outra coisa também. Olhando para seu oponente, ele deixou aquela
preocupação de lado. “Eu pensei que tinha te matado,” ele resmungou.
O Dragão Espírito encolheu os ombros. “Os tempos mudam. Especialmente no plano
de Tarkir, onde morri. Você deveria se acostumar com a ideia.”
“Você deveria se acostumar com a ideia de que eu simplesmente vou te matar
novamente em alguns minutos.”
“Assim que você recuperar o fôlego?”
“Exatamente.”
“Eu acho que não, irmão. Olhe para si mesmo, sobrecarregado pela mortalidade. Você
não tem o poder de me matar em alguns minutos ou nem em alguns milênios. E você não
tem mais o tempo de vida para resistir além disso. Você não tem mais sua centelha.”
“Então eu vou pegar a sua.”
“Não pela força. Nem mesmo por engano. Nem em um milhão de vidas, especialmente
quando a quantidade de vidas que você tem está agora limitada a exatamente uma.”
“Você acha que pode me prender. EU SOU—”
“Eu sei quem você é, irmão. E eu nunca vou esquecer disso.”
“Seu tolo arrogante…”
O Dragão Espírito riu. “Eu sou um tolo arrogante? Mesmo? Olhe dentro dos Lagos da
Formação.”
Reflexivamente, o dragão mortal olhou.
O Dragão Espírito disse, “Sujo falando do mal lavado.”

273
Seu irmão dragão ardeu. Ele disse: “Este é o meu Reino de Meditação. Meu lugar de
poder.”
“Não é mais. Você esquece que foi o meu reino primeiro. Ele ainda gosta mais de
mim. Prefere a mim. Dê uma boa olhada em volta; você verá.”
Embora quisesse parecer desafiador, o dragão mortal, contra sua vontade, levantou os
olhos para o horizonte. A primeira coisa que ele notou, mesmo com sua visão borrada, era
que todo o esquema de cores do lugar tinha sido alterado desde sua última visita. Agora ele
ostentava um distinto tom azul, a cor de assinatura de seu gêmeo. Pior, os grandes chifres no
distante horizonte curvavam-se para dentro – como os seus – mas depois se expandiam para
fora, como os do seu irmão. O reino estava marcado, assinado como pertencente ao Dragão
Espírito. Mais uma perda.
Um pouco embaraçado, o dragão mortal balançou a cabeça. “Isso não é possível.”
“Isso é apenas o começo.”
“Não. Como? Eu exijo saber!”
“Você não está em posição de fazer exigências. Ainda—”
“Meu plano era perfeito!”
O Dragão Espírito suspirou. Ele balançou a cabeça lentamente de um lado para o outro
e disse: “Eu sei o que você está fazendo, irmão. Jogando para ganhar tempo. Juntando
informações. Procurando uma maneira de transformar ambos em vantagem. Mas não há
necessidade de criar estratégias ou adulações. Não vai te ajudar. Você tem muito tempo. Não
tem a eternidade, claro. Não mais. Mas tempo suficiente para conhecer a desesperança. E
quanto a informação, eu vou concedê-la livremente também. Faça suas perguntas.”
Engolindo sua raiva – enquanto ainda se recusava a acreditar nas palavras do Dragão
Espírito, e enquanto esperava por seu momento, sua abertura, sua oportunidade de reverter
seu (reconhecidamente) atual destino – o dragão mortal disse: “Como você conseguiu passar
pelas defesas que eu coloquei neste Plano?”
“Sarkhan Vol me ajudou a alcançar este reino. Ele realmente tem sido bastante útil.
Você realmente deve tê-lo irritado.”
Ignorando a atitude do outro, o dragão mortal perguntou: “E que papel que você
desempenhou na minha…” Ele quase se engasgou com a palavra. “…derrota?”
“Um papel muito pequeno, na verdade. Principalmente, observei.”
“Como? Eu sei que você não estava em Ravnica enquanto eu ainda tinha minha
centelha. Eu teria te sentido.”

