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FACULDADE DE DIREITO
MARÍLIA
2008
GILBERTO FERREIRA DA ROCHA
MARÍLIA
2008
GILBERTO FERREIRA DA ROCHA
_____________________________________________________
Prof. Dr. RUY DE JESUS MARÇAL CARNEIRO
Orientador
_____________________________________________________
Prof. Dr. LOURIVAL JOSÉ DE OLIVEIRA
_____________________________________________________
Prof (a). Dra. TÂNIA LOBO MUNIZ
A UTILIZAÇÃO DO JUDICIÁRIO PARA QUESTIONAR E OBRIGAR A
ADMINISTRAÇÃO A DESENVOLVER POLÍTICAS PÚBLICAS
RESUMO
Esta dissertação preconiza a utilização do Judiciário para cobrar, por meio de ações judiciais,
a implementação de políticas públicas sociais tendentes à realização dos objetivos
constitucionais do Estado brasileiro, sobretudo o da dignidade da pessoa humana, sem que
isto implique em qualquer ofensa ao princípio da separação dos poderes ou à
discricionariedade administrativa, não servindo, como argumento para afastar o controle
judicial das políticas públicas, a chamada “reserva do possível”. O propósito, então, é de
repensar o papel político do Judiciário num Estado Democrático Social de Direito, onde o
Poder Público, aqui entendido como Executivo e Legislativo, tem fracassado na tarefa de
garantir o gozo e fruição dos “direitos fundamentais sociais” consagrados na Constituição
Federal e que demandam uma prestação positiva do Estado. Defende-se que, por meio de
ações judiciais, seria possível, por exemplo, fazer com que o Administrador Público crie
vagas no ensino de primeiro grau, que construa creche para crianças de zero a seis anos, que
melhore o transporte coletivo, amplie a distribuição de remédios e serviços de saúde aos
carentes, entre outras providências. Nessa ordem de idéias impõe-se uma mudança de
paradigma a fim de que os estudiosos do Direito, sobretudo os magistrados, deixem de lado a
postura meramente positivista calcada na doutrina do Estado Liberal, atrelada à doutrina
constitucional tradicionalista, passando a adotar uma interpretação constitucional, de cunho
mais aberto e principiológico, consentânea com a realidade brasileira, com vistas à produção
da solução constitucionalmente adequada para o problema a ser resolvido, buscando atingir,
dessa forma, por meio da atividade jurisdicional, os fundamentos e objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil, previstos nos Arts. 1º e 3º da Constituição Federal,
especialmente a dignidade da pessoa humana e a erradicação da pobreza, da marginalização, e
a redução das desigualdades sociais e regionais. Nesse desiderato, releva anotar que o tema é
tão importante como complexo, de modo que, buscar-se-á no decorrer do presente trabalho
enfocar os pontos cruciais da questão e chamar a atenção para um dos maiores desafios da
atualidade, qual seja, o de conferir efetividade e aplicabilidade imediata aos “direitos
fundamentais”, de acordo com o § 1º do Art. 5º da Constituição Federal, para a concretização
plena dos direitos sociais prestacionais, por meio de políticas públicas vinculantes não só para
o Legislador e para o Administrador, mas também para o Judiciário, que em última análise é o
guardião da Constituição Federal.
ABSTRACT
This dissertation proclaims the usage of the Judiciary to demand through judiciary actions the
insertion of social public policies tending to the accomplishment of constitutional goals in the
Brazilian government, above all the dignity of a human being, and we must be aware not to
lead it to an offense for the separation of powers principle or even for the discretionary
administration, which may not be an argument to repel the judiciary control of public policies,
called “reservation principle”. Thus, we proposed a discussion on the political role played by
the Judiciary in a Social and Democratic State of Rights, in which the Public Power,
understood here as the Legislative and Executive, have been failing when they have not been
achieving the tasks of assuring a total possession of the “fundamental social rights”,
guaranteed in the Constitution, which demands a positive resignation from the State. People
say that, through judiciary actions, it would be possible, for example, to have the creation of
vacancy in Elementary Schools by the Public Administrator, as well as the construction for
children rating from 0 to 6 years-old; an improvement in collective transportation; to
empower the spread of medicines and medical services for those who doesn´t have financial
conditions, among other propositions. Inside of this order of ideas, a change in the paradigm
is claimed, so the Law experts, especially magistrates, must leave pure positivist ideas behind,
which were based on the Theory of the Liberal State, but linked to the Constitutional
Doctrine, adopting then a constitutional interpretation, much more free and based on
principles, adequate to the Brazilian quotidian, aiming the production of a constitutional
solution which will fit to the problem that has to be solved, thus, trying to reach through the
jurisdictional activity the fundaments and most important objectives in the Brazilian Republic,
which are in the 1st and 3rd Articles of the Constitution, especially the dignity of human beings
and the eradication of poverty, of marginalization and the reduction of social and regional
inequalities. With such a will, it is relevant to see that the subject is very important, as well as
complex; so, we will try throughout the development of this research to focus the crucial
elements of this question and emphasize one of the biggest challenges nowadays, which is to
give effectiveness and immediate applicability to “fundamental rights”, according to 1st § of
the 5th Article in the Constitution, to a fulfillment of the social rights, through linking public
policies not only for the legislator, but also for the administrator and Judiciary, which is the
guardian of the Constitution.
INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 06
1. DIREITOS FUNDAMENTAIS....................................................................................... 12
1.1. Aspectos históricos......................................................................................................... 16
1.2 Direitos Fundamentais na Constituição de 1988............................................................. 25
1.3 Direitos Sociais na Constituição de 1988........................................................................ 38
1.4 A questão da eficácia dos Direitos Fundamentais........................................................... 46
CONCLUSÃO.....................................................................................................................130
REFERÊNCIAS..................................................................................................................134
INTRODUÇÃO
Ocorre que passados quase vinte anos de sua promulgação, apesar de assegurar
formalmente os direitos sociais e individuais, tendo como fundamento a dignidade da pessoa
humana e como objetivo a erradicação da pobreza e da marginalização e redução das
desigualdades sociais, o que se tem observado na prática é que a Constituição da República
pouco tem contribuído para o melhoramento da qualidade de vida da população, sobretudo em
função da própria ineficiência do Estado brasileiro de prover os serviços públicos básicos e
essenciais, como saúde, educação, saneamento básico e assistência social, para a grande
maioria do povo.
geral têm ou não o direito de exigir, judicialmente, a execução concreta de serviços públicos.
Em segundo lugar, trata-se de saber se e como o Judiciário pode provocar a execução de tais
políticas, no bojo de uma ação judicial, visando suprir a incúria dos outros Poderes.
Além disso, outro fator que igualmente contribuiu para a escolha do tema decorre da
verificação do grande interesse despertado não só nos constitucionalistas modernos e
membros da academia, de visão mais arejada, conscientes do papel que desempenham na
sociedade, mas também de políticos, representantes da sociedade civil organizada e dos
operadores do Direito, especialmente da magistratura, carreira da qual este pesquisador tem a
honra de fazer parte, que cada vez mais tem se deparado com tão tormentosa e desafiadora
questão.
E o Judiciário, que não tem como atividade típica gerir e administrar os recursos
públicos, não podendo influir espontaneamente na lei orçamentária de iniciativa do Executivo
e de competência do Legislativo, poderia determinar a implementação de políticas públicas
que demandam gastos de dinheiro público e, portanto, dependeriam da disponibilidade
financeira do Estado? E, caso o Judiciário se mantivesse preso a métodos formais da teoria
jurídica tradicional, indiferente às evoluções e transformações sociais, qual seria a garantia da
população de que seus direitos sociais básicos e fundamentais consagrados na Constituição
Federal seriam colocados à disposição pelo Poder Público?
fenômeno social concreto, sua origem, suas conseqüências e, assim, procurar eventuais
possibilidades de solução diante do ordenamento jurídico existente.
Neste contexto, o objetivo principal deste ensaio é discutir o papel do Judiciário num
Estado do Bem-Estar Social, que tem por objetivos a construção de uma sociedade mais justa,
igual e solidária, assim como a erradicação da pobreza, da marginalização, bem como da
redução das desigualdades sociais e regionais, repensando conceitos e dogmas jurídicos que
no cenário atual, talvez não mais se coadunariam com os anseios de uma sociedade que tem
clamado por justiça social e pela melhoria das condições de vida, perseguindo uma existência
digna voltada para o bem-estar geral.
A par disso, importa registrar que em decorrência de uma série de razões históricas,
políticas, econômicas, sociais e culturais, o Brasil ainda está distante de implementar
efetivamente os princípios fundamentais consagrados na atual Constituição, pondo-se aí,
talvez, o maior dos desafios a ser enfrentado pela presente geração.
Desse modo, conhecer e discutir meios eficazes para garantir a implementação efetiva
dos direitos fundamentais do povo brasileiro, com ênfase na atuação do Judiciário, sob o
prisma de garantidor de direitos, pode constituir tarefa de fundamental importância, sobretudo
porque os princípios constitucionais podem representar, conforme adiante se verá, poderosa
arma para o definitivo sucesso da transformação democrática em curso.
9
Num passo seguinte, ainda no primeiro capítulo, os direitos fundamentais serão objeto
de análise circunstanciada, abordando-se as subdivisões, gerações ou dimensões, principais
características, inovações num contexto comparativo com as Constituições que antecederam a
de 1988, pontuando-se algumas críticas doutrinárias. Após delinear o desdobramento de
direitos fundamentais de defesa e à prestações, proceder-se-á um corte metodológico dando-se
ênfase aos direitos sociais que demandam uma postura positiva por parte Estado. Por conta
disso, o primeiro capítulo também cuidará dos fatores relacionados aos direitos sociais, tais
como sua posição de destaque na atual Constituição, o princípio da igualdade, as leis já
existentes e que disciplinam as políticas públicas sociais.
Por fim, no terceiro e último capítulo será aprofundada a discussão acerca da atuação
do Poder Judiciário, pretendendo-se, com isso, delinear seu papel na sociedade, desde o
surgimento dos direitos sociais e das ações coletivas no cenário internacional, e mais
especificamente no Brasil, a partir da Constituição de 1988, quando passou a ocupar a posição
de intérprete máximo do Texto Constitucional, intentando retratar seu ressurgimento como
“Poder independente” perante a sociedade civil de modo geral.
Por fim, serão introduzidas considerações acerca dos instrumentos jurídicos que
potencialmente podem ser utilizados para eventual concretização de políticas públicas, com
especial destaque para a ação civil pública, que tem sido mais largamente utilizada na
tentativa de assegurar maior efetividade aos princípios do regime democrático, bem como aos
direitos e garantias fundamentais, a fim de que as diretrizes constitucionais não resultem em
mera garantia formal.
Desta feita, como essas questões suscitam debates, se intentará no final desta
dissertação, ter uma visão geral e panorâmica acerca da possibilidade e viabilidade do
exercício do controle judicial das políticas públicas.
12
1. DIREITOS FUNDAMENTAIS
1
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 18ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p.560.
2
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
[...] II – prevalência dos direitos humanos;
3
Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais.
4
§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
5
LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o
exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à
cidadania;
6
§ 4º do Art. 60 Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] IV – os direitos e
garantias individuais.
13
7
CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª ed., Coimbra:
Almedina, 2002, p.393.
8
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ed., Livraria do Advogado, 2007, p 34.
9
Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais.
10
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ed., São Paulo: Malheiros,1992,pp.161 e
163.
11
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p.560.
14
Conforme explica o mesmo autor, Carl Schmitt vinculado a uma concepção do Estado
de Direito liberal, sustenta que os direitos fundamentais propriamente ditos são, na essência,
os direitos do homem livre e isolado, direitos que possui em face do Estado. Numa acepção
estrita são unicamente os direitos da liberdade, da pessoa particular, correspondendo de um
lado ao conceito de Estado burguês de Direito, referente a uma liberdade, em princípio
ilimitada diante de um poder estatal de intervenção, em princípio limitado, mensurável e
controlável.12
12
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p.561.
13
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. 7ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 95.
15
14
CUNHA JÚNIOR, Dirley. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004, p.155-
156.
15
PEREZ LUÑO, Antônio Enrique. Los Derechos Fundamentales. 6ed., 1995, Madrid: Tecnos, p.19.
16
Neste contexto, a classe burguesa que ao longo do tempo, primeiro com o desempenho
da atividade comercial e depois com a industrial, havia alcançado sucesso e prosperidade,
acumulando riqueza e, conseqüentemente, poder econômico, estava alijada de qualquer
possibilidade de participação no Poder estatal, concentrado nas mãos dos nobres, com viés
absolutista e totalitário. Enfim, uma casta de pessoas que, por hereditariedade e em razão de
títulos que ostentavam, se perpetuavam no Poder, geralmente por meio de governos
monárquicos ou oligárquicos, não permitindo qualquer influência, ingerência ou participação
das demais classes sociais nas decisões governamentais, além de usar de meios coativos para
tolher a liberdade das pessoas.
16
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7ed., 2tir., São Paulo: Malheiros, 2004. p. 41.
17
A despeito disso, conforme assinala Perez Luño, o processo de elaboração dos direitos
humanos, tais como reconhecidos nas primeiras declarações do Século XVIII, foi
acompanhado, na esfera do direito positivo, de uma progressiva recepção de direitos,
liberdades e deveres individuais que podem ser considerados os antecedentes dos direitos
fundamentais. É na Inglaterra, da Idade Média, mais especificamente no Século XIII, que
encontra-se o principal documento referido por todos que se dedicam ao estudo da evolução
dos direitos humanos. Trata-se da Magna Charta Libertatum, pacto firmado em 1215 pelo Rei
João Sem-Terra e pelos bispos e barões ingleses. Este documento, inobstante tenha apenas
servido para garantir aos nobres ingleses alguns privilégios feudais, alijando, em princípio, a
população do acesso aos “direitos” consagrados no pacto, serviu como ponto de referência
para alguns direitos e liberdades civis clássicos, tais como o habeas corpus, o devido processo
legal e a garantia da propriedade. Todavia, em que pese possa ser considerado o mais
importante documento da época, a Magna Charta não foi nem o único, nem o primeiro,
destacando-se, já nos Séculos XII e XIII, as cartas de franquia e os forais outorgados pelos
reis portugueses e espanhóis.17
17
PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Los Derechos Fundamentales. 6ed. Madrid, Tecnos, 1995, p .33-34
18
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ed., Livraria do Advogado, 2007, p.50.
18
Sintetizando algumas das diversas teorias existentes naquele período histórico, Luiza
Cristina Fonseca Frischeisen aduz que foi a partir do Século XVI, que passaram a ser
formados os conceitos de nação, de soberania popular (legitimidade), de poder constituinte
originário e derivado, de mandatos representativos, da separação dos poderes, dos direitos e
garantias individuais, nos moldes até hoje aceitos. Formam-se ainda as justificativas teóricas
pelas quais os homens resolveram instituir regras de convívio e, embora detentores da
liberdade individual e da soberania popular, abriram mão de parte dessa liberdade, para
conviver em sociedade. Evidentemente, várias foram as teorias elaboradas, resultando em
modelos de governos monárquicos absolutistas (Jean Bodin, Seis Livros da República – 1576
e Thomas Hobbes, O Leviatã – 1651) e outros que defendiam a monarquia constitucional
(John Loke, Dois Tratados Sobre o Governo Civil – 1680). Já no Século XVIII, as
preocupações dos teóricos voltaram-se para os fundamentos da soberania popular com
Rousseau (O Contrato Social – 1762) e, como conseqüência, surge a idéia de Poder
Constituinte como fundamento de legitimidade da Constituição (Sieyès, A Constituição
Burguesa, O que é Terceiro Estado? - 1789).19
Todavia, o certo é que tanto uma como outra tinham como característica comum a
inspiração jusnaturalista, reconhecendo ao ser humano direitos naturais inalienáveis,
invioláveis e imprescritíveis, direitos de todos os homens e não apenas de uma casta ou elite,
havendo, segundo a doutrina, uma inequívoca relação de reciprocidade no que se refere à
influência exercida por uma declaração de direitos sobre a outra, se mostrando desnecessária
para os fins deste estudo uma análise da intensidade desta influência mútua, assim como um
maior aprofundamento nesta discussão, invocando-se , aqui, a lição de Norberto Bobbio:
19
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas Públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000, pp. 21 e 22.
