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© 1968 – Lou Carrigan

Publicado No Brasil Pela Editora Monterrey


Ilustração De Capa: Benício
JVS – 400623/401028
BRIGITTE MONTFORT

Vinte e oito anos, cabelos negros, olhos azuis, pele


dourada pelo sol dos cinco continentes e incomparável
beleza, eis fisicamente a filha de “Giselle, a espiã nua que
abalou Paris”, conhecida no mundo da espionagem
internacional como a agente “Baby” da CIA.
Sua cultura se estende desde a história das civilizações
antigas á mais moderna eletrônica. Seus conhecimentos
lingüísticos asseguram-lhe o perfeito domínio de um
punhado de idiomas. Nos múltiplos e intrincados assuntos
em que intervém, está constantemente dando prova de urna
inteligência excepcional.
Utiliza qualquer arma com perícia inexcedível, desde a
pistolinha de coronha de madrepérola, presa à sua coxa
esquerda por tiras de esparadrapo cor-de-rosa, até os mais
complicados artefatos bélicos. E eximia em toda espécie de
luta, do catch ao judô, do caratê à capoeira brasileira, pilota
qualquer barco, avião ou helicóptero, é excelente
mergulhadora e arrojada pára-quedista.
Em sua famosa maletinha vermelha adornada de flores
azuis, inseparável companheira, leva uma parafernália
eficacíssima: narcóticos, venenos, explosivos, lâminas
camufladas, fios de arame para estrangulamento, rádios de
bolso, emissores de ondas para localização de inimigos etc.,
tudo isto sob a inocente aparência de artigos de toalete.
Vive confortavelmente em seu luxuoso apartamento da
Quinta Avenida nova-iorquina, com a fiel empregada Peggy
e o minúsculo “Cícero”, um cãozinho chihuahua. É
prestigiosa colunista do “Morning News”, grande diário
dirigido por Miky Grogan. o “furibundo”.
Elegantíssima, gosta de exibir os últimos modelos
parisienses, as peles caras de vison e chinchila. Sua bebida
predileta é champanha “Perignon” safra de 1955, que
aprecia bem gelado e com uma cereja no fundo da taça.
Intervém nos casos mais importantes de espionagem e
quando está em jôgo a paz do mundo. É então enviada ao
ponto critico por Charles Pitzer, seu chefe direto em Nova
Iorque, a quem chama carinhosamente “Tio Charlie”, ou
pelo próprio Mr. Cavanagh. seu chefe supremo em
Washington e entra em ação transformada na agente
“Baby”, a mais astuta, perigosa e sensacional espiã de todos
os tempos.

(De um fichário inimigo)


“Baby” da CIA
Não se conhece seu verdadeiro nome, nem seu rosto;
seu domicílio habitual ou seus meios de deslocamento.
Sabe-se que é jovem e muito formosa, de uma audácia
impressionante e que pode aparecer em qualquer lugar do
mundo como uma esportiva garota de biquíni, uma dama
aristocrática da velha França, uma dançarina de Strip-
tease, uma enfadonha e pedante professora de línguas
mortas... Sua aptidão para o disfarce é extraordinária, mas
não o é menos sua capacidade para o ataque pessoal. Já se
perdeu a conta dos agentes inimigos por ela eliminados e
surpreendente é o número de planos de espionagem contra
os Estados Unidos que já desbaratou. E capaz de matar de
qualquer maneira, em qualquer momento. às vezes sem
arma de espécie alguma. Nenhum de nossos agentes que
pôde ver-lhe o rosto viveu para descrevê-lo. Em diversas
ocasiões a tivemos encurralada, mas sempre conseguiu
desaparecer no último momento, sem deixar vestígio. E
jamais falhou no cumprimento de uma missão, por mais
arriscada e difícil que fosse.
Por sua cabeça oferecemos um milhão de dólares
americanos.

Na opinião dos que a conhecem intimamente, Brigitte é


a mais deliciosa das criaturas. Amável, esplendidamente
bem-humorada, dona de um coração repleto de bondade.
Adora seus companheiros e a todos dá o nome de “Johnny”.
Ai de quem matar um deles: esta condenado sem apelação.
Tampouco continuará vivo quem atentar contra a paz do
mundo — nela encontrará um implacável inimigo.
Entre seus melhores amigos, estão: Número Um, o mais
categorizado agente secreto da Europa; Alexandria, ex-
chefe da espionagem alemã na África durante a Segunda
Guerra; Mr. Fantasma, do MI5 inglês; Clarence Hadaway,
do FBI; Monsieur Nez, do Deuxième Bureau francês; Frank
Minello, seu colega do “Morning News”... Qualquer um
destes homens daria a vida por ela, que para eles é a
personificação da coragem, da astúcia e, ao mesmo tempo,
do encanto feminino.
Assim é Brigitte Montfort, a agente “Baby” da CIA.
Mas para conhecê-la realmente bem, nada melhor que
viver com ela suas aventuras. Qualquer aventura... E aqui
está uma.
CAPÍTULO PRIMEIRO
Uma voz amiga
Miss Ana Brown provoca um acidente sem importância
Quem põe a coleira na pantera?

O esportivo Ford-Mustang, vermelho-cereja, entrou no


velho armazém empurrando suavemente com o pára-choque
as duas grandes portas de madeira, que cederam com
facilidade à sua passagem.
Deteve-se o simpático veículo e dele desceu a mais linda
mulher do mundo. Era qualquer coisa que não se podia
discutir: corpo de deusa, lábios rosados, uns olhos
luminosos de azul puríssimo. Uma beleza que estava bem
de acordo com sua elegância natural, quase felina... e ao
mesmo tempo marcada de suavidade.
Ela fechou as portas da garagem. Voltou ao carro, meteu
a mão por uma das janelas e sacou uma pequena maleta
vermelha com flores azuis. Depois, sempre utilizando tão
somente a luz da iluminação pública, que entrava pelas altas
janelas do armazém, percorreu o amplo espaço, até o fundo.
Lá chegando, sacou da maleta urna lanterninha para
iluminar o lanço de degraus de madeira que conduziam a
um porão. Constava este num corredor longuíssimo, que a
bonita jovem percorreu rapidamente, até chegar a uma
exígua porta que havia no fim. Abriu-a e lançou uma
olhadela ao exterior. Avistou o pequeno carro preto,
fechado, que chegava a parecer uma relíquia de velhos
tempos já quase esquecidos.
Sorriu, fechou a porta, retrocedeu alguns passos, abriu
uma das portas que davam para o corredor, entrou, acendeu
a luz e guardou a lanterna.
Estava agora num pequeno aposento de paredes sujas e
úmidas, no qual havia apenas um catre, duas cadeiras, um
pequeno armário e um lavatório com espelho. A iluminação
consistia numa pequena lâmpada suja, com um não menos
sujo quebra-luz que impedia a iluminação do teto,
projetando a claridade para baixo.
Ela aproximou uma cadeira ao lavatório, deixou a maleta
em cima, abriu-a, hesitou, por fim aproximou a outra
cadeira, colocando-a junto da primeira. Retirou da maleta
uma peruca loura, uns óculos de lentes azuladas e uma caixa
metálica pouco menor que um maço de cigarros. Retirou em
seguida um diminuto gravador de pilha, sorriu pondo-o em
marcha e deixou sobre uma das cadeiras. Em poucos
segundos, quando a voz começou a fazer-se ouvir, ela já
estava arrepanhando seus cabelos negríssimos, dobrando-os,
comprimindo-os fortemente sobre a cabeça, ao mesmo
tempo em que colocava um finíssimo casquete de nylon,
com o que conseguiu que sua cabeça parecesse
completamente raspada.
A voz era de homem. Uma voz profunda, bem timbrada,
possante e agradável. A voz de um homem viril, dirigindo-
se a alguém que estimava profundamente:
Querida: não vou citar nomes, pois isso talvez fosse
perigoso para ambos. Além disso, esta mensagem poderia
ser perigosa para outras pessoas, de modo que tenha muito
cuidado com ela. Estou atualmente na Suíça, realizando um
de meus trabalhos cuja natureza você conhece. Durante
minha permanência em Berna, tive oportunidade de
inteirar-me de algo que acredito interesse a você: um
técnico eletrônico de certa fábrica suíça tem trabalhado
ultimamente num aparelho cuja importância está fora de
dúvida. Ele mesmo lhe dirá em que consiste. Está disposto a
vendê-lo a uma organização particular que possa pagar-lhe
bem e, embora o negócio seja interessante para mim, estou
envolvido num assunto que absorve totalmente minha
atenção. Pensei logo em você, pus-me em contato com o
inventor em causa e disse-lhe que poderia conseguir-lhe um
comprador cuja generosidade ninguém seria capaz de
superar. Claro que ficou muito feliz e concordou em partir
imediatamente para Nova Iorque a fim de avistar-se com a
pessoa que eu lhe indicasse. Disse-lhe que seria uma
mulher chamada Ana Brown, de modo que você usará este
nome para a operação. Ele dirá chamar-se Franz
Weheimer à mulher que se apresente como Ana Brown no
primeiro contato. Este contato, que pode ser realizado por
ele mesmo tu por sua esposa, terá lugar no dia 10 do mês
corrente, ás nove da noite, em Nova Iorque, exatamente na
Williamsburg Bridge, lado de Brooklyn, á direita de quem
chega de Manhattan. Assim me pareceu melhor que enviar
essa pessoa á sua casa. Se quem comparecer à entrevista
for o homem, você o reconhecerá ao ver alguns livros sob
seu braço esquerdo. (Estatura mediana, olhos muito claros,
cabelos louros, lábios finos, testa alta, cinqüenta e nove
anos) Se for sua esposa, levará duas rosas na mão ou sobre
o peito. (Esbelta, cabelos pretos, olhos pequenos, cinzentos
e tristes, elegância quase nenhuma na indumentária ou no
porte, cinqüenta e cinco anos.) Você só precisará dizer que
é Ana Brown. O resto, estou certo de que resolverá à sua
maneira, sem necessidade de meus palpites.
Mando este pedaço de fita magnética numa carta, por
avião, com a certeza de que chegará a tempo para que você
compareça ao encontro. Imagino que, ao abrir o envelope,
tenha notado a combustão da diminuta quantidade de
fósforo que nele coloquei. Se tal não aconteceu, pense que
esta mensagem foi ouvida antes por alguém, embora eu não
creia que isso ocorra, nem que exista nenhuma outra
espécie de dificuldade. Quando tudo estiver terminado,
você poderá escrever-me de modo normal ou em qualquer
de nossos códigos, para minha residência fixa, que
conhece. Por minha parte, espero liquidar antes de uma
semana o assunto que me trouxe aqui. Suponho
desnecessário filar em minhas saudades, sobretudo depois
daqueles dias em Viena... Pergunto-me como se pode amar
tanto uma mulher e viver longe dela. Qualquer dia não
saberei resistir a esta dolorosa solidão e irei visitá-la. Até
lá e para sempre, todo o meu amor.
A audição terminou e a belíssima jovem deteve a marcha
do pequeno gravador. Entrementes, havia também
terminado seu disfarce. Colocara a peruca loura sobre o
casquete de nylon, umas lentes de contato negras,
transparentes, sobre suas pupilas intensamente azuis e duas
pequeninas almofadas de borracha especial na boca, em
ambas as bochechas, o que deformou a graciosa linha de seu
rosto, deixando-o mais redondo e alterando-lhe
notavelmente a fisionomia. Agora, a mulher que se olhava
ao espelho era muito diversa da que havia entrado naquele
aposento. Um disfarce perfeito. Mas aperfeiçoou-o ainda,
vestindo uma feia saia que chegava abaixo dos joelhos, uma
blusa amarela pouco menos que horrível e, por cima, um
casaco branco de mangas largas. Com tudo isso e mais os
óculos azulados, transformou-se quase num bucho. Sorriu.
Voilà.
Aplicou carmim em excesso nas faces gorduchas, sem
graça nem acerto. Finalmente, recolheu tudo, deixando cada
coisa em seu lugar, e sacou da maleta um maço de cigarros.
Puxou um deles e perguntou:
— Frankie?
— Olá, meu amor!
— Está onde lhe disse?
— Claro. Você já sabe que Frank Minello está sempre
disposto a correr grandes aventuras com “Baby”. Precisarei
esperar muito para tê-la entre meus braços, querida?
— Você não toma vergonha, Frankie! — riu ela. Olhe:
esteja bem atento. Lembra-se como lhe disse que era o carro
preto em que eu chegaria e do número da licença?
— Lembro-me de tudo. Você vai demorar?
— Não sei. Tanto podem ser vinte minutos como duas
ou três horas. Na verdade, não sei.
— Pois eu estou pronto... Mas, paciência. Posso ao
menos ter certeza de que a verei?
— Nem sequer isso. Talvez eu não tenha necessidade de
sua ajuda, em cujo caso tomarei a chamá-lo para que
abandone o posto.
— Mas eu quero ver você!
— Já me viu hoje no jornal, não? E amanhã tornará a
ver-me, espero. Isso não lhe cansa, Frankie?
— Cansar-me! Pelo amor de Deus... Nenhum homem
em seu juízo perfeito se cansaria de olhar para esse rosto
maravilhoso, esses olhos, essa boca, esses... Bem...
— Receando que você vá dizer uma escabrosidade,
corto. Até mais, Frankie.
Baixou o cigarro, cortando a comunicação. Guardou o
rádio, apanhou a maleta, apagou a luz, saiu do aposento.
Pouco depois, estava, junto ao carro negro, de tempos
passados. Empunhou o volante e pôs o motor em marcha,
sorrindo. A vetusta viatura parecia capaz de qualquer coisa,
menos de rodar, mas seu motor, após uma revisão
meticulosa, estava em condições surpreendentemente boas.
Arrancou mansamente pelo pátio interno, com as luzes
apagadas. Logo surgiu a estreita rampa e ele deslizou por
ela, agora com as luzes acesas. Uma curta passagem, outra
rampa e, ao finalizar esta, outro armazém, menor, porem
mais limpo e cuidado. Uma das mãos esguias da jovem de
falsos cabelos louros apertou um botão da parede e a porta
do armazém se ergueu. O velho carro saiu à rua. Três
segundos depois, a porta baixava.
“Baby” olhou seu relógio de pulso e aprovou, satisfeita.
Tinha tempo suficiente para chegar á Ponte Williamsburg
bem em cima da hora.
***
Localizou facilmente a senhora, em exata conformidade
com a descrição que dela havia feito Número Um na fita
magnética.
Tinha sido pontualíssima, a ponto de parecerem as duas
chegar ao mesmo instante ao local do encontro. Com efeito,
era uma dama vestida sem elegância e por completo carente
de atrativos físicos. Trazia no peito duas rosas vermelhas.
“Baby” deteve o carro junto á calçada para pedestres e
chamou-a fazendo eloqüentes gestos com a mão.
Atrás dela, o caudal de carros procedentes de Manhattan
fez-se ouvir com secas freadas e toques de buzina.
A mulher com as duas rosas aproximou-se
pressurosamente, mas ficou junto à porta aberta do carro.
— Sou Ana Brown — disse Brigitte. — Suba depressa.
A mulher subiu no carro, que de imediato reencetou sua
marcha, acalmando a furiosa impaciência dos motoristas
que vinham atrás. Logo se desviaram da Broadway Line, ao
chegar à primeira transversal. Brigitte virou para a esquerda
por Berry Street, rumo ao McCarren Park, guiando agora
muito devagar. Ergueu os olhos para o retrovisor e sorriu ao
ver o imponente carro que, atrás dela, também diminuía a
marcha e aproximava-se da viatura arcaica, pelo lado.
Visto isto, olhou um instante, amavelmente, para a
mulher.
— Senhora Weheimer? — sorriu.
— Desculpe — disse ela em alemão. — Só falo alemão.
Sei algumas palavras de inglês e francês, mas...
Falaremos em alemão disse ‘Baby’, nesta língua. Quero
que nos entendamos muito bem. Frau Weheimer.
— Louvado seja Deus! — estimou a mulher. — É
maravilhoso que saiba falar o alemão, miss Brown.
— Evidentemente. Bem. Frau Weheimer, passemos com
toda rapidez ao assunto que nos interessa. Segundo me
comunicou um amigo da Europa, seu esposo está disposto a
vender algo assim como um invento importante. Em que
consiste esse invento e quanto pede por ele?
— Eu... não sei... Essa questão deve ser discutida com
meu esposo, miss Brown.
— Então, iremos ver seu esposo. Onde está?
— Alugamos uma casinha em Queens, bem acima do
Northern Boulevar, no número 2.114.
— Oh, esplêndido. Só não fica longe daqui.
Tornou a olhar pelo retrovisor e novamente sorriu.
Acelerou um pouco a marcha e o grande Packard que vinha
atrás fez o mesmo. Chegou à altura do McCarren Park,
desviou para a direita em direção à Broadway Line e depois
desceu pelo outro lado do parque. para novamente virar á
direita, fazendo a volta e regressando portanto para Berry
Street.
O Packard continuava atrás.
— Sabe guiar, Frau Weheimer?
— Oh, sim, claro...
— Acha que pode dirigir este carro, então?
Frida Weheimer estudou os controles durante uns
segundos, antes de assentir com a cabeça.
— Penso que sim. Por quê?
— Tome o votante, por favor. E dê outra volta por este
parque. É fácil: tem apenas que ir virando sempre para a
direita. Compreende?
— Sim, claro. Não compreendo é por que.
— Estão nos seguindo. E como suponho que isso lhe
interesse tão pouco como a mim, vamos... dissuadir esses
rapazes de seu intento. Segure o volante... Assim. Eu
deslizarei por baixo da senhora, apertando o acelerador.
Assim... Cuidado com o volante! E seu o pedal. Frau
Weheimer. Ocupe-se apenas em continuar dando voltas ao
redor do parque,
Brigitte recorreu à sua maleta. Sacou da mesma três
tubos de alumínio, enroscou-os rapidamente, aplicou a uma
extremidade a culatra que normalmente parecia um cabo de
secador de cabelo e. por fim, da base de um pote de creme
facial, extraiu uma das doze pcqueninas ampolas de vidro,
que introduziu na extremidade aberta do tubo de alumínio.
Frida Weheimer olhava-a de quando em quando,
fugazmente, compreendendo que sua atenção devia
concentrar-se no tráfego, na direção do pequeno carro.
— Agora ouça bem. Frau Weheimer: continuará
guiando normalmente até chegar à próxima esquina, onde
fará uma breve parada que me permita saltar. Depois
seguirá em frente, fazendo o mesmo percurso, sempre ao
redor do parque. Eu irei ao seu encontro o mais depressa
possível. De acordo?
— Sim, sim... Mas... que vai fazer?
— Não se preocupe com isso. Pare na próxima es quina
o tempo suficiente para que eu possa saltar sem perigo.
Segundos depois, a mulher apertava o freio, apenas
dobrada a esquina. Quando quis dizer alguma coisa. miss
Ana Brown já estava fora do carro, fazendo-lhe sinais para
que Continuasse seu caminho. E assim fez Frau Weheimer.
Enquanto isso, “Baby” aproximou-se da borda do
McCarren Park, com o tubo de alumínio colocado
verticalmente junto á perna direita. Apenas cinco segundos
mais tarde, o formidável Packard aparecia, persistente em
seu percurso idêntico ao do obsoleto carrinho preto. Ela
sorriu uma vez mais, ergueu o fuzil especial a ar
comprimido, apontou para o vão da janela aberta e apertou
o gatilho. Silenciosamente a ampola de gás fulminante
partiu da curiosa arma.
O que aconteceu apenas dois segundos depois foi prova
evidente da pontaria de “Baby” e da eficácia do gás. O
carrão deu uma sacudidela brusca, desviou para a esquerda,
percorreu quinze ou vinte metros em ziguezague, ante o
espanto dos outros motoristas, e acabou por ir de encontro a
um dos altos postes de iluminação pública. A esta altura,
Brigitte já sabia que dentro dele iam dois homens, os quais
certamente não morreriam devido ao choque. Sofreriam tão-
só umas quantas escoriações muito lógicas. O que não
pareceria lógico aos médicos que os atendessem seria o
profundo sono de três horas que iriam desfrutar aqueles
dois.
Desinteressando-se pelas freadas, os gritos, o clangor de
uma buzina e demais indícios de que um acidente de
trânsito vinha de ocorrer. “Baby” afastou-se dali, em
sentido inverso à marcha do carro conduzido por Frau
Weheimer. Portanto, viu-o aproximando-se dela antes de ter
chegado á rua seguinte. Fez sinal à Suíça para que se
detivesse, entrou no pequeno veículo e sorriu, divertida.
— Prossigamos, Frau Weheimer.
— Que... que aconteceu?
— Nada importante Brigitte se dedicava a desmontar seu
fuzil. — O que tem importância é a entrevista com seu
marido. Agora deverá tomar o desvio á esquerda, por favor.
Irei lhe indicando o caminho.
Frida Weheimer deu uma olhadela ao chegar ao
cruzamento de Berry Street e Manhattan Line. Mais além,
viu a confusão armada pelo choque do grande Packard
Contra um poste.
— Que se passou ali?
— Oh, um vulgar acidente de tráfego.
— São... É o carro que nos seguia?
— Receio que sim, Frau Weheimer.
— Que fez com ele?
— Nada de mau. Garanto-lhe que dentro de três horas
estarão perfeitamente. Não se inquiete por eles.
— Bem... Parece que Franz tinha razão. A venda do... de
seu invento não vai ser coisa fácil. Menos mal que
conseguiu evitar que nos seguissem, pois teriam encontrado
a Franz e a mim...
Brigitte olhou-a de través, sobrancelhas um pouco
contraídas, enquanto fechava sua maleta. Que havia com
aquela mulher? Pretendia zombar dela, de “Baby”? Ou era
uma absoluta ingênua? Tinha que ser uma das duas coisas,
já que, evidentemente, o fato de que tivessem podido segui-
las num carro tomava bem claro que já sabiam onde os
Weheimer estavam residindo em Nova Iorque. Mantinham
a casa vigiada, tinham visto Frau Weheimer sair e a seguido
para saber o que fazia, aonde ia, com quem se avista...
Enquanto isto, obviamente, a casa devia continuar vigiada.
Isto queria dizer que o grupo atento a Franz Weheimer era
numeroso, e que até o presente não pudera apoderar-se de
seu invento, por um ou outro motivo. Sim. A casa devia
estar estreitamente vigiada. E se não atacavam os Weheimer
para conseguir o invento de Franz era porque o momento
não se apresentava propício, simplesmente.
De um ou de outro modo, a casa que “Baby” ia visitar
parecia uma perfeita ratoeira. E a eliminação temporária de
dois inimigos não era um grande alivio, evidentemente.
Entretanto, não se preocupou demasiado. Por dois
motivos: um, o assunto parecia requerer um compasso de
espera: dois, capturá-la não seria tão fácil, na hipótese de
que o tentassem. Poder-se-ia considerar o assunto como se
vários caçadores estivessem esperando uma pantera para
colocar-lhe uma coleira. A pergunta era esta: quem é capaz
de pôr a coleira na pantera?

