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Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Processo: 121/05.3JDLSB-I.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: HABEAS CORPUS
DIREITO DA UNIÃO EUROPEIA
TRATADOS
EFEITOS
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 30-03-2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: IMPROCEDÊNCIA / NÃO DECRETAMENTO.
Sumário :
I - A aplicabilidade das normas emanadas das instituições europeias na
ordem jurídica portuguesa far-se-á nos termos definidos pelo Direito da
União Europeia.
II - As Decisões-Quadro são um tipo de ato normativo, introduzido no
Tratado da União Europeia pelo Tratado de Amesterdão, que constava
do art. 34.º, n.º 2, al. b) do TUE, vinculando os Estados membros
quanto ao resultado a alcançar, deixando, no entanto, às instâncias
nacionais a competência quanto à forma e aos meios, não produzindo
efeito direto. Esta figura jurídica foi extinta pelo Tratado de Lisboa.
III - Não tendo a Decisão-Quadro 2008/657/JAI, do Conselho da União
Europeia, de 24-07-2008, «relativa à tomada em consideração das
decisões de condenação nos Estados-Membros da União Europeia por
ocasião de um novo procedimento penal», sido transposta para a nossa
ordem jurídica, nem lhe sendo atribuído efeito direto, por expressa
disposição do art. 34.º, n.º 2, al. b), do Tratado da EU então vigente,
não está a mesma em vigor entre nós, o que impede a sua invocação
pelos particulares para produção de direitos que esta eventualmente
lhes conferisse.
Decisão Texto Integral:

Proc. n.o 121/05.3JDLSB-I.S1

Habeas Corpus

Acordam, em Audiência, na 5.a Secção do Supremo Tribunal de


Justiça

I- Relatório
1. AA, na situação de cumprimento de pena de prisão, no
Estabelecimento Prisional de ..., à ordem do proc. n.o 121/05.3JDLSB,
do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Central Criminal de
Lisboa – Juiz ..., vem requerer ao Ex.mo Sr. Presidente do Supremo
Tribunal de Justiça, através de Advogada, a providência de habeas
corpus, ao abrigo artigos 222.o, n.o 2 alínea c), e 223.o, do Código de
Processo Penal, nos termos que se transcrevem:

“I. DAS CONDENAÇÕES EM PORTUGAL E ESPANHA

1.o Por decisão transitada em julgado em Portugal, no âmbito do


processo n.o 121/05.3JDLSB – que corre termos processuais no
Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Central Criminal de
Lisboa – Juiz ..., o ora Arguido foi condenado na pena de 8 anos de
prisão;

2.o Tendo cumprido 1 dia de detenção no âmbito daqueles autos


(15.06.2005), tendo ficado sujeito à medida de coação de prisão
preventiva, à sua ordem, no dia 16.06.2005 (conforme resulta de fls.
766 do processo), tendo sido restituído à liberdade no dia 15.12.2007
(por, à data, não se mostrar transitada em julgado a decisão, conforme
resulta de fls. 5722/5724), ou seja, esteve privado da liberdade 2 anos e
6 meses.

3.o Em Espanha, esteve detido no âmbito do Processo Abreviado


131/2009, que correu termos no Tribunal de ..., Espanha, o arguido
ficou detido no período compreendido entre o dia 8.06.1998 a
11.06.1998, data em que ficou sujeito à medida de coação de prisão
preventiva, a qual se manteve até 10.06.2000, ou seja 2 anos e 5 dias.

4.o Este período de detenção não foi descontado em qualquer


processo.

5.o Ainda em Espanha foi condenado na pena de prisão de 10 anos e 3


meses, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e a 6
meses de pena de prisão, pelo crime de falsificação de documento, no
Processo 441/2012, conforme consta dos autos, tendo cumprido a
integralidade da pena de prisão, pelo facto de o arguido ter um MDE,
não permitindo qualquer oportunidade de liberdade condicional, tendo
sido entregue a Portugal no dia 05.08.2022.
II. DA APLICAÇÃO DA DECISÃO-QUADRO 2008/675/JAI

II.A. Do Cúmulo Sucessivo da condenação no processo 441/2012 -


Espanha

6.o Em 24 de julho de 2008, foi publicada, pelo Conselho Europeu a


Decisão-Quadro 2008/675/JAI, relativa à tomada em consideração das
decisões de condenação nos Estados-Membros da União Europeia por
ocasião de um novo procedimento penal.

7.o Esta Decisão-Quadro veio estabelecer os critérios que estipulam


que, por ocasião de um procedimento penal num país da EU contra
determinada pessoa, são tidas em consideração condenações anteriores
contra ela proferidas noutro país da EU por factos diferentes.

8.o É esta a previsão constante do seu art.1.o: “A presente Decisão-


quadro tem por objectivo definir as condições em que, por ocasião de
um procedimento penal num estado-Membro contra determinada
pessoa, são tidas em consideração condenações anteriores contra ela
proferidas noutro Estado-Membro por factos diferentes.”.

9.o No seu art.3.o n.o 1: “Cada Estado-Membro assegura que, por


ocasião de um procedimento penal contra determinada pessoa, as
condenações anteriores contra ela proferidas por factos diferentes
noutros EstadosMembros, sobre as quais tenha sido obtida informação
ao abrigo dos instrumentos aplicáveis em matéria de auxílio judiciário
mútuo ou por intercâmbio de informação extraída dos registos
criminais, sejam tidas em consideração na medida em que são
condenações nacionais anteriores e lhes sejam atribuídos efeitos
jurídicos equivalentes aos desta últimas, de acordo com o direito
nacional.”

10. Mais é referido que as condenações anteriores devem ser


consideradas na fase que antecede o processo penal e durante o mesmo
propriamente dito, assim como, na fase de execução da sentença,
designadamente, deverão ser levadas em conta as regras processuais
aplicáveis que digam respeito: à prisão preventiva, à qualificação da
infracção, ao tipo e ao nível da pena aplicada e às normas que regem a
execução da decisão, conforme dispõe o art.3.o n.o 2 desta Decisão-
Quadro.
11. Acresce que, prevê o art.3.o n.o 3 da Decisão Quadro 2008/675/JAI,
que se deve interpretar no sentido de que é possível a prolação de uma
Decisão que abranja não só uma ou várias condenações proferidas
anteriormente contra o interessado.

12. As duas penas de prisão em que o ora Arguido foi condenado nos
autos do processo 441/2012, melhor identificado no artigo 1.o supra,
não foram assim cumuladas, como o seriam se a condenação em causa
tivesse sido proferida em Portugal.

13. Porém, nos termos Decisão Quadro 2008/675/JAI, “... as


condenações anteriores contra ela proferidas por factos diferentes
noutros Estados-Membros, sobre as quais tenha sido obtida informação
ao abrigo dos instrumentos aplicáveis em matéria de auxílio judiciário
mútuo ou por intercâmbio de informação extraída dos registos
criminais, sejam tidas em consideração na medida em que são
condenações nacionais anteriores e lhes sejam atribuídos efeitos
jurídicos equivalentes aos desta últimas, de acordo com o direito
nacional.”, logo, e nestes termos,

14. Caberá às entidades judiciárias Portuguesas considerar o


cúmulo sucessivo destas duas penas de prisão, em que o Arguido foi
condenado em Espanha, com a pena de 8 anos a que o arguido foi
condenado no âmbito do processo Processo n.o 121/05.3JDLSB – que
corre termos processuais no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa -
Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 22, que o Arguido o que ora se
requerer para os devidos efeitos legais, por força, também, da aplicação
do art. 63.o do Código Penal Português, o qual dispõe que:

Artigo 63.o

Liberdade condicional em caso de execução sucessiva de várias penas

1- Se houver lugar à execução de várias penas de prisão, a execução da


pena que deva ser cumprida em primeiro lugar é interrompida quando
se encontrar cumprida metade da pena.

2- Nos casos previstos no número anterior, o tribunal decide sobre a


liberdade condicional no momento em que possa fazê-lo, de forma
simultânea, relativamente à totalidade das penas.
3- Se a soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente
exceder seis anos de prisão, o tribunal coloca o condenado em
liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se
encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas.

15. O qual conforme se disse será aplicável, pois, nos termos da


Decisão Quadro deverão ser: “ ... tidas em consideração na medida
em que são condenações nacionais anteriores e lhes sejam
atribuídos efeitos jurídicos equivalentes aos desta últimas, de
acordo com o direito nacional.”, e ainda assim não é feita qualquer
revisão da pena (estando assim respeitadas as directrizes da
referida Decisão-Quadro (negrito nosso).

III. TEMPOS DE PRIVAÇÃO OU RESTRIÇÃO DE LIBERDADE


E O REGIME DE COMPENSAÇÃO OU DE DESCONTO NA
PENA DE PRISÃO

16. A liberdade do Arguido só pode ser limitada, total ou parcialmente,


por medidas legalmente previstas.

17. Em 8 de Outubro de 2018 foi proferido douto despacho pelo TEP


de Espanha.

18. Neste despacho resulta que o Arguido em 18.07.2014 tinha


cumprida 1⁄4 da pena; em 25.03.2017 - 1⁄2 metade da pena;

19. Em 07.01.2019 atingiria (atingiu) 2/3 da pena; em 30.11.2019 3⁄4 e


cumpriria a pena total em 06.08.2022;

20. E que relativamente se verificavam vários factores favoráveis em


abono do Arguido, designadamente, ser um estrangeiro com vínculo
familiar e social em Espanha, ou seja, integrado familiar e socialmente,
com autorização de residência para o exercício de actividade laboral,
com nível escolar e hábitos de trabalho, bem como, o facto de não
sofrer de qualquer adicção.

21. Foi também entendido que para além destes factores, não era menos
importante o facto de já em Outubro de 2018, o Arguido se encontrar a
um ano de cumprir 3⁄4 da pena , o que lhe permitiria obter a liberdade
condicional,
22. Sendo que até então, e apesar da sua “situação favorável”, não
obteve qualquer permissão de saída precária, uma vez que Portugal
tinha emitido o MDE;

23. Ou seja, o Arguido não teve/tem qualquer direito a qualquer


benefício pelo tempo já cumprido da pena em Espanha;

24. O que no entender do TEP de Espanha, esta situação “... provoca


una situación de injustitia en tanto qe se produce una espiral
prejudicial para el interno, visto que no se conceden benefícios para
garantizar la entrega a la Republica de Portugal, lo que lo obliga al
interno a cumplir la condena prácticamente integra en Espanã e
iniciar a posterior la del Estado reclamante.”;

25. Mais concluindo que devido ao MDE emitido por Portugal:

“El interno no tendrá derecho por el mero hecho de esta


Clasificación a permisos, salidas o benefícios penitenciários, ...”
(negrito nosso).

Acresce ainda que,

26. Por outro lado, verifica-se que atendendo ao tempo já cumprido


pela condenação em Espanha, pelo menos desde 07.01.2019, que não
permitiu a sua liberdade condicional, e por força da aplicação
conjugada do art.3.o n.o 3 da Decisão Quadro 2008/675/JAI, supra
identificada, deve interpretar-se no sentido de que é possível a
prolação de uma Decisão que abranja não só uma ou várias
condenações proferidas anteriormente contra o interessado.

27. Foi exactamente neste sentido que foi entendido recentemente, pelo
TJUE, no Acórdão do Tribunal de Justiça (Quarta Secção), de 15 de
abril de 2021, in EUR-Lex - 62019CJ0221 - EN - EUR-Lex
(europa.eu), que ora se junta como Documento 1 e que aqui se dá por
integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

28. Nestes termos, verificando a hipótese de liberdade condicional,


conforme supra se expôs, deveria ao ora Arguido ser concedido o
benefício da compensação dos dias de Liberdade provisória que seria
concedida em Espanha, conforme o regime do art.59.o do Código Penal
Espanhol, em dias no cumprimento da pena de prisão em execução nos
presentes autos, que se contabilizam em 36 por ano, desde o ano de
2015 (ano do transito em julgado da sentença de Espanha) e 2022, que
se contabilizam no momento em 7 (sete) anos, o que ora se argui e se
requer a sua consideração em sede de liquidação de pena nos presentes
autos.

29.o Acresce relembrar que, já nesta altura, este douto Tribunal insistia
com as Autoridades Judiciárias Espanholas para o cumprimento do
MED, ao que estas durante muito tempo não responderam, apesar das
várias insistências feitas.

30. É claro e notório que esta inércia prejudicou em muito o ora


Arguido, impedindo-o de cumprir mais cedo a pena de prisão em que
foi condenado nos presentes autos, uma vez que em Espanha já lhe
tinha sido concedida a Liberdade Condicional, porém, o Arguido
apenas em Agosto de 2022 é que foi entregue a Portugal.

