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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA - UNIMAR

FACULDADE DE DIREITO

GILBERTO FERREIRA DA ROCHA

A UTILIZAÇÃO DO JUDICIÁRIO PARA QUESTIONAR E


OBRIGAR A ADMINISTRAÇÃO A DESENVOLVER POLÍTICAS
PÚBLICAS

MARÍLIA
2008
GILBERTO FERREIRA DA ROCHA

A UTILIZAÇÃO DO JUDICIÁRIO PARA QUESTIONAR E OBRIGAR A


ADMINISTRAÇÃO A DESENVOLVER POLÍTICAS PÚBLICAS

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em


Direito da Universidade de Marília, como exigência
parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito, sob
a orientação do Prof. Dr. RUY DE JESUS MARÇAL
CARNEIRO.

MARÍLIA
2008
GILBERTO FERREIRA DA ROCHA

A UTILIZAÇÃO DO JUDICIÁRIO PARA QUESTIONAR E OBRIGAR A


ADMINISTRAÇÃO A DESENVOLVER POLÍTICAS PÚBLICAS

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília,


área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social,
sob orientação do Prof. Dr. RUY DE JESUS MARÇAL CARNEIRO.

Aprovado pela Banca Examinadora em: 06/06/2008

_____________________________________________________
Prof. Dr. RUY DE JESUS MARÇAL CARNEIRO
Orientador
_____________________________________________________
Prof. Dr. LOURIVAL JOSÉ DE OLIVEIRA

_____________________________________________________
Prof (a). Dra. TÂNIA LOBO MUNIZ
A UTILIZAÇÃO DO JUDICIÁRIO PARA QUESTIONAR E OBRIGAR A
ADMINISTRAÇÃO A DESENVOLVER POLÍTICAS PÚBLICAS

RESUMO

Esta dissertação preconiza a utilização do Judiciário para cobrar, por meio de ações judiciais,
a implementação de políticas públicas sociais tendentes à realização dos objetivos
constitucionais do Estado brasileiro, sobretudo o da dignidade da pessoa humana, sem que
isto implique em qualquer ofensa ao princípio da separação dos poderes ou à
discricionariedade administrativa, não servindo, como argumento para afastar o controle
judicial das políticas públicas, a chamada “reserva do possível”. O propósito, então, é de
repensar o papel político do Judiciário num Estado Democrático Social de Direito, onde o
Poder Público, aqui entendido como Executivo e Legislativo, tem fracassado na tarefa de
garantir o gozo e fruição dos “direitos fundamentais sociais” consagrados na Constituição
Federal e que demandam uma prestação positiva do Estado. Defende-se que, por meio de
ações judiciais, seria possível, por exemplo, fazer com que o Administrador Público crie
vagas no ensino de primeiro grau, que construa creche para crianças de zero a seis anos, que
melhore o transporte coletivo, amplie a distribuição de remédios e serviços de saúde aos
carentes, entre outras providências. Nessa ordem de idéias impõe-se uma mudança de
paradigma a fim de que os estudiosos do Direito, sobretudo os magistrados, deixem de lado a
postura meramente positivista calcada na doutrina do Estado Liberal, atrelada à doutrina
constitucional tradicionalista, passando a adotar uma interpretação constitucional, de cunho
mais aberto e principiológico, consentânea com a realidade brasileira, com vistas à produção
da solução constitucionalmente adequada para o problema a ser resolvido, buscando atingir,
dessa forma, por meio da atividade jurisdicional, os fundamentos e objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil, previstos nos Arts. 1º e 3º da Constituição Federal,
especialmente a dignidade da pessoa humana e a erradicação da pobreza, da marginalização, e
a redução das desigualdades sociais e regionais. Nesse desiderato, releva anotar que o tema é
tão importante como complexo, de modo que, buscar-se-á no decorrer do presente trabalho
enfocar os pontos cruciais da questão e chamar a atenção para um dos maiores desafios da
atualidade, qual seja, o de conferir efetividade e aplicabilidade imediata aos “direitos
fundamentais”, de acordo com o § 1º do Art. 5º da Constituição Federal, para a concretização
plena dos direitos sociais prestacionais, por meio de políticas públicas vinculantes não só para
o Legislador e para o Administrador, mas também para o Judiciário, que em última análise é o
guardião da Constituição Federal.

Palavras-chave: Judiciário; políticas públicas; reserva do possível; separação dos Poderes.


THE MANAGEMENT OF THE JUDICIARY TO QUESTION AND COMPEL THE
ADMINISTRATION IN ORDER TO DEVELOP PUBLIC POLICIES

ABSTRACT

This dissertation proclaims the usage of the Judiciary to demand through judiciary actions the
insertion of social public policies tending to the accomplishment of constitutional goals in the
Brazilian government, above all the dignity of a human being, and we must be aware not to
lead it to an offense for the separation of powers principle or even for the discretionary
administration, which may not be an argument to repel the judiciary control of public policies,
called “reservation principle”. Thus, we proposed a discussion on the political role played by
the Judiciary in a Social and Democratic State of Rights, in which the Public Power,
understood here as the Legislative and Executive, have been failing when they have not been
achieving the tasks of assuring a total possession of the “fundamental social rights”,
guaranteed in the Constitution, which demands a positive resignation from the State. People
say that, through judiciary actions, it would be possible, for example, to have the creation of
vacancy in Elementary Schools by the Public Administrator, as well as the construction for
children rating from 0 to 6 years-old; an improvement in collective transportation; to
empower the spread of medicines and medical services for those who doesn´t have financial
conditions, among other propositions. Inside of this order of ideas, a change in the paradigm
is claimed, so the Law experts, especially magistrates, must leave pure positivist ideas behind,
which were based on the Theory of the Liberal State, but linked to the Constitutional
Doctrine, adopting then a constitutional interpretation, much more free and based on
principles, adequate to the Brazilian quotidian, aiming the production of a constitutional
solution which will fit to the problem that has to be solved, thus, trying to reach through the
jurisdictional activity the fundaments and most important objectives in the Brazilian Republic,
which are in the 1st and 3rd Articles of the Constitution, especially the dignity of human beings
and the eradication of poverty, of marginalization and the reduction of social and regional
inequalities. With such a will, it is relevant to see that the subject is very important, as well as
complex; so, we will try throughout the development of this research to focus the crucial
elements of this question and emphasize one of the biggest challenges nowadays, which is to
give effectiveness and immediate applicability to “fundamental rights”, according to 1st § of
the 5th Article in the Constitution, to a fulfillment of the social rights, through linking public
policies not only for the legislator, but also for the administrator and Judiciary, which is the
guardian of the Constitution.

Key-words: Judiciary; public policies; reservation principle;separation of powers.


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...................................................................................................................... 06

1. DIREITOS FUNDAMENTAIS....................................................................................... 12
1.1. Aspectos históricos......................................................................................................... 16
1.2 Direitos Fundamentais na Constituição de 1988............................................................. 25
1.3 Direitos Sociais na Constituição de 1988........................................................................ 38
1.4 A questão da eficácia dos Direitos Fundamentais........................................................... 46

2. POLÍTICAS PÚBLICAS E CONCRETIZAÇÃO DA ORDEM


CONSTITUCIONAL SOCIAL ................................................................................ 55
2.1 Conceitos possíveis de Políticas Públicas...................................................................... 59
2.2 Os direitos dos cidadãos e as prestações positivas do Estado......................................... 63
2.3 Os Direitos Sociais coletivos e as Políticas Públicas...................................................... 68
2.4 A responsabilidade da Administração pelo não cumprimento das Políticas Públicas da
ordem social constitucional............................................................................................. 72
2.5 A discricionariedade mínima da Administração na implementação das Políticas Públicas
constitucionais................................................................................................................. 82
2.6 A chamada politização do Judiciário e a judicialização da Política................................ 87

3. O PAPEL DO JUDICIÁRIO E O ACESSO À JUSTIÇA........................................... 97


3.1 O Princípio da independência dos Poderes..................................................................... 107
3.2 Orçamento e finanças públicas – o princípio da reserva do possível. ............................113
3.3 Instrumentos jurídicos para concretização das Políticas Públicas. ................................ 121

CONCLUSÃO.....................................................................................................................130

REFERÊNCIAS..................................................................................................................134
INTRODUÇÃO

A Assembléia Nacional Constituinte, institui um Estado Democrático, destinado a


assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar,
o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e
internacional, com a solução pacífica das controvérsias, conforme enuncia o preâmbulo da
Constituição Federal de 1988 que, embora não faça parte do Texto Constitucional, deve ser
observado como elemento de interpretação e integração, pois por meio dele é possível extrair
as grandes finalidades da Constituição Federal.

No contexto e circunstâncias em que foi promulgada, após mais de vinte anos de


ditadura militar, em meio às manifestações e mobilizações de verdadeiras multidões
capitaneadas por artistas, intelectuais, políticos, todos engajados no movimento “diretas já”,
com significativa participação dos meios de comunicação de massa, a Constituição de 1988
inegavelmente gerou grande expectativa no povo brasileiro, com a renovação das esperanças
nos ideais republicanos de liberdade e igualdade e de uma sociedade mais fraterna e solidária.
De fato, a atual Constituição, adjetivada de “cidadã”, é reconhecidamente uma das mais
avançadas do planeta quando se fala em Estado Democrático Social de Direito.

Ocorre que passados quase vinte anos de sua promulgação, apesar de assegurar
formalmente os direitos sociais e individuais, tendo como fundamento a dignidade da pessoa
humana e como objetivo a erradicação da pobreza e da marginalização e redução das
desigualdades sociais, o que se tem observado na prática é que a Constituição da República
pouco tem contribuído para o melhoramento da qualidade de vida da população, sobretudo em
função da própria ineficiência do Estado brasileiro de prover os serviços públicos básicos e
essenciais, como saúde, educação, saneamento básico e assistência social, para a grande
maioria do povo.

Diante desse quadro, em que se verifica um descompasso entre os direitos


fundamentais sociais consagrados pela Constituição Federal e as ações ou, no mais das vezes,
as omissões do Poder Público quanto ao desenvolvimento de políticas públicas aptas a
concretizarem o mandamento constitucional, é que ganha relevância uma dupla série de
questões jurídicas a serem enfrentadas: Em primeiro lugar, trata-se de saber se os cidadãos em
7

geral têm ou não o direito de exigir, judicialmente, a execução concreta de serviços públicos.
Em segundo lugar, trata-se de saber se e como o Judiciário pode provocar a execução de tais
políticas, no bojo de uma ação judicial, visando suprir a incúria dos outros Poderes.

Além disso, outro fator que igualmente contribuiu para a escolha do tema decorre da
verificação do grande interesse despertado não só nos constitucionalistas modernos e
membros da academia, de visão mais arejada, conscientes do papel que desempenham na
sociedade, mas também de políticos, representantes da sociedade civil organizada e dos
operadores do Direito, especialmente da magistratura, carreira da qual este pesquisador tem a
honra de fazer parte, que cada vez mais tem se deparado com tão tormentosa e desafiadora
questão.

Mas, diante da problemática ora apresentada à discussão, algumas indagações e


inquietações vêm à mente: será que diante da concepção tripartida de poder, concebida por
Montesquieu como princípio de organização do Estado constitucional, o Judiciário teria
legitimidade para julgar questões políticas de competência dos Poderes Legislativo e
Executivo, cuja legitimidade política decorre da democracia representativa, obrigando-os a
idealizar, criar e executar políticas públicas previstas na Constituição, em prol da sociedade
civil?

E o Judiciário, que não tem como atividade típica gerir e administrar os recursos
públicos, não podendo influir espontaneamente na lei orçamentária de iniciativa do Executivo
e de competência do Legislativo, poderia determinar a implementação de políticas públicas
que demandam gastos de dinheiro público e, portanto, dependeriam da disponibilidade
financeira do Estado? E, caso o Judiciário se mantivesse preso a métodos formais da teoria
jurídica tradicional, indiferente às evoluções e transformações sociais, qual seria a garantia da
população de que seus direitos sociais básicos e fundamentais consagrados na Constituição
Federal seriam colocados à disposição pelo Poder Público?

Na medida em que se depara com tais indagações e questionamentos é que o


profissional do Direito se vê instigado a estudar com maior profundidade o assunto e,
conseqüentemente, se debruçar não só sobre questões de natureza jurídica, mas também
históricas, humanitárias, filosóficas e sociológicas, a fim de melhor entender e compreender o
8

fenômeno social concreto, sua origem, suas conseqüências e, assim, procurar eventuais
possibilidades de solução diante do ordenamento jurídico existente.

Em razão disso, o presente estudo se propõe a investigar os argumentos dos que


defendem e dos que rejeitam a idéia do controle judicial das políticas públicas, sobretudo em
razão do aparente confronto com o princípio da separação dos Poderes consagrado no Art. 2º
da Constituição Federal e com a discricionariedade do Legislador e do Administrador,
traduzida pelo binômio conveniência-oportunidade, mas não de forma exauriente, já que o
tema é complexo e composto por inúmeros desdobramentos, os quais, cada um de per si,
comportaria uma dissertação, e sim de modo conjuntural e sistêmico, sem que isto implique,
de maneira alguma, no refúgio confortável da neutralidade, já que no decorrer da pesquisa
haverá uma evidente tomada de posição entre o “substancialismo” e o “procedimentalismo”
constitucionais.

Neste contexto, o objetivo principal deste ensaio é discutir o papel do Judiciário num
Estado do Bem-Estar Social, que tem por objetivos a construção de uma sociedade mais justa,
igual e solidária, assim como a erradicação da pobreza, da marginalização, bem como da
redução das desigualdades sociais e regionais, repensando conceitos e dogmas jurídicos que
no cenário atual, talvez não mais se coadunariam com os anseios de uma sociedade que tem
clamado por justiça social e pela melhoria das condições de vida, perseguindo uma existência
digna voltada para o bem-estar geral.

A par disso, importa registrar que em decorrência de uma série de razões históricas,
políticas, econômicas, sociais e culturais, o Brasil ainda está distante de implementar
efetivamente os princípios fundamentais consagrados na atual Constituição, pondo-se aí,
talvez, o maior dos desafios a ser enfrentado pela presente geração.

Desse modo, conhecer e discutir meios eficazes para garantir a implementação efetiva
dos direitos fundamentais do povo brasileiro, com ênfase na atuação do Judiciário, sob o
prisma de garantidor de direitos, pode constituir tarefa de fundamental importância, sobretudo
porque os princípios constitucionais podem representar, conforme adiante se verá, poderosa
arma para o definitivo sucesso da transformação democrática em curso.
9

Assim, delineados o tema, os problemas, as hipóteses mais importantes, os objetivos,


além da justificativa da pesquisa, cumpre assinalar que no primeiro capítulo serão abordados
os elementos históricos, os quais se mostram de fundamental importância para a compreensão
de todo o processo evolutivo dos direitos do homem, onde se procurará demonstrar que o
Direito sempre permeou movimentos sociais de cada período histórico.

Num passo seguinte, ainda no primeiro capítulo, os direitos fundamentais serão objeto
de análise circunstanciada, abordando-se as subdivisões, gerações ou dimensões, principais
características, inovações num contexto comparativo com as Constituições que antecederam a
de 1988, pontuando-se algumas críticas doutrinárias. Após delinear o desdobramento de
direitos fundamentais de defesa e à prestações, proceder-se-á um corte metodológico dando-se
ênfase aos direitos sociais que demandam uma postura positiva por parte Estado. Por conta
disso, o primeiro capítulo também cuidará dos fatores relacionados aos direitos sociais, tais
como sua posição de destaque na atual Constituição, o princípio da igualdade, as leis já
existentes e que disciplinam as políticas públicas sociais.

Também no primeiro capítulo, será analisada a questão da eficácia dos direitos


fundamentais, com breve alusão acerca dos conceitos e conteúdos da validade, eficácia e
aplicabilidade, anotando-se, na seqüência, as três posições existentes na doutrina pátria a
respeito da aplicabilidade das normas constitucionais tidas por “programáticas”, ocasião em
que se adotará, nesta dissertação, uma daquelas posições, a qual marcará todo o seu
desenrolar.

As políticas públicas, assim como a concretização da ordem constitucional social,


permearão a discussão do segundo capítulo. Num primeiro momento, procurar-se-á fazer uma
breve digressão histórica sobre o surgimento dos direitos sociais, recuperando a discussão
acerca do princípio da igualdade com o propósito de melhor compreender como surgiram as
políticas públicas. A seguir, serão analisados os conceitos possíveis de políticas públicas,
partindo-se de um conceito de política, abordando-se, na seqüência, os direitos dos cidadãos e
as prestações positivas do Estado, assim como os direitos sociais e as políticas públicas.

Nesta senda, se procurará verificar as circunstancias contextuais que tornaram as


políticas públicas, ligadas ao florescimento do modelo de Estado do Bem-Estar Social, zona
de atrito e embates entre integrantes dos três Poderes, onde se discutirá, com base em lições
10

doutrinárias, o conceito de discricionariedade e, por via reflexa, a possibilidade da


responsabilização da Administração Pública pelo não cumprimento das políticas públicas
constitucionais, intentando aclarar as noções de legalidade, legitimidade e
constitucionalidade, chegando-se ao tema da discricionariedade mínima do Administrador
Público na atual conjuntura constitucional, assinalando-se que as dúvidas acerca dessa
discricionariedade deverão ser dirimidas pelo Judiciário.

Em decorrência lógica disso, o Judiciário passará a ser objeto de abordagem ainda no


apagar das luzes do segundo capítulo, onde se procurará enfatizar as diversas facetas dos
fenômenos denominados de “politização do Judiciário” e “judicialização da Política”.