CAPÍTULO SEGUNDO
Um cientista desconfiado
Quem teria falado no “Detectron - U68”?
Jogadas “esquisitas”, especialidade da agente “Baby”.

O feio, velho e esquisito carro deteve-se, finalmente


diante da casinha que ostentava o número 2.114 do
Northern Boulevard, no distrito nova-iorquino de Queens.
Antes de saltar, Brigitte olhou ao redor, mas terminou
por encolher os ombros. Se não fosse pela segurança de que
se impunha aquele compasso de espera em torno de Franz
Weheimer, certamente se teria largado dali a toda a pressa,
sem se deter para pensar demasiado. O lugar parecia
tranqüilo, confortadoramente urbano, embora o grande
ruído de carros, as muitas luzes, a proximidade de muitas
outras casas. Tudo apresentava um aspecto quase amável.
Pouco menos que bucólico, pacifico. E assim devia ser
normalmente.
Só que quando os espiões intervêm a normalidade
desaparece. Aparentemente, tudo pode estar tranqüilo, mas
sempre há um perigo escondido, algo assim como uma
bomba esperando o momento de explodir.
— É aqui murmurou Frida Weheimer.
— É. Estou vendo o número, Frau Weheimer. E tudo o
que posso ver, mas pressinto muito mais.
— Desculpe... Não compreendo, miss Brown.
— Oh, não tem importância. Tudo está bem. Espero que
seu marido me receba imediatamente, e que bem tranqüilos
e sozinhos possamos conversar sobre...
— Desculpe, mais uma vez. Sinto muito, mas é que
Franz não esta só...
— Quem o acompanha?
— Bem... Pensamos que a viagem teria um aspecto mais
inocente se nos acompanhassem alguns amigos. Um deles é
Helmut. E sua noiva também veio.
— Quem é Helmut. Frau Weheimer?
— Helmut Kaps, o ajudante de meu esposo. É um rapaz
muito agradável. Vai gostar dele. Sua noiva chama-se
Rossana Vergano. É uma Suíça descendente de italianos.
Acho-a encantadora.
— Oh, sim... Lamentável.
— Como? — exclamou Frau Weheimer.
— Quero dizer que as jovens encantadoras deixam de
sê-lo se necessário, Frau Weheimer. Em geral, não há nada
que desperte minha desconfiança de um modo tão completo
como uma jovem encantadora. Começando por mim
mesma.
— Não estou entendendo.
— Não tem importância. Quero ver seu marido o quanto
antes. Vamos?
Deixaram o carro rente á calçada. Perto, viam-se mais
casas, árvores, a extensão da avenida, alguns veículos
estacionados. Dentro de qualquer deles podia ha ver vários
homens esperando sua oportunidade.
Atravessaram o pequeno jardim, chegaram à porta. Frau
Weheimer apertou uma campainha e poucos segundos
depois entravam.
Frau Weheimer indicou a moça que tinha aberto a porta.
— Essa é Rossana Vergano, miss Brown.
— A noiva do ajudante de seu marido. Helmut Kaps...
Como está, miss Vergano? — perguntou “Baby” em inglês.
A jovem sorriu de um modo simplesmente cortês. Olhou
para Frau Weheimer, desconcertada. A feia senhora sorriu
timidamente.
— Rossana, como eu, não fala bem o inglês, miss
Brown. Deverá conversar com ela em alemão, ou em
italiano, se conhece este idioma.
— Si, si. Posso parlare italiano — sorriu Brigitte.
— Entretanto, creio que para não complicarmos nossa
vida será melhor que conversemos em alemão —
acrescentou nesta última língua. — Está de acordo,
Fraulein Vergano?
— Estou — sorriu Rossana. — E agradeço-lhe a
gentileza.
— O mesmo digo eu. Podemos ver o senhor Weheimer?
— Por aqui, por favor.
Rossana Vergano passou á frente, ficando em cheio sob
o olhar escrutador, astuto, da mais formidável espiã de
todos os tempos. Era quase alta, muito bonita, de cabelos e
olhos negros, lábios vermelhos e corpo escultural, talvez
demasiado generoso em suas formas, um tanto amplas,
abundantes. Não devia ter mais de vinte e dois anos e sua
energia juvenil se punha em evidência a cada passo que
dava.
Muito poucos passos teve que dar para ir até a porta que
levava ao living da casinha. Ficou de um lado, olhando para
o interior, onde dois homens se levantaram rapidamente.
Frau Weheimer colocou-se junto a “Baby”, anunciando:
— Esta é miss Brown, Franz. Ela compareceu ao lugar
indicado para o encontro. Aconteceu algo horrível que...
— Depois explicaremos isso, Frau Weheimer — atalhou
Brigitte. — Antes, parece-me conveniente que nos
conheçamos todos. O senhor é Herr Weheimer, suponho?
Franz Weheimer assentiu com a cabeça. Era também
totalmente de acordo com a descrição dada por Número
Um. Apertou a mão de Brigitte e indicou o elegante jovem
que estava a seu lado. Com mais de um metro e oitenta de
altura, largo de ombros, olhar de menino inocente e um
sorriso simpático. Helmut Kaps era o clássico rapaz
agradável e inteligente que pode destruir com um só olhar
uma centena de corações femininos. Inclusive o de uma
beldade tão sensacional como Rossana Vergano.
— Meu ajudante, Helmut Kaps.
— Como está, Herr Kaps? — sorriu Brigitte.
— Otimamente. E encantado, miss Brown.
Uma centelha de ironia luziu fugazmente nos olhos da
espiã, sob a dupla camuflagem dos óculos azulados e lentes
negras.
— Os senhores vão perdoar se não compreendo de todo
a situação, mas esperava encontrar-me com Herr Weheimer
ou com Frau Weheimer somente... No máximo, digamos
que teria aceitado a presença dos dois juntos. Mas vejo que
são quatro...
— Deveríamos ser três explicou Franz Weheimer. Mas
Rossana quis fazer esta viagem com seu noivo, com
Helmut. E francamente, pareceu-nos a todos que, assim
constituído, o grupo despertaria menos interesse, por ser
mais mundano e... anódino, miss Brown.
— Creio que têm razão. Bem: posto que todos devem
estar ao corrente do assunto, acho que será melhor não
perdermos tempo. Que está vendendo, Herr Weheimer, e
qual o preço?
Franz Weheimer pigarreou. Parecia pouco à vontade, um
tanto nervoso.
— Bom... A verdade é que nem todos estão ao corrente
do assunto. miss Brown. Claro que Helmut Kaps me ajudou
bastante na consecução de meu... invento, mas apenas com
peças e cálculos isolados, de modo que, na realidade, ele
não sabe muito bem o que pude obter após alguns anos de
trabalho. Quanto a Rossana, ainda sabe menos,
naturalmente.
— E sua senhora?
— Ele sorriu secamente.
Minha mulher sempre foi a pessoa que menos interesse
demonstrou por meu trabalho. Se alguém dissesse a Frida
que eu tinha descoberto a América, ela se surpreenderia,
mas não pelo fato em si, apenas porque nunca me
consideraria capaz de fazer nada... notável. Não é verdade,
querida?
Frau Weheimer empalideceu ligeiramente e baixou os
olhos. Brigitte lançou-lhe um rápido olhar, de través.
— Compreendo, Herr Weheimer, que apenas o senhor
conhece a natureza e características de seu invento ou
descoberta.
— Assim é. Entende de eletrônica, miss Brown?
— Superficialmente — mentiu Brigitte, com absoluta
desfaçatez. — Qualquer um poderia enganar-me nesse
terreno. Seu invento tem relação com a eletrônica, Herr
Weheimer? Meu amigo da Europa assim me deu a entender
e, pelo que pude inferir de suas palavras, parece que o
senhor está no caminho certo.
— Trata-se de eletrônica, também de mecânica... Um
pouco de ciência pura, talvez. E um invento relativo, em
realidade.
— Relativo?
— Digamos que é o aperfeiçoamento de uma invenção
que já passou ao estado funcional no mundo.
— Oh... — Brigitte pareceu decepcionada. — E quanto
pede o senhor por ele?
O cientista tornou a sorrir. Foi ao pequeno bar, serviu
uísque em cinco copos e aproximou-se de “Baby” trazendo
dois deles. Ela recebeu o que lhe era oferecido e tomou um
pequeno gole. Depois, como que lhe parecesse que o suíço
estava refletindo, optou por Sentar-se no sofá, deixando
junto a seus pés a maletinha vermelha com flores azuis.
Helmut Kaps dirigiu-se ao bar, ofereceu um copo a
Rossana, Outro a Frau Weheimer e ficou com o último.
Todos estavam pendentes de Franz Weheimer.
— Cinco milhões de dólares — disse este, de súbito.
Certamente esperava que miss Brown desse um salto, ou
pouco menos. Mas esta reagiu como o faria se lhe tivessem
pedido cinco centavos por um refresco.
— É uma quantia interessante — disse, indiferente. —
E, como todas quantias, é relativa. Quero dizer que o preço
nem é caro nem barato. Tudo depende do que o senhor
ofereça por esses cinco milhões de dólares, Herr Weheimer.
— Não lhe assusta o preço?
— A mim, Herr Weheimer, a única coisa que me assusta
é a guerra. O resto parece-me uma brincadeira divertida de
rapazes simpáticos.
— Pode dispor de cinco milhões de dólares?
Agora Brigitte quase soltou uma gargalhada.
— Querido Herr Weheimer: pessoalmente, tenho uma
fortuna que excede bastante essa importância. E caso
necessário, se lhe interessa saber, lhe direi que poderia
conseguir, em menos de quinze dias, uns cinqüenta milhões
de dólares.
— Talvez eu deva pedir essa soma — sorriu Weheimer.
— Talvez. Tampouco me alterarei por isso. Só me
alterarei quando o senhor, por essa quantia, me oferecer
uma insignificância. Digamos, pois, que o preço inicial é de
cinco milhões de dólares. Conte com eles. Agora, diga-me o
que o senhor inventou... ou melhorou.
— Trata-se do “Detectron-U68”.
Brigitte tomou um curto golpe de uísque, depois ficou
pensativa durante uns segundos. Por fim, murmurou:
— Deduzo que esse nome é um composto engenhoso
das palavras detector e eletrônica. A letra U pode ser o
símbolo do urânio e o número 68 suponho que se refira ao
ano corrente.
— Exato! — exclamou Herr Weheimer, não pouco
assombrado. — Tudo exato. A sua capacidade de dedução é
surpreendente.
— Em que consiste o “Detectron-U68”?
— É um aparelho eletrônico, derivação do contador
Geiger para medir a intensidade das radiações atômicas.
— Que mais? — insistiu friamente “Baby”.
— Parece-me que não entendeu, miss Brown. Meu
aparelho é um...
— Um contador Geiger mais ou menos aperfeiçoado. E
por ele pede o senhor nada menos que cinco milhões de
dólares?
— Repito que não está entendendo, não... Meu
“Detectron-U68” não é um detector comum de
radioatividade.
— Que é?
— Digamos que é um... pesquisador ultra-sensível de
urânio.
— Como?
— Bom... Como sabe, existem localizadores de mineral
de urânio. São aparelhos que lançam determinadas ondas
para o subsolo, mas têm um alcance limitado. O mesmo
sistema se utiliza em usinas de refinamento de urânio, no
sentido de que todo empregado é submetido ao contador
Geiger para detecção de qualquer partícula radioativa que
possa resultar perigosa. Em suma, a utilização de diversos
tipos de aparelhos Geiger evita que algumas pessoas
carregadas de radioatividade se misturem com seu
concidadãos ou familiares; e também são usados diversos
modelos do contador Geiger para localizar minério de
urânio no subsolo, em diversas partes do mundo: Estados
Unidos, Alemanha, Rússia, França, Canadá
— Sei de tudo isso, Herr Weheimer. Estou-lhe pedindo
que me explique claramente em que consiste seu
“Detectron-U68”. Se não está disposto a fazê-lo, esqueça-se
de mim, esqueça seus cinco milhões de dólares e...
— Espere. Direi em poucas palavras no que consiste
meu invento, O “Detectron-U68”, de funcionamento
exclusivamente eletrônico, é capaz de detectar, assinalar a
presença de urânio ou minério urânico a dez mil
quilômetros de distância.
Brigitte olhou estupefata para o suíço.
— O senhor está brincando? Claro que tem que assinalar
a presença de urânio a dez mil quilômetros, ora essa! E
como se eu dissesse que sou capaz de detectar pessoas a tal
distância. Coisa fácil, pois sei da presença de seres humanos
a muito menos que dez mil quilômetros.
— Não está compreendendo... O que quero dizer é que a
escala sensível do “Detectron-U68” é tão apurada, que
poderia localizar todo o urânio existente no planeta Terra.
Por exemplo, um contador Geiger normal deixa de assinalar
a presença do minério de urânio quando este se encontra a
mais de cem metros de profundidade. Pois bem: meu
aparelho assinala esta presença de minério até dez mil
quilômetros de profundidade. Em resumo, miss Brown, com
o meu “Detectron” ter-se-á ao alcance até a última e mais
oculta jazida de minério urânico que exista no mundo.
Brigitte olhou-o ironicamente.
— É uma brincadeira, claro, Herr Weheimer.
— Uma brincadeira? Por que diz isso?
— Ora vamos! Existem já contadores Geiger diversos,
cuja sensibilidade vai aumentando progressivamente.
Quando mencionou que o alcance de um contador Geiger
era de cem metros, suponho que estava apresentando um
exemplo...
— Sim, claro. Entretanto, garanto-lhe que meu contador
alcança muitíssimo mais profundamente que qualquer outro.
Fiz a prova, na França, na Alemanha...
— Ah, já fez provas? — indagou Brigitte.
— Naturalmente...
— Então... Bem, isso significa que não só possui os
planos desse contador, mas que já construiu um. Certo?
— Muito certo. Com esse único aparelho que construí,
realizei provas na Alemanha e na França, em lugares onde
já se havia procurado urânio em suas diversas composições
minerais. Os resultados das buscas nessas zonas tinham sido
negativos. Entretanto, meu contador assinalou a presença de
mineral de urânico. Que acha que significa isto, miss
Brown?
— Sendo verdade, significa que seu contador tem maior
alcance que qualquer dos utilizados até o presente, Herr
Weheimer.
— Muitíssimo maior alcance. E asseguro-lhe que não
estou mentindo, nem exagerando sequer. Pense nisto: só nos
Estados Unidos e no Alasca, deve haver tanto minério
urânico a maior profundidade que a que pode alcançar o
contador Geiger, que se o localizassem a produção de
urânio seria incrível. Pense no que isso significaria: centrais
atômicas em toda pane. A energia atômica chegaria a ser tão
barata que estaria ao alcance de todos. E não estou falando
em empreendimentos bélicos, mas industriais, comerciais,
científicos.
— Sei muito bem o que se pode fazer com o urânio,
Herr Weheimer — cortou Brigitte. — Quando nos poderá
fazer uma demonstração?
— Uma demonstração? — espantou-se o suíço.
Ela tornou a olhá-lo ironicamente.
— Diga-me, Herr Weheimer: espera que eu lhe pague
cinco milhões de dólares por umas quantas folhas de papel
com desenhos e números? Porque se está pensando em
vender somente os planos, já lhe posso antecipar a resposta:
não. Se pago essa importância, quero o protótipo de seu
invento. Espero que lhe pareça razoável. E não só quererei o
protótipo, mas exigirei uma demonstração convincente,
indubitável da eficiência desse maravilhoso aparelho.
— Bem. Mas o caso é que o “Detectron-U68” ainda não
está nos Estados Unidos.
— Oh... E onde se encontra?
— Viajando para cá.
Brigitte conteve um gélido sorriso. Naturalmente, o
“Detectron” não havia chegado ainda a Nova Iorque. Por
isso em torno de Franz Weheimer tinha-se estabelecido uma
vigilância contida, um compasso de espera. A coisa mudaria
muito quando as pessoas que estavam na expectativa
soubessem ou suspeitassem que o aparelho tinha chegado.
Então, passariam ao ataque... Ora muito bem: a existência
dessa vigilância, desse controle sobre os Weheimer, só
podia significar que alguém conhecia a existência do
“Detectron-U68”. Não parecia provável, nem ao menos
lógico, que o próprio Weheimer, ou sua esposa, tivessem
revelado a invenção do aparelho eletrônico. Mas alguém o
tinha feito, alguém havia divulgado que Franz Weheimer
inventara o “Detectron-U68”. Quem havia traído Franz
Weheimer?
— Compreendo — disse por fim Brigitte. — Diga-me
uma coisa, Herr Weheimer: quantas pessoas estão ao
corrente da sua descoberta?
O suíço pestanejou, ligeiramente desconcertado.
— Nós quatro, apenas: minha mulher, Helmut. Rossana
e eu.
— Bem. Disse que o aparelho está viajando para cá...
Por que meio?
Weheimer sorriu.
— Só lhe direi que chegará muito breve, miss Brown.
— Não quer dizer o sistema pelo qual o senhor mesmo,
ainda na Europa, despachou para Nova Iorque o
“Detectron”?
— Não vejo necessidade de fazê-lo.
— Aceitarei sua... desconfiança. Outra coisa: posso ver
os planos?
Instintivamente, e só por um décimo de segundo, o olhar
de Franz Weheimer desviou-se para um quadro que havia
no living.
— Vejo que não está me compreendendo, miss Brown.
Minha intenção é não mostrar nem os planos nem o
aparelho até que me seja entregue o comprovante de um
depósito de cinco milhões de dólares, feito num banco suíço
que eu mesmo indicarei.
— O senhor é um homem receoso, Herr Weheimer. No
entanto, pretende que sejamos confiantes. Melhor ainda,
quer que sejamos uns ingênuos, pois que só um ingênuo
depositaria cinco milhões de dólares num banco da Suíça
sem ter recebido nada em troca.
— Oh, espero que me compreenda, miss Brown...
Vejamos: se eu a enganasse, minha vida lhe seria uma...
garantia. Obviamente, não penso arriscá-la por cinco
milhões de dólares, nem por muito mais. Deste modo, se a
enganar ou àqueles que representa, temo que se...
aborreceriam profundamente comigo, com minha mulher,
com Helmut e Rossana. Mas se for eu o enganado, a quem
poderei reclamar? A ninguém. No entanto, eu seria
encontrado com toda a facilidade, pois suponho que estejam
organizados, que possuam meios eficazes para descobrir-me
onde estivesse.
— Talvez tenha razão. Como é seu aparelho? Grande,
pequeno, pesado, leve?
— Leve e um pouco maior que os contadores portáteis
atuais. Muito fácil de manejar, asseguro-lhe. Um só homem
pode levá-lo sem dificuldade.
— Bem — Brigitte levantou-se. — Parece que esta
primeira entrevista serviu somente para esclarecer as
posições e condições de cada um. Quando chegará o
“Detectron-U68”?
— Logo.
Brigitte ergueu as sobrancelhas e olhou com expressão
divertida o receoso suíço.
— Depois de uma viagem tão longa, Herr Weheimer, o
senhor deveria confiar mais nos americanos. E se não
confia, era o caso de fazer sua oferta a outro país?
— País? Para quem trabalha, miss Brown?
Ela devolveu a Weheimer uma de suas respostas:
— Não vejo necessidade de dizê-lo.
— Bem... Mas o homem com quem falei em Berna
disse-me que uma mulher com grandes relações industriais
nos Estados Unidos entraria em contato comigo; não falou
de seu país, mas de uma mulher bem entrosada no mundo
industrial dos Estados Unidos.
— Entendo que o senhor quer vender seu invento a uma
empresa particular, não ao Governo Norte-Americano.
— Exatamente.
— Por quê?
— Acho que assim as coisas serão mais simples. Depois,
o comprador de meu aparelho poderá fazer o que quiser.
Mas eu só desejo entrar em acordo com particulares: vendo
meu invento, cobro meu dinheiro e retiro-me. Não desejo
contatos com seu governo, nem possível relações
posteriores. Que isto fique bem claro.
— Ficou bem claro, Herr Weheimer. Bom, o senhor dirá
quando nos tornaremos a ver.
— Quando esteja disposta a entregar-me o comprovante
de cinco milhões de dólares depositados em determinada
conta num banco de meu país. Pode fazê-lo?
— Temos representantes em todo o mundo e garanto-lhe
que para qualquer dos da Europa não seria difícil depositar
esse dinheiro. Mas antes, claro está, terei que consultar: não
sou proprietária de toda a Corporação, compreenda. De
qualquer modo, seria conveniente que me informasse do
banco e da conta na qual deseja que se faça o depósito. Se
aceitarmos sua proposta, o comprovaste chegará aqui em
dois dias, por vôo direto e particular, e poderei entregar-lhe.
— Ótimo — sorriu Weheimer. — Nesse caso, dir-lhe-ei
que é bem possível que o “Detectron” esteja aqui, em Nova
Iorque, dentro também de dois dias.
— Oh, compreendo... — sorriu Brigitte. — Na verdade,
Herr Weheimer, esse aparelho já se encontra em Nova
Iorque, não?
— Apenas possível — sorriu igualmente Weheimer.
— Mas pode estar certa de que terá os planos e o
protótipo meia hora depois de que eu tenha em minhas
mãos esse comprovante.
— Pois está dito, Herr Weheimer. — Consultarei com...
o Conselho Fiscal da Corporação e lhe darei um telefonema
quando tiver a resposta. Por favor, anote para mim o
número deste telefone, bem como o nome do banco suíço e
o da conta.
— Pois não.
O cientista anotou num papel os dados requeridos.
Entregou-o a Brigitte e olhou-a especulativamente,
hesitando.
— Alguma dúvida, mein Herr? — perguntou ela.
— Bom... Só espero que não tentem fazer comigo uma
jogada... esquisita, miss Brown.
— Garanto-lhe que não. Por minha parte, pelo menos,
nunca faço jogadas esquisitas.
O que não disse foi que considerava “esquisita” uma
jogada sem sentido. As outras, as que podiam parecer
estranhas mas que no fim davam resultado, essas eram até
uma especialidade da agente “Baby”. Despediu-se
amavelmente de todos, olhando com curiosidade pouco
menos que divertida para Helmut Kaps e Rossana Vergano;
mas, naturalmente, guardou-se bem de dizer que, pela
lógica, só os dois, ou um dos dois, teria relação com a
vigilância de que os Weheimer eram objeto com vista a
roubar-lhes o invento.
Frau Weheimer acompanho-a até a porta, a pedido de
Brigitte. Um pedido muito justificado e tão astuto quanto
qualquer das manobras da agente “Baby”. Já na porta, ela
tomou a feia e triste mulher pelo braço.
— Quero dizer-lhe alguma coisa, Frau Weheimer, e
peço-lhe que preste a máxima atenção.
— Oh, sim... Claro, miss Brown.
— Não deverá falar a seu marido, nem a Helmut Kaps
ou Rossana Vergano sobre o que se passou antes. Refiro-me
àqueles homens que nos seguiam.
— Por quê? — sobressaltou-se a suíça.
— É fácil de compreender. Se o disser, todos se
assustarão muito. E evidente que estão submetidos a
vigilância, que alguém tem seus próprios... projetos a
respeito do invento de seu marido. Com toda a certeza,
pretendem roubá-lo.
— Santo Deus!
Brigitte sorriu tranqüilizadoramente.
— Não se alarme. Nós poderemos impedir isso. Nós?
Quer dizer... nós duas?
— Sim.
— Mas... como?
— Eu farei minha parte. A senhora deve apenas guardar
silêncio a respeito de que fomos seguidas. Se seu marido
souber, ficará assustado e talvez dê um passo em falso. E
possível, inclusive, que vá em busca do “Detectron” e talvez
seja isso o que estejam esperando os que vigiam. Não façam
nada, que eles tampouco nada farão. Esperam a chegada do
aparelho, de modo que se absterão de agir enquanto ele não
chegar. ou ate que suponham que chegou. Mas antes disso
se manterão á parte... E assim tudo sairá bem para a senhora
e seu marido.
— Não compreendo... Que pretende fazer?
— Oh, nada de mau... Compreendo perfeitamente que a
senhora, tanto quanto seu marido, não tem qualquer razão
especial para confiar em mim. Mas garanto-lhe que estou
jogando limpo, não só em meu beneficio, mas também dos
dois.
— Franz me perguntará qual foi a coisa horrível que eu
vi...
— Diga que viu um acidente automobilístico. Tenho a
impressão de que Herr Weheimer não a considera muito
inteligente. Aceitará essa explicação, embora julgando-a
tola, sem insistir. Deve confiar em mim, Frau Weheimer.
Sei muito bem o que estou fazendo.
A mulher olhou durante alguns segundos aqueles
estranhos olhos negros atrás das lentes azuladas. Por fim,
assentiu com a cabeça.
— Está bem — murmurou. — Não direi a meu marido
que nos seguiram, se assim o deseja.
— Obrigada, Frau Weheimer. Logo nos tornaremos a
ver.
Sorriu-lhe afetuosamente e afastou-se. Segundos depois,
entrava no negro carrinho antiquado. Ligou o motor,
afastou-se da calçada e, pelo espelho sobre o pára-brisa,
olhou à sua retaguarda. Sorriu ao ver o grande Opel que
rodava silenciosamente atrás dela.
Ao que parecia, alguém estava procurando ter um
desgosto semelhante ao dos outros dois homens que,
naquele momento, deviam estar num hospital, mais ou
menos feridos e com ainda duas horas de sono pela frente.
Mas, na verdade, melhor que mandar dois homens
adicionais ao hospital, a agente “Baby” chegou à conclusão
de que convinha pôr em prática o plano denominado
“Avesso”.
CAPÍTULO TERCEIRO
O plano denominado “Avesso”
A MVD Soviética mobiliza-se
O êxito... uma vez mais, naturalmente!