19
Nota-se, assim, que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são
históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de
novas liberdades contra velhos poderes, surgindo de modo gradual e progressivo.
20
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 5tir., Trad.Carlos Nelson Coutinho.Rio de Janeiro: Campus, 2002,
p.105.
21
BOBBIO. op. cit., p 38.
20
22
WOLKMER, Antônio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. 4ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.
121.
23
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 9ed., São Paulo: Saraiva, 2007,
p.43.
22
O último autor citado assinala ainda, na seqüência, que entre a Constituição mexicana
e a de Weimar eclode a revolução russa, um acontecimento decisivo na evolução da
humanidade no Século XX. O Congresso pan-russo dos Societes, de deputados operários,
soldados e camponeses, reunido em Moscou, adotou em janeiro de 1918, portanto, antes do
término da 1ª Guerra Mundial, a Declaração do Povo Trabalhador e Explorado. Nesse
documento são afirmadas e levadas às últimas conseqüências, agora com apoio da doutrina
24
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 5ed., São Paulo: Saraiva,2007,
p.178.
23
25
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 376.
24
26
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 5tir.,Trad.Carlos Nelson Coutinho.Rio de Janeiro: Campus, 2002,
p.43.
27
§ 1º do Art.5º: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
25
José Afonso da Silva alerta para que sejam evitados os equívocos de uma leitura
apressada do Texto Constitucional. É que muitas vezes o constituinte, ao dispor sobre direitos,
valeu-se da forma redacional própria para enunciar garantias, como por exemplo, no inciso
XXII do Art. 5º, em que se lê: “É garantido o direito de propriedade”. Desta feita, para a
diferenciação entre direitos e garantias, durante a interpretação do texto da Constituição,
deve-se focar no conteúdo jurídico da norma, se declaratório ou assecuratório, e não na forma
redacional utilizada.29
28
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional. 7ed., Atlas, 2007,
p.103.
29
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ed., São Paulo:Malheiros, 1992, p.170.
26
sociais, dentre outros. São direitos inerentes à condição humana, instituídos com a finalidade
precípua de proteger a dignidade da pessoa humana, em todas suas gerações ou dimensões.
Calha aqui enfatizar que “gerações” dos direitos demonstram a ordem cronológica do
reconhecimento e positivação dos direitos fundamentais, que foram proclamados
gradativamente na proporção das carências do ser humano surgidas em razão da alteração das
condições sociais. Portanto, é importante sempre ter em mente que o reconhecimento dos
direitos fundamentais, no evoluir histórico, se deu de forma gradual e progressiva, com
caráter complementar ou cumulativo.
Para Willis Santiago Guerra Filho, a primeira geração é aquela em que aparecem as
chamadas liberdades políticas, “direitos de liberdade”, que são direitos e garantias dos
indivíduos a que o Estado omita-se de interferir em uma sua esfera juridicamente intangível.
Com a segunda geração surgem os direitos sociais a prestações pelo Estado para suprir
carências da coletividade. Já na terceira geração concebe-se direitos cujo sujeito não é mais o
indivíduo nem a coletividade, mas sim o próprio gênero humano, como é o caso do direito à
higidez do meio ambiente e do direito dos povos em desenvolvimento.31
30
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 9ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p.6.
31
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 5ed., RCS, 2007, p. 43.
27
Conforme aponta Dirley da Cunha Junior, as gerações dos direitos revelam a ordem
cronológica do reconhecimento e afirmação dos direitos fundamentais, que se proclamam
gradualmente na proporção das carências do ser humano, nascidas em função da mudança das
condições sociais. A dizer, o desenvolvimento da técnica, a transformação das condições
econômicas e sociais, a ampliação dos conhecimentos e a intensificação dos meios de
comunicação poderão causar substanciais alterações na organização da vida humana e das
relações sociais a propiciar o surgimento de novas carências, suscitando novas reivindicações
de liberdade e de poder.33
No que se refere à terminologia, cumpre aqui anotar, que fundadas críticas vêm sendo
endereçadas contra o termo “gerações” ao argumento de que ele é equívoco por deixar
transparecer a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, ou seja,
que os direitos fundamentais se substituem ao longo do tempo, de modo que há quem prefira
o termo “dimensões” dos direitos fundamentais que melhor retrataria o caráter de um processo
cumulativo e de complementariedade daqueles direitos, embora, vale enfatizar, não haja
dissenso no tocante ao conteúdo das respectivas “dimensões” e “gerações” de direitos.
A este propósito, calha à fiveleta, a lição de Willis Santiago Guerra Filho, afiançando
que ao invés de “gerações” é melhor se falar em “dimensões de direitos fundamentais”, não
apenas pelo preciosismo de que gerações anteriores não desaparecem com o surgimento das
mais novas. Mais importante é que os direitos “gestados” em uma geração, quando aparecem
em uma ordem jurídica que já trás direitos de geração sucessiva, assumem uma outra
dimensão, pois os direitos de geração mais recente tornam-se um pressuposto para entendê-los
de forma mais adequada e, conseqüentemente, também para melhor realizá-los. Assim, por
exemplo, o direito individual de propriedade, num contexto em que se reconhece a segunda
dimensão dos direitos fundamentais, só pode ser exercido observando-se sua função social, e
com o aparecimento da terceira dimensão, observando-se igualmente sua função ambiental.34
32
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 571 e ss.
33
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004,
p.198.
34
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 5ed., RCS, 2007, p. 43.
28
Destarte, refletindo sobre tal linha de argumentação, extrai-se que além do caráter
cumulativo e complementar, a teoria dimensional também afirma a unidade e indivisibilidade
dos direitos fundamentais. Em razão disso é que esta dissertação opta por perfilhar, na esteira
da mais moderna doutrina, pela expressão “dimensões” dos direitos fundamentais para
designar não só as diversas fases de evolução desses direitos, como também para identificar
os meios com base nos quais se deve compreendê-los e conciliá-los nas hipóteses de conflitos,
como pode acontecer, entre o direito de propriedade (primeira dimensão) e o direito ambiental
(de terceira dimensão).
De acordo com o magistério de Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes
Junior, a universalidade implica dizer que os direitos fundamentais não estão circunscritos a
uma determinada categoria ou classe de pessoas. Contudo, não são absolutos, mas sim
limitáveis (princípio da limitabilidade), já que às vezes podem chocar-se entre si. Ocorre que,
antevendo essas colisões, como no caso da propriedade privada e da desapropriação, o
35
constituinte se antecipou e equacionou o problema ao fixar a prévia e justa indenização.
Quando não equacionados pelo constituinte, o Estado-juiz poderá ser chamado para analisar o
caso concreto, decidindo com base na razoabilidade e na ponderação, como ocorre, por
35
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 6ed., São
Paulo: Saraiva, 2002, p. 82 e 83.
29
36
Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Arts. 5º a 17.
37
Capítulo II (dos direitos sociais – Arts. 6º a 11), do Título II (dos direitos e garantias fundamentais).
38
§ 2º, do Art. 5º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime
e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte.
39
§ 4º do Art. 60 Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] IV- os direitos e
garantias individuais.
40
§1º do Art. 5º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
30
Neste cenário, cumpre destacar que houve uma forte reação do constituinte, assim
como das forças sociais e políticas, contra as restrições até então vigentes no tocante às
liberdades públicas, restando evidenciada a preocupação em deixar consignados os direitos
fundamentais, até que de certa forma redundante e desnecessária, como ocorreu com o
princípio da igualdade (“caput”41 e inciso I42, do Art. 5º). Não bastava para o constituinte a
garantia genérica de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza
(“caput”), pois julgava necessário delinear especificamente que homens e mulheres são iguais
em direitos e obrigações, para não se deixar pairar a melhor dúvida dessa igualdade (inciso I),
tamanha era a preocupação e o cuidado de não oportunizar mais nenhum retrocesso da Nação
no tocante aos direitos fundamentais.
A propósito, não por outra razão, que os direitos fundamentais foram incluídos no rol
das chamadas cláusulas pétreas da Constituição (Art. 60, §4º)43, não sendo passíveis de
reforma, quer para a subtração, quer para a redução. Patente, pois, a impossibilidade de
retrocesso no que tange aos direitos fundamentais, tão caros à sociedade brasileira e que
foram readquiridos com a redemocratização do País, após mais de duas décadas de ditadura
militar.
41
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos
ternos seguintes:
42
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
43
§ 4º do Art. 60 Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] IV- os direitos e
garantias individuais.
44
Art. 1º O art. 6º (sic) da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 6º São direitos
sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
31
chamada reforma do Judiciário, que acrescentou o inciso LXXVIII45 ao Art. 5º, assegurando a
todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação, assim como a inclusão de um § 3º46 no Art. 5º
prevendo a possibilidade de aprovação, com status de emenda constitucional, de tratados em
matéria de direitos humanos.
45
LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os
meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
46
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos, dos respectivos membros, serão equivalentes às
emendas constitucionais.
47
Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais.
48
§1º do Art. 5º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
32
Neste extenso rol, que consagra direitos individuais, coletivos, sociais, dos
trabalhadores, de cidadania, representatividade direta e partidos políticos, são contempladas as
várias dimensões dos direitos fundamentais, já assinaladas em linhas anteriores, revelando,
desse modo, estar em perfeita sintonia não só com a Declaração Universal dos Direitos do
Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, mas também com a Constituição francesa de
1848 e com os principais pactos internacionais.
Apesar desses significativos avanços, Ingo Wolfgang Sarlet adverte que a falta de
rigor científico e de uma técnica legislativa adequada, sobretudo no tocante à terminologia
empregada, pode ser apontada como uma das principais fraquezas do catálogo dos direitos
fundamentais e da atual Constituição, revelando contradições, ausência de tratamento lógico
na matéria, ensejando problemas de ordem hermenêutica.49 É o caso, por exemplo, do Art. 6º
50
que enuncia genericamente os direitos sociais básicos, sem qualquer explicitação sobre o seu
conteúdo, que deverá ser buscado nos Títulos da Ordem Econômica e Financeira51 e da
Ordem Social52, suscitando dúvida sobre quais dispositivos situados fora do Título II53 que
efetivamente integram os direitos fundamentais sociais. Outra crítica refere-se à inserção de
dispositivos de duvidosa fundamentalidade que, por certo, não precisariam constar do rol dos
direitos fundamentais como, por exemplo, os incisos XLII54 e XLIII55 do Art. 5º, os quais são
normas de natureza penal e poderiam ser submetidos ao legislador infraconstitucional.
O referido autor ressalta ainda que a despeito da existência de alguns pontos passíveis
de crítica e ajustes, pode-se afirmar, sem medo de errar, que os direitos fundamentais estão
vivenciando o seu melhor momento na história do constitucionalismo pátrio, ao menos no que
diz respeito com seu reconhecimento pela ordem jurídica positiva interna e pelo
49
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ed., Livraria do Advogado, 2007. p. 81.
50
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
51
Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira (Arts. 170 a 192).
52
Título VIII – Da Ordem Social (Arts. 193 a 232).
53
Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais (Arts. 5º a 17). Capítulo II - Dos Direitos Sociais (Arts. 6º a
11)
54
XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos
termos da lei;
55
XLIII - A lei considerará crimes inafiançáveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os
mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
33
Com efeito, conforme assinalam Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes
60
Júnior os direitos fundamentais não só são aqueles enumerados pelo Título II61 da
Constituição, mas todos os que contenham as características já assinaladas anteriormente,
integrando ou não, à parte reservada aos direitos fundamentais no Texto Constitucional.
Exemplo típico e recorrente é o do direito à saúde. Cuida-se de direito fundamental
reconhecido expressamente pelo Art. 6º,62 do Título II, da Constituição Federal e melhor
63 64
explicitado pelos Arts. 196 e 197 que, em decorrência de uma interpretação sistemática,
conduz a conclusão de que estes dois últimos dispositivos também gozam do status do
primeiro, inclusive sendo incluídos no rol das cláusulas pétreas. O mesmo ocorre com o
princípio da anterioridade tributária (Art.150, III, b)65, na parte relativa às limitações do poder
56
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ed., Livraria do Advogado, 2007,p. 82
57
§ 2º, do Art. 5º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime
e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte.
58
Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira (Arts. 170 a 192).
59
Título VIII – Da Ordem Social (Arts. 193 a 232).
60
Araújo, Luiz Alberto David; Nunes Júnior, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed., São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 85 e 86.
61
Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais (Arts. 5º a 17).
62
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
63
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas públicas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
64
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos
da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através
de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
65
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, aos
Distrito Federal e aos Municípios: [...] III – cobrar tributos: [...] b) no mesmo exercício financeiro em que haja
sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.
34
Não pode deixar de ser dito que um certo grau de coerência interna é algo inerente à
noção de sistema, de modo que é possível falar em unidade do sistema dos direitos
fundamentais. Todavia, consiste numa unidade relativa, fruto da convivência marcada pela
necessidade de harmonizações de posições jurídicas muitas vezes conflitantes entre si, uma
vez que correspondentes a valores fundamentais distintos, ligados a situações historicamente
localizadas, as quais inobstante sejam resultado de uma luta histórica pela afirmação do
princípio da dignidade da pessoa humana, que constituiu o núcleo essencial de todas as
reivindicações e do qual constituem explicitações de maior ou menor grau, não podem, neste
contexto, conforme adverte José Carlos Vieira de Andrade, ser deduzidas diretamente de um
valor único (unicitário) – que assim se dividiria em frações de soma igual à unidade.67
Nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet, verifica-se que, além de no mínimo uma
relativa unidade de conteúdo (ou, se quiser, do reconhecimento de certos elementos comuns),
o princípio da aplicação imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais,
bem como sua proteção reforçada contra a ação erosiva do legislador, podem ser considerados
elementos identificadores da existência de um sistema de direitos fundamentais também no
direito constitucional pátrio, caracterizado por sua abertura e autonomia relativa no âmbito do
próprio sistema constitucional que integra.68
66
Art. 5º, inciso XXII – é garantido o direito de propriedade.
67
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra:
Almedina, 1998, pp.108-109
68
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ed. Livraria do Advogado, 2007. p. 87.
