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sociais e religião:
abordagens contemporâneas
UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Reitor
Ricardo Vieiralves de Castro
Vice-reitor
Paulo Roberto Volpato Dias
EDITORA DA UNIVERSIDADE DO
ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Conselho Editorial
Antonio Augusto Passos Videira
Erick Felinto de Oliveira
Flora Süssekind
Italo Moriconi (presidente)
Ivo Barbieri
Lúcia Maria Bastos Pereira das Neves
Cidadania, movimentos
sociais e religião:
abordagens contemporâneas
Organização
João Marcus Figueiredo Assis
Denise dos Santos Rodrigues
Rio de Janeiro
2013
Copyright 2013, dos autores.
Todos os direitos desta edição reservados à Editora da Universidade do Estado do Rio de Janei-
ro. É proibida a duplicação ou reprodução deste volume, ou de parte do mesmo, em quaisquer
meios, sem autorização expressa da editora.
EdUERJ
Editora da UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
Rua São Francisco Xavier, 524 – Maracanã
CEP 20550-013 – Rio de Janeiro – RJ
Tel./Fax: (21) 2334-0720 / 2334-0721
www.eduerj.uerj.br
eduerj@uerj.br
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/NPROTEC
ISBN 978-85-7511-303-5
CDU 304(81)
Imagem da capa: acervo do Arquivo da Cúria Diocesana de Nova Iguaçu.
Sumário
Prefácio...................................................................................................................9
Maria Teresa Toribio Brittes Lemos
Apresentação....................................................................................................... 11
João Marcus Figueiredo Assis e Denise dos Santos Rodrigues
Parte I
Religião e movimentos sociais: artigos
Parte II
Religião e movimentos sociais: comunicações
Sobre os autores...............................................................................................247
Prefácio
*
Professora titular de História da América da Universidade do Estado do Rio de
Janeiro (UERJ).
10 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
*
Professor adjunto do Centro de Ciências Humanas e Sociais da Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
**
Doutora em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ).
12 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
Ivo Lesbaupin*
1
Os antecedentes
*
Doutor em Sociologia pela Universidade de Toulouse-Le-Mirail.
18 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
1
Cabe observar que o teólogo peruano Gustavo Gutiérrez, iniciador da Teologia
da Libertação (1971), estava nessa conferência, como assessor teológico.
A Igreja e a ditadura militar 21
O endurecimento do regime
2
Naquele ano, recebeu o prêmio de melhor reportagem da revista Look, dos EUA.
O relato do frei Tito e sua história é longamente abordado no livro Batismo de
sangue, de Frei Betto (2006), lançado em 1982.
A Igreja e a ditadura militar 25
para onde eles tinham sido levados, e pôde vê-los com marcas de
tortura no corpo. No domingo seguinte, mandou publicar, em
todas as igrejas da arquidiocese, um sermão em que denunciava as
torturas e fazia um contundente pronunciamento contra o caráter
ditatorial do regime. A postura mudava radicalmente: em vez da
busca de conversa, a denúncia; em vez do segredo, a publicidade.
A atitude de Dom Paulo provocou uma profunda mudan-
ça na maneira de a Igreja agir a partir de então. Pouco a pouco,
começaram a aparecer declarações públicas de bispos e de con-
juntos de bispos denunciando os atentados aos direitos huma-
nos, não apenas contra membros da Igreja mas contra qualquer
pessoa, e exigindo a volta à democracia. O primeiro documento
nesse sentido é do episcopado do estado de São Paulo, Testemu-
nho de paz, de 1972.
-geral,3 assume uma posição firme pelos direitos dos presos políti-
cos, contra a perseguição, a tortura.
Em 1977, na Assembleia Geral do Episcopado, os bispos
aprovam um documento, Exigências cristãs de uma ordem política,
crítico à ditadura, cuja novidade consiste em ter sido assinado
pelo conjunto dos bispos. Até então, já tinham sido lançados ou-
tros documentos, alguns mais críticos do que esse, mas assumidos
apenas por parte do episcopado.
Em 1979, outro atentado é cometido pelos militares contra
Dom Adriano Hypólito, bispo de Nova Iguaçu. Explodiram uma
bomba embaixo do altar-mor da catedral da diocese. Em reação
a esse ato, dez dias depois dez mil pessoas participaram de uma
procissão em desagravo a Dom Adriano.
O episcopado continuou a publicar documentos coletivos
sobre questões sociais nos anos seguintes, que foram discutidos
e aprovados por ocasião de cada Assembleia Geral da CNBB.
Em 1980, o documento se intitulava Igreja e problemas da terra
e denunciava a concentração da propriedade da terra no Brasil,
as condições de vida e a exploração dos trabalhadores do campo,
a violência exercida contra eles e o modelo político a serviço da
grande empresa.
3
De 1971 a 1979, por dois mandatos, Dom Aloísio e Dom Ivo serão mantidos
nesses cargos. Em seguida, Dom Ivo foi presidente nos dois mandatos seguintes,
1979-1983 e 1983-1987.
A Igreja e a ditadura militar 29
4
O Ato Institucional n° 2, de 1965, suspendera as eleições diretas para gover-
nador.
32 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
Considerações finais
5
Utilizo esta nomenclatura – moderados, conservadores, progressistas – no sen-
tido descritivo, sem preocupação conceitual: progressistas seriam os bispos mais
críticos ao regime militar e também mais comprometidos com a renovação da
Igreja e com os setores populares; conservadores seriam os bispos mais favoráveis
ao regime e à manutenção da Igreja tradicional; moderados seriam os que se si-
tuam entres esses dois grupos, aceitam alguma renovação mas não demais e têm
alguma crítica ao regime militar.
34 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
Referências
SADER, Eder. Quando novos personagens entraram em cena. Rio: Paz e Terra,
1988.
SOUZA, Luiz Alberto G. de. A JUC: os estudantes católicos e a política. Petró-
polis: Vozes, 1984.