Com efeito, quando deteve o seu velho caranguinho na


esquina próxima ao “Marvel Dancing”, Frank Minello lá
estava, esperando pacientemente, com um cigarro entre os
lábios. E antes de lhe dar tempo para se aproximar dela,
Brigitte chamou-o pelo pequeno rádio. Viu o cronista
esportivo do “Morning News” colar-se á parede e, com
aspecto distraído, sacar seu próprio “maço de cigarros”.
— Fale, Brigitte — murmurou.
— Não se aproxime agora de mim, Frankie. Dois
homens me seguem, num Opel. Pode vê-los?
— Mmm... Posso. Quer que eu quebre a cara deles?
— Não. Quero apenas que faça o que combinamos.
Quando eles entrarem no dancing atrás de mim, leve
embora este carango.
— E depois?
— Se precisar de você, chamarei.
— Tenho uma sugestão a fazer: por que você não
esquece que é uma espiã e lembra que é uma mulher... e que
eu sou um homem dos mais interessantes?
— Você é bacana demais para mim, querido — riu
Brigitte. — Até a vista.
Guardou o rádio, apanhou a maleta e saiu do carro.
Encaminhou-se para o dancing e, quando os dois homens
do Opel quiseram dar-se conta, já tinha entrado.
Percorreu o curto corredor e apareceu na sala. Jovens
aos montes dedicavam-se ao alegre passatempo de deslocar
os joelhos ao compasso do estrondo musical. Estava tudo
cheio de fumaça, de garotas em minissaias, de rapazes mais
ou menos hippies, de coca-cola, de chiclete... A música
parecia uma batucada feroz, que repercutia dentro da
cabeça. Os gritinhos de excitação sucediam-se
interminavelmente... Viva a juventude!
Cortou a sala por um lado, driblando os agitados
bailarinos. Uns três ou quatro rapazes, em grupo, fizeram-se
de engraçados quando ela passou. Na verdade, sua figura
era insólita num dancing, assim transformada num estrepe
autêntico, com sua saia abaixo do joelho, sua horrenda blusa
amarela, o feio casaco verde, os óculos, os sapatões...
Apuparam-na de um modo bastante brutal, mas
naturalmente ela não se alterou.
Por fim, chegou aonde queria: diante daquela porta com
o letreiro “Ladies”. Empurrou-a, voltando-se ligeiramente
para a entrada da sala. Okay: lá estavam os dois caras... e a
tinham localizado. Um deles ficou junto da porta. O outro
foi atrás dela, sem olhá-la, muito convincente em seu papel
de distraído.
Entrou no toalete do “Marvel Dancing” e imediatamente
introduziu-se num dos sanitários, fechando a porta. Olhou
para a janelinha que havia no alto. Mas, além de difícil sair
por ali, era coisa que não convinha. O que convinha a
“Baby” naquele momento era o “Plano Avesso”.
Despiu-se num instante, virou suas roupas do avesso e o
resultado foi o seguinte: o casaco verde mostrou a vermelha
face interna, a blusa amarela transformou-se em preta, a saia
foi enrolada na cintura, deixando boa parte das pernas a
descoberto. Depois foi dobrada para dentro a gola da blusa,
mostrando agora um decote tremendo, abismal. Subiu
graciosamente as mangas do casaco. Tirou a cobertura dos
grossos tacões de seus sapatos, deixando aparecer uns saltos
finíssimos, delicados. Removeu a peruca loura, os óculos,
as pequenas almofadas de borracha especial que lhe
enchiam as bochechas, deixando ficar apenas as lentes
negras. Em segundos, valendo-se de seu espelhinho, pintou
quase escandalosamente a boca e os olhos. Guardou a
peruca, os óculos, agitou os longos cabelos negros e sorriu.
Voilá. A metamorfose teria merecido a aprovação
instantânea do próprio Número Um, o melhor espião
masculino de todos os tempos.
Uma vez tudo guardado na maletinha, sacou desta uma
bolsa de lona com o nome, em vermelho, de uma
universidade. Meteu dentro a maleta e saiu do sanitário.
Três segundos depois, abandonava o toalete, balançando à
acintosa bolsa de lona ao compasso sensual de suas
cadeiras, os finos saltos batendo vivamente no assoalho.
Claro: o cara que tinha entrado na sala, ao vê-la sair,
olhou-a, mas sua expressão não se alterou. Ato continuo,
seu olhar regressou à porta com o letreiro “Ladies”, à espera
do estupor de óculos e cabelos louros. Quando ela passou
pelo grupo de rapazes, estes novamente assobiaram com
estrépito, mas agora querendo ser amáveis... E quando
passou junto ao homem que tinha ficado na porta, este não a
olhou sequer; estava demasiado ocupado em olhar para seu
companheiro e para a porta do toalete de senhoras.
E assim, a agente “Baby” encontrou-se na rua sem o
menor contratempo. Uma olhadela lhe foi suficiente para
constatar que o vetusto carrinho tinha desaparecido,
naturalmente com Frank Minello ao volante.
Okay.
Chamou um táxi e, ao encaminhar-se para ele, passou
roçando pelo grande Opel dos dois sabichões que a estavam
esperando dentro do dancing. E, roçando-o, sua mão deixou
lá um pequeno emissor de sinais provido de ventosa
magnética.
Entrou no táxi, sob o olhar descarado do chofer, que se
voltava no assento para olhá-la a seu gosto, sem
dissimulação.
— Para onde, benzoca?
— Quer ganhar uma gorjeta de cem dólares? —
perguntou-lhe Brigitte.
— Oh, não! — exclamou ele. — Eu estou aqui porque
gosto de ajudar o próximo: ofereço-lhe abrigo quando
chove e levo-o de graça ao Bronx... Coisas assim.
— De acordo, de acordo — riu ela. — Quer os cem
dólares? Então, afaste-se daqui e para bem perto para que eu
possa continuar vendo esse Opel — indicou-o — e segui-lo
quando dois homens entrarem nele.
O chofer piscou um olho.
— Você é do FBI? — perguntou com um sorriso cínico.
— Não. Da CIA.
— Ah-ah! Essa não! — soltou uma gargalhada. — da
CIA! Bem, boneca, por cem dólares, vou trabalhar para uma
espiã... Não é isso?
— Exatamente. E muito obrigada.
— De nada! — tornou a rir o homem. — De nada! Ás
vezes faz bem á gente se divertir um pouco! Farei tudo o
que você disser, garota.
Ainda tardaram quinze minutos a sair os dois espertos,
expressão torva, sombrios. Foram diretamente ao carro,
entraram e deram a partida.
— Atrás deles, não é? — perguntou o motorista.
— É. Mas com cuidado. São dos que percebem que
estão sendo seguidos, por isso dê-lhes dois blocos de
vantagem.
Pelo espelho retrovisor, ele olhou-a espantado.
— Dois blocos de vantagem? Olha, benzoca, se lhes dou
essa vantagem depois não os encontro mais, nem
procurando durante vinte anos por Manhattan. De que
cafundó veio você?
— Faça o que lhe digo, por favor.
— Okay: você paga, logo manda!
Apenas meio minuto depois, olhando atentamente o
pequeno aparelho com um ponteiro indicador que tinha nas
mãos, Brigitte ordenou:
— Em frente. Siga na reta, por ora. Irei lhe indicando o
caminho.
O chofer olhou um instante aquele aparelhinho com um
ponteiro que se movia, e que emitia um levíssimo sinal de
rádio: “bip-bip-bip...” Estava na dúvida: continuar rindo ou
levar a sério? Optou por obedecer às instruções daquela
bonita garota do tremendo decote, das pernas sensacionais.
***
— Pare.
O chofer encostou â direita e deteve o carro.
— E agora? — perguntou. — Estamos em New Jersey,
açúcar, e do Opel não se vê nem o brilho.
Brigitte estendeu-lhe uma nota de cem dólares,
imperturbável.
— Quer ganhar outros cem? — sorriu.
— Por este preço, pode usar e abusar aqui do papai! Sou
todo seu, entende?
— Você só me interessa como chofer, entende? —
retorquiu Brigitte. — Mas se eu mudar de opinião, direi.
— Boa idéia. Que preciso fazer para ganhar outros
— Esperar-me aqui.
— Formidável! Descansarei um pouco, boneca. Até
logo.
Brigitte saltou do carro, levando na mio a bolsa de lona.
Na outra mão, o receptor dos sinais emitidos pelo emissor
colocado no Opel. Não demorou um minuto a avistar este,
parado diante de uma casa de um só andar, com um bonito
gramado e dois grandes plátanos frondosos. A um lado, uma
pequena garagem. Já passava das onze horas e tudo parecia
em calma naquele bairro residencial. Á frente de outras
casas viam-se mais alguns carros, certamente de visitas. E
algumas delas estavam iluminadas. Tal como aquela em
que, segundo parecia, os dois sujeitos do Opel haviam
entrado.
“Baby” Montfort logo encontrou uma zona de sombra,
entre alguns canteiros e sob os plátanos frondosos. Diante
dela, um pouco de lado, a grande janela que devia pertencer
ao living da casa. Naquela peça havia luz, mas as
venezianas estavam quase completamente fechadas.
Com sua rapidez habitual, ela montou o fuzil formado
por três tubos de alumínio e disparou um microfone-dardo
contra a moldura da janela. Em seguida pôs em marcha o
receptor, colocando a diminuta peça auricular num ouvido e
comprimindo o botãozinho que acionava a fita magnética.
— ... aceitar os fatos — ouviu, em russo. — A moça nos
enganou e já nada se pode fazer, Prokov. Igor e eu atuamos
bem, mas ao que parece ela atuou melhor. Sem dúvida,
pertence à CIA.
— Isso não está me cheirando bem, Zarev. As notícias
eram de que nenhum serviço de espionagem ia intervir,
exceto o nosso.
— Bom, é evidente que Rossana se enganou. Ela nos
disse que Weheimer não pensava negociar com o governo
americano, mas talvez o suíço tenha mudado de idéia... ou
então essa loura que nos enganou não disse a ele que
pertence à CIA.
— É possível que seja isso, Zarev, é possível. Embora
não possamos ter certeza de que ela pertença realmente à
CIA.
— Ora, vamos, Prokov, abandone essa esperança de que
a CIA não está intervindo. Que opinião tem você de Igor e
de mim? Acha que uma garota qualquer poderia nos
enganar tão facilmente como essa loura? Ela tem que ser da
CIA. E muito bem treinada. Estamos convencidos de que
era a que depois passou tranqüilamente diante de nossos
narizes, sem óculos, sem peruca loura, com outras roupas...
Trabalho bom demais para ser feito por uma pessoa comum,
muita audácia e confiança em. si mesma... Aceitemos a
Situação: A CIA está metida no assunto do “Detectron-
U68”.
— Bem... E o pior é que não temos noticias de Nuref e
Vasarian. Dizem vocês que eles foram atrás da esposa de
Weheimer, aproximadamente às oito e meia da noite; mas o
certo é que esta voltou com a loura e eles não deram mais
sinal de vida. Depois, saem vocês atrás da loura e ela os
deixa plantados num dancing Quer dizer alguma coisa,
Igor?
— Quero, Prokov. Zarev e eu viemos conversando
durante o caminho e achamos que seria conveniente
apoderar-nos dos planos, sem esperar mais nada. Depois, se
as coisas forem bem, poderemos conseguir o detector
especial. Franz Weheimer o mantêm bem escondido, ou
está esperando-o, não sabemos por que meio. Mas nem
sequer Rossana sabe onde está o aparelho, ou quando
chegará. Enquanto esperamos, a CIA pode afinal intervir
diretamente no assunto e cortar-nos o caminho. Por que
esperar mais, se temos os planos ao nosso alcance?
— Sim, com efeito... Você está de acordo com isso,
Zarev?
— Claro. Tanta espera só nos poderá prejudicar.
Obtenhamos agora os planos e enviemo-los à Rússia.
Depois poderemos ficar aqui e, se possível, apoderar-nos
também do aparelho. Mas não demoremos mais a obter os
planos. Rossana pode consegui-los quando lhe dermos a
ordem.
— Os Weheimer ficarão assustados, alarmados.
— Talvez seja melhor, afinal de contas. Alarmando-se, é
possível que se decidam a ir buscar o “Detectron”, ou a
fazer alguma coisa... Qualquer coisa nos convirá mais que
esperar. Não esqueçamos que a CIA, com toda a certeza,
está intervindo. Não lhe devemos dar tempo.
— De acordo. Avisem Rossana pelo sistema
estabelecido. Dêem-lhe as instruções necessárias para que
esta noite mesmo roube os planos do cofre e os entregue.
Mas é necessário que ela continue lá para informar-nos
depois sobre o paradeiro do “Detectron”.
— Está bem.
— E façam corretamente as coisas, esta vez. Nada de
falhas. Os planos têm que seguir imediatamente para a
Rússia. São onze e... vinte. Dêem uma boa margem de
tempo a Rossana. Que ela consiga os planos às duas da
madrugada, quando certamente todos estarão dormindo. E
tragam-nos com a maior rapidez. Estou preocupado a
respeito de Nuref e Vasarian, o que me leva a pensar na
conveniência de abandonarmos esta casa. Se é certo que a
CIA está intervindo, talvez os dois tenham sido capturados.
Podem ir. E espero que estejam de volta às três, o mais
tardar.
— Conte com isso, Prokov. Até lá.
A conversa, integralmente em russo, foi compreendida
in totum pela mais bela e eficaz espiã do mundo, que
recolheu rapidamente seus aparelhos, guardando-os na
maletinha vermelha. Deslizou para a janela e estava
chegando lá quando a porta da casa se abriu. Saíram dois
homens, que se dirigiram para o Opel. Brigitte retirou
velozmente o microfone, escondeu-se e esperou que o
veículo se afastasse... Esperou ainda mais cinco minutos,
imóvel. Decorrido esse tempo, rodeou a casa, evitando a
luz. Apareceu junto à garagem, por trás. Deslizou para a
porta, entrou abrindo-a o imprescindivel, e olhou para o
carro, no qual, segundos depois, colocava um dos emissores
magnéticos para localização por meio do receptor de sinais.
Saiu da garagem, atravessou o jardim como uma sombra
e, uma vez na rua, afastou-se sorrindo friamente. Segundo
lhe indicara a pura lógica, alguém do entourage de Franz
Weheimer havia posto a MVD soviética ao corrente da
existência do “Detectron-U68”. E esse alguém, sabia-o
agora, era Rossana Vergano, a amantíssima noiva de
Helmut Kaps, o ajudante do cientista.
Bom... Talvez a tal Rossana Vergano estivesse pedindo
aos gritos uma lição que jamais esqueceria.
Quando entrou no táxi, meio minuto depois, o chofer
voltou-se sobressaltado, mas reconheceu-a de imediato.
Entretanto, sua excitação não decresceu.
— Ouça: acabo de ver o Opel! — exclamou. — Era ele
mesmo! Passou por aqui não faz nem...!
— Calma, rapaz. Eu também vi. Leve-me a Manhattan,
agora.
— Por onde? Como antes me mostrou o caminho...
— Leve-me pelo mais curto ao cruzamento da 14 Este
com a Primeira Avenida. Lá lhe entregarei seus outros cem
dólares e sua... ajuda à CIA estará terminada.
— Pena! Agora que eu estava começando a gostar da
coisa!
— Assim é a vida: quando algo nos agrada, vêm outros
para tirá-lo de nós. Em marcha, gentil amigo.
Sentia-se mais que satisfeita. O plano “Avesso”, quer
dizer, a transformação de perseguida em perseguidora, tinha
logrado êxito... uma vez mais, naturalmente.
CAPÍTULO QUARTO
Um homem com muitas mãos
O fácil produto de uma multiplicação
“Baby” põe á venda um detector eletrônico

