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Expansão Da Fronteira, Megaprojetos de Infraestrutura E Integração Sul-Americana
Expansão Da Fronteira, Megaprojetos de Infraestrutura E Integração Sul-Americana
DOSSIÊ
Edna Castro*
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EXPANSÃO DA FRONTEIRA, MEGAPROJETOS ...
ção de integração competitiva, adotando um mo- Integração (ALADI) a partir de negociações entre o
delo de modernização com base em megaprojetos Brasil e a Argentina, o Mercosul nasce com o mes-
de investimentos. Ambos estão articulados pela mo objetivo de integração de mercados, “enqua-
concepção de eixos de integração e desenvolvimen- drado na concepção do Consenso de Washington
to. A IIRSA, no âmbito sul-americano, como bloco do livre comércio como instrumento único e sufi-
regional, e o PAC, em âmbito nacional, são progra- ciente para a promoção do desenvolvimento, re-
mas voltados para a logística de transporte, energia e dução das desigualdades sociais e geração de em-
comunicação. No plano continental, essa logística pregos, na melhor tradição das Escolas de
representa interesses comuns do Brasil e dos demais Manchester e de Chicago” (Guimarães, 2008, p.32).
países nos projetos de infraestrutura. Ela reedita o Em 1994, os Estados Unidos lançaram, no contex-
modelo de desenvolvimento que orientou a expan- to da Cúpula das Américas, o projeto de uma Área
são da fronteira amazônica a partir dos anos 70 do de Livre Comércio das Américas (ALCA), apos-
século XX e provocou conflitos socioterritoriais que tando no livre comércio, que se “configuraria como
envolveram diferentes atores locais e intensificaram um processo unificador do território formado por
a exploração de recursos naturais e o desmatamento. todos os países sul-americanos, seguindo orienta-
A tendência observada na pesquisa em curso1 é a ções do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da
irreversibilidade dessas dinâmicas, pois a Pan-Ama- Organização Mundial do Comércio (OMC)” (2008,
zônia tornou-se um grande palco de ações governa- p.36).
mentais e empresariais, é entendida como central não Na Primeira Cúpula dos Presidentes da
apenas para o Brasil, mas também para a América do América do Sul, realizada em 1999, foi assinado
Sul. Populações locais, com suas práticas sociais e um protocolo de intenções e de cooperação entre
saberes relativos ao território, têm produzido leituras 12 países pan-americanos, institucionalizando a
desse processo, a partir de movimentos sociais e ét- IIRSA, que pretendia traçar novas bases para uma
nicos que revelam novos processos de dominação regionalização no continente. Em setembro de
incorporados ao modo de implantação dos projetos 2000, em Brasília, doze presidentes dos Estados
de infraestrutura e às práticas de agentes que violam nacionais da América do Sul consolidaram a IIRSA
direitos sociais e étnicos, como o resultado da e reconheceram, como questão principal para
desterritorialização que atinge grupos de população direcionar investimentos, a infraestrutura física
tradicional, na extensão pan-amazônica. instalada na região, pois sua fragmentação im-
pedia o crescimento do mercado interno sul-
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tos da política internacional do governo brasilei- no. Não se trata apenas de discursos diplomáti-
ro presente na proposta do Plano Plurianual 2004- cos, mas de ações concretas efetivadas por meio
2007. Em ambos os casos, trata-se da integração de novas regulamentações e acordos de coopera-
sul-americana a partir de sua integração física. ção que apontam na direção de financiamentos e
O conceito de integração, nessa perspec- projetos de infraestrutura e permitam uma ligação
tiva, pressupõe necessariamente ações estatais, multimodal entre os países. Observa-se a busca de
uma esfera supranacional. Não são menciona- eficácia simbólica atribuida às novas estruturas de
dos nem valorizados os processos de integração poder, que estão associadas, em última análise, a
existentes há séculos nas fronteiras, marcados estratégias do campo político (Bourdieu, 1989). O
por populações que ali vivem e têm suas práti- Brasil, por intermédio de suas instituições, como o
cas ancoradas em uma dada ordem social e eco- Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e
nômica. As esferas supranacionais que conce- Social (BNDES), tornou-se um financiador de pro-
bem a IIRSA consideram-na como uma jetos em inúmeros fronteiras nacionais de países
da IIRSA.
estrutura sistêmica e de integração, cuja logística
tem por base o desenvolvimento da telecomuni-
cação, do transporte e de energia, a fim de criar as
condições para a sua integração econômica, polí- A “visão estratégica” do planejamento nacio-
tica, social, cultural (IIRSA, 2004, p.7; 2011, p.23).