VALLE, Rogério & PITTA, Marcelo. Comunidades eclesiais católicas: resultados
estatísticos no Brasil. Petrópolis: Vozes/CERIS, 1994.
Parte I
Religião e movimentos sociais:
artigos
Religiosidade jovem: reflexo da crise
do pertencimento institucional nas
fileiras do alistamento militar
*
Doutora em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ).
40 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
1
Os questionários foram encaminhados às 1ª, 5ª, 7ª, 8ª, 11ª, 14ª, 16ª, 17ª seções
da 1ª Região Militar.
42 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
2
Convém ressaltar que os formulários oficiais do recrutamento militar não apre-
sentam campo para coleta de informação sobre religião.
Parte I – Religião e movimentos sociais: artigos 43
3
O IDH é um instrumento criado pelo Programa das Nações Unidas para o De-
senvolvimento (PNUD), resultante da combinação de vários indicadores de saú-
de e sobrevivência, além do acesso ao conhecimento e a recursos monetários. O
IDH varia de zero a um, definido como alto (IDH > 0.8), médio (0.8> IDH
>0.5) e baixo (IDH <0.5). Estes podem, ainda, ser subdivididos: médio-baixo
(0.6> IDH >0.5), médio-médio (0.7> IDH >0.6) e médio-alto (0.8> IDH >0.7).
Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA); Índice de Desenvol-
vimento Humano (IDH). Rio de Janeiro, 2000. Disponível em: <http://www.
ipeadata.gov.br>. Acessado em 30/04/ 2008.
4
O XII Censo Demográfico (2010) contou com 191.972 recenseadores, que per-
correram os 8.514.876,599 km² do território nacional, nos 5.565 municípios
brasileiros. Seus resultados foram divulgados paulatinamente, sendo que os da-
dos sobre religião só foram liberados em julho de 2012. Fonte <http://www.
sidra.ibge.gov.br/cd/cd2010CGP.asp>.
Parte I – Religião e movimentos sociais: artigos 45
5
Alguns indivíduos manifestaram confusão entre as definições de ateu e agnósti-
co, incompatíveis com o comportamento que apresentavam. Contudo, não nos
propusemos a verificar os limites do ateísmo ou agnosticismo de cada um neste
trabalho, o que foi resolvido com a reclassificação do grupo como “sem-religião
sem religiosidade”.
46 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
6
Especificamente entre os nossos jovens sem-religião, 91 disseram que não tinham
religião, mas acreditavam em Deus; 38 agnósticos; 13 ateus; 11 seguidores do
espiritismo kardecista; 4 de cultos afro-brasileiros; 3 judeus; 1 membro da Igreja
Messiânica Mundial e 1 se declarou budista.
Parte I – Religião e movimentos sociais: artigos 47
7
Protestantismo de imigração, a primeira das formações do protestantismo.
8
Por sua natureza sincrética, pode ser considerada uma “religião brasileira por
excelência”.
Parte I – Religião e movimentos sociais: artigos 49
9
A pesquisa faz parte do Projeto Juventude/Instituto Cidadania, disponível em:
<http://www.projetojuventude.org.br>.
52 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
dariam uma religião aos filhos, mas deixariam que eles próprios
escolhessem. Lembramos aqui que os conflitos geracionais por di-
ferentes visões de mundo também podem ser percebidos de for-
ma positiva, como facilitadores da construção de identidades e
de adaptação ao grupo no qual o jovem está inserido. São esses
embates na juventude que impulsionam transformações, não tão
evidentes em adultos, que tendem a apresentar valores mais cris-
talizados, portanto mais resistentes a mudanças.
Quando indagamos nossos entrevistados fluminenses sobre
os motivos que podem levar uma pessoa a buscar uma religião,
nossos resultados indicaram um caminho diferente, onde a in-
fluência da família não superou a motivação pessoal da busca do
bem-estar. O ranking das justificativas foi o seguinte: busca de
conforto (23%), busca de equilíbrio (18,9%), força da educação
familiar (18,7%), busca de explicação para a vida (17,7%) e medo
da morte ou da solidão (6,5%). Também questionamos sobre as
práticas religiosas, localizando 46% que declararam que frequen-
tavam culto religioso, mas bem próximos 48,8% que não fre-
quentavam. Ainda que consideremos que as instituições religiosas
podem proporcionar espaços de agregação social, principalmente
para jovens, com possibilidade de compartilhar atividades varia-
das e usufruir de benefícios sociais, nem todos as percebem desse
ângulo. Assim, se encontramos grupos jovens católicos, evangé-
licos, espíritas ativistas de ações sociais diversas, também temos
aqueles que se afastam desses vínculos e suas redes, muitas vezes
por insatisfação com os serviços oferecidos pela instituição que co-
nheceram. Isso pode ser reforçado quando verificamos que 21,7%
dos nossos entrevistados declararam que não precisavam estar
vinculados a uma religião para acreditar em Deus e 2,2% que
não gostavam de vínculos com religiões. A despeito do percentual
expressivo de entrevistados que não frequentavam cultos religiosos
nem queriam afiliações institucionais, 52,7% admitiram que cos-
tumavam rezar, 0,2% que rezavam às vezes, 30,1% que não reza-
Parte I – Religião e movimentos sociais: artigos 55
Considerações finais
Referências
*
Professor adjunto do Centro de Ciências Humanas e Sociais da Universidade
Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).
58 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
1
Tratarei desse aspecto da vida religiosa católica – a inserção em meios populares
– mais adiante.
2
Cf. em <http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000039.pdf>.
Acessado em 6/10/2011.
Parte I – Religião e movimentos sociais: artigos 61
3
Cf. o interessante trabalho de Santos, C. N. F. dos & Vogel, Arno (orgs.). Quan-
do a rua vira casa: a apropriação de espaços de uso coletivo em um centro de bairro
(1985).