31. Nestes termos, o tempo decorrido desde a concessão da liberdade


condicional em Espanha, até à entrega do Arguido em Portugal, deveria
também ser levada em conta na liquidação da pena de prisão em
Portugal,

32. De todo o supra exposto, fazendo o cúmulo sucessivo das penas de


prisão em que o arguido foi condenado em Espanha e na que foi
condenado em Portugal, temos uma pena global de 18 anos e 9 meses,

33. À presente data, o arguido tem cumpridos 15 anos e 10 meses, o


que corresponde a mais de 5/6 do cômputo geral das penas de
prisão a que foi condenado.

34. Volvidos que foram tantos meses, o Arguido continua a ver-se


novamente prejudicado /privado da sua liberdade, até que as
Autoridades Judiciárias Espanholas respondam e agora até que o
douto Tribunal solicite e insista pelas informações que ainda
considera em falta, apesar de toda a informação/documentação que
necessita ser de fácil e rápida obtenção.
35. No Processo n.o 121/05.3JDLSB – que corre termos processuais no
Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa - Juízo Central Criminal de
Lisboa – Juiz ..., apesar de promovido em Setembro de 2022, pelo
Digníssimo Ministério Público, para que fosse junto aos autos o
certificado das condenações aplicadas no estrangeiro ao ora Arguido,
para que fosse promovida a liquidação da pena em conformidade, o
douto Tribunal entendeu até à presente data não o fazer,

36. Devido a esta omissão, o arguido junto aos autos de processo n.o
121/05.3JDLSB – que corre termos processuais no Tribunal Judicial da
Comarca de Lisboa - Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz ..., o seu
certificado de registo criminal, emitido pelas autoridades de Espanha.

37. A liberdade condicional prevista no artigo 61.o do Código Penal,


opera ex vi legis, dependendo tão-só da verificação dos requisitos
formais enunciados na referida norma; a liberdade condicional
depende, em tais casos, unicamente da verificação objectiva, qual acto
de acertamento, do decurso de um determinado tempo de cumprimento
da pena.

38. Trata-se de um direito do arguido, cujo respeito não depende de


qualquer margem de discricionariedade do tribunal, sendo que, por
outro lado, é do interesse da própria comunidade que ao condenado seja
facilitada a sua reinserção na vida em liberdade plena através das
medidas que acompanham a concessão da liberdade condicional.

39. Do supra exposto, verifica-se que com a cumulação sucessiva de


todas as penas, o Arguido/Requerente já cumpriu mais de cinco sextos
da pena e por essa razão deve ser obrigatoriamente colocado em
liberdade condicional.

40. Não tendo assim ocorrido, verifica-se uma situação de ilegalidade


da prisão, que se manteve para além do prazo fixado na lei, o que
constitui o fundamento de habeas corpus previsto na alínea c), do n.° 2,
do artigo 222° do Código de Processo Penal.

41. Em 07.12.2022 foi proferido pelo douto Juízo Central Criminal de


Lisboa - Juiz ... conforme é do conhecimento destes autos), o seguinte
despacho:

“Fls. 6793 a 6828, 6830, 6863 a 6877:


Veio o arguido AA requerer que:

- A liquidação de pena seja reconsiderada tendo em conta os descontos


ainda por realizar, de acordo com os factos supra identificados e os
documentos, nos termos e efeitos do art.80.o do CP;

- A respectiva restituição à liberdade uma vez que se mostram


cumpridos mais de 5/6 da pena global.

Para tanto, o arguido, invocando a Decisão-Quadro 2008/675/JAI,


alegou, em síntese, que:

- No processo 441/2012, de Espanha, foi condenado nas penas de 10


anos e 3 meses de prisão (pela prática do crime de tráfico de
estupefacientes) e de 6 meses de prisão (pela prática do crime de
falsificação de documento);

- Durante a execução destas penas de prisão, foi entregue, pelas


autoridades judiciais espanholas, às autoridades judiciais francesas,
para em França ser submetido a julgamento;

- Enquanto permaneceu em França, continuou em cumprimento das


referidas penas de prisão em que foi condenado em Espanha;

- Durante esse período foi decretado em França o perdão das penas de


prisão em dois meses; - Esse período de dois meses não foi descontado
na execução das penas de prisão em que foi condenado em Espanha,
pelo que, aquando da liquidação da pena de prisão imposta nestes autos
deverão ser descontados tais dois meses;

- As duas penas de prisão em que foi condenado no aludido processo


441/2012, de Espanha, não foram cumuladas juridicamente, como o
seriam se a condenação em causa tivesse sido proferida em Portugal, na
medida em que o ordenamento jurídico espanhol não o permite, pelo
que, deverá nos presentes autos proceder-se a tal cúmulo jurídico;

- Em Espanha, poderia ter beneficiado em momento anterior de


liberdade condicional, apenas tal não tendo ocorrido devido à emissão,
por este tribunal, de mandado de detenção europeu, tendo em vista o
cumprimento da pena de prisão que neste processo lhe foi imposta, pelo
que, refere, deveria (...) ser concedido o benefício da compensação dos
dias de liberdade provisória que seria concedida em Espanha, conforme
o regime do art. 59.o do Código Penal Espanhol, em dias no
cumprimento da pena de prisão em execução nos presentes autos, que
se contabilizam em 36 por ano, desde o ano de 2015 (ano do transito
em julgado da sentença de Espanha) e 2022, que se contabilizam no
momento em 7 (sete) anos, devendo também este período temporal ser
considerado em sede de liquidação de pena nos presentes autos.

- O somatório das penas de prisão em que foi condenado em Espanha e


em Portugal perfaz 18 anos e 9 meses, pelo que, à presente data, (...)
tem cumpridos 15 anos e 7 meses, o que corresponde a 5/6 do cômputo
geral das penas de prisão a que foi condenado.

Cumpre apreciar e decidir.

Não consta destes autos, nem o arguido em algum momento o


alegou, que a sentença em matéria penal proferida no processo que
identificou, que terá corrido termos no Reino de Espanha, foi
objecto de reconhecimento em Portugal, nomeadamente nos termos
previstos na Lei n.o 144/99, de 31.08, e na Lei n.o 158/2015, de
17.09, e que, portanto, produza os efeitos que a lei portuguesa
confere às sentenças proferidas pelos tribunais portugueses,
incluindo aqueles que o mesmo pretende atribuir-lhe...”;

42.o Tendo recaído sobre a reformulação da Liquidação de Pena, o


seguinte Despacho:

Fls. 6878:

Na sequência da emissão de mandado de detenção europeu para


assegurar o cumprimento pelo arguido AA da pena única de prisão que
lhe foi imposta nestes autos, aquele mandado veio a ser executado pelas
autoridades do Reino de Espanha, o que foi comunicado a este processo
em 04.08.2022.

Na medida em que no expediente remetido a este processo não se


mostrava certificada a data em que o mandado de detenção europeu foi
executado e, portanto, a partir de que momento o arguido passou a estar
privado da liberdade à ordem dos presentes autos, o Ministério Público
procedeu em 10.08.2022 a uma liquidação daquela pena única de prisão
meramente condicional (cf. fls. 6747 e 6748), que foi homologada por
despacho judicial de 12.08.2022 (cf. fls. 6749).

Aquando dessa liquidação de pena, o Ministério Público, invocando o


disposto no artigo 80.o do C. Penal, descontou 2 anos e 2 dias que,
segundo fez constar, foram já cumpridos no âmbito dos autos 131/2009,
que correu termos no Tribunal de ..., Espanha. No entanto, não resulta
dos presentes autos que a sentença em matéria penal proferida no
aludido processo que terá corrido termos no Reino de Espanha foi
objecto de reconhecimento em Portugal, nomeadamente nos termos
previstos na Lei n.o 144/99, de 31.08, e na Lei n.o 158/2015, de 17.09,
e que, portanto, produza os efeitos que a lei portuguesa confere às
sentenças proferidas pelos tribunais portugueses.

Também não resulta dos presentes autos que a sentença em matéria


penal proferida no citado processo que terá corrido termos no Reino de
Espanha teve por objecto os mesmos factos que levaram à condenação
do arguido no presente processo. Assim, o desconto de 2 anos e 2 dias a
que se procedeu na mencionada liquidação de pena condicional (de
10.08.2022) foi indevidamente efectuado. Contudo, tendo tal liquidação
de pena sido elaborada condicionalmente apenas por não haver certeza
quanto ao dia de início de cumprimento da pena única de prisão
imposta nestes autos, não podem agora colocar-se em crise os efeitos
jurídicos decorrentes da homologação de fls. 6749.

Em 30.11.2022, o Gabinete Sirene informou que o arguido passou a


estar privado da liberdade à ordem do mandado de detenção europeu
emitido nestes autos em 05.08.2022 (cf. fls. 6859 e 6860). Nesta
sequência, o Ministério Público elaborou a liquidação (definitiva) da
pena única de prisão imposta ao arguido (fls. 6878).

E, atento o que acima se deixou exposto, concordo com a liquidação de


pena de fls. 6878 e, como tal, homologo-a – art. 477.o, n.o 4, do
Código de Processo Penal.

Notifique e comunique ao estabelecimento prisional onde o arguido se


encontra preso.

Passe e remeta certidões nos termos promovidos (arts. 477.o, n.o 1, do


Código de Processo Penal, e 35.o da Portaria n.o 280/2013, de 26.08).”
43. O Arguido discorda completamente desta posição, entende que o
Tribunal de condenação labora em erro de interpretação e
aplicação da Lei ao caso concreto, aliás como já sobejamente arguido
pelo mesmo continuando a ser prejudicado, por não ser reconhecido o
cumprimento de mais de 5/6 da pena global de prisão,

44. Aliás, é feita referência à Lei 158/2015, de 17.09, mas esta lei
transpôs para a ordem jurídica a Decisão Quadro 2008/909, a qual se
aplica efetivamente, à transmissão de sentenças entre Estados
Membros,

45. Porém, no caso concreto, não se pretende qualquer transmissão


de pena, pois a pena espanhola já foi integralmente cumprida, pelo
que não se aplica ao caso concreto a Decisão Quadro 2008/909,
muito menos a Lei 158/2015, de 17.09, mas apenas e tão só a
Decisão Quadro 2008/675.

46. Uma vez que o que se pretende com a sua aplicação é que se
extraíam consequências da condenação anterior proferida por Espanha,
isto é que se faça o cúmulo sucessivo da pena espanhola com a
portuguesa;

47. Veja-se a este propósito o que foi decidido no Acórdão TJUE


05.07.2018:

“Em contraste com outros instrumentos, a presente decisão‐quadro


não se destina a executar num Estado‐Membro decisões judiciais
tomadas noutros Estados‐Membros, mas sim a permitir que se
tirem consequências de uma condenação anterior proferida num
Estado‐Membro por ocasião de um novo procedimento penal
noutro Estado‐Membro, na medida em que são tiradas as mesmas
consequências de condenações nacionais anteriores nos termos da
lei desse outro Estado‐Membro.” (negrito nosso)

48. Nestes termos, ainda que a Decisão Quadro 2008/675 não tenha
sido transposta pelo Estado Português, é de aplicação em Portugal,
atendendo ao Princípio do Primado do Direito Comunitário sobre o
Direito Nacional, até porque rege um regime mais favorável ao
Arguido;
49. Pela sua aplicação direta, as penas espanholas e portuguesa, têm de
ser entendidas como cúmulo sucessivo, nos termos do art. 63.o do
Código de Processo Penal, sobe pena de causar grave prejuízo ao
Arguido.

50. Perante a errada interpretação da aplicação da legislação aplicável


pelas instâncias judiciais portuguesas, em desfavor do Arguido, este
decidiu apresentar um pedido de reconhecimento de sentença
estrangeira junto do Tribunal da Relação de Lisboa, que correu trâmites
na Secção única daquele Venerando Tribunal sob o número Processo
35/23.5..., de forma a obviar toda a delonga de processos que não o
restituem à liberdade.

51. Sobre este pedido recaiu o Despacho que ora se junta como Doc. 2
que aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos
legais;

52. No qual é dito que: “Acresce que, a sentença condenatória


espanhola já foi cumprida, o que desde logo, constitui uma causa de
recusa de reconhecimento...”;

53. Ora, como é óbvio se a sentença espanhola foi integralmente


cumprida, não tendo sido, como já se disse, permitida ao Arguido a
Liberdade Condicional ao Arguido, em Espanha, devido ao MDE
emitido por Portugal,

54. Assim, cumpre, de novo trazer à colação as decisões proferidas pelo


TJUE, em 21.09.2017, 05.07.2018 e 15.04.2021, que ora se juntam
como Documentos 3, 4 e 1, respectivamente, que aqui se dão por
integralmente reproduzidas para os devidos efeitos legais e que podem
ser consultadas em:

https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?
text=&docid=239892&pageIndex=0&
doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=1743437

https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?
text=&docid=203611&pageIndex=0&
doclang=pt&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=1742143

https://curia.europa.eu/juris/document/document.jsf?
text=&docid=194782&pageIndex=0&

doclang=PT &mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=1740410

55.o As quais decidiram que:

- Acórdão TJUE 21.09.2017

A Decisão‐Quadro 2008/675/JAI do Conselho, de 24 de julho de 2008,


relativa à tomada em consideração das decisões de condenação nos
Estados‐Membros da União Europeia por ocasião de um novo
procedimento penal, deve ser interpretada no sentido de que é
aplicável a um procedimento nacional que tem por objeto a aplicação,
para efeitos de execução, de uma pena privativa da liberdade unitária
que toma em consideração a pena aplicada a uma pessoa pelo juiz
nacional, bem como a pena aplicada no quadro de uma condenação
anterior proferida por um órgão jurisdicional de outro Estado‐Membro
contra a mesma pessoa por factos diferentes.