Por fim, no terceiro e último capítulo será aprofundada a discussão acerca da atuação
do Poder Judiciário, pretendendo-se, com isso, delinear seu papel na sociedade, desde o
surgimento dos direitos sociais e das ações coletivas no cenário internacional, e mais
especificamente no Brasil, a partir da Constituição de 1988, quando passou a ocupar a posição
de intérprete máximo do Texto Constitucional, intentando retratar seu ressurgimento como
“Poder independente” perante a sociedade civil de modo geral.

Neste cenário, o acesso à Justiça será abordado, procurando relacioná-lo com os


direitos fundamentais tendentes à concretização dos valores e princípios consagrados pela
Constituição brasileira, tecendo comentário acerca do papel do juiz na consecução do acesso à
Justiça, sem se esquecer de anotar as três ondas de acesso mencionadas por Cappelletti e
Garth, na famosa obra “Acesso à Justiça”, trazendo-as para a realidade nacional, tencionando
uma abordagem mais profunda da terceira onda, que cuida da nova estrutura do Poder
Judiciário e os novos procedimentos, procurando ilustrá-la com exemplos oriundos do
Tribunal de Justiça de São Paulo.

Em seguida, se intentará esboçar uma concepção operativa do princípio da separação


dos Poderes, em face da distinção de poderes e funções, que podem ser típicas ou atípicas,
recorrendo-se aos constitucionalistas modernos para procurar uma melhor adequação daquele
princípio aos comandos constitucionais que vinculam tanto o Executivo e o Legislativo, como
o Judiciário.
11

A partir de então, ainda no terceiro capítulo, serão observadas algumas dificuldades


acerca do controle judicial das políticas públicas, enfrentando-se a questão orçamentária, com
enfoque mais detalhado da teoria alemã batizada por José Joaquim Gomes Canotilho, como
“reserva do possível”, confrontando-a com o papel do Judiciário e, em última análise, com os
valores e princípios consagrados pela Constituição brasileira que tem por objetivo maior a
dignidade da pessoa humana.

Por fim, serão introduzidas considerações acerca dos instrumentos jurídicos que
potencialmente podem ser utilizados para eventual concretização de políticas públicas, com
especial destaque para a ação civil pública, que tem sido mais largamente utilizada na
tentativa de assegurar maior efetividade aos princípios do regime democrático, bem como aos
direitos e garantias fundamentais, a fim de que as diretrizes constitucionais não resultem em
mera garantia formal.

Desta feita, como essas questões suscitam debates, se intentará no final desta
dissertação, ter uma visão geral e panorâmica acerca da possibilidade e viabilidade do
exercício do controle judicial das políticas públicas.
12

1. DIREITOS FUNDAMENTAIS

No que se refere à terminologia e ao conceito de “direitos fundamentais”, há que se


destacar, de início, que tanto na doutrina como no direito positivo constitucional ou
internacional, são amplamente utilizadas as expressões “direitos humanos”, “direitos do
homem”, “direitos subjetivos públicos”, “liberdades públicas”, “liberdades fundamentais” e
“direitos humanos fundamentais”, como expressões sinônimas, de modo que evidentemente
não há um consenso quanto à terminologia empregada.

A propósito, Paulo Bonavides faz a seguinte indagação: podem as expressões direitos


humanos, direitos do homem e direitos fundamentais ser usadas indiferentemente? E
responde: temos visto nesse tocante o uso promíscuo de tais denominações na literatura
jurídica, ocorrendo, porém, o emprego mais freqüente de direitos humanos e direitos do
homem entre os autores anglo-americanos e latinos, em coerência, aliás, com a tradição e a
História, enquanto a expressão direitos fundamentais parece ficar circunscrita à preferência
dos publicistas alemães.1

Assim como ocorre com textos constitucionais alienígenas, a Constituição brasileira


não foge à regra, pois também apresenta diversidade semântica utilizando termos diversos ao
referir-se aos direitos fundamentais. É o que se extrai, por exemplo, do inciso II2, do Art. 4º
que utiliza a expressão direitos humanos; da epígrafe do Título II3 e do § 1º 4 do Art. 5º, onde
se emprega a expressão direitos e garantias fundamentais; do inciso LXXI5, do Art. 5º, que
usa a expressão direitos e liberdades constitucionais e do inciso IV6, do § 4º, do Art 60, que
emprega a expressão direitos e garantias individuais.

Na doutrina, comumente se distingue a expressão direitos fundamentais de direitos


humanos sob a seguinte explicação. O termo “direitos fundamentais” se aplica aos direitos do

1
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, 18ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p.560.
2
Art. 4º A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:
[...] II – prevalência dos direitos humanos;
3
Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais.
4
§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
5
LXXI – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o
exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à
cidadania;
6
§ 4º do Art. 60 Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] IV – os direitos e
garantias individuais.
13

ser humano, reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional positivo de


determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os
documentos de direito internacional, independentemente de sua vinculação com determinada
ordem constitucional, de acordo com a lição de José Joaquim Gomes Canotilho.7

Todavia, cumpre relembrar que no tocante ao uso da expressão “direitos


fundamentais”, o constituinte inspirou-se principalmente na Lei Fundamental da Alemanha e
na Constituição Portuguesa de 1976, rompendo com toda uma tradição do direito
constitucional positivo até então existente no Brasil, conforme aduz Ingo Wolfgang Sarlet.8
Assim, levando-se em conta os esclarecimentos de Paulo Bonavides, e atento à epígrafe do
Título II9 da Constituição da República, coerente se mostra à utilização da expressão “direitos
fundamentais”, no âmbito do Direito Constitucional pátrio.

Acerca do conceito de “direitos fundamentais”, há que se pontuar que inúmeros e


diferenciados são os conceitos, sobretudo porque a ampliação e transformação dos direitos
fundamentais do homem, no evolver histórico, dificulta definir-lhe um conceito sintético,
conforme assinala José Afonso da Silva, que após analisar as diversas terminologias
existentes, conclui:

Direitos fundamentais do homem constitui a expressão mais adequada a


este estudo, porque, além de referir-se a princípios que resumem a
concepção do mundo e informam a ideologia política de cada ordenamento
jurídico, é reservada a designar, no nível do direito positivo, aquelas
prerrogativas e instituições que ele concretizam em garantias de uma
10
convivência digna, livre e igual de todas as pessoas.

Numa concepção abrangente, criar e manter os pressupostos de uma vida na liberdade


e na dignidade humana é aquilo que almeja os direitos fundamentais, ao passo que numa visão
mais específica, os direitos fundamentais são aqueles direitos que o direito vigente qualifica
como tais, de acordo com Konrad Hesse, citado por Paulo Bonavides.11

7
CANOTILHO. José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 6ª ed., Coimbra:
Almedina, 2002, p.393.
8
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ed., Livraria do Advogado, 2007, p 34.
9
Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais.
10
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ed., São Paulo: Malheiros,1992,pp.161 e
163.
11
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p.560.
14

Conforme explica o mesmo autor, Carl Schmitt vinculado a uma concepção do Estado
de Direito liberal, sustenta que os direitos fundamentais propriamente ditos são, na essência,
os direitos do homem livre e isolado, direitos que possui em face do Estado. Numa acepção
estrita são unicamente os direitos da liberdade, da pessoa particular, correspondendo de um
lado ao conceito de Estado burguês de Direito, referente a uma liberdade, em princípio
ilimitada diante de um poder estatal de intervenção, em princípio limitado, mensurável e
controlável.12

Nas palavras de Alexandre de Moraes, o importante é realçar que os direitos humanos


fundamentais relacionam-se diretamente com a garantia de não-ingerência do Estado na esfera
individual e a consagração da dignidade humana, tendo um universal reconhecimento por
parte da maioria dos Estados, seja em nível constitucional, infraconstitucional, seja em nível
de direito consuetudinário ou mesmo tratados e convenções internacionais, acrescentando que
a previsão desses direitos coloca-se em elevada posição hermenêutica em relação aos demais
direitos previstos no ordenamento jurídico, apresentando diversas características:
imprescritibilidade, inalienabilidade, irrenunciabilidade, inviolabilidade, universalidade,
efetividade, interdependência e complementariedade.13

Após analisar com percuciência a questão terminológica, e na seqüência optar pelo


princípio da dignidade humana como principal vetor para identificação dos típicos direitos
fundamentais (vida, liberdade e igualdade), seja numa dimensão subjetiva, provendo as
pessoas de bens e posições jurídicas favoráveis e invocáveis perante o Estado e terceiros, seja
numa dimensão objetiva, servindo como parâmetro conformador do modelo de Estado, Dirley
da Cunha Júnior conclui que um conceito constitucionalmente adequado para os direitos
fundamentais é o seguinte:

Os direitos fundamentais são todas aquelas posições jurídicas favoráveis às


pessoas que explicitam, direta ou indiretamente, o princípio da dignidade
humana, que se encontram reconhecidas no texto da Constituição formal
(fundamentalidade formal) ou que, por seu conteúdo e importância, são
admitidas e equiparadas, pela própria Constituição, aos direitos que esta
formalmente reconhece, embora dela não façam parte (fundamentalidade
material). Entretanto, fica a depender da ordem constitucional concreta de
cada Estado, uma vez que, o que é fundamental para certo Estado, pode não
ser para outro. Desse modo e sem embargo de sua necessária

12
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p.561.
13
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. 7ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 95.
15

fundamentalidade formal e material, os direitos fundamentais devem ser


entendidos, em última análise, como reivindicações indeclináveis que
correspondem a valores fundamentais consensualmente reconhecidos no
âmbito de determinada sociedade, ou mesmo no plano universal.Tais
valores condizem com a liberdade, igualdade e solidariedade, tendo, por
base, o princípio da suprema dignidade da pessoa humana. As normas que
os consagram – denominadas “norma de direito fundamental” – são da
espécie “normas-princípios”, já que expressam mandados de otimização,
distinguindo-se das normas-regras que, menos abstratas e menos genéricas,
descrevem uma hipótese fática e prevêem as conseqüências jurídicas de sua
ocorrência. São, portanto, os princípios jurídico-constitucionais especiais
que conferem densidade semântica, vale dizer, concretizam o princípio
jurídico-constitucional geral do respeito à dignidade humana, já sendo este,
acentue-se, desdobramento ou concretização geral do princípio jurídico-
constitucional estruturante do Estado Democrático de Direito. Nessa
perspectiva, os direitos fundamentais representam a base de legitimação e
justificação do Estado e do sistema jurídico nacional, na medida em que
vinculam, como normas que são, toda atuação estatal, impondo-se-lhe o
dever sobranceiro de proteger a vida humana no seu nível atual de
dignidade, buscando realizar, em última instância, a felicidade humana.14

Segundo Perez Luño, ‘existe um estreito nexo de interdependência genético e


funcional entre Estado de Direito e os direitos fundamentais, uma vez que o Estado de Direito
exige e implica, para sê-lo, a garantia dos direitos fundamentais, ao passo que estes exigem e
implicam, para sua realização, o reconhecimento e a garantia do Estado de Direito’.15

Nesta trilha, conclui-se que os direitos fundamentais passaram a integrar, ao lado da


definição da forma de Estado, do sistema de governo e da organização do poder, a essência do
Estado Constitucional, constituindo, neste sentido, não apenas parte da Constituição formal,
mas também elemento nuclear da Constituição material. Consagrada, pois, a íntima
vinculação entre as idéias de Constituição, Estado de Direito e direitos fundamentais, de modo
que estes últimos podem ser considerados como pré-requisitos do Estado Democrático de
Direito.

14
CUNHA JÚNIOR, Dirley. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004, p.155-
156.
15
PEREZ LUÑO, Antônio Enrique. Los Derechos Fundamentales. 6ed., 1995, Madrid: Tecnos, p.19.
16

1.1. Aspectos históricos

Ainda que de forma sintética, importante destacar alguns momentos históricos da


humanidade, que antecederam e influenciaram o reconhecimento, em nível de direito
constitucional positivo, dos direitos fundamentais no final do Século XVIII.

No período que antecedeu a Revolução Francesa, o Estado e a soberania implicavam


na antítese da liberdade individual. Havia um descontentamento geral com aquela realidade,
já que a sociedade ansiava por mais liberdade em todos os sentidos. O Estado era
monopolizador do Poder, da soberania e detentor da coação incondicionada, tornando-se, em
determinados momentos, algo semelhante à criatura que, na imagem bíblica, se volta contra o
criador. Daí o zelo doutrinário da filosofia jusnaturalista em criar uma técnica de liberdade,
traduzida na limitação de poder e formulação de meios que possibilitassem deter o
extravasamento na irresponsabilidade do grande devorador, o implacável Leviatã, conforme
explica Paulo Bonavides.16 Dito de outro modo, surgiu a necessidade de se formular
mecanismos político-jurídicos que pudessem frear o poder do Estado absolutista, garantindo a
liberdade de expressão, na qual estava contida a de religião.

Neste contexto, a classe burguesa que ao longo do tempo, primeiro com o desempenho
da atividade comercial e depois com a industrial, havia alcançado sucesso e prosperidade,
acumulando riqueza e, conseqüentemente, poder econômico, estava alijada de qualquer
possibilidade de participação no Poder estatal, concentrado nas mãos dos nobres, com viés
absolutista e totalitário. Enfim, uma casta de pessoas que, por hereditariedade e em razão de
títulos que ostentavam, se perpetuavam no Poder, geralmente por meio de governos
monárquicos ou oligárquicos, não permitindo qualquer influência, ingerência ou participação
das demais classes sociais nas decisões governamentais, além de usar de meios coativos para
tolher a liberdade das pessoas.

Assim, influenciada diretamente pelo pensamento jusnaturalista e sua concepção de


que o ser humano, pelo simples fato de existir, é titular de alguns direitos naturais e
inalienáveis, os chamados “direitos fundamentais”, de modo especial os valores da dignidade
da pessoa humana, da liberdade e da igualdade, a burguesia, com forte apoio dos camponeses

16
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7ed., 2tir., São Paulo: Malheiros, 2004. p. 41.
17

e do proletariado, deflagrou a Revolução Francesa de 1789, de transcendental importância


para a humanidade, pois representou um daqueles momentos decisivos, pelo menos
simbolicamente, que assinalou o fim de uma época e o início de outra, ou seja, representou o
atestado de óbito do antigo regime constituído pela Monarquia e pelos privilégios feudais. A
burguesia, classe dominada, transmudou-se para classe dominante, apoderando-se do Poder.

A despeito disso, conforme assinala Perez Luño, o processo de elaboração dos direitos
humanos, tais como reconhecidos nas primeiras declarações do Século XVIII, foi
acompanhado, na esfera do direito positivo, de uma progressiva recepção de direitos,
liberdades e deveres individuais que podem ser considerados os antecedentes dos direitos
fundamentais. É na Inglaterra, da Idade Média, mais especificamente no Século XIII, que
encontra-se o principal documento referido por todos que se dedicam ao estudo da evolução
dos direitos humanos. Trata-se da Magna Charta Libertatum, pacto firmado em 1215 pelo Rei
João Sem-Terra e pelos bispos e barões ingleses. Este documento, inobstante tenha apenas
servido para garantir aos nobres ingleses alguns privilégios feudais, alijando, em princípio, a
população do acesso aos “direitos” consagrados no pacto, serviu como ponto de referência
para alguns direitos e liberdades civis clássicos, tais como o habeas corpus, o devido processo
legal e a garantia da propriedade. Todavia, em que pese possa ser considerado o mais
importante documento da época, a Magna Charta não foi nem o único, nem o primeiro,
destacando-se, já nos Séculos XII e XIII, as cartas de franquia e os forais outorgados pelos
reis portugueses e espanhóis.17

Também de capital importância para a evolução que conduziu ao nascimento dos


direitos fundamentais, consoante assinala Ingo Wolfgang Sarlet, foi a Reforma Protestante
que levou à reivindicação e ao gradativo reconhecimento da liberdade de opção religiosa e de
culto em diversos países da Europa, como foi o caso do Édito de Nantes, promulgado por
Henrique IV da França, em 1598, e depois revogado por Luís XIV, em 1685. Nesta senda, não
há como desconsiderar a contribuição da Reforma e das conseqüentes guerras religiosas na
consolidação dos modernos Estados nacionais e do absolutismo monárquico, por sua vez
precondição para as revoluções burguesas do Século XVIII.18

17
PEREZ LUÑO, Antonio Enrique. Los Derechos Fundamentales. 6ed. Madrid, Tecnos, 1995, p .33-34
18
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ed., Livraria do Advogado, 2007, p.50.
18

Sintetizando algumas das diversas teorias existentes naquele período histórico, Luiza
Cristina Fonseca Frischeisen aduz que foi a partir do Século XVI, que passaram a ser
formados os conceitos de nação, de soberania popular (legitimidade), de poder constituinte
originário e derivado, de mandatos representativos, da separação dos poderes, dos direitos e
garantias individuais, nos moldes até hoje aceitos. Formam-se ainda as justificativas teóricas
pelas quais os homens resolveram instituir regras de convívio e, embora detentores da
liberdade individual e da soberania popular, abriram mão de parte dessa liberdade, para
conviver em sociedade. Evidentemente, várias foram as teorias elaboradas, resultando em
modelos de governos monárquicos absolutistas (Jean Bodin, Seis Livros da República – 1576
e Thomas Hobbes, O Leviatã – 1651) e outros que defendiam a monarquia constitucional
(John Loke, Dois Tratados Sobre o Governo Civil – 1680). Já no Século XVIII, as
preocupações dos teóricos voltaram-se para os fundamentos da soberania popular com
Rousseau (O Contrato Social – 1762) e, como conseqüência, surge a idéia de Poder
Constituinte como fundamento de legitimidade da Constituição (Sieyès, A Constituição
Burguesa, O que é Terceiro Estado? - 1789).19

Muito se discute, no âmbito doutrinário, acerca da paternidade dos direitos


fundamentais, disputada entre a Declaração de Direitos do povo da Virgínia, de 1776 e a
Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, no tocante ao fato
da primeira ter influenciado a segunda, e qual das duas, em seus conteúdos, é política ou
eticamente superior à outra.