4
Esses adultos que “tomam conta” são semelhantes aos “olhos da rua” enunciados
por Jane Jacobs (2000).
62 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
5
Religiosas, freiras e irmãs são termos tomados como correlatos quanto ao seu
significado.
64 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
lher persistente quando narra sua ida para o convento, aos vinte
anos, a contragosto do pai:
6
Para melhor compreensão das ideias aqui apresentadas, queremos destacar que os
textos em análise foram produzidos por duas autoridades políticas. Por um lado,
Henrique Dodsworth, o qual, entre outros cargos, foi interventor no Distrito
Federal, então o Rio de Janeiro, indicado por Getúlio Vargas. Por outro lado,
Carlos Lacerda, jornalista e político, opositor a Getúlio. As séries de textos foram
selecionadas por tratarem especificamente sobre as favelas do Rio de Janeiro e os
projetos dos dois para essa “problemática” urbana.
70 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
Referências
JACOBS, Jane. Morte e vida de grandes cidades. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
JOÃO DO RIO. A alma encantadora das ruas. Disponível em: <http://www.
dominiopublico.gov.br/download/texto/bn000039.pdf>. Acessado em
6/10/2011.
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144, jan. 2005.
SANTOS, C. N. F. dos & VOGEL, Arno (orgs.). Quando a rua vira casa: a
apropriação de espaços de uso coletivo em um centro de bairro. 3ª ed. rev. e
atualizada. São Paulo: Projeto, 1985.
VALLA, Victor Vincent (org.). Educação e favela. Políticas para as favelas do Rio
de Janeiro, 1940-1985. Petrópolis: Vozes, 1986.
VALLA, Victor Vincent & GUIMARÃES, Maria Beatriz. “A busca da saúde
integral por meio do trabalho pastoral e dos agentes comunitários numa fa-
vela do Rio de Janeiro”. Ciencias Sociales y Religión/Ciências Sociais e Religião.
Porto Alegre, ano 8, n° 8, out. 2006, pp. 139-54.
VIDAL, Dominique. “A linguagem do respeito. A experiência brasileira e o sen-
tido da cidadania nas democracias modernas”. DADOS – Revista de Ciências
Sociais. Rio de Janeiro, v. 46, n° 2, 2003, pp. 265-87.
Ideologia político-religiosa x
político-pragmática: o caso dos
movimentos sociais no Brasil1
*
Professor e pesquisador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
1
Pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio
Grande do Sul (FAPERGS).
80 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
2
Disponível em: <http://www.mst.org.br/taxonomy/term/330>. Acessado em
19/07/2012.
3
Disponível em: <http://www.mmcbrasil.com.br/menu/historia.html>. Acessado
em 19/07/2012.
Parte I – Religião e movimentos sociais: artigos 83
4
Disponível em: <http://www.mmcbrasil.com.br/menu/historia.html>. Acessado
em 19/07/2012.
84 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
5
Disponível em: <http://sp.unmp.org.br/index.php?option=com_content&view
=article&id=391&Itemid=>. Acessado em 24/07/2012.
6
Disponível em: <http://www.portalflm.com.br/luta-historico>. Acessado em
19/07/2012.
Parte I – Religião e movimentos sociais: artigos 85
A ideologia político-religiosa
Ideologia político-pragmática
Referências
*
Professor do Centro Universitário de Volta Redonda (UniFOA).
98 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
[...] Eu tomei esta decisão.../ Passá fome e frio com Deus no meu
coração./ Não podia contá pra ninguém porque ninguém me
dá atenção./ [...]/ Meu filho ficou desempregado, foi mandado
embora pelo patrão.../ Foi mandado embora sem direito a nada
porque não era registrado, porque o patrão disse que ele não
tinha direito não.../ [...]/ Eu tomei uma atitude e também uma
solução.../ Participar de uma terra e também de uma reunião,/
Para ver se a gente plantava arroz e feijão,/ Para matar a fome dos
meus filhos que eu tinha compaixão,/ [...]/ Eu ia para o Rosolém
de pé lá do Matão,/ Com meu pezinho no chão,/ Eu ia com fé
em Deus e Jesus no coração,/ [...]/ Eu largava os meus filhos,
pareciam que estavam abandonados, mas não era isso não.../ Eu
estava procurando uma solução para a gente matar a fome dos
meus filhos e também do nosso irmão,/ [...].
1
A íntegra do poema e uma análise mais detida do mesmo podem ser encontradas
em Machado: 2002; 2009.
Parte I – Religião e movimentos sociais: artigos 103
2
Lísias Nogueira Negrão fala em um mínimo denominador comum na cultura
religiosa popular do brasileiro “capaz de ser identificado pelo homem religioso
nos diferentes cultos integrantes do campo” (1997, 70).
Parte I – Religião e movimentos sociais: artigos 105
3
Stédile, a mais conhecida liderança do MST no Brasil, confirma a influência de
Ghandi e Martin Luther King para as estratégias não violentas do movimento
(Stédile & Fernandes: 1999, 62).
Parte I – Religião e movimentos sociais: artigos 107
4
A imagem original da menina Luciana diante da tropa de choque da Polícia
Militar pode ser vista reproduzida em Fernandes (1999) e também em Machado
(2009).
5
Também entrevistei Sinésio em minha pesquisa de mestrado e ele era bastante
jovem na época da ocupação do Grupo II, ainda não envolvido com a liderança
da comunidade.
6
Reafirmando que o tipo ideal em Weber (2000, 5) é parte de sua metodologia,
indicando um modelo construído mentalmente para auxiliar na investigação das
conexões de sentido feitas pelos indivíduos que influem nas diferentes formas
de ação social. Não se trata da construção de modelos de comportamento que
devem ser seguidos pelos indivíduos em sociedade, muito menos de padrões de
conduta que devemos procurar na realidade. O tipo ideal é uma ferramenta con-
ceitual de análise social e não de normatização social.
