…e agora? A viagem hoje chega ao fim, e o sentimento é o mesmo da mãe que da a luz ao filho e depois entra no processo de depressão pós-parto, rs. O que fazer agora que não tenho que fazer mais turnos à noite, não preciso mais me preocupar com o Picolé, não terei mais o Igor ao meu lado todos os dias, e não terei a natureza aos meus pés… O dia da chegada é sempre um dia para lá de especial, pois é o momento que toda a realização se concretiza, e desta vez é diferente, pois nunca houve tantos amigos juntos apoiando, escrevendo e acompanhando. A vontade que tenho é de abraçar um por um, de olhar nos olhos e agradecer a oportunidade de ter vivido esta emoção tão intensa nestes últimos meses. A viagem deu certo e o Picolé agora tem uma casa, a Ilhabela. Quero que este barco sirva de inspiração para as crianças e que ele passe a ser um barco escola, ensinando aos pequenos os valores que se precisa para ir ao mar. Preciso devolver tudo que recebi, e esta é uma das maneiras que vejo. Tenho tanto a dizer para vocês amigos, mas confesso que estou embriagado de tanta emoção. Não sei exatamente como traduzir o que sinto. Já fiz um diário nesta viagem que fala da amizade, e como disse me sinto muito rico por ter tantos amigos. Uma vida sem amigos seria como um mar sem água, pois quem nega este movimento natural da vida não viveu nada, não aprendeu nada e talvez quase não tenha existido em vida. Tenho refletido muito nos últimos anos a respeito da crença de um deus, e sempre que faço este exercício tento me afastar do conceito religioso a respeito desta questão crucial na vida de todos nós. Por que falar de Deus hoje? Senti vontade de expressar o meu olhar sobre esta questão, pois eu venho buscando este entendimento dentro de mim e o mar me ajudou a sentir muita coisa. Não tenho a pretensão aqui de dizer a verdade, até porque a verdade ninguém sabe, no máximo posso atingir a sinceridade. O que vou publicar é algo que venho escrevendo e reescrevendo, e acho que nunca irei acabar este texto, mas hoje vou compartilhá-lo com todos, pois ele trás um entendimento que tem a ver com a viagem. DEUS Nesta reflexão não quero dizer nada que contrarie crenças, dogmas ou religiões. Creio no livre arbítrio e respeito a história de cada um. Quero dizer o que sinto a respeito de Deus. Uma reflexão necessária diante deste momento limiar que vivemos. Percebo Deus fora, e o reconheço dentro de mim também. Sobretudo, Deus para mim é a inspiração amorosa que nos move ao ato de criar. Olhando para o céu boreal pude ver muitas noites estreladas, e um vasto universo em movimento. Percebi que este movimento do universo segue uma ordem. Mesmo que eu ainda não o consiga compreender, algo me dizia que dentro de nós seguimos a mesma orientação. Deus está nesta conexão, está na ação de ligarmos nosso universo interior com o de fora. Como a luz que acende quando ligamos o polo negativo com o positivo. Deus se faz presente no ato de equilibrarmos nossos aspectos negativos e positivos. Quando fazemos esta conexão dentro de nós, criamos a nossa conexão com o universo. A ação que nos aproxima de perceber a divindade dentro e fora de nós, quando entendemos que o nosso poder de escolha é proveniente do coração, isso verdadeiramente nos leva a paz. Este movimento é Deus e não apenas um estado latente divino. A capacidade divina de transformação que nós trazemos, se não for mobilizada nos afasta da compreensão de Deus e nos aproxima das crenças, dogmas e religiões que nos colocam diante um materialismo espiritual estagnado e controlador. Bem, mas o que é controle? Controle é a tentativa bem sucedida de nos imobilizar e que vem impedindo que nosso poder criativo interaja com a inteligência divina e amorosa, nos impossibilitando assim, que reconheçamos a nossa identidade e propósito. Religião é a tentativa de colocar toda a água dos oceanos dentro de uma garrafa, e espiritualidade é quando você percebe que tem um oceano dentro de você. Quando a ação não se faz, a luz se esconde na sombra, e Deus deixa de existir. Pois Deus é vida, e vida é o movimento, e