nal e a concepção do PAC I e II
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e mesmo para o Estado, em suas políticas que fa- entar a intervenção na economia e no território.
vorecem o mercado, contrariando interesses lo- Ao PAC I estão associados: a Política de Desenvol-
cais que funcionam com base em uma outra con- vimento Produtivo (PDP), a Política Nacional de
cepção de tempo e espaço, ancorada no mundo da Logística e Transporte (PNLT), a Política Nacional
vida, na cultura, e, portanto, não mediatizada pelo de Transporte Hidroviário (PNTH), o Plano Naci-
mercado. A noção de território adotada pelas polí- onal de Viação, o Plano Nacional de Energia 2030
ticas governamentais contraria a noção de territó- e a Matriz Energética Nacional 2030, a Política Na-
rio e de territorialidade dos grupos que vivem na cional de Aviação Civil (PNAC), o Plano
Amazônia, regidos por outra ordem social de tem- Hidroviário Estratégico, o Plano Nacional de Mi-
po e espaço. Para esses grupos, o território é um neração e o Plano de Ordenamento Territorial. To-
“espaço sobre o qual um certo grupo garante aos dos esses dispositivos vinculam-se aos mesmos
seus membros direitos estáveis de acesso, de uso eixos de desenvolvimento e à mesma visão estra-
e de controle sobre os recursos e sua disponibili- tégica, unindo macropolíticas a políticas setoriais,
dade no tempo.” (Castro, 1997, p.105). regionais e territoriais.
Os Eixos Nacionais de Integração e Desen- O PAC constitui, assim, uma macropolítica
volvimento constituíram a matriz do planejamen- de crescimento econômico, uma estratégia do
to e da intervenção dos últimos governos brasilei- Estado e dos setores econômicos. A estrutura do
ros e pressupõem uma visão geográfica de domí- PAC I (2007-2010) dividia-se em três eixos:
nio e controle dos territórios. Os Eixos estão pre- Logística, Energética e Social e Urbana. No PAC
sentes no Plano Brasil em Ação (1996-1999), no 2, são seis eixos: PAC Cidade Melhor (enfrentar
Avança Brasil (2000-2003) e igualmente nos Pla- os principais desafios das grandes aglomerações
nos Plurianuais de 1996-1999, 2000-2003 e 2004- urbanas, propiciando melhor qualidade de vida);
2007, que revelam as prioridades espaciais do Es- PAC Comunidade Cidadã (garantir a presença
tado.2 A partir de 2007, o planejamento federal do Estado nos bairros populares, aumentando a
passa a adotar uma visão de futuro denominada cobertura de serviços); PAC Minha Casa, Minha
visão estratégica nacional, que pretende tornar-se Vida (reduzir o déficit habitacional, dinamizan-
uma premissa balisadora, orientar os investimen- do o setor de construção civil e gerando traba-
tos estratégicos e projetar metas para o desenvolvi- lho e renda); PAC Água e Luz para Todos
mento a médio e longo prazos (Brasil.Ministério (universalizar o acesso à água e à energia elétri-
do Planejamento, 2008b). Essa visão estratégica ca); PAC Transportes (consolidar e ampliar a rede
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nacional recobre programas, políticas e projetos logística, interligando os diversos modais, garan-
que o Estado considera importantes para o desen- tindo qualidade e segurança); PAC Energia (ga-
volvimento econômico do país. Assim, o Progra- rantir a segurança do suprimento a partir de uma
ma de Aceleração do Crescimento (PAC I), lança- matriz energética e desenvolver as descobertas
do em 2007, prossegue o alinhamento da política no Pré-Sal) (Brasil, 2011, p.31).
econômica. Para sua consecução, os instrumentos Uma primeira observação é que o PAC
normativos e as prioridades deveriam, em princí- orienta um modelo de crescimento econômico,
pio, estar articulados e adaptados de forma a ori- e não somente um plano de desenvolvimento
stricto sensu. Ora, trata-se de um modelo há déca-
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Os Eixos seguem um perfil de intervenção consagrado em das criticado pelo seu reducionismo e pela sua ine-
décadas anteriores por meio dos polos de desenvolvimen-
to, de regionalização ou dos grandes projetos geopoli- ficácia social e ambiental. Ele retoma a experiência
ticamente referenciados. Os Eixos previstos para o Plano
2004-2007 consideraram quatro variáveis e seus indicado- do planejamento da década de 70 para a Amazô-
res; até aí, não há realmente muita diferença em relação ao nia e projeta, para essa região, uma modernização
planejamento estratégico dos anos 60 ou 70, como se pode
observar nos seguintes recursos de planejamento: rede com base na produção de commodities dos setores
multimodal de transportes, hierarquia funcional das cida-
des, identificação dos centros dinâmicos e dos ecossistemas. pecuária, madeira, grãos, minérios e energia.