Parte I – Religião e movimentos sociais: artigos 109
E tinha uns fiscais que falava, né, que coordenava. Mas mesmo
assim não dava certo. Pra começar a gente falava assim: Aqui
tudo é nosso. Pra que um vai mandar no vizinho, certo? Tem
muitos nessa cabeça, né? Não é igual a firma. A firma não, cê
é obrigado a cumprir, a respeitar o, como é que fala? o coorde-
nador, né? E aqui não, aqui uns faz de um jeito, outro faz de
outro. É complicado. Então pra não criar mais divergência, né,
falamos: “Se achar melhor vota”. E ninguém queria mais (Ma-
chado: 2009, 87).
7
Os Assentamentos I e II são organizados em sistema de agrovila.
112 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
Considerações finais
Referências
*
Professora do Departamento de Serviço Social da Universidade Federal Flumi-
nense (UFF).
118 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
Considerações finais
Referências
*
Professora adjunta do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Fede-
ral Fluminense (UFF).
132 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
Considerações finais
Referências
BRESSER PEREIRA, Luiz Carlos & GRAU, Nuria C. (orgs.). O público não
estatal na reforma do Estado. Rio de Janeiro: FGV, 1999.
COUTINHO, Carlos Nelson. Gramsci: um estudo sobre seu pensamento político.
Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007.
142 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
*
Doutorando em Ciências Sociais na Universidade do Estado do Rio de Janeiro
(UERJ), é professor do Centro Universitário Uniabeu.
146 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
1
Levamos em consideração que, na diocese de Nova Iguaçu, não temos a ado-
ção unívoca da visão da TL por parte do clero ou dos fiéis (cf. Assis: 2008). A
ênfase aqui apontada para essa tendência se refere à nossa escolha de material
de pesquisa.
Parte II – Religião e movimentos sociais: comunicações 149
A Teologia da Libertação
2
Os movimentos “Pró-PT”, segundo o prefeito Artur Messias, em entrevista con-
cedida em março de 2010, seriam uma organização iniciada dentro da diocese
pelos militantes da PJ e de outras pastorais, no ano de 1980.
3
Essa opção preferencial pode ser encontrada nas propostas do Concílio Vaticano
II (1962-1965) e ratificada – até mesmo potencializada – nos documentos do
Conselho Episcopal Latino-Americano (Celam) de Puebla (1968) e Medellín
(1979). Cf. Concílio Vaticano II (2002) e Celam (2005).
Parte II – Religião e movimentos sociais: comunicações 151
gura do papa João XXIII. Ela chega ao país em meados dos anos
1960, através de textos de teólogos como Leonardo e Clodovis
Boff, Carlos Mesters, Frei Betto, dentre outros.
O marcante nessa nova teologia é a presença da interpreta-
ção social marxista num caráter humanista – busca da igualdade
social, defesa dos direitos da pessoa humana –, ainda que alguns
de seus propositores não a declarem abertamente como tal. Ela se
apresenta como uma forma de teologia de cunho militante, hu-
manista e cristão, que propõe como meta a construção do “Reino
de Deus”, traduzido como igualdade social e o fim da opressão.
Essa mescla é apontada por Löwy da seguinte maneira:
A Pastoral da Juventude
4
Um nome de peso na produção de materiais de formação de lideranças engajadas
na TL é o do padre Jorge Boran, sendo seu livro mais famoso Juventude: o grande
desafio.
Parte II – Religião e movimentos sociais: comunicações 155
e leigos, sendo que seus assessores eram todos adultos. Suas prer-
rogativas de participação política se encontram nos documentos
do Celam. A PJ teria como proposta: “a) Fomentar nos jovens o
senso crítico e a capacidade de analisar a realidade cultural e so-
cial do mundo onde vivem. [...] c) Ajudar o jovem a integrar sua
dimensão de fé com o compromisso sociopolítico” (Celam: apud
CCJ, s/d, 19).
Os materiais didáticos da PJ se apropriavam explicitamente
da vertente de esquerda da Igreja, comprometida com a TL. Esta
teve um papel importante na organização de militâncias jovens da
diocese de Nova Iguaçu que compuseram, em sua fase de matu-
ridade pastoral, os principais quadros na política de esquerda na
região. Esses militantes católicos apresentam-se hoje como base
do PT nas áreas compostas pela diocese, além de preencherem
papéis-chave em movimentos sociais locais.
Uma rede de atuação política surgiu, nos anos 1980, no
interior da PJ: a Rede Minka. Esse grupo se dedica à organização
política partidária, compromissada com as propostas da PJ.
Hoje a Pastoral da Juventude, em todas as suas instâncias,
não compõe mais a hegemonia no tocante à juventude católica.
O “Setor Juventude” da Igreja reservou para si esse trabalho, mas,
ainda assim, em setores sociais com grande participação de jovens
no mundo do trabalho, como no ABC Paulista, onde a PJO e a
PJMP organizam-se como forças políticas. Ainda que resistentes,
as forças politizadas da PJ sentem as mudanças ocorridas den-
tro da Igreja e, principalmente, nos próprios jovens católicos, não
mais tão interessados na luta política, e sim na busca de identida-
de e espiritualidade.
O desinteresse pela política e a opção de uma vivência reli-
giosa mais espiritualizada não configurariam um embate entre os
grupos carismáticos e a PJ, ou, como se dizia nos anos 1990 na PJ
diocesana de Nova Iguaçu, uma “infiltração” dos carismáticos e a
“alienação” do jovem. Os jovens teriam escolhido outras opções
156 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
5
Deve-se ter em mente que o município de Mesquita, mesmo que tenha se eman-
cipado de Nova Iguaçu em 1999, ainda pertence à jurisdição da diocese de Nova
Iguaçu, assim como outros municípios, como Belford Roxo e Japeri.