2) A Decisão‐Quadro 2008/675 deve ser interpretada no sentido de


que se opõe a que a tomada em consideração, num Estado‐Membro,
de uma decisão de condenação proferida anteriormente por um órgão
jurisdicional de outro Estado‐Membro esteja sujeita à tramitação de
um procedimento nacional de reconhecimento prévio dessa decisão
pelos órgãos jurisdicionais competentes do primeiro Estado‐Membro,
como o previsto nos artigos 463.o a 466.o do Nakazatelno‐protsesualen
kodeks (Código de Processo Penal).

3) O artigo 3.o, n.o 3, da Decisão‐Quadro 2008/675 deve ser


interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que
prevê que o juiz nacional a que tenha sido submetido um pedido de
aplicação, para efeitos de execução, de uma pena privativa da
liberdade unitária, que toma, nomeadamente, em consideração a
pena aplicada no quadro de uma condenação anterior proferida por
um órgão jurisdicional de outro Estado‐Membro, altere, para esse
efeito, as regras de execução desta última pena.
Acórdão TJUE 05.07.2018

A Decisão‐Quadro 2008/675/JAI do Conselho, de 24 de julho de 2008,


relativa à tomada em consideração das decisões de condenação nos
Estados‐Membros da União Europeia por ocasião de um novo
procedimento penal, lida à luz do artigo 82.o TFUE, deve ser
interpretada no sentido de que se opõe a que a tomada em
consideração num Estado‐Membro, por ocasião de um novo processo
penal instaurado contra uma pessoa, de uma decisão de condenação
penal transitada em julgado anteriormente proferida por um órgão
jurisdicional de outro Estado‐Membro contra essa mesma pessoa por
factos diferentes seja submetida a um procedimento especial de
reconhecimento prévio, como o que está em causa no processo
principal, pelos órgãos jurisdicionais daquele primeiro Estado‐
Membro.

Acórdão TJUE 15.04.2021

As disposições conjugadas do artigo 8.o, n.os 2 a 4, do artigo 17.o,


n.os 1 e 2, e do artigo 19.o da Decisão‐Quadro 2008/909/JAI do
Conselho, de 27 de novembro de 2008, relativa à aplicação do
princípio do reconhecimento mútuo às sentenças em matéria penal que
imponham penas ou outras medidas privativas de liberdade para
efeitos da execução dessas sentenças na União Europeia, conforme
alterada pela Decisão‐Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de
fevereiro de 2009, devem ser interpretadas no sentido de que permitem
a prolação de uma sentença global que abranja não só uma ou várias
condenações proferidas anteriormente contra o interessado no Estado‐
Membro onde essa sentença global é proferida mas também uma ou
várias condenações proferidas contra ele noutro Estado‐Membro e que
são executadas, por força desta decisão‐quadro, no primeiro Estado‐
Membro. Essa sentença global não pode, no entanto, levar a uma
adaptação da duração ou da natureza destas últimas condenações que
exceda os limites estritos previstos no artigo 8.o, n.os 2 a 4, dessa
decisão‐quadro, a uma violação da obrigação, imposta pelo seu artigo
17.o, n.o 2, de deduzir a totalidade do período de privação de
liberdade eventualmente já cumprido pela pessoa condenada no Estado
de emissão, da duração total da pena de privação de liberdade a
cumprir no Estado de execução, ou a uma revisão das condenações
proferidas contra ela noutro Estado‐Membro, em violação do artigo
19.o, n.o 2, da referida decisão‐quadro.

2) O artigo 3.o, n.o 3, da Decisão‐Quadro 2008/675/JAI do Conselho,


de 24 de julho de 2008, relativa à tomada em consideração das
decisões de condenação nos Estados‐Membros da União Europeia por
ocasião de um novo procedimento penal, lido à luz do considerando 14
desta, deve ser interpretado no sentido de que permite a prolação de
uma sentença global que abranja não só uma ou várias condenações
proferidas anteriormente contra o interessado no Estado‐Membro onde
essa sentença global é proferida mas também uma ou várias
condenações proferidas contra ele noutro Estado‐Membro e que são
executadas, por força da Decisão‐Quadro 2008/909, conforme alterada
pela Decisão‐Quadro 2009/299, no primeiro Estado‐Membro, desde
que a referida sentença global cumpra, no que diz respeito a estas
últimas condenações, as condições e os limites decorrentes do artigo
8.o, n.os 2 a 4, do artigo 17.o, n.o 2, e do artigo 19.o, n.o 2, desta
Decisão‐Quadro 2008/909, conforme alterada.

56. Ora, atendendo ao douto Despacho proferido pelo Tribunal da


Relação de Lisboa, bem como a estas 3 decisões proferidas pelo TJUE,
parecem não restar dúvidas de que é possível fazer o cúmulo sucessivo
das penas espanhola e portuguesa, encontrando-se juntos aos autos a
sentença proferida pelo Tribunal de Espanha, com a devida Apostilha,
bem como o seu certificado de registo criminal, por aplicação da
Decisão-Quadro 2008/675/JAI, relativa à tomada em consideração
das decisões de condenação nos Estados-Membros da União
Europeia por ocasião de um novo procedimento penal, sem
necessidade de recurso ao procedimento de reconhecimento de
pena estrangeira, pois,

57. No seu art. 3.o n.o 1: “Cada Estado-Membro assegura que, por
ocasião de um procedimento penal contra determinada pessoa, as
condenações anteriores contra ela proferidas por factos diferentes
noutros EstadosMembros, sobre as quais tenha sido obtida informação
ao abrigo dos instrumentos aplicáveis em matéria de auxílio judiciário
mútuo ou por intercâmbio de informação extraída dos registos
criminais, sejam tidas em consideração na medida em que são
condenações nacionais anteriores e lhes sejam atribuídos efeitos
jurídicos equivalentes aos desta últimas, de acordo com o direito
nacional.”; (negrito nosso)

58. E não faz falta qualquer reconhecimento prévio, veja-se a este


propósito o Acórdão TJUE 05.07.2018

“38 Mais concretamente, essa decisão-quadro, como enuncia o seu


considerando 2, visa dar execução ao princípio do reconhecimento
mútuo das sentenças e das decisões judiciais em matéria penal,
consagrado no artigo 82.o, n.o 1, TFUE, que substituiu o artigo 31.o
TUE ao abrigo do qual a mesma decisão-quadro foi adotada. Este
princípio opõe-se a que a tomada em consideração, no âmbito da
referida decisão-quadro, de uma decisão de condenação
anteriormente proferida noutro Estado-Membro esteja sujeita à
aplicação de um processo nacional de reconhecimento prévio e a
que essa decisão seja, a esse título, objeto de reexame (v., neste
sentido, Acórdão de 21 de setembro de 2017, Beshkov, C-171/16,
EU:C:2017:710, n.o 36 e jurisprudência referida).

39 É neste sentido que o artigo 3.o, n.o 3, da Decisão-Quadro


2008/675 proíbe expressamente um reexame como o que está em
causa no processo principal, devendo assim as decisões de
condenação anteriormente proferidas noutros Estados-Membros ser
tomadas em consideração tal como foram proferidas (v., por
analogia, Acórdão de 21 de setembro de 2017, Beshkov, C-171/16,
EU:C:2017:710, n.o 37).

(...)

47 A este respeito, importa salientar que a Decisão-Quadro 2009/315


e a Decisão-Quadro 2008/675 estão indissociavelmente interligadas.
Com efeito, importa que as autoridades competentes dos Estados-
Membros cooperem com diligência e de maneira uniforme nas trocas
de informações sobre condenações penais, para evitar que as
autoridades judiciárias nacionais às quais foi submetido um novo
processo penal contra uma pessoa que já foi objeto de decisões de
condenação proferidas por órgãos jurisdicionais de outros Estados-
Membros por outros factos se pronunciem sem poderem tomar em
consideração essas decisões de condenação anteriores. Assim,
procedimentos nacionais suscetíveis de prejudicar esta troca diligente
de informações são contrários tanto à Decisão-Quadro 2009/315, lida
em conjugação com a Decisão 2009/316, como à Decisão-Quadro
2008/675.

48 Daqui decorre que a Decisão-Quadro 2008/675, lida à luz do


artigo 82.o TFUE, deve ser interpretada no sentido de que se opõe a
que a tomada em consideração num Estado-Membro, por ocasião de
um novo processo penal instaurado contra uma pessoa, de uma
decisão de condenação penal transitada em julgado anteriormente
proferida por um órgão jurisdicional de outro Estado-Membro contra
essa mesma pessoa por factos diferentes seja submetida a um
procedimento especial de reconhecimento prévio, como o que está em
causa no processo principal, pelos órgãos jurisdicionais daquele
primeiro Estado-Membro.” (negrito nosso)”
59. Por outro lado, com a junção aos autos do certificado de registo
criminal devidamente autenticado, não há qualquer razão para que não
seja promovida a devida liquidação, até porque,

60. Não é aplicável ao caso concreto a Lei 158/2015 uma vez que a
penas espanhola se encontra cumprida integralmente.

61. A identificada sentença proferida em Espanha, está junta aos


presentes autos, a qual já transitou em julgado e o Arguido já
cumpriu a pena integralmente, sem direito a liberdade condicional
por causa do MDE,

62. O seu registo criminal encontra-se junto aos autos,

63. A decisão deste douto Tribunal também identifica o desconto a ser


efectuado na pena de 8 anos a que foi condenado;

64. Não podem restar dúvidas que o arguido já cumpriu mais de 5/6 da
pena de prisão, por cúmulo sucessivo, uma vez que cumpriu
integralmente a pena de Espanha, e foi entregue direta e imediatamente
ás Autoridades Portuguesas, para cumprimento da pena a que foi
condenado em Portugal.

65. Assim, considerando o Venerando Tribunal da Relação de Lisboa,


não ser possível o reconhecimento da sentença proferida em Espanha,
devido ao facto da pena de prisão a que o Arguido foi condenado estar
integralmente cumprida naquele país,

66. Não pode o Arguido, continuar a ver violado o seu direito à


liberdade, na medida em que de acordo com as decisões do TJUE,
nem se quer esse reconhecimento é obrigatório, pelo que deve ser
decidida a sua liberdade condicional, no sentido de devolver o
Arguido à Liberdade!

67. Cumpre referir que na ordem jurídica portuguesa vigoram em


simultâneo dois regimes gerais de competência internacional: o regime
comunitário e o regime interno.
68. O n.o 4 do artigo 8o da Constituição da República Portuguesa
(“CRP”) sob a epigrafe “Direito Internacional”, preceito introduzido
pela Lei Constitucional no 1/2004, de 24 de Julho (Sexta Revisão
Constitucional) consagra o Princípio do Primado do Direito
Comunitário sobre o Direito Nacional, enquanto princípio estruturante
do próprio ordenamento comunitário;

69. O que significa que, quando a ação estiver compreendida no âmbito


de aplicação do regime comunitário, este prevalece sobre o regime
interno por ser de fonte hierarquicamente superior.

70. Assim, não são aplicáveis as Leis n.os 144/99 de 31 de agosto e


n.o 158/2015 de 17 de setembro, mas sim a Decisão Quadro
2008/675, o que o ARGUIDO REQUER!

71. É SOBRE A APLICAÇÃO DA DECISÃO QUADRO 2008/675


QUE TEM DE INCIDIR A DECISÃO DA LIBERTAÇÃO DO
ARGUIDO E NÃO SOBRE QUALQUER OUTRA!

72. A assim não se entender, estamos perante a violação clara e


ostensiva do artigo 8o da Constituição da República Portuguesa
(“CRP”) sob a epigrafe “Direito Internacional”, que consagra o
Princípio do Primado do Direito Comunitário sobre o Direito Nacional,
enquanto princípio estruturante do próprio ordenamento comunitário.