35
possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na
Constituição formal.69
Com base numa tipologia dos direitos fundamentais que também leva em conta o seu
objeto, Manoel Gonçalves Ferreira Filho diferencia quatro espécies de direitos: 1-)
liberdades, que são poderes de fazer; seu objeto, portanto, são ações (fazeres) ou omissões
(não-fazeres). Por exemplo, a liberdade de ir e vir, ou o direito de greve; 2-) direitos de
crédito, que são poderes de reclamar alguma coisa; seu objeto são contraprestações positivas
– em geral prestações de serviços. Por exemplo, o direito ao trabalho, a educação, a saúde;
3-) direitos de situação que são poderes de exigir um status. Seu objeto é a situação a ser
preservada ou restabelecida como, por exemplo, o direito ao meio ambiente sadio e, de modo
geral, os direitos de terceira geração; 4-) direitos-garantia, que se subdividem em direitos
garantia-limite (são os direitos a um não fazer, como de não sofrer censura) e direitos a
garantias-instrumentais (são direitos de ação e seu objeto é uma prestação judicial, como o
direito ao mandado de segurança e habeas corpus). O autor formula, ainda, outra
classificação, agora levando em conta o titular dos direitos fundamentais em quatro espécies:
69
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ed. Livraria do Advogado, 2007, p.91.
70
SILVA, José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ed., Malheiros, 1992, p.167-168.
36
1) os direitos individuais; 2-) os direitos de grupos; 3-) os direitos coletivos; 4-) os direitos
difusos.71
Por sua vez, Dirley da Cunha Júnior adere à proposta classificatória elaborada por
Ingo Wolfgang Sarlet que, tendo por critério as diversas funções exercidas pelos direitos
fundamentais, teria chegado a uma classificação constitucionalmente adequada e que se ajusta
ao direito constitucional pátrio.72
Segundo Ingo Wolfgang Sarlet, que segue orientação de Robert Alexy, os direitos
fundamentais classificam-se em dois grandes grupos: 1) os direitos fundamentais como direito
de defesa (que se dirigem a uma obrigação de abstenção por parte dos poderes públicos –
limitação de intervenção estatal – Art. 5º, Art. 7º XIII, VIV, XXIX, XXX, XXXIII e XXXIV,
Art. 8º e Art. 9º) e, 2) os direitos fundamentais como direitos a prestações (que implicam
numa postura ativa do Estado, no sentido de que se encontra obrigado a colocar à disposição
dos indivíduos prestações de natureza jurídica e material) que, por sua vez, se subdivide em:
2.1) direitos a prestações em sentido amplo (compreendendo os direitos à proteção e os
direitos à participação na organização e procedimento) e 2.2) direitos a prestações em sentido
estrito (direitos a prestações materiais sociais ou simplesmente direitos sociais).73
Delineadas estas três posições, anote-se que para efeito deste trabalho, se mostra mais
adequada a adoção da terceira, ou seja, a de Ingo Wolfgang Sarlet, pois é aquela que mais se
afina com o objeto desta dissertação que ora investiga a possibilidade de questionamento das
políticas públicas de cunho social frente ao Judiciário, em caso de ação ou omissão do Poder
Público, abordando mais especificamente os direitos a prestações materiais sociais em sentido
estrito, mencionados no item 2.2 do parágrafo anterior.
71
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 9ed., São Paulo: Saraiva, 2007,
p.103.
72
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004,
p.249.
73
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ed., Livraria do Advogado. 2007. p.196.
37
Cabe relembrar uma vez mais que os direitos fundamentais a prestações enquadram-se
no âmbito dos direitos de segunda dimensão, decorrente do princípio da igualdade,
correspondendo à evolução do Estado de Direito liberal burguês para o Estado Democrático e
Social de Direito, tendo sido incorporado à maior parte das Constituições do segundo pós-
guerra.
74
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. 6reimp., São Paulo: Companhia das Letras, 2006,
p.130.
75
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ed., Livraria do Advogado. 2007. pp.217-
218.
38
Assim se afirma porque no Brasil foi a partir da Constituição de 1934 que se passou a
inscrever um Título sobre a Ordem Econômica e Social, sob a influência da Constituição
mexicana de 1917 e da Constituição alemã de Weimar de 1919, o que continuou com as
Constituições posteriores.
Conforme ensina José Afonso da Silva, os direitos sociais nessas Constituições, saíam
do Capítulo da Ordem Social que sempre estivera misturada com a Ordem Econômica.76 A
atual Constituição traz um Capítulo próprio Dos Direitos Sociais (Cap.II do Tít. II)77 e, bem
distanciado deste, um Título especial sobre a Ordem Social (Tít. VIII)78, mas não ocorre uma
separação radical, como se os direitos sociais não fossem algo ínsito na ordem social.
76
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ed., São Paulo: Malheiros, 1992, p. 257.
77
Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais: Capítulo II – Dos Direitos Sociais (Arts. 6º a 11).
78
Título VIII – Da Ordem Social (Arts. 193 a 232).
79
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
80
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social: Incisos I a XXXIV e parágrafo único.
39
84
O Art. 7º da Constituição declina direitos sociais especificamente em favor dos
trabalhadores, dentre outros: seguro-desemprego, o fundo de garantia por tempo de serviço, o
salário mínimo, piso salarial, o décimo terceiro salário, a participação nos lucros, a jornada
semanal de quarenta e quatro horas de trabalho, repouso semanal remunerado, a licença
gestante com duração de cento e vinte dias, a licença-paternidade, o reconhecimento das
convenções e acordos coletivos de trabalho.
Nos Arts. 8º a 1185, são preconizados os direitos coletivos dos trabalhadores, que são a
liberdade associação profissional ou sindical, o direito de greve, direito de substituição
processual, direito de participação laboral e direito de representação na empresa.
81
Arts. 8º a 11.
82
Art. 1º O art. 6º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 6º São direitos sociais a
educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
83
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 9ed., São Paulo: Saraiva, 2007,
p.105.
84
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social: Incisos I a XXXIV e Parágrafo único.
85
Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: Incisos I a VIII e Parágrafo único.
Art.9º è assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e
sobre os interesses que devem por meio dele defender.
Art.10. É assegurada a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em
que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação.
Art. 11. Nas empresas de mais de duzentos empregados, é assegurada a eleição de um representante destes com a
finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direito com os empregadores.
40
No mesmo sentido, a lição de Andreas Joachim Krell, para quem ‘os direitos
fundamentais não são direitos contra o Estado, mas sim direitos através do Estado, exigindo
do Poder Público certas prestações materiais. São os direitos fundamentais do homem-social
dentro de um modelo de Estado que tende cada vez mais a ser social, dando prevalência aos
interesses coletivos antes que aos individuais’.88
86
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 374.
87
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004, p.
206.
88
KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Fabris Editor, 2002,
p. 19.
89
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Trad: Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Fabris Editor, 1993,
p.41.
41
Neste diapasão, tem-se que os direitos sociais, como direitos fundamentais de segunda
geração, são aqueles que reclamam do Estado um papel prestacional, de minoração das
desigualdades sociais. Em outras palavras, são direitos que dependem, para sua eficácia, de
uma ação concreta do Estado, mediante leis, atos administrativos e criação real de instalações
de serviços públicos, por meio das chamadas “políticas públicas sociais” (de educação, saúde,
assistência, previdência, trabalho, habitação) que facultem o gozo efetivo dos direitos
constitucionalmente assegurados.
De acordo com o que sustenta Ingo Wolfgang Sarlet, na esfera dos direitos
fundamentais à prestação, que tem por objeto uma conduta positiva por parte do destinatário,
consistente, em regra, numa prestação de natureza fática ou normativa, há a necessidade de
‘cimentar juridicamente’ o estatuto jurídico-constitucional dos direitos sociais, econômicos e
culturais.91
90
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ed., São Paulo: Malheiros, 1992, p. 258.
91
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ed., Livraria do Advogado, 2007, p.296.
42
Nesta senda, Andreas Joachim Krell observa que a Constituição confere ao Legislador
uma margem substancial de autonomia na definição da forma e medida em que o direito
social deve ser assegurado, o chamado “livre espaço de conformação”. Essa função
legislativa seria degradada se entendida como mera função executiva da Constituição. Num
sistema político pluralista, as normas constitucionais sobre direitos sociais devem ser abertas
para receber diversas concretizações consoante às alternativas periodicamente escolhidas pelo
eleitorado.93
Não se pode deixar de assinalar, no entanto, conforme adverte Ingo Wolfgang Sarlet,
que boa parte dos direitos fundamentais sociais consagrados na atual Constituição já foram
objeto de concretização pelo Legislador (não importando, por ora, se de forma satisfatória ou
não), não havendo dúvidas de que o particular é – nos termos da legislação concretizadora –
titular de direito subjetivo à prestação contemplado na Constituição.94
92
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ed., Livraria do Advogado, 2007, pp. 296 e
306.
93
KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Fabris Editor, 2002,
p.22.
94
SARLET. Op. cit., p.319.
43
2-) Educação: Arts. 205 a 214 da Constituição e Leis nº 9.394/96 (Diretrizes e Base),
alterada pela Lei nº 10.793/03; nº 9.424/96 (Fundo de valorização ao magistério – FUNDEF)
e, nº 10.172/01 (Plano Nacional de Educação).
3-) Cultura: Arts. 215 e 216 da Constituição e Lei nº 8.313/91 – dispõe sobre
incentivos fiscais à cultura – PRONAC.
4) Desporto: Art. 217 da Constituição – Lei nº 9.615/98.
5-) Ciência e Tecnologia: Arts. 218 e 219 da Constituição – Lei nº 9.257/96 (Conselho
Nacional de Ciência e Tecnologia.
6-) Comunicação social: Arts. 220 a 224 da Constituição – Leis nº 9.472/97 e nº
9.612/98.
7-) Meio ambiente: Art. 225 da Constituição – Lei nº 9.605/98 (Proteção ao meio
ambiente).
8-) Família, criança e adolescente e ao idoso – Arts. 226 a 230 da Constituição - Lei
nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente); Lei nº 8.842/94 (Política Nacional do
Idoso) e Lei nº 10.173/01 (concede prioridade de tramitação aos procedimentos judiciais em
que figura como parte pessoa com idade igual ou superior a sessenta e cinco anos; e, Lei nº
10.741/03 (Estatuto do Idoso).
9-) Índios – Arts. 231 e 232 da Constituição e Lei nº 6.001/73 (Estatuto do Índio).
Mister destacar, também, que fora do Título da Ordem Social95, mas ainda no corpo da
Constituição, existem direitos sociais inseridos no Título da Ordem Econômica e Financeira,96
dispositivos relativos às políticas urbanas,97 fundiária e da reforma agrária98 e aos direitos do
consumidor99 e nas Disposições Constitucionais Gerais Transitórias, o Art. 68100 que trata dos
direitos das comunidades remanescentes dos quilombos e Art. 244101, que dispõe sobre o
direito de acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência.
95
Título VIII – Da Ordem Social – Arts. 193 a 232.
96
Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira – Arts. 170 a 192.
97
Capítulo II – Da Política Urbana – Arts. 182 e 183.
98
Capítulo III – Da Política Agrícola e fundiária e da reforma agrária – Arts. 184 a 191.
99
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[...] V – defesa do consumidor.
§ 4º do Art. 173. A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise a dominação dos mercados, à eliminação
da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
100
Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida
a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhe os títulos respectivos.
101
Art. 244. A lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de
transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência,
conforme o disposto no art. 227, § 2º.
44
102
Note-se que, embora o Art. 6º da Constituição Federal não se refira aos direitos
sobre o meio ambiente103 ou dos consumidores, certo é que esses também são direitos sociais.
Aliás, não raras vezes, o Estado deixa de implementar políticas públicas de cunho
social escudando-se no argumento de que não dispõe de meios financeiras para tanto, já que
possui outras prioridades baseadas em seu plano de governo, de visão partidarista, em
detrimento da política de Estado consagrada na Constituição Federal. Neste cenário é que o
cidadão, aqui entendido não apenas como titular de direitos políticos, mas como todo e
qualquer pessoa titular de direitos e credora de prestações estatais, integrante da vida social,
política e econômica do Estado, busca a via judicial, para obter o acesso as prestações em
razão de uma exclusão arbitrária do benefício perseguido.
Nessa perspectiva, Andreas Joachim Krell aduz que, em princípio, o Poder Judiciário
não deve intervir na esfera reservada a outro Poder para substituí-lo em juízos de
conveniência e oportunidade, querendo controlar as opções legislativas de organização e
prestação, a não ser, excepcionalmente, quando haja uma violação evidente e arbitrária, pelo
Legislador, da incumbência constitucional, mas na seqüência sentencia:
§ 2º do Art. 227. A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de
fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de
deficiência.
102
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
103
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[...] VI – defesa do meio ambiente.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo para as
presentes e futuras gerações.
45
Nesta mesma linha de raciocínio existe uma dupla série de questões jurídicas a serem
enfrentadas: Em primeiro lugar, trata-se de saber se os cidadãos em geral têm ou não o direito
de exigir, judicialmente, a execução concreta de serviços públicos. Em segundo lugar, trata-se
de saber se e como o Judiciário pode provocar a execução de tais políticas. Tais questões
serão analisadas no decorrer desta dissertação.
104
KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Fabris Editor, 2002,
p.22.
105
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
46
Assim, num passo seguinte, indaga-se: em que medida os direitos sociais a prestações
se encontram em condições de, por força do disposto no Art. 5º § 1º,106 da Constituição
Federal, serem diretamente aplicáveis e gerarem sua plena eficácia jurídica? Na busca de tal
resposta é que se passa a abordagem do tema referente à eficácia dos direitos fundamentais
sociais.
106
§ 1º, do Art. 5º: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
107
PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas. 2ed., São Paulo: RT, 2003, p.60.
47
Feita esta breve digressão acerca dos conceitos e conteúdos de validade, eficácia e
aplicabilidade, impende, na seqüência, analisar o problema da eficácia das normas
constitucionais ditas programáticas.
O campo dos direitos do homem – ou, mais precisamente, das normas que
declaram, reconhecem, definem, atribuem direitos ao homem – aparece,
certamente como aquele onde é maior a defasagem entre a posição da
norma e sua efetiva aplicação. Essa defasagem é ainda mais intensa
precisamente no campo dos direitos sociais. Tanto é assim que, na
Constituição italiana, as normas que se referem a direitos sociais foram
chamadas pudicamente de “programáticas”. Será que já nos perguntamos
alguma vez que gênero de normas são essas que não ordenam, proíbem ou
permitem hic et nunc, mas ordenam, proíbem e permitem num futuro
indefinido e sem um prazo de carência claramente delimitado? E,
sobretudo, já nos perguntamos alguma vez que gênero de direitos são esses
que tais normas definem? Um direito cujo reconhecimento e cuja efetiva
proteção são adiados sine die, além de confiados à vontade de sujeitos cuja
obrigação de executar o “programa” é apenas uma obrigação moral ou, no
110
máximo política, pode ainda ser chamado corretamente de direito?
108
SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 9ed., São Paulo: Malheiros, 1998, pp. 16 e
65.
109
KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Fabris Editor. 2002,
p.39.
110
BOBBIO. Norberto. A era dos direitos. trad: Carlos Nelson Coutinho. 9ed., 5tir., Campus, 2004, p. 92.
48
Eros Roberto Grau revela existir um caráter reacionário nas normas programáticas,
pois,
Nelas se erige não apenas um obstáculo à funcionalidade do Direito, mas,
sobretudo, ao poder de reivindicação das forças sociais. O que teria a
sociedade civil a reivindicar já está contemplado na Constituição. Não se
dando conta, no entanto, da inocuidade da contemplação desses ‘direitos
sem garantias’, a sociedade civil acomoda-se, alentada e entorpecida pela
perspectiva de que esses mesmos direitos um dia venham a ser realizados.111
Contudo, em outra passagem, Eros Roberto Grau reconhece ser a Constituição, toda
ela, norma jurídica e, como tal, todos os direitos nela contemplados têm aplicação direta,
vinculando tanto o Judiciário quanto o Executivo como o Legislativo. Nestas condições, as
normas programáticas, sobretudo as atributivas de direitos sociais e econômicos, devem ser
entendidas como diretamente aplicáveis e imediatamente vinculantes do Legislativo, do
Executivo e do Judiciário.112
111
GRAU, Eros Roberto. A Constituição brasileira e as normas programáticas. Revista de Direito
Constitucional e Ciência Política – n.4. Rio de Janeiro: Forense, 1985. p. 42.