158 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
Considerações finais
Referências
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JACOB, César Romero; HEES, Dora Rodrigues et al. Atlas da filiação religiosa
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Loyola/CNBB, 2003.
______. “Território, cidade e religião no Brasil”. Religião e Sociedade, v. 24, nº
2, 2004, pp. 126-51.
LÖWY, Michael. “Cristianismo da libertação e marxismo: de 1960 a nossos dias”.
In: RIDENTI, M. & REIS FILHO, D. A. (orgs.). História do marxismo no
Brasil. Campinas: Unicamp, v. 5, 2007, pp. 411-37.
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liense, 2004.
NOVAES, Regina. “Os jovens, os ventos secularizantes e o espírito do tempo”. In:
TEIXEIRA, F. & MENEZES, R. (orgs.). As religiões no Brasil: continuidades
e rupturas. Petrópolis: Vozes, 2006, pp.135-60.
OLIVEIRA, Rogério de. Pastoral da Juventude: e a Igreja se fez jovem. São Paulo:
Paulinas, 2004.
RIDENTI, Marcelo. “Ação Popular: cristianismo e marxismo”. In: RIDENTI,
M. & REIS FILHO, D. A. (orgs.). História do marxismo no Brasil. Campinas:
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TEIXEIRA, Faustino. “Faces do catolicismo brasileiro contemporâneo”. In:
TEIXEIRA, F. & MENEZES, R. (orgs.). As religiões no Brasil: continuidades
e rupturas. Petrópolis: Vozes, 2009.
WEBER, Max. Economia e sociedade. São Paulo: UnB/Imprensa Oficial, 2004,
v. 1.
Espionagem, inculpações e repressão
na Baixada Fluminense: a Igreja
Católica e a rede de subversivos
*
Mestre em História Social pelo PPGHIS/IH/UFRJ.
1
O Concílio Vaticano II, XXI Concílio Ecumênico da Igreja Católica, foi convo-
cado no dia 25 de dezembro de 1961, através da bula papal Humanae Salutis,
pelo papa João XXIII. Este mesmo papa inaugurou-o, a ritmo extraordinário, no
dia 11 de outubro de 1962. O concílio, realizado em 4 sessões, só terminou no
dia 8 de dezembro de 1965, já sob o papado de Paulo VI.
164 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
2
Uma análise do intervencionismo das Forças Armadas, vistas como um poder
moderador para restabelecer a ordem do sistema político em momentos de crise,
foi feita por Alfred C. Stepan, em Os militares na política (1975).
166 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
3
Para o ano de 1975, o território municipal estendia-se por uma área de 764
km² e estava dividido em seis distritos: Nova Iguaçu (sede), Queimados, Vila de
Cava, Belford Roxo, Mesquita e Japeri. Apresenta uma topografia perfeitamente
definível pela Baixada da Guanabara, comumente chamada Baixada Fluminense,
que, após o seu saneamento – a partir de 1933 –, permitiu um extraordinário
crescimento populacional e aglutinação da área urbana de Nova Iguaçu ao or-
ganismo metropolitano constituído em torno da cidade do Rio de Janeiro. Em
1920, o município de Nova Iguaçu tinha 33.396 habitantes (incluía então os
atuais municípios de Duque de Caxias, Nilópolis e São João de Meriti) e passou,
em 1975, para 931.954 habitantes, tornando-se, assim, o oitavo município mais
populoso do Brasil (no ano de 1922, em estimativas feitas para Vila de Iguaçu,
criada em 1833, haveria 6.000 habitantes que, cinquenta anos depois, seriam
aproximadamente 900.000, representando um aumento, no período, de mais de
1.500%). Cf. Sotenos: 2013, 86.
4
Arquivo Público do Estado do Rio de Janeiro (APERJ). Partido Comunista do
Brasil – Ala Vermelha. Autocrítica (1967-1973). Darf, AV, DDI-I, doc. 21. Ja-
neiro de 1974, p. 5.
Parte II – Religião e movimentos sociais: comunicações 169
5
Ao procurar apontar a gênese da distensão, Fernando Henrique Cardoso (1980)
vislumbrou pelo menos quatro vertentes interpretativas: a “estratégico-conser-
vadora”, que aponta ter sido a mudança do regime uma resposta à necessidade
estratégica no sentido de evitar o “desgaste de poder”; a “estrutural crítica”, que
aponta que o processo distensionista era inexorável, pois o governo perdera sua
base de “sustentação civil” junto com a crise do petróleo de 1973 – que sinalizava
o esgotamento do modelo econômico. Na vertente “liberal democrática”, não
é a crise, mas o êxito econômico que explica a erosão da legitimidade. Assim,
o modelo de desenvolvimento adotado gerou transformações que ampliaram o
espectro das demandas da sociedade civil. O último modelo referido é o que
procura explicar a distensão com base na “crise de hegemonia”, já que tal vertente
valoriza a articulação de forças externas ao Estado, como os movimentos sociais
que ganharam força com a distensão.
Parte II – Religião e movimentos sociais: comunicações 171
6
Para consultar essa visão, ver Couto, Ronaldo Costa: 1998; Skidmore, Thomas:
1991; e D’Araujo, Maria Celina & Castro, Celso (orgs.): 1995.
172 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
7
“Desde 1972 discutiam-se, no governo, alternativas formais de mudanças po-
líticas. Em 1973, a pedido de Leitão de Abreu, chefe da Casa Civil, o cientista
norte-americano Samuel Huntington escreveu um documento intitulado Méto-
dos de descompressão política, debatido por políticos intelectuais brasileiros” (Reis
Velloso, João Paulo dos: 2004, 137).
No entanto, vale salientar que a dinâmica política não se enquadra em esquemas
predefinidos, o que conferiu ao processo um conjunto de nuances que afasta a
ideia de controle absoluto do governo.