Todavia, o certo é que tanto uma como outra tinham como característica comum a
inspiração jusnaturalista, reconhecendo ao ser humano direitos naturais inalienáveis,
invioláveis e imprescritíveis, direitos de todos os homens e não apenas de uma casta ou elite,
havendo, segundo a doutrina, uma inequívoca relação de reciprocidade no que se refere à
influência exercida por uma declaração de direitos sobre a outra, se mostrando desnecessária
para os fins deste estudo uma análise da intensidade desta influência mútua, assim como um
maior aprofundamento nesta discussão, invocando-se , aqui, a lição de Norberto Bobbio:

Deixemos aos historiadores a disputa sobre a relação entre as duas


declarações. Apesar da influência até mesmo imediata que a revolução das
treze colônias teve na Europa, bem como a rápida formação no Velho

19
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas Públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000, pp. 21 e 22.
19

Continente do mito americano, o fato é que foi a Revolução Francesa que


constituiu, por cerca de dois séculos, o modelo ideal para todos os que
combateram pela emancipação e pela libertação do próprio povo. Foram os
princípios de 1789 que constituíram, bem ou mal, um ponto de referência
obrigatório para os amigos e para os inimigos da liberdade, princípios
20
invocados pelos primeiros e execrados pelos segundos.

O que é importante assinalar é que a Declaração dos Direitos do Homem e do


Cidadão, de 26 de agosto de 1789, de maior conteúdo democrático e social, incorporou
definitivamente ao constitucionalismo os conceitos de soberania popular, divisão de poderes e
garantia de direitos individuais, ao estabelecer, em seu Art. 16 que: “A sociedade em que não
esteja assegurada a garantia dos direitos e nem estabelecida a separação dos poderes não tem
Constituição”, de modo que foi decisiva para o processo de constitucionalização e
reconhecimento de direitos e liberdades fundamentais nas Constituições do Século XIX.

Nota-se, assim, que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são
históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de
novas liberdades contra velhos poderes, surgindo de modo gradual e progressivo.

Aliás, conforme ensina Norberto Bobbio:

Os direitos do homem constituem uma classe variável, como demonstra a


história dos últimos séculos. O elenco dos direitos do homem se modificou,
e continua a se modificar, com a mudança das condições históricas, ou seja,
dos carecimentos e dos interesses, das classes no poder, dos meios
disponíveis para a realização dos mesmos, das transformações técnicas, etc.
Direitos que foram declarados absolutos no final do século (sic) XVIII,
como a propriedade sacre et inviolable, foram submetidos a radicais
limitações nas declarações contemporâneas; direitos que nas declarações do
século (sic) XVIII nem sequer mencionavam, como os direitos sociais, são
agora proclamados com grande ostentação nas recentes declarações. Não é
difícil prever que, no futuro, poderão emergir novas pretensões que no
momento nem sequer podemos imaginar, como o direito de respeitar a vida
também dos animais e não só dos homens. O que prova que não existem
direitos fundamentais por natureza. O que parece fundamental numa época
histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras
21
épocas e em outras culturas.

A conquista de novos direitos fundamentais e a mutação dos já conquistados, ficam


bem evidenciados após a Revolução Francesa, na passagem da teoria para a prática, pois foi

20
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 5tir., Trad.Carlos Nelson Coutinho.Rio de Janeiro: Campus, 2002,
p.105.
21
BOBBIO. op. cit., p 38.
20

justamente naquele momento histórico que os direitos à liberdade, igualdade, fraternidade e


propriedade, idealizados pelos filósofos e pensadores foram postos em prática, já que
positivados. Os direitos do homem ganharam em concretude, mas perderam em
universalidade. Os direitos passaram a ser reconhecidos e protegidos pelo Estado. Contudo, na
esfera privada, na concepção liberal burguesa, cada pessoa conseguia seus próprios bens
materiais, conforto e dinheiro, de acordo com suas habilidades e capacidades individuais. O
individualismo se instalou no seio da sociedade e no campo econômico e social aplicava-se o
velho adágio popular do “cada um por si e Deus para todos”.

O Estado, na concepção liberal, não interferia na Economia nem tampouco em outros


assuntos de interesse predominantemente privado. Era a figura do Estado-mínimo, que
respeitava a liberdade dos indivíduos, garantindo-lhes a segurança e o direito à propriedade
em caráter quase que absoluto. Havia uma indiscriminada exploração do trabalho pelo capital,
de modo que os ricos ficavam cada vez mais ricos e os pobres cada vez mais pobres, sem
qualquer interferência estatal. Neste contexto, a igualdade que constituíra um dos pilares da
Revolução Francesa restou abalada pela irrestrita liberdade no campo econômico e social.

À burguesia, que se apoderou do controle político da sociedade, nesse primeiro Estado


de Direito pós-revolução francesa, não mais interessava manter na prática a universalidade
dos princípios revolucionários, como característica comum a todos os homens. Sustentavam
tais princípios, apenas de maneira formal, como um discurso demagógico, porque na prática
conservavam, de fato, princípios constitutivos de uma ideologia de classe. Em outras palavras,
é o liberalismo burguês que, ancorado nos princípios da liberdade e da igualdade, passou a
privilegiar a propriedade material, a atividade produtiva, em detrimento da mão-de-obra e da
classe proletária, que foi despudoradamente explorada e vilipendiada. Em uma frase, a
burguesia fez da doutrina de uma classe a doutrina de todas as classes.

Consoante destacado por Antônio Carlos Wolkmer:

O liberalismo surgiu como uma nova visão global do mundo constituída


pelos valores, crenças e interesses de uma classe social emergente (a
burguesia) na sua luta histórica contra a dominação do feudalismo
aristocrático fundiário, entre os séculos XVII e XVIII, no continente
europeu. Assim, o Liberalismo torna-se a expressão de uma idéia
individualista voltada basicamente para a noção de liberdade total que está
presente em todos os aspectos da realidade, desde o filosófico até o social, o
21

econômico, o político, o religioso, etc. Em seus primórdios o Liberalismo se


constitui na bandeira revolucionária que a burguesia capitalista (apoiada
pelos camponeses e pelas camadas sociais exploradas) utiliza contra o
Antigo Regime Absolutista. Acontece que, no início, o Liberalismo assumiu
uma forma revolucionária marcada pela “liberdade, igualdade e
fraternidade”, em que favorecia tanto os interesses individuais da burguesia
enriquecida quanto aos de seus aliados economicamente menos favorecidos.
Mais tarde, contudo, quando o capitalismo começa a passar à fase
industrial, a burguesia (a elite burguesa), assumindo o poder político e
consolidando seu controle econômico, começa “a aplicar na prática,
somente aspectos da teoria liberal” que mais lhe interessam, denegando a
22
distribuição social da riqueza e excluindo o povo do acesso ao governo.

Na Revolução Industrial do Século XIX, acontecimento histórico que representou o


deslocamento das atenções da economia agrícola para as fábricas, ocorreu uma significativa
expansão da atividade fabril e do transporte marítimo. A industrialização da Grã-Bretanha
resultou na primeira força trabalhista de atividades desempenhadas nas fábricas e na formação
de relações de trabalho iníquas, em desfavor dos contratados para a mão-de-obra. A classe
trabalhadora se viu numa situação de penúria, ou mesmo de miséria. O trabalho era uma
mercadoria como outra qualquer, sujeita à lei da oferta e da procura. A máquina reduzia a
necessidade de mão-de-obra, gerando a massa dos desempregados e, portanto, baixos salários.
Além da elevada e descomunal jornada de trabalho semanal, mulheres e crianças também
eram arrebanhadas para trabalhar em condições insalubres. Na Europa, a França, a Bélgica e a
Alemanha seguiram os mesmos passos, na massificação da produção, assim como os norte-
americanos.

Conforme explica Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a marginalização da classe


operária, como que excluída dos benefícios da sociedade, vivendo em condições subumanas e
sem dignidade, provocou, em reação, o surgimento de uma hostilidade dessa classe contra os
“ricos”, contra os “poderosos”, que favorece o recrutamento de ativistas revolucionários,
inclusive terroristas. E na fórmula marxista a luta de classes. Tal situação era uma ameaça
gravíssima à estabilidade das instituições liberais, portanto, à continuidade do processo de
desenvolvimento econômico. Urgia superá-la e isto suscitou uma batalha intelectual e política.
Assim, face às objeções violentas das demais classes sociais, sobretudo da classe operária, a
primeira fase do constitucionalismo burguês sucumbe.23

22
WOLKMER, Antônio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. 4ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.
121.
23
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos Humanos Fundamentais. 9ed., São Paulo: Saraiva, 2007,
p.43.
22

No Século XIX, o Liberalismo avança para uma idéia mais democrática da


participação de todos na vontade estatal. Do princípio liberal chega-se ao princípio
democrático. Do governo de uma classe, ao governo de todas as classes. A burguesia defendia
o princípio da representação, mas em termos, ou seja, com privilégios e discriminações. O
direito de voto era restrito a determinadas pessoas, o chamado voto censitário. Novos embates
se seguiram, com derramamento de sangue, e somente em 1848, o sufrágio passou a ser
universal em França. Decorrente de uma revolução de forte conotação social, a Constituição
francesa de 1848 constitui-se no principal documento da evolução dos direitos fundamentais
para a consagração dos direitos econômicos, culturais e sociais, como o direito ao ensino
primário, à educação profissional e à igualdade de relações entre patrão e empregado.

Já no Século XX, a Constituição mexicana de 1917 foi a primeira a atribuir aos


direitos trabalhistas a qualidade de direitos fundamentais, juntamente com as liberdades
individuais e os direitos políticos. A importância desse precedente histórico deve ser
salientada, pois na Europa a consciência de que direitos humanos têm também uma dimensão
social só veio a se afirmar após a grande guerra de 1914-1918, que encerrou de fato o “longo
Século XIX”; nos Estados Unidos, a extensão dos direitos humanos ao campo
socioeconômico ainda é largamente contestada, conforme esclarece Fábio Konder Comparato,
que registra: A Constituição de Weimar, em 1919, trilhou a mesma via da carta mexicana, e
todas as convenções aprovadas pela então recém-criada Organização Internacional do
Trabalho, na Conferência de Washington do mesmo ano de 1919, regularam matérias que já
constavam da Constituição mexicana: a limitação da jornada de trabalho, o desemprego, a
proteção da maternidade, a idade mínima de admissão de empregados nas fábricas e o
trabalho noturno dos menores na indústria.24

O último autor citado assinala ainda, na seqüência, que entre a Constituição mexicana
e a de Weimar eclode a revolução russa, um acontecimento decisivo na evolução da
humanidade no Século XX. O Congresso pan-russo dos Societes, de deputados operários,
soldados e camponeses, reunido em Moscou, adotou em janeiro de 1918, portanto, antes do
término da 1ª Guerra Mundial, a Declaração do Povo Trabalhador e Explorado. Nesse
documento são afirmadas e levadas às últimas conseqüências, agora com apoio da doutrina

24
COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. 5ed., São Paulo: Saraiva,2007,
p.178.
23

marxista, várias medidas constantes da Constituição mexicana, tanto no campo


socioeconômico quanto no político.

Conforme se depreende do exposto, o Direito sempre permeia movimentos sociais de


cada período histórico, não tendo, por certo, ficado imune às Revoluções Industrial e Operária
de 1848, em França e, desse modo, as Constituições passaram a incorporar não só os direitos e
garantias individuais, mas também os direitos sociais. Dito de outra forma, em cada período
histórico, os legisladores constituintes incorporaram nas Leis Fundamentais aquilo que no
período correspondente se consagrou como a mais generosa expressão do ideário da época.
Num passo seguinte, houve a exigência de que tais direitos fossem garantidos, por ações
estatais, seja de intervenção direta, seja de controle e fiscalização, para que o direito à
igualdade de oportunidades fosse realmente exercido.

Nesta senda, Paulo Bonavides afirma que:

Deixou a igualdade de ser a igualdade jurídica do liberalismo para se


converter na igualdade da nova forma de Estado. Tem tamanha força na
doutrina constitucional vigente que vincula o legislador, tanto o que faz a lei
ordinária nos Estados membros e na órbita federal como aquele que no
círculo das autonomias estaduais emenda a Constituição ou formula o
próprio estatuto básico da unidade federada. Na presente fase da doutrina, já
não se trata em rigor, como assinalou Leibnholz, de igualdade ‘perante’ a
25
lei, mas de uma igualdade ‘feita’ pela lei, uma igualdade ‘através’ da lei.

Seguindo o curso da história, após a 2ª Guerra Mundial e as experiências dos regimes


ditatoriais, constatou-se que não bastava constitucionalizar os direitos fundamentais,
sobretudo os sociais, para garantir e assegurar que o regime fosse o democrático. Era
necessário que a Constituição do Estado estabelecesse e garantisse mecanismos de
participação popular, sem qualquer discriminação, bem como instrumentos de manutenção do
processo democrático e respeito à Lei Maior.

Nessa concepção, o Estado Democrático de Direito é aquele fundado na soberania


popular, manifestada em eleições livres, que aprofunda seus mecanismos de participação,
além do exercício do voto, incorporando e garantindo os direitos fundamentais individuais,

25
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 376.
24

coletivos, sociais, econômicos e culturais, sendo o Poder exercido em consonância com a


Constituição, tendo como objetivo a promoção do bem-estar social e a justiça social.

Diante do exposto, conclui-se que a compreensão histórica dos direitos fundamentais


exerce um papel deveras importante, pois permite entender que os “direitos do homem”, não
surgiram do acaso, mas sim de experiências de confronto, ora de sedimentação, ora de crise, e
a descoberta de novos percursos e novos avanços. Assim, após mapear as origens dos direitos
fundamentais, pode-se constatar que tais direitos, por mais fundamentais que sejam, são
históricos, pois nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas
liberdades contra velhos poderes, evoluindo de modo gradativo e perene, acompanhando o
processo histórico, as lutas sociais e os contrastes de regimes políticos, assim como os
progressos científicos, tecnológicos e econômico.

Nessa perspectiva, vale a pena deixar aqui registrado a percuciente reflexão de


Norberto Bobbio, no sentido de que ‘o problema fundamental em relação aos direitos do
homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los. Trata-se de um problema
não filosófico, mas político’.26

Esse é justamente o ponto nodal e crítico a ser enfrentado no decorrer desta


dissertação, que trilhará o caminho do “substancialismo” constitucional, defendendo a plena e
imediata aplicabilidade dos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal,
27
conforme, aliás, prevê, o § 1º do seu Art. 5º, como única forma de assegurar a efetividade
dos valores e princípios do Estado Social e Democrático de Direito, a fim concretizar o
princípio jurídico-constitucional geral do respeito à dignidade humana, buscando realizar, em
última análise, a felicidade do ser humano.

26
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. 5tir.,Trad.Carlos Nelson Coutinho.Rio de Janeiro: Campus, 2002,
p.43.
27
§ 1º do Art.5º: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
25

1.1. Direitos Fundamentais na Constituição de 1988

À guisa de introdução, vale a pena destacar que na história constitucional brasileira, as


Constituições de 1824 e 1891 foram liberais, ao passo que as Constituições de 1934, 1946,
1967 e 1988 podem ser consideradas como Constituições sociais.

A atual Constituição trouxe em seu Título II os direitos e garantias fundamentais,


subdividindo-os em cinco capítulos: direitos individuais e coletivos (Art.5º), direitos sociais
(Arts. 6º a 11), direitos de nacionalidade (Arts. 12 e 13), direitos políticos (Arts. 14 a 16) e
direitos relacionados à existência, organização e participação em partidos políticos (Art.17).

Vários doutrinadores diferenciam direitos de garantias fundamentais. Conforme


destaca Alexandre de Moraes, a distinção entre direitos e garantias fundamentais, no direito
pátrio, remonta a Rui Barbosa, ao separar as disposições meramente declaratórias, que são as
que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que
são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos; estas, as
garantias, ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional, ou legal, a
fixação da garantia com a declaração de direito.28

José Afonso da Silva alerta para que sejam evitados os equívocos de uma leitura
apressada do Texto Constitucional. É que muitas vezes o constituinte, ao dispor sobre direitos,
valeu-se da forma redacional própria para enunciar garantias, como por exemplo, no inciso
XXII do Art. 5º, em que se lê: “É garantido o direito de propriedade”. Desta feita, para a
diferenciação entre direitos e garantias, durante a interpretação do texto da Constituição,
deve-se focar no conteúdo jurídico da norma, se declaratório ou assecuratório, e não na forma
redacional utilizada.29

A despeito dessa diferenciação, o certo é que os direitos e garantias fundamentais


constituem um amplo catálogo de dispositivos, onde estão reunidos os direitos de defesa do
indivíduo perante o Estado, os direitos políticos, os relativos à nacionalidade e os direitos

28
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional. 7ed., Atlas, 2007,
p.103.
29
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ed., São Paulo:Malheiros, 1992, p.170.
26

sociais, dentre outros. São direitos inerentes à condição humana, instituídos com a finalidade
precípua de proteger a dignidade da pessoa humana, em todas suas gerações ou dimensões.

Calha aqui enfatizar que “gerações” dos direitos demonstram a ordem cronológica do
reconhecimento e positivação dos direitos fundamentais, que foram proclamados
gradativamente na proporção das carências do ser humano surgidas em razão da alteração das
condições sociais. Portanto, é importante sempre ter em mente que o reconhecimento dos
direitos fundamentais, no evoluir histórico, se deu de forma gradual e progressiva, com
caráter complementar ou cumulativo.