112
GRAU. Op. cit., p. 43.
113
PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas. 2ed., São Paulo: RT, 2003, p. 73.
49
cabendo a ele a opção acerca da ponderação do tempo e dos meios para se alcançar à eficácia
daquelas normas. Também nesta concepção tradicionalista, há que se garantir a
discricionariedade do Administrador Público no tocante à implementação e execução de
políticas públicas de cunho social, com fulcro nos juízos de conveniência e oportunidade, no
plano de governo e na Democracia representativa.
Ingo Wolfgang Sarlet, por sua vez, advoga que todas as normas consagradoras de
direitos fundamentais são dotadas de eficácia e, em certa medida, diretamente aplicáveis já ao
nível da Constituição e independentemente de intermediação legislativa, assinalando que as
114
KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha, Fabris Editor, 2002,
p.23.
115
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 9ed, São Paulo: Saraiva, 2007,
p.102.
50
Conforme se extrai da argumentação supra, Ingo Wolfgang Sarlet, assim como José
Afonso da Silva118 e Celso Ribeiro Barros119, procuram uma solução intermediária que, a um
só tempo, não neutralize o princípio em apreço nem o superestime, haja vista que, muito
embora se aplique a todas as normas de direito fundamental (direitos de defesa e direitos de
prestação), há casos em que não se tem como dispensar uma concretização por parte do
Legislador (alguns direitos sociais).
De outra parte, Eros Roberto Grau,120 Flávia Piovezan121 e Luis Roberto Barroso, para
citar apenas alguns dos que enfrentaram o tema, de maneira aguda, defendem a imediata
aplicabilidade dos direitos fundamentais, independentemente de intermediação legislativa.
Este último autor salienta que, ainda que se afirme ser de pouca lógica o princípio em
causa, que prevê que as normas constitucionais são aplicáveis, o que é óbvio, haja vista que a
Constituição existe para ser aplicada, “parece bem a sua inclusão no Texto, diante de uma
prática que reiteradamente nega tal evidência. Por certo, a competência para aplicá-las, se
descumpridas por seus destinatários, há de ser do Poder Judiciário.122 E mais: a ausência de
116
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ed., Livraria do Advogado, 2007, pp.311-
312.
117
SARLET. Op. cit., p. 310.
118
SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3ed., São Paulo: Malheiros, 1998, p.165.
119
BASTOS, Celso Ribeiro.Comentários à Constituição do Brasil. vol. II. São Paulo: Saraiva, 1989, p.393.
120
GRAU, Eros Roberto. A Constituição brasileira e as normas programáticas. Revista de Direito
Constitucional e Ciência Política – n.4, Rio de Janeiro: Forense, 1985. p. 43.
121
PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial contra omissões legislativas. 2ed., São Paulo: RT, 2003, p. 73.
122
BARROSO, Luis Roberto Barroso. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e
possibilidades da Constituição brasileira. 2ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1993, p.141/143.
51
Mais adiante o referido autor assevera que o sistema jurídico brasileiro autoriza a
qualquer órgão do Poder Judiciário remover lacunas indesejadas, colmatando-as e
suprimindo-as com base na analogia, nos costumes, nos princípios gerais de direito, e por
meio de uma interpretação criativa e concretizante, inexistindo, nesse caso, qualquer afronta
ao tão reverenciado princípio da separação dos Poderes.126
123
Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios
gerais do direito.
124
§ 1º, do Art. 5º: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
125
CUNHA JÚNIOR. Dirley da. Controle judicial das omissões do Poder Público. São Paulo: Saraiva, 2004,
p.268.
126
CUNHA JÚNIOR. Op. cit., p. 270.
52
imediata. Apenas exigem um esforço maior de complementação por parte dos órgãos do
Judiciário, no exercício de sua atividade de garantia e efetivação dos direitos fundamentais.
Entendimento diverso conduziria à frustração do que se proclamou enfaticamente no Texto
Constitucional e, em linguagem popular, “seria tirar com uma das mãos o que se foi dado pela
outra”.
Nesse contexto, vale aqui relembrar a afirmação de Norberto Bobbio, para quem ‘o
problema fundamental em relação aos direitos humanos, hoje, não é o de fundamentá-los, mas
127
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Trad: Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Fabris Editor, 1993,
p.42.
128
§ 1º, do Art. 5º: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
129
XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
130
CUNHA JÚNIOR. Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004,
p.271.
53
o de protegê-los’.131 Esta reflexão está diretamente ligada à efetividade dos direitos sociais,
sendo que em qualquer abordagem do tema há que se incluir necessariamente o
comportamento dos estudiosos do Direito que protagonizam a sua implementação, isto é,
todas as pessoas, autoridades ou organismos públicos, grupos de pressão, operadores sociais,
etc., que de uma forma ou de outra estão envolvidas diretamente com os anseios e angustias
da sociedade civil.
A despeito disso, repisou-se que tais direitos sociais dependem, para sua eficácia, de
uma ação concreta do Estado, mediante leis, atos administrativos e criação real de instalações
de serviços públicos, por meio das chamadas “políticas públicas sociais” (de educação, saúde,
assistência, previdência, trabalho, habitação) que facultam o gozo efetivo dos direitos
constitucionalmente assegurados. Tais ações estatais, conforme aduzido, devem ser orientadas
131
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad: Carlos Nelson Coutinho. 5tir., Rio de Janeiro: Campus, 2004,
p.43.
132
§ 1º, do Art. 5º: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
54
Em conclusão, não se pode fazer das leis promessas vazias. De nada adianta assegurar
direitos se não há, depois, como fazê-los serem respeitados. Em razão disso é que enfatiza-se
que neste trabalho a adoção da posição daqueles que pugnam pela aplicação imediata dos
direitos fundamentais, aí incluídos evidentemente os direitos sociais de cunho prestacional.
55
Aliás, conforme anota Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, foi desse modo, como
afirmação do súdito contra o Estado absolutista, que a teoria dos direitos individuais (civis e
políticos) nasceu.133
Nesta mesma trilha, Eduardo Appio assinala que as políticas públicas surgiram como
resposta a uma necessidade contemporânea decorrente da concentração das massas em
aglomerados urbanos e do processo de industrialização, e registra: Sobre o tema, Truyol y
Serra consigna que ‘as primeiras conseqüências da revolução industrial sob o signo da livre
concorrência haviam dado lugar a condições de trabalho duríssimas e muitas vezes inumanas,
que evidenciavam a insuficiência dos direitos individuais se a democracia política não se
convertia em democracia social’.134
Fato importante e que merece ser enfatizado, é que os direitos sociais surgiram em
decorrência dos movimentos revolucionários de 1848, sendo que a Constituição francesa de
1848 já previa alguns direitos de natureza social, tais como “o direito ao ensino primário
gratuito, à educação profissional e à igualdade das relações entre patrão e empregado”.
133
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas Públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 57.
134
APPIO, Eduardo. Controle judicial das políticas públicas no Brasil. 1ed., 4tir., Curitiba: Juruá, 2007, p. 142.
56
Contudo, na transição do Século XIX para o Século XX, já não bastava garantir
direitos trabalhistas, pois os movimentos sociais e políticos-partidários, que haviam ganhado
força e poder de pressão, pugnavam por uma ação direta e positiva do Poder Público para
garantir os direitos sociais, tais como saúde, educação, habitação e assistência social, de forma
ampla e indiscriminada a todos os cidadãos.
Eduardo Appio, citando Cezar Saldanha, assinala que “necessidades sociais nunca
antes sentidas passaram a reclamar ações do Poder Público, muitas de natureza prestacional,
atingindo área da vida pessoal e social que estavam fora do âmbito da política”. Desse modo,
a emergência de um Estado-Providência se dá como resultado de um “processo de extensão e
aprofundamento do Estado-protetor clássico”, sendo que seu ocaso coincide com a adoção dos
postulados do neoliberalismo econômico, na forma de “desregulamentação dos mercados, dos
fluxos financeiros e da organização do trabalho, com a conseguinte erosão das funções do
Estado”. Mais adiante, aponta o referido autor, que o Estado constitucional reclama para si a
135
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social. Em: Revista de
Direito Público – 57/58, vol. 14, pp. 233-256. São Paulo: Revista dos Tribunais, jan./jun. 1981, p. 235.
136
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7ed, 2tir., São Paulo: Malheiros, 2004.
57
137
APPIO, Eduardo.Controle judicial das políticas públicas no Brasil. 1ed, 4tir.,Curitiba: Juruá, 2007, pp.142 e
145.
138
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 378.
139
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas Públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 58.
58
Cumpre destacar que a Constituição Federal estabelece não só os direitos sociais, mas
também as linhas gerais (políticas públicas) pelas quais os Legisladores ordinários e
Administradores Públicos devem se pautar para garantir o efetivo exercício de tais direitos (as
normas constitucionais da ordem social). A escolha das diretrizes da política, os objetivos de
determinado programa não são simples princípios de ação, mas são os vetores para a
implementação concreta de certas formas de agir do Poder Público, que levarão a certos
resultados.
140
Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade
livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
59
141
COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o Juízo de constitucionalidade de políticas públicas. São Paulo:
Revista dos Tribunais - RT.737, mar./97, 12/22, p.17.
142
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos à sério. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. 2ed., Martins Fontes,
2007, p.36 e 141 e ss.
143
COMPARATO. Op. cit, p.18.
60
Com base em tais noções, pode-se vislumbrar que o conceito de “Política”, não está
muito distante do conceito de “políticas públicas”. Ao revés, o segundo decorre naturalmente
do primeiro, ou seja, “Política” é o gênero de que “políticas públicas” são espécies.
Maria Paula Dallari Bucci, define políticas públicas sob uma óptica ampliadora, como
sendo a ‘coordenação dos meios à disposição do Estado, harmonizando as atividades estatais
e privadas para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente
determinados’. Mais adiante anota que ‘o que há de comum em todas essas políticas e suas
acepções, dando sentido ao agrupamento delas sob o mesmo conceito político, é o processo
político de escolha das prioridades para o governo’.146
144
COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o Juízo de constitucionalidade de políticas públicas. São Paulo:
Revista dos Tribunais - RT.737, mar./97, 12/22. p.19.
145
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 4ed., Coimbra: Almedina, 1989, p.39.
146
BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas públicas e direito administrativo. Em: Revista de Informação
Legislativa - vol.34, nº 133, jan./mar, 1997, pp.91 e 95.
61
Eros Roberto Grau, por sua vez, sustenta que a própria legitimidade do Estado Social
está ligada à realização de políticas públicas que caracterizam por todas as formas de
intervenção do Estado (seja como provedor, gerenciador ou fiscalizador).148
De acordo com Marília Lourido dos Santos, a noção de políticas públicas centra-se em
três elementos: 1º) busca por metas, objetivos ou fins; 2º) a utilização de meios ou
instrumentos legais e, 3º) a temporalidade, ou seja, o prolongamento no tempo, que implica na
realização de uma atividade e não de um simples ato. Segundo ela, esses elementos formam
uma noção dinâmica de atividade pela qual pode-se definir políticas públicas simplesmente
como ‘o conjunto organizado de normas e atos tendentes à realização de um fim público
determinado’.149
147
GOUVÊA, Ronaldo Guimarães. Políticas públicas, governabilidade e globalização. Revista do Legislativo.
Brasília, nº 25, pp.59-66 jan./mar. 1999, p. 63.
148
GRAU, Eros Roberto. Direito Posto e o Direito Pressuposto. 6ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 26.
149
SANTOS, Marília Lourido dos. Interpretação constitucional no controle judicial das políticas públicas.
Fabris Editor, 2006, p. 90.
62
Importante anotar, contudo, que ultimamente José Joaquim Gomes Canotilho revidou
este seu posicionamento declarando-se agora adepto de um “constitucionalismo moralmente
reflexivo” em virtude do “descrédito de utopias” e da “falência dos códigos dirigentes”, que
causariam a preferência de “modelos regulativos típicos da subsidiariedade”, de “autodireção
153
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004,
p.56.
154
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. 2ed., Coimbra:
Coimbra Editora, 2001, p.365.
64
155
KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Fabris Editor, 2002,
p.68.
156
PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas. 2ed., São Paulo: RT, 2003, pp.39/40.
65
Nesta senda, vem a calhar aqui o exame da teoria do “mínimo existencial”, que tem a
função de atribuir ao indivíduo um direito subjetivo contra o Poder Público em casos de
diminuição da prestação dos serviços sociais básicos que garantem a sua existência digna, e
que até hoje foi pouco discutida na doutrina constitucional brasileira e ainda não adotada com
as suas conseqüências pelas decisões tribunalícias proferidas pelo Poder Judiciário brasileiro.
157
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 60.
158
KRELL, Andreas Joachim.Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha.Fabris Editor, 2002,
p.59-60.
66
País.159 Consoante salienta Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, a idéia de mínimo social se
manifesta também nos diversos projetos de leis municipais a uma renda mínima necessária à
inserção na sociedade.160
Para Luís Roberto Barroso, este “padrão mínimo” no cumprimento das tarefas estatais
poderia, sem maiores problemas, ser ordenado por parte do Judiciário, o que, segundo ele,
deixa de acontecer devido apenas a motivos ideológicos e não jurídico-racionais ou
científicos, anotando que em diversas situações em que a Constituição ou a Lei utilizam
conceitos vagos e imprecisos, é exatamente ao juiz que cabe integrar, com sua valoração
subjetiva, o comando normativo.161
Num outro enfoque, Andreas Joachim Krell assinala que uma garantia mais efetiva da
prestação dos serviços básicos e da assistência social no Brasil também não levaria a uma
situação de “tutela” ou criação de dependência do cidadão em relação às prestações sociais do
Estado (“assistencialismo”), um perigo que pode existir somente em países com índices
elevados de desenvolvimento. No entanto, segundo ele, essa visão mais moderna ainda não
representa a linha dominante na doutrina e jurisprudência do Brasil. São justamente os
tribunais superiores que mostraram fortes objeções a ressalvas contra a sua própria
legitimidade a formular ordens concretas contra governos referentes à prestação adequada dos
serviços públicos sociais.163
159
KRELL, Andreas Joachim.Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Fabris Editor, 2002
p.63.
160
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas. A responsabilidade do Administrador e do
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000, p.68.
161
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas Normas, 2ed. Renovar, 1993,
p.152.
162
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ed., Livraria do Advogado, 2007, p.346.
163
KRELL. Op. cit., p.65.