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sul do Peru (Tacna, Moquegua, Arequipa, porte interno no país aos projetos na fronteira com
Apurimac, Cuzco, Puno e Madre de Deus), dois outros países. É o caso das rodovias que ligam
departamentos amazônicos da Bolívia (Pando e Rondônia e Acre à Bolívia e ao Peru, ligadas defi-
Beni) e quatro estados do Brasil (Acre, Rondônia, nitivamente ao sistema de transporte fluvial,
Amazonas e Mato Grosso) (BRASIL. Ministério do intermodal, do rio Amazonas/Solimões. É o caso
Planejamento, 2008a, p. 12)4 – e toma as vias de da ponte sobre o rio Oiapoque, ligando o Brasil à
transporte como estruturantes do território. Guiana Francesa e abrindo, a partir dela, outra sa-
Construídos na mesma perspectiva, os pro- ída para o Caribe. É ainda o caso da melhoria das
jetos do PAC e da IIRSA articulam-se e parecem estradas Manaus–Caracas (BR-432), Boa Vista–Santa
coordenados e complementares, como se observa Elena de Uiarém, também na fronteira com a
na consulta feita aos dados oficiais das instâncias Venezuela, e da rodovia Boa Vista–Bonfim–
sul-americanas de planejamento. As informações Lethem–Linden–Georgetown, na fronteira com a
contidas no Quadro 2 mostam uma coerência for- Guiana. Cabe ressaltar ainda que estão em curso
mal nos projetos nacionais e internacionais. os projetos de construção e de melhorias dos ter-
O PAC projetou a pavimentação das rodo- minais fluviais na Amazônia, que vinculam os
vias Transamazônica, Cuiabá–Santarém (BR-163) projetos do PAC aos do PNLT e aos da IIRSA.
e Porto Velho–Manaus (BR-394), que, aparentemen- Entende-se, nessa ótica, que se está diante de um
te, estão distantes da fronteira nacional, se consi- movimento ao mesmo tempo rápido e simultâneo,
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ordenamento dos espaços amazônicos. Trata-se de faz presente estrategicamente com o peso do CADERNO CRH, Salvador, v. 25, n. 64, p. 45-61, Jan./Abr. 2012
um projeto, acima de tudo, de grandes impactos so- BNDES, que financia projetos nos diferentes países,
ciais e ambientais, por ser amplo, totalizante, e de empresas como a Petrobras e a Vale, que têm
hegemônico e autoritário. plantas de exploração de recursos naturais – minéri-
Por isso, o Programa de Aceleração do os, petróleo – em quase todos os países sul-america-
Crescimento, PAC I e II, precisa ser entendido nos. Instituições supranacionais também participam
na sua relação com o projeto de integração sul- do processo de mercantilização e financeirização da
americana. Ele tem a mesma matriz teórica e economia, no PAC I e II e na IIRSA. As seguintes
ideológica da IIRSA. Baseia-se, também, na mes- organizações também consideram a infraestrutura
ma matriz conceitual, por reproduzir a ideia de fundamental para o mercado: Banco Mundial (BM),
integração com os países vizinhos. Não é uma es- Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco
tratégia tão somente nacional, mas continental, Interamericano de Desenvolvimento (BID), Comis-
voltada para o mercado mundial, embora o papel são Europeia (CE), Organização de Cooperação e de
principal seja desempenhado pelo Brasil, que se Desenvolvimento Econômicos (OCDE), Comissão
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Econômica para a América Latina e o Caribe mia globalizada, o que produz, no mercado, um
(CEPAL), Organização Marítima Internacional efeito de estabilidade institucional, com concessi-
(IMO). Como mostram Boyer (2006, p.51-52) e onárias instaladas, mecanismos legais operativos
Chesnais (1996, p.80-86), essas instituições têm e expansão de mercado. Países imensos como o
dispositivos de regulação, acordos e convenções. Brasil, em todas suas regiões, são abastecidos com
um padrão de comércio relativamente compatível
com concorrentes instalados no parque automobi-
PAC E IRSA: o papel do transporte no espa- lístico brasileiro desde o século XX.