Aliás, ao tratar das gerações de direitos fundamentais, Manoel Gonçalves Ferreira


Filho, sustenta que, na verdade, o que aparece no final do Século XVIII não constitui senão a
primeira geração dos direitos fundamentais: as liberdades públicas. A segunda virá logo após
a primeira Guerra Mundial, com o fito de complementá-la: são os direitos sociais. A terceira,
ainda, não plenamente reconhecida, é a dos direitos de solidariedade.30

Assinale-se que as três gerações de direitos, na concepção de Manoel Gonçalves


Ferreira Filho, estão embasadas nos três princípios cardeais da Revolução Francesa, quais
sejam, liberdade, igualdade e fraternidade.

Para Willis Santiago Guerra Filho, a primeira geração é aquela em que aparecem as
chamadas liberdades políticas, “direitos de liberdade”, que são direitos e garantias dos
indivíduos a que o Estado omita-se de interferir em uma sua esfera juridicamente intangível.
Com a segunda geração surgem os direitos sociais a prestações pelo Estado para suprir
carências da coletividade. Já na terceira geração concebe-se direitos cujo sujeito não é mais o
indivíduo nem a coletividade, mas sim o próprio gênero humano, como é o caso do direito à
higidez do meio ambiente e do direito dos povos em desenvolvimento.31

Apesar disso, já se fala tranqüilamente em direitos de quarta geração ou dimensão.


Paulo Bonavides é um dos que falam dessa quarta dimensão de direitos fundamentais, como

30
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 9ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p.6.
31
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 5ed., RCS, 2007, p. 43.
27

sendo aqueles decorrentes do fenômeno da globalização da política neoliberal, assim como da


evolução e da contínua transformação da personalidade do ser humano.32

Conforme aponta Dirley da Cunha Junior, as gerações dos direitos revelam a ordem
cronológica do reconhecimento e afirmação dos direitos fundamentais, que se proclamam
gradualmente na proporção das carências do ser humano, nascidas em função da mudança das
condições sociais. A dizer, o desenvolvimento da técnica, a transformação das condições
econômicas e sociais, a ampliação dos conhecimentos e a intensificação dos meios de
comunicação poderão causar substanciais alterações na organização da vida humana e das
relações sociais a propiciar o surgimento de novas carências, suscitando novas reivindicações
de liberdade e de poder.33

No que se refere à terminologia, cumpre aqui anotar, que fundadas críticas vêm sendo
endereçadas contra o termo “gerações” ao argumento de que ele é equívoco por deixar
transparecer a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, ou seja,
que os direitos fundamentais se substituem ao longo do tempo, de modo que há quem prefira
o termo “dimensões” dos direitos fundamentais que melhor retrataria o caráter de um processo
cumulativo e de complementariedade daqueles direitos, embora, vale enfatizar, não haja
dissenso no tocante ao conteúdo das respectivas “dimensões” e “gerações” de direitos.

A este propósito, calha à fiveleta, a lição de Willis Santiago Guerra Filho, afiançando
que ao invés de “gerações” é melhor se falar em “dimensões de direitos fundamentais”, não
apenas pelo preciosismo de que gerações anteriores não desaparecem com o surgimento das
mais novas. Mais importante é que os direitos “gestados” em uma geração, quando aparecem
em uma ordem jurídica que já trás direitos de geração sucessiva, assumem uma outra
dimensão, pois os direitos de geração mais recente tornam-se um pressuposto para entendê-los
de forma mais adequada e, conseqüentemente, também para melhor realizá-los. Assim, por
exemplo, o direito individual de propriedade, num contexto em que se reconhece a segunda
dimensão dos direitos fundamentais, só pode ser exercido observando-se sua função social, e
com o aparecimento da terceira dimensão, observando-se igualmente sua função ambiental.34

32
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 571 e ss.
33
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004,
p.198.
34
GUERRA FILHO, Willis Santiago. Processo constitucional e direitos fundamentais. 5ed., RCS, 2007, p. 43.
28

Destarte, refletindo sobre tal linha de argumentação, extrai-se que além do caráter
cumulativo e complementar, a teoria dimensional também afirma a unidade e indivisibilidade
dos direitos fundamentais. Em razão disso é que esta dissertação opta por perfilhar, na esteira
da mais moderna doutrina, pela expressão “dimensões” dos direitos fundamentais para
designar não só as diversas fases de evolução desses direitos, como também para identificar
os meios com base nos quais se deve compreendê-los e conciliá-los nas hipóteses de conflitos,
como pode acontecer, entre o direito de propriedade (primeira dimensão) e o direito ambiental
(de terceira dimensão).

Em arremate, pode-se afirmar, assim, que os direitos fundamentais de primeira


dimensão são os direitos individuais e políticos, e decorrem do princípio da liberdade; os de
segunda dimensão são os direitos sociais, econômicos e culturais e encontram eco no
princípio da igualdade, os de terceira dimensão o direito à paz, de propriedade sobre o
patrimônio comum da humanidade, ao desenvolvimento econômico, ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, à comunicação e nasceram do direito de fraternidade; e os de
quarta dimensão o direito à democracia, à informação e ao pluralismo, os quais decorrem do
fenômeno da globalização, assim como das dimensões antecedentes.

Noutro enfoque, é importante ressaltar algumas das características dos direitos


fundamentais, dentre as quais pode-se citar a universalidade, a inalienabilidade, a
imprescritibilidade, a irrenunciabilidade, a limitabilidade, a concorrência, a proibição de
retrocesso e a constitucionalização.

De acordo com o magistério de Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes
Junior, a universalidade implica dizer que os direitos fundamentais não estão circunscritos a
uma determinada categoria ou classe de pessoas. Contudo, não são absolutos, mas sim
limitáveis (princípio da limitabilidade), já que às vezes podem chocar-se entre si. Ocorre que,
antevendo essas colisões, como no caso da propriedade privada e da desapropriação, o
35
constituinte se antecipou e equacionou o problema ao fixar a prévia e justa indenização.
Quando não equacionados pelo constituinte, o Estado-juiz poderá ser chamado para analisar o
caso concreto, decidindo com base na razoabilidade e na ponderação, como ocorre, por

35
ARAÚJO, Luiz Alberto David; NUNES JÚNIOR, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 6ed., São
Paulo: Saraiva, 2002, p. 82 e 83.
29

exemplo, com o direito à informação e o de privacidade, ou entre o direito de opinião e o


direito à honra.

A inalienabilidade consiste no fato de que os direitos fundamentais são intransferíveis


e inegociáveis, já que não se encontram à disposição de seu titular. Imprescritíveis porque
podem ser sempre exigíveis, não passíveis de prescrição e irrenunciáveis porque seu titular
deles não pode dispor, embora possa deixar de exercê-los. Concorrentes porque podem ser
exercidos cumulativamente. Sendo os direitos fundamentais o resultado de um processo
evolutivo, marcado por lutas, revoluções e conquistas em favor de sua afirmação, não podem
ser suprimidos, abolidos ou enfraquecidos. Daí a proibição de retrocesso. Por fim, a
constitucionalização decorre do fato de que os direitos fundamentais são anteriores e
superiores ao Estado e, conseqüentemente anteriores e superiores a qualquer positivação que a
eles se intente, pelo simples fato de serem inerentes à condição humana.

Enveredando perfunctoriamente num contexto comparativo entre a atual Constituição


e o direito constitucional positivo anterior, detecta-se inovações de significativa importância
no que se refere aos direitos fundamentais.

A primeira delas é de cunho topográfico, já que positivou os referidos direitos logo no


início de suas disposições (Título II)36, ao contrário das Constituições anteriores. Outra
inovação foi a previsão dos direitos sociais em Capítulo37 próprio dos direitos fundamentais.
A ampliação do catálogo de direitos fundamentais expressos, assim como a cláusula de
abertura (§ 2º do Art. 5º)38 também consistiu relevante inovação. Também passou à categoria
de cláusula pétrea (§ 4º, Art. 60)39. Mas, entre as inovações, a que mais se destaca é a prevista
no § 1º do Art. 5º 40, que determina a aplicabilidade imediata de todas as normas definidoras
de direitos e garantias fundamentais. Pode-se afirmar, sem sombra de dúvidas que, pela
primeira vez na história do constitucionalismo brasileiro, a matéria foi tratada com a merecida
e justa relevância.

36
Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais. Arts. 5º a 17.
37
Capítulo II (dos direitos sociais – Arts. 6º a 11), do Título II (dos direitos e garantias fundamentais).
38
§ 2º, do Art. 5º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime
e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte.
39
§ 4º do Art. 60 Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] IV- os direitos e
garantias individuais.
40
§1º do Art. 5º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
30

Outro fato importante e digno de nota é que o processo de elaboração da atual


Constituição brasileira foi resultado do processo de redemocratização do País, após vinte e um
anos de ditadura militar, de modo que ela foi objeto de uma ampla discussão, sem precedentes
na história nacional, tendo sido dada uma atenção especial e merecida aos direitos
fundamentais.

Neste cenário, cumpre destacar que houve uma forte reação do constituinte, assim
como das forças sociais e políticas, contra as restrições até então vigentes no tocante às
liberdades públicas, restando evidenciada a preocupação em deixar consignados os direitos
fundamentais, até que de certa forma redundante e desnecessária, como ocorreu com o
princípio da igualdade (“caput”41 e inciso I42, do Art. 5º). Não bastava para o constituinte a
garantia genérica de que todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza
(“caput”), pois julgava necessário delinear especificamente que homens e mulheres são iguais
em direitos e obrigações, para não se deixar pairar a melhor dúvida dessa igualdade (inciso I),
tamanha era a preocupação e o cuidado de não oportunizar mais nenhum retrocesso da Nação
no tocante aos direitos fundamentais.

A propósito, não por outra razão, que os direitos fundamentais foram incluídos no rol
das chamadas cláusulas pétreas da Constituição (Art. 60, §4º)43, não sendo passíveis de
reforma, quer para a subtração, quer para a redução. Patente, pois, a impossibilidade de
retrocesso no que tange aos direitos fundamentais, tão caros à sociedade brasileira e que
foram readquiridos com a redemocratização do País, após mais de duas décadas de ditadura
militar.

Todavia, obviamente pode haver o acréscimo de novos direitos fundamentais no rol


daqueles já existentes, como de fato ocorreu por meio da Emenda Constitucional nº 26, de 14
de fevereiro de 200044, que incluiu o direito a moradia no Art. 6º (dos direitos sociais) e
posteriormente pela Emenda Constitucional nº 45/2004, de 08 de dezembro de 2004, a

41
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos
ternos seguintes:
42
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
43
§ 4º do Art. 60 Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: [...] IV- os direitos e
garantias individuais.
44
Art. 1º O art. 6º (sic) da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 6º São direitos
sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à
maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
31

chamada reforma do Judiciário, que acrescentou o inciso LXXVIII45 ao Art. 5º, assegurando a
todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que
garantam a celeridade de sua tramitação, assim como a inclusão de um § 3º46 no Art. 5º
prevendo a possibilidade de aprovação, com status de emenda constitucional, de tratados em
matéria de direitos humanos.

De outro lado, dentre as várias características atribuídas à Constituição brasileira, pelo


menos três delas podem ser consideradas como extensivas ao Título47 dos direitos
fundamentais. Seu caráter analítico (grande número de artigos e incisos), seu pluralismo (no
sentido de conciliar reivindicações nem sempre afinadas entre si, fruto de várias posições
sociais, econômicas e políticas que foram acolhidas pelo constituinte) e seu forte cunho
programático e dirigente (grande número de dispositivos dependentes de regulamentação
legislativa, estabelecendo programas e diretrizes a serem perseguidas e implementadas pelos
Poderes Públicos).

No campo dos direitos fundamentais, houve certa mitigação no tocante ao seu


conteúdo programático, em razão do contido no § 1º 48 do Art. 5º, da Constituição Federal que
prevê a aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos fundamentais. Contudo,
não pode deixar de ser dito que não existe consenso acerca do alcance desse dispositivo legal,
que merecerá maior atenção no decorrer desta dissertação, sobremodo no tópico alusivo à
efetividade dos direitos fundamentais.

Repise-se que, topograficamente, os direitos fundamentais mereceram uma posição de


destaque no Texto Constitucional, já que consagrados nos primeiros dispositivos (Art. 5º ao
Art. 17), com evidente reconhecimento de que constituem parâmetro hermenêutico de valores
de toda a ordem constitucional, mesmo porque estão umbilicalmente ligados ao princípio da
dignidade da pessoa humana.

45
LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os
meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
46
§ 3º Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do
Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos, dos respectivos membros, serão equivalentes às
emendas constitucionais.
47
Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais.
48
§1º do Art. 5º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
32

Neste extenso rol, que consagra direitos individuais, coletivos, sociais, dos
trabalhadores, de cidadania, representatividade direta e partidos políticos, são contempladas as
várias dimensões dos direitos fundamentais, já assinaladas em linhas anteriores, revelando,
desse modo, estar em perfeita sintonia não só com a Declaração Universal dos Direitos do
Homem e do Cidadão, de 26 de agosto de 1789, mas também com a Constituição francesa de
1848 e com os principais pactos internacionais.

Apesar desses significativos avanços, Ingo Wolfgang Sarlet adverte que a falta de
rigor científico e de uma técnica legislativa adequada, sobretudo no tocante à terminologia
empregada, pode ser apontada como uma das principais fraquezas do catálogo dos direitos
fundamentais e da atual Constituição, revelando contradições, ausência de tratamento lógico
na matéria, ensejando problemas de ordem hermenêutica.49 É o caso, por exemplo, do Art. 6º
50
que enuncia genericamente os direitos sociais básicos, sem qualquer explicitação sobre o seu
conteúdo, que deverá ser buscado nos Títulos da Ordem Econômica e Financeira51 e da
Ordem Social52, suscitando dúvida sobre quais dispositivos situados fora do Título II53 que
efetivamente integram os direitos fundamentais sociais. Outra crítica refere-se à inserção de
dispositivos de duvidosa fundamentalidade que, por certo, não precisariam constar do rol dos
direitos fundamentais como, por exemplo, os incisos XLII54 e XLIII55 do Art. 5º, os quais são
normas de natureza penal e poderiam ser submetidos ao legislador infraconstitucional.

O referido autor ressalta ainda que a despeito da existência de alguns pontos passíveis
de crítica e ajustes, pode-se afirmar, sem medo de errar, que os direitos fundamentais estão
vivenciando o seu melhor momento na história do constitucionalismo pátrio, ao menos no que
diz respeito com seu reconhecimento pela ordem jurídica positiva interna e pelo

49
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ed., Livraria do Advogado, 2007. p. 81.
50
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
51
Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira (Arts. 170 a 192).
52
Título VIII – Da Ordem Social (Arts. 193 a 232).
53
Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais (Arts. 5º a 17). Capítulo II - Dos Direitos Sociais (Arts. 6º a
11)
54
XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos
termos da lei;
55
XLIII - A lei considerará crimes inafiançáveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os
mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;
33

instrumentário que se colocou à disposição dos estudiosos do Direito, inclusive no que


concerne às possibilidades de efetivação sem precedentes no ordenamento nacional.56

Numa outra perspectiva, é inviável e inaceitável a concepção de que os direitos


fundamentais formam um sistema em separado e fechado no contexto da atual Constituição,
57
pois o § 2º do Art. 5º deixa claro o conceito materialmente aberto e flexível de direitos
fundamentais receptivo a novos conteúdos e desenvolvimentos, indicando a existência de
outros direitos fundamentais positivados em outras partes do Texto Constitucional, sobretudo
nos Títulos que cuidam da Ordem Econômica58 e Social59, assim como na parte
organizacional.

Com efeito, conforme assinalam Luiz Alberto David Araújo e Vidal Serrano Nunes
60
Júnior os direitos fundamentais não só são aqueles enumerados pelo Título II61 da
Constituição, mas todos os que contenham as características já assinaladas anteriormente,
integrando ou não, à parte reservada aos direitos fundamentais no Texto Constitucional.
Exemplo típico e recorrente é o do direito à saúde. Cuida-se de direito fundamental
reconhecido expressamente pelo Art. 6º,62 do Título II, da Constituição Federal e melhor
63 64
explicitado pelos Arts. 196 e 197 que, em decorrência de uma interpretação sistemática,
conduz a conclusão de que estes dois últimos dispositivos também gozam do status do
primeiro, inclusive sendo incluídos no rol das cláusulas pétreas. O mesmo ocorre com o
princípio da anterioridade tributária (Art.150, III, b)65, na parte relativa às limitações do poder

56
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ed., Livraria do Advogado, 2007,p. 82
57
§ 2º, do Art. 5º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime
e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja
parte.
58
Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira (Arts. 170 a 192).
59
Título VIII – Da Ordem Social (Arts. 193 a 232).
60
Araújo, Luiz Alberto David; Nunes Júnior, Vidal Serrano. Curso de Direito Constitucional. 6ª ed., São Paulo:
Saraiva, 2002, p. 85 e 86.
61
Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais (Arts. 5º a 17).
62
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
63
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas públicas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às
ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
64
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos
da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através
de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
65
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, aos
Distrito Federal e aos Municípios: [...] III – cobrar tributos: [...] b) no mesmo exercício financeiro em que haja
sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou.
34

de tributar decorrente do direito de propriedade, garantido no inciso XXII66 do Art. 5º da


Constituição, consoante reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal na ação direta de
inconstitucionalidade (ADI) nº 939, alusiva à Emenda Constitucional nº 3, de 17 de março de
1993.