67
Por tudo isso e na esteira da lição de Norberto Bobbio, cuja indignação com o termo
“normas programáticas” já foi assinalada em linhas anteriores, não se deve acolher o
argumento de que os direitos sociais são normas programáticas, carentes de efetivação e
concretização e, portanto, caracterizariam mera expectativa de direito. Por certo, ainda que
consideradas programáticas, haverá de combiná-las com efetividade, sob pena de negar
vigência ao Estado Constitucional Democrático de Direito e, sobretudo, à suprema dignidade
da pessoa humana, valor máximo albergado pela atual Constituição.164
Assim, resta evidenciado que a realização dos direitos sociais presume a atuação
positiva do Estado, criando um direito dos cidadãos a prestações positivas, e para que tal
direito seja eficaz, necessária se faz a criação de mecanismos para exigir do Legislador e do
Administrador Público a criação de normas para cumprimento da Constituição,
responsabilizando-os, quer pela atuação falha, quer pela omissão, por meio do mandado de
segurança, da ação popular, da ação civil pública, do mandado de injunção, da ação direta de
inconstitucionalidade e da ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental.
164
BOBBIO. Norberto. A era dos direitos.Trad.Carlos Nelson Coutinho.5tir, Rio de Janeiro:Campus, 2004, p.92.
68
Em conclusão, restou assentado que políticas públicas podem ser entendidas como o
conjunto organizado de normas e atos tendentes à realização de um fim público determinado,
afirmando-se que o Estado, ao implementar um projeto de governo, através de programas, de
ações voltadas a uma prestação positiva de natureza material ou fática em benefício do
indivíduo, deve garantir-lhe o ‘mínimo existencial’ proporcionando-lhe, em conseqüência, os
recursos materiais indispensáveis para uma existência digna, como providência reflexa típica
de Estado do Bem-Estar Social, responsável pelo desenvolvimento dos postulados da justiça
social, consagrados no Art. 3º 166 da Constituição Federal, assinalando-se, nesse contexto, que
no Brasil, nem a doutrina, nem os Tribunais se posicionaram acerca da abrangência do
chamado “padrão mínimo social”.
Diante da grande carga axiológica ética e moral atribuída a esses princípios e objetivos
constitucionais da República Federativa do Brasil, houve, em decorrência, uma ampliação do
catálogo dos direitos fundamentais – para nele incluir direitos sociais e econômicos – que
impôs uma série de programas, tarefas e fins a serem realizados pelo Estado, o que conferiu a
todos os cidadãos, em contrapartida, a prerrogativa de exigir do Ente estatal a concretização
165
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 380.
166
Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade
livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
69
É inequívoco, pois, que a atual Constituição possui uma textura suficientemente aberta
cujos limites para a transformação coincidem com os fins do Estado de Bem-Estar,
conciliando o capitalismo com a justiça social, pois conforme já anunciado por Eros Roberto
Grau, ‘há um modelo econômico definido na ordem econômica na Constituição de 1988,
modelo aberto, porém desenhado na afirmação de pontos de proteção contra modificações
externas, que descrevo como modelo de bem-estar’.168
Em função disso, conforme assinala Marília Lourido dos Santos, se mostra importante
conhecer os modos de densificação e concretização das normas constitucionais a fim de se
assegurar a higidez dos fins e valores plasmados nas mesmas. É nestas que estão consagrados
os direitos fundamentais, dentre os quais encontram-se os direitos sociais, cuja nota
característica é justamente a demanda por prestações positivas do Estado, que por sua vez, se
efetiva por meio das políticas públicas. Logo, as políticas públicas constituem uma forma de
concretização de normas constitucionais de significativa relevância.169
167
PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas. 2ed., São Paulo: RT, 2003, p. 45.
168
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 3ed., São Paulo Malheiros,1997,p.310.
169
SANTOS, Marília Lourido. Interpretação constitucional no controle judicial das políticas públicas. Fabris
Editor, 2006, pp. 86 e 87.
70
Mais adiante a referida autora assinala que o fato das políticas públicas terem
embasamento constitucional direto resume a questão do controle judicial, basicamente, ao
nível constitucional, onde os fins e valores que buscam resguardar encontram-se positivados
com a dignidade de cláusula pétrea. [...] a partir de tais lineamentos conceituais, nota-se que
as políticas públicas constituem linhas de ação coletiva que concretizam os direitos
fundamentais declarados e garantidos na Constituição. [...] As diversas políticas púbicas se
espraiam por diferentes setores, tais como a economia, a área social, o meio ambiente, a
ciência e tecnologia, dentre outras, todas particularmente ligadas aos direitos e garantias
fundamentais, sendo que tais políticas públicas se expressam através de um conjunto de
princípios, diretrizes, objetivos e normas, de caráter permanente e abrangente, que orientam a
atuação do Poder Público em uma determinada área.170 (grifo nosso)
Importa, pois, que as diretrizes e metas sociais inseridas no Texto Constitucional não
acabem deixando de ser implementadas pelo “governante de plantão”, tornando-se meras
garantias formais, que funcionem apenas como um anteparo às reivindicações sociais, sem
que de fato sejam realizadas pelo Estado, cujo zelo está sob a incumbência dos Poderes
instituídos.171
170
SANTOS, Marília Lourido. Interpretação constitucional no controle judicial das políticas públicas. Fabris
Editor, 2006, p.87.
171
SANTOS. Op. cit., p. 88.
172
SANTOS. Op. cit., pp. 88/89.
71
173
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 83.
174
LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito Subjetivo e Direitos Sociais: O dilema do Judiciário no Estado Social
de Direito. Em: Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. (org,) José Eduardo Faria. 1ed. 4tir. São Paulo:
Malheiros, 2005, pp 113-143, p. 133.
72
175
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 24ed., São Paulo: Malheiros, 2007, p.
374
73
Com base na combinação desses três conceitos, Celso Antônio Bandeira de Melo
formulou quatro hipóteses possíveis que podem conduzir à validade, invalidade ou ineficácia
do ato administrativo, as quais estão assim delineadas:
Superada essa noção básica de ato administrativo, anota-se que há tempos se discute,
tanto na doutrina como nas decisões tribunalícias, a responsabilidade da Administração
Pública por seus atos comissivos (decorrentes de ação) e, mais recentemente, por seus atos
omissivos.
Cuida-se do controle dos atos administrativos pelo Judiciário que acaba esbarrando na
discricionariedade da Administração, trazendo à baila a discussão se estaria havendo apenas
controle de legalidade ou invasão do próprio mérito do ato (conveniência e oportunidade), o
que não seria possível, segundo parte da doutrina, por implicar em violação do princípio da
separação dos Poderes estampado no Art. 2º 178 da Constituição Federal, ao argumento de que
a vontade do Administrador não poderia ser substituída pela vontade do juiz.
176
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 24ed., São Paulo: Malheiros, 2007,
pp. 376-377.
177
MELLO. Op. cit., p.378
178
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
74
No tocante aos atos discricionários, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, aduz que ‘o
controle judicial é possível, mas terá que respeitar a discricionariedade nos limites em que ela
é assegurada à Administração Pública pela lei’. Ou seja, o Judiciário poderia apreciar os
aspectos da legalidade e verificar se a Administração não ultrapassou os limites da
discricionariedade.179
Nesta mesma linha, como bem observou Miguel Seabra Fagundes, a atividade
discricionária também se desenvolve subordinada à Lei, mas com um elastério que a própria
Lei lhe outorga em face dos casos concretos. Poder discricionário fora de sujeição à Lei, e
sem ter o fim de realizá-la, seria poder arbitrário.181
179
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 5ed, São Paulo: Atlas, 1995, p. 180.
180
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. A Discricionariedade e Controle Judicial. 2ed., Malheiros, 2007,p.15-
16.
181
FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 6ed., São Paulo:
Saraiva, 1984,p. 64/67.
182
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. 2ed., Coimbra:
Coimbra Editora, 2001, p. 233.
75
Dito de outro modo, isso implica reconhecer que a Administração sempre está
submissa e adstrita à Lei. Logo, como a Constituição é a chamada “Lei das Leis”, em última
análise, todo ato praticado pelo Administrador, seja ele vinculado ou discricionário, deverá
estar em conformidade com a Constituição, sob pena de invalidade por inconstitucionalidade.
[...] a Constituição não é um mero feixe de leis, igual a qualquer outro corpo
de normas. A Constituição, sabidamente, é um corpo de normas qualificado
pela posição altaneira, suprema, que ocupa no conjunto normativo. É a Lei
das Leis. É a Lei Máxima, à qual todas as demais se subordinam e na qual
todas se fundam. É a lei de mais alta hierarquia. É a lei fundante. É a fonte
de todo o Direito. É a matriz última da validade de qualquer ato jurídico. À
Constituição todos devem obediência: o Legislativo, o Judiciário e o
Executivo, por todos os seus órgãos e agentes, sejam de que escalão forem,
bem como todos os membros da sociedade. Ninguém, no território nacional,
escapa ao seu império. Segue-se que sujeito algum, ocupe a posição que
ocupar, pode praticar ato - geral ou individual, abstrato ou concreto – em
descompasso com a Constituição, sem que tal ato seja nulo e da mais grave
nulidade, por implicar ofensa ao regramento de escalão máximo.183
Desse modo, a despeito a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro acima anotada,
preconiza-se neste trabalho que nem mesmo o mérito dos atos discricionários pode ser
subtraído do controle judicial, pois além da competência e da legalidade, sempre será possível
um exame de compatibilidade vertical entre o ato administrativo e a Constituição, pois esta
sempre servirá de norte e balizamento para toda e qualquer ação da Administração Pública.
regulamentadora, pois tais políticas públicas já estão delineadas pelo Texto Constitucional.
Vale enfatizar aqui, que a eficácia social reduzida dos Direitos Fundamentais não se deve a
falta de leis integradoras. O problema maior é a não-prestação real dos serviços sociais
básicos pelo Poder Público.
Fábio Konder Comparato, sustenta não haver dúvidas de que a questão seja de
controle de constitucionalidade, pois, como a ordem social constitucional estipula quais são os
direitos sociais e em muitos casos já estabelece sua forma de exercício, não há como evitar a
sua judicialização, a partir da omissão do Administrador em implementá-la.
184
CF, Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: [...] IV – atendimento
em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade.
185
ECA, Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: [...] IV – atendimento em creche e pré-
escola às crianças de zero a seis anos de idade.
186
ECA, Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos
assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não-oferecimento ou oferta irregular: [...] III – de
atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade.
77
187
COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o Juízo de constitucionalidade de políticas públicas. São Paulo:
Revista dos Tribunais - RT.737, mar./97, 12/22, p.20-21.
188
BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos
fundamentais: O controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático. pp. 599-635. Em: A
Constitucionalização do Direito. (Coords.) Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento. Lumen Juris.
2007, p. 604.
78
públicas. Por meio delas, o Estado poderá, de forma sistemática e abrangente, realizar os fins
previstos na Constituição, sobretudo no que diz respeito aos direitos fundamentais cuja
fruição direta dependa de ações e prestações positivas.
É inegável, desse modo, que o exercício das três funções estatais (executiva,
legislativa e jurisdicional) será sempre norteado pela Constituição, de sorte que os atos da
Administração visando à implementação de políticas públicas, não diferem dos demais atos
administrativos, estando vinculados ao princípio da legalidade (e obviamente à
constitucionalidade) e à legitimidade (o interesse público, que é a finalidade de qualquer ato
administrativo).
Antônio Carlos Wolkmer, de sua parte, conclui que a construção crítica de uma
legitimidade democrática que venha fundamentar o Poder político e o Direito justo tem seu
ponto de referência deslocado da antiga lógica de legitimação, calcada na legalidade tecno-
formal para uma legitimidade “instituinte”, formada no justo consenso da comunidade e num
sistema de valores aceitos e compartilhados por todos. Mais adiante aponta que numa cultura
jurídica pluralista, democrática e participativa, a legitimidade não se funda na legalidade
positiva, mas resulta da consensualidade das práticas sociais instituintes e das necessidades
reconhecidas como “reais”, “justas” e “éticas”.190
189
MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos. Malheiros. 2002,
p. 54.
190
WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. 4ed., São Paulo: RT, 2003, pp. 88-89.
79
adotada pela Constituição ou pelas leis quando editadas em consonância com as diretrizes da
Lei Maior”.191
191
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 24ed., 2007, Malheiros, pp.104 e 66.
192
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também o seguinte:
193
FIGUEIREDO. Lucia Valle. O devido processo legal e a responsabilidade do Estado por dano decorrente
do planejamento. Revista Trimestral de Direito Público - nº11, pp 05-20, São Paulo: Malheiros, jul./set.1995,pp
09/10.
80
devido processo legal que deve ser obedecido pela Administração, na implementação das
políticas públicas.194
Para alicerçar sua afirmação, a última autora citada baseia-se na lição de Carlos
Roberto de Siqueira Castro para quem o devido processo legal deve ser entendido como
postulado de caráter substantivo (substantive due process), capaz de condicionar, no mérito, a
validade das leis e da generalidade das ações (e omissões) do Poder Público.195
Neste sentido, conforme ensinam Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos, há
que se acrescentar que apesar de não expresso na Constituição, o princípio da razoabilidade
ou da proporcionalidade, aqui entendidos como fungíveis, tem seu fundamento nas idéias de
devido processo legal substantivo e na de justiça. Cuida-se também de um valioso
instrumento de proteção dos direitos fundamentais e do interesse público, por permitir o
controle da discricionariedade dos atos do Poder Público e por funcionar como a medida com
que a norma deve ser interpretada no caso concreto para a melhor realização do fim
constitucional nela embutido ou decorrente do sistema.196
Diante desse novo cenário, defende-se aqui que as políticas públicas determinadas
constitucionalmente não se inserem no âmbito de discricionariedade do Poder Público, já a
discricionariedade do Administrador Público cessa ante o texto explícito da Constituição, cuja
finalidade é a plena satisfação do interesse da coletividade, de modo que existe sim a
194
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, p. 91.
195
CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova
Constituição do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p.383.
196
BARROSO, Luís Roberto Barroso; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova
interpretação constitucional e o papel dos princípios do direito brasileiro. p. 33. Disponível em:
http://www.camara. rj.gov.br/setores/proc/revistaproc/revproc2003/arti_histdirbras.pdf. Acesso em 22 de jan.
2008.
81
197
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, p.92-93.
82
198
BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito (O triunfo tardio do
Direito Constitucional no Brasil). Em: A Constitucionalização do Direito – Fundamentos teóricos e aplicações
específicas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, pp. 203-249, p. 238.
83
pela Constituição Federal, não deixando, assim, margem para juízos de conveniência e
oportunidade.
Nos atos vinculados, por sua vez, a lei estabelece uma única solução possível diante de
determinada situação concreta. Logo, não há margem para apreciação subjetiva por parte do
Administrador Público. Em outras palavras, não há a outorga de liberdade para resolver sobre
a conveniência do ato, nem sobre o seu conteúdo, cabendo à Administração somente praticá-
lo, após a constatação da existência dos motivos que o embasarão.
o ensino fundamental a todos, inclusive para os que não tiveram acesso na idade própria, nos
moldes do inciso I do Art. 208200 e Art. 6º201. O mesmo raciocínio se aplica às prestações de
saúde que sejam consideradas juridicamente exigíveis. O indivíduo não atendido pode, por
certo, postular seu atendimento, mas também se pode discutir a questão em seu caráter geral –
com maior proveito – de modo a assegurar o oferecimento do bem a todos os indivíduos que
dele necessitam.