ço global de fluxos Assim, a logística de transporte passou a
ser integrada aos fluxos de produção por meio
As mudanças verificadas na economia de modelos sofisticados de aplicação just-in-time
mundial, com a reestruturação da produção e dos e de flexibilização de processos e produtos, com
meios de comércio e com a crescente base em sincronização de tempos entre portos
financeirização e globalização, alteraram o padrão internacionais, nacionais e regionais, indepen-
tecnológico e o de gestão, importantes para os dentemente de países e continentes, de distânci-
fluxos de mercadorias, de serviços e, sobretudo, as e produtos. Isso se tornou possível em função
de informações. Assim, inovações tecnológicas da reestruturação da gestão, com a redução do
adotadas pela engenharia naval foram significa- tempo de armazenamento de mercadorias, a ra-
tivas para alterar o porte e a capacidade dos na- pidez de fluxos, o direcionamento de fornece-
vios de longo curso, o perfil das grandes trans- dores e clientes (Harvey, 1998). Essa estrutura
portadores de contêineres e os processos de ges- ancora-se no sistema de informação que integra,
tão, reduzindo, portanto, o tempo de navegação em rede, tempos e processos diferentes, organi-
e ampliando o fluxo de negócios. Isso levou a zando o espaço global de fluxos de mercadorias
uma surpreendente dissociação do tempo e do e permitindo, dessa forma, a acumulação de ca-
espaço e, ao mesmo tempo, à compressão do pital por empresas parceiras no processo.
tempo e à relativização dos espaços de produ- Nos últimos anos, nas ações governamen-
ção, comércio e consumo. tais e nas estratégias empresariais, observa-se uma
Fluxos mais rápidos de transporte devido revalorização do transporte de cargas por via flu-
às tecnologias empregadas, menor tempo nos vial. Dá-se importância à logística de transporte,
portos, mais capacidade em volume de merca- adotando-se um novo modo de regulação de por-
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dorias e, consequentemente, o aumento do nú- tos e de controle das vias navegáveis. Alguns rios
mero de viagens levaram à redução dos custos passaram a ser valorizados, por estabelecerem uma
médios por tonelada transportada. Esse tipo de ligação entre oceanos, do Pacífico ao Atlântico e
transporte tem crescido no mundo e feito pres- ao Caribe. É o caso dos rios Huallaga, Marañón,
são para a liberação de impasses alfandegários, Ucayali e Amazonas no Peru, Putumayo e Napo
evidenciando processos de desregulamentação de no Equador, Putumayo na Colômbia e Iça,
dispositivos legais, encontrados em diversos pa- Solimões e Amazonas no Brasil, que abarcam
íses. Até o último quartel do século XX, não se- 6.000 km de vias navegáveis. Fala-se em moder-
ria economicamente viável, para o fluxo de acu- nização do transporte fluvial e aposta-se na com-
mulação, transportar quantidades imensas de pressão do tempo do transporte de cargas e na
mercadorias em fluxos contínuos. Hoje, produ- redução de custos, visando à competitividade da
tos da indústria automobilística, carros, trato- economia nacional.
res, peças de reposição circulam com regulari- A reestruturação produtiva e a flexibilização
dade da Coreia do Sul e da China para o porto de alteraram os fluxos de mercadorias, e houve tam-
Santos, e os fluxos funcionam no ritmo da econo- bém um aumento da produtividade, em decorrên-
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Figura 1 e 2 – Mapas com obras de transporte rodoviário e ferroviário do PAC I e do PAC II, na Amazônia
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aço, mais rápidos e com capacidade para transpor- gado a redes internacionais altamente sofisticadas e
tar maior quantidade de carga. As posições são di- a grandes empresas, como, por exemplo, a Petrobras,
vergentes: de um lado, as associações de constru- a Vale (do Rio Doce), a Andrade Gutierrez e a Cargill.
tores de barcos na Amazônia e de mestres tradici- Dos seis grupos de bens exportados pelo País – soja,
onais de carpintaria naval defendem a eficácia das carne, minérios, suco de laranja, petróleo e celulo-
embarcações tradicionais, testadas há séculos, com se em 2010 –, os três primeiros eram, majoritaria-
reduzida ocorrência de acidentes, comparativamen- mente, produzidos na Amazônia7 (Castro, 2010).