Tão logo entrou no armazém, a pé, uma gigantesca


sombra pareceu debruçar-se sabre ela. “Baby” firmou bem
os pés no chão e levantou ambas as mãos, cruzadas diante
do rosto, rígidas como tábuas.
— Ah-ah-ah! Sou eu, querida...
— Frankie! Tudo foi bem?
Baixou as mãos e deixou-se abraçar por seu colega de
jornalismo e, ocasionalmente, de espionagem. E claro que
Frank Minello sabia tirar bom proveito das poucas ocasiões
em que Brigitte lhe permitia uma aproximação completa.
— Por minha parte, sim murmurou ele. — Estava
pensando...
— Pense quanto quiser, mas deixe de abraçar-me... ou
como for que você chame o que está fazendo.
Minello soltou-a, emitindo um resmungo de decepção.
— Está bem, está bem, não ia tirar nenhum pedaço...
— Quase tirou, sim, da minha blusa. Frankie, você
deixou o carrinho no lugar?
— Naturalmente. E depois vim esperá-la aqui. Tudo está
em calma e ordem. Como se foi com aqueles dois pássaros
do dancing?
— Sem novidade. São da MVD soviética.
— Da...? — sobressaltou-se Minello. — Então estamos
nos metendo em grossa encrenca, Brigitte!
— Você não toma jeito, querido! Veja se fica quieto!
— Era só uma carícia...
— Não preciso das carícias de um fulano com tantas
mãos. Santo Deus, você parece um polvo. Frankie ...
— Um... octopus1?
— Mais perigoso ainda! — riu ela. — Bom, deixe de
violências e vamos ao meu... camarim.
— Aonde você quiser, adorada espiã. Desceram pela
escadinha esconsa que levava ao longo corredor onde havia
diversas portas, uma delas dando para o pátio onde Frank
Minello tinha deixado a arcaica viatura, depois de retirá-la
das vizinhanças do “Marvel Dancing”.
Entraram no mesmo aposento onde Brigitte Montfort se
havia transformado em miss Ana Brown e Minello dirigiu-
se diretamente a uma cadeira, Sentou-se, acendeu dois
cigarros e estendeu um a “Baby”, enquanto olhava com
resignada admiração ao seu redor como esperando alguma
estranha mágica.
Realmente, meu amor, você cada dia se torna mais...
enigmática e surpreendente. Já estive aqui três vezes,
contando com esta, e sempre me pergunto se de fato este
velho armazém é o esconderijo secretíssimo da espiã mais
cruel de todos os tempos.
— Eu lhe pareço cruel? Acha que as pessoas a quem
mato não merecem a morte?
— Oh, não me referia a isso, mas à sua crueldade para
comigo, que a amo tão apaixonadamente...
— Frankie, deixe de dizer tolices.
— É uma tolice gostar de você?

1
Referência à fantástica aventura: O Último Susto.
Brigitte suspirou desalentada, definitivamente
convencida de que não conseguiria fazer com que Frank
Minello desse outro curso à conversa. Para assombro do
redator-chefe da seção esportiva do “Morning News”,
apertou um certo ponto da parede e uma parte desta correu
lateralmente, deixando visível um grande armário com
numerosas divisões em que havia de tudo, desde cosméticos
até venenos.
— Puxa vida! — exclamou ele. — Esta eu não sabia!
— São pequenos segredos... — disse Brigitte. — Você
não gostaria de saber o que está acontecendo?
— Claro que sim! Você me chama, diz-me que a espere
em tal lugar, depois que vá embora, depois que a espere em
outro... As vezes, tenho a impressão de que você se diverte
obrigando-me a dar passeios. Diabo! Diga-me de urna vez o
que está se passando.
Ela consultou seu relógio de pulso. Depois começou a
explicar a Minello todo o assunto, enquanto se dedicava a
diversos preparativos.
A primeira coisa que fez, sempre sem deixar de falar, foi
despir-se quase completamente. Ficou diante do extasiado
Minello apenas de sutiã e calcinhas. E sapatos. Uma vez em
tão fresca e cômoda indumentária, sacou do armário um
traje que consistia numa só peça, negra, inteiriça. Vestiu-a e
pareceu que sobre sua própria pele tivesse colocado outra,
de um negro total, apertada a ponto de todos os seus
encantos extraordinários se destacarem com o máximo de
exatidão. Calçou uns mocassins igualmente negros. Depois,
diante do espelho do lavatório, removeu a exagerada
maquilagem que havia aplicado no toalete do “Marvel
Dancing”. Pôs tudo em ordem, inspecionou sua maleta,
certificou-se de que ali havia tudo quanto pensava utilizar e,
então, sacou uma câmara fotográfica e um flash.
Finalmente, vestiu uma curta saia de jérsei e voltou-se para
Minello, que estava encantado com a vida.
— Que tal?
— Viva a espiã mais fabulosa do mundo! — celebrou
ele.
— Por favor, Frankie! Pergunto que tal lhe parece todo
este assunto do “Detectron-U68”.
— Ah, bom... Pelo que me contou, parece que tudo está
começando a esquentar. Interessantíssimo, na verdade. Mas
minha opinião, para uma espiã conhecida em todo o
universo como a mais astuta, não deve valer grande coisa.
Que pensa fazer com essa Rossana Vergano? Você detesta
os traidores, não é mesmo?
— Não creio que alguém goste deles. E quanto a essa
moça... Não sei. Decerto lhe darei uma lição. Mas, como
costumam dizer os grandes mestres, “uma lição não é
proveitosa para o aluno se não o é também para o
professor”.
— Mmm... — Minello coçou a nuca. — Entendo que
você quer obter algum beneficio dessa lição que pretende
dar à chamada Rossana.
— Claro. Na verdade, penso dar uma lição a muita
gente, Frankie. Custarão a tragá-la, mas acabarão por
compreender.
— Compreender... o quê?
— A lição.
— Que lição?
— A que vou dar a umas quantas pessoas.
Minello tornou a coçar a nuca.
— Bem. É possível que essa gente, seja de que
espécie seja, aprenda uma lição, mas eu não entendo nada
de nada. Refere-se a essa Rossana Vergano e aos russos?
— E a outros... Que lhe parece esta cartolina negra,
Frankie? Acha que não se poderá ver através dela o clarão
de um flash?
— Hã-hã... Por quê?
— Vá ao meu Mustang, com este rolo de cartolina e a
tesoura, e recorte uns quantos pedaços que sirvam para
tapar as janelas, o vidro de trás e também para fazer uma
espécie de cortina que separe, quanto á percepção da luz, o
assento dianteiro da parte traseira. Entendeu?
— O que tenho que fazer, sim. O que você pretende, não
— ergueu as mãos, como pedindo paz. — Está bem, está
bem, irei cumprir sua ordem, mulher sem coração.
Apanhou o rolo de cartolina, a tesoura e saiu do
aposento. Voltou dez minutos depois, justamente a tempo
de ver “Baby” disparando o flash algumas vezes para
verificar sua eficácia. Depois olhou a pequena câmara à
qual estava adaptado o mesmo.
— Vai fazer microfotos?
— Vou, Frankie. Preparou tudo no cano?
— Tudo.
Brigitte tomou a olhar o relógio.
— Temos tempo de sobra para ir lá, mas tanto melhor.
— Aonde vamos?
— Ao 2.114 de Northern Boulevard.
— A casa desses Weheimer?
— Exato. Pelo caminho irei lhe explicando tudo o que
quero fazer. Você pode se negar a ajudar-me, claro.
— Ah-ah! — riu Minello. — Esta é uma das melhores
piadas que já ouvi.
— Então — “Baby” atirou-lhe um beijo — trata-se de
esperar um grande Opel, que chegará com dois interessantes
personagens chamados Igor e Zarev, russos naturalmente.
***
O Opel chegou às proximidades da casa alugada pelos
Weheimer às duas menos dez, exatamente. Estava bem
claro que os agentes da MVD tinham dado suas instruções a
Rossana Vergano, por algum meio com o qual Brigitte
pouco se importava. Não seria ela quem se interessasse por
coisas desse estilo.
— Ai estão — murmurou Frankie.
— Ssst
Brigitte passou o cano do seu fuzil de ar comprimido
pela janela do carro, esperou uns segundos que saísse um
dos russos e, então, comprimiu imediatamente o gatilho.
Minello viu o homem levar as mãos ao rosto, oscilar, depois
cair como se suas pernas tivessem subitamente perdido toda
a força. “Baby” não pôde sequer ver isso, pois se dedicou
velozmente a introduzir outra cápsula de gás fulminante no
fuzil.
Quando tornou a olhar, o outro russo tinha saído do
carro e passava pela frente do mesmo, rodeando-o, revólver
na mão. Viu-o ajoelhar junto ao companheiro, segurar-lhe o
pulso, erguer a cabeça procurando a presença de algum
possível agressor. Apertou outra vez o gatilho. O russo que
ainda estava consciente levantou-se de salto, levando
também as mãos ao rosto, soltando o revólver... E no
segundo seguinte caia fulminado pelo gás que escapara da
ampola rebentada contra seu queixo.
Brigitte deixou o fuzil no assento de trás.
— Já sabe, Frankie.
— Sei.
Apearam os dois ao mesmo tempo, dirigindo-se Minello
ao Opel, junto ao qual jaziam os dois agente da MVD.
“Baby” foi direto para a casa. Entrou no jardim, esteve uns
minutos olhando para pontos diferentes da pequena
residência e, por fim, escolheu seu lugar de espera:
justamente sob a janela do living, agachada. Era como uma
sombra a mais entre as sombras negras. Somente o branco
de seus lindos olhos podia delatá-la, mas sabendo disso ela
quase os fechou; inclusive conteve a respiração, em longos
intervalos.
Até que se completaram os minutos que faltavam para as
duas da madrugada.
Então, um leve ruído na janela alertou-a. Em seguida,
ouviu-a abrir-se. A esta altura já se pusera de pé,
completamente colada à parede, mergulhando parcial-mente
entre as trepadeiras.
Ouviu o rumor de uma pessoa. Depois, a figura
facilmente identificável de Rossana Vergano apareceu na
janela, tendo uns papéis na mão. Estava de pijama; um
desses pijamas curtos e encantadores, tanto pela escassez de
tecido como pela quase transparência deste.
Rossana Vergano saltou ao jardim, silenciosamente, e
ficou olhando para as sombras que a envolviam.
— Zarev — chamou baixinho.
Brigitte ergueu a mão e avançou um passo. A bonita
jovem estava de costas para ela, mas ouviu qualquer coisa
porque se deteve em seco, crispou-se, pareceu que ia voltar-
se.
Flap!
O golpe dado pela mão de “Baby” ressoou surda-mente
na nuca da suíça de ascendência italiana. Foi um impacto
breve, mas de execução impecável e que, claro está,
produziu resultados imediatos, fulminantes. Rossana
Vergano caiu primeiro de joelhos e depois de bruços,
privada dos sentidos. Admita-se que “Baby” estava sendo
amável: livrava-a do incômodo de se manter desperta
àquelas horas.
Apanhou os papéis espalhados pelo chão e foi
tranqüilamente para o Mustang esportivo de cor vermelha.
Nele entrou e Minello emitiu uni leve suspiro ao vê-la
sentada no banco de trás.
— Tudo bem, Brigitte?
— Tudo. Vigie com cuidado.
— Okay.
Ela olhou para o estreito espaço à sua retaguarda. Lá,
estendidos grotescamente um sobre o outro, estavam Zarev
e Igor, que dormiriam por três horas. Frankie fizera
perfeitamente as coisas, de modo que ela só precisou baixar
o pedaço de cartolina negra enrolado entre o assento
dianteiro e o traseiro. E como as janelas e o vidro de trás
estavam também tapados completamente, aquele pequeno
espaço do Mustang ficou transformado num recinto escuro.
Ela acendeu a luz, colocou os papéis a seu lado e recorreu á
câmara equipada com flash. Segundos após fazia a primeira
microfoto. Passou a folha e bateu outra. E outra. Nove ao
todo. Nove por cinco, quarenta e cinco... Fácil de
multiplicar. E o resultado da multiplicação foi que Brigitte
fotografou todas as folhas do plano nada menos que cinco
vezes. E ainda lhe sobraram cinco espaços para microfotos
no filme, que permitia cinqüenta exposições.
Ergueu a negra cortina de papel.
— Tudo pronto, Frankie. Deixo-lhe a câmara aqui...
Tem a chave do carro?
— Não estava com nenhum dos dois. Deve ter ficado lá.
— Bem. Até logo.
Saltou. Minello deslocou-se rapidamente para o outro
extremo do banco, passou o braço pela janela e segurou a
mão de “Baby”.
— Não será melhor que eu a espere?
— Nada disso. Até logo. E trabalhe depressa.
— Está bem...
Ela afastou-se. Em menos de um minuto, estava
novamente junto à desmaiada Rossana Vergano. Uma
garota esperta, que certamente se ligara a Helmut Kaps para
ter acesso ao invento de Franz Weheimer. Não a censurava
por isso: a espionagem exige que uma pessoa faça qualquer
coisa.
Com os planos numa das mãos, entrou na casa pela
janela que Rossana utilizara para sair. Encontrou
imediatamente o cofre, atrás do quadro. Estava fechado e
ela teve que admitir a boa técnica da mocinha. Roubava os
planos, fechava o cofre, entregava-os a seus cumpinchas da
MVD, depois voltava para a cama. Bom trabalho. Pena
estar metida no assunto nem mais nem menos que a agente
“Baby”.
Friccionou suavemente os dedos e colocou-os sobre o
disco da combinação. Se Rossana Vergano tinha aberto
aquele cofre, não cabia dúvida de que “Baby” era capaz de
fazê-lo melhor e mais depressa.
Quatro minutos, exatamente. Após mover o disco
durante esse tempo, escutando com seu finíssimo ouvido o
deslizar das engrenagens do fecho, o cofre ficou aberto. O
fino feixe de luz de sua pequena lanterna percorreu-lhe o
interior. Absolutamente nada. Franz Weheimer estava
utilizando aquele cofre apenas para guardar seus planos. O
fato de que o cientista confiasse numa simples, quase
ridícula caixa forte embutida fez Brigitte sorrir, pensando
que afinal de contas ele não era absolutamente tão astuto
como se julgava.
Deixou os planos lá dentro, fechou o cofre, colocou o
quadro no lugar.
Segundos depois, saltava para o jardim, sempre como
uma sombra, coberta apenas pela malha negra
ajustadíssima.
Deteve-se junto a Rossana Vergano e bateu-lhe
levemente com o pé nas nádegas.
— Parece que lhe dei com muita força. Mmm... Gosto
deste pijama europeu. Acho que o levarei como modelo
para minha modista.
Dito e feito. Em poucos segundos, tirou o pijama da
italo-suíça e enrolou-o. Olhou para a desnuda colaboradora
da MVD e moveu desaprovadoramente a cabeça.
— Um pouquinho gorducha, querida. Quando nos
tornarmos a ver, quero sugerir-lhe que faça um pouco de
esporte. Não lhe convém essa abundância de carne,
absolutamente!
Atravessou o jardim, depois a rua e meteu-se no Opel
dos espiões soviéticos. Efetivamente, as chaves estavam no
contato.
Pôs o motor em marcha, arrancou e afastou-se
suavemente daquele tranqüilo e aprazível lugar, pensando
que, logicamente, a última coisa que poderia ocorrer a
Rossana Vergano, ao recobrar os sentidos, seria procurar os
planos no próprio cofre de onde os roubara. Claro que
nunca os imaginaria lá...
***
Frank Minello tinha aberto as portas do armazém,
tomando a fechá-las depois que o Opel conduzido por
Brigitte entrou.
— Como vai o trabalho, Frankie?
— Ainda não comecei — protestou o cronista esportivo.
— Você não me deu tempo. Limpei seu carro e levei os dois
russos para baixo.
— Vamos vê-los.
Estavam estendidos sobre o chão sujo de uni dos
pequenos quartos que davam para o corredor. Brigitte
moveu-os com um pé, embora soubesse que ainda
dormiriam por muito tempo. Sacou um rolo de finíssimo
arame de aço, que estendeu a Minello.
— Amarre-os com isto — disse. — E não poupe arame,
Frankie. Parece-me que estes homens terão que permanecer
nada menos que quarenta e oito horas aqui. E você com
eles.
— As quarenta e oito horas?
— Não quer?
— Oh, sim... Mas pergunto-me o que dirá o Furibundo
quando vir que não apareço no jornal.
— Eu me encarregarei de nosso eterno mal-humorado
Miky Grogan. Você não gostaria que ele curasse sua úlcera
duodenal?
— Seria fantástico! — exclamou Minello.
Puseram-se a rir os dois. Brigitte saiu do quarto e
Minello começou a atar os russos com tanto arame e
eficácia que, sem dúvida, aqueles homens mais fácilmente
amputariam os próprios pés e mãos com o fino aço que se
libertariam de suas muitas e fortes voltas.
Quando se reuniu com Brigitte no “camarim”, ela estava
vestindo roupas normais. Ele suspirou enfarruscado.
— Você passa a vida me oferecendo sessões de strip-
tease, meu amor... Quando deixará cair de verdade o sétimo
véu?
— Sem-vergonha.
— Mas apaixonado... Não me diga que tenho que dormir
duas noites neste catre.
— Lamento.
— Me pareceria o mais confortável dos leitos se você o
compartilhasse...
— Não prossiga. Agora tenho que ir, para escrever umas
cartas. Você tem que revelar o microfilme. Já sabe onde
está tudo. Amanhã espero ter cinco microfilmes, cada um
deles contendo os planos completos do “Detectron-U68”.
Okay?
— Okay — resignou-se Minello. — A quem vai
escrever essas cartas? A Papai Noel?
— Isso só faço no Natal — riu Brigitte. — Até amanhã,
Frankie. Olho vivo. Se acontecer alguma coisa, estou em
meu apartamento. As nove horas virei cá. Durante todo o
tempo, não creio que me afaste além do alcance de seu
rádio. Alguma dúvida?
— Querida, quem trabalha com você e tem dúvidas é um
retardado mental. Descanse... E sonhe comigo!
— Tentarei — tornou a rir “Baby”. — Adeus, querido.
***
Já no escritório de seu luxuoso apartamento da Quinta
Avenida, Brigitte Montfort olhou especulativamente o
rascunho das cartas que tencionava enviar. As duas seriam
idênticas e convinha que fossem perfeitamente inteligíveis
em sua forma e conteúdo. Fez algumas correções e depois,
numa folha de papel comum, sem seu nome ou qualquer
outro sinal, começou a primeira das cartas. Destinava-se a
um homem a quem ela chamava “Meu querido Fantasma” e
seria remetida a Londres. A outra tinha o seguinte início:
“Monsieur Nez, mon ami”, e seu destino era Paris.
Em cada uma dessas cartas, “Baby” oferecia à venda um
extraordinário aparelho denominado “Detectron-U68”, que
ela afirmava possuir, ressaltando a grande utilidade do
mesmo para a localização infalível de minério de urânio em
jazidas a qualquer profundidade. O preço que pedia, tanto
ao MI5 inglês como ao Deuxiême Bureau, era de cinco
milhões de dólares, em dinheiro.
De onde se depreende que ninguém pode jamais saber ao
certo as coisas raras que é capaz de tramar uma espiã
internacional da categoria de “Baby”.
CAPÍTULO QUINTO
Confabulação atômica
Melhor dito ao inverso
Comer e dormir: regime para os russos