Não pode deixar de ser dito que um certo grau de coerência interna é algo inerente à
noção de sistema, de modo que é possível falar em unidade do sistema dos direitos
fundamentais. Todavia, consiste numa unidade relativa, fruto da convivência marcada pela
necessidade de harmonizações de posições jurídicas muitas vezes conflitantes entre si, uma
vez que correspondentes a valores fundamentais distintos, ligados a situações historicamente
localizadas, as quais inobstante sejam resultado de uma luta histórica pela afirmação do
princípio da dignidade da pessoa humana, que constituiu o núcleo essencial de todas as
reivindicações e do qual constituem explicitações de maior ou menor grau, não podem, neste
contexto, conforme adverte José Carlos Vieira de Andrade, ser deduzidas diretamente de um
valor único (unicitário) – que assim se dividiria em frações de soma igual à unidade.67

Nas palavras de Ingo Wolfgang Sarlet, verifica-se que, além de no mínimo uma
relativa unidade de conteúdo (ou, se quiser, do reconhecimento de certos elementos comuns),
o princípio da aplicação imediata das normas definidoras de direitos e garantias fundamentais,
bem como sua proteção reforçada contra a ação erosiva do legislador, podem ser considerados
elementos identificadores da existência de um sistema de direitos fundamentais também no
direito constitucional pátrio, caracterizado por sua abertura e autonomia relativa no âmbito do
próprio sistema constitucional que integra.68

Segundo o mesmo autor, os direitos fundamentais são, portanto, todas aquelas


posições jurídicas concernentes às pessoas, que, do ponto de vista do direito constitucional
positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade material), integradas ao
texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes
constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado,

66
Art. 5º, inciso XXII – é garantido o direito de propriedade.
67
ANDRADE, José Carlos Vieira de. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra:
Almedina, 1998, pp.108-109
68
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ed. Livraria do Advogado, 2007. p. 87.
35

possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na
Constituição formal.69

Destarte, há a constatação, pela doutrina pátria, de que os direitos fundamentais


integram um sistema no âmbito da Constituição com base no argumento de que eles são, em
verdade, concretização do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, consagrado
expressamente na Lei Fundamental, mais precisamente no Art. 1º, inciso III.

No tocante à classificação dos direitos fundamentais na Constituição brasileira, existe


na doutrina várias propostas de classificação. José Afonso da Silva classifica tais direitos em
cinco grupos: 1) direitos fundamentais do homem-indivíduo, por meio dos quais se reconhece
a autonomia aos indivíduos, reconhecidos como direitos individuais (Art. 5º); 2-) direitos
fundamentais do homem-membro de uma coletividade, que correspondem aos chamados
direitos coletivos (Art. 5º); 3-) direitos fundamentais do homem-social, que constituem os
denominados direitos sociais e culturais (Art.6º); 4-) direitos fundamentais do homem-
nacional, que dizem respeito aos direitos de nacionalidade (Art. 12); 5-) direitos fundamentais
do homem-cidadão, que são os direitos políticos (Art.14).70

Com base numa tipologia dos direitos fundamentais que também leva em conta o seu
objeto, Manoel Gonçalves Ferreira Filho diferencia quatro espécies de direitos: 1-)
liberdades, que são poderes de fazer; seu objeto, portanto, são ações (fazeres) ou omissões
(não-fazeres). Por exemplo, a liberdade de ir e vir, ou o direito de greve; 2-) direitos de
crédito, que são poderes de reclamar alguma coisa; seu objeto são contraprestações positivas
– em geral prestações de serviços. Por exemplo, o direito ao trabalho, a educação, a saúde;
3-) direitos de situação que são poderes de exigir um status. Seu objeto é a situação a ser
preservada ou restabelecida como, por exemplo, o direito ao meio ambiente sadio e, de modo
geral, os direitos de terceira geração; 4-) direitos-garantia, que se subdividem em direitos
garantia-limite (são os direitos a um não fazer, como de não sofrer censura) e direitos a
garantias-instrumentais (são direitos de ação e seu objeto é uma prestação judicial, como o
direito ao mandado de segurança e habeas corpus). O autor formula, ainda, outra
classificação, agora levando em conta o titular dos direitos fundamentais em quatro espécies:

69
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ed. Livraria do Advogado, 2007, p.91.
70
SILVA, José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ed., Malheiros, 1992, p.167-168.
36

1) os direitos individuais; 2-) os direitos de grupos; 3-) os direitos coletivos; 4-) os direitos
difusos.71

Por sua vez, Dirley da Cunha Júnior adere à proposta classificatória elaborada por
Ingo Wolfgang Sarlet que, tendo por critério as diversas funções exercidas pelos direitos
fundamentais, teria chegado a uma classificação constitucionalmente adequada e que se ajusta
ao direito constitucional pátrio.72

Segundo Ingo Wolfgang Sarlet, que segue orientação de Robert Alexy, os direitos
fundamentais classificam-se em dois grandes grupos: 1) os direitos fundamentais como direito
de defesa (que se dirigem a uma obrigação de abstenção por parte dos poderes públicos –
limitação de intervenção estatal – Art. 5º, Art. 7º XIII, VIV, XXIX, XXX, XXXIII e XXXIV,
Art. 8º e Art. 9º) e, 2) os direitos fundamentais como direitos a prestações (que implicam
numa postura ativa do Estado, no sentido de que se encontra obrigado a colocar à disposição
dos indivíduos prestações de natureza jurídica e material) que, por sua vez, se subdivide em:
2.1) direitos a prestações em sentido amplo (compreendendo os direitos à proteção e os
direitos à participação na organização e procedimento) e 2.2) direitos a prestações em sentido
estrito (direitos a prestações materiais sociais ou simplesmente direitos sociais).73

Delineadas estas três posições, anote-se que para efeito deste trabalho, se mostra mais
adequada a adoção da terceira, ou seja, a de Ingo Wolfgang Sarlet, pois é aquela que mais se
afina com o objeto desta dissertação que ora investiga a possibilidade de questionamento das
políticas públicas de cunho social frente ao Judiciário, em caso de ação ou omissão do Poder
Público, abordando mais especificamente os direitos a prestações materiais sociais em sentido
estrito, mencionados no item 2.2 do parágrafo anterior.

Ainda, tendo-se em mente as classificações dos direitos fundamentais e suas


dimensões, com base na lição de Celso Lafer pode-se afirmar que a inevitável tensão entre
direitos de liberdade (defesa) e direitos sociais (a prestações) não se encontra sujeita a uma
dialética do antagonismo, mas da mútua complementação, porquanto ambas as categorias de

71
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 9ed., São Paulo: Saraiva, 2007,
p.103.
72
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004,
p.249.
73
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ed., Livraria do Advogado. 2007. p.196.
37

direitos fundamentais se baseiam na concepção de que a dignidade da pessoa humana apenas


se poderá afirmar mediante a existência de maior liberdade e menos privilégios para todos.74

Cabe relembrar uma vez mais que os direitos fundamentais a prestações enquadram-se
no âmbito dos direitos de segunda dimensão, decorrente do princípio da igualdade,
correspondendo à evolução do Estado de Direito liberal burguês para o Estado Democrático e
Social de Direito, tendo sido incorporado à maior parte das Constituições do segundo pós-
guerra.

Conforme assinala Ingo Wolfgang Sarlet, no constitucionalismo pátrio, em que pese a


tímida previsão de direitos a prestações sociais na Carta de 1824, foi a Constituição de 1934,
inspirada, principalmente, nas Constituições do México (1917) e de Weimar (1919), que
inaugurou a fase do constitucionalismo social no Brasil, passando a integrar os direitos
fundamentais da segunda dimensão ao direito constitucional positivo.75

Assim, num espectro mais amplo, restou demonstrado que o constitucionalismo


sempre exigiu que o Estado se organizasse em função do homem, que constitui sua finalidade.
Ou seja, o Estado como instrumento e o homem como fim. Assim, os direitos fundamentais
constituem o núcleo essencial do ordenamento jurídico-constitucional e a espinha dorsal do
Estado Democrático de Direito, cuja finalidade é a realização e promoção dos direitos
fundamentais, que, em última análise, correspondem à realização e concretização da própria
Constituição.

Do mesmo modo, vislumbra-se também que os direitos fundamentais, como valores


axiológicos e principiológicos conformadores de toda a ordem constitucional, decorrentes do
princípio da dignidade da pessoa humana, possuem inúmeros desdobramentos e perspectivas,
até mesmo diante de sua multifuncionalidade. De qualquer forma, entende-se que os
conceitos, noções, terminologias, classificações, comparações e inovações até aqui expostos
servirão de base para a compreensão dos demais assuntos que a seguir serão abordados.

74
LAFER, Celso. A reconstrução dos direitos humanos. 6reimp., São Paulo: Companhia das Letras, 2006,
p.130.
75
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ed., Livraria do Advogado. 2007. pp.217-
218.
38

Conforme já assinalado em linhas anteriores, a fim de não alargar demasiadamente a


pesquisa de molde a perder o foco principal, é que doravante haverá um corte metodológico
dando-se ênfase aos direitos sociais que, dentre direitos fundamentais já listados, é aquele que
mais interessa ao desenvolvimento desta dissertação, sobretudo na sua vertente estrita, de
cunho prestacionaista e que demandam uma postura positiva por parte do Estado.

1.3 Direitos Sociais na Constituição de 1988

O novo Texto Constitucional conduziu os direitos sociais básicos a uma posição de


destaque no ordenamento jurídico nunca antes conhecida nas Constituições anteriores, a partir
de 1934.

Assim se afirma porque no Brasil foi a partir da Constituição de 1934 que se passou a
inscrever um Título sobre a Ordem Econômica e Social, sob a influência da Constituição
mexicana de 1917 e da Constituição alemã de Weimar de 1919, o que continuou com as
Constituições posteriores.

Conforme ensina José Afonso da Silva, os direitos sociais nessas Constituições, saíam
do Capítulo da Ordem Social que sempre estivera misturada com a Ordem Econômica.76 A
atual Constituição traz um Capítulo próprio Dos Direitos Sociais (Cap.II do Tít. II)77 e, bem
distanciado deste, um Título especial sobre a Ordem Social (Tít. VIII)78, mas não ocorre uma
separação radical, como se os direitos sociais não fossem algo ínsito na ordem social.

O Capítulo II do Título II da Constituição Federal, que arrola os chamados direitos


sociais, pode ser dividido em três partes. Na primeira79, há a indicação genérica dos direitos
sociais; na segunda80, estão enumerados os direitos individuais dos trabalhadores urbanos,

76
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ed., São Paulo: Malheiros, 1992, p. 257.
77
Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais: Capítulo II – Dos Direitos Sociais (Arts. 6º a 11).
78
Título VIII – Da Ordem Social (Arts. 193 a 232).
79
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
80
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social: Incisos I a XXXIV e parágrafo único.
39

rurais e domésticos; e, na terceira81, estão disciplinados os direitos coletivos desses


trabalhadores.

O Art. 6º da Constituição consagra, de forma genérica, os direitos sociais, que são


também direitos fundamentais, quais sejam, a educação, o trabalho, o lazer, a segurança e
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, aos
quais a Emenda Constitucional nº 26, de 14 de fevereiro de 2000,82 acrescentou o direito a
moradia. Conforme assevera Manoel Gonçalves Ferreira Filho, ‘tal dispositivo formula,
entretanto, mera enunciação exemplificativa’.83

84
O Art. 7º da Constituição declina direitos sociais especificamente em favor dos
trabalhadores, dentre outros: seguro-desemprego, o fundo de garantia por tempo de serviço, o
salário mínimo, piso salarial, o décimo terceiro salário, a participação nos lucros, a jornada
semanal de quarenta e quatro horas de trabalho, repouso semanal remunerado, a licença
gestante com duração de cento e vinte dias, a licença-paternidade, o reconhecimento das
convenções e acordos coletivos de trabalho.

Nos Arts. 8º a 1185, são preconizados os direitos coletivos dos trabalhadores, que são a
liberdade associação profissional ou sindical, o direito de greve, direito de substituição
processual, direito de participação laboral e direito de representação na empresa.

Os direitos sociais básicos decorrem do principio da igualdade e são, por natureza,


viabilizadores da dignidade da pessoa humana, que nos ordenamentos democráticos do Estado
Social, compõe a medula axiológica da Constituição, de acordo com a lição de Paulo
Bonavides, que salienta: ‘a igualdade se converte aí no valor mais alto de todo o sistema

81
Arts. 8º a 11.
82
Art. 1º O art. 6º da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 6º São direitos sociais a
educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à
infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
83
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 9ed., São Paulo: Saraiva, 2007,
p.105.
84
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social: Incisos I a XXXIV e Parágrafo único.
85
Art. 8º É livre a associação profissional ou sindical, observado o seguinte: Incisos I a VIII e Parágrafo único.
Art.9º è assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e
sobre os interesses que devem por meio dele defender.
Art.10. É assegurada a participação dos trabalhadores e empregadores nos colegiados dos órgãos públicos em
que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação.
Art. 11. Nas empresas de mais de duzentos empregados, é assegurada a eleição de um representante destes com a
finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direito com os empregadores.
40

constitucional, tornando-se o critério magno e imperativo de interpretação da Constituição em


matéria de direitos sociais’. Mais adiante o mesmo autor registra que estes direitos formam a
espinha dorsal do Estado social brasileiro na última versão que lhe é dada por uma
constituinte republicana.86

Assinalado, dessa forma, a importância dos direitos sociais no ordenamento jurídico


constitucional, convêm ressaltar, num passo seguinte, que o traço característico desses direitos
é a sua dimensão positiva, dado que objetivam não mais obstar as investidas do Estado no
âmbito das liberdades individuais, mas sim, exigir do Estado a sua intervenção para atender as
crescentes necessidades do indivíduo. São direitos de crédito porque, por meio deles, o ser
humano passa ser credor das prestações sociais estatais, assumindo o Estado, nessa relação, a
posição de devedor. Conforme destacado por Dirley da Cunha Júnior, ‘estes direitos
fundamentais sociais não estão destinados a garantir a liberdade frente ao Estado e a proteção
contra o Estado, mas são pretensões do indivíduo ou do grupo ante o Estado’.87

No mesmo sentido, a lição de Andreas Joachim Krell, para quem ‘os direitos
fundamentais não são direitos contra o Estado, mas sim direitos através do Estado, exigindo
do Poder Público certas prestações materiais. São os direitos fundamentais do homem-social
dentro de um modelo de Estado que tende cada vez mais a ser social, dando prevalência aos
interesses coletivos antes que aos individuais’.88

Na concepção de Mauro Capelletti:

Tipicamente, os direitos sociais pedem para sua execução a intervenção


ativa do estado, freqüentemente prolongada no tempo. Diversamente dos
direitos tradicionais, para cuja proteção requer-se apenas que o estado não
permita sua violação, os direitos sociais – como o direito à assistência
médica e social, à habitação, ao trabalho – não podem ser simplesmente
atribuídos ao indivíduo. Exigem eles, ao contrário, permanente ação do
estado, com vistas a financiar subsídios, remover barreiras sociais e
econômicas, para, enfim, promover a realização dos programas sociais,
89
fundamentos desses direitos e das expectativas por eles legitimadas.

86
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 374.
87
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004, p.
206.
88
KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Fabris Editor, 2002,
p. 19.
89
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Trad: Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Fabris Editor, 1993,
p.41.
41

Neste diapasão, tem-se que os direitos sociais, como direitos fundamentais de segunda
geração, são aqueles que reclamam do Estado um papel prestacional, de minoração das
desigualdades sociais. Em outras palavras, são direitos que dependem, para sua eficácia, de
uma ação concreta do Estado, mediante leis, atos administrativos e criação real de instalações
de serviços públicos, por meio das chamadas “políticas públicas sociais” (de educação, saúde,
assistência, previdência, trabalho, habitação) que facultem o gozo efetivo dos direitos
constitucionalmente assegurados.

José Afonso da Silva assinala que:

Os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem,


são prestações positivas estatais, enunciadas em normas constitucionais, que
possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que
tendem a realizar a igualação de situações sociais desiguais. São, portanto,
direitos que se conexionam com o direito de igualdade. Valem como
pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam
condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que,
por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo
da liberdade.90

De acordo com o que sustenta Ingo Wolfgang Sarlet, na esfera dos direitos
fundamentais à prestação, que tem por objeto uma conduta positiva por parte do destinatário,
consistente, em regra, numa prestação de natureza fática ou normativa, há a necessidade de
‘cimentar juridicamente’ o estatuto jurídico-constitucional dos direitos sociais, econômicos e
culturais.91

Numa outra passagem, o referido autor assinala que é precisamente em função do


objeto precípuo destes direitos, da forma mediante a qual costumam ser positivados
(normalmente como normas definidoras de fins e tarefas do Estado ou imposições legiferantes
de maior ou menor concretude) que se travam as mais acirradas controvérsias envolvendo o
problema de sua aplicabilidade, eficácia e efetividade, salientando, que os direitos sociais,
quase sempre, necessitam de concretização legislativa, dependendo, além disso, das
circunstâncias de natureza socioeconômica, razão pela qual tendem a ser positivados de

90
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ed., São Paulo: Malheiros, 1992, p. 258.
91
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ed., Livraria do Advogado, 2007, p.296.
42

maneira vaga e aberta, deixando ao Legislador a indispensável liberdade de conformação na


sua tarefa concretizadora.92

Nesta senda, Andreas Joachim Krell observa que a Constituição confere ao Legislador
uma margem substancial de autonomia na definição da forma e medida em que o direito
social deve ser assegurado, o chamado “livre espaço de conformação”. Essa função
legislativa seria degradada se entendida como mera função executiva da Constituição. Num
sistema político pluralista, as normas constitucionais sobre direitos sociais devem ser abertas
para receber diversas concretizações consoante às alternativas periodicamente escolhidas pelo
eleitorado.93

Não se pode deixar de assinalar, no entanto, conforme adverte Ingo Wolfgang Sarlet,
que boa parte dos direitos fundamentais sociais consagrados na atual Constituição já foram
objeto de concretização pelo Legislador (não importando, por ora, se de forma satisfatória ou
não), não havendo dúvidas de que o particular é – nos termos da legislação concretizadora –
titular de direito subjetivo à prestação contemplado na Constituição.94

Com efeito, a forma de implementação, assim como o detalhamento dos direitos


sociais constitui a ordem social constitucional, basicamente moldada nos Arts. 193 a 232 da
Constituição, a ser implementada por meio de políticas públicas já estabelecidas, na maior
parte, por legislação infraconstitucional que segue os ditames constitucionais, compreendendo
as seguintes disposições:
1-) Seguridade social: Arts. 194 a 204 da Constituição Federal.
- Saúde: Leis nº 8.080/90 e nº 8.142/90 (Sistema Único de Saúde - SUS).
- Previdência social: Leis nº 8.212/90 e nº 8.213/90 (Custeio e Benefícios
Previdenciários)
- Assistência social: que contém disposições às pessoas portadoras deficiência e idosos
que não podem se manter por si e por suas famílias: Lei nº 8.742/93 (Lei Orgânica da
Assistência Social) e Lei nº 8.909/94 (Lei das Filantropias).