274
“Você nunca percebeu que a gema espiritual que antes orgulhosamente flutuava entre
seus chifres era feito de um pedaço da minha própria essência.”
Com a palavra “antes”, o dragão mortal olhou imediatamente acima de sua cabeça e
procurou a gema em forma de ovo. Incapaz de encontrá-lo, ele novamente olhou para dentro
do lago. Seu reflexo revelou que ela se fora. Assim como sua centelha.
O Dragão Espírito ignorou o pânico de seu irmão mortal e seu desespero. “Agora,
irmão, pense! Use esse seu cérebro mítico para raciocinar isso. Você encontrou a gema aqui,
não foi? Tão admirado, você nunca pensou sobre sua proveniência? Mas novamente, esse
era meu reino antes, e a gema espiritual veio literalmente de mim. Você a usou sem sequer
perceber que nunca a tinha dominado. Assim que eu retornei aqui eu fui capaz de usar
minha conexão com a gema para testemunhar cada um dos seus erros.”
“Eu não cometi nenhum erro!” cuspiu o dragão mortal. Em sua indignação, ele ergueu-
se em toda a sua altura, inadvertidamente distendendo um músculo de seu ombro-asa
esquerdo. Ele automaticamente invocou um feitiço de cura para corrigir aquele pequeno
aborrecimento. Nenhuma mágica veio. O ombro continuou a doer, mas sua falta de poder
era a maior lesão. Ele lutou para suprimir um chilique.
“Tudo bem, tudo bem, quais erros?”
“Bem, para começar, você tinha tanto desprezo por Niv-Mizzet – porque o Mente de
Fogo não era nem um Dragão Ancestral e nem um planinauta – que você não rastreou o
espírito dele depois de matá-lo. Em relação a você, ele parecia insignificante. Mas Niv ainda
era um poderoso dragão ancião, que tinha feito suas próprias preparações.” O Dragão
Espírito apontou a uma pequena caixa de prata, aberta e deitada de lado. Todas as suas
delicadas filigranas, engrenagens e cristais estavam carbonizadas e inúteis agora. Mas elas
serviram ao seu propósito. “O fantasma de Niv estava armazenado naquilo. E Vol a trouxe
aqui para mim, onde eu poderia ajudar a preservá-lo até sua ressurreição.”
“Segundo, você pode ter se protegido da Lâmina Negra, mas nunca te ocorreu se
proteger da Lança de Hazoret. Considerando que era uma arma que você havia forjado,
usando – sem refletir sobre isso – o menor pedaço de sua própria essência. Afinal de contas,
você tinha poder de sobra. Por que não reforçar a arma com a sua própria e ilimitada
potência quando você estava presenteando a sua substituta e escrava? E então você entregou
um pedaço de si mesmo para Hazoret depois de ter subjugado aquela deusa à sua vontade e
refeito Amonkhet. Claro, o pouco de você que existia na lança é exatamente o que te fazia
vulnerável a ela. Então eu disse a Sarkhan para encontrar uma maneira de garanti-la para o
Mente de Fogo.”

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“Então, há o seu maior passo em falso: a maneira como você subestimou os
planinautas, seu poder, sua determinação, sua capacidade de sacrifício, sua vontade de fazer
qualquer coisa para desafiá-lo. Eu sei que você prefere acreditar que fui eu quem cruzou
todos os seus planos, mas eu nunca teria conseguido isso sozinho. A verdadeira heroína foi
Liliana Vess. Você pensou que a conhecia, pensou que poderia controlá-la através de suas
fraquezas. Mas eu estava olhando para ela e vi sua verdadeira força: um desejo de redenção
que nem ela podia ver ou admitir. Eu sabia que tudo o que ela precisava era de uma chance,
uma abertura. Vol, Niv, a lança e todos os meus planos – eles eram meramente elos de uma
corrente que puxava sua atenção. Eles não eram nada mais do que uma distração para
permitir que Liliana Vess – e o sacrifício de Gideon Jura – te forçasse a se ajoelhar.
“Assim que seu trabalho foi feito, tudo o que sobrou para mim foi te trazer aqui, para o
Reino de Meditação – ou, como eu chamo agora, o Reino do Aprisionamento.”
Ainda em negação, o dragão mortal rugiu: “Nenhuma prisão pode conter o
poderoso…” Ele parou, confuso. Ele sabia seus nomes. Aquele que havia se chocado com
ele e o que ele tinha dado para si mesmo. Não é que ele não poderia dizê-los—
É que seus nomes não te pertencem mais, pensou o Dragão Espírito para seu irmão
dragão. Nenhum deles. Você perdeu qualquer direito ao seu nome verdadeiro e perdeu o
poder inerente ao seu escolhido. Você está sem nome. Nada.
“Não!”
SIM.
Para fazer o seu ponto final, o Dragão Espírito ergueu-se até sua altura total e além.
Ele parecia preencher o reino e a consciência de seu irmão ao mesmo tempo. O dragão
mortal estremeceu e se percebeu… encolhido.
Saiba disso, irmão. Eu sou seu carcereiro pelo que resta da sua mortalidade e farei
com que você nunca escape. Seus esquemas, suas maquinações… todos os seus pequenos
dramas estão no fim. A cortina caiu.

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