A campainha da porta anunciou a chegada de um cliente


matinalíssimo ao atlético indivíduo de grandes mãos
tostadas pelo sol, que estava preparando um ramo de flores.
Ele ergueu a cabeça, espantado a principio, depois sorriu
como a pessoa mais feliz do mundo.
— Bom-dia, Johnny — saudou a cliente, com um
encantador sorriso.
— Um dia maravilhoso — apressou-se a melhorar o
tempo o espião florista, ajudante de Charles Pitzer na
“Floricultura Charlie”, quartel-general camuflado da CIA
em Nova Iorque. — Sempre é um dia maravilhoso quando
meus indignos olhos pousam na fantástica “Baby”.
Brigitte riu.
— Que retórica tão sobrecarregada, querido! Aposto que
você está lendo alguma obra romântica do século passado.
— Não, não. Mas garanto-lhe que muito me agradaria
que ambos estivéssemos vivendo no século XIX.
— Você e eu vivendo no século XIX? Para que, Johnny?
— Para eu raptá-la.
— Ora vamos ... E o que impede você de me raptar neste
maravilhoso século XX?
— O FBI.
“Baby” soltou uma gargalhada.
— Você é o mais simpático de todos os meus Johnnies!
Por onde anda o nosso querido tio Charlie?
— Fazendo a primeira coisa de cada dia no jardim:
colhendo duas dúzias de rosas vermelhas para certa miss
Montfort, criatura cheia de caprichos, com terríveis olhos
azuis e corpo de... de espiã.
— Vou vê-lo — tomou a rir Brigitte. — Até já, Johnny.
Passou por trás do balcão, cruzou a porta apenas
protegida por uma cortina e percorreu o corredor, até o
fundo, onde Charles Pitzer, renomado floricultor nova-
iorquino, tinha seu grande jardim, em plena Rua 42 de
Manhattan. Ninguém poderia estranhar que miss Montfort
lá entrasse, pois que era umas das clientes mais assíduas da
floricultura.
Saiu ao jardim e viu imediatamente o chefe da CIA no
Setor de Nova Iorque. Estava de fato cortando rosas
vermelhas, que escolhia cuidadosamente entre as melhores.
Ela se aproximou em silêncio, a ponto de sobressaltá-lo
quando, às suas costas, murmurou com aquela inigualável
doçura:
— Bonito dia, tio Charlie.
Pitzer virou-se bruscamente e em seguida emitiu um
grunhido, erguendo a vista para o céu de um azul intenso,
primaveril.
— É... Parece que teremos um bonito dia, miss Montfort.
— Estamos na primavera. E dentro em breve será
verão... Ah, o verão! É o único período do ano em que
suporto resignada esta horrível cidade.
— Por que não vai morar em outra?
— Farei isso qualquer dia. São minhas rosas?
— São... Pode me dizer as horas?
— Exatamente — Brigitte olhou seu pulso — nove e
trinta e dois minutos.
— Bem, ainda não tive tempo de mandá-las. E seria
interessante você recordar que não sou apenas seu obediente
florista, mas seu chefe também. Ou seja, que deveria ser
menos exigente.
— Mas, querido tio Charlie, se não tenho nenhuma
queixa de você... como florista! É pontual, amável e
solícito. Em compensação, como chefe, é abominável,
desculpe.
Pitzer cortou a última rosa que completaria as duas
dúzias e ficou olhando torvamente para ela.
— Está bem... Que diabo veio fazer aqui? O que quer?
— Cinco milhões.
— Cinco... quê? — exclamou ele.
— Milhões. E não de rosas, mas de dólares made in
USA.
— Está querendo brincar comigo? Só pode ser uma
brincadeira, claro.
— Uma brincadeira divertida — sorriu “Baby”,
entrecerrando maliciosamente as pálpebras — Sim é isso,
uma brincadeira divertidíssima, tio Charlie. Podemos dispor
dessa quantia em Berna, hoje mesmo, por meio de uma
ordem de pagamento à nossa gente na Suíça?
— Você chega a dar a impressão de que está falando
sério.
— E estou. Meu sorriso é apenas a máscara hipócrita e
cruel de uma espiã impiedosa.
— Para que precisa você de cinco milhões de dólares na
Suíça?
— Para comprar um aparelho chamado “Detectron-
U68”. E um... aperfeiçoamento do contador Geiger. O
cidadão suíço Franz Weheimer, seu inventor, garante que
com ele se poderá encontrar todo o urânio do mundo, já que
sua capacidade de detecção atinge dez mil quilômetros de
profundidade.
— Deve estar louco!
— Um pouquinho, certamente. Mas não resta dúvida de
que será muito mais fácil localizar o urânio que até agora
tem escapado ás investigações com os meios atuais.
Definitivamente, tio Charlie: com o “Detectron-U68”, os
investigadores americanos poderão localizar jazidas de
minério de urânio que até agora se têm furtado ás suas
prospecções. Espero que se dê conta do que isso significa:
sendo encontrado mais urânio, o preço deste baixará e, por
conseguinte, poderá ser mais utilizado em centrais elétricas,
aplicações médicas etc., enfim, no oferecimento de maior
conforto á humanidade em geral.
— E na fabricação de mais bombas.
— Bombas?
— Atômicas; esses objetos comumente denominados
engenhos bélicos nucleares. Parece que você só pensou no
bem que pode proporcionar esse urânio utilizado para fins
industriais, domésticos e médicos... Não pensou em que
também se fabricarão mais bombas atômicas?
— Mais? — sorriu secamente Brigitte — Bem não creio
que isso tenha nenhuma importância, tio Charlie.
Pitzer ficou estupefato.
— Devo estar dormindo ainda... E sonhando, claro. A
você não importa mesmo que se fabriquem mais bombas
atômicas?
— Em absoluto. Por que haveria de me importar?
— Um momento, um momento... — resmungou Pitzer,
já mais que espicaçado. — Você, se bem me recordo, é uma
espiã de tipo muito especial, querida. Com bastante mais
freqüência do que quisera a CIA, tem tomado decisões
pessoais em diversas missões, todas elas de caráter
humanitário, bondoso. Você mesma me fez compreender
que não luta pela CIA, nem por ninguém em particular, mas
pelos que não podem se defender, pela justiça, pela paz. Já
muitas vezes arriscou a vida por esses conceitos tão
altruísticos e, no fundo, talvez eu esteja de acordo com
você. Mas, esteja eu ou não de acordo, você ama antes de
tudo a paz, a fraternidade humana... Certo?
— Muito certo, tio Charlie — murmurou Brigitte.
— E me diz que não se importa que encontrem mais
urânio e que com ele se fabriquem mais bombas atômicas?
— Foi o que disse. Mas tudo tem sua explicação.
— Explicação que eu gostaria de ouvir, palavra! —
grunhiu Pitzer.
— Quantos projéteis atômicos e bases mais ou menos
secretas de lançamento calcula você que tenhamos nos
Estados Unidos?
— Sei lá! Mil, talvez.
— Que sejam mil. E a Rússia? Quantos projéteis
atômicos tem a Rússia, prontos para serem lançados ao
espaço em poucos segundos?
— Também perto de mil, ao que se diz. E se nos
descuidarmos, dentro de três ou quatro anos, o poderio
atômico terá passado à União Soviética.
— Todos vocês são uns infelizes — definiu Brigitte, —
Você e os que pensam como você, tio Charlie. Em primeiro
lugar, esse poderio atômico deveria ter sido empregado em
coisas melhores, autenticamente úteis à humanidade... E
isso é o que procuro ao facilitar a busca de minerais
urânicos e congêneres: prestar um serviço a toda a
humanidade.
— Acha que não se fabricarão bombas atômicas com
esses minerais radioativos? — sorriu sarcasticamente Pitzer.
— Oh sim! Muitas bombas, eu sei. Mas que nunca serão
lançadas.
— Nunca? E como pode saber isso?
— Querido tio Charlie, se se desencadeasse uma guerra
atômica mundial, nem sequer teríamos tempo de disparar as
duas mil bombas já existentes. Não há necessidade de tantas
para arrasar o planeta Terra. A Rússia dispararia umas
quinhentas, os Estados Unidos outras tantas, a França, a
Inglaterra, o Canadá, a China e outros países ficariam
loucos esgotando seus pequenos arsenais... Acha você que
depois de três mil projéteis atômicos explodirem no mundo
seria ainda possível fazer qualquer coisa?
— Bom... Não creio que restasse alguém para fazer
nada, certamente.
— Exato. Pois então, se esses três mil projéteis atômicos
capazes de acabar com o mundo inteiro já existem, que
diferença faz que sejam fabricados mais alguns milhares?
Não restaria ninguém para lançá-los. Portanto, se as nações
querem dedicar o precioso urânio à fabricação de bombas,
que o façam. Mas, ao menos, que tenhamos todos tanto
urânio que ainda sobre para inventos e aplicações realmente
úteis. Que ao mesmo tempo se fabrique um milhão de
bombas a mais? Bom, seria como se uma pessoa a que
faltassem ambas as pernas resolvesse comprar mil pares de
sapatos. Para que os desejaria, se jamais poderia usá-los?
Não seria melhor que invertesse seu dinheiro nuns quantos
pares de muletas, ou numa cadeira de rodas, ou em alguns
pares de pernas artificiais? Para que iria querer os sapatos se
não tinha pés? Pois isso é o que fariam os Estados Unidos
se empregassem urânio para fabricar mais bombas
atômicas: para que um milhão de bombas atômicas, se
apenas poderiam ser lançadas mil, ou menos ainda? Seria o
mesmo que armazenar comida para quinhentos anos
sabendo que vamos viver apenas setenta ou oitenta. Para
que tanta?
Charles Pitzer terminou por sorris de um modo estranho.
— Pouco a pouco — murmurou — vou aprendendo a
não discutir com você. Prezo-me de ser astuto, inteligente
mesmo, mas sua agudeza de percepção ultrapassa meus
limites. Bem... Você não se opõe a que sejam fabricadas
mais bombas atômicas no mundo, já que isso não vai piorar
realmente a perigosa situação mundial. Mas, ao mesmo
tempo, gostaria que se encontrassem milhares de toneladas
de urânio para que este fosse empregado em beneficio da
humanidade. Seu plano é perfeito, reconheço. E agora me
diga: acredita realmente nesse... “Detectron-U68”?
— Sim. Pelo menos, acho que devemos experimentar.
— Compreendo. Esse suíço, Franz Weheimer, pede
cinco milhões por seu invento?
— Assim é. Pagáveis á sua conta num banco de Berna.
Ao lhe entregarmos o comprovante desse depósito feito em
seu favor, ele nos entregará os planos e o protótipo do
aparelho.
— Entendo que esse homem está aqui, nos Estados
Unidos.
— Em Nova Iorque precisamente.
— Ele se pôs em contato com você?
— Mais ou menos... Foi uma entrevista que alguém
arranjou.
— Alguém? Quem?
— Um amigo da Europa.
— Amigo... de quem?
— Meu, naturalmente.
— Quem é esse amigo?
Brigitte sorriu e permaneceu silenciosa. Pitzer franziu a
testa e acabou por soltar um de seus grunhidos.
— Está bem... — resmungou. — Imagino que seja um
desses tais que lhe devem a vida, a felicidade, o amor ou
algo parecido. Ou as três coisas juntas. Estou enganado?
— Você nunca se engana, tio Charlie — sorriu
docemente “Baby”.
— Não me agradam suas ironias. Falemos do assunto do
dinheiro. Como peço á Central nada menos que cinco
milhões de dólares?
— Pelo rádio que tem escondido na floricultura, está
claro — riu Brigitte.
— E explico as coisas aos maiorais da mesma forma
como as explicou a mim, sem omitir nem acrescentar nada?
— Não há razão para acrescentar ou omitir nada,
querido. Você lhes expõe o assunto e eles têm apenas que
dizer sim ou não.
— Na certa recusam.
Brigitte teve uma expressão maravilhada, contemplando
uma rosa ainda na planta. Tirou suavemente a tesoura das
mãos de Pitzer, cortou a rosa, cheirou-a fechando os olhos,
depois a prendeu ao vestido.
— Telefono a você dentro de duas horas para saber a
resposta da Central, tio Charlie.
— Já disse que recusarão.
— Nesse caso, responda-lhes que meu saldo no Banco
da América excede essa cifra. Até logo, querido chefe.
— Esperei — exclamou Pitzer. — Está querendo dizer
que realizaria, particularmente, a compra desse tal
”Detectron-U68”?
— Sua rapidez de compreensão sempre me deixa
maravilhada, tio Charlie. Até logo. Ah... Tome este
papelzinho onde está anotada a conta de Franz Weheimer
cm certo banco de Berna. Se a Central aceitar, transmita-lhe
estes dados, a fim de que alguém na Suíça deposite
imediatamente os cinco milhões em favor de Weheimer. O
comprovante deverá vir em vôo direto especial antes das
seis da tarde de amanhã. Ciao amore.
Abandonou o jardim. Quando apareceu ria floricultura
propriamente dita, Johnny estava contemplando com
expressão critica o ramo que tinha preparado. Ao ouvi-la,
tirou o cigarro da boca e olhou-a carinhosamente.
— Como se foi com o chefe? — perguntou.
— Saberei dentro de duas horas. Oh, Johnny, que lindo
ramo! Você é um artista, rapaz. Pena que além disso seja
um perigoso espião.
— Só quando é necessário — riu Johnny. — Acha
mesmo bonito o meu ramo?
— É lindo!
Ele entregou-o a “Baby”, inclinando-se comicamente.
— Com a admiração de todos os agentes da CIA...
— Você é um amor, querido!
Recebeu o ramo, aspirou-o, olhou para Johnny e beijou-
o suavemente nos lábios.
— Não fosse por você e outros como você, há muito
tempo teria mandado a CIA ao diabo. Até breve, Johnny.
— Até sempre... Volte amanhã, querida!
Saiu rindo da floricultura. Pouco depois, entrava em seu
Mustang vermelho, esportivo. Deixou o ramo a seu lado,
sobre o assento e abriu a bolsa. Sacou um pequeno aparelho
metálico, retangular, com dois mostradores circulares
recobertos por vidros. Em ambos estavam indicados os
pontos cardeais e intermediários. Apertou um botãozinho e
imediatamente o ponteiro do mostrador da esquerda
assinalou o norte, enquanto o do mostrador da direita, com
um leve zumbido, se deslocou para leste.
— Puxa! Parece mesmo que o amigo Prokov estava
assustado: mudou de domicilio...
***
Alex Prokov, chefe daquele grupo da MVD soviética
que operava em Nova Iorque para conseguir o “Detectron-
U68”, olhou vivamente, alarmado, a porta da cabana do
motel onde havia soado a batida.
Aproximou-se, metendo a mão direita sob o paletó,
procurando a axila esquerda.
— Quem é?
— Serviço, cavalheiro.
Reconheceu claramente a voz do empregadinho e abriu,
retirando a mão que já tocava a coronha do revólver. O
rapazola sorriu simpaticamente e estendeu-lhe um pequeno
pacote envolto em papel branco e recoberto de celofane, o
qual estava preso por uma fita que, por sua vez, prendia
uma flor natural. Prokov segurou o pacote, bastante
surpreendido.
— Que é isto?
— Uma moça me pediu que o entregasse ao senhor.
— Uma moça? Quem era?
— Não disse o nome. Só disse que entregasse o pacote
ao dono do carro de chapa Empire State 78-29... É o seu,
não, mister Lowell?
— Hum... Sim. Claro. Obrigado...
Deu-lhe uma moeda e o garoto iniciou a retirada,
murmurando um: Thank you, sir.
— Espere... Como era essa moça? Loura?
— Sim senhor.
— Mal vestida, de aspecto... esquisito?
— Oh, não! Era muito bonita e elegante.
— Olhos escuros?
— Isso não sei. Estava de óculos para o sol.
— Era...? Bom, pode deixar. Tudo está bem.
O boy afastou-se. Prokov fechou a porta e olhou o
pacotinho. Moveu-o, perto da orelha, mas não ouviu nada.
A idéia de receber uma bomba a domicilio não lhe sorria,
mas tampouco podia esperar nada melhor da loura que na
noite anterior burlara tranqüilamente Igor e Zarev.
Cenho carregado, optou por abrir o pacote... E
considerou atônito o pequeno rádio de bolso, de fabricação
norte-americana. Ainda hesitou uns segundos antes de
apertar o botão de chamada. Percebeu que alguém recebia a
chamada e perguntou:
— Quem é?
— Podemos falar em russo, Prokov — disse uma voz de
mulher, nesta língua. — Certamente nos entenderemos
melhor.
— Com quem estou falando?
— Pode chamar-me Ana Brown. Você já sabe algo a
meu respeito, Prokov: sou a moça que ontem á noite
enganou seus camaradas Zarev e Igor. E não foi só: fui eu
quem os seguiu depois até Certa casa de New Jersey, na
janela de cujo living cravei um dardo com microfone, de
modo que pude ouvir quase toda sua conversa a respeito do
“Detectron-U68”, Rossana Vergano, Franz Weheimer... Se
puser isto em dúvida, Prokov, posso oferecer-lhe agora
mesmo o som de uma gravação que fiz de sua conversa.
— Quero ouvir — crispou-se o russo.
— Concede-me uns segundos?
Houve apenas cinco segundos de silêncio; depois soou
claramente a voz de Zarev: ...aceitar os fatos. A moça nos
enganou e já nada se pode fazer, Prokov. Igor e eu atuamos
bem, mas ao que parece ela atuou melhor. Sem dúvida,
pertence á CIA...
— Quer que prossiga, Prokov, ou desligo o gravador?
— Está bem assim — disse cm voz rouca o espião
soviético. — Que quer você exatamente? Quem é na
realidade?
— Uma espiã. Mas não da CIA, claro.
— Para quem trabalha?
— Para mim mesma. Quer dizer, para meu grupo. Você
entenderá, Prokov, se lhe disser que meu grupo e eu
trabalhamos para quem melhor nos paga.
— São espiões particulares?
— Exatamente. Quero que as coisas fiquem bem claras
desde o principio, de modo que lhe exporei em poucas
palavras a situação. Em primeiro lugar saiba que seus outros
dois companheiros, Nuref e Vasarian, estão num hospital
devido ao acidente de automóvel que sofreram quando
seguiam Frau Weheimer. Nada de grave, naturalmente, e
poderão sair facilmente do apuro se seus documentos
americanos falsos estiverem bem feitos... Quanto a Zarev e
Igor, estão em meu poder, sem a mínima possibilidade de
escapar. Além disso, tenho os planos do “Detectron-U68”,
que ontem me permiti arrebatar a Rossana Vergano.
Acredita no que lhe digo?
— Ainda não sei... Como me localizou neste motel, fora
do perímetro da cidade?
— Ontem á noite, depois de ouvir e gravar sua conversa
com Igor e Zarev, permiti-me também colocar em seu carro
um emissor de sinais, pois sabia que estava alarmado e
podia levantar vôo. Esta manhã, nada foi mais fácil que pôr
em marcha o receptor de sinais, seguir a direção indicada
pela flecha e...
— Compreendo, compreendo... E o que é que pretende?
— Cinco milhões de dólares.
— Quê?...
— Cinco milhões de dólares americanos, Prokov. Em
troca dos mesmos, lhe devolverei Zarev e Igor sãos e
salvos, e lhe entregarei um microfilme contendo os planos
do “Detectron-U68”. Outrossim, prometo descobrir o
hospital ou clínica onde estejam internados Vasanan e
Nuref, e comunicar-me com você a fim de que possa
recolhê-los. Não quero inimizades com a MVD, mas os
negócios são os negócios. Creio, porém, que fica mais bem
dito ao inverso: os negócios são os negócios, mas não quero
inimizade com a MVD.
— Quem é você realmente?
— Ora, vamos, Prokov, não seja estúpido. Bem: que me
diz desses cinco milhões de dólares?
— Terei que... consultar.
— Pois faça-o. Chamarei novamente dentro de duas
horas. Ah, outra coisa, Prokov: se está pensando em tentar
conseguir grátis o detector, seja por intermédio de Rossana
Vergano ou por outro meio qualquer, desista. Não gosto de
ameaçar, mas quando der um passo nesse sentido, a CIA
receberá uma notificação a respeito de você e de seus quatro
companheiros, dois dos quais, não esqueça, estão em meu
poder... E tenha presente que, a partir deste momento, você
está vigiado de um modo estreito e direto. Será uma boa
idéia que medite sobre isto, creia-me. O assunto não é para
ser tomado como brincadeira.
— Compreendo... Mas cinco milhões de dólares é muito
dinheiro...
— Talvez os americanos não pensem assim, Prokov.
— Venderia o “Detectron” a eles?
— A eles ou a quem quer que seja. Eu peça cinco
milhões de dólares por esses planos. Se a MVD os pagar,
melhor. Se não, procurarei outro comprador, está claro.
— Por que os oferece primeiro a nós, aos russos?
— Talvez porque seja russa. Chamarei dentro de duas
horas. Se então estiver de acordo, combinaremos o modo de
entrega, o lugar e a hora exatos. Não é preciso dizer,
Prokov, que a simples intenção de jogar sujo seria
desastrosa para você. Pense bem em tudo isto. Até logo,
tenho mais coisas que fazer.
***
— Olá, Frankie! Tudo bem?
— Claro. Os russos despertaram. Ocorreu-me que
deveria levar-lhes algo de comer e beber, mas preferi
esperar suas instruções. Dormiu bem?
— Bem. Mas apenas três horas. Tive que ir ao aeroporto
de madrugada... Venha comigo. Estão prontos os
microfilmes?
— Naturalmente.
Entraram pouco após no quarto onde Brigitte Montfort
tinha criado um refúgio e esconderijo particular para
quando se transformasse na agente “Baby”. Minello
estendeu-lhe cinco diminutas tiras de microfilme que ela se
apressou a passar, uma por uma, pela ranhura de um visor
especial. Depois de passar a última, assentiu com a cabeça.
Colocou os cinco microfilmes em pequenas cápsulas de
plástico opaco, que entregou ao companheiro.
— Guarde-as bem. Valem muito dinheiro, Frankie.
— Eu sei: cinco milhões.
— Não, não... Algo mais — sorriu ela. — Por que você
não faz a barba, querido?
— Por que não posso fazê-la com as mãos apenas.
— Oh... Bem, tentarei trazer-lhe um barbeador. Não
garanto, está claro. Mas eu lhe trouxe algo de comer e
beber. Pensarei na sua barba.
— Me conformo com a comida. E os nossos
prisioneiros?
— Comerão também. Não quero tratá-los mal. Afinal de
contas, estão fazendo seu trabalho, tal como eu. E enquanto
não demonstrarem que merecem morrer, continuarão vivos.
Eu lhe direi como fazer as coisas, Frankie, utilizando estas
ampolinhas de gás: primeiro, adormeça-os, depois, entre,
solte-os e deixe-lhes a comida. Quando tiverem terminado
torne a adormecê-los, ao entrar lá e amarrá-los. Entendido?
— Passarão os dias dormindo.
— Assim não se aborrecerão sorriu Brigitte, olhando seu
relógio. — Vejamos... Levei esta manhã as cartas,
diretamente ao avião que as transportaria a Londres e a
Paris. Esta noite estarão cada uma em sua respectiva cidade,
portanto podemos calcular que amanhã pela manhã
Monsieur Nez e John as recebam... Digamos ás dez horas.
Isso quer dizer que terei uma resposta telegráfica imediata e
que, ali pelas dezoito ou dezenove horas, um agente do
Deuxiême Bureau e outro do MI5 já estarão em Nova
Iorque... Digamos às dezenove horas. Bom. Tudo vai se
encaixando...
— É bem possível que sim — grunhiu Minello. — Mas
eu continuo sem entender nada.
— Você gostaria de usar barba, Frankie?
— Já estou usando, não?
— Refiro-me a uma bem maior, acompanhada de um
bonito bigode... Espere um momento.
Abriu o esconderijo secreto da parede, remexeu numa
caixa e sacou uma barba postiça, com um grosso bigode
incluído. Fez Minello sentar e, durante uns minutos, esteve
aplicando-lhe aquele piloso disfarce.
— Você está lindo, Frankie!
— Bem, se me prefere barbado...
— E uma barba falsa. Se quer agradar-me, terá que
deixar crescer a sua.
— Comecei ontem! De maneira que...
Brigitte sorriu, olhando outra vez seu relógio.
— Tenho que telefonar para o tio Charlie — informou.
— E depois ainda me restam muitas coisas por fazer. De
maneira que me vou, Frankie. Tome bastante cuidado.
— Aprecio a vida. Que disse Grogan?
— Quem?
— Miky Grogan, nosso chefe do “Morning...” Não me
diga que se esqueceu de avisá-lo...!
— Santo Deus, esqueci completamente...
— Vai me matar! — exclamou Minello, afobadíssimo.
— Vai me matar e comer como um peru...!
— Espero que me convide para o banquete — riu
“Baby”. — Telefonarei a ele de meu apartamento,
tranqüilize-se. E quando o vir tentando acabar com você,
irei em seu auxilio.
Frankie Minello pôs-se a rir.
— Que faço com esta barba e o bigode?
— Tire-os e torne a colocá-los várias vezes. Amanhã à
noite você deve estar transformado num especialista no
controle desse disfarce.
— Hurra! Já tenho com que me entreter.
Brigitte tornou a rir. Beijou a ponta de um dedo, e levou-
o aos lábios de Minello, depois agitou a mão alegremente.
— Au revoir, mon amour.
***
Foi bem violenta a conversação telefônica com Miky
Grogan, o qual gritava tanto que parecia estar ali mesmo, no
living do apartamento de Brigitte. Ela teve que enganchar o
fone, pouco menos que surda com a gritaria do “furibundo”.
Charles Pitzer, por meio do rádio direto escondido no
armário do quarto, comunicou-lhe que a CIA concordara e
que a ordem já fora enviada a Berna, onde um agente
especial depositaria os cinco milhões de dólares na conta
indicada por Franz Weheimer.
Finalmente, pondo-se outra vez em contato com Alex
Prokov por meio do pequeno rádio de bolso, “Baby” tomou
conhecimento de que o espião russo aceitava o trato: cinco
milhões de dólares pelos planos do “Detectron-U68”.
Depois disto, ela indicou-lhe o local, dia e hora da entrega.
E, súbito, viu-se sem nada mais o que fazer quanto
àquele assunto. Resolveu almoçar, dormir por duas horas,
depois se avistar com Miky Grogan para acalmá-lo.
Poderia até trabalhar um pouco no “Morning News”.
Afinal de contas, tudo estava marchando perfeitamente e ela
poderia dispor de quase trinta horas de vida tranqüila,
normal... Que bela perspectiva!