92
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ed., Livraria do Advogado, 2007, pp. 296 e
306.
93
KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Fabris Editor, 2002,
p.22.
94
SARLET. Op. cit., p.319.
43

2-) Educação: Arts. 205 a 214 da Constituição e Leis nº 9.394/96 (Diretrizes e Base),
alterada pela Lei nº 10.793/03; nº 9.424/96 (Fundo de valorização ao magistério – FUNDEF)
e, nº 10.172/01 (Plano Nacional de Educação).
3-) Cultura: Arts. 215 e 216 da Constituição e Lei nº 8.313/91 – dispõe sobre
incentivos fiscais à cultura – PRONAC.
4) Desporto: Art. 217 da Constituição – Lei nº 9.615/98.
5-) Ciência e Tecnologia: Arts. 218 e 219 da Constituição – Lei nº 9.257/96 (Conselho
Nacional de Ciência e Tecnologia.
6-) Comunicação social: Arts. 220 a 224 da Constituição – Leis nº 9.472/97 e nº
9.612/98.
7-) Meio ambiente: Art. 225 da Constituição – Lei nº 9.605/98 (Proteção ao meio
ambiente).
8-) Família, criança e adolescente e ao idoso – Arts. 226 a 230 da Constituição - Lei
nº 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente); Lei nº 8.842/94 (Política Nacional do
Idoso) e Lei nº 10.173/01 (concede prioridade de tramitação aos procedimentos judiciais em
que figura como parte pessoa com idade igual ou superior a sessenta e cinco anos; e, Lei nº
10.741/03 (Estatuto do Idoso).
9-) Índios – Arts. 231 e 232 da Constituição e Lei nº 6.001/73 (Estatuto do Índio).

Mister destacar, também, que fora do Título da Ordem Social95, mas ainda no corpo da
Constituição, existem direitos sociais inseridos no Título da Ordem Econômica e Financeira,96
dispositivos relativos às políticas urbanas,97 fundiária e da reforma agrária98 e aos direitos do
consumidor99 e nas Disposições Constitucionais Gerais Transitórias, o Art. 68100 que trata dos
direitos das comunidades remanescentes dos quilombos e Art. 244101, que dispõe sobre o
direito de acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência.

95
Título VIII – Da Ordem Social – Arts. 193 a 232.
96
Título VII – Da Ordem Econômica e Financeira – Arts. 170 a 192.
97
Capítulo II – Da Política Urbana – Arts. 182 e 183.
98
Capítulo III – Da Política Agrícola e fundiária e da reforma agrária – Arts. 184 a 191.
99
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[...] V – defesa do consumidor.
§ 4º do Art. 173. A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise a dominação dos mercados, à eliminação
da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.
100
Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida
a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhe os títulos respectivos.
101
Art. 244. A lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de
transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência,
conforme o disposto no art. 227, § 2º.
44

102
Note-se que, embora o Art. 6º da Constituição Federal não se refira aos direitos
sobre o meio ambiente103 ou dos consumidores, certo é que esses também são direitos sociais.

A despeito da existência da legislação infraconstitucional acima mencionada, é


possível reconhecer-se um direito subjetivo com base tão-somente no direito constitucional,
que é justamente onde se encontra o fundamento de validade de todos os direitos sociais,
decorrentes do princípio da dignidade da pessoa humana. Dito de outro modo, os direitos
fundamentais sociais podem ser imediatamente invocados, ainda que haja falta ou
insuficiência da lei.

Aliás, não raras vezes, o Estado deixa de implementar políticas públicas de cunho
social escudando-se no argumento de que não dispõe de meios financeiras para tanto, já que
possui outras prioridades baseadas em seu plano de governo, de visão partidarista, em
detrimento da política de Estado consagrada na Constituição Federal. Neste cenário é que o
cidadão, aqui entendido não apenas como titular de direitos políticos, mas como todo e
qualquer pessoa titular de direitos e credora de prestações estatais, integrante da vida social,
política e econômica do Estado, busca a via judicial, para obter o acesso as prestações em
razão de uma exclusão arbitrária do benefício perseguido.

Nessa perspectiva, Andreas Joachim Krell aduz que, em princípio, o Poder Judiciário
não deve intervir na esfera reservada a outro Poder para substituí-lo em juízos de
conveniência e oportunidade, querendo controlar as opções legislativas de organização e
prestação, a não ser, excepcionalmente, quando haja uma violação evidente e arbitrária, pelo
Legislador, da incumbência constitucional, mas na seqüência sentencia:

§ 2º do Art. 227. A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de
fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de
deficiência.
102
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
103
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim
assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
[...] VI – defesa do meio ambiente.
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e
essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo para as
presentes e futuras gerações.
45

No entanto, parece-nos cada vez mais necessária a revisão do vetusto


dogma da separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos públicos
e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os Poderes
Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um
cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais.104

De outra parte, é natural que a eficácia dos direitos fundamentais a prestações


materiais depende dos recursos públicos disponíveis, bem como de uma atuação do
Legislador ordinário para a concretização do conteúdo dos direitos sociais. Assim, assume
relevância o princípio da separação de Poderes, bem como o postulado da “reserva do
possível”, porquanto segundo alguns autores seria ilegítima a conformação daquele conteúdo
pelo Judiciário, assim como haveria que se contornar e equacionar o limite fático representado
pelo esgotamento dos recursos ou da capacidade dos entes estatais.

Nesta mesma linha de raciocínio existe uma dupla série de questões jurídicas a serem
enfrentadas: Em primeiro lugar, trata-se de saber se os cidadãos em geral têm ou não o direito
de exigir, judicialmente, a execução concreta de serviços públicos. Em segundo lugar, trata-se
de saber se e como o Judiciário pode provocar a execução de tais políticas. Tais questões
serão analisadas no decorrer desta dissertação.

Enfim, sintetizando a abordagem temática deste tópico, restringiu-se a pesquisa aos


direitos sociais consagrados não só no Art. 6º 105da atual Constituição, mas também em outras
disposições constitucionais, assinalando-se que os direitos sociais básicos decorrem do
principio da igualdade e são, por natureza, viabilizadores da dignidade da pessoa humana,
tendo como traço característico a dimensão positiva, dado que objetivam exigir do Estado a
sua intervenção para atender as necessidades do indivíduo ou da coletividade. Por meio deles,
o ser humano passou ser credor das prestações sociais estatais, assumindo o Estado, nessa
relação, a posição de devedor. Restou destacado que tais direitos sociais podem ser
imediatamente invocados, ainda que haja falta ou insuficiência da lei integradora das políticas
públicas.

104
KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Fabris Editor, 2002,
p.22.
105
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
46

Assim, num passo seguinte, indaga-se: em que medida os direitos sociais a prestações
se encontram em condições de, por força do disposto no Art. 5º § 1º,106 da Constituição
Federal, serem diretamente aplicáveis e gerarem sua plena eficácia jurídica? Na busca de tal
resposta é que se passa a abordagem do tema referente à eficácia dos direitos fundamentais
sociais.

1.4 A questão da eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais.

À guisa de introdução, cumpre anotar os conceitos de validade, eficácia e


aplicabilidade, fazendo-se alusão ao conteúdo essencial de cada uma dessas categorias. Para
tanto, invoca-se aqui o magistério de Flávia Piovesan, para quem:107

A categoria da validade está relacionada ao enfoque estritamente jurídico. Como


observa Kelsen, a validade opera no mundo do dever ser, correspondendo ao processo de
produção normativa, isto é, norma jurídica válida é aquela que foi produzida em
conformidade com os ditames do ordenamento jurídico.

Já a categoria da eficácia está relacionada seja ao enfoque jurídico – eficácia jurídica -,


seja ao enfoque social - eficácia social -. A eficácia jurídica identifica-se com a capacidade de
produção de efeitos normativos no âmbito da ordem jurídica, ou seja, designa a qualidade da
norma de produzir, em maior ou menor grau, efeitos jurídicos. Compreendida sob o prisma
sociológico à idéia da norma estar sendo efetivamente observada e respeitada no mundo dos
fatos.

Por fim, se a eficácia jurídica está relacionada com a potencialidade normativa e a


eficácia social está relacionada com o cumprimento efetivo da norma no mundo fático, o
conceito de aplicabilidade identifica-se com o conceito de eficácia jurídica. A aplicabilidade
corresponde à noção de realizabilidade normativa ou executoriedade das diferentes normas
em vigor. Isto é, a aplicabilidade está relacionada com a possibilidade de aplicação da norma.

106
§ 1º, do Art. 5º: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
107
PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas. 2ed., São Paulo: RT, 2003, p.60.
47

José Afonso da Silva, em sua obra intitulada “Aplicabilidade das normas


constitucionais”, cuida da eficácia jurídica dos direitos sociais. Ele centra-se na idéia de que
todas as normas constitucionais são dotadas de aplicabilidade. Todavia, variável é o grau de
aplicabilidade por elas apresentado, classificando-as em normas de eficácia plena, eficácia
contida (mais restringíveis por lei ordinária) e, as mais interessantes para esta dissertação, as
normas de eficácia limitada. Estas últimas estão subdivididas em “normas declamatórias de
princípios, institutos ou organizativos e de princípios programáticos”.108 Importante destacar,
por oportuno, que segundo Andreas Joachim Krell, esse sistema é o mais bem aceito por parte
dos tribunais brasileiros.109

Feita esta breve digressão acerca dos conceitos e conteúdos de validade, eficácia e
aplicabilidade, impende, na seqüência, analisar o problema da eficácia das normas
constitucionais ditas programáticas.

Nesta senda, sempre se apresentou tormentosa a problemática da aplicabilidade das


chamadas “normas programáticas”. A esse respeito, ilustrativa é a manifestação de Norberto
Bobbio ao enfrentar o tema da aplicação das normas constitucionais programáticas, que
consagram um amplo universo de direitos fundamentais.

Asseverou Norberto Bobbio que:

O campo dos direitos do homem – ou, mais precisamente, das normas que
declaram, reconhecem, definem, atribuem direitos ao homem – aparece,
certamente como aquele onde é maior a defasagem entre a posição da
norma e sua efetiva aplicação. Essa defasagem é ainda mais intensa
precisamente no campo dos direitos sociais. Tanto é assim que, na
Constituição italiana, as normas que se referem a direitos sociais foram
chamadas pudicamente de “programáticas”. Será que já nos perguntamos
alguma vez que gênero de normas são essas que não ordenam, proíbem ou
permitem hic et nunc, mas ordenam, proíbem e permitem num futuro
indefinido e sem um prazo de carência claramente delimitado? E,
sobretudo, já nos perguntamos alguma vez que gênero de direitos são esses
que tais normas definem? Um direito cujo reconhecimento e cuja efetiva
proteção são adiados sine die, além de confiados à vontade de sujeitos cuja
obrigação de executar o “programa” é apenas uma obrigação moral ou, no
110
máximo política, pode ainda ser chamado corretamente de direito?

108
SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 9ed., São Paulo: Malheiros, 1998, pp. 16 e
65.
109
KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Fabris Editor. 2002,
p.39.
110
BOBBIO. Norberto. A era dos direitos. trad: Carlos Nelson Coutinho. 9ed., 5tir., Campus, 2004, p. 92.
48

Eros Roberto Grau revela existir um caráter reacionário nas normas programáticas,
pois,
Nelas se erige não apenas um obstáculo à funcionalidade do Direito, mas,
sobretudo, ao poder de reivindicação das forças sociais. O que teria a
sociedade civil a reivindicar já está contemplado na Constituição. Não se
dando conta, no entanto, da inocuidade da contemplação desses ‘direitos
sem garantias’, a sociedade civil acomoda-se, alentada e entorpecida pela
perspectiva de que esses mesmos direitos um dia venham a ser realizados.111

Contudo, em outra passagem, Eros Roberto Grau reconhece ser a Constituição, toda
ela, norma jurídica e, como tal, todos os direitos nela contemplados têm aplicação direta,
vinculando tanto o Judiciário quanto o Executivo como o Legislativo. Nestas condições, as
normas programáticas, sobretudo as atributivas de direitos sociais e econômicos, devem ser
entendidas como diretamente aplicáveis e imediatamente vinculantes do Legislativo, do
Executivo e do Judiciário.112

Flávia Piovesan acredita que a programaticidade das Constituições há de se combinar


com sua efetividade, sob pena de debilitar o constitucionalismo, abrindo campo às mais
graves transgressões jurídicas. A programaticidade sem juridicidade poderá, enfim, converter-
se formal e materialmente no maior obstáculo à construção constitucional de um verdadeiro
Estado de Direito. A História registra que, fora da Constituição, nasce apenas o arbítrio,
incompatível com o fortalecimento das sociedades democráticas.113

Destarte, no tocante à eficácia das normas ditas programáticas, os doutrinadores acima


mencionados revelam uma grande preocupação com o fato da doutrina constitucionalista
tradicional não consentir que os cidadãos as invoquem imediatamente, pedindo aos tribunais o
seu cumprimento por si só, pelo que pode haver quem afirme que os direitos que delas
constam, máxime os direitos sociais, têm mais natureza de expectativa que de verdadeiros
direitos subjetivos.

Esse entendimento da doutrina tradicional decorre da visão de que há ampla margem


de discricionariedade do Legislador em revestir de plena eficácia as normas programáticas,

111
GRAU, Eros Roberto. A Constituição brasileira e as normas programáticas. Revista de Direito
Constitucional e Ciência Política – n.4. Rio de Janeiro: Forense, 1985. p. 42.
112
GRAU. Op. cit., p. 43.
113
PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas. 2ed., São Paulo: RT, 2003, p. 73.
49

cabendo a ele a opção acerca da ponderação do tempo e dos meios para se alcançar à eficácia
daquelas normas. Também nesta concepção tradicionalista, há que se garantir a
discricionariedade do Administrador Público no tocante à implementação e execução de
políticas públicas de cunho social, com fulcro nos juízos de conveniência e oportunidade, no
plano de governo e na Democracia representativa.

Avesso a esta doutrina constitucionalista tradicional, Andreas Joachim Krell afirma


que a negação de qualquer tipo de obrigação a ser assumida na base dos direitos fundamentais
sociais tem como conseqüência a renúncia de reconhecê-los como verdadeiros direitos. E
mais adiante aponta que: “Em geral, está crescendo o grupo daqueles que consideram os
princípios constitucionais e as normas sobre direitos sociais como fonte de direitos e
obrigações e admitem a intervenção do Judiciário em caso de omissões constitucionais”.114

Pois bem. No tocante a aplicabilidade das normas constitucionais à luz da Constituição


brasileira, cumpre destacar, por primeiro, a inovadora disposição do § 1º do Art. 5º,
estabelecendo que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação
imediata”. Não há consenso na doutrina pátria acerca do significado e alcance da disposição
em apreço.

Manoel Gonçalves Ferreira Filho se posiciona no sentido da não-aplicabilidade


imediata ao assinalar que:

A intenção que a ditou é compreensível e louvável: evitar que essas normas


fiquem letra morta por falta de regulamentação. Mas o constituinte não se
apercebeu que as normas têm aplicabilidade imediata quando são completas
na sua hipótese e no seu dispositivo. Ou seja, quando a condição de seu
mandamento não possui lacuna, e quando esse mandamento é claro e
determinado. Do contrário ela não é auto-executável pela natureza das
coisas. 115

Ingo Wolfgang Sarlet, por sua vez, advoga que todas as normas consagradoras de
direitos fundamentais são dotadas de eficácia e, em certa medida, diretamente aplicáveis já ao
nível da Constituição e independentemente de intermediação legislativa, assinalando que as

114
KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha, Fabris Editor, 2002,
p.23.
115
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 9ed, São Paulo: Saraiva, 2007,
p.102.
50

normas de direitos fundamentais são direta (imediatamente) aplicáveis na medida de sua


eficácia, o que não impede que se possa falar de uma dimensão “programática” dos direitos
fundamentais.116

Nada obstante, o referido autor alerta que a necessidade de interpretação legislativa


dos direitos sociais prestacionais de cunho programático justifica-se apenas (se é que tal
argumento pode assumir feição absoluta) pela circunstância de que se cuida de um problema
de natureza competencial, porquanto a realização destes direitos depende da disponibilidade
dos meios, bem como - em muitos casos - de progressiva implementação e execução de
políticas públicas na esfera socioeconômica.117

Conforme se extrai da argumentação supra, Ingo Wolfgang Sarlet, assim como José
Afonso da Silva118 e Celso Ribeiro Barros119, procuram uma solução intermediária que, a um
só tempo, não neutralize o princípio em apreço nem o superestime, haja vista que, muito
embora se aplique a todas as normas de direito fundamental (direitos de defesa e direitos de
prestação), há casos em que não se tem como dispensar uma concretização por parte do
Legislador (alguns direitos sociais).