73. Assim, desconsiderando a reformulação da liquidação da pena de


prisão, o cúmulo das penas Espanholas e Portuguesa, o Recorrente não
pode concordar com a mesma, pois apesar de ter sido, e bem,
contabilizado o desconto do tempo em que esteve preso
preventivamente, em Espanha, deveria de ter sido efectuado o cúmulo
sucessivo de todas as penas, e no caso, fazendo-se o somatório das
mesmas, à presente data o Recorrente já cumpriu mais de 5/6 do total
das penas, que se computam em 18 anos e 9 meses, uma vez que à
presente data tem cumpridos 15 anos, 10 meses, o que se argui para os
devidos efeitos legais,

74. Pelo que, a assim não se entender, desconsiderando a aplicação da


Decisão Quadro 2008/675/JAI, ao caso concreto, serão violados:

➢ o Princípio do Acesso ao Direito e Tutela Jurisidicional efetiva,


garantido pelo art. 20.o n.o 4 da CRP;
➢ o Princípio do Primado do Direito Comunitário sobre o Direito
Nacional, previsto nos artigos 8.o,17.o, 18.o, 20.o, 27.o, 32.o n.o 1 da
Constituição da República Portuguesa, do art. 5.o n.o 1 al. c) e n.o
4;

➢o art.6.o da Convenção Europeia dos Direitos do Homem;

➢ os arts. 8.o e 11.o n.o 1 da Declaração Universal dos Direitos do


Homem

Quando interpretados no sentido de que as sentenças penais


comunitárias, no caso proferidas nos processos criminais que tenham
corrido termos no Reino de Espanha, não podem produzir efeitos na
ordem interna, sem que tenham sido objeto de prévio reconhecimento
em Portugal, nos termos impostos pelas Leis n.o 144/99 de 31 de
agosto e n.o 158/2018 de 17 de setembro, o que se argui para os
devidos efeitos legais;

Em Conclusão,

a) O Requerente/Arguido encontra-se ilegalmente preso, no caso


sub júdice por se manter a sua prisão para além do prazo fixado
pela lei – art.222o no 2 c) do CPP, violando o disposto nos arts.28o
no 4 e 29o no 4 da Constituição da República Portuguesa e arts.
191o do Código de Processo Penal, pelo que,

b) Ao caso concreto deve de ser aplicada a Decisão Quadro


2008/675, considerando sejam tidas em consideração, as
condenações a que o Arguido foi condenado em Espanha em
cúmulo sucessivo com a pena portuguesa, devendo-lhes ser
atribuídos efeitos jurídicos equivalentes, de acordo com o direito
nacional.

c) Nos termos do art.31o no3 da CRP. 63.o do CP e 29o e 222o no 2


c) e 223o no 4 alínea d) do CPP, deve a prisão ser declarada ilegal e
ordenada a sua imediata restituição à liberdade.”.
2. Pelo Exmo. Juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal – Juiz ...,
foi prestada a seguinte informação, nos termos do art.223.o, n.o1 do
Código de Processo Penal (transcrição):

“1. Por acórdão proferido em 1.a instância em 21.02.2007, o arguido


AA foi condenado pela prática, em co-autoria, de 17 crimes de
receptação p. e p. pelo art. 231/1 do C. Penal, cada um na pena de 18
meses de prisão; 4 crimes de burla agravada pelo valor elevado p. no
art. 218, n.o 1 do C.P., cada um na pena de 20 meses de prisão, 4
crimes de burla agravada pelo valor consideravelmente elevado p. no
art. 218, n.o 2, al. a) do C.P. cada um na pena de 3 anos de prisão, um
crime de burla agravada pelo valor elevado, na forma tentada, na pena
de 1 ano de prisão, um crime de falsificação agravada na forma
continuada, p. e p. pelos arts. 30, 255, al. a) e 256, n.o 1, al. a) e c) e
n.o 3 do C.P. na pena de 3 anos de prisão, um crime de falsificação
agravada pelo uso de passaportes falsos na pena de 2 anos de prisão e
um crime de falsificação agravada na forma tentada (processo de
aquisição de nacionalidade) 1 ano de prisão, e em cúmulo jurídico
destas penas parcelares, foi aquele condenado na pena única de 8 anos
de prisão.

2. O arguido interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal da


Relação de Lisboa que, por acórdão proferido em 14.09.2007, decidiu
negar provimento ao recurso e confirmar, na sua plenitude, a decisão
recorrida.

3. O arguido interpôs recurso deste acórdão do Tribunal da Relação de


Lisboa para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão proferido
em 12.06.2008, decidiu negar provimento ao recurso e manter o
acórdão recorrido.

4. Nesta sequência, o arguido interpôs recurso para o Tribunal


Constitucional que, através de decisão sumária proferida em
11.11.2008, decidiu não conhecer do recurso de constitucionalidade
interposto por aquele.

5. Desta decisão sumária, o arguido apresentou reclamação para a


conferência, tendo o Tribunal Constitucional, através do Acórdão n.o
5/2009, de 13.01.2009, decidido indeferir a reclamação apresentada.

6. A decisão final proferida nestes autos relativamente ao arguido AA


transitou em julgado em 05.02.2009.
7. O arguido sofreu um dia de detenção à ordem dos presentes autos
(em 15.06.2005) e esteve sujeito à medida de coacção de prisão
preventiva, também à ordem dos presentes autos, entre 16.06.2005 e
15.12.2007.

8. Na sequência da emissão de mandado de detenção europeu para


assegurar o cumprimento pelo arguido da pena única de prisão que lhe
foi imposta nestes autos, aquele mandado veio a ser executado pelas
autoridades do Reino de Espanha, o que foi comunicado a este
processo em 04.08.2022.

9. Na medida em que no expediente remetido a este processo não se


mostrava certificada a data em que o mandado de detenção europeu foi
executado e, portanto, a partir de que momento o arguido passou a
estar privado da liberdade à ordem dos presentes autos, o Ministério
Público procedeu em 10.08.2022 a uma liquidação, meramente
condicional, daquela pena única de prisão.

10. Aquando dessa liquidação (condicional) de pena, o Ministério


Público, invocando o disposto no artigo 80.o do C. Penal, descontou 2
anos e 2 dias que, segundo fez constar, foram já cumpridos no âmbito
dos autos 131/2009, que correu termos no Tribunal de ..., Espanha.

11. Por despacho judicial proferido em 12.08.2022, foi homologada a


liquidação de pena (condicional).

12. Em 30.11.2022, o Gabinete Sirene informou que o arguido passou a


estar privado da liberdade à ordem do mandado de detenção europeu
emitido nestes autos em 05.08.2022.

13. Nesta sequência, em 02.12.2022, o Ministério Público procedeu à


liquidação (definitiva) da referida pena única de prisão, que foi
homologada por despacho judicial proferido em 07.12.2022.

14. Em 02.12.2022, o arguido formulou petição de habeas corpus em


que invocou a Decisão-Quadro 2008/675/JAI do Conselho, de
24.07.2008, relativa à tomada em consideração das decisões de
condenação nos Estados-Membros da União Europeia por ocasião de
um novo procedimento penal, bem como a circunstância, que repete na
presente petição, de: i) a prisão preventiva a que esteve sujeito no
Processo Abreviado 131/2009 não ter sido descontada em qualquer
processo; ii) as penas de prisão que lhe foram impostas no processo
441/2012 que correu termos em Espanha não terem sido aí cumuladas,
como o seriam se a condenação em causa tivesse sido proferida em
Portugal; iii) terem sido já atingidos os 5/6 do somatório das penas de
prisão em que foi condenado em Espanha e em Portugal, pelo que
deveria beneficiar, obrigatoriamente, de liberdade condicional.

15. Por acórdão proferido em 09.12.2022, o Supremo Tribunal de


Justiça decidiu indeferir a requerida concessão da providência de
Habeas Corpus por falta de fundamento bastante, nos termos do
disposto no artigo 223o no 4 al. a) do CPP.

16. Nesta sequência, o arguido interpôs recurso para o Tribunal


Constitucional que, através de decisão sumária proferida em
19.01.2023, decidiu não tomar conhecimento do objecto do recurso.

17. Atento o disposto no art. 82.o do Código Penal, que apenas prevê o
desconto de qualquer medida processual ou pena que o agente tenha
sofrido no estrangeiro pelo mesmo ou pelos mesmos factos, aquando
da prolação do aludido despacho judicial de 07.12.2022, em que se
procedeu à homologação da liquidação (definitiva) de pena, fez-se
constar que: (...) não resulta dos presentes autos que a sentença em
matéria penal proferida no citado processo que terá corrido termos no
Reino de Espanha teve por objecto os mesmos factos que levaram à
condenação do arguido no presente processo. Assim, o desconto de 2
anos e 2 dias a que se procedeu na mencionada liquidação de pena
condicional (de 10.08.2022) foi indevidamente efectuado. Contudo,
tendo tal liquidação de pena sido elaborada condicionalmente apenas
por não haver certeza quanto ao dia de início de cumprimento da pena
única de prisão imposta nestes autos, não podem agora colocar-se em
crise os efeitos jurídicos decorrentes da homologação de fls. 6749.

18. O arguido interpôs recurso deste despacho para o Tribunal da


Relação de Lisboa que, por acórdão proferido em 07.03.2023, decidiu
negar provimento ao recurso e confirmar a decisão de homologação da
liquidação da pena e os demais despachos recorridos.

19. Ou seja, o arguido afirma na presente petição de habeas corpus


que o período de tempo em que esteve sujeito a prisão preventiva no
Processo Abreviado 131/2009, que correu termos no Tribunal de ...,
Espanha, não foi objecto de desconto em qualquer processo, quando na
verdade o foi nos presentes autos, embora, como se referiu,
indevidamente.

20. Não consta destes autos, nem o arguido em algum momento o


alegou, que as sentenças em matéria penal proferidas nos processos
por aquele identificados, que terão corrido termos no Reino de
Espanha, foram objecto de reconhecimento em Portugal,
nomeadamente nos termos previstos na Lei n.o 144/99, de 31.08, e na
Lei n.o 158/2015, de 17.09, e que, portanto, produzam os efeitos que a
lei portuguesa confere às sentenças proferidas pelos tribunais
portugueses.

21. Nessa medida, não pode o arguido pretender que se proceda agora
ao cúmulo das penas de prisão que lhe foram impostas no processo
441/2012, que correu termos em Espanha, pois a decisão proferida
nesse processo não foi objecto de reconhecimento e execução em
Portugal.

22. Conforme se refere no ponto 2 do preâmbulo da Decisão-Quadro


2008/675/JAI do Conselho, invocada pelo arguido, através da mesma
visou-se a aprovação de um ou mais instrumentos jurídicos que
consignem o princípio segundo o qual o juiz de um Estado-Membro
deve estar em condições de tomar em consideração as decisões penais
transitadas em julgado proferidas nos outros Estados-Membros para
apreciar os antecedentes criminais do delinquente, para ter em conta a
reincidência e para determinar a natureza das penas e as regras de
execução susceptíveis de serem aplicadas.

23. No entanto, de acordo com o afirmado no ponto 6 do mesmo


preâmbulo, em contraste com outros instrumentos, a presente decisão-
quadro não se destina a executar num Estado-Membro decisões
judiciais tomadas noutros Estados-Membros, mas sim a permitir que se
tirem consequências de uma condenação anterior proferida num
Estado-Membro por ocasião de um novo procedimento penal noutro
Estado-Membro, na medida em que são tiradas as mesmas
consequências de condenações nacionais anteriores nos termos da lei
desse outro Estado-Membro.

24. Em suma, para além de não resultar destes autos que as sentenças
em matéria penal proferidas nos processos que terão corrido termos no
Reino de Espanha, foram objecto de reconhecimento em Portugal, os
presentes autos não surgem como um novo procedimento penal, a que
alude a Decisão-Quadro 2008/675/JAI do Conselho, pois a decisão
final nos mesmos proferida transitou em julgado em data anterior
(05.02.2009) à prática dos factos que deram origem ao processo
441/2012, que correu termos em Espanha, e que, de acordo com os
elementos juntos a este processo pelo arguido (fls. 6705 a 6707), terão
sido cometidos em 2010 e 2011.

25. A apreciação da questão suscitada pelo arguido relativa à


concessão de liberdade condicional por aplicação do disposto no
art.63.o, n.o 3, do Código Penal, é da competência material do
Tribunal de Execução das Penas [art.138.o, n.os 2 e 4, al. c), do
Código da Execução das Penas e Medidas Privativas da Liberdade],
não tendo sido comunicada a estes autos qualquer decisão ali
proferida sobre a matéria.

26. Contudo, sempre importa ter presente que o somatório das penas
de prisão que o arguido alega ter cumprido em Espanha à ordem do
processo 441/2012 (10 anos e 3 meses + 6 meses) e da pena única de
prisão que lhe foi imposta nos presentes autos (8 anos) perfaz 18 anos
e 9 meses de prisão, pelo que os 5/6 deste somatório correspondem a
15 anos, 7 meses e 15 dias.