8
É reconhecido o papel da Lei de Anistia de 1979 no que se refere ao relativo apa-
ziguamento das tensões no período de abertura, possibilitando o melhor enten-
dimento nas negociações entre os setores opositores moderados e o governo. Ao
mesmo tempo, deve ficar enfatizada a importância que teve para a impunidade,
à medida que consolidou a não culpabilização dos responsáveis pelo arbítrio.
9
É bem sabido que a campanha pela anistia surgiu no contexto da “abertura”, que
em 1975 foi criado o Movimento Feminino pela Anistia e que essa campanha foi
ganhando cada vez mais adeptos, até que em 1978 formou-se o Comitê Brasilei-
ro pela Anistia, lançado no Rio de Janeiro com o apoio do general Perry Bevilac-
qua, punido em 1969 pelo AI-5. Ver, de Carlos Fico, “A negociação parlamentar
da Anistia de 1979 e o chamado ‘perdão aos torturadores’”. Texto disponível em
<www.ppghis.ifcs.ufrj.br>.
Parte II – Religião e movimentos sociais: comunicações 173
10
APERJ – Prontuário 2214772/2, cx. 3032 (aberto em 17 de dezembro de 1957)
– s/p. DPPS/RJ/Interior 1979.
176 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
11
APERJ, série Comunismo, pasta 157, f. 6, 1981.
Parte II – Religião e movimentos sociais: comunicações 177
12
Informação SNI nº 503/19/AC/75. APERJ: série Informações, pasta 155, ff. 66-
71, 1978.
180 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
13
APERJ, Serviço Nacional de Informações/RJ, pedido de busca nº 059//74/ARJ/
SNI, Difusão: 1º Exército – SR/DPF/RJ – DOPS/RJ, Prontuário nº 32.444 –
gaveta nº 405, 1974.
14
Idem.
Parte II – Religião e movimentos sociais: comunicações 181
15
Informação SNI nº 503/19/AC/75. APERJ: série Informações, pasta 155, ff. 66-
71, 1978.
16
Idem.
182 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
17
Para o entendimento de “corpo de especialistas”, ver Bourdieu, Pierre: 2003,
cap. I.
Parte II – Religião e movimentos sociais: comunicações 183
18
APERJ, série DGIE, pasta 247, cx. 1220 – doc. 296, v. 1977.
19
Idem.
20
APERJ, série Município, pasta 152, f. 2069, cx. 626, doc. 2004, 1980. Difusão
CI/DPF–SI/ DPF1/NIT-I EX.
184 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
21
APERJ, série Informações, pasta 155, ff. 66/71, produzido pelo DARQ/DGIE
em 26 de junho de 1978.
Parte II – Religião e movimentos sociais: comunicações 185
22
APERJ, DGIE, pasta 247, cx. 1220, f. 5, doc. 20. Produzido pela Polícia Militar
em 1976, 20º BPM.
186 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
23
Não sem motivo, na ocasião do sequestro e posterior explosão do carro do bis-
po, Dom Ivo Lorscheider, secretário geral da CNBB, que o acompanhou numa
entrevista coletiva concedida dias após o ocorrido, fez algumas reclamações sobre
a postura do governo de não emitir nenhuma nota à CNBB sobre o ocorrido:
“a gente esperava pelo menos uma palavra de conforto pelo acontecido, mas o
silêncio do governo foi total e estranho a nosso ver”. APERJ, série Informações,
pasta 155, ff. 66/71, produzido pela DARQ/DGIE em 19 de abril de 1978.
24
Partilho a tese de que
a estratégia de Geisel de contenção dos bolsões radicais mais sinceros, como
eram chamados pelos dirigentes militares, não se propunha a anular o de-
sempenho das funções repressivas do Estado. A intenção era a de recuperar
um clima político que evocasse o Estado de Direito, e para isso tornava-se
necessário obter um controle mais rigoroso sobre os aparatos de segurança
que desafiavam qualquer limite legal instituído (Carvalho: 2005, 132).
Parte II – Religião e movimentos sociais: comunicações 187
Considerações finais
25
No dia 16 de maio de 2012, foi publicado o Decreto n° 7.724, sancionado pela
presidenta da República, Dilma Rousseff, que veio regulamentar a nova Lei de
Acesso à Informação (Lei n° 12.527, de 18 de novembro de 2011, permitindo
que as instituições públicas detentoras de documentos com restrições de acesso
liberassem tais documentos à consulta pública). Cf. Ishaq & Souza: 2012, 7.
Parte II – Religião e movimentos sociais: comunicações 189
Referências
Adriana Gomes* 1
*
Mestre em História Política pela UERJ e professora da Secretaria de Estado de
Educação do Rio de Janeiro.
194 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
1
“Esse conflito girou em torno do celibato do clero, defendido pelo padre Diogo
Antônio Feijó e outros parlamentares, e da não confirmação por parte da Santa
Sé da nomeação do padre Antonio Maria Moura para o bispado do Rio de Ja-
neiro, por ter ele assinado projetos contrários aos preceitos eclesiásticos então
vigentes. Essa recusa da Santa Sé foi interpretada como uma violação do art. 102
da Constituição, que estabelecia o direito do governo imperial de nomear bispos:
essa recusa constituía uma afronta à soberania da nação. Por isso o regente Pe.
Feijó manifestou, em 1836, claramente o intento de separar a igreja brasileira da
igreja romana, fato que gerou importantes embates que somente foram supera-
dos com a retirada do padre Feijó da regência imperial e com a renúncia do padre
Moura ao bispado do Rio de Janeiro” (Oro: 2005, 438).