CAPÍTULO SEXTO
Com um emissor de sinais no estômago
Milhões de dólares por todos os lados
A sombra augusta da Catedral de São Patrício

Por volta das dezessete horas do dia seguinte, Brigitte


Montfort assomou a linda cabeça por um lado da porta do
escritório de Miky Grogan, o eternamente mal-humorado
possuidor de uma úlcera duodenal que dirigia o diário nova-
iorquino “Morning News”.
— Adeus. Miky.
— Oh, Brigitte, entre... Por favor.
Ela ergueu as sobrancelhas, surpreendida sem dúvida
pelas últimas palavras. Entrou, colocou-se diante da vasta
mesa do chefe e ficou olhando-o em simpática expectativa.
O “Furibundo” pigarreou, remexendo uns papéis.
— Bom... Sei que fez seu trabalho e dirigiu muito bem o
de Minello. Não, não... Eu não vou insistir para que me diga
onde está Frank e o que anda fazendo. Posso imaginar. Mas
o fato é que esta noite haverá importantíssimas lutas de
boxe no novo Square Garden e...
— Quer que ele vá?
— Bom... Nosso jornal não pode faltar amanhã com uma
ampla e bem documentada reportagem sobre essas lutas,
Brigitte.
— Mande outro repórter, não?
— Olhe... Frank é um amalucado, mas para estas coisas
tem um talento especial. Penso que terá que ir. Ou você.
— Eu? Mas... Desculpe — abriu a bolsa e sacou o
pequeno rádio, admitindo a chamada. — Fale.
— É a Peggy, miss Montfort. Chegaram de fato dois
telegramas e, como me disse que às cinco e cinco a
chamasse para...
— Está bem. Que dizem os telegramas, Peggy?
— Um deles veio de Paris. Vou ler... CONTRATO
ACEOTO STOP VOU ABRAÇÁ-LA STOP SAUDAÇÕES DE RENÉ.
— Ótimo. E o outro?
— Chegou de Londres. Diz... ALL RIGHT BEIJOS JOHN.
— Obrigada, Peggy. Alguma outra novidade?
— Nenhuma. Espero-a para jantar?
— Não... Receio que não. Certamente terei que ir ao
New Madison Square Garden esta noite. Adeus. Beijinhos
para o “Cícero”.
Fechou o rádio, guardou-o e olhou para Miky Grogan,
que perguntou, esperançado:
— Quem é que vai: você ou o Frank?
— Faremos o possível, Miky. Está se sentindo bem? Eu
claro... Por quê?
— É que estranho o fato de não estar dando gritos,
— De nada servem os gritos com você.
— Assombroso... — murmurou Brigitte, estupefata. —
Continue assim e verá como cura sua úlcera. Adeus querido.
Inclinou-se por cima da mesa, até que Grogan
compreendeu e avançou rapidamente o rosto ao encontro do
dela. Rindo, Brigitte esquivou os lábios de seu chefe
jornalístico para beijá-lo na testa.
— Vá-se embora! — rugiu ele. — Um dia você vai
acabar com minha paciência! Está sempre zombando de
mim e não tolerarei...!
Calou-se bruscamente, congestionado, porque estava
gritando sozinho... em prejuízo, unicamente, de sua úlcera
de duodeno.
***
— Que tal, Frankie?
— Tudo muito aborrecido. Você está certa de que
é“Baby”?
— Certíssima. Acabou-se o aborrecimento. Vamos lá
para baixo. Novidades com os nossos prisioneiros?
— Nenhuma.
Uma vez mais entraram no quarto especial da agente
“Baby”, que, num instante, tornou a despir-se diante de
Minello, ficando apenas de sutiã e calcinhas.
— A barba, Frankie.
— A... a quê...? — tartamudeou ele.
— Ponha a barba postiça, homem.
— Ah, sim... A barba... Temos pressa?
— Muita, realmente. Por favor: deixe as brincadeiras
para outro momento.
— Okay.
Minello dedicou-se a colocar a barba, enquanto Brigitte
se transformava em miss Ana Brown, com sua horrível
indumentária e seu feio aspecto de moça loura, deselegante
e bochechuda. Teve ainda que ajudar o companheiro a pôr
corretamente a barba, com suas mãos especializadas no
artifício dos disfarces.
— Muito bem. Você está um cavalheiro com toda a
barba. Pegue esta maleta. Terá que ir levando-a de um lado
para outro.
— Era só o que me faltava: agora sou o maleteiro
especial de “Baby”. Que ponho dentro dela?
— Nada... por ora. Mas logo irá se enchendo. Agora,
preste atenção, Frankie. Este aparelho é um receptor-
localizador de sinais... — colocou-o nas mãos. — Você já o
manejou outras vezes, mas quero estar certa de que ainda
sabe fazê-lo.
— Posso lhe garantir que sei.
— Perfeito. Então, não lhe será difícil saber a qualquer
momento onde estou.
— Com o rádio posso chamá-la quando quiser e...
— É provável que em determinado momento eu não
possa responder sua chamada. E justamente então, se eu não
responder sua chamada, você me localizará por meio do
receptor. E terá que fazer bem as coisas, Frankie, porque se
eu não responder será porque algo vai mal.
— Compreendo murmurou seriamente o repórter.
Brigitte mostrou-lhe uma diminuta cápsula na palma da
mão.
— O transmissor. Vou engoli-lo e, ato continuo, com o
próprio calor do estômago, começará a emitir sinais que o
receptor poderá captar. Vejamos.
Engoliu a cápsula. Minello pôs em marcha o receptor,
que levou uns segundos para responder. Quando respondeu,
fê-lo nitidamente.
— Que alcance tem?
— Vinte quilômetros. Espero que sejam suficientes.
Agora, Frankie, iremos os dois ao Aeroporto Kennedy, você
no Mustang e eu no velho carango. Iremos separados, mas
nos veremos no salão de espera dos vôos internacionais.
Você indagará sobre os aviões em que chegarão dois
homens, um de Paris e outro de Londres. O que chega de
Londres é ou se fará chamar John Pearson. O que chega de
Paris você apenas poderá identificá-lo na lista de
passageiros pelo nome René. Será o bastante. Então você se
aproximará de mim e me dirá o nome completo desse
passageiro francês. Depois irá esperar o outro, o inglês.
Estará na alfândega quando chegarem os passageiros desse
vôo de Londres, com um jornal dobrado sob o braço
esquerdo. O homem chamado John Pearson se aproximará e
perguntará se você quer vender o jornal. Você responderá
que sim... por cinco milhões de dólares.
— Por cinco milhões...!
— Continue escutando. Depois de ouvir isto, o homem
dirá que você deve ir com ele e assim você fará, seja para
onde for, até se reunirem com outro, que lhe entregará os
cinco milhões de dólares. Então, você dará um dos
microfilmes ao homem que chegou de Londres. Depois se
separará deles para regressar ao aeroporto, apanhar o
Mustang e voltar aqui, onde ficará à minha espera.
Compreendeu tudo bem?
— Claro que sim. E você? Que fará você, Brigitte?
— Cobrarei mais dinheiro. Depois virei ao seu encontro.
E não se preocupe: nesta parte do plano não há perigo... A
menos que John Pearson e Monsieur Nez tenham resolvido
trair-me, coisa em que sinceramente não acredito. Agora vá
atirar aos nossos convidados russos outra capsulazinha de
gás e... diretos para o “Kennedy Airport”!
***
O barbudo individuo aproximou-se da desajeitada loura
bochechuda que parecia não saber o que fazer no aeroporto.
Plantou-se diante dela, sorrindo como um boboca que diz
alguma coisa para ele engraçadíssima.
Certo: o inglês chama-se John Pearson; vôo 709,
procedente de Londres; chegará dentro de vinte minutos, O
francês chama-se René Fauvert, vôo 124, procedente de
Paris; chegará dentro de meia hora.
— Obrigada, Frankie. Ocupe-se do inglês. E já sabe:
espero você no meu covil.
— Está bem.
O barbudo se afastou com o aspecto de quem,
pretendendo bancar o engraçado, recebeu uma “fria” da
jovem abordada audaciosamente. Esta consultou o relógio,
depois foi para o balcão de um dos bares do aeroporto,
Sentou-se num banquinho alto, sorriu como uma idiota e
pediu:
— Tônica, por favor. Com gelo.
Vinte cinco minutos mais tarde, a loura dos feios óculos
e roupas horríveis estava esperando a um dos balcões da
alfândega. E dez minutos após, já chegados os passageiros
do vôo 124 procedente de Paris, um deles, de excelente
aspecto e sorrindo com simpatia, aproximou-se dela, que
fumava com uma piteira.
— Miss Brown?
— Está enganado, cavalheiro.
— Não creio. Mas tudo é possível nesta vida. Insisto em
que se engana.
— Meu nariz nunca falha. Você cheira a “Baby”.
— Oh! — riu ela. — Parece uma dessas frases bobas
que costumam empregar os espiões, não é certo?
— Com efeito. É como se alguém chamado Monsieur
Nez, ou seja, senhor Nariz, me tivesse dito que encontraria
aqui uma jovem fumando numa piteira e cujo nome e
“Baby”.
— De acordo, Renê sorriu Ana Brown. — Vamos?
O francês afastou-se galantemente, cedendo-lhe o passo.
Depois se colocou junto a ela e, como um estranho par,
abandonaram as instalações do aeroporto. Um homem
aproximou-se deles e disse algo em francês.
René Fauvert indicou a loura. Depois os três se dirigiram
a um carro estacionado no grandioso parkíng. Entraram e
Fauvert estendeu a mão a Brigitte.
Ela lhe entregou o microfilme, contido na diminuta
cápsula de plástico, que parecia hermética... Ao menos, para
um observador normal. Mas o francês abriu-a facilmente,
retirou o microfilme e tomou o visor que lhe oferecia o
homem que lhes saíra ao encontro. Durante cinco minutos,
esteve examinando o microfilme, para, finalmente, assentir
com a cabeça.
— Monsteur Nez me preveniu que você jogaria limpo —
murmurou. — Perdão, mas suponho que esse não seja seu
verdadeiro aspecto, “Baby”.
— Claro que não.
— Isso me tranqüiliza — sorriu Fauvert. Virou-se para o
outro homem. — Pode fazer o pagamento.
O homem entregou uma recheada pasta de couro a
Brigitte, que a abriu e olhou brevemente os maços de
cédulas norte-americanas. Tornou a fechá-la e estendeu a
mão aos dois homens.
— Foi um prazer. Bon voyage, monsieur Fauvert.
Renê inclinou cortesmente a cabeça.
— Merci, mademoiselle ‘Baby”.
Ela saltou do carro com a pasta, esperou que aquele se
afastasse, depois se dirigiu ao velho carrinho que utilizava
quando era miss Brown, abriu a porta, atirou para dentro a
pasta com cinco milhões de dólares, tão indiferente como se
fosse um pacote de roupa suja, depois regressou ao salão de
espera.
***
Três quartos de hora mais tarde, alguém podia haver
estranhado ao observar a predileção que aquela loura
desgraciosa parecia sentir pelos passageiros que chegavam
da Europa. Aproximou-se de um deles, alto, louro e
sardento, com cara de menino e ombros de atleta, que
parecia muito contente por voltar a Nova Iorque e olhava
para todos os lados, encantado com a vida. Ele olhou com
curiosidade quando a bochechuda Ana Brown murmurou ao
seu lado:
— Johnny?
— Olá, “Baby”. Bom disfarce.
— Trouxe o comprovante?
— Claro.
— Entregue-mo, por favor. E daqui, vá diretamente ver
o tio Charlie. Diga-lhe que tudo está bem e que espero ter
esta mesma noite os planos e o protótipo do “Detectron-
U68”.
— Perfeito — murmurou o rapaz.
Entregou à loura uma revista. Depois sorriu e continuou
seu caminho.
***
Brigitte foi passando as páginas da revista diante de
Frank Minello, até encontrar o comprovante do depósito de
cinco milhões de dólares feito num banco de Berna.
— Bem ... Franz Weheimer ficará contente, suponho.
— Que fazemos agora?
— Os prisioneiros ainda devem estar dormindo... Meta-
os no carro pequeno. O dinheiro deixaremos aqui, por
enquanto, no fundo falso. Já sabe como se abre, não?
— Sei.
— Bem, vá colocar os russos no carrinho e espere-me lá.
Lembra-se bem de tudo quanto deve fazer e dizer nesta
última entrevista, Frankie?
— Diabo, parece que você me julga um idiota...
— Não se aborreça. É que uma falha poderia custar-lhe a
vida... Se os russos ficarem convencidos de que você é um
espião particular, espero que tudo saia bem. Mas se
suspeitarem que está trabalhando para a CIA, nada menos
que ao lado de “Baby”...
— Farei tudo bem.
— Então, leve Igor e Zarev para o carro. Eu irei em
seguida... Quero revisar um pouco minha maleta.
Minello saiu do quarto e Brigitte fez o mesmo dez
minutos depois. Quando entrou no vetusto e preto carrinho,
o cronista esportivo já estava ao volante. Atrás
profundamente adormecidos, Zarev e Igor, os dois agentes
da MVD.
— Eu me enganei, Frankie. Em quê?
— Você terá que levar estes homens para o Opel. E nele
os transportará ao lugar da entrevista. Eu o seguirei com
este carango e estarei vigilante, na previsão de que os russos
possam tentar alguma coisa.
Frank Minello soltou alguns resmungos. Levou o
primeiro russo ao Opel, tendo que percorrer todo o corredor
subterrâneo carregando o homem. Quando voltou para
apanhar o outro, estava ainda mastigando seus protestos,
mas, sem dúvida, fazia o que era preciso fazer... e estava
convencido de que Brigitte tinha razão.
Ergueu Zarev num ombro, disposto a percorrer
novamente o corredor e subir a escada de madeira e
atravessar todo o armazém até o grande Opel que, tal como
os dois russos, tinha sido “raptado” por “Baby”.
Já com sua carga, perguntou:
— Onde é a entrevista?
— Você não vai acreditar, Frankie.
— Acredito em qualquer coisa, trabalhando com você.
Onde?
— Diante da Catedral de São Patrício.
— Puxa vida!
— Lembra-se bem de tudo quanto terá que dizer?
— Sim, sim...
— Sobretudo, a barba, Frankie. É bem provável que,
sem que você o perceba, obtenham várias fotografias suas.
Essa barba pode ser seu seguro de vida para muitos anos.
— Compreendo ... Você estará perto de mim?
— Bem perto — sorriu Brigitte. — Tão perto que se o
amigo Prokov tentar algo... desagradável, será ele quem
sairá perdendo. Mas, como tenho a impressão de que não é
nada tolo e deve suspeitar de qualquer coisa assim, jogara
limpo, lhe entregará o dinheiro e levará o microfilme e seus
amigos. Ao deixá-los, você caminhará para Battery e eu o
apanharei com o carrinho quando julgar que o momento é
oportuno. Agora, leve esse cara ao Opel e dê-me cinco
minutos de vantagem.
— Okay.
***
Frank Minello deteve o Opel em frente à imponente
Catedral de São Patrício. Sabia que era proibido fazer tal
coisa ali, mas confiava em que os russos agissem com a
devida rapidez.
Com efeito. Tão logo parou o carro, as duas portas de
trás se abriram e dois homens entraram no veiculo. O
cronista esportivo se voltou, aparentando uma serenidade
fria que estava longe de sentir.
— Se procuram um táxi, estão enganados — disse.
— Eu sou Prokov — disse secamente um dos homens,
enquanto o outro procedia a um rápido exame de Zarev e
Igor. Trouxe o microfilme?
— Só o darei quando me entregar os cinco milhões.
Prokov estendeu-lhe um pacote feito com folhas de
jornal. Frank Minello rompeu-o num dos ângulos, acendeu
a luz interna do carro e pôde ver perfeitamente os maços de
cédulas. Quando olhou para o que dizia se chamar Prokov,
viu o revólver apontado diretamente para sua cabeça.
— Que é que há? — perguntou. — Prefere o jogo sujo?
— O microfilme — disse Prokov.
Minello entregou-lhe a cápsula de plástico. Durante
alguns segundos, o russo teve-a na palma da mão, olhando-a
com a mesma rapidez que ao barbudo jornalista. Havia
outro homem do lado de fora, parado tão perto da janela do
motorista que Minello compreendeu de imediato: sua
cabeça seria despedaçada a balaços, caso alguma coisa
desagradasse aos russos. Mas Prokov sacou um visor do
bolso e por escassos segundos examinou o microfilme.
— Parece que tudo está em ordem — murmurou.
— Esperava outra coisa? — grunhiu Minello.
— Não sei ... Vocês, os profissionais particulares, não
me inspiram confiança. Em todo caso, é possível que seja
melhor tratar com vocês que com outra classe de espiões, já
que só se interessam por dinheiro. Estão-lhe protegendo de
perto?
— Qual a sua impressão? — sorriu o jornalista.
Prokov resmungou qualquer coisa, em russo. O homem
que ocupava o assento de trás disse algumas palavras que o
tranqüilizaram, certamente referindo-se ao fato de Igor e
Zarev estarem simplesmente adormecidos por efeito de gás.
— Saia do carro — disse Prokov.
— Não lhe interessa saber onde estão Vasarian e Nuref?
— Já averigüei por mim mesmo. Saia do carro e afaste-
se. E diga a Ana Brown que tenha muito cuidado a próxima
vez que enfrentar a MVD. Os espiões particulares, insisto,
não são de meu agrado.
— Tenho um recado de Ana Brown para vocês.
— Que recado?
— Regressem à Rússia antes de seis horas. Se ficarem
além desse tempo em território americano, já não sairão
mais. Boa-noite, bolcheviques.
Afastou-se do carro e se foi, voltando-se amiúde, com
certa dissimulação, para ver se o seguiam. Mas,
evidentemente, os russos não tinham nenhum desejo de se
meter em dificuldades, no momento.
A altura da Rua 40, o preto e arcaico veículo de Ana
Brown apareceu junto a ele, renteando a calçada.
— Frankie!
Ele entrou velozmente e suspirou quando o carrinho
afastou em boa marcha por entre o pesado tráfego
Manhattan.
— Pagaram? — perguntou Brigitte.
— Quase nem acredito, mas o dinheiro está aqui.
— Tudo saiu bem. Agora vou deixá-lo no tríplice
cruzamento de Broadway. Rua 23 e Quinta Avenida. Você
tomará um táxi e voltará ao meu esconderijo, onde deixará
esses cinco milhões junto aos outros dez.
— E depois?
— Depois, a menos que surjam dificuldades inesperadas,
sua colaboração terá terminado. Reunimos quinze milhões
de dólares, os russos logo abandonarão Nova Iorque, o
agente do MI5 e o do Deuxiême Bureau partirão também...
Tudo perfeito. Frankie. Só falta ir ver os Weheimer,
entregar-lhes o comprovante e conseguir o protótipo do
“Detectron-U68” para entregá-lo á CIA.
Minello saiu do Opel. Então, entrou o homem que
esperava fora, empunhando imediatamente o volante, O
cronista esportivo aproximou a cabeça da janela, dizendo:
— Não entendo você... — irritou-se Minello. — Juro
que não a entendo. Brigitte!
— E por que haveria de entender-me? Já lhe disse que
seu trabalho está terminado. Leve esse dinheiro ao meu
esconderijo, e pronto.
— Não seria melhor que eu ficasse vigiando o receptor
de sinais desse troço que está no seu estômago?
— Oh, sim! Vou agora mesmo ver os Weheimer e... Na
verdade, Frankie, se dentro de duas horas eu não chamar ou
responder seu chamado, talvez seja conveniente que você
recorra ao receptor de sinais. Agora, salte. Vou ao encontro
dos suíços.