27. Ainda que o arguido tenha cumprido integralmente, em Espanha,


10 anos e 9 meses de prisão à ordem do aludido processo 441/2012, se
a esse período acrescer o tempo de privação da liberdade à ordem dos
presentes autos (2 anos e 6 meses, conforme resulta do que se afirma
no ponto 7 que antecede), obtém-se um período global de privação da
liberdade de 13 anos e 3 meses de prisão, ou seja, inferior aos 5/6 do
referido somatório.

28. De todo modo, sempre se reitera que a Decisão-Quadro


2008/675/JAI do Conselho não é aplicável ao caso dos presentes autos,
pois estes não surgem relativamente ao processo 441/2012 que terá
corrido termos no Reino de Espanha como um novo procedimento
penal, e

não consta do presente processo, nem o arguido em algum momento o


alegou, que as sentenças em matéria penal proferidas nos processos
por aquele identificados, que terão corrido termos no Reino de
Espanha, foram objecto de reconhecimento em Portugal,
nomeadamente nos termos previstos na Lei n.o 144/99, de 31.08, e na
Lei n.o 158/2015, de 17.09.

29. O termo da pena única de prisão imposta ao arguido nos presentes


autos prevê-se para 03.02.2026.
30. Em suma, actualmente mantém-se a execução da pena única de 8
(oito) anos de prisão imposta ao arguido AA nos presentes autos.

31. Resta somente esclarecer que não corresponde à verdade o


afirmado pelo arguido no ponto 35 da petição de habeas corpus, o que
resulta do teor de fls. 6829, 6830, 6832, 6837 e 6838 destes autos, de
que se remete certidão, sendo que a decisão proferida em Portugal
respeita a AA e a decisão proferida no processo processo 441/2012,
que correu termos em Espanha, respeita a BB, pelo que nunca esta
última decisão poderia surgir num registo criminal relativo àquele
primeiro nome.”

3. Convocada a Secção Criminal, notificado o Ministério Público e a


Advogada do requerente, procedeu-se à audiência, de harmonia com as
formalidades legais, após o que o Tribunal reuniu e deliberou como
segue (artigo 223.o, n.o 3, 2.a parte, do CPP).

II - Fundamentação

4. Das peças processuais juntas aos autos e do teor da informação


prestada nos termos do art.223.o do Código de Processo Penal,
emergem apurados os seguintes factos relevantes para a decisão da
providência requerida:

1. Por acórdão proferido em 1.a instância em 21.02.2007, no proc. n.o


121/05.3JDLSB (9.a Vara Criminal de Lisboa, 2.a Secção), atual Juízo
Central Criminal de Lisboa Juiz 22, do Tribunal Judicial da Comarca de
Lisboa, o arguido AA foi condenado pela prática, em coautoria, de 17
crimes de recetação, p. e p. pelo art.231.o, n.o1 do Código Penal, na
pena de 18 meses de prisão, cada um deles; de 4 crimes de burla
agravada pelo valor elevado, p. no art.218, n.o 1 do C.P., na pena de 20
meses de prisão, por cada um deles; de 4 crimes de burla agravada pelo
valor consideravelmente elevado, p. no art.218, n.o 2, al. a) do C.P., na
pena de 3 anos de prisão, por cada um deles; de um crime de burla
agravada pelo valor elevado, na forma tentada, na pena de 1 ano de
prisão; de um crime de falsificação agravada na forma continuada, p. e
p. pelos arts. 30, 255, al. a) e 256, n.o 1, al. a) e c) e n.o 3 do C.P., na
pena de 3 anos de prisão; de um crime de falsificação agravada pelo
uso de passaportes falsos, na pena de 2 anos de prisão; e de um crime
de falsificação agravada na forma tentada (processo de aquisição de
nacionalidade) 1 ano de prisão e, em cúmulo jurídico destas penas
parcelares, foi condenado na pena única de 8 anos de prisão.

2. O arguido interpôs recurso deste acórdão para o Tribunal da Relação


de Lisboa que, por acórdão proferido em 14.09.2007, decidiu negar
provimento ao recurso e confirmar, na sua plenitude, a decisão
recorrida.

3. O arguido interpôs recurso deste acórdão do Tribunal da Relação de


Lisboa para o Supremo Tribunal de Justiça que, por acórdão proferido
em 12.06.2008, decidiu negar provimento ao recurso e manter o
acórdão recorrido.

4. Nesta sequência, o arguido interpôs recurso para o Tribunal


Constitucional que, através de decisão sumária proferida em
11.11.2008, decidiu não conhecer do recurso de constitucionalidade
interposto por aquele.

5. Desta decisão sumária, o arguido apresentou reclamação para a


conferência, tendo o Tribunal Constitucional, através do acórdão n.o
5/2009, de 13.01.2009, decidido indeferir a reclamação apresentada.

6. A decisão final proferida nestes autos relativamente ao arguido AA


transitou em julgado em 05.02.2009.

7. O arguido sofreu um dia de detenção, em 15-6-2005, à ordem do


proc. n.o 121/05.3JDLSB, e ficou sujeito à medida coativa de prisão
preventiva, à ordem dos mesmos autos, entre 16-08-2005 e 15-12-2007,
data em que foi restituído à liberdade, por não se mostrar transitada em
julgado a decisão.

8. Na sequência da emissão de mandado de detenção europeu (MDE)


para assegurar o cumprimento pelo arguido da pena única de prisão que
lhe foi imposta no proc. n.o 121/05.3JDLSB, aquele mandado veio a
ser executado pelas autoridades do Reino de Espanha, o que foi
comunicado a este processo em 04.08.2022, tendo a entrega do arguido
às autoridades portuguesas ocorrido a 8-8-2022.

9. Na medida em que no expediente remetido a este processo não se


mostrava certificada a data em que o mandado de detenção europeu foi
executado e, portanto, a partir de que momento o arguido passou a estar
privado da liberdade à ordem dos presentes autos, o Ministério Público
procedeu em 10.08.2022 a uma “liquidação (condicional)”, daquela
pena única de prisão.

10. Aquando dessa “liquidação (condicional)” da pena, o Ministério


Público, invocando o disposto no artigo 80.o do C. Penal, descontou 2
anos e 2 dias que, segundo fez constar, foram já cumpridos no âmbito
dos autos 131/2009, que correu termos no Tribunal de ..., Espanha.

11. Por despacho judicial proferido em 12.08.2022, foi homologada a


“liquidação (condicional)” de pena.

12. O Digno Magistrado do Ministério Público promoveu, em setembro


de 2022, que fosse requisitado e junto o CRC do arguido, de onde
constem averbadas as condenações no estrangeiro, tendo sido emitido
em 12.9.2022 e junto aos autos o respetivo CRC, de onde consta apenas
a sua condenação no proc. n.o 121/05.3JDLSB.

13. Em 30.11.2022, o Gabinete Sirene informou que o arguido esteve


privado da liberdade à ordem do mandado de detenção europeu,
emitido nestes autos, de 05.08.2022 a 08.08.2022.

14. Nesta sequência, em 02.12.2022, o Ministério Público procedeu à


reformulação da liquidação da pena efetuada em 10.8.2022, nos
seguintes termos:

“- Início da pena: 5.08.2022

- Meio da pena: 3.02.2023

- Dois terços da pena: 3.06.2023

- Cinco sextos da pena: 3.10.2024

- Termo da pena: 3.02.2026.”


15. Com requerimento de 2-12-2022, dirigido ao Juízo Central
Criminal de Lisboa – Juiz ..., o arguido AA juntou o CRC emitido pelo
Ministério da Justiça de Espanha, e defendeu a realização de um
cúmulo jurídico da condenação no proc. n.o 441/2012, por força da
aplicação da Decisão-Quadro 2008/675/JAI e do art.77.o do C.P.,
concluindo que a liquidação de pena seja reconsiderada tendo em conta
os descontos ainda por realizar, de acordo com os factos que identifica
e os documentos, nos termos e feitos do art.80.o do C.P. e seja o
arguido restituído à liberdade uma vez que se mostram cumpridos mais
de 5/6 da pena global, pois da pena global de 18 anos e 9 meses tem
cumpridos 15 anos e 7 meses de prisão.

16. Ainda em 02.12.2022, o arguido formulou petição de habeas corpus


ao abrigo dos artigos 222.o, n.os 1 e 2, al. c) e 223.o do C.P.P., por
entender ter já sido ultrapassado o prazo legal de cumprimento da pena
em que foi condenado e, como tal ser ilegal a sua prisão, invocando
para o efeito, e em breve síntese: esteve sujeito a prisão preventiva no
Processo Abreviado 131/2009, 2 anos e 5 dias e este período que não
foi descontado em qualquer processo; às condenações sofridas em
Portugal, no proc. n.o 121/05.3JDLSB e no proc. n.o 441/2012, é
aplicável a Decisão-Quadro 2008/675/JAI do Conselho, de 24.07.2008,
relativa à tomada em consideração das decisões de condenação nos
Estados-Membros da União Europeia por ocasião de um novo
procedimento penal, de onde resulta que caberá às autoridades
judiciárias portuguesas proceder ao cúmulo das duas penas em que foi
condenado neste processo em Espanha, e que se tivessem sido
cumuladas com a pena aplicada em Portugal teriam sido já atingidos os
5/6 do somatório das penas de prisão em que foi condenado em
Espanha e em Portugal, pelo que deveria beneficiar, obrigatoriamente,
de liberdade condicional.

17. Por acórdão proferido em 09.12.2022, no proc. n.o


121/05.3JDLSB-G.S1, o Supremo Tribunal de Justiça decidiu indeferir
a requerida concessão da providência de Habeas Corpus por falta de
fundamento bastante, nos termos do disposto no artigo 223o no 4 al. a)
do CPP., tendo por base, no essencial, a seguinte fundamentação:

“Como se alcança do exame dos Autos, e se encontra claramente


explicitado na Informação prestada, nos termos legais, pelo
Meritíssimo Juiz titular do processo à ordem do qual o requerente se
encontra preso, não foram ainda objeto de reconhecimento em
Portugal, nos termos impostos pelas Leis n°s 144/99 de 31 de agosto e
n° 158/2015 de 17 de setembro, as sentenças penais proferidas nos
processos criminais que terão corrido termos no Reino de Espanha,
mesmo tendo em atenção o disposto no artigo 17° deste diploma e,
consequentemente, nos termos do disposto nos artigos 234° n°l e 468°
do CPP, tais sentenças não podem produzir efeitos na ordem interna
até se proceder a tal reconhecimento.

Do exame dos Autos resulta, ainda, que o requerente se encontra preso


em cumprimento de uma pena de 8 anos de prisão, constante de uma
condenação criminal já devidamente transitada em julgado e que foi
objeto de uma liquidação, ainda que, condicional, por força da
circunstância de não haver certificação da data do cumprimento do
MDE e de se não ter procedido ao reconhecimento de sentença penal
estrangeira, nos termos acima indicados.

E que, nos termos do Despacho de homologação da referida liquidação


de pena, o cumprimento da pena de 8 anos de prisão aplicada nestes
Autos foi iniciado em 04.08.22, tendo atingido o seu meio em 02.02.22
e atingindo os seus 2/3, 5/6 e termo, respetivamente, em 02.06.23,
02.10.24 e 02.02.26.

Acresce que na presente providência, em função da sua natureza e


tramitação, não cumpre a este Alto Tribunal averiguar da existência da
possibilidade de se proceder a um eventual cúmulo jurídico das penas
já aplicadas ao peticionante e consequente liquidação.

Assim, tendo sido aplicada pela entidade competente a pena de prisão


em causa, e encontrando-se esta devidamente transitada em julgado e
não tendo esta atingido ainda o seu termo ou até os seu 5/6, forçoso é
concluir pela inexistência de quaisquer factos que possam preencher
algum dos pressupostos que a lei elenca no artigo 222° n°2 do CPP
como sendo os adequados a aferir a ilegalidade de uma privação da
liberdade.

Na verdade, e como é Jurisprudência constante deste Supremo Tribunal


"no âmbito da providência de habeas corpus o Supremo Tribunal de
Justiça apenas pode e deve verificar se a prisão resultou de uma
decisão judicial, se a privação da liberdade foi motivada péla prática
de um facto que a admite e se estão respeitados os respectivos limites
de tempo fixados na lei ou em decisão judicial. Isto sem prejuízo de,
nos limites da decisão no âmbito da providência de habeas corpus, não
condicionada pela via ordinária de recurso, se poder efectivar o
controlo de situações graves ou grosseiras, imediatamente
identificáveis e "clamorosamente ilegais" (na expressão do acórdão
deste Tribunal de 3.7.2001, Colectânea, Acórdãos do STJ, II, p. 327),
de violação do direito à liberdade. "I1)
Nesta conformidade outra conclusão se não impõe que não seja a de se
concluir pela improcedência do peticionado por ausência de
fundamento legal.”.