2
“Conflito ocorrido quando o bispo de Olinda, frei Vital Maria, resolveu apli-
car, em 1872, os preceitos das encíclicas Quanta Cura, Syllabus de Erros e Qui
Pluribus, do papa Pio IX, as quais sustentavam a proibição da comunhão entre
católicos e maçons, prática comum no país. Com base nesses documentos, o
mencionado bispo recusou a celebração comemorativa da fundação de uma loja
maçônica em Pernambuco e ordenou às confrarias religiosas que expulsassem
seus membros ligados às ‘sociedades secretas’. Tais medidas foram também ado-
tadas por Dom Antonio Macedo Costa, bispo do Pará. A maçonaria reagiu recor-
rendo ao governo imperial, que, em razão da sustentação das medidas por parte
de ambos os bispos, condenou-os, em 1874, a quatro anos de prisão em regime
de trabalho forçado, anistiados no ano seguinte” (Oro: 2005, 438).
Parte II – Religião e movimentos sociais: comunicações 195
3
Em 1876 fundou-se a primeira Sociedade Positivista do Brasil, tendo à frente
Raimundo Teixeira Mendes (1855-1927), Miguel Lemos (1854-1917) e Benjamin
Constant (1833-1891). No ano seguinte, os dois primeiros viajaram para Paris,
onde conheceram os fiéis seguidores de Comte: Émile Littré (1801-1881) e
Pierre Laffite (1823-1903). Miguel Lemos decepcionou-se com “o vazio do
littreísmo” e tornou-se adepto fervoroso da Religião da Humanidade, dirigida por
Laffite. De volta ao Brasil, Miguel Lemos iniciou uma contínua e enérgica ação
política, social e religiosa a partir dos princípios do Positivismo, transformando
a antiga Sociedade Positivista do Brasil, de caráter acadêmico, mas apática, no
Apostolado e na Igreja Positivista no Brasil. Sua finalidade era formar adeptos
que contribuíssem para a renovação do pensamento político e social, através de
intervenções oportunas nos negócios públicos, tomando posição a respeito das
mais variadas questões sociais, políticas e religiosas, como o abolicionismo e o
republicanismo, a defesa dos direitos sociais e trabalhistas, o bem-estar social, a
separação entre a Igreja e o Estado, a liberdade profissional, dentre outras.
200 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
4
Art. 157 – Praticar o espiritismo, a magia e seus sortilégios, usar de talismãs
e cartomancias, para despertar sentimentos de ódio ou amor, inculcar cura de
moléstias curáveis ou incuráveis, enfim, para fascinar e subjugar a credulidade
pública:
Penas – de prisão celular de um a seis meses, e multa de 100$000 a 500$000.
Parte II – Religião e movimentos sociais: comunicações 203
Parágrafo 1°: Se, por influência, ou por consequência de qualquer destes meios,
resultar ao paciente privação ou alteração, temporária ou permanente, das facul-
dades psíquicas:
Penas – de prisão celular por um ano a seis anos, e multa de 200$000 a 500$000.
Parágrafo 2º: Em igual pena, e mais na privação de exercício da profissão por
tempo igual ao da condenação, incorrerá o médico que diretamente praticar
qualquer dos atos acima referidos, ou assumir a responsabilidade deles.
5
Art. 156 – Exercer a medicina em qualquer de seus ramos, a arte dentária ou
a farmácia; praticar a homeopatia, a dosimetria, o hipnotismo ou magnetismo
animal, sem estar habilitado segundo as leis e regulamentos:
Penas – de prisão celular por um a seis meses, e multa de 100$000 a 500$000.
Parágrafo único: Pelos abusos cometidos no exercício ilegal da medicina em geral,
os seus atores sofrerão, além das penas estabelecidas, as que forem impostas aos
crimes que derem casos.
Art. 158 – Ministrar ou simplesmente prescrever, como meio curativo, para uso
interno ou externo, e sob qualquer forma preparada, substância de qualquer dos
reinos da natureza, fazendo ou exercendo assim, o ofício do denominado curan-
deirismo.
Penas – de prisão celular por um a seis meses, e multa de 100$000 a 500$000.
Parágrafo único: Se do emprego de qualquer substância resultar à pessoa privação
ou alteração, temporária ou permanente, de suas faculdades psíquicas ou funções
fisiológicas, deformidades, ou inabilitação do exercício de órgão ou aparelho or-
gânico, ou, em suma, alguma enfermidade:
Penas – de prisão celular por um a seis anos, e multa de 200$000 a 500$000.
Se resultar morte:
Pena – de prisão celular por seis a vinte e quatro anos.
204 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
limitados pela vontade de Deus (p. 26). Isso não quer dizer que os
médicos e os intelectuais não tentassem estabelecer distinções entre
a ciência e o charlatanismo. Afinal, havia uma intensa mobilização
para a modernização e o saneamento, incompatíveis com práticas
populares curandeiras. Por isso, as motivações para a criação dos
artigos relativos à saúde pública.
Todavia, os artigos 156, 157 e 158 foram muito questio-
nados pelas suas próprias incoerências, sobretudo quando con-
frontados com o que instituía a Constituição Federal de 1891.
O artigo 156 foi questionado por ordem técnica. A Constituição
de 1891, no seu artigo 72, no § 24, garantia o “livre exercício de
qualquer profissão moral, intelectual e industrial”, sem mencionar
a habilitação profissional. Nesse caso, as práticas da medicina po-
pular poderiam ser aceitas. A Constituição revogaria o que estava
sendo mencionado no Código Penal. Além disso, outra polêmica
gerada no artigo 156 diz respeito ao legislador ter diferenciado
“exercer medicina” e “praticar a homeopatia e a dosimetria”, se no
exercício eram todas técnicas científicas de cura.
No artigo 157, a polêmica também foi em torno do artigo
72, mas no § 3 da Constituição de 1891, que dava a todos os
indivíduos e confissões religiosas o direito de exercerem pública
e livremente seus cultos. Portanto, o espiritismo não poderia ter
sido criminalizado. Entretanto, o Estado não interpretava as con-
fissões religiosas mediúnicas como religiões reconhecidas pelo Es-
tado, dessa forma eram passíveis de perseguição pela ilegitimidade
religiosa. O espiritismo expressava um saber ilegítimo, no texto
do Código Penal, porque poderia conduzir o indivíduo à ilusão,
sugestionando sentimentos que poderiam afetar em diferentes ní-
veis a sanidade psicológica dos crédulos.