De outra parte, Eros Roberto Grau,120 Flávia Piovezan121 e Luis Roberto Barroso, para
citar apenas alguns dos que enfrentaram o tema, de maneira aguda, defendem a imediata
aplicabilidade dos direitos fundamentais, independentemente de intermediação legislativa.

Este último autor salienta que, ainda que se afirme ser de pouca lógica o princípio em
causa, que prevê que as normas constitucionais são aplicáveis, o que é óbvio, haja vista que a
Constituição existe para ser aplicada, “parece bem a sua inclusão no Texto, diante de uma
prática que reiteradamente nega tal evidência. Por certo, a competência para aplicá-las, se
descumpridas por seus destinatários, há de ser do Poder Judiciário.122 E mais: a ausência de

116
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ed., Livraria do Advogado, 2007, pp.311-
312.
117
SARLET. Op. cit., p. 310.
118
SILVA, José Afonso. Aplicabilidade das normas constitucionais. 3ed., São Paulo: Malheiros, 1998, p.165.
119
BASTOS, Celso Ribeiro.Comentários à Constituição do Brasil. vol. II. São Paulo: Saraiva, 1989, p.393.
120
GRAU, Eros Roberto. A Constituição brasileira e as normas programáticas. Revista de Direito
Constitucional e Ciência Política – n.4, Rio de Janeiro: Forense, 1985. p. 43.
121
PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial contra omissões legislativas. 2ed., São Paulo: RT, 2003, p. 73.
122
BARROSO, Luis Roberto Barroso. O direito constitucional e a efetividade de suas normas: limites e
possibilidades da Constituição brasileira. 2ed., Rio de Janeiro: Renovar, 1993, p.141/143.
51

lei integradora, quando não inviabilize integralmente a aplicação do preceito constitucional,


não é empecilho à sua concretização pelo juiz, mesmo à luz do direito positivo vigente,
consoante se extrai do art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil [...].123

Trilhando o caminho tendente à aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais


124
consagrado no § 1º do Art. 5º , da Constituição Federal, em consonância com os últimos
três autores citados, Dirley da Cunha Júnior sustenta que em caso de descumprimento, por
omissão, de algum direito fundamental ou de lacuna legislativa impeditiva de sua fruição,
deve e pode o Judiciário – valendo-se de um autêntico dever-poder de controle das omissões
do Poder Público – desde logo e em processo de qualquer natureza, aplicar diretamente o
preceito definidor do direito em questão, emprestando ao direito fundamental desfrute
imediato, independentemente de qualquer providência de natureza legislativa ou
administrativa. 125

Mais adiante o referido autor assevera que o sistema jurídico brasileiro autoriza a
qualquer órgão do Poder Judiciário remover lacunas indesejadas, colmatando-as e
suprimindo-as com base na analogia, nos costumes, nos princípios gerais de direito, e por
meio de uma interpretação criativa e concretizante, inexistindo, nesse caso, qualquer afronta
ao tão reverenciado princípio da separação dos Poderes.126

É certo que a atividade de interpretação judiciária seja e tenha sido inevitavelmente,


em alguma medida, criativa do Direito. Contudo, é inegável que essa maior criatividade
jurisdicional no Brasil constitui típico fenômeno que passou a tomar maior visibilidade a
partir da atual Constituição, por conta de uma interpretação à luz dos seus princípios.

Não se ignora a existência de normas constitucionais de cunho programático que num


Estado Social de Direito prestam-se a fixar programas, finalidades e tarefas a serem
implementadas pelos órgãos políticos e que reclamam uma concretização legislativa tendo,
portanto, uma eficácia limitada. Mas nem por isso, essas normas são destituídas de aplicação

123
Art. 4º. Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios
gerais do direito.
124
§ 1º, do Art. 5º: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
125
CUNHA JÚNIOR. Dirley da. Controle judicial das omissões do Poder Público. São Paulo: Saraiva, 2004,
p.268.
126
CUNHA JÚNIOR. Op. cit., p. 270.
52

imediata. Apenas exigem um esforço maior de complementação por parte dos órgãos do
Judiciário, no exercício de sua atividade de garantia e efetivação dos direitos fundamentais.
Entendimento diverso conduziria à frustração do que se proclamou enfaticamente no Texto
Constitucional e, em linguagem popular, “seria tirar com uma das mãos o que se foi dado pela
outra”.

Aliás, Mauro Cappelletti já advertia que:

mais cedo ou mais tarde, como confirmou a experiência italiana e de outros


países, os juízes deverão aceitar a realidade da transformada concepção de
direito e da nova função do estado (sic), do qual constituem também, afinal
de contas, “um ramo”. E então será difícil para eles não dar a própria
contribuição à tentativa do estado (sic) de tornar efetivos tais programas, de
não contribuir, assim, para fornecer concreto conteúdo àquelas “finalidades
e princípios”: o que eles podem fazer controlando e exigindo o
cumprimento do dever do estado (sic) de intervir ativamente na esfera
social, um dever que, por ser prescrito legislativamente, cabe exatamente
aos juízes fazer respeitar.127

Segundo Dirley da Cunha Júnior, a ausência de concretização jamais poderá


representar óbice à aplicação imediata das normas de direitos fundamentais pelos juízes e
tribunais, uma vez que o Judiciário, amparado no que dispõe o § 1º128, combinado com o
inciso, XXXV129, ambos do Art. 5º da Constituição Federal, não apenas está investido do
indeclinável dever de garantir a plena eficácia dos direitos fundamentais, como está
autorizado a remover eventual lacuna decorrente da falta de concretização, podendo se valer,
para tanto, dos meios fornecidos pelo próprio sistema jurídico positivado, que contempla a
norma do Art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo a qual ‘Quando a Lei for
omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de
direito’. 130

Nesse contexto, vale aqui relembrar a afirmação de Norberto Bobbio, para quem ‘o
problema fundamental em relação aos direitos humanos, hoje, não é o de fundamentá-los, mas

127
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Trad: Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Fabris Editor, 1993,
p.42.
128
§ 1º, do Art. 5º: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
129
XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
130
CUNHA JÚNIOR. Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004,
p.271.
53

o de protegê-los’.131 Esta reflexão está diretamente ligada à efetividade dos direitos sociais,
sendo que em qualquer abordagem do tema há que se incluir necessariamente o
comportamento dos estudiosos do Direito que protagonizam a sua implementação, isto é,
todas as pessoas, autoridades ou organismos públicos, grupos de pressão, operadores sociais,
etc., que de uma forma ou de outra estão envolvidas diretamente com os anseios e angustias
da sociedade civil.

E, para alcançar a plena efetividade e concretização das normas constitucionais de


cunho social, impõe-se uma mudança paradigmática no comportamento daqueles atores
sociais, sobretudo, dos magistrados, os quais devem libertar-se dos valores liberais do Estado
burguês arraigados na doutrina constitucionalista tradicional, para assimilação de uma nova
óptica de interpretação hermenêutica, agora de acordo com os valores e princípios
consagrados pela atual Constituição, que inaugurou o Estado de Direito Social e Democrático,
onde se objetiva o bem-comum e a dignidade da pessoa humana.

Nesta perspectiva, sustentou-se no decorrer deste tópico que as normas atributivas de


direitos sociais possuem plena eficácia, por força do que dispõe o § 1º,132 do Art. 5º da
Constituição Federal, devendo ser entendidas como diretamente aplicáveis e imediatamente
vinculantes ao Legislativo, ao Executivo e ao Judiciário, sob pena da Constituição se tornar
ornamental, letra morta e meramente um ideário, despida de força cogente. Advogou-se o
entendimento de que a Constituição reclama efetividade real de suas normas, com
aplicabilidade imediata, pois tal entendimento é aquele mais alinhado com todo o histórico de
luta travada pela humanidade não só para a conquista dos direitos fundamentais sociais, mas,
sobretudo, para a efetivação daqueles direitos que consagram, em última análise, a dignidade
da pessoa humana.

A despeito disso, repisou-se que tais direitos sociais dependem, para sua eficácia, de
uma ação concreta do Estado, mediante leis, atos administrativos e criação real de instalações
de serviços públicos, por meio das chamadas “políticas públicas sociais” (de educação, saúde,
assistência, previdência, trabalho, habitação) que facultam o gozo efetivo dos direitos
constitucionalmente assegurados. Tais ações estatais, conforme aduzido, devem ser orientadas

131
BOBBIO, Norberto. A era dos direitos. Trad: Carlos Nelson Coutinho. 5tir., Rio de Janeiro: Campus, 2004,
p.43.
132
§ 1º, do Art. 5º: As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.
54

e delimitadas pela ordem social constitucional, que vincula o Legislador e o Administrador


Público visando assegurar o efetivo exercício dos direitos sociais para a realização dos
objetivos constitucionais do bem-estar e da justiça social.

Em conclusão, não se pode fazer das leis promessas vazias. De nada adianta assegurar
direitos se não há, depois, como fazê-los serem respeitados. Em razão disso é que enfatiza-se
que neste trabalho a adoção da posição daqueles que pugnam pela aplicação imediata dos
direitos fundamentais, aí incluídos evidentemente os direitos sociais de cunho prestacional.
55

2. POLÍTICAS PÚBLICAS E CONCRETIZAÇÃO DA ORDEM CONSTITUCIONAL


SOCIAL

Na teoria do Estado Liberal clássico, no qual a intervenção estatal é mínima, os


direitos fundamentais são vistos como uma barreira à ação estatal, impondo-se um não-fazer,
uma postura negativa do Poder Público para que a liberdade das pessoas possa ser exercitada.

Aliás, conforme anota Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, foi desse modo, como
afirmação do súdito contra o Estado absolutista, que a teoria dos direitos individuais (civis e
políticos) nasceu.133

Todavia, a transformação da sociedade, notadamente, dos movimentos sociais


ocorridos no Século XIX, em razão de novas formas de produção (massificada), oriundas da
Revolução Industrial, a expansão do trabalho assalariado, impulsionou o Estado a garantir
direitos sociais, que visavam o exercício de um mínimo de igualdade entre os cidadãos,
protegendo, naquele momento histórico, os trabalhadores (classe proletária). Neste cenário,
surgem alguns direitos dos trabalhadores, como os limites à jornada de trabalho, os dias de
descanso semanal, os limites ao trabalho infantil.

Nesta mesma trilha, Eduardo Appio assinala que as políticas públicas surgiram como
resposta a uma necessidade contemporânea decorrente da concentração das massas em
aglomerados urbanos e do processo de industrialização, e registra: Sobre o tema, Truyol y
Serra consigna que ‘as primeiras conseqüências da revolução industrial sob o signo da livre
concorrência haviam dado lugar a condições de trabalho duríssimas e muitas vezes inumanas,
que evidenciavam a insuficiência dos direitos individuais se a democracia política não se
convertia em democracia social’.134

Fato importante e que merece ser enfatizado, é que os direitos sociais surgiram em
decorrência dos movimentos revolucionários de 1848, sendo que a Constituição francesa de
1848 já previa alguns direitos de natureza social, tais como “o direito ao ensino primário
gratuito, à educação profissional e à igualdade das relações entre patrão e empregado”.

133
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas Públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 57.
134
APPIO, Eduardo. Controle judicial das políticas públicas no Brasil. 1ed., 4tir., Curitiba: Juruá, 2007, p. 142.
56

Contudo, na transição do Século XIX para o Século XX, já não bastava garantir
direitos trabalhistas, pois os movimentos sociais e políticos-partidários, que haviam ganhado
força e poder de pressão, pugnavam por uma ação direta e positiva do Poder Público para
garantir os direitos sociais, tais como saúde, educação, habitação e assistência social, de forma
ampla e indiscriminada a todos os cidadãos.

A constitucionalização dos direitos sociais, iniciada pelas Constituições mexicana


(1917) e de Weimar, na Alemanha (1919) passou a demandar uma ação positiva do Estado, de
promoção de condições, para que tais direitos pudessem efetivamente ser exercidos, gerando
condições de igualdade. Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello, estas
Constituições ‘são os primeiros sinais expressivos de um ideário novo, de cunho social,
cristalizado nas Cartas Fundamentais’.135

Nesse contexto, tem-se que a história testemunhou a metamorfose do modelo do


Estado dos Séculos XVIII e XIX para o modelo do Estado contemporâneo, conforme ensina
Paulo Bonavides, em sua obra intitulada Do Estado Liberal ao Estado Social, duas realidades
distintas e ordenadas por duas Constituições também distintas. Uma, a liberal ou garantia,
limitando o Estado e suas funções, onde o Poder Público não podia interferir no exercício das
liberdades, cabendo-lhe apenas resguardá-las. Outra, a dirigente, que amplia o Estado e as
suas funções, em face da qual o Poder Público é chamado a intervir ativamente no sentido de
fornecer prestações exigidas pelo indivíduo.136

Eduardo Appio, citando Cezar Saldanha, assinala que “necessidades sociais nunca
antes sentidas passaram a reclamar ações do Poder Público, muitas de natureza prestacional,
atingindo área da vida pessoal e social que estavam fora do âmbito da política”. Desse modo,
a emergência de um Estado-Providência se dá como resultado de um “processo de extensão e
aprofundamento do Estado-protetor clássico”, sendo que seu ocaso coincide com a adoção dos
postulados do neoliberalismo econômico, na forma de “desregulamentação dos mercados, dos
fluxos financeiros e da organização do trabalho, com a conseguinte erosão das funções do
Estado”. Mais adiante, aponta o referido autor, que o Estado constitucional reclama para si a

135
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social. Em: Revista de
Direito Público – 57/58, vol. 14, pp. 233-256. São Paulo: Revista dos Tribunais, jan./jun. 1981, p. 235.
136
BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7ed, 2tir., São Paulo: Malheiros, 2004.
57

atribuição de agir de forma positiva, alterando as condições materiais originárias de seus


cidadãos, de molde a garantir a igualdade real de oportunidades, por meio da atuação dos
órgãos da Administração Pública.137

Nesta senda, surge o Estado Democrático de Direito que é caracterizado, justamente,


por afirmar, garantir e promover direitos iguais para todos sem discriminação de qualquer
espécie. De outra parte, os limites gerais da intervenção do Estado na vida dos cidadãos estão
concretizados na forma de direitos e garantias individuais, ou seja, espaços intangíveis à
atuação do Estado, os quais somente podem ser limitados pela própria Constituição.

Na lição de Paulo Bonavides:

O Estado social é enfim Estado produtor de igualdade fática. Trata-se de um


conceito que deve iluminar sempre toda a hermenêutica constitucional, em
se tratando de estabelecer equivalência de direitos. Obriga o Estado, se for o
caso, a prestações positivas; a prover meios, se necessários, para concretizar
comandos normativos de isonomia. Noutro lugar já escrevemos que a
isonomia fática é o grau mais alto e talvez mais justo e refinado a que pode
subir o princípio da igualdade numa estrutura normativa de direito
138
positivo.

De acordo com o entendimento de Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, a legitimidade


de uma Constituição e do Estado organizado a partir de suas diretrizes está diretamente
relacionada com a capacidade de produzir, em uma interação da ordem jurídica, política e
social, procedimentos democráticos justos, com atribuição dos direitos de participação e
liberdades básicas, além da satisfação de necessidades essenciais, que possibilitem aos
cidadãos participarem com livre arbítrio das decisões coletivas. Entretanto, as condições de
igualdade precisam ser produzidas. Assim, o conjunto de ações que o Poder Público realiza,
visando o efetivo exercício da liberdade, base de toda a ordem social, constitui as políticas
públicas. Dito de outra forma, as políticas públicas de desenvolvimento e de inclusão social
surgem para minorar o caos social, e exigem uma efetiva intervenção do Estado visando
sempre equacionar os problemas da sociedade.139

137
APPIO, Eduardo.Controle judicial das políticas públicas no Brasil. 1ed, 4tir.,Curitiba: Juruá, 2007, pp.142 e
145.
138
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 378.
139
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas Públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 58.
58

E políticas sociais se referem a ações que determinam o padrão de proteção social


implementado pelo Estado, voltadas, em princípio, para a redistribuição dos benefícios sociais
visando a diminuição das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento
socioeconômico. Conforme já assinalado em linhas anteriores, as políticas sociais têm suas
raízes nos movimentos populares do Século XIX, voltadas aos conflitos surgidos entre capital e
trabalho, no desenvolvimento das primeiras revoluções industriais.

Cumpre destacar que a Constituição Federal estabelece não só os direitos sociais, mas
também as linhas gerais (políticas públicas) pelas quais os Legisladores ordinários e
Administradores Públicos devem se pautar para garantir o efetivo exercício de tais direitos (as
normas constitucionais da ordem social). A escolha das diretrizes da política, os objetivos de
determinado programa não são simples princípios de ação, mas são os vetores para a
implementação concreta de certas formas de agir do Poder Público, que levarão a certos
resultados.

Nesse panorama constitucional que implica também na renovação das práticas


políticas, o Administrador e o Legislador ordinário estão vinculados às políticas públicas
estabelecidas na Constituição da República, sendo suas omissões passíveis de
responsabilização, mesmo porque sua margem de discricionariedade é mínima, não
contemplando o não-fazer.