CAPÍTULO SÉTIMO
Posição muito pouco invejável, segundo “Baby”
Perigosa de verdade, segundo Helmut Kaps
Uma coisa altamente repugnante

Na verdade, Franz Weheimer estava atônito, pouco


menos que maravilhado. Com a boca ainda aberta pelo
assombro, dava voltas e mais voltas ao comprovante do
depósito de cinco milhões de dólares feito em sua conta
num banco da Suíça.
— É incrível.
— Não está de acordo com alguma coisa, Herr
Weheimer? — perguntou Ana Brown.
— Oh, sim! Certamente. Estou convencido de que este
comprovante é legal, genuíno... E que, para lhe ser sincero,
miss Brown, não esperava que as coisas saíssem tão bem.
— Pois é como vê — sorriu “Baby”. — Tudo saiu
perfeitamente. E agora, Herr Weheimer, peço-lhe que me
entregue os planos de seu formidável “Detectron-U68”.
Bem entendido que em seguida, e com a maior brevidade
possível, me entregará o protótipo de seu invento.
— Sem dúvida. Claro que sim, miss Brown!
— Não percamos mais tempo.
Franz Weheimer dirigiu-se ao quadro atrás do qual
estava o cofre embutido. Afastou o quadro, abriu o cofre e
tirou os planos, que estendeu à espiã internacional. Esta os
recebeu sorrindo, olhando malignamente, de soslaio, para
Rossana Vergano, cuja palidez era impressionante. Guardou
os planos em sua maleta, olhou para Franz Weheimer,
depois para sua esposa, para Helmut Kaps e, finalmente,
para a bonita italo-suíça, sempre com aquela ironia maligna,
— Parece que está surpreendida, Fraulein...
— Eu? — disse a jovem. — Não, não... Por que haveria
de estar surpreendida?
— Talvez porque não acreditava que os planos
estivessem no cofre.
— Que diz? Não compreendo...
— Compreende sim. Você os roubou duas noites atrás
para entregá-los a seus amigos Zarev e Igor, os quais, como
você mesma e como Vasarian e Nuref, trabalham, sob as
ordens de Prokov, para a MVD soviética... Não?
— Está... louca? — pôde apenas balbuciar Rossana. —
Não sabe o que está dizendo, miss Brown!
Esta, que parecia disposta a colocar um cigarro numa
bonita piteira de marfim e diamantes, deteve-se para olhar
fixamente a exuberante beldade.
— Evidentemente, Rossana, você quer fazer crer aos
presentes que eu sou uma louca ou uma imbecil. Entretanto,
as duas sabemos que nada disso é verdade. Claro que
compreendo sua atitude, sua posição. Desaparecidos os
planos que você tinha surrupiado há duas noites e pensando
que alguém alheio á MVD para a qual trabalha os levara,
resolveu ficar nesta casa, à espera da ocasião de conseguir,
pelo menos, o protótipo do “Detectron-U68”, ou seja, o
único aparelho de tal espécie fabricado por Herr Weheimer.
E como este não protestou pela ausência dos planos, você
foi mantendo sua posição aqui, aguardando o momento de
se, apoderar do protótipo. Agora é bom que saiba que
Prokov e seus outros amigos russos se estão apressando a
sair dos Estados Unidos, abandonando-a á sua própria sorte.
Uma sorte muito pouco invejável, em minha opinião.
— Está louca! Está louca! — protestou Rossana.
— Insisto em que não — sorriu friamente Brigitte.
— Neste momento, você está sozinha, sem ajuda, sem
apoio. Os espiões soviéticos se ausentaram. Já não há
ninguém que possa tentar apoderar-se do protótipo. Apenas
você. Acha que tem alguma probabilidade?
Rossana Vergano pareceu a ponto de dizer alguma coisa,
mas Franz Weheimer adiantou-se, rosto descomposto,
crispado.
— Que está dizendo, afinal, miss Brown? — perguntou.
— Não entendeu, Herr Weheimer.
— Sim, claro, mas... me parece difícil acreditar.
— Pois acredite, Rossana Ver... Cuidado!
Voltaram-se todos, sobressaltados, para a ítalo-suíça, em
cuja mão direita havia surgido um pequeno revólver. Mas,
ao mesmo tempo em que lançava o aviso, Brigitte se
deixava cair de joelhos e soprava fortemente através da
piteira que colocara entre os lábios. Rossana nem chegou a
disparar. Soltou um grito quando sentiu a picada na
garganta e a esta levou a mão, como quem tenta matar um
importuno mosquito. No segundo imediato, caía de joelhos,
e, ato continuo, de bruços.
Os Weheimer estavam tão pálidos que pareciam
cadáveres. Helmut Kaps, embora igualmente pálido,
mostrava-se muito menos impressionado.
— Que fez? — perguntou. — O que fez com Rossana?
— Eu? — surpreendeu-se “Baby”. — Absolutamente
nada. Parece que, devido á emoção, ela sofreu um pequeno
desmaio. Coisa passageira, espero.
Kaps inclinou-se sobre sua noiva, tomou-lhe o pulso,
encostou um momento a cabeça em seu peito.
— Está viva...
— Bem que eu disse. Deve ter desmaiado de medo, ou
de emoção... Coisas assim costumam acontecer.
— Tem uma pequena mancha de sangue na garganta.
Como um orifício produzido por um alfinete.
— Oh, deve ser qualquer pequeno derrame sem
importância... Em minha opinião, o melhor que podemos
fazer é ir buscar o protótipo. Asseguro-lhes que tudo quanto
disse de Fraulein Vergano é certo, de modo que conviria
não perdê-la de vista. O senhor tem um carro grande na
garagem, Herr Weheimer. Podemos ir todos nele buscar o
protótipo do “Detectron-U68”. E ao dizer todos, refiro-me a
“todos”. Rossana virá conosco. E uma vez que o protótipo
esteja em meu poder, decidirão o que devem fazer com ela,
com uma traidora de seus interesses.
— Vejo que só lhe importa o “Detectron”, miss Brown
— disse Frida Weheimer.
— Com efeito. E penso que só lhes deviam importar
esses cinco milhões de dólares que já estão em poder de seu
marido, sob a forma de um comprovante autêntico.
— Ela tem razão — disse Franz Weheimer. — Iremos
todos no carro buscar o aparelho. Depois miss Brown se irá
e nós resolveremos o que convém fazer com Rossana... De
acordo, Helmut?
— Sim... — murmurou o ajudante. — Sim, Franz, claro.
— Leve o senhor mesmo sua noiva para o carro —
sugeriu Brigitte. — O que interessa é que não fique sozinha,
pois poderia avisar os russos. Bem, Herr Weheimer, aonde
temos que ir?
— Sinto-me perplexo, assustado... Não entendo nada do
que está acontecendo.
— Não? — replicou “Baby”. — Pois eu farei com que
entenda perfeitamente: o senhor pediu cinco milhões de
dólares e tem o comprovante em suas mãos. Agora, eu
quero o que tanto dinheiro me está custando, Herr
Weheimer. Parece-me que tudo é muito claro.
— Sim, certamente...
— Onde está esse aparelho? — insistiu Brigitte.
— Deixei-o guardado no aeroporto, dentro de uma
maleta. Todas as peças estão soltas, mas com os planos
qualquer técnico poderá montá-lo.
— Revistarão essa maleta antes de entregá-la, Herr
Weheimer — observou Brigitte.
— Certamente sorriu o técnico eletrônico. — Mas não
creio que o pessoal da alfândega se negue a deixar entrar no
país um novo aparelho para a obtenção de encefalogramas.
— O senhor é muito astuto — comentou ela. — Bem,
vamos ao aeroporto... Tem o talão de depósito?
— Naturalmente.
— Então a caminho. Vamos os três á garagem. Herr
Kaps, gentilmente, se encarregará de sua noiva. Traremos o
carro até aqui, diante da casa, pois é possível que alguém
esteja por perto. Uma medida de simples prudência. Quando
ouvir a buzina, Herr Kaps, saia com Fraulein Vergano.
— Está bem...
Brigitte e os Weheimer saíram da casa, mas, apenas
haviam dado alguns passos, a espiã deteve-se em seco.
— Minha maleta! — exclamou. — Esqueci-a lá dentro...
Alcanço-os na garagem.
Os Weheimer prosseguiram, enquanto ela voltava sobre
seus passos. Abriu a porta silenciosamente, por pura norma,
pura rotina. Sempre era silenciosa, discreta. E apenas
introduziu um pé na casa, deteve-se como cravada no chão,
ao ouvir girar o disco do telefone.
Poucos segundos depois, a voz de Helmut Kaps lhe
chegava, amortecida, falando em alemão:
— Kurt?
— Helmut. Vamos sair agora mesmo da casa, para o
aeroporto. Franz Weheimer deixou lá o protótipo, guardado.
Estamos indo para lá, eles dois, eu, Ana Brown e Rossana,
que sofreu um desmaio ou coisa parecida. Penso que Ana
Brown não esteve alheia a isto, talvez lhe lançando um
dardo com uma piteira. E perigosa de verdade, Kurt. Como?
— Oh, sim. Encarregarei-me de facilitar o trabalho de
vocês. Mas não façam nada até que tenhamos retirado o
aparelho. Até logo.
Helmut Kaps repôs o fone no gancho. Brigitte recuou
alguns passos, depois tornou a avançar, empurrou a porta e
entrou pisando fortemente. Quando apareceu no living, ele
estava olhando para a porta levantando o corpo inerte de
Rossana Vergano.
— Esqueci minha maleta — sorriu Brigitte. — Quer que
o ajude?
— Não, não... Posso sozinho. Que faremos com ela?
— Isso não é comigo. Eu apenas quero o aparelho. Nós
o esperaremos lá fora, Herr Kaps.
— Está bem.
Ela apanhou sua maleta e saiu da casa. Foi á garagem
onde a aguardavam os Weheimer. Frida já estava dentro do
carro, no banco de trás. Brigitte indicou ao técnico
eletrônico o banco da frente.
— Será melhor que dirija o senhor, Herr Weheimer.
Helmut Kaps irá ao seu lado e nós, mulheres, no banco
traseiro. Creio que é o mais conveniente.
— Sim... sem dúvida.
— Leve o carro para a frente da casa. Eu fecharei a
garagem.
O carro saiu, levando os Weheimer. Brigitte sacou
imediatamente seu rádio de bolso e acionou-o, enquanto se
dedicava a fechar as duas folhas da larga porta de madeira.
— Frankie?
— Ordene, meu amor!
— Está muito contente... Por quê?
— Já não tenho que vigiar ninguém, amanhã poderei
barbear-me e no momento estou contemplando nada menos
que quinze milhões de dólares.
— Compreendo — riu baixinho Brigitte. — Agora
escute mais atentamente que nunca em sua vida. Pegue o
Mustang vermelho e...
***
Na seção de guardados do “Kennedy Airport”, não
houve problema algum para retirar a maleta de Franz
Weheimer. Mediante a apresentação do talão, foi entregue
após sumariamente inspecionada. O esclarecimento de que
aquelas peças envoltas cm algodão eram de um
encefalógrafo que um cientista suíço desejava expor nos
Estados Unidos foi admitido com um sorriso amável.
Realmente, embora não sendo um encefalógrafo, o aparelho
não parecia oferecer o menor perigo à segurança nacional.
Helmut Kaps, o mais forte do grupo, encarregou-se da
maleta. Junto a ele, caminhavam Brigitte e Franz
Weheimer. Frida tinha ficado no carro, estacionado no
parking, com Rossana.
Viu-os chegar, muito nervosa, e olhou com ansiedade
para o marido, que sorriu tranqüilamente.
— Está tudo bem, querida.
— Trouxeram o aparelho?
— Claro: Entre, miss Brown.
“Baby” entrou no carro e, em seguida, Franz Weheimer.
Finalmente, Helmut Kaps, após entregar a maleta ao já
sentado técnico eletrônico suíço.
— Já podemos voltar a Berna? — perguntou
nervosamente Frau Weheimer.
— Naturalmente riu com incontida alegria seu marido.
— Temos apenas que deixar miss Brown onde ela queira,
com sua maleta contendo o protótipo do “Detectron-U68”.
E em seguida nós trataremos,
— Temo que não possam ir muito longe — disse
Helmut Kaps.
Franz Weheimer tardou ainda uns segundos para ver o
revólver na mão de seu ajudante. Ficou tão assombrado, que
nem sequer teve possibilidade de fazer o menor comentário.
Mas a agente “Baby” não estava muito assombrada,
evidentemente. Sorrindo com amabilidade, disse:
— Como pode ver, Herr Weheimer, os traidores
aparecem, desenvolvem-se e multiplicam-se inclusive
debaixo de nossos próprios leitos. Não acha isso altamente
repugnante?