Já o artigo 158 referia-se ao curandeirismo e às práticas
mágico-religiosas de valor curativo, que tanto afligiam a cienti-
ficidade dos médicos. Na retórica do artigo, pressupõe-se que os
sistemas e as práticas compreendidas como ilegítimas para a ob-
Parte II – Religião e movimentos sociais: comunicações 207
Referências
CARVALHO, José Murilo de. Os bestializados: a República que não foi. São
Paulo: Companhia das Letras, 2004.
FERREIRA, Júlio de Andrade. História da Igreja Presbiteriana no Brasil. São
Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1992.
GIUMBELLI, Emerson. O fim da religião: dilemas da liberdade religiosa no Brasil
e na França. São Paulo: Attar, 2002.
LEITE, Fábio Carvalho. “Laicismo e outros exageros sobre a Primeira República”.
Religião & Sociedade, v. 31, n° 1, 2011, pp. 32-60.
MONTERO, Paula. “Religião, pluralismo e esfera pública no Brasil”. Novos
Estudos, n° 74, 2006, pp. 47-65.
ORO, Ari Pedro. “Considerações sobre a liberdade religiosa no Brasil”. Ciências
& Letras, n° 37, 2005, pp. 433-47.
Parte II – Religião e movimentos sociais: comunicações 209
*
Mestra em Educação Brasileira pela Faculdade de Educação da Universidade Fe-
deral do Ceará (UFC).
212 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
Procedimentos metodológicos
Eu sofria muito, porque eu não merecia que ele fizesse isso comi-
go. No final de semana, quando eu via fazer a barba e se arrumar,
eu sabia que ele foi farrear, só voltava na segunda-feira, mas eu
nunca dizia nada com ele. Eu chorava escondido dos meninos.
Fiz umas promessas. Eu pensava em ir embora, mas não tinha
para onde ir. Tinha o meu pai, mas era como se não tivesse.
Parte II – Religião e movimentos sociais: comunicações 227
Referências
Mariana Vieira* 2
*
Graduada em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo (USP).
1
Agradeço à professora Margarida Maria Moura, pelo auxílio e incentivo nesta
pesquisa.
2
Durkheim, em As formas elementares da vida religiosa, afirma que, “no fundo,
portanto, não há religiões falsas. Todas são verdadeiras a seu modo: todas cor-
respondem, ainda que de maneiras diferentes, a condições dadas da existência
humana” (1999, viii).
232 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
3
“O menino da tábua”, música consagrada pela dupla Pardinho e Pardal, cujo
sucesso serviu para ampliar o domínio público do fenômeno “menino da tábua”
e para construção de sua capela de milagres, no cemitério municipal da cidade de
Maracaí.
234 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas
tante para a cidade, tornada uma atração graças aos milagres que
o “menino”, na expressão da comunidade local, realiza. Segundo
o zelador entrevistado, o que mais caracteriza essa festa é, cate-
goricamente falando, o seu caráter religioso, destacando-se, nesse
sentindo, as quadras das folias de santos reis, os shows de música
de raiz, as missas e uma exposição de comidas típicas, tudo isso
constituindo um lastro no qual se pode observar um esforço de
atualização do rito, sem que se incorra em sua banalização. Isso
reforça a importância estruturante do fenômeno religioso.
Nas entrevistas concedidas, pode-se perceber a capacidade de
configuração do fenômeno narrado por tradição oral. Daí seu caráter
mitológico. Cada indivíduo, na sua rotina e na sua subjetividade, pa-
receu precisar de algo extraordinário para as resoluções que fogem da
práxis cotidiana de cada um. Em casos de doenças sérias, apelar para
uma instância maior traz conforto, esperança e apazigua a sensação
da iminência da morte. Os pactos de seguridade para com o santo
são seguidos metodicamente, mas dependem de cada praticante. No
campo pesquisado, houve casos de pessoas que não queriam declarar
a graça ou o pedido feito ao “menino” para não quebrar o pacto ou
banalizar a importância do milagre; em outros casos, a declaração
da graça e a repetição do ritual por parte do receptor demarcam sua
gratidão perene e seu pacto para com o “menino”.
Um corpo em excesso
4
Imagem utilizada em aula na disciplina Tópicos de Antropologia Rural, minis-
trada para graduação em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo, pela
professora Margarida Maria Moura.
Parte II – Religião e movimentos sociais: comunicações 237
A comunicação religiosa
“Menino da tábua.
Referências
Adriana Gomes
Mestra em História Política e Cultura na Universidade do
Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Tem especialização em Histó-
ria Contemporânea pela Universidade Federal Fluminense (UFF).
Graduou-se em História pela UERJ. É docente da Secretaria de
Estado de Educação (SEEDUC-RJ). Integrante do grupo de pes-
quisa Políticas, Direitos e Éticas, do CNPq, tem como orientador
o professor Edgard Leite Ferreira Neto.
Ivo Lesbaupin
Possui graduação em Filosofia, mestrado em Sociologia
pelo Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (IU-
PERJ), da UERJ, e doutorado em Sociologia pela Universidade
de Toulouse-Le-Mirail, na França. Tem experiência na área de
Sociologia, trabalhando principalmente com os seguintes temas:
movimentos sociais, comunidades de base, Igreja Católica, poder
local, política, neoliberalismo, democracia e participação popular.
Sobre os autores 249
Mariana Vieira
Faz graduação em Ciências Sociais na Universidade de São
Paulo (USP), onde é pesquisadora do Núcleo de Estudos da Vio-
lência e do Núcleo de Antropologia Urbana.
250 Cidadania, movimentos sociais e religião: abordagens contemporâneas