Aliás, Fábio Konder Comparato afirma que os objetivos gerais e específicos das
Constituições do moderno Estado dirigente são juridicamente vinculantes para todos os
órgãos do Estado e também para todos os detentores de poder econômico ou social, fora do
Estado. Mais adiante, o mesmo autor destaca que:
Ingo Wolfgang Sarlet destaca que o que importa é a constatação de que os direitos
fundamentais vinculam os órgãos administrativos em todas as suas formas de manifestação e
atividades, na medida em que atuam no interesse público, no sentido de guardião e gestor da
coletividade. E registra: No que diz com a relação entre os órgãos da Administração e os
direitos fundamentais, no qual vigora o princípio da constitucionalidade imediata da
Administração, a vinculação aos direitos fundamentais significa que os órgãos administrativos
devem executar apenas as leis que àqueles sejam conformes, bem como executar estas leis de
forma constitucional, isto é, aplicando-a e interpretando-as em conformidade com os direitos
fundamentais.203
200
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I – ensino fundamental
obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na
idade própria.
201
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
202
COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o Juízo de constitucionalidade de políticas públicas. São Paulo:
Revista dos Tribunais – RT 737, mar./97, 12/22, p.19.
203
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ed., Livraria do Advogado, 2007, p. 393.
85
Aliás, calha aqui uma breve alusão à inconstitucionalidade por omissão que, no dizer
de Flávia Piovesan, é a inconstitucionalidade negativa, que resulta de abstenção, inércia ou
silêncio do Poder Político que deixa de praticar determinado ato exigido pela Constituição.
Isto implica dizer que só há a omissão inconstitucional quando há o dever constitucional de
ação. A inconstitucionalidade por omissão pressupõe a exigência constitucional de ação.204
204
PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial contra omissões legislativas. 2ed., São Paulo: RT, p. 90.
205
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, p.95.
86
Conforme destacado por Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, essa vinculação aos
ditames constitucionais não leva ao “engessamento” da Administração que, diante das
múltiplas demanda da coletividade, necessita ter espaço para implementar as políticas
públicas, em consonância com as diversas realidades sociais existentes em uma mesma
comunidade, mas que devem sempre atender à finalidade constitucional e legal.207
206
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social. Em: Revista
de Direito Público, 57/58, jan./jun. 1981. pp. 233-256. São Paulo: Revista dos Tribunais.
207
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, p.96.
87
208
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000, p.97.
209
CAMPILONGO, Celso Fernandes. Os desafios do Judiciário: um enquadramento teórico. Em Direitos
Humanos, Direitos Sociais e Justiça. (org.) José Eduardo Faria, 1ed. 4tir. São Paulo: Malheiros, 2005, p.48.
88
Tércio Sampaio Ferraz Júnior, assinala que os direitos sociais, produto típico do
Estado do Bem-Estar Social, não são, pois, conhecidamente, somente normativos, na forma de
um a priori formal, mas têm um sentido promocional prospectivo, colocando-se como
exigência de implementação. Isto altera a função do Poder Judiciário, ao qual, perante eles ou
perante a sua violação, não cumpre apenas julgar no sentido de estabelecer o certo ou o errado
com base na lei (responsabilidade condicional do juiz politicamente neutralizado), mas
também e sobretudo examinar se o exercício discricionário do poder de legislar conduz à
concretização dos resultados objetivados (responsabilidade finalística do juiz que, de certa
forma, o repolitiza).210
De qualquer modo, no Brasil, a partir dos anos noventa, se tornou mais expressiva a
visibilidade das decisões e sentenças contra o Executivo no plano econômico, tributário e
previdenciário, e o Judiciário se apresentou como “poder estatal” independente perante a
opinião pública. A partir dessa notoriedade, tem crescido o anseio popular de controle sobre
as escolhas políticas e, conseqüentemente, a pressão sobre o Judiciário para que adentre no
exame dos atos de governo, não só para contrastá-los com a lei, mas sobretudo com a nova
ordem constitucional, que irradia valores e princípios para todo o ordenamento jurídico pátrio.
210
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. O Judiciário frente à divisão dos poderes. Um princípio em decadência?
Em: Revista Trimestral de Direito Público-9, jan./mar. 1995, pp- 40-48, São Paulo: Malheiros, p. 45.
89
Nesse passo, Celso Fernandes Campilongo, numa visão sociológica, situa a questão
em um mundo que convive cada vez mais com a complexidade social e dificuldades no
processo decisório de detentores dos Poderes Executivo e Legislativo e afirma:
211
CAMPILONGO, Celso Fernandes. A função política dos Tribunais e do Ministério Público. Em: Direito e
Cidadania - nº 3, publicação do Instituto de Estudos, Direito e Cidadania – IDEC, nov./dez 1997.
212
CAMPILONGO, Celso Fernandes. Os desafios do Judiciário: um enquadramento teórico. Em: Direitos
Humanos, Direitos Sociais e Justiça. (org.) José Eduardo Faria, 1ed. 4tir. São Paulo: Malheiros, p.47.
90
Mauro Cappelletti, de sua parte, já advertia que mais cedo ou mais tarde os juízes
teriam que “aceitar a realidade da transformada concepção de Direito e da nova função do
Estado”. Para tal fim, os juízes devem controlar e exigir o cumprimento do dever do Estado
de intervir ativamente na esfera social. Mais adiante, destaca que “é manifesto o caráter
acentuadamente criativo da atividade judiciária de interpretação e de atuação legislativa e dos
direitos sociais”.213
213
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Trad: Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Fabris Editor, 1993,
p. 42.
214
COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o Juízo de constitucionalidade de políticas públicas. São Paulo:
Revista dos Tribunais - RT.737, mar./97, pp. 12/22, pp.19-20.
91
constituindo uma certa ordem’. E registra: Apoiado em excelente análise histórica do Poder
Judiciário, Zaffaroni não tem dúvida em afirmar ‘que a questão judiciária é, antes de tudo,
uma questão política’.215
Acresça-se, nesse passo, de acordo com o magistério de José Carlos Vasconcellos dos
Reis, que ao atuar no sentido de preservação do espírito da Constituição – sobretudo aquele
núcleo intangível representado pelos direitos fundamentais – em face das oscilações da
política e do governo, o processo judicial pode ser considerado como um dos meios
institucionais de participação e controle da cidadania sobre o exercício do poder.216
Cidadania não mais entendida como adstrita ao exercício dos direitos políticos, mas
sim com o exercício de outras prerrogativas que surgiram como consectário lógico do Estado
Democrático e Social de Direito, ou seja, todo e qualquer direito relacionado à dignidade do
cidadão como sujeito de prestações estatais e à participação ativa na vida social, política e
econômica do Estado.
Num outro enfoque da dimensão política do Judiciário, agora sob a óptica da limitação
interna do poder como forma de evitar abusos e desvios, Plauto Faraco de Azevedo assinala
que,
215
AZEVEDO, Plauto Faraco de. Direito, justiça social e neoliberalisno. 1ed. 2tir. São Paulo: RT, 1999, p.41-
42.
216
REIS, José Carlos Vasconcellos dos. As normas constitucionais programáticas e o controle do Estado. Rio
de Janeiro: Renovar, 2003, p.263.
92
Cabe lembrar que, mesmo na defesa de interesses particulares, o Judiciário tem sido
chamado igualmente a promover a defesa da Constituição. A Constituição contém normas que
regulam diretamente os conflitos sociais, influenciando a distribuição de recursos entre grupos
e classes sociais e protegendo direta ou indiretamente seus interesses, os quais, sendo
violados, também fundamentam, o recurso ao Judiciário. Assim, inúmeras ações individuais
tem sido aforadas pelos cidadãos, buscando no Judiciário a correta aplicação da Constituição
e o efetivo exercício dos direitos sociais assegurados na mesma, para implantação das
políticas públicas correlacionadas. Do mesmo modo, a defesa dos interesses coletivos tem
sido promovida por meio das ações diretas de inconstitucionalidade e de ações civis públicas,
217
AZEVEDO, Plauto Faraco de. Direito, justiça social e neoliberalisno. 1ed. 2tir. São Paulo: RT, 1999, pp.39-
40.
218
Legislativo subalterno. Em: Notas & Informações. Jornal “O Estado de São Paulo”. São Paulo, Caderno I, p.
A-3, 02 jan. 2008 – Ano 128, edição nº 41714.
93
quase sempre ajuizadas pelo Ministério Público e que tem se mostrado um eficiente
instrumento para a concretização das políticas públicas no âmbito social.
219
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, p.101.
220
FERREIRA, Sérgio de Andréa. A especificidade do controle dos poderes públicos no contexto da função
jurisdicional. Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba. Em: Direito Administrativo e Constitucional. (org.)
Celso Antônio Bandeira de Mello. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 584.
221
XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
222
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
223
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social: Incisos I a XXXIV e parágrafo único .
224
Título VIII – Da Ordem Social (Arts. 193 a 232).
94
A cidadania, por sua vez, consoante assinala Paulo Hamilton Siqueira Júnior, é
inerente à Democracia e à participação política que se exterioriza pelas decisões políticas nos
Município, Estados Federados ou na comunidade em que o indivíduo vive. A cidadania
constitui-se, portanto, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e tem como
conseqüência a democratização do acesso à justiça e a participação popular no processo
decisório governamental. O estudo do direito de ação, do acesso ao Judiciário, bem como de
225
LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no
Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em
funcionamento há pelos menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.
226
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (...) III – promover o inquérito civil e a ação civil
pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos.
95
sua efetividade, ultrapassa os limites meramente jurídicos para alcançar, igualmente, o campo
político.227
E, de acordo com o magistério de Tércio Sampaio Ferraz Junior, pode-se dizer que
essa atuação do Poder Judiciário, como conseqüência do maior acesso à justiça (direito
fundamental) está incluída em processo mais amplo de aprofundamento do próprio exercício
da cidadania e da Democracia, que pressupõe modificações no modelo clássico da divisão dos
poderes. 230
227
SIQUEIRA JÚNIOR, Paulo Hamilton. Cidadania. Revista dos Tribunais: São Paulo.RT,ano 94, v.839,p.723-
735, p.727.
228
SIQUEIRA JÚNIOR. Op. cit., p.729.
229
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, pp.103 e 105.
230
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. O Judiciário frente à divisão dos poderes: um princípio em decadência?
Revista Trimestral de Direito Público – nº 9, pp. 40-48, São Paulo: Malheiros, jan./mar. 1995, p. 45
96
231
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a
cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o
pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
232
Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade
livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III- erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
233
KRELL, Andréas Joachim.Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Fabris Editor.2002
p.94.
97
Surgiram, então, a “Class actions” e “public interest litigation” nos Estados Unidos,
“actions collectives” e “Verbandsklagen” na França, Bélgica e Alemanha e outros lugares,
decorrentes do fenômeno da tutela judiciária dos “interesses difusos”, sendo que tais ações
passaram a ser os símbolos do novo e acentuado papel dos Tribunais Judiciários. A
legitimação para agir na tutela do interesse público em geral, ou de categorias e classes muito
amplas não presentes no processo, foi reconhecida a defensores privados do interesse público.
234
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Trad: Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Fabris Editor, 1993,
p.56-61.
98
O Judiciário passou, então, a exercer uma função política pela interpretação das
cláusulas constitucionais, podendo reelaborar o significado daquelas para permitir que a
Constituição se ajuste às novas circunstâncias históricas e exigências sociais, conferindo-lhe
um sentido de permanente e necessária atualidade, de modo a exercer uma verdadeira função
constituinte com o papel de permanente elaboração do Texto Constitucional.
235
FARIA, José Eduardo. As transformações do Judiciário em face de suas responsabilidades sociais. Em:
Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. 1ed. 4 tiragem. São Paulo: Malheiros, 2005. p.56.
99
Nesse sentido, Marília Lourido dos Santos assinala que o papel do Judiciário na
construção de um projeto democrático necessariamente assenta-se na defesa da Constituição e
de seus princípios, particularmente, num contexto onde o Poder Executivo sobrepõe-se ao
Legislativo. A atuação do Judiciário ganha relevância com o desequilíbrio entre os outros
Poderes, entretanto, o incremento da atuação do Judiciário não representa uma alteração dos
titulares da soberania, mas uma transformação da referência política.236
Numa outra passagem, a referida autora, aduz que diante desse quadro, a posição ou
papel do Judiciário baseia-se na preservação ou garantia do princípio democrático, tido não
apenas em seu sentido procedimental, mas substancial, ou seja, em sua relação com a
salvaguarda dos direitos fundamentais. Destarte, funcionar como um mediador entre os outros
dois Poderes – funções de checks and balances -, coibindo uma possível preponderância do
Executivo sobre o Legislativo, constituiria apenas uma conseqüência do exercício desse papel,
posto que a harmonia e independência entre os Poderes constituem valores democráticos
constitucionalmente assegurados. Segundo ela, Antoine Garapon, tido como
procedimentalista, identifica o Judiciário como ‘o guardião das promessas democráticas’.237
Além dessas relevantes atribuições do Judiciário, outro fator que lhe confere ainda
mais projeção e, conseqüentemente, maior responsabilidade, é que ao dispor no inciso
XXXV, do Art. 5º, que “a lei não excluirá da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça a
direito”, a Constituição Federal consagrou o princípio da inafastabilidade da jurisdição como
direito fundamental e, portanto, cláusula pétrea nos termos do § 4º do Art. 60238, da
236
SANTOS, Marília Lourido dos Santos. Interpretação constitucional no controle judicial das políticas
públicas. Fabris Editor. 2006, p.70.
237
SANTOS. Op. cit., p. 96.
238
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...] § 4º Não será objeto de deliberação a
proposta de emenda tendente a abolir: [...] IV – os direitos e garantias individuais.
100
239
LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os
meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
101
Destarte, conforme explica José Eduardo Faria, desde que grupos sociais
tradicionalmente alijados do acesso à Justiça descobriram os caminhos dos tribunais,
orientando-se por expectativas dificilmente amoldáveis às rotinas judiciais, utilizando de
modo inventivo os recursos processuais e explorando todas as possibilidades hermenêuticas
propiciadas por normas de “textura aberta”, como as normas-objetivo, as normas-
programáticas que se caracterizam por conceitos indeterminados, o Judiciário se viu obrigado
a dar respostas para as quais não tinha nem experiência acumulada nem jurisprudência
firmada.240
Assim, diante dos novos tipos de conflitos, dos novos direitos consagrados pela
Constituição brasileira, sobretudo aqueles de cunho social prestacional, impõe ao Judiciário
uma mudança de paradigma, deixando para trás o positivismo-normativista para adotar uma
visão multifacetada do Direito, a partir dos valores e princípios constitucionais, a fim de
assegurar ao menos a concretização do “padrão mínimo social” para uma existência digna,
tendo sempre como marco os fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil.
240
FARIA, José Eduardo. As transformações do Judiciário em face de suas responsabilidades sociais.
Em:Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. 1ed. 4 tiragem. São Paulo: Malheiros, 2005. pp.52-53.
102
241
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a
cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V- o
pluralismo político. Parágrafo único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, nos ternos desta Constituição.
242
CAPPELLETI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad: Ellen Gracie Northfleet, Fabris Editor, 1988
p.8.
103
fundamentais para o ser humano. E conclui que esse último, por ser mais amplo, engloba no
seu significado o primeiro.243
Parece evidente que esse significado mais amplo de acesso à Justiça é o que mais se
identifica com a nova ordem constitucional, destacando-se, nesse passo, que o acesso somente
se efetivará, em sua plenitude, com juízes vocacionados a fazer justiça, com sensibilidade e
consciência de que o processo possui também um lado perverso que precisa ser dominado,
para que não faça, além do necessário, mal à alma e à saúde do jurisdicionado.