CAPÍTULO OITAVO
Falar antes de morrer...
A espécie de gente que não agrada
Eficiência de uma ampola verde

— Helmut... — murmurou por fim Franz Weheimer. —


Helmut, não compreendo...
— É melhor que se cale — disse Kaps.
— Mas...
— Disse-lhe que se calasse, Franz. Não pode
compreender?
— Qual a diferença entre calar e falar? — sorriu “Baby”.
Helmut Kaps olhou-a com evidente interesse; estava
bem claro que ainda não havia conseguido catalogar
exatamente aquela feiosa loura mal vestida, de óculos e
grossos sapatões.
— Na verdade, nenhuma — respondeu sarcástico. —
Nenhuma, miss Brown.
— Então, por que não falamos?
— De que quer falar... antes de morrer?
— Helmut! — exclamou Frau Weheimer. — Você não
está falando sério!
— Está falando sério, sim, Frau Weheimer —
murmurou Brigitte. — Pensa apoderar-se do protótipo do
“Detectron-U68” e dos planos... Segundo creio, Herr Kaps
resolveu isso faz tempo acrescentou, voltando-se para ele.
— Não é verdade?
— É. Vejo que possui mais inteligência do que eu
pensava, miss Brown.
— Fico desvanecida com seu elogio, Herr Kaps — disse
ela com um gélido sorriso. — Realmente, não me considera
uma tola?
— Apenas o normal numa mulher. Talvez um pouco
menos que a maioria... Só um pouco menos.
— E o destino das mulheres — suspirou Brigitte; —
serem umas pobres idiotas que terminam sempre enganadas
pelos homens... De fato, demonstramos a mais perfeita
idiotice ao não aceitar desde o primeiro momento a
supremacia física e mental dos homens. Estou certa, Herr
Kaps?
— Completamente, miss Brown.
— Helmut... — insistiu Weheimer. — Diga-me que isto
é uma brincadeira. Não pode ser verdade, não...
— Uma brincadeira divertida... — murmurou Brigitte.
— Mas de trágicos resultados, Herr Weheimer. Ainda não
está compreendendo?
— Compreender? — respondeu o suíço. — Que devo
compreender!
— Está bem claro. Vejamos... Rossana Vergano soube,
por si mesma ou por meio dos serviços europeus da MVD
soviética, que o senhor estava ultimando certo invento
importante. Então, deu um jeito de transformar-se em noiva
de Helmut Kaps, com vistas a conseguir, no momento
oportuno, todos os informes relativos ao “Detectron-U68”.
Por sua vez, Helmut aceitou Rossana, embora suspeitando
dela, pois lhe interessava ter perto de si uma pessoa que, no
momento em que desaparecesse o aparelho, arcasse com
toda a culpa, a responsabilidade da traição. E admitiu
Rossana, deixou-se namorar por ela, simplesmente porque
tal lhe interessava. Nada disto teria acontecido se o senhor
fosse mais sincero com seu ajudante, Herr Weheimer.
— Mais sincero? Eu nunca lhe ocultei nada!
— Nada, exceto a planificação completa de seu detector
e o protótipo que construiu sozinho, às escondidas, e
remeteu a Nova Iorque... Ou não foi assim?
— Foi — murmurou o cientista. — Assim o fiz...
— Não percebe? Na realidade, Helmut Kaps não teve
mais remédio que agüentar junto do senhor até o último
momento, até agora mesmo, já que não lhe deu
oportunidade de apoderar-se do “Detectron”... Mas esse era
seu objetivo, de modo que admitiu o noivado com Rossana
Vergano, da qual suspeitou bem cedo.
— Não é certo, Herr Kaps?
— É — riu cinicamente este. — É certo. Continue, miss
Brown.
— Tudo muito simples... A ela interessava estar a seu
lado porque assim ficava perto do “Detectron”. A você, que
suspeitava dela, interessava tê-la perto, a fim de que,
quando chegasse o momento de apoderar-se do protótipo e
dos planos, ela levasse toda a culpa. Ambos pretendiam a
mesma coisa, só que para bandos diferentes. Rossana
Vergano trabalha para a MVD russa... e você, Helmut? Por
quanto se vendeu e a quem?
— Está falando claro demais, miss Brown. E em sua
situação deveria compreender que não é bom falar tanto e
tão claramente.
— Por que não? Os que falam mais claro são justamente
os moribundos. E eu, bem como Frau e Herr Weheimer
podemos ser considerados moribundos. Diga-me: para
quem trabalha você, Kaps? Para que país?
— Ficaria surpresa se lhe dissesse para quem trabalho.
— Para particulares, talvez? — indagou com indiferença
“Baby”.
— Como pode suspeitar isso? — exclamou Kaps.
— Ora, vamos, não seja infantil... Se existe alguma coisa
em que ninguém pode me dar lições é a espionagem. De
modo que, com efeito, você trabalha para um grupo de
espiões particulares, que vendem seus informes a quem
pagar melhor?
— Isso mesmo.
— É incrível! — riu Brigitte. — Fiz crer aos russos que
em tudo isto intervinha um grupo particular de espiões, e
temo agora que a coisa é verdadeira... Fantástico!
— O que lhe parece tão fantástico?
— O que está acontecendo. Mas você ignora certos
detalhes, Kaps, e seria muita coisa para contar. Quanto lhe
ofereceram esses espiões particulares por sua colaboração
para conseguir o “Detectron-U68”? Duzentos mil dólares?
Trezentos mil, talvez? Quinhentos? Quanto, Kaps?
— Isso não lhe interessa.
— É possível que sim. Eu poderia aumentar...
O interior do carro pareceu escurecer de súbito: um
homem surgiu junto a cada porta dianteira introduzindo a
mão direita armada com uma pistola.
— Tudo bem, Kaps? — perguntou um deles.
— Tudo bem Kurt. Podem apanhar o “Detectron”.
As portas se abriram. Um dos homens apanhou a maleta
indicada por Helmut Kaps, contendo o protótipo do
“Detectron-U68”. A um sinal ameaçador de Kaps. Brigitte
teve que abrir sua maletinha e entregar os planos ao outro
homem.
— É tudo — disse Helmut. — Esperem-me no carro...
Onde está?
— Na saída Q do parking. Veremos você chegar.
Embora talvez fosse melhor você deixar isto resolvido de
uma vez e vir conosco.
— Não... Vou depois. Esperem-me lá.
— Está bem.
Os dois indivíduos se afastaram, levando os planos e o
protótipo do “Detectron-U68”. Franz Weheimer estava
lívido de medo e raiva. Frau Weheimer rompeu no choro.
Suas lágrimas caíram sobre o rosto de Rossana Vergano,
que descansava em seu regaço.
— É melhor que se contenha Frau Weheimer... —
murmurou Brigitte. — Helmut ficará nervoso se pensar que
alguém pode ouvi-la e aproximar-se deste carro. E se ficar
nervoso, será de todo impossível fazer tratos com ele.
— Que espécie de tratos? — indagou Kaps.
— Não me importa o que lhe pague essa gente por sua
traição aos Weheimer, Kaps. Digo-lhe apenas que posso
pagar-lhe o dobro.
— Seria capaz de me pagar dois milhões de dólares? —
perguntou ele, voz tensa.
— Pago-lhe três, em dinheiro, dentro de meia hora, se
me trouxer os planos e o protótipo do “Detectron.
Helmut Kaps hesitou uns segundos. Na semi-
obscuridade do carro, reluziam seus olhos, dilatados pela
cobiça. Por fim, moveu negativamente a cabeça.
— Não... Não me fio em você. Tudo deve ser mentira.
Não simpatizo com você... absolutamente nada. Todas as
vezes que a olhei fixamente, senti como que um frio
estranho, uma profunda inquietude... Não quero tratos com
você.
— Bom. Nesse caso, suponho que me matará. Que nos
matará a todos. Mas os amigos de Rossana o encontrarão,
pode estar certo. Não viverá muito tempo.
— Ela viverá muito menos — murmurou Kaps. —
Chega de suportar sua farsa amorosa. E tampouco precisarei
continuar fingindo, de modo que...
Brigitte não pôde impedir o rápido gesto de Helmut ao
disparar contra o peito da italo-suíça. Apesar de
adormecida, narcotizada pelo diminuto dardo que ela lhe
cravara no pescoço, Rossana lançou um grito entrecortado,
ao mesmo tempo em que se crispava ao receber a bala em
pleno coração. Logo ficou inerte no regaço de Frida
Weheimer, que parecia a ponto de sofrer um colapso.
O disparo soara abafado dentro do veículo. Mas a voz de
Brigitte ouviu-se claramente fora dele:
— Frank!
Helmut Kaps atrapalhou-se um instante. Deixou de
apontar para Frida Weheimer, apontou para “Baby”,
desviou a arma para uma das janelas
Plop.
O som suave do disparo seguinte, feito com silenciador,
teve lugar fora do carro, às costas de Helmut Kaps. Este
pareceu achatar-se violentamente contra o respaldo do
assento. Soltou o revólver e todo seu corpo relaxou-se. Mas
ainda ergueu a cabeça um instante e seus olhos se fixaram
nos de Ana Brown, que o contemplava com expressão
glacial.
— Mal... dita
Sua cabeça pendeu subitamente sobre o peito, parecendo
desarticular-se, e ele escorregou do assento. Os Weheimer
estavam simplesmente mudos de espanto, de incredulidade.
Nem sequer puderam reagir quando um rosto barbado
surgiu na janela, atrás de uma enorme pistola munida de
silenciador.
— Você está bem, “Baby”?
— Estou. Viu os outros?
— Claro. Estão aqui mesmo, na saída Q, esperando, tal
como lhes ouvi dizer pelo rádio. Você sempre tem boas
idéias... Como essa de deixar seu rádio funcionando dentro
da maleta. Poderíamos.
— Poderíamos calar a boca e fazer alguma coisa —
cortou Brigitte; dirigiu-se aos Weheimer: — Não se movam
daqui até que eu volte.
— Rossana está... está morta.
— E Helmut Kaps também, já sei. Mas não façam nada.
Esperem, simplesmente.
— Está bem...
Ela saiu do carro, reunindo-se com Frank Minello, que
se apressou a passar o braço por seus ombros.
— Você não pode ficar quieto, Frankie?
— Poderia sim, mas não quero. Gosto de segurar em
você.
Brigitte tirou a mão dele do ombro e apontou para a
direita.
— Vá por ali. E não intervenha se não for absolutamente
necessário.
— Como saberei que é necessário?
— Tal como soube faz um minuto — sorriu ela. — Ora
essa, Frankie, você não precisa se fazer passar por tolo. Vá
e fique de olho aberto.
— Obedeço, Majestade. Vamos apanhá-los entre dois
fogos?
— Algo assim... Mas já lhe disse para não intervir até
que seja preciso. Vou fazer uma surpresa a esses dois
assassinos.
— Pode haver mais que dois no carro.
— Sim. Mas não importa. Esse tal Kurt deve ser o chefe,
de modo que vamos cortar o mal pela raiz...
— Tenciona matá-los? — perguntou Minello.
— Frankie, quero que você entenda: os espiões
profissionais, como eu, trabalham para um país determinado
e resistem com bastante freqüência a matar. Não por serem
melhores e mais generosos que os outros, mas porque
esperam que esse respeito pela vida humana os beneficie
um dia. Depois, há o fato de um espião que não assassinou
poder ser apanhado mais adiante e ter a vida salva. Por isso,
evitamos matar sempre que possível. Mas essa gente, esses
espiões que trabalham em seu próprio beneficio, nunca
respeitam ninguém, nem nada. Matam sempre... E essa,
precisamente essa, e a espécie de gente que não me agrada.
Compreende?
— Creio que sim. Brigitte. Mas você bem sabe que eu, a
menos que... Bem, não sou dos que podem... matar
friamente.
— Eu sim — disse “Baby”. — Por isso lhe digo que não
intervenha senão em último caso. Você imagina? Fiz tratos
com o Deuxiême Bureau, com o MI5 e até mesmo com a
MVD. Podia ter morto cinco espiões russos e não o fiz. Mas
esses homens que subornaram Helmut Kaps não têm direito
à vida... E minha maneira de ver as coisas, Frankie.
— Compreendo... Compreendo muito bem, mas...
— Limite-se a me proteger as costas. Apenas isso.
Minello hesitou.
— Se você precisa de mim... Se quer que...
— É suficiente que a matadora seja eu — atalhou ela,
com um duro sorriso. — Você pode continuar sendo um
bom rapaz. Até logo, Frankie.
Afastou-se do cronista esportivo, por entre os carros
estacionados. Em menos de um minuto chegou à saída do
estacionamento Q. Ali, tranqüilamente, colocou sua maleta
sobre o capô de um carro, abriu-a e sacou os tubos de
alumínio. Num momento, o fuzil de ar comprimido estava
montado. E pouco depois uma ampola de vidro verde, cheia
de gás mortal, era introduzida na arma, que ficou sobre o
capô, junto à maleta. Em seguida, “Baby” muniu-se de um
pequeno binóculo dotado de luz interna infravermelha e
enfocou-o.
Nem sequer dez segundos mais tarde, via o carro parado
bem perto da saída. Dentro estavam dois homens, no
assento dianteiro. Voltavam-se para o assento de trás e
falavam animadamente. Havia atrás outros dois homens,
que pareciam contemplar alguma coisa sobre seus joelhos.
Naturalmente, as peças do protótipo do “Detectron-U68”.
Desenroscou um dos tubos do binóculo e encaixou-o
numa ranhura existente no fuzil de alumínio. Deste modo,
ao olhar por ele, pôde apontar com perfeita segurança para o
interior do carro onde quatro homens estavam esperando
que Helmut Kaps assassinasse quatro pessoas.
Apontou apenas dois segundos.
Fuuuuummmm...
Ouviu o levíssimo sopro do ar comprimido ao lançar a
ampola verde cheia de gás mortal. Viu um dos homens levar
rapidamente a mão ao rosto antes de cair fulminado sobre
seu companheiro de banco, que não o sobreviveu nem ao
menos meio segundo.
Em um segundo a ampola verde tinha feito seu trabalho.
Então “Baby” aproximou-se do carro, abriu uma das
portas e, sem se dar ao trabalho de olhar para nenhum dos
quatro cadáveres, apanhou todas as peças do “Detectron-
U68”, que foi colocando na maleta, sem pressa.
Naturalmente, o gás venenoso se volatizara
instantaneamente, de modo que não corria o menor perigo.
Depois de recolher todas as peças, voltou-se, saindo do
carro. Olhou para Frank Minello, que parecia um tanto
sensibilizado, rígido.
— Os quatro? — perguntou ele.
Brigitte assentiu com a cabeça.
— Os quatro. Frankie.
— Bom...
— Não se entristeça. É como matar cobras venenosas
dentro de uma casa. E entre matar cobras venenosas e
crianças, é melhor matar as cobras, não?
— Acho que você está certa, Brigitte. Mas...
— Ponha todos eles no assento traseiro. Leve-os e
enterre-os bem fundo num lugar adequado. Depois deixe o
carro cair no mar. E tudo.
— Só isso? Não terei mesmo mais nada que fazer?
— Bem — sorriu Brigitte — se lhe sobrar tempo, será
uma boa idéia você comparecer ao Madison Square Garden
para conseguir uma reportagem, dessas tão formidáveis que
Frank Minello costuma fazer, sobre o torneio de boxe. Ou
não lhe interessa?
— Claro que sim... Farei o possível para ir lá. Será o
melhor modo de... de distrair-me.
— Você é um bom sujeito, Frankie beijou-o nos lábios,
docemente. — Passe amanhã para me buscar, antes de ir á
redação.
— Passarei, naturalmente.
— Até amanhã então, querido.
— Você, que vai fazer?
— Eu? Levar o “Detectron” ao tio Charlie, claro.
***
Charles Pitzer esfregava fortemente as mãos, olhando
com seus diminutos olhos sagazes as peças que compunham
o “Detectron-U68”, junto às quais se viam os planos.
— Bem... Bem! Esperemos que este aparelho tão caro dê
bons resultados, Brigitte. Eu mesmo o levarei esta noite em
vôo direto e ultra-rápido à Central. Que me diz dos
Weheimer?
— Estão muito assustados... Não é costume deles isto de
espionagem, e viram morrer Rossana Vergano e Helmut
Kaps. Francamente, cheguei a temer que nunca mais
pudesse recuperar os planos e o protótipo do “Detectron”...
— Você é capaz de tudo, querida. A única coisa
lamentável foi que aqueles espiões particulares pudessem
escapar.
— Frank Minello me ajudou. Fizemos o possível, dadas
as circunstâncias: recuperamos o protótipo e os planos, mas
não pudemos impedir que os tais escapassem. Pouca sorte.
— Sim, pouca sorte... Que farão agora os Weheimer?
— Voltarão para Berna, depois de amanhã. Dizem que lá
é mais tranqüilo.
Pitzer soltou um resmungo.
— Com cinco milhões de dólares, qualquer lugar do
mundo é um paraíso. Enfim, se o invento é bom, vale esse
dinheiro. Eu lhe direi algo amanhã à primeira hora. Vôo já
para Washington com estas bugigangas...
— Boa viagem, corvo.

USO PACÍFICO DA ENERGIA ATÔMICA

— Minha mãe! — exclamou Frank Minello. — Quinze


milhões de dólares... Que pensa fazer com eles, Brigitte?
Ela ia responder quando apareceu Peggy na saleta,
apontando excitadamente para trás.
— Mister Pitzer... — avisou.
Brigitte se apressou a recolher os maços de cédulas e
tornou a guardá-los na maleta. Mal tivera tempo para fechá-
la quando surgiu Charles Pitzer, com sua ma educação
habitual de entrar sem haver recebido licença.
— Bom dia, Brigitte... Oh, Minello, por aqui?
— Passei para apanhar Brigitte, a caminho do jornal.
Mas sempre nos entretemos charlando... Espero que não se
incomode.
— Eu? Hum! Quanto mais que é bom você estar aqui,
pois venho dizer alguma coisa a Brigitte sobre o
“Detectron-U68”. Acabo de chegar de Washington, da
Central.
— E que dizem por lá? — indagou “Baby”.
— Parece que o invento pode dar resultado. É
interessante e representa um progresso sobre os
procedimentos atuais. Evidentemente, nossos técnicos o
colocarão no ponto mediante alguns aperfeiçoamentos.
Entretanto...
— Alguma contrariedade? — perguntou Minello.
— Bem, de certo modo... É que a CIA pagou cinco
milhões por esse aparelho, não é assim?
— Assim é — admitiu Brigitte. — E...
— Acontece que se aqueles indivíduos que escaparam
de vocês no aeroporto tinham alguma cópia
microfotográfica, sem dúvida proporcionada por Helmut
Kaps, enquanto esperava apoderar-se do protótipo... Bom,
se eles tinham alguma cópia microfotográfica, é mais que
possível que a vendam por ai, a diversos compradores,
depois de recopiada.
— Oh! — exclamou Brigitte.
— Com o que, não seremos os únicos a possuir o
“Detectron”. Também poderão dispor dele todos os paises
que paguem o preço pedido por esses espiões particulares
pelas cópias microfotográficas.
— É uma contrariedade, decerto... — murmurou
“Baby”. — Por tal processo, é bem provável que a Rússia, a
França, a Inglaterra etc, venham a possuir também seu
“Detectron-U68”, se pagarem o preço estipulado por
aqueles espiões.
— Foi uma lástima que eles escapassem, Brigitte.
— Sim... — suspirou ela. — Foi uma lástima.
— Acontece — deslizou Pitzer, olhando-a fixamente —
que tal como se passaram as coisas, não seremos os únicos a
possuir uma... superprodução de urânio, pelo que tudo
continuará como antes. Quer dizer que, aumentando
igualmente sua produção de urânio a Rússia, a França, a
Inglaterra e outros paises ainda, o equilíbrio atômico
continuará sendo o mesmo. Ninguém sairá ganhando.
— Exceto aquelas pessoas para as quais o uso pacífico
do urânio, da energia atômica, possa resolver muitas coisas.
Digamos, tio Charlie, que do ponto de vista bélico nenhum
país saiu ganhando, mas em compensação todos aqueles que
tenham comprado microfilmes aos espiões que escaparam
no aeroporto poderão desenvolver mais suas indústrias, sua
produção de energias... Terão tanto urânio, que não só lhes
sobrará para ser empregado em fins pacíficos, mas inclusive
poderão colaborar no desenvolvimento de outros paises
menos desenvolvidos. Na realidade, se fôssemos civilizados
e bondosos, quase teríamos que agradecer a esses espiões
que me escaparam e que agora se dedicarão a vender
microfilmes do “Detectron-U68”.
Mais uma vez, Charles Pitzer olhou fixamente para
“Baby”. Depois para Minello. E outra vez para “Baby”.
— Sim, claro... — sorriu ironicamente. — Teremos
todos nós que estar agradecidos a esses espiões que
conseguiram escapar nada menos que da nossa formidável
agente. Algo quase incrível, não?
— Bom... Também eu tenho minhas falhas, tio Charlie
— observou ela, sorrindo.
— Oh, sem dúvida... Vai viajar?
— Não. Por quê?
— Como estou vendo essa maleta...
— Ah. Mas não contêm roupa... nem nada parecido.
— Que contém?
— Quinze milhões de dólares para obras de caridade —
informou calmamente Brigitte Montfort.
Um centelha de astúcia brilhou um instante nos olhos de
Charles Pitzer. Mas subitamente ele se pôs a rir.
— Há-há... Essa é boa... Há-há-há! Quinze milhões de
dólares numa simples maleta! Que brincadeira!
Frank Minello começou a rir também e, mais que eles
dois, ria agora Brigitte, apontando para a maleta, o lindo
rosto brilhante de animação.
— Quinze milhões! — exclamou. — Nada menos que
quinze milhões de dólares! Não é uma brincadeira divertida,
tio Charlie?
E continuaram rindo.

A seguir: UMA ESPIÂ EM ÓRBITA

“Dizem os filósofos que toda grande tragédia é um


acontecimento repousante”

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