16. O arguido interpôs recurso para o Tribunal Constitucional desta


decisão do S.T.J. que, através de decisão sumária proferida em
19.01.2023, decidiu não tomar conhecimento do objeto do recurso.

17. Entretanto, no proc. n.o 121/05.3JDLSB, em 07.12.2022, foi


proferido o seguinte despacho judicial:

“Fls. 6793 a 6828, 6830, 6863 a 6877:

Veio o arguido AA requerer que:

- A liquidação de pena seja reconsiderada tendo em conta os descontos


ainda por realizar, de acordo com os factos supra identificados e os
documentos, nos termos e efeitos do art. 80.o do CP;

- A respectiva restituição à liberdade uma vez que se mostram


cumpridos mais de 5/6 da pena global.

Para tanto, o arguido, invocando a Decisão-Quadro 2008/675/JAI,


alegou, em síntese, que:

- No processo 441/2012, de Espanha, foi condenado nas penas de 10


anos e 3 meses de prisão (pela prática do crime de tráfico de
estupefacientes) e de 6 meses de prisão (pela prática do crime de
falsificação de documento);

- Durante a execução destas penas de prisão, foi entregue, pelas


autoridades judiciais espanholas, às autoridades judiciais francesas,
para em França ser submetido a julgamento;

- Enquanto permaneceu em França, continuou em cumprimento das


referidas penas de prisão em que foi condenado em Espanha;
- Durante esse período foi decretado em França o perdão das penas de
prisão em dois meses;

- Esse período de dois meses não foi descontado na execução das penas
de prisão em que foi condenado em Espanha, pelo que, aquando da
liquidação da pena de prisão imposta nestes autos deverão ser
descontados tais dois meses;

- As duas penas de prisão em que foi condenado no aludido processo


441/2012, de Espanha, não foram cumuladas juridicamente, como o
seriam se a condenação em causa tivesse sido proferida em Portugal, na
medida em que o ordenamento jurídico espanhol não o permite, pelo
que, deverá nos presentes autos proceder-se a tal cúmulo jurídico;

- Em Espanha, poderia ter beneficiado em momento anterior de


liberdade condicional, apenas tal não tendo ocorrido devido à emissão,
por este tribunal, de mandado de detenção europeu, tendo em vista o
cumprimento da pena de prisão que neste processo lhe foi imposta, pelo
que, refere, deveria (...) ser concedido o benefício da compensação dos
dias de liberdade provisória que seria concedida em Espanha,
conforme o regime do art.59.o do Código Penal Espanhol, em dias no
cumprimento da pena de prisão em execução nos presentes autos, que
se contabilizam em 36 por ano, desde o ano de 2015 (ano do transito
em julgado da sentença de Espanha) e 2022, que se contabilizam no
momento em 7 (sete) anos, devendo também este período temporal ser
considerado em sede de liquidação de pena nos presentes autos.

- O somatório das penas de prisão em que foi condenado em Espanha e


em Portugal perfaz 18 anos e 9 meses, pelo que, à presente data, (...)
tem cumpridos 15 anos e 7 meses, o que corresponde a 5/6 do cômputo
geral das penas de prisão a que foi condenado.

Cumpre apreciar e decidir.

Não consta destes autos, nem o arguido em algum momento o alegou,


que a sentença em matéria penal proferida no processo que identificou,
que terá corrido termos no Reino de Espanha, foi objecto de
reconhecimento em Portugal, nomeadamente nos termos previstos na
Lei n.o 144/99, de 31.08, e na Lei n.o 158/2015, de 17.09, e que,
portanto, produza os efeitos que a lei portuguesa confere às sentenças
proferidas pelos tribunais portugueses, incluindo aqueles que o mesmo
pretende atribuir-lhe.....”;
18. No mesmo despacho judicial, de 07.12.2022, foi homologada a
liquidação da pena única de prisão formulada pelo Ministério Público
em 02.12.2022, nos termos seguintes:

“Fls. 6878:

Na sequência da emissão de mandado de detenção europeu para


assegurar o cumprimento pelo arguido AA da pena única de prisão que
lhe foi imposta nestes autos, aquele mandado veio a ser executado pelas
autoridades do Reino de Espanha, o que foi comunicado a este processo
em 04.08.2022.

Na medida em que no expediente remetido a este processo não se


mostrava certificada a data em que o mandado de detenção europeu foi
executado e, portanto, a partir de que momento o arguido passou a estar
privado da liberdade à ordem dos presentes autos, o Ministério Público
procedeu em 10.08.2022 a uma liquidação daquela pena única de prisão
meramente condicional (cf. fls. 6747 e 6748), que foi homologada por
despacho judicial de 12.08.2022 (cf. fls. 6749).

Aquando dessa liquidação de pena, o Ministério Público, invocando o


disposto no artigo 80.o do C. Penal, descontou 2 anos e 2 dias que,
segundo fez constar, foram já cumpridos no âmbito dos autos
131/2009, que correu termos no Tribunal de ..., Espanha. No entanto,
não resulta dos presentes autos que a sentença em matéria penal
proferida no aludido processo que terá corrido termos no Reino de
Espanha foi objecto de reconhecimento em Portugal, nomeadamente
nos termos previstos na Lei n.o 144/99, de 31.08, e na Lei n.o
158/2015, de 17.09, e que, portanto, produza os efeitos que a lei
portuguesa confere às sentenças proferidas pelos tribunais portugueses.
Também não resulta dos presentes autos que a sentença em matéria
penal proferida no citado processo que terá corrido termos no Reino de
Espanha teve por objecto os mesmos factos que levaram à condenação
do arguido no presente processo.

Assim, o desconto de 2 anos e 2 dias a que se procedeu na


mencionada liquidação de pena condicional (de 10.08.2022) foi
indevidamente efectuado. Contudo, tendo tal liquidação de pena sido
elaborada condicionalmente apenas por não haver certeza quanto ao dia
de início de cumprimento da pena única de prisão imposta nestes autos,
não podem agora colocar-se em crise os efeitos jurídicos decorrentes da
homologação de fls. 6749.

Em 30.11.2022, o Gabinete Sirene informou que o arguido passou a


estar privado da liberdade à ordem do mandado de detenção europeu
emitido nestes autos em 05.08.2022 (cf. fls. 6859 e 6860). Nesta
sequência, o Ministério Público elaborou a liquidação (definitiva) da
pena única de prisão imposta ao arguido (fls. 6878).

E, atento o que acima se deixou exposto, concordo com a liquidação de


pena de fls. 6878 e, como tal, homologo-a - art.477.o, n.o 4, do Código
de Processo Penal.

Notifique e comunique ao estabelecimento prisional onde o arguido se


encontra preso.

Passe e remeta certidões nos termos promovidos (arts. 477.o, n.o 1, do


Código de Processo Penal, e 35.o da Portaria n.o 280/2013, de 26.08).”

19. O arguido interpôs recurso deste despacho judicial, de 07.12.2022,


para o Tribunal da Relação de Lisboa, que por acórdão proferido em
07.03.2023, decidiu negar provimento ao recurso e confirmar a decisão
de homologação da liquidação da pena e os demais despachos
recorridos.

20. O arguido AA (também conhecido por BB) foi condenado no proc.


n.o 441/2012, por sentença n.o 34/2014, que correu termos em
Espanha, por factos de 2010/2011, na pena de 10 anos e 3 meses de
prisão, pela prática do crime de “tráfico de drogas” e na pena de 6
meses de prisão, pela prática do crime de falsificação, penas estas que
foram cumpridas.

21. Em 8 de outubro de 2018, a “Audiência Nacional” considerou como


datas de cumprimento das penas nesse proc. n.o 441/2012: 1⁄4 em 18-
07-2014; 1⁄2 em 25-3-2017; 2/3 em 7-1-2019; 3⁄4 em 30-11-2019; e 4/4
em 6-08-2022.

Tais datas foram confirmadas, pelo mesmo Tribunal, em despacho de


29 de abril de 2022.
22. Em 23-2-2023, foi comunicado ao arguido o despacho de
arquivamento do proc. n.o 35/23.5..., que correu os seus trâmites na
Procuradoria-Geral Regional de Lisboa, Secção única, no qual o
arguido requereu ação especial de revisão de sentença penal estrangeira
junto do Ministério Público, no qual, além do mais, se diz: “acresce
que, a sentença condenatória espanhola já foi cumprida, o que desde
logo, constitui causa de recusa de reconhecimento...”.

5. Questão objeto do habeas corpus

Saber se AA, em cumprimento de pena de 8 anos de prisão no proc. n.o


121/05.3JDLSB, se encontra ilegalmente privado de liberdade, nos
termos dos artigos 31.o, n.o1 da C.R.P. e 222.o, n.o2, alínea c), do
Código de Processo Penal, por se manter a prisão para além do prazo
fixado na lei, em violação do disposto nos artigos 28.o, n.o4 e 29.o,
n.o4, da nossa Constituição, pelo que nos termos dos artigos 31.o, n.o3,
da C.R.P., 63.o do C.P. e 29.o e 222.o, n.o2, al. c) e 223.o, n.o4, al. d),
do C.P.P., deve a prisão ser declarada ilegal e ordenada a dua imediata
restituição à liberdade.

6. Direito

Delimitado o objeto da providência requerida pelo arguido, importa


tecer breves considerações sobre este instituto jurídico e as normas
alegadamente violadas.

6.1. A liberdade física, liberdade de movimentos, expressão da


dignidade da pessoa humana é, desde tempos longínquos, objeto de
ilegalidades e violações por abuso de poder.

Como garantia do direito à liberdade física das pessoas e à segurança,


o art.27.o, da Constituição da República Portuguesa, formula o
princípio de que «todos têm direito à liberdade e à segurança» (n.o1),
«e ninguém pode ser total ou parcialmente privado da liberdade, a não
ser em consequência de sentença judicial condenatória pela prática de
ato punido por lei com pena de prisão» (n.o2).

Em reforço do mesmo princípio, o art.28.o da C.R.P. estatui,


designadamente, que «A prisão preventiva tem natureza excecional,
não sendo decretada nem mantida sempre que possa ser aplicada
caução ou outra medida mais favorável prevista na lei.» (n.o2) e que «
A prisão preventiva está sujeita aos prazos estabelecidos na lei.»
(n.o4).

A prisão ou detenção é ilegal quando ocorra fora dos casos previstos


nestes preceitos constitucionais.

No mesmo sentido, consagrando o princípio da legalidade, quanto às


medidas de coação e de garantia patrimonial, estabelece o art.191.o,
n.o1 do Código de Processo Penal, que «a liberdade só pode ser
limitada , total ou parcialmente, em função de exigências processuais
de natureza cautelar, pelas medidas de coação e de garantia
patrimonial previstas na lei.»

Nos termos do n.o 4 do art.29.o, n.o4 , da C.R.P., invocado pelo


recorrente, «ninguém pode sofrer pena ou medida de segurança mais
graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou
da verificação dos respetivos pressupostos, aplicando-se
retroativamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao
arguido.».

O art.63.o do Código Penal, sob a epígrafe «Liberdade condicional em


caso de execução sucessiva de várias penas», dispõe:

«1 - Se houver lugar à execução de várias penas de prisão, a execução


da pena que deva ser cumprida em primeiro lugar é interrompida
quando se encontrar cumprida metade da pena.

2 - Nos casos previstos no número anterior, o tribunal decide sobre a


liberdade condicional no momento em que possa fazê-lo, de forma
simultânea, relativamente à totalidade das penas.

3 - Se a soma das penas que devam ser cumpridas sucessivamente


exceder seis anos de prisão, o tribunal coloca o condenado em
liberdade condicional, se dela não tiver antes aproveitado, logo que se
encontrarem cumpridos cinco sextos da soma das penas.

4. (...)».
Para pôr termo à situação de ilegalidade da prisão, o art.31.o da
Constituição da República Portuguesa, prevê, como providência
específica, o «habeas corpus», dispondo o seguinte:

«1. Haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de


prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente.

2. A providência de habeas corpus pode ser requerida pelo próprio ou


por qualquer cidadão no gozo dos seus direitos políticos.

3. O juiz decidirá no prazo de oito dias o pedido de habeas corpus em


audiência contraditória.».

O abuso de poder, referido nesta norma constitucional, traduz uma


atuação especialmente gravosa no âmbito dessa ilegalidade, referindo
o deputado CC, em sede de C....... ........ .... . ....... .............., no âmbito
da IV Revisão Constitucional, que a ideia por trás da fórmula
consagrada no art.31.o, n.o1, “...é que não basta que a prisão viole um
aspeto menor, é necessário a violação de um princípio essencial da lei.
Uma ilegalidade que é uma mera irregularidade não justifica o habeas
corpus que é uma providência excecional.”.1

Anotando este art.31.o, n.o 1, da Constituição da República


Portuguesa, escrevem Gomes Canotilho e Vital Moreira:

“Na sua versão atual, o habeas corpus consiste essencialmente numa


providência expedita contra a prisão ou detenção ilegal, sendo, por
isso, uma garantia privilegiada do direito à liberdade, por motivos
penais ou outros, garantido nos arts. 27o e 28.o (...).