Sob um outro prisma, Mauro Cappelleti e Bryant Garth visualizaram e idealizaram três
ondas que traduzem o acesso à Justiça, sendo a primeira delas a assistência judiciária para os
pobres; a segunda a representação dos interesses difusos e a terceira o acesso à representação
243
RODRIGUES, Horácio Wanderley. Acesso à justiça no direito processual brasileiro. São Paulo: Editora
Acadêmica, 1994, p.28.
244
BEZERRA, Paulo César Santos. Acesso à Justiça. Um problema ético-social no plano da realização do
direito, 2ed., 2008. Renovar. pp. 209-210.
245
BEZERRA. Op. cit., 211.
104
em juízo, uma concepção mais ampla de acesso à Justiça e um novo enfoque de acesso à
Justiça.246
Para a ordem jurídica nacional, a mais importante, sem dúvida, é a terceira, por
compreender uma série de medidas, desde a reestruturação do próprio Judiciário, passando
pela simplificação do processo e dos procedimentos, e desaguando num sistema recursal que
não faça da parte vencedora refém da perdedora.
246
CAPPELLETI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad: Ellen Gracie Northfleet. Fabris Editor, 1988
p.31.
105
A terceira onda de acesso à Justiça, no cenário brasileiro, diz respeito à nova estrutura
do Poder Judiciário e os novos procedimentos. É cediço que a simples alteração de leis
processuais, mesmo com o propósito de desfazer pontos de estrangulamento, não tem o
condão reformar a estrutura do Poder Judiciário e facilitar, por conseguinte, o acesso à Justiça.
Nesse aspecto, merece realce a instituição dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, pela
Lei nº 7.244/84, que vieram a ser substituídos pelos Juizados Especiais Cíveis e Criminais,
pela Lei nº 9.099/95, embora tivessem podido conviver, por não existir entre ambos qualquer
incompatibilidade. Posteriormente foram instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais
no âmbito da Justiça Federal, pela Lei nº 10.259/01, facilitando o acesso à Justiça, em face
dos Entes públicos. De lá para cá foram promulgadas diversas leis buscando acelerar os
procedimentos, com o advento e incremento das tutelas jurisdicionais diferenciadas, tudo a
fim reduzir o tempo de duração do processo, conferindo mais efetividade às decisões
judiciais.
Para mudar essa situação lastimável que se traduz nos crônicos problemas da
morosidade e congestionamento dos tribunais, os quais ainda estão longe de serem resolvidos,
é que tem havido uma comunhão de esforços do Legislativo, Executivo e Judiciário para
alteração de leis processuais obsoletas que, a pretexto de assegurar a segurança jurídica,
acabam possibilitando um enorme número de recursos, procrastinando a solução dos
processos, causando muitas vezes o perecimento do direito material e, conseqüentemente, o
descrédito do Judiciário. Portanto, as recentes alterações processuais ocorridas no âmbito do
247
LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os
meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
106
Tudo isso somado, implica reconhecer que o acesso à Justiça tende a aumentar ainda
mais, sendo estritamente necessário a adoção de medidas processuais que agilizem a entrega
da prestação jurisdicional, desburocratizando e enxugando a quantidade de processos e
recursos em andamento, de modo que possa sobrar tempo para que o magistrado se
aperfeiçoe, investindo numa maior capacitação intelectual e, conseqüentemente, adquira
conhecimento mais aprofundado, especializando-se na área em que atua, tendo, desse modo,
107
Finalizando, vale anotar a lição de Mauro Cappelleti e Bryant Garth , para quem ‘de
fato, o direito de acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de
importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de
direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. O
acesso à Justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico
dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e
não apenas proclamar os direitos de todos’.248
248
CAPPELLETI, Mauro; GARTH, Bryant.Acesso à Justiça.Trad:Ellen Gracie Northfleet, Fabris Editor,1988
p.11-12.
249
KRELL, Andréas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Fabris Editor, 2002,
p. 87.
108
Todavia, esse controle judicial dos atos dos demais Poderes gera uma linha de tensão
entre o Judiciário, de um lado, e o Executivo e o Legislativo, de outro, pois não raramente
instaura-se um desalinhamento entre as ações governamentais e o Texto Constitucional, cuja
preservação e tutela é a tarefa maior do Judiciário. Neste contexto é que surge o argumento de
que estaria havendo uma “invasão de competência” por parte do Judiciário, malferindo, desse
modo, o princípio da separação de Poderes, consagrado no Art. 2º 250da Constituição Federal.
E, para se chegar a esta conclusão, mister distinguir, antes de mais nada, poder de
função. Segundo o magistério de Dirley da Cunha Júnior,
250
Art. 2º. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
251
CUNHA JÚNIOR Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004, p.
315.
109
Ora, pelo que se extrai do Art. 2º 253da Constituição Federal, a separação de Poderes se
assenta na independência e na harmonia entre os órgãos do Poder político. Isso significa que,
nas palavras de José Afonso da Silva, não obstante a independência orgânica - no sentido de
não haver entre eles qualquer relação de subordinação ou dependência no que tange ao
exercício de suas funções -, a Constituição Federal instituiu o mecanismo de controle mútuo,
onde há ‘interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos,
à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para
evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro e especialmente dos
governados’.254
252
CUNHA JÚNIOR Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004, p.
316.
253
Art. 2º. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
254
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ed., São Paulo: Malheiros, 1992, p. 101.
110
especializado, desde que compatível com sua atividade fim. Desse modo, a separação absoluta
entre os Poderes não é só impossível, haja vista a unidade do Poder político e a tarefa comum
a todos, mas também indesejada, pois conduziria a um isolamento entre eles.
A propósito, vale aqui citar a lição de José Carlos Vasconcellos dos Reis para quem:
255
REIS, José Carlos Vasconcellos dos. As normas constitucionais programáticas e o controle do Estado. Rio de
Janeiro: Renovar, 2003, p. 239.
111
Nesse diapasão, conforme assevera Andreas Joachim Krell, não parece lícito invocar
regras abstratas e ortodoxas sobre a separação de Poderes, nem ‘pensar na subsistência radical
daquilo que no passado sugerira Montesquieu’, para com isso desprezar a realidade presente e
renunciar a soluções práticas de utilidade geral. E registra: O Estado Social moderno requer
uma reformulação funcional dos Poderes no sentido de uma distribuição que garanta um
sistema eficaz de freios e contrapesos, para que “a separação dos Poderes não se interponha
como véu ideológico que dissimule e inverta a natureza eminentemente política do Direito”.
Na medida em que as leis deixam de ser vistas como programas condicionais e assumem a
forma de programas finalísticos, o esquema clássico da divisão dos Poderes perde sua
atualidade.257
Na lição de José Afonso da Silva, hoje, o princípio não configura mais aquela rigidez
de outrora. A ampliação das atividades do Estado contemporâneo impôs uma nova visão da
teoria da separação de Poderes e novas formas de relacionamento entre os órgãos Legislativo
e Executivo e destes com o Judiciário, tanto que atualmente prefere falar em colaboração de
Poderes, que é característica do parlamentarismo, em que o governo depende da confiança do
256
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004, pp.
329-331.
257
KRELL, Andréas Joachim.Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha.Fabris Editor,2002
p.90.
112
Neste contexto, para Dirley da Cunha Júnior, o dogma da separação de Poderes deve
ser compreendido num terreno onde radicam todas as dimensões de direitos fundamentais, as
quais, para se concretizarem, impetram uma hermenêutica de princípios sujeitos a colidirem,
não havendo, porém, instância mais recorrida para dirimir as colisões nas estruturas
constitucionais do Estado Democrático de Direito do que a jurisdição constitucional.259
Andreas Joachim Krell, ancorado em Rodolfo de Camargo Mancuso, assinala que ‘não
há fundamento técnico-jurídico ou argumentação logicamente sustentável que dê respaldo a
uma pretensa assimilação entre as políticas públicas e os atos exclusivamente políticos ou
puramente discricionários. Dada à indisponibilidade do interesse público, torna-se pequena a
margem de efetiva discrição nos atos e condutas da Administração Pública (liberdade
vigiada)’.260
Desse modo, o apego exagerado à teoria da separação dos Poderes é resultado de uma
postura conservadora da doutrina constitucional tradicional, que não mais se coaduna com o
moderno Estado Social, que confere condições ao Judiciário para que ele assegure a
efetividade dos direitos fundamentais, especialmente quando se apresenta um quadro de
ameaça ou violação daqueles, cumprindo-lhe a elevada missão de impedir e desfazer as
ofensas que ameaçam e afrontam os direitos fundamentais.
258
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ed., São Paulo: Malheiros, 1992, p. 100.
259
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004, p.
342.
260
KRELL, Andreas Joachim.Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha.Fabris Editor,2002
p.91.
113
261
LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais: O dilema do Judiciário no Estado Social
de Direito. Em: Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. (org.) José Eduardo Faria, 1ed. 4tir, São Paulo:
Malheiros, 2005, pp.131/133.
114
Para Celso Ribeiro Bastos, o orçamento é uma peça contábil que faz, de uma parte,
uma previsão das despesas a serem realizadas pelo Estado, e, de outra parte, o autoriza a
efetuar a cobrança, sobretudo de impostos e também de outras fontes de recursos, tendo
repercussões econômicas, políticas e jurídicas. Mais adiante registra que a atual Constituição
consagra, além da modalidade de orçamento tradicional ou anual, mais duas: o orçamento
plurianual e a lei de diretrizes orçamentárias, sendo essas modalidades de iniciativa do Poder
Executivo.264
Andreas Joachim Krell, aduz que perante esta caracterização, torna-se ainda mais
lamentável o fato de que no Brasil, não há vinculação legal dos governos de executar os
orçamentos, isto é, os agentes do Poder Executivo nos três níveis federativos não são
obrigados a aplicar os recursos financeiros previstos pela lei orçamentária para determinadas
tarefas e serviços sociais. Como conseqüência, muitos governantes interpretam a aprovação
do Legislativo à sua proposta orçamentária não como imposição, mas simples autorização
para gastar dinheiro nas respectivas áreas. Desse modo, quem analisar essas propostas poderá
“ganhar a impressão de efetiva preocupação do governo com os Direitos Humanos, mas tal
impressão se desfaz quando se verifica quanto foi efetivamente gasto”.265
262
KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Fabris Editor, 2002,
p.99.
263
TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. Em: Teoria dos Direitos
Fundamentais. 2ed., Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2001, p. 282.
264
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 21ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 442.
265
KRELL. Op. cit., p.100.
115
assevera que o controle não poderá se restringir apenas à fixação abstrata das metas de
orçamento – sob pena de ser inócuo -, mas deverá também afetar a inclusão daquela meta, de
fato, no plano de execução orçamentária.266
De acordo com José Reinaldo de Lima Lopes, uma solução para o problema da
dedicação insuficiente de verbas públicas para a realização de serviços sociais seria a
contestação e o controle das leis orçamentárias do respectivo ente federativo, por ação direta
de inconstitucionalidade (por meio do Ministério Público, Art. 102 da Constituição Federal)
toda vez que contrariem dispositivos constitucionais.268
266
BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos
fundamentais: O controle político-social e o controle jurídico no Espaço Democrático. Em: A
Constitucionalização do Direito. (coords.) Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento. Lumen Juris .
2007, p. 617 (nota de rodapé).
267
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise. 2ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000,
p.45.
268
LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais: O dilema do Judiciário no Estado Social
de Direito. Em: Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. Org. José Eduardo Faria, 1ed. 4tir, Malheiros,
2005, p. 13.
116
Repise-se que pelo fato dos direitos sociais prestacionais terem por objeto prestações
do Estado, diretamente vinculadas à destinação, distribuição e redistribuição, bem como a
criação de bens materiais, não se pode desprezar a pertinência da discussão sobre a dimensão
econômica para implementação das políticas públicas viabilizadoras da fruição e desfrute dos
direitos sociais consagrados na Constituição Federal.
Nesse contexto, surge a discussão sobre a chamada “reserva do possível” que foi
desenvolvida na Alemanha, num contexto jurídico e social totalmente diverso da realidade
brasileira, e que apregoa que o reconhecimento dos direitos subjetivos prestacionais depende
da disponibilidade dos respectivos recursos públicos necessários para satisfazerem as
prestações materiais que constituem seu objeto (saúde, educação, assistência, etc). Assim, a
decisão sobre a disponibilidade desses recursos insere-se no espaço discricionário das opções
do governo e do parlamento, através da composição dos orçamentos públicos.
269
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 6ed., Coimbra:
Almedina, 2002, p. 479.
117
Neste particular, pertinente se mostra a digressão feita por Andreas Joachim Krell,
autor alemão, profundo conhecedor da realidade existente no Brasil, pois aqui vive desde
1993, que assim registra:
Ora, num Estado em que o povo carece de um padrão mínimo de prestações sociais
para a sobrevivência, onde milhares de pessoas não têm o que comer, onde há inúmeras
crianças e jovens fora da escola, trabalho infantil, trabalho escravo, desnutrição infantil em
grande escala, onde não há saneamento básico e mínimas condições de higiene, atendimento
médico precário e deficitário, inclusive com falta de remédios, onde milhares de pessoas
vivem abaixo da linha de pobreza, não se garantindo a mínima dignidade, os direitos sociais
não podem ficar reféns da “reserva do possível”, desenvolvida para os padrões de vida e
desenvolvimento de um país rico como a Alemanha, cuja realidade social é diametralmente
oposta à dos países periféricos e em desenvolvimento, como o Brasil.
270
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004,
p.307.
271
KRELL, Andreas Joachim.Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha.Fabris Editor, 2002,
p.54.
118
Importante assinalar que para alguns dos autores brasileiros que aderiram ao conceito
da “reserva do possível”, caberia ao Poder Público o ônus da comprovação efetiva da
indisponibilidade total ou parcial de recursos, do não desperdício dos recursos existentes,
assim como a eficiente aplicação dos mesmos.
Nessa senda, Andreas Joachim Krell destaca que para não precisar negar por completo
a efetividade dos direitos sociais sob o argumento da “reserva do possível”, Gustavo Amaral
recomenda a exigência de que “o Estado demonstre, judicialmente, que tem motivos fáticos
razoáveis para deixar de cumprir, concretamente, a norma constitucional assecuratória de
prestações positivas”; “demonstrada a ponderabilidade dessas razões, não poderia o Judiciário
se substituir ao Administrador”, apontando que:
Nesse contexto, não parece bem escolhido o exemplo trazido pelo autor,
que deveria ficar a critério do Executivo a escolha se tratará com os
recursos disponíveis “milhares de doentes vítimas de doenças comuns à
pobreza ou um pequeno número de doentes terminais de doenças raras ou
de cura improvável”. A resposta coerente na base da principiologia da Carta
de 1988 seria: tratar todos! E se os recursos não são suficientes, deve-se
retirá-los de outras áreas (transporte, fomento econômico, serviço da dívida)
onde sua aplicação não está intimamente ligada aos direitos mais essenciais
do homem; sua vida, integridade física e saúde. Um relativismo nessa área
pode levar a “ponderações” perigosas e anti-humanistas do tipo “por que
gastar dinheiro com doentes incuráveis ou terminais?, etc. 273
É sabido que muitas vezes a “reserva do possível” tem sido utilizada no Brasil como
argumento impeditivo da intervenção judicial e desculpa genérica para a omissão estatal no
campo da efetivação dos direitos fundamentais, especialmente de cunho social. Desse modo,
parece difícil que um Ente Público não possa conseguir “justificar” sua omissão social perante
272
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004,
p.310.
273
KRELL, Andreas Joachim.Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha.Fabris Editor, 2002,
p.52.