te ao tamanho da frota, e com geração de trabalho e Embora o Brasil tenha diversificado, ao lon-
renda com base em conhecimentos locais, em toda go das últimas décadas, seu parque industrial e sua
a extensão da região; de outro, setores do mercado inserção no mercado mundial, ele não deixa de ser,
e da engenharia naval, representantes de federa- por excelência, um produtor e exportador de
ções da indústria, e inclusive a Marinha do Brasil, commodities. A Amazônia contribui também para a
interessados em modernizar a frota, alegando que produção de dois outros produtos do ranking na-
as embarcações de madeira são obsoletas, não ofe- cional – celulose e petróleo (com gás natural) –, re-
recem segurança e não são condizentes com a mo- afirmando a importância da exportação no cenário
dernização do setor. Cabe ressaltar que a frota exis- nacional. Por outro lado, a globalização e o aumen-
tente percorre essa imensidão de cursos d’água to da competitividade têm provocado, no âmbito
cotidianamente e é produzida em centenas de es- local, o acirramento das estratégias de apropriação
taleiros localizados nas áreas ribeirinhas da Pan- de terras e de recursos por empresas nacionais e
Amazônia. Certamente, a relação com o tempo está internacionais, tendo em vista investimentos ime-
presente no confronto entre posições e estratégias, diatos ou reservas de nichos de mercado. Essas es-
pois há temporalidades em conflito. A moderniza- tratégias são responsáveis, em grande parte, pela
ção do setor de transporte é defendida nas políti- concentração fundiária, pela grilagem, pela
cas setoriais articuladas ao sistema nacional de pla- pistolagem, por conflitos em torno da terra e tam-
nejamento e à visão estratégica de futuro. bém pelo desmatamento acumulado (Castro, 2005,
p.46; 2009, p.85). E se atualizam com o avanço para
AMAZÔNIA BRASILEIRA: modelo de produ- as últimas fronteiras nacionais.
ção de commodities? A política que norteou o avanço da “frontei-
ra econômica” organizou-se de forma a permitir a
A Amazônia foi transformada em uma fron- integração do mercado nacional às estruturas pro-
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primeiro momento, os investimentos vão para a etc. e aportes financeiros públicos e privados com
pecuária, a exploração madeireira e a agricultura. capacidade de impor seus interesses no espaço e
O modelo desenhado pelo Instituto Nacional de no tempo. Por isso, levantamos a hipótese de que
Colonização e Reforma Agrária (INCRA) para cer- estamos diante de um grande investimento gover-
tas áreas da Transamazônica e para a rodovia namental que tende a provocar transformações para
Cuiabá-Santarém previa grandes propriedades, e além da fronteira nacional.
não por acaso surgiram as políticas destinadas a
apoiar a empresa agropecuária. Igualmente, o Pro-
grama Polamazônia foi concebido como um pro- Expansão da fronteira de commodities: pecuá-
grama de polos agropecuários, madeireiros e mi- ria e mineração
nerais, sendo projetados 15 polos no Pará.8 Em
um segundo momento, no correr dos anos 80, pre- Governos sul-americanos esperam desenvol-
dominam projetos de mineração e de infraestrutura ver estratégias empresariais de ampliação da capaci-
energética, estradas e comunicação. Os investimen- dade competitiva e adquirir melhores condições no
tos foram direcionados para a produção mineral mercado. Para ilustrar, examinaremos a pecuária e a
no âmbito do Programa Grande Carajás, inclusive mineração na Amazônia brasileira e refletiremos
para a construção das hidrelétricas de Tucuruí e sobre os impactos sociais e ambientais que poderão
Balbina. Nos anos 90, o Plano Brasil em Ação (1996- ocorrer com a abertura de estradas e a constituição
1999) e, logo após, o Avança Brasil (2000-2003), de corredores de escoamento para os principais
com os projetos de infraestrutura articulados em mercados mundiais.
eixos de desenvolvimento, traçam as linhas de Todas as grandes regiões do Brasil são pro-
intervenção no espaço regional com base em pro- dutoras de gado. Em 2009, o Brasil possuía qua-
jetos de infraestrutura de transporte e comunica- se 75 milhões de cabeças bovinas (74.679.513). Por
ção. No terceiro momento, abre-se a fronteira a em- isso, a pressão sobre a disponibilidade de terras
presas de mineração, de agricultura mecanizada, por parte da pecuária, no mercado de terras brasi-
de madeira certificada. O PAC viria a consolidar leiro, tem sido uma constante. O Sul e o Sudeste
um novo papel a ser dado à infraestrutura – ener- lideraram o setor, mas a pecuária cresceu em ritmo
gia, transporte, estradas, comunicação –, visando a mais acelerado nas últimas décadas nas regiões Cen-
criar estruturas de produção de energia, como as tro-Oeste (maior produtora, com 34%) e Norte (com
dezenas de hidrelétricas projetadas para os princi- 20%), o que corresponde ao total de 54% de parti-
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pais rios da Amazônia, sobretudo os afluentes das cipação no rebanho nacional. Porém as demais regi-
bacias do rio Amazonas e do Tocantins, e a intensi- ões têm ainda expressiva participação (46%).
ficar a produção de commodities e seu escoamento A expansão da pecuária no país foi possível
para novos mercados. graças ao avanço, nos últimos 50 anos, da fronteira
Em que são diferentes esses momentos? Atu- agropecuária sobre a floresta amazônica e o cerrado
almente, estão em jogo grandes interesses de em- mato-grossense. Contou, para tal, com financiamen-
presas, bancos, agências nacionais e internacionais tos públicos diretos, concedidos por meio de incenti-
vos fiscais e créditos bancários que privilegiaram os
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A história econômica dessa região está marcada pela projetos de pecuária e a concessão de terras, e com os
influência dos investimentos do Programa Polamazônia
que, na década de 70, concedeu gordos subsídios públi- financiamentos indiretos, por meio da construção dos
cos a empreendimentos privados nos setores voltados
para a exportação: pecuária, madeira e mineração. projetos de infraestrutura que garantiam a abertura de
Rondônia, Mato Grosso, Tocantins e sudeste e sudoeste
do Pará são exemplos da ação de programas governa- novas fronteiras. Isso explica por que mais de um
mentais de colonização, de abertura de estradas, de mi- terço do rebanho brasileiro está em terras da Amazô-
neração, energia e incentivos fiscais a médias e grandes
empresas de pecuária e madeira, o que determinou o nia Legal. Mato Grosso, Pará e Rondônia são os esta-
avanço de novas frentes econômicas com apropriação
de imensos territórios da União. dos com maior participação – 27.357.089, 16.856.561
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e 11.522.891 de cabeças, respectivamente (Tabela 1) – tosas somas sendo repassadas pelo Banco da Ama-
e também com maior taxa de desmatamento cumulati- zônia. O rebanho do Pará chega, em 2003, a
vo no correr das últimas décadas, o que tem alterado 13.376.608 cabeças e, em 2005, a 18.063.669; em
profundamente a cobertura florestal e as formas tradi- 2009, haveria uma queda conjuntural para
cionais de ocupação do território. Daí a região ser pal- 16.856.561 bovinos, embora o Estado continue a
co de conflitos e violência. ser o segundo maior produtor do país.9
A pecuária no Estado do Pará foi tradicio- A mineração foi reconhecida pelo governo
nalmente praticada nas terras baixas da ilha do federal como um dos três pilares de sustentação
Marajó e do baixo Amazonas, conhecida como do desenvolvimento do País (os outros são a agri-
pecuária de várzea, padrão que foi, de longe, ul- cultura e o turismo), pela diretriz do Plano
trapassado pela pecuária de terra firme e nas áreas Plurianual (PPA) 2004-2007 do governo federal e
de fronteira, no corredor das estradas abertas pela do relatório de junho de 2007 do Departamento
colonização e pelas madeireiras. Para se ter ideia Nacional de Produção Mineral do Ministério de
da velocidade do crescimento da pecuária com a Minas e Energia (DNMP).10 Nesses documentos,
abertura da fronteira e as políticas estatais que fa- afirma-se que os indicadores de desempenho do
voreciam o seu financiamento público, ver os da- Programa Mineração e Desenvolvimento Sustentá-
dos da Tabela 1. Em 1990, o Pará contava com um vel apontam resultados “excepcionais” da indús-
rebanho já expressivo de 4.599.000 cabeças; em tria extrativa mineral (inclusive petróleo e GNP) no
1995, esse rebanho já ultrapassava seis milhões período (Castro; Sousa; Golobovante, 2010, p.11).
(6.080.000), chegando a quase 10 milhões Em 2007, a indústria da mineração e trans-
(9.668.000) em 2000. Na década seguinte, ganha- formação mineral contribuiu com aproximadamen-
ria mais velocidade o crescimento do rebanho; te 5,17% do PIB Brasil (o que significa U$S 70
coincidentemente, houve aumento no volume de bilhões), enquanto, na Amazônia, o setor partici-
financiamento da pecuária na Amazônia, com vul- pa com apenas 3% do PIB regional e gera, de for-
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ma direta, menos de 2% dos empregos formais da trário, haveria uma integração para todos que vi-
região. Mas o setor responde por 40% do valor vem nos países envolvidos, superando as contra-
exportado pela Amazônia, e, no Pará e no dições do capital e a tendência histórica de exclu-
Maranhão, os metais e minerais, com destaque para são? (Lander, 2005). Tudo dependeria do modelo
alumínio, ferro e aço, representavam mais de 70% de integração em questão e da maneira como ele se
do valor exportado em 2006 (IMAZON, 2006). “adaptaria” à lógica dominante de integração de
Após o processo de privatização, a Vale tem blocos econômicos e de regulação da economia? O
ampliado sua lucratividade. Em 2002, seu lucro projeto de integração contempla espaços de auto-
líquido atingiu um total de R$ 2.043 bilhões (dois nomia e soberania e formula políticas públicas
bilhões e quarenta e três milhões de reais); em 2003, condizentes com as demandas da sociedade, com
o lucro líquido ficou em R$ 4.509 bilhões (quatro os territórios coletivos e com o desenvolvimento
bilhões e quinhentos e nove milhões de reais); em de seus processos produtivos, conforme pergun-
2004, a empresa teve o maior lucro líquido em 62 tam os movimentos sociais indígenas na Bolívia?
anos de existência, totalizando R$ 6.460 bilhões Os movimentos sociais de várias nacionali-
(seis bilhões e quatrocentos e sessenta milhões de dades são exemplos de formas de sociabilidade e
reais), crescendo até atingir R$ 21,3 bilhões no ano de integração que existem nas fronteiras entre Bra-
de 2008. Apesar da redução para metade no ano sil, Peru, Colômbia, Bolívia e Equador, que com-
de 2009, pois o setor foi fortemente afetado pela põem a grande faixa fronteiriça da Amazônia Oci-
crise global, a empresa recuperou-se e mantém-se dental, ou nas fronteiras com países do Caribe,
com lucros crescentes (Castro; Sousa; Golobovante, Venezuela, Suriname, Guiana, Brasil, Guiana Fran-
2010, p.11). O crescimento anual da mineração no cesa, já na da Amazônia Oriental. Os temas em
Pará é de 26%, e a economia do setor mineral tem discussão nesses fóruns são variados, mas, nos
impactado positivamente a evolução do Produto últimos anos, intensificou-se a discussão sobre o
Interno Bruto brasileiro (Sousa, 2011). território, as modalidades de afirmação de
territorialidades e de defesa de processos de traba-
lho. Alguns fragmentos mostram a diversidade
MOBILIZAÇÕES COLETIVAS NA PAN-AMAZÔNIA desses temas e seus impactos locais: como enfren-
tar os resultados do avanço de empresas brasilei-
As análises dos processos de integração sul- ras e do consequente desmatamento que ocorre no
americana têm sido apresentadas de forma lacunosa, leste do Peru, a exploração madeireira que avança
CADERNO CRH, Salvador, v. 25, n. 64, p. 45-61, Jan./Abr. 2012
pouco crítica e sem ligação com os reais processos em direção da Bolívia, os arrozeiros e garimpeiros
de dominação. É possível perceber as diferenças brasileiros na fronteira com a Venezuela, ou os pro-
entre o discurso dos planejadores e um projeto his- blemas apresentados pelos grupos indígenas brasi-
tórico de integração que recomponha as relações leiros na fronteira com a Guiana, ou ainda pelos
sociais e culturais, e não apenas econômicas. Lander garimpeiros no rio Oiapoque, em conflito com a
(2005) considera que, preliminarmente, é necessá- Gendarmerie francesa?
rio perguntar Para quem servirá a integração? Para Há um desconhecimento completo das ex-
os setores privilegiados das sociedades, para o ca- periências sociais e do campo de trocas, materiais
pital, seja ele nacional ou transnacional, que pode- e simbólicas que marcam as relações e conformam
rá mover-se livremente no continente? Ou, ao con- a vida social e as relações com a natureza nessas
rudimentar de exploração mineral, ainda resiste, a pro- regiões. Nesse quadro da fronteira, há movimen-
dução atual é dominada por mineradoras que utilizam
processo intensivo de tecnologia e robotização nas ex- tos migratórios mais ou menos intensos, que en-
plorações. Os próximos investimentos previstos até 2012, volvem migração de trabalho, mas também fazem
em novos projetos e na expansão dos atuais, somam
U$S 17 milhões. Desse total, 97% serão efetivados pela parte das formas de sociabilidade entre povos que
Vale, a maior parte deles na região sudeste do Pará, que
responderá pela maior fatia (86%). coabitam esses territórios, alguns milenarmente,
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Edna Castro
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EXPANSÃO DA FRONTEIRA, MEGAPROJETOS ...
tado e dos atores da Pan-Amazônia. In: CARVALHO, José de Pós-Graduação em Desenvolvimento Sustentável do Tró-
Guilherme; ALMEIDA, Alfredo Wagner B. (Org.) O Plano pico Úmido, Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, Uni-
IIRSA na visão da sociedade civil da Pan-Amazônia. Belém: versidade Federal do Pará. Belém: 2011.
MPEG, 2009. p.76-97.
_______. A Amazônia e seu lugar central na integração
sul-americana. In: NASCIMENTO, Durbens Martins.
Internacionalização e defesa nacional. Belém: UFPA, 2010,
v.1, p. 21-45.
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Edna Castro
The analysis of the relationship between Les analyses de la relation entre politiques
developmentalist policies and social and territorial de développement et dynamiques socio-territoriales
dynamics in the Amazon usually focuses on a en Amazonie s’intéressent de plus en plus à leur
Brazilian national perspective. This article aims to dimension nationale. Cet article cherche à révéler
reveal an increase of interest in the exploitation of l’intérêt accru pour l’exploitation des ressources
the region’s natural resources, beyond its political naturelles de la région, au-delà de leurs frontières
borders, thus turning the Pan-Amazon into a vital politiques, ce qui fait que la Pan-Amazonie est
zone in Brazilian geopolitics. The Brazilian Growth devenue un espace central de la géopolitique
Acceleration Programs (PAC I and II) and the brésilienne. Les Plans pour l’Accélération de
Initiative for the Integration of the Regional l’Économie (PAC I et II) et l’ IIRSA vont dans le
Infrastructure of South America (IIRSA) follow the même sens, celui d’une intégration compétitive qui
same direction of a competitive integration, adopte un modèle de modernisation basé sur des
adopting a modernization model based on mega-projets d’investissements. L’IIRSA, en tant
investment megaprojects. The IIRSA, carried on que bloc régional dans le cadre de l’Amérique du
in South America as a regional block, and the PAC, Sud, et le PAC, dans le cadre national, sont des
developed nationwide, are programs that aim to programmes tournés vers la logistique des
boost transport, energy and communication transports, de l’énergie et de la communication.
logistics. Continent-wise, they both indicate Sur le plan continental, ils sont l’expression de
irreversible social and territorial dynamics and dynamiques socio-territoriales irréversibles et
represent the common interests of Brazil and the représentent des intérêts communs pour le Brésil
other countries, based on the 1970’s dominant et les autres pays par le biais du modèle dominant
model of border expansion in the Amazon. d’expansion de la frontière amazonienne à partir
des années 70 du siècle dernier.
KEY-WORDS: border, state policies, integration, MOTS-CLÉS: frontière, politiques d’état, intégration,
megaprojects, Pan-Amazon. grands projets, Pan-Amazonie.
Edna Castro - Socióloga do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos, da Universidade Federal do Pará - UFPA.
Doutora em Sociologia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales. Pós-doutora pelo Centre National de la
Recherche Scientifique. Professora da UFPA. Pesquisadora do CNPq. Professora Visitante da Université de Québec
à Montreal Departamento de Sociologia, Canadá; da Universidade de Brasília, UnB, Departamento de Sociologia
e da Université Le Havre, França. Diretora do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos – NAEA/ UFPA – entre 2004 e
2008. Foi Presidente da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Planejamento Urbano e Regional –
ANPUR, gestão 2007-2009 e exerceu função de Diretora na Associação Nacional de Pós-Graduação em Sociologia
– ANPOCS nos períodos (1986-1988 e 1994-1996), da Sociedade Brasileira de Sociologia - SBS (2009-2011).
Atualmente é diretora da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência - SBPC. Tem pesquisas e publicações
nos temas: trabalho, políticas públicas, cidades, identidades e territorialidades de grupos tradicionais e conflitos
sociais e ambientais, Amazônia, Pan-Amazônia, América Latina.
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