A prisão ou detenção é ilegal quando ocorra fora dos casos previstos


no art.27o, quando efetuada ou ordenada por autoridade incompetente
ou por forma irregular, quando tenham sido ultrapassados os prazos de
apresentação ao juiz ou os prazos estabelecidos na lei para a duração
da prisão preventiva, ou a duração da pena de prisão a cumprir,
quando a detenção ou prisão ocorra fora dos estabelecimentos
legalmente previstos, etc..

Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária


constitucionalmente prevista para a defesa dos direitos fundamentais, o
habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do
direito à liberdade”.

Na conformação constitucional e no seu desenho normativo, o habeas


corpus é uma providência judicial urgente. “Visa reagir, de modo
imediato e urgente, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra
a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal” decretada ou
mantida com violação “patente e grosseira dos seus pressupostos e das
condições da sua aplicação”.2

A natureza que a providência assume na jurisprudência tradicional do


STJ, tem sido perfilhada, no essencial, pelo Tribunal Constitucional.3

Na concretização do art.32.o, n.o1 da Constituição da República


Portuguesa - que estabelece a cláusula geral de que «O processo
criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso» -
o legislador manteve, no atual Código de Processo Penal de 1987, o
regime diferenciado de habeas corpus, por detenção ilegal (art.220.o)
e, por prisão ilegal (art.222.o), que advém do Decreto-Lei no 35.043,
de 20 de outubro de 1945.

6.2. Dando expressão ao art.31.o da Constituição da República


Portuguesa, o art.222.o, do Código de Processo Penal, dispõe que «A
qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa o Supremo
Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência de habeas
corpus» (n.o1), estabelecendo como pressupostos de habeas corpus, em
virtude de prisão ilegal:

«a) Ter sido efetuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou

c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão
judicial.» (n.o2).

No seguimento do entendimento do habeas corpus, como uma


providência extraordinária, a jurisprudência deste Supremo Tribunal
vem considerando que os fundamentos do «habeas corpus» são aqueles
que se encontram taxativamente fixados na lei, não podendo esse
expediente ser utilizado para a sindicância de outros motivos
suscetíveis de pôr em causa a regularidade ou a legalidade da prisão.4

Da essência desta providência extraordinária resulta, ainda, que ela não


substitui, nem pode substituir-se aos recursos ordinários, ou seja, não é,
nem pode ser meio adequado a pôr fim a todas as situações de
ilegalidade de prisão. A providência de habeas corpus está reservada às
situações de clamorosa ilegalidade da prisão, de ilegalidade grosseira, a
que urge pôr termo, com caráter urgente, por estar em causa um bem
tão precioso como a liberdade ambulatória.

Retomando o caso concreto.

A questão para ser bem compreendida exige uma breve


contextualização entre factos assentes e a lógica argumentativa do
condenado/peticionante AA.

O ora peticionante foi condenado no proc. n.o 121/05.3JDLSB, por


acórdão da então 9.a Vara Criminal de Lisboa, 2.a Secção, de 21-2-
2007, transitado em julgado a 5-2-2009, numa pena única de 8 anos de
prisão.

Tendo, entretanto, se deslocado para Espanha, foi aí condenado, no


proc. n.o 441/2012, por factos de 2010/2011, numa pena de 10 anos e 3
meses pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes e em 6
meses de prisão, pelo crime de falsificação de documento.

Para cumprimento da pena única que lhe fora aplicada no proc. n.o
121/05.3JDLSB, as autoridades portuguesas emitiram um Mandado de
Detenção Europeu (MDE) e, na sequência deste, o Reino de Espanha
entregou o ora peticionante às autoridades portuguesas em 8-8-2022.

Em requerimento de 2-12-2022, dirigido ao Juízo Central Criminal de


Lisboa – Juiz ..., veio o peticionante defender, além do mais, a
realização de um cúmulo jurídico da condenação no proc. n.o 441/2012
de Espanha, por força da aplicação da Decisão-Quadro 2008/675/JAI e
do art.77.o do C.P., e a tomada em consideração dos tempos de
privação ou restrição da liberdade e o regime de compensação ou
desconto da pena de prisão em Portugal e Espanha, concluindo por
pedir que a liquidação de pena seja reconsiderada tendo em conta os
descontos ainda por realizar, de acordo com os factos que identifica e
os documentos, nos termos e feitos do art.80.o do C.P. e seja restituído
à liberdade uma vez que se mostram cumpridos mais de 5/6 da pena
global, pois da pena global de 18 anos e 9 meses (soma da pena
aplicada no proc. 441/2012 com a aplicada no proc. 441/2012) tem
cumpridos 15 anos e 7 meses de prisão.

Nos despachos proferidos em 7-12-2022 no proc. n.o 121/05.3JDLSB,


pelo Juízo Central Criminal de Lisboa – que se reproduzem nos pontos
n.o41 e 42 da factualidade dada como assente – decidiu-se que as
sentenças proferidas por Espanha em matéria penal, para produzirem
efeitos em Portugal, nos termos previstos nomeadamente na Lei n.o
144/99, de 31-8 e na Lei n.o 158/2015, de 17-9, têm de ser objeto de
reconhecimento em Portugal, o que não aconteceu, pelo que o Tribunal
concordou com a liquidação da pena reformulada pelo Ministério
Público em 2-12-2022.

O ora peticionante declara que discorda completamente dos despachos


proferidos em 7-12-2022, sobre a necessidade do procedimento de
reconhecimento das sentenças proferidas por Espanha em matéria
penal, para produzirem efeitos em Portugal.

Alegando não pretender qualquer transmissão de pena, uma vez que a


pena espanhola está integralmente cumprida e, por isso, não se aplica a
Decisão-Quadro 2008/909 e, muito menos, a Lei 158/2015, de 17-9,
mas tão só a Decisão-Quadro 2008/657/JAI, requer ao Supremo
Tribunal de Justiça, na petição de Habeas Corpus, que a decisão da
libertação do arguido incida sobre a aplicação desta Decisão-Quadro e
não sobre qualquer outra (artigos 70 e 71 e conclusão al. b), da Petição
de Habeas Corpus).

Ainda que a Decisão-Quadro 2008/657/JAI não tenha sido transposta


pelo Estado Português, considera que é de aplicação em Portugal,
atendendo ao princípio do primado do direito comunitário sobre o
direito nacional, até porque rege um regime mais favorável ao arguido.

Pela sua aplicação direta, as penas espanholas e portuguesas, têm de ser


entendidas como cúmulo sucessivo, nos termos do 63.o do Código
Penal5, sob pena de causar grave prejuízo ao arguido.

Entende, por referência ao disposto no art.3.o, n.os 1 e 3 da Decisão-


Quadro 2008/657/JAI, e às decisões do TJUE trazidas à colação, que
devem ser tomadas em consideração em Portugal, para efeitos de
cúmulo as penas espanholas, sem necessidade de qualquer
reconhecimento prévio.

Vejamos.

A jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) vem


estabelecendo uma série de princípios a partir do princípio da lealdade
europeia, previsto no atual art.4.o do Tratado da União Europeia
(TUE), que se revelam indispensáveis à sobrevivência do sistema
jurídico europeu.

Entre os princípios que densificam a lealdade europeia ou cooperação


leal, o TJUE recortou o princípio do primado do Direito da União
sobre o direito nacional, que impõe a prevalência do Direito da União
sobre o direito nacional que lhe seja desconforme. O princípio do
primado atua, assim, como uma norma que determina que, em caso de
conflito, os Estados têm o dever de aplicar a norma de direito da União
Europeia e de desaplicar a norma de direito nacional.

Fundamenta-se este princípio na necessidade de homogeneidade na


aplicação do direito europeu e no facto de os Estados-membros não
poderem invocar direito nacional para fundamentarem o
incumprimento das suas obrigações europeias (o que é também um
princípio geral de direito internacional).

Os deveres resultantes do primado do direito da União Europeia


vinculam todas as entidades públicas, incluindo toda a administração
pública e os tribunais nacionais. O Tribunal de Justiça da União
Europeia tem mantido que todo o direito da União Europeia prevalece
sobre todo o direito nacional, incluindo as respetivas normas
constitucionais - mas esta é uma questão que ainda se mantém
controversa.6

A Constituição da República Portuguesa prevê que o direito da União


Europeia é aplicável em Portugal nos termos definidos pelo próprio
direito da União Europeia (artigos7.o, n.o 6 e 8.o, n.o 4), o que inclui o
primado, nos termos declarados pelo Tribunal de Justiça da União
Europeia.7

A aplicabilidade das normas emanadas das instituições europeias na


ordem jurídica portuguesa far-se-á nos termos definidos pelo Direito da
União Europeia.
Para este efeito importa considerar os tipos de atos normativos
existentes na União Europeia.

A Decisão-Quadro é um tipo de ato normativo, introduzido no Tratado


da União Europeia pelo Tratado de Amesterdão, que constava do
art.34.o do TUE, nos seguintes termos.

«2 - O Conselho tomará medidas e promoverá a cooperação, sob a


forma e segundo os processos adequados instituídos pelo presente
título, no sentido de contribuir para a realização dos objetivos da
União. Para o efeito, o Conselho pode, deliberando por unanimidade,
por iniciativa de qualquer Estado membro ou da Comissão:

a) (...);

b) Adotar decisões quadro para efeitos de aproximação das disposições


legislativas e regulamentares dos Estados membros. As decisões
quadro vinculam os Estados membros quanto ao resultado a alcançar,
deixando, no entanto, às instâncias nacionais a competência quanto à
forma e aos meios. As decisões quadro não produzem efeito directo;

(...)»

De acordo com esta redação do art.34.o n.o 2, alínea b) do TUE, a


Decisão-Quadro, cuja aprovação competia ao Conselho, deliberando
por unanimidade, tinha por objetivo facilitar a aproximação das
disposições legislativas e regulamentares dos Estados-Membros nas
questões abrangidas pelo chamado terceiro pilar europeu. Tal desiderato
obtinha-se vinculando os Estados-Membros a um determinado
resultado que se visava atingir – e que justificava, em si mesmo, a
adoção da decisão-quadro –, mas deixando às autoridades nacionais a
escolha da forma e dos meios apropriados à realização do fim
pretendido.

Para além de constituir um ato de direito comunitário derivado, cujo


âmbito de aplicação se restringia, exclusivamente, à matéria da
cooperação policial e judicial em matéria penal, o norma retirava,
expressamente, à Decisão-Quadro a suscetibilidade de produzir efeito
direto.
Afastada ficava, em consequência, a hipótese de os particulares
invocarem, perante um Estado-Membro que ainda não tivesse
procedido à transposição de uma Decisão-Quadro, quaisquer direitos
que esta eventualmente lhes conferisse.

O Tratado de Lisboa extinguiu esta figura jurídica, sendo atualmente


atos legislativos da União Europeia, os regulamentos, as diretivas, as
decisões, as recomendações e pareceres (art.288.o do Tratado sobre o
funcionamento da União Europeia).

A Decisão-Quadro 2008/657/JAI, do Conselho da União Europeia, de


24 de Julho de 2008, «relativa à tomada em consideração das decisões
de condenação nos Estados-Membros da União Europeia por ocasião
de um novo procedimento penal», aprovada tendo em conta o Tratado
da União Europeia, nomeadamente os artigos 31.o e 34.o, n.o2, alínea
b), encontra-se publicada no Jornal Oficial da União Europeia.

Nos termos do seu art.1.o, n.o1, a Decisão-Quadro «tem por objetivo


definir as condições em que, por ocasião de um procedimento penal
num Estado-Membro contra determinada pessoa, são tidas em
consideração condenações anteriores contra ela proferidas noutro
Estado-Membro por factos diferentes.».

O art.3.o desta Decisão-Quadro, dispõe, sobre a tomada em


consideração, por ocasião de um novo procedimento penal, de uma
condenação proferida noutro Estado-Membro, designadamente, o
seguinte:

«1. Cada Estado-Membro assegura que, por ocasião de um


procedimento penal contra determinada pessoa, as condenações
anteriores contra ela proferidas por factos diferentes noutros Estados-
Membros, sobre as quais tenha sido obtida informação ao abrigo dos
instrumentos aplicáveis em matéria de auxílio judiciário mútuo ou por
intercâmbio de informação extraída dos registos criminais, sejam tidas
em consideração na medida em que são condenações nacionais
anteriores e lhes sejam atribuídos efeitos jurídicos equivalentes aos
destas últimas, de acordo com o direito nacional.