Assim, políticas públicas devem ser entendidas como o "Estado em ação",


implantando um projeto de governo, através de programas, de ações voltadas a uma prestação
positiva de natureza material ou fática em benefício do indivíduo, para garantir-lhe o mínimo
existencial proporcionando-lhe, em conseqüência, os recursos materiais indispensáveis para
uma existência digna, como providência reflexa típica de Estado do Bem-Estar Social,
responsável pelo desenvolvimento dos postulados da justiça social, consagrados no Art. 3º 140
da Constituição Federal.

140
Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade
livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
59

2.1 Conceitos possíveis de Políticas Púbicas

Conforme esclarece Fábio Konder Comparato, o conceito de Política, no sentido de


programa de ação, só recentemente entrou a fazer parte das cogitações da teoria jurídica. E a
razão é simples: ele corresponde a uma realidade inexistente ou desimportante, antes da
Revolução Industrial, longo período histórico durante o qual se forjou o conjunto dos
conceitos jurídicos usados habitualmente até os dias atuais.141

Um dos raros autores contemporâneos a procurar uma elaboração técnica daquele


novo conceito é Ronald Dworkin. Para ele, a Política (policy), contraposta a noção de
princípio designa aquela espécie de padrão de conduta (standard) que assinala uma meta a
alcançar, geralmente uma melhoria em alguma característica econômica, política ou social da
comunidade, ainda que certas metas sejam negativas, pelo fato de implicarem que
determinada característica deve ser protegida contra uma mudança hostil.142

Tais idéias, conforme registra Fábio Konder Comparato, são excessivamente


esquemáticas, impondo-se, assim, uma análise jurídica, de modo a tornar operacional o
conceito de Política, na tarefa de interpretação do Direito vigente e construção do Direito
futuro. O mesmo autor anota que a Política, como conjunto de normas e atos, é unificada pela
sua finalidade. Os atos, decisões ou normas que a compõem, tomados isoladamente, são de
natureza heterogênea e submetem-se a um regime jurídico que lhes é próprio. De onde se
segue que o juízo de validade de uma política – seja ela empresarial ou governamental – não
se confunde nunca com o juízo de validade das normas e dos atos que a compõem. Uma lei,
editada no quadro de determinada política pública, por exemplo, pode ser inconstitucional,
sem que esta última o seja. Inversamente, determinada política governamental, em razão da
finalidade por ela perseguida, pode ser julgada incompatível com os objetivos constitucionais
que vinculam a ação do Estado, sem que nenhum dos atos administrativos, ou nenhuma das
normas que a regem, sejam, em si mesmos, inconstitucionais.143

141
COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o Juízo de constitucionalidade de políticas públicas. São Paulo:
Revista dos Tribunais - RT.737, mar./97, 12/22, p.17.
142
DWORKIN, Ronald. Levando os direitos à sério. Tradução: Jefferson Luiz Camargo. 2ed., Martins Fontes,
2007, p.36 e 141 e ss.
143
COMPARATO. Op. cit, p.18.
60

Seguindo no seu raciocínio, Fábio Konder Comparato acrescenta:

As Constituições do moderno Estado Dirigente impõem, todas, certos


objetivos ao corpo político como um todo - órgãos estatais e sociedade civil.
Esses objetivos podem ser gerais ou especiais, estes últimos obviamente
coordenados àqueles. Na Constituição brasileira de 1988, por exemplo, os
objetivos indicados no art. 3º (sic) orientam todo o funcionamento do
Estado e a organização da sociedade. Já a busca do pleno emprego é uma
finalidade especial da ordem econômica (art. 170, VIII) (sic). No que diz
respeito à política nacional de educação, que deve ser objeto de um plano
plurianual, os seus objetivos específicos estão expostos no art. 214, (sic) e a
eles deve ser acrescida a progressiva extensão dos princípios da
obrigatoriedade e da gratuidade do ensino médio (art. 208, II) (sic). As
finalidades próprias da atividade de assistência social, por sua vez, vêm
144
declaradas no art. 203 (sic).

Desse modo, da palavra política surge a idéia de complexo de objetivos, previamente


definidos, relacionados com os meios racionalmente possíveis e adequados para atingi-los.
Conforme registra José Joaquim Gomes Canotilho, também relacionada com política está a
noção de estratégia de argumentos humanos para a consecução de determinadas
finalidades.145

Com base em tais noções, pode-se vislumbrar que o conceito de “Política”, não está
muito distante do conceito de “políticas públicas”. Ao revés, o segundo decorre naturalmente
do primeiro, ou seja, “Política” é o gênero de que “políticas públicas” são espécies.

Maria Paula Dallari Bucci, define políticas públicas sob uma óptica ampliadora, como
sendo a ‘coordenação dos meios à disposição do Estado, harmonizando as atividades estatais
e privadas para a realização de objetivos socialmente relevantes e politicamente
determinados’. Mais adiante anota que ‘o que há de comum em todas essas políticas e suas
acepções, dando sentido ao agrupamento delas sob o mesmo conceito político, é o processo
político de escolha das prioridades para o governo’.146

Para Ronaldo Guimarães Gouvêa as políticas públicas consistem em instrumentos


estatais de intervenção na Economia e na vida privada, consoante limitações e imposições

144
COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o Juízo de constitucionalidade de políticas públicas. São Paulo:
Revista dos Tribunais - RT.737, mar./97, 12/22. p.19.
145
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 4ed., Coimbra: Almedina, 1989, p.39.
146
BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas públicas e direito administrativo. Em: Revista de Informação
Legislativa - vol.34, nº 133, jan./mar, 1997, pp.91 e 95.
61

previstas na própria Constituição, visando assegurar as condições necessárias para a


consecução de seus objetivos, o que demanda uma combinação de vontade política e
conhecimento técnico.147

Eros Roberto Grau, por sua vez, sustenta que a própria legitimidade do Estado Social
está ligada à realização de políticas públicas que caracterizam por todas as formas de
intervenção do Estado (seja como provedor, gerenciador ou fiscalizador).148

De acordo com Marília Lourido dos Santos, a noção de políticas públicas centra-se em
três elementos: 1º) busca por metas, objetivos ou fins; 2º) a utilização de meios ou
instrumentos legais e, 3º) a temporalidade, ou seja, o prolongamento no tempo, que implica na
realização de uma atividade e não de um simples ato. Segundo ela, esses elementos formam
uma noção dinâmica de atividade pela qual pode-se definir políticas públicas simplesmente
como ‘o conjunto organizado de normas e atos tendentes à realização de um fim público
determinado’.149

É importante deixar aqui registrado que o conceito de política pública, numa


perspectiva constitucional, ultrapassa a mera prestação de serviço público. Enfrentando esta
questão, Maria Paula Dallari Bucci concluiu:

O dado novo a caracterizar o Estado Social, no qual passam a ter expressão


os direitos dos grupos sociais e os direitos econômicos, é a existência de um
modo de agir dos governos ordenado sob a forma de políticas públicas, um
conceito mais amplo que o de serviço público, que abrange também as
funções de coordenação e de fiscalização dos agentes públicos e privados.
[...] O que há de comum entre todas essas políticas, em suas acepções,
dando sentido ao agrupamento delas sob o mesmo conceito jurídico, é o
processo político de escolha de prioridades para o governo. Essa escolha se
faz tanto em termos objetivos como de procedimentos. Para ilustrar, veja-se
a política nacional de educação, que externa um conjunto de opções de
governo em matéria de educação, relativas, por exemplo, à concentração do
recurso no ensino fundamental, ou à ênfase no ensino profissionalizante e
assim por diante. As políticas instrumentais do setor devem estar
racionalmente coordenadas com a política maior e adotar as suas

147
GOUVÊA, Ronaldo Guimarães. Políticas públicas, governabilidade e globalização. Revista do Legislativo.
Brasília, nº 25, pp.59-66 jan./mar. 1999, p. 63.
148
GRAU, Eros Roberto. Direito Posto e o Direito Pressuposto. 6ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 26.
149
SANTOS, Marília Lourido dos. Interpretação constitucional no controle judicial das políticas públicas.
Fabris Editor, 2006, p. 90.
62

prioridades quanto aos meios, viabilizando a realização das finalidades da


150
política principal.

Delineada, assim, a questão conceitual, vislumbra-se que a implementação de políticas


públicas não se resume ao campo jurídico, tendo inequivocamente implicações importantes no
campo econômico. Nas palavras de Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, qualquer que seja o
modelo sócio-econômico adotado, a política pública do Estado será fundamental e
determinante, pois, mesmo em um Estado que pretende a preponderância do livre mercado e
da iniciativa privada, a política pública relativa à área econômica deverá cuidar para que a
livre concorrência impere, para que não haja inflação, nem descontrole cambial e haja o
crescimento da produção.151

Destarte, as normas constitucionais são ao mesmo tempo guia e instrumento do


Administrador, assim como do Legislador ordinário. Na esteira do exemplo apresentado por
Maria Paula Bucci, note-se que no campo da educação, o percentual mínimo a ser aplicado no
152
ensino encontra-se estipulado no Art. 212 da Constituição Federal e a política pública
estabelecida pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de modo que a
discricionariedade do Administrador estará em escolher a melhor forma de cumprimento da
Constituição e da legislação infraconstitucional.

Para efeito de delimitação do objeto de interesse desta dissertação, as políticas


públicas são aquelas voltadas para a concretização da ordem social, que visam à realização
dos objetivos da República. Para isto há que se ter em mente que a Constituição define como
princípios fundamentais da República, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa
humana, os valores sociais do trabalho e a livre iniciativa, assim como o pluralismo político
(Art. 1º); estabelecendo como objetivos fundamentais da República, uma sociedade livre,
justa e solidária, o desenvolvimento nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização e
a redução das desigualdades sociais e regionais, bem como a promoção do bem de todos, sem
preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade, e quaisquer outras formas de discriminação
(Art. 3º) e, de último, em Capítulo próprio, enuncia os direitos sociais, abrangendo
150
BUCCI, Maria Paula Dallari. Políticas públicas e direito administrativo. Revista de Informação Legislativa, n
133, Brasília a.34, jan/mar. 1997, pp. 90 e 95.
151
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas Públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 80.
152
Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de
transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.
63

genericamente a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência


social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados (Art. 6º).

2.2 Os direitos dos cidadãos a prestações positivas do Estado

De acordo com o magistério de Dirley da Cunha Júnior, com o advento do Estado


Social ou como preferem alguns denominá-lo, o Estado do Bem-Estar Social ou Estado-
Providência, prestador de serviços, de perfil essencialmente intervencionista que exige a
presença marcante e decisiva do Poder Público no domínio das relações socioeconômicas, o
Estado muda de configuração, assumindo renovados papéis e múltiplas funções. O homem
passa a depender do Estado, de quem se exigem prestações positivas. Nasce, com isso, o
direito de exigir do Estado, prestações de ordem econômica, social e cultural. Afloram
direitos de crédito. E neste cenário, não se fala mais em “liberdades públicas”, mas já em
“direitos fundamentais”. O Estado já não mais se resume a defender as liberdades, assumindo
papel mais abrangente, pois além de garantidor das liberdades públicas, passa o ostentar
posição de devedor social, devendo implementar medidas necessárias às soluções das
demandas sociais.153

Consoante asseverava José Joaquim Gomes Canotilho, na sua obra “Constituição


dirigente e vinculação do Legislador”, publicada em 1982:

A força dirigente e determinante dos direitos à prestações (econômicos,


sociais e culturais) inverte, desde logo, o objecto clássico da pretensão
jurídica fundada num direito subjectivo: de uma pretensão de omissão dos
poderes públicos (direito a exigir que o Estado se abstenha de interferir nos
direitos, liberdades e garantias) transita-se para uma proibição de omissão
(direito a exigir que o Estado intervenha activamente no sentido de
154
assegurar prestações aos cidadãos). (grifo do autor)

Importante anotar, contudo, que ultimamente José Joaquim Gomes Canotilho revidou
este seu posicionamento declarando-se agora adepto de um “constitucionalismo moralmente
reflexivo” em virtude do “descrédito de utopias” e da “falência dos códigos dirigentes”, que
causariam a preferência de “modelos regulativos típicos da subsidiariedade”, de “autodireção

153
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004,
p.56.
154
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. 2ed., Coimbra:
Coimbra Editora, 2001, p.365.
64

social estatalmente garantida”. O “entulho programático” e as “metanarrativas” da Carta


Portuguesa, segundo ele, impediriam aberturas e alternativas políticas, tornando necessário
“desideologizar” o Texto Constitucional, conforme explicitado por Andreas Joachim Krell.155

A despeito disso, Flávia Piovesan assevera que a Constituição dirigente não


compreende tão somente um “estatuto jurídico político”, mas sim um plano global normativo
do Estado e da sociedade. Ao determinar o alargamento da função de direção, coordenação e
planificação estatal, a Constituição dirigente pressupõe que aos Poderes Públicos – Legislador
e órgãos de direção política – se deve assegurar uma capacidade de ação necessária para o
cumprimento do programa constitucional e das imposições legiferantes. Isto é, a Constituição
dirigente passa a consagrar os programas de atuação de um Estado intervencionista, voltado
ao bem-estar social, ao estabelecer programas, diretrizes e metas para a atividade do Estado
no domínio econômico, social e cultural.156

A teoria da Constituição dirigente desenvolvida por José Joaquim Gomes Canotilho,


em 1982, teve ampla aceitação no Brasil na década de oitenta e influenciou fortemente o
constitucionalismo e a Assembléia Nacional Constituinte que trouxe à lume a atual
Constituição. Pode-se dizer, assim, que a Constituição brasileira é dirigente, mesmo porque
tal traço fica marcante quando se observa que ela delineou programas constitucionais, assim
como imposições legiferantes, consagrando um Estado intervencionista, promovedor e
concretizador do bem-estar social.

Nessa perspectiva, os direitos fundamentais sociais, de segunda dimensão, são de


índole positiva, já que dependem de atuação positiva do Estado para serem desfrutados e por
isso encerram poderes de exigir. Não são direitos contra o Estado, mas sim direitos por meio
do Estado, exigindo do Poder Público certas prestações materiais. São direitos fundamentais
do homem dentro de um modelo de Estado que tende cada vez mais a ser social, dando
prevalência os interesses coletivos antes que os individuais.

De outro lado, o princípio da Democracia econômica e social contém uma imposição


obrigatória para os órgãos de direção política (Legislativo e Executivo), no sentido de

155
KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Fabris Editor, 2002,
p.68.
156
PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas. 2ed., São Paulo: RT, 2003, pp.39/40.
65

desenvolverem uma atividade econômica e social conformadora e transformadora (políticas


públicas) das estruturas sócio-econômicas, construindo condições de igualdade, de forma a
evoluir-se para uma sociedade democrática, de acordo com o sustentado por Luiza Cristina
Fonseca Frischeisen, que registra ainda que: “A incorporação dos direitos sociais, econômicos
e culturais ao direito positivo representa direitos de liberdades agora com conteúdo igualitário.
A liberdade, como possibilidade de emancipação, de livre arbítrio, só se realiza a partir do
momento em que todos os cidadãos gozem de um patamar mínimo de igualdade”.157

Com efeito, no Estado Social de Direito, o princípio da isonomia serve à otimização da


liberdade e igualdade, no sentido de igualdade de oportunidades, compreendida aqui como
possibilidade de exercício efetivo da liberdade. Por isso é que se diz que segundo a Teoria do
Estado Social, o Poder Público tem o dever de transpor as liberdades da Constituição para a
realidade constitucional, de modo que a prestação dos serviços públicos se torna cada vez
mais importantes para o exercício dos direitos sociais (escolas, hospitais, eventos culturais,
comunicações, fornecimento de energia, água, transportes). Conforme adverte Andreas
Joachim Krell, onde o Estado cria essas ofertas para a coletividade, ele deve assegurar a
possibilidade de participação do cidadão. E, caso a legislação não conceder um direito
expresso ao indivíduo de receber uma prestação vital, o cidadão pode recorrer ao direito
fundamental da igualdade em conexão com o princípio do Estado Social.158

Nesta senda, vem a calhar aqui o exame da teoria do “mínimo existencial”, que tem a
função de atribuir ao indivíduo um direito subjetivo contra o Poder Público em casos de
diminuição da prestação dos serviços sociais básicos que garantem a sua existência digna, e
que até hoje foi pouco discutida na doutrina constitucional brasileira e ainda não adotada com
as suas conseqüências pelas decisões tribunalícias proferidas pelo Poder Judiciário brasileiro.

De qualquer modo, segundo Andreas Joachim Krell, o referido “padrão mínimo


social” para sobrevivência incluirá sempre um atendimento básico e eficiente de saúde, o
acesso a uma alimentação básica e vestimentas, à educação de primeiro grau e a garantia de
uma moradia. Anota, que o conteúdo concreto desse mínimo, no entanto, variará de País para

157
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 60.
158
KRELL, Andreas Joachim.Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha.Fabris Editor, 2002,
p.59-60.
66

País.159 Consoante salienta Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, a idéia de mínimo social se
manifesta também nos diversos projetos de leis municipais a uma renda mínima necessária à
inserção na sociedade.160

Para Luís Roberto Barroso, este “padrão mínimo” no cumprimento das tarefas estatais
poderia, sem maiores problemas, ser ordenado por parte do Judiciário, o que, segundo ele,
deixa de acontecer devido apenas a motivos ideológicos e não jurídico-racionais ou
científicos, anotando que em diversas situações em que a Constituição ou a Lei utilizam
conceitos vagos e imprecisos, é exatamente ao juiz que cabe integrar, com sua valoração
subjetiva, o comando normativo.161

Ingo Wolfgang Sarlet sustenta que no caso de negação de prestações de serviços


sociais básicos por parte do Estado, não conseguem convencer os argumentos comuns da falta
de verbas e da ausência da competência do Judