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Processo: 121/05.3JDLSB-I.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: HABEAS CORPUS
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
TRATADOS
EFEITOS
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 30-03-2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO.
Sumário :
I - A aplicabilidade das normas emanadas das instituições europeias na
ordem jurídica portuguesa far-se-á nos termos definidos pelo Direito da
União Europeia.
II - As Decisões-Quadro são um tipo de ato normativo, introduzido no
Tratado da União Europeia pelo Tratado de Amesterdão, que constava
do art. 34.º, n.º 2, al. b) do TUE, vinculando os Estados membros
quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias
nacionais a competência quanto à forma e aos meios, não produzindo
efeito direto. Esta figura jurídica foi extinta pelo Tratado de Lisboa.
III - Não tendo a Decisão-Quadro 2008/657/JAI, do Conselho da União
Europeia, de 24-07-2008, «relativa à tomada em consideração das
decisões de condenação nos Estados-Membros da União Europeia por
ocasião de um novo procedimento penal», sido transposta para a nossa
ordem jurídica, nem lhe sendo atribuído efeito direto, por expressa
disposição do art. 34.º, n.º 2, al. b), do Tratado da EU então vigente,
não está a mesma em vigor entre nós, o que impede a sua invocação
pelos particulares para produção de direitos que esta eventualmente
lhes conferisse.
Decisão Texto Integral:
Habeas Corpus
I- Relatório
1. AA, na situação de cumprimento de pena de prisão, no
Estabelecimento Prisional de ..., à ordem do proc. n.o 121/05.3JDLSB,
do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Central Criminal de
Lisboa – Juiz ..., vem requerer ao Ex.mo Sr. Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça, através de Advogada, a providência de habeas
corpus, ao abrigo artigos 222.o, n.o 2 alínea c), e 223.o, do Código de
Processo Penal, nos termos que se transcrevem:
12. As duas penas de prisão em que o ora Arguido foi condenado nos
autos do processo 441/2012, melhor identificado no artigo 1.o supra,
não foram assim cumuladas, como o seriam se a condenação em causa
tivesse sido proferida em Portugal.
Artigo 63.o
21. Foi também entendido que para além destes factores, não era menos
importante o facto de já em Outubro de 2018, o Arguido se encontrar a
um ano de cumprir 3⁄4 da pena , o que lhe permitiria obter a liberdade
condicional,
22. Sendo que até então, e apesar da sua “situação favorável”, não
obteve qualquer permissão de saída precária, uma vez que Portugal
tinha emitido o MDE;
27. Foi exactamente neste sentido que foi entendido recentemente, pelo
TJUE, no Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção), de 15 de
abril de 2021, in EUR-Lex - 62019CJ0221 - EN - EUR-Lex
(europa.eu), que ora se junta como Documento 1 e que aqui se dá por
integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.
29.o Acresce relembrar que, já nesta altura, este douto Tribunal insistia
com as Autoridades Judiciárias Espanholas para o cumprimento do
MED, ao que estas durante muito tempo não responderam, apesar das
várias insistências feitas.
36. Devido a esta omissão, o arguido junto aos autos de processo n.o
121/05.3JDLSB – que corre termos processuais no Tribunal Judicial da
Comarca de Lisboa - Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz ..., o seu
certificado de registo criminal, emitido pelas autoridades de Espanha.
Fls. 6878:
44. Aliás, é feita referência à Lei 158/2015, de 17.09, mas esta lei
transpôs para a ordem jurídica a Decisão Quadro 2008/909, a qual se
aplica efetivamente, à transmissão de sentenças entre Estados
Membros,
46. Uma vez que o que se pretende com a sua aplicação é que se
extraíam consequências da condenação anterior proferida por Espanha,
isto é que se faça o cúmulo sucessivo da pena espanhola com a
portuguesa;
48. Nestes termos, ainda que a Decisão Quadro 2008/675 não tenha
sido transposta pelo Estado Português, é de aplicação em Portugal,
atendendo ao Princípio do Primado do Direito Comunitário sobre o
Direito Nacional, até porque rege um regime mais favorável ao
Arguido;
49. Pela sua aplicação direta, as penas espanholas e portuguesa, têm de
ser entendidas como cúmulo sucessivo, nos termos do art. 63.o do
Código de Processo Penal, sobe pena de causar grave prejuízo ao
Arguido.
51. Sobre este pedido recaiu o Despacho que ora se junta como Doc. 2
que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos
legais;
https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?
text=&docid=239892&pageIndex=0&
doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=1743437
https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?
text=&docid=203611&pageIndex=0&
doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=1742143
https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?
text=&docid=194782&pageIndex=0&
doclang=PT &mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=1740410
57. No seu art. 3.o n.o 1: “Cada Estado-Membro assegura que, por
ocasião de um procedimento penal contra determinada pessoa, as
condenações anteriores contra ela proferidas por factos diferentes
noutros EstadosMembros, sobre as quais tenha sido obtida informação
ao abrigo dos instrumentos aplicáveis em matéria de auxílio judiciário
mútuo ou por intercâmbio de informação extraída dos registos
criminais, sejam tidas em consideração na medida em que são
condenações nacionais anteriores e lhes sejam atribuídos efeitos
jurídicos equivalentes aos desta últimas, de acordo com o direito
nacional.”; (negrito nosso)
(...)
60. Não é aplicável ao caso concreto a Lei 158/2015 uma vez que a
penas espanhola se encontra cumprida integralmente.
64. Não podem restar dúvidas que o arguido já cumpriu mais de 5/6 da
pena de prisão, por cúmulo sucessivo, uma vez que cumpriu
integralmente a pena de Espanha, e foi entregue direta e imediatamente
ás Autoridades Portuguesas, para cumprimento da pena a que foi
condenado em Portugal.
Em Conclusão,
17. Atento o disposto no art. 82.o do Código Penal, que apenas prevê o
desconto de qualquer medida processual ou pena que o agente tenha
sofrido no estrangeiro pelo mesmo ou pelos mesmos factos, aquando
da prolação do aludido despacho judicial de 07.12.2022, em que se
procedeu à homologação da liquidação (definitiva) de pena, fez-se
constar que: (...) não resulta dos presentes autos que a sentença em
matéria penal proferida no citado processo que terá corrido termos no
Reino de Espanha teve por objecto os mesmos factos que levaram à
condenação do arguido no presente processo. Assim, o desconto de 2
anos e 2 dias a que se procedeu na mencionada liquidação de pena
condicional (de 10.08.2022) foi indevidamente efectuado. Contudo,
tendo tal liquidação de pena sido elaborada condicionalmente apenas
por não haver certeza quanto ao dia de início de cumprimento da pena
única de prisão imposta nestes autos, não podem agora colocar-se em
crise os efeitos jurídicos decorrentes da homologação de fls. 6749.
21. Nessa medida, não pode o arguido pretender que se proceda agora
ao cúmulo das penas de prisão que lhe foram impostas no processo
441/2012, que correu termos em Espanha, pois a decisão proferida
nesse processo não foi objecto de reconhecimento e execução em
Portugal.
24. Em suma, para além de não resultar destes autos que as sentenças
em matéria penal proferidas nos processos que terão corrido termos no
Reino de Espanha, foram objecto de reconhecimento em Portugal, os
presentes autos não surgem como um novo procedimento penal, a que
alude a Decisão-Quadro 2008/675/JAI do Conselho, pois a decisão
final nos mesmos proferida transitou em julgado em data anterior
(05.02.2009) à prática dos factos que deram origem ao processo
441/2012, que correu termos em Espanha, e que, de acordo com os
elementos juntos a este processo pelo arguido (fls. 6705 a 6707), terão
sido cometidos em 2010 e 2011.
26. Contudo, sempre importa ter presente que o somatório das penas
de prisão que o arguido alega ter cumprido em Espanha à ordem do
processo 441/2012 (10 anos e 3 meses + 6 meses) e da pena única de
prisão que lhe foi imposta nos presentes autos (8 anos) perfaz 18 anos
e 9 meses de prisão, pelo que os 5/6 deste somatório correspondem a
15 anos, 7 meses e 15 dias.
II - Fundamentação
- Esse período de dois meses não foi descontado na execução das penas
de prisão em que foi condenado em Espanha, pelo que, aquando da
liquidação da pena de prisão imposta nestes autos deverão ser
descontados tais dois meses;
“Fls. 6878:
6. Direito
4. (...)».
Para pôr termo à situação de ilegalidade da prisão, o art.31.o da
Constituição da República Portuguesa, prevê, como providência
específica, o «habeas corpus», dispondo o seguinte:
c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão
judicial.» (n.o2).
Para cumprimento da pena única que lhe fora aplicada no proc. n.o
121/05.3JDLSB, as autoridades portuguesas emitiram um Mandado de
Detenção Europeu (MDE) e, na sequência deste, o Reino de Espanha
entregou o ora peticionante às autoridades portuguesas em 8-8-2022.
Vejamos.
a) (...);
(...)»
24. Em suma, para além de não resultar destes autos que as sentenças
em matéria penal proferidas nos processos que terão corrido termos no
Reino de Espanha, foram objeto de reconhecimento em Portugal, os
presentes autos não surgem como um novo procedimento penal, a que
alude a Decisão-Quadro 2008/675/JAI do Conselho, pois a decisão
final nos mesmos proferida transitou em julgado em data anterior
(05.02.2009) à prática dos factos que deram origem ao processo
441/2012, que correu termos em Espanha, e que, de acordo com os
elementos juntos a este processo pelo arguido (fls. 6705 a 6707), terão
sido cometidos em 2010 e 2011.
III - Decisão
4. Cf. acórdãos do STJ de 19-05-2010, CJ (STJ), 2010, T2, pág.196, e de 03-03-2021, proc. n.o
744/17.8PAESP-A.S1, in www.dgsi.pt.↩︎
6. Cf. Alessandra Silveira, in “Princípios de Direito da União Europeia”, Quid Juris, 2.a ed.,
págs129 a 140↩︎
7. Cf. neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa
anotada, Vol. I, Coimbra Ed., 4.a edição, pág. 270.↩︎
9. Neste mesmo sentido, decidiu, face a uma outra Decisão-Quadro, o acórdão do S.T.J. de 18-09-
2013 (proc. n.o 1191/11.0YRLSB.S1), assim sumariado: “IV- A Decisão-Quadro 2009/299/JAI,
que introduziu diversas alterações à Decisão-Quadro 2002/584/JAI, não foi transposta para a
ordem jurídica portuguesa, pelo que não está em vigor no nosso País, face ao disposto no art.34.o,
n.o 2, al. b), do Tratado da EU.”↩︎