119
Andreas Joachim Krell assinala que fica claro que uma transferência mal refletida do
conceito de “reserva do possível” e do entendimento dos direitos sociais como mandados (e
não legítimos Direitos Fundamentais) constituiria “uma adoção de soluções estrangeiras, nem
sempre coerentes com as verdadeiras necessidades materiais” do país, que, “há muitas
décadas, pode ser observada na elaboração judiciária brasileira”.276
Do mesmo modo, com apoio na atual Constituição, não vinga o entendimento de que
a “reserva do possível” também obsta a competência do Judiciário para decidir acerca da
distribuição dos recursos públicos orçamentários. Com efeito, não se pode inverter a
hierarquia, tanto em termos jurídico-normativos, quanto em termos axiológicos, quando se
274
KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha.Fabris Editor, 2002,
p.54.
275
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004,
p.310-311.
276
KRELL. Op. cit., p. 56.
120
De qualquer sorte, segundo a lição de Andreas Joachim Krell, não podemos admitir
que os Direitos Fundamentais tornem-se, pela inércia do Legislador, ou pela insuficiência
momentânea ou crônica dos fundos estatais “substrato de sonho, letra morta, pretensão
perenemente irrealizada [...]”.279
277
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. 3 reimp. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madrid:
Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 495.
278
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004,
p.313.
279
KRELL, Andreas Joachim.Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Fabris Editor, 2002,
p.102.
121
Anote-se que não há a mínima possibilidade de se esgotar o tema, por demais amplo e
complexo e que, por certo, comportaria várias teses e digressões, até porque, havendo no
direito pátrio os controles concentrado e difuso de constitucionalidade, em princípio, de modo
incidental, a jurisdição constitucional poderia ser provocada por qualquer ação judicial do
processo de conhecimento, cautelar, de execução ou sujeita a procedimentos especiais.
Assim, aqui se fará uma breve alusão a alguns instrumentos processuais previstos no
próprio Texto Constitucional para a viabilização do aludido controle judicial das políticas
públicas, com destaque para aqueles pertinentes ao controle difuso de constitucionalidade,
sobretudo para ação civil pública, que tem se apresentado como o mais eficiente e completo
meio processual na defesa dos direitos fundamentais.
À guisa de introdução, vale assinalar que a jurisdição constitucional tem sido alvo de
inúmeras críticas no que concerne a sua legitimidade, notadamente quando se referem
aspectos como os fenômenos de “politização do Judiciário” e de “judicialização da política”,
onde os limites e a legitimidade do controle de constitucionalidade são colocados à prova em
face da tradicional noção de separação de Poderes, conforme já destacado em linhas
122
Nesta perspectiva, somam-se teorias pró e contra o assim chamado “ativismo judicial”,
teorias estas que podem ser enquadradas, para fins de classificação, no binômio
“substancialismo x procedimentalismo”, em cujas fileiras se alinham diversos autores de
diferentes latitudes, ainda que não se intitulem ou filiem expressamente a uma ou outra linha
de pensamento, conforme sustentem ou não um maior ou menor grau de atuação dos
Tribunais Constitucionais no contexto Democrático.
É inequívoco, pois, na esteira do que sustenta Dirley da Cunha Júnior, que atualmente,
os novos conflitos sociais decorrentes do surgimento da sociedade de massa, tem exigido dos
órgãos da justiça constitucional uma atuação mais ativa na efetivação das normas
constitucionais. Neste cenário, a melhor das justificativas da legitimidade da justiça
constitucional e da jurisdição constitucional, como efetivo instrumento de controle judicial
das omissões do Poder Público, é que o que caracteriza a Democracia não é, propriamente, a
intervenção do povo na feitura das leis – hoje mera ficção – mas sim, o respeito aos direitos
fundamentais da pessoa humana cuja guarda e defesa incumbe ao Poder Judiciário.281
280
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito. 2ed., Rio de
Janeiro: Forense, 2004, p. 102.
281
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004,
p.385.
123
Conforme assinala José Reinaldo de Lima Lopes, naturalmente hoje em dia já existem
mecanismos processuais, ainda novos para os padrões da tradição jurídica, que possibilitam o
ingresso de substitutos processuais de interesses coletivos, especialmente as ações civis
públicas, nas diversas formas de defesa dos consumidores prevista no Código de Defesa do
Consumidor, os mandados de injunção e a ampliação da legitimidade para propositura da ação
direta de inconstitucionalidade. Mesmo assim, não havendo, ou não aparecendo interessados
na propositura de tais ações, a questão ficará adstrita aos meios individuais de defesa de
interesses, fazendo com que se fragmentem decisões que, a rigor, deveriam atingir toda uma
política. Mais adiante, acrescenta:
As garantias dos direitos sociais podem, por isso, ser efetivadas hoje por
alguns caminhos que variam em natureza: quando se falar em direito
público subjetivo o cidadão está habilitado a exigir do Estado seja a
prestação direta, seja indenização; quando se tratar de garantia geral os
caminhos serão: por meio do Ministério Público (art. 129 da Constituição
282
DALARI, Dalmo de Abreu. O controle de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. Em: O Poder
Judiciário e a Constituição. Coleção Ajuris, 1977, pp. 151-183, p.167.
124
Vale destacar, por oportuno, que a Constituição brasileira autorizou aos Estados a
instituição de controle concentrado-principal de constitucionalidade de suas leis ou atos
normativos estaduais ou municipais em face de suas Constituições Estaduais, por meio de
ação direta de inconstitucionalidade tanto por ação, como por omissão, de competência
exclusiva dos Tribunais de Justiça, vedando apenas a legitimidade para agir a um único órgão
(Art.125, § 2º)284.
283
LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais: O dilema do Judiciário no Estado Social
de Direito. Em Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. Org. José Eduardo Faria, 1ed. 4 tir, São Paulo:
Malheiros, 2005, pp. 134 e 137.
284
Art. 125 [...] § 2º Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos
normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para
agir a um único órgão.
125
meio do qual será dirimida uma questão constitucional. Não se compõe por meio delas,
qualquer conflito de interesse.
Cumpre assinalar que para Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a expressão “remédios
constitucionais” designa os direitos-garantia que servem de instrumento para a efetivação da
tutela, ou proteção, dos direitos fundamentais. Como essa proteção é essencialmente confiada
ao Judiciário, no direito brasileiro, são esses remédios ações especiais pelas quais se emite a
pretensão à tutela de um direito por parte desse Poder.286
287
A ação popular está consagrada no inciso LXXIII , do Art. 5º da Constituição
Federal, tendo por objeto de proteção a tutela, para além do patrimônio público, da
moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural. Está
disciplinada na Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, que lhe traçou um procedimento
específico e aspectos processuais próprios.
manifestação direta da soberania popular, em face da qual o próprio povo toma a iniciativa de
defender, preventiva ou corretivamente, a coisa pública, considerada um direito fundamental
da coletividade. Todo cidadão brasileiro, portanto, no gozo de seus direitos políticos, é parte
legítima para ajuizá-la, agindo como substituto processual de toda a população. Assim,
estrangeiros e pessoas jurídicas não podem propô-la. O Ministério Público não pode ser autor,
mas oficia na ação popular como fiscal da lei, ativador das provas e auxiliar do autor popular,
e como substituto e sucessor do autor, em caso de desistência (legitimação ativa subsidiária).
Por atos lesivos, podem ser consideradas as ações e as omissões do Poder Público lesivas
àqueles bens e valores jurídicos. A sentença fará coisa julgada “erga omnes”, exceto se
julgada improcedente por deficiência de provas. Neste caso poderá ser ajuizada novamente.
O mandado de segurança está consagrado nos incisos LXIX 288 e LXX289, do Art. 5º da
Constituição Federal, na modalidade individual e coletiva, respectivamente, podendo ter
caráter preventivo ou corretivo. Esse remédio constitucional destina-se especificamente a
proteger direito líquido e certo, individual ou coletivo, violado ou ameaçado de violação por
ato de autoridade pública ou de agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições públicas,
praticado ilegalmente ou com abuso de poder. Conforme afiança Dirley da Cunha Júnior, o
ato impugnado pela via do mandamus abrange qualquer conduta positiva ou omissiva, de tal
modo que esse remédio constitucional revela-se como um poderoso mecanismo de controle
incidental das omissões do Poder Público, nas hipóteses de violação a direito líquido e certo,
decorrente de omissão total ou parcial, normativa ou não-normativa, do Poder Público.
Assim, por meio dele, o Poder Judiciário pode e deve exercer a jurisdição constitucional
incidental para suprir as omissões inconstitucionais do Poder Público, a fim de assegurar a
efetividade e o pleno gozo dos direitos fundamentais.290
288
LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas
corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou
agente de pessoa jurídica no exercício de atribuição do Poder Público.
289
LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no
Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em
funcionamento há pelos menos um ano, em defesa dos interesses dos interesses de seus membros.
290
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004,
p.450.
127
Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a ação civil não é verdadeiramente uma
291
garantia constitucional, mas faz às vezes de, na hipótese consagrada no inciso III do Art.
129, da Constituição Federal.292
Luiza Cristina Fonseca Frischeisen afirma que, a ação civil pública, garantia jurídica
de direito constitucional, constitui instrumento do Ministério Público (em conjunto com o
inquérito civil público e outros procedimentos administrativos) para a defesa do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, encontra-se
processualmente disciplinada na Lei nº 7.347/85, com as modificações introduzidas pelo
Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e Lei nº 8.884/94 (que dispõe, entre
outras providências, sobre a prevenção e a repressão de infrações econômicas). 293
De qualquer forma, a ação civil pública vem consagrada pela Constituição Federal
como uma das funções institucionais do Ministério Público, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. A partir daí,
sucederam-se outras leis, dispondo sobre a referida ação coletiva: a Lei nº 7.853/89, que fixou
como objeto de sua tutela os interesses coletivos e difusos das pessoas portadoras de
deficiência; a Lei nº 7.913/89, que dispôs sobre a responsabilidade por danos causados aos
investidores no mercado de valores mobiliários; a Lei nº 8.069/90, mais conhecida como
Estatuto da Criança e do Adolescente, que regulou a proteção judicial dos interesses difusos,
coletivos e individuais assegurados às crianças e aos adolescentes.
Mas foi com o advento da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) que a
ação civil pública ganhou contornos mais precisos e teve seu objeto ampliado para abranger,
muito além dos interesses e direitos difusos e coletivos, a categoria dos direitos individuais
homogêneos. A ação civil pública pode ter por objeto a condenação em dinheiro ou o
cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, sendo que a sentença de procedência
proferida em sua sede fará coisa julgada “erga omnes”, limitada, contudo, à competência
territorial do órgão judicial prolator. Conforme adverte Dirley da Cunha Júnior, a sentença de
291
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: [...] III – promover o inquérito civil e a ação civil
pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos.
292
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 9ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p.
162.
293
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000, p.124.
128
improcedência, por deficiência de provas, não fará coisa julgada material, podendo ser
proposta novamente, por outro co-legitimado com idêntico fundamento, desde que se valha de
novas provas.294
Cumpre destacar, que a ação civil pública tem sido utilizada como meio eficaz de
responsabilização do agente público que, não cumprindo com o seu dever, desrespeita direito
alheio, coletivamente considerado, impondo-lhe uma obrigação de fazer, sobretudo quando se
trata de inobservância dos direitos sociais e implementação das respectivas políticas públicas.
Nesta senda, ainda de acordo com o explicitado por Dirley da Cunha Júnior, a ação
civil pública, dada a sua destinação constitucional, tem se revelado como um dos mais
importantes e mais completos instrumentos de controle incidental de constitucionalidade na
proteção dos direitos subjetivos. No que concerne ao controle das omissões do Poder Público,
essa ação coletiva tem a virtude de propiciar uma atuação judicial abrangente no controle para
a implementação das políticas públicas necessárias à efetivação dos direitos fundamentais,
sobretudo dos direitos sociais. Por meio dela, por exemplo, o Ministério Público pode e até
deve propor ao Judiciário um efetivo controle do Poder Público na realização de políticas
públicas determinadas vinculativamente pela Constituição nas áreas sociais (como, por
exemplo, na saúde, educação, previdência, assistência, cultura, criança e adolescente, idoso,
portador de deficiência, meio ambiente e índio) 295
294
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004, p.
452.
295
CUNHA JÚNIOR. Op. cit., p. 458.
129
Em suma, o controle judicial da constitucionalidade das políticas públicas tem por fim
justamente o confronto de tais políticas com os objetivos constitucionalmente vinculantes a
atividade de governo. E a ação civil pública, reitere-se, apresenta-se como um eficaz e amplo
remédio para atingir esse desígnio.
296
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000, p.125-127.
297
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade
livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça,
sexo, cor, idade ed quaisquer outras formas de discriminação.
130
CONCLUSÃO
4) Os direitos sociais, que integram o rol dos direitos fundamentais, representam uma
garantia constitucional das condições mínimas e indispensáveis para uma existência digna.
Decorrem do princípio da igualdade e possuem como traço característico à dimensão positiva
no sentido de exigir do Estado uma intervenção para atender as necessidades do indivíduo e
da coletividade, de modo a viabilizar a dignidade da pessoa humana.
10) As ações estatais, exercidas diretamente pela Administração Pública ou por seus
agentes delegados, visando a concretização dos direitos sociais, constituem políticas públicas,
sendo que a ordem social constitucional estabelece várias políticas públicas para o efetivo
exercício dos direitos sociais.
11) A conduta comissiva falha, assim como omissão no cumprimento das normas
constitucionais da ordem social dão ensejo à responsabilização do Administrador Público,
assim como do Legislador, pois tais condutas são inconstitucionais.
nenhuma, pois os limites já foram traçados pela própria Constituição. Assim, há vinculação e
não discricionariedade.
14) Tanto os atos administrativos deficitários, assim como a omissão do Poder Público
na implantação das políticas públicas, delineadas na Constituição Federal, são passíveis de
controle judicial.
17) O dogma da separação de Poderes não mais se coaduna com o atual estágio do
Estado Democrático Social de Direito, sobretudo diante da nova ordem constitucional
inaugurada a partir de 1988, de modo que sua revisão se mostra inevitável. Ao invés de falar
em separação de Poderes, deve-se sustentar um equilíbrio entre eles, num contexto no qual o
Poder Judiciário possa exercer uma efetiva atividade de controle dos outros Poderes,
particularmente quando estes se apresentem omissos diante das imposições constitucionais.
133
18) A figura do juiz neutro e inerte não mais se coaduna com o atual estágio do Estado
Democrático Social de Direito. O chamado “ativismo judicial” deve ser estimulado sobretudo
na implementação concretizadora de políticas públicas definidas pela própria Constituição e
que lamentavelmente são descumpridas, por injustificável inércia dos órgãos estatais
competentes.
19) Impõe-se uma mudança paradigmática na postura do Poder Judiciário, por meio da
atuação concreta dos magistrados que devem se libertar dos valores liberais do Estado
burguês arraigados na doutrina constitucionalista tradicional, adotando uma nova óptica de
interpretação hermenêutica, calcada nos valores e princípios constitucionais, que possuem
como vetores máximos o bem-comum e a dignidade da pessoa humana. Em uma frase, a
adoção da “interpretação principiológica”.
20) O acesso à Justiça é fundamental para o efetivo exercício dos direitos sociais,
funcionando a prestação jurisdicional como instrumento de garantia de tais direitos. O
Judiciário pode e deve, mediante decisões firmes, exercer seu importante papel no processo
político de realização dos direitos fundamentais sociais.
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