o movimento é transformação, e transformação é o que vejo quando olho para o céu. Quando não olho para o céu, me vejo estagnado, e me distancio de Deus. Vejo Deus como uma ação e não como um ser. Não seria apenas a beleza da flor, mas a fotossíntese que ela faz, mobilizando a capacidade que ela tem de transformar a energia da estrela, que a enviou pelo espaço sideral. Este entendimento da flor em se transformar e crescer é Deus. Observando por este prisma, Deus é um entendimento amoroso que mobiliza a capacidade criativa de cada ser, a caminho do movimento de transformação constante. Não vejo a flor se negar em ser flor, e se negar a se desabrochar, mas vejo isso na humanidade. O vento não nega em ser vento, e cumprir seu papel de carregar o pólen para longe, ou mesmo de empurrar meu barco para seu destino. Somos nós que nos negamos a desabrochar e seguirmos para nosso destino brilhante, viajando por um caminho de infinitas possibilidades criativas. O universo esta aí a nossa espera. Temos muito que fazer. Esta eterna jornada em movimento que podemos criar através das nossas escolhas, provenientes da nossa capacidade de conexão, é Deus. Deus não é apenas um caminho, não é apenas quem caminha, e sim o resultado da jornada criativa. Alguém pode se indagar a respeito de Cristo, Buda ou Maomé. Não consigo saber quem foram, só posso dizer sobre algumas de suas idéias. Prefiro me ater aos conceitos amorosos e pacifistas do que acreditar em algo que não posso saber. A personificação destes seres de luz nunca deixou meu coração acomodado. Por isso nunca me senti bem a pergunta: Você acredita em Deus? Não acredito em Deus, reconheço Deus em mim e nos meus atos. Tentaram me mostrar um Deus humanizado, que julga, que dá e que tira, e para quem, em orações, precisamos pedir por proteção. Um dia me dei conta que não precisava pedir nada, aliás, percebi o quanto estava sendo ingrato ao pedir. Como posso acreditar em algo que não vivi. Como posso acreditar em algo que não experimentei. Acreditar é dar crédito a algo que não foi vivido, e isso nunca vou fazer. Jamais assinarei um papel em branco sobre o que é mais sagrado na vida de um ser. A oportunidade de trilhar a jornada do discernimento e da iluminação. Este é um caminho de solitude, que muitas vezes pode ser confundido como um abandono, mas a grande beleza desta jornada é perceber que caminhamos juntos e separados. Não sei quando, mas sinto que um dia entenderemos que o despertar foi a decisão mais importante que a humanidade tomou, mas ainda procuramos de um conceito de Deus equivocado. Equivocamo-nos em pensar que somos seres humanos imperfeitos. Seria melhor percebermos que pervertermos os conceitos divinos, causando sofrimento e nos distanciando de Deus. Vejo assim. Somos bailarinos, mas insistimos em dançar a música errada. Isso não significa que não possamos voar. Não acredito em Deus. Reconheço Deus em mim, também reconheço Deus no voo do pássaro, no salto do bailarino, no céu estrelado dos mares do sul, no ato de perdoar, na compaixão pelos desafortunados, no reconhecimento de que a jornada é longa, na alegria de estar com os amigos, na gratidão de ter sido concebido por meus pais e nos meus encontros afetivos. A pequena viagem termina hoje, mas a grande viagem continua, e tudo que vivemos neste período foi permeado por tudo que é sagrado. A amizade é algo divino, pois trata da relação amorosa entre todos nós. O que pode ser mais importante na vida de um ser humano? Amar ao próximo como amar a ti mesmo é a maneira que temos de entender o amor a Deus. Temos duas certezas; nascemos e partimos, e a quem cabe esta escolha? Não sei, mas o que sei é que o que fazemos neste intervalo é de nossa responsabilidade. Chama-se livre arbítrio e esta é a oportunidade que a vida nos cede para podermos criar o que quisermos. Um tempo nos foi cedido e hoje a viagem termina e quem decidiu o dia foi o vento. A vida é assim, temos um tempo que não é nosso, mas dele podemos chegar a Deus. Um grande abraço a todos com muito carinho. Beto Pandiani. Prato do dia: Paela.