2. O n.o 1 é aplicável na fase que antecede o processo penal, durante o


processo penal propriamente dito ou na fase de execução da
condenação, nomeadamente no que diz respeito às regras processuais
aplicáveis, inclusive as que dizem respeito à prisão preventiva, à
qualificação da infração, ao tipo e ao nível da pena aplicada, ou ainda
às normas que regem a execução da decisão.

3. A tomada em consideração de condenações anteriores proferidas


noutros Estados-Membros, tal como prevista no n.o 1, não tem por
efeito interferir com essas condenações nem com qualquer decisão
relativa à sua execução, nem que as mesmas sejam revogadas ou
reexaminadas pelo Estado-Membro em que decorre o novo
procedimento.».

Por fim, estabelece, o art.5.o, no seu n.o1 que, «Os Estados-Membros


devem tomar as medidas necessárias para dar cumprimento à presente
decisão-quadro até 15 de Agosto de 2010.», acrescentado no n.o2 que
«Os Estados-Membros devem comunicar ao Secretariado-Geral do
Conselho e à Comissão o texto das disposições que transpõem para o
respectivo direito nacional as obrigações decorrentes da presente
decisão-quadro.».

A Decisão-Quadro estabelece os critérios que estipulam que, por


ocasião de um procedimento penal num país da UE contra determinada
pessoa, são tidas em consideração condenações anteriores contra ela
proferidas noutro país da UE por factos diferentes.

A terminar, importa, anotar que do “Relatório da Comissão ao


Parlamento Europeu e ao Conselho” [COM (2014) 312 final de
2.6.2014], sobre a aplicação pelos Estados-Membros da Decisão-
Quadro 2008/675/JAI, de 24 de julho de 2008, resulta que Portugal,
entre outros Estados-Membros, não comunicou a transposição deste ato
normativo para o direito nacional.8

Efetivamente, como bem refere o peticionante AA, a Decisão-Quadro


2008/675/JAI, de 24 de julho de 2008, não foi transposta para o direito
nacional.

Não tendo a Decisão-Quadro 2008/675/JAI, de 24 de julho de 2008,


sido transposta para a nossa ordem jurídica, nem lhe sendo atribuído
efeito direto, por expressa disposição do art.34.o, n.o 2, al. b), do
Tratado da UE então vigente, não está a mesma em vigor entre nós, o
que impede a sua invocação pelos particulares para produção de
direitos que esta eventualmente lhes conferisse.9
Sendo a própria norma de direito da União Europeia que afasta o efeito
direto da Decisão-Quadro, não se vislumbra como o princípio do
primado do direito da União Europeia sobre o direito nacional, no
sentido atrás definido, pode fazer vigorar a Decisão-Quadro
2008/675/JAI, de 24 de julho de 2008, no nosso ordenamento jurídico.

Excluída a vigência da Decisão-Quadro 2008/675/JAI na nossa ordem


jurídica, afastada fica a aplicação daquele regime, como sendo
alegadamente o mais favorável ao arguido, invocado pelo ora
peticionante do Habeas Corpus.

Ainda que assim não fosse, como é, não resulta da Decisão-Quadro


2008/675/JAI, designadamente dos seus artigos 1.o e 3.o, que as penas
fixadas no proc. n.o 441/2012 pelo Tribunal de Espanha, tivessem de
ser cumuladas juridicamente, nos termos do art.77.o do C.P. e ser
objeto de cúmulo sucessivo, nos termos do art.63.o do mesmo Código,
com a pena fixada no proc. n.o 121/05.3JDLSB, do Juízo Central
Criminal de Lisboa.

Desde logo, não está em causa neste processo um novo procedimento


penal, que está na base da consideração neste Estado das condenações
proferida noutro Estado-Membro.

Como, aliás, bem realça o Ex.mo Juiz na informação prestada nos


termos do art.223.o, n.o1 do C.P.P.: “Conforme se refere no ponto 2 do
preâmbulo da Decisão-Quadro 2008/675/JAI do Conselho, invocada
pelo arguido, através da mesma visou-se a aprovação de um ou mais
instrumentos jurídicos que consignem o princípio segundo o qual o juiz
de um Estado-Membro deve estar em condições de tomar em
consideração as decisões penais transitadas em julgado proferidas nos
outros Estados-Membros para apreciar os antecedentes criminais do
delinquente, para ter em conta a reincidência e para determinar a
natureza das penas e as regras de execução susceptíveis de serem
aplicadas.

23. No entanto, de acordo com o afirmado no ponto 6 do mesmo


preâmbulo, em contraste com outros instrumentos, a presente decisão-
quadro não se destina a executar num Estado-Membro decisões
judiciais tomadas noutros Estados-Membros, mas sim a permitir que se
tirem consequências de uma condenação anterior proferida num
Estado-Membro por ocasião de um novo procedimento penal noutro
Estado-Membro, na medida em que são tiradas as mesmas
consequências de condenações nacionais anteriores nos termos da lei
desse outro Estado-Membro.

24. Em suma, para além de não resultar destes autos que as sentenças
em matéria penal proferidas nos processos que terão corrido termos no
Reino de Espanha, foram objeto de reconhecimento em Portugal, os
presentes autos não surgem como um novo procedimento penal, a que
alude a Decisão-Quadro 2008/675/JAI do Conselho, pois a decisão
final nos mesmos proferida transitou em julgado em data anterior
(05.02.2009) à prática dos factos que deram origem ao processo
441/2012, que correu termos em Espanha, e que, de acordo com os
elementos juntos a este processo pelo arguido (fls. 6705 a 6707), terão
sido cometidos em 2010 e 2011.

A aplicabilidade da Decisão-Quadro 2008/675/JAI e do subsequente


cúmulo no proc. n.o 121/05.3JDLSB, do Juízo Central Criminal de
Lisboa, das penas aplicadas neste processo com as aplicadas no proc.
n.o 441/2012 de Espanha, de modo que teriam sido já atingidos os 5/6
do somatório das penas de prisão, e deveria beneficiar,
obrigatoriamente, de liberdade condicional, foi colocada ao S.T.J. no
âmbito da providência de Habeas Corpus que correu no proc.
n.o121/05.3JDLSB-G.S1, e ao Tribunal da Relação de Lisboa, no proc.
n.o121/05.3J DLSB-H.L1 face à impugnação dos citados despachos de
9-12-2022.

Embora no proc. n.o 121/05.3JDLSB-G.S1 o S.T.J. não tenha se


pronunciado expressamente sobre essa aplicabilidade – como se
verifica da fundamentação do acórdão do de 9-12-2022, transcrita no
ponto n.o 17 da factualidade ora dada como assente – , deixou claro,
em função da natureza e tramitação do Habeas Corpus, que não
cumpre a este Supremo Tribunal averiguar da existência da
possibilidade de se proceder a um eventual cúmulo jurídico das penas
já aplicadas ao peticionante e consequente liquidação.

Acompanhamos e sufragamos integralmente esta posição.

A providência de Habeas Corpus visa pôr fim a situações de clamorosa


ilegalidade da prisão, de ilegalidade grosseira, e não para decidir
questões de mérito do processo elencadas em termos abstratamente
complexos, como são, no caso, decidir se um ato normativo da União
Europeia é ou não aplicável na nossa legislação e, em caso afirmativo,
conhecer da existência dos requisitos de realização de um cúmulo
jurídico de penas aplicadas em Espanha, dos requisitos do concurso de
execução sucessiva de penas, e do apuramento dos descontos das penas
cumpridas, em que o peticionante que chega a invocar o regime do
art.59.o do Código Penal espanhol para compensação dos dias de
liberdade provisória que seria concedida, mas não foi, devido à
existência do MDE emitido pelo Estado Português.

A pena de prisão que o ora peticionante cumpre em Portugal, no âmbito


do proc, n.o n.o121/05.3JDLSB, está longe de ser grosseiramente
ilegal, nos termos das decisões judiciais supra referidas e da liquidação
da pena homologada no despacho judicial de 9-12-2022.

A questão, nos termos que emergem na presente providência de Habeas


Corpus deve ser decidida nos “meios comuns”.

E, efetivamente, foi decidida nos “meios comuns” pelo Juízo Central


Criminal de Lisboa e, em seguida conhecida em recurso pelo Tribunal
da Relação de Lisboa, que por acórdão de 7-3-2023, desconsiderou a
aplicação da Decisão-Quadro 2008/675/JAI e confirmou a decisão de
homologação da liquidação da pena e demais despachos, sem
previamente ter deixado de referir que para uma sentença proferida no
espaço da União Europeia, designadamente em Espanha, poder
produzir os seus efeitos em Portugal, tem aqui de ser objeto de
reconhecimento, de acordo com o regime da Lei n.o 158/2015, de 17 de
setembro, com recurso eventualmente e a título subsidiário, à Lei n.o
144/99 de 31 de agosto.

Do exposto resulta que a Decisão-Quadro 2008/675/JAI não se


encontra em vigor na nossa ordem jurídica, porquanto exigindo a
intermediação de um ato de direito interno, Portugal não procedeu à sua
transposição; as condenações em que o ora peticionante foi sujeito em
Espanha não se mostram reconhecidas em Portugal, impedindo a
produção de efeitos jurídicos no nosso País; e a pena que o mesmo
cumpre, aplicada em Portugal, mostra-se transitada em julgado e o seu
cumprimento ainda não atingiu os 5/6 da pena, como resulta evidente
da homologação da liquidação da pena reformulada pelo Ministério
Público, uma vez que essa data só será atingida a 3-10-2024.

Consequentemente, o Supremo Tribunal de Justiça não reconhece a


violação pelo Tribunal a quo de qualquer dos princípios e normas
invocados pelo peticionante desta providência, sejam de direito
internacional ou de direito interno.
Em conclusão, a pena de prisão que o peticionante cumpre mostra-se
ordenada por entidade competente; é motivada por facto pelo qual a lei
o permite; e não se mantém para além dos prazos fixados na lei ou em
decisão judicial, pelo que não se verificam os pressupostos para deferir
o habeas corpus fixados nos artigos 31.o da Constituição da República
Portuguesa e 222.o do Código de Processo Penal.

Inexistindo um quadro de abuso de poder, por virtude dos fundamentos


de habeas corpus invocados pelo peticionante/condenado, mais não
resta que indeferir a sua petição.

III - Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos, decide-se:

a) Indeferir o pedido de habeas corpus peticionado pelo condenado


AA, nos termos do art.223.o, n.o4, alínea a), do C.P.P., por falta de
fundamento bastante; e

b) Condenar o requerente nas custas do processo, fixando em 3 (três)


UCs a taxa de justiça.

(Certifica-se que o acórdão foi processado em computador pelo relator


e integralmente revisto e assinado pelos seus signatários, nos termos do
art.94.o, n.o 2 do C.P.P.).
Lisboa, 30 de março de 2023
Orlando Gonçalves (Relator)

Leonor Furtado (Juíza Conselheira Adjunta)

António Latas (Juiz Conselheiro Adjunto)

Eduardo Loureiro (Presidente da Secção)


____________________________________________________
1. Assim, Diário da Assembleia da República, de 12-9-1996, II série –RC, n.o 20, pág. 523 e Cons.
Maia Costa, in “Julgar”, n.o29, “ Habeas corpus: passado, presente, futuro, pág.238.↩︎

2. Cf. acórdão do STJ de 9/08/2017, in www.dgsi.pt.↩︎

3. Cf. acórdão n.o 423/2003, Po no 571/2003, de 24.09.03, in www.tribunalconstitucional.pt↩︎

4. Cf. acórdãos do STJ de 19-05-2010, CJ (STJ), 2010, T2, pág.196, e de 03-03-2021, proc. n.o
744/17.8PAESP-A.S1, in www.dgsi.pt.↩︎

5. Por lapso manifesto o peticionante refere o Código de Processo Penal.↩︎

6. Cf. Alessandra Silveira, in “Princípios de Direito da União Europeia”, Quid Juris, 2.a ed.,
págs129 a 140↩︎

7. Cf. neste sentido, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa
anotada, Vol. I, Coimbra Ed., 4.a edição, pág. 270.↩︎

8. Cf. https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/NIM/?uri=CELEX:32008F0675 e Lei n.o 144/99


de 31-8, que não foi alvo de alteração em vista da transposição desta Decisão-Quadro.↩︎

9. Neste mesmo sentido, decidiu, face a uma outra Decisão-Quadro, o acórdão do S.T.J. de 18-09-
2013 (proc. n.o 1191/11.0YRLSB.S1), assim sumariado: “IV- A Decisão-Quadro 2009/299/JAI,
que introduziu diversas alterações à Decisão-Quadro 2002/584/JAI, não foi transposta para a
ordem jurídica portuguesa, pelo que não está em vigor no nosso País, face ao disposto no art.34.o,
n.o 2, al. b), do Tratado da EU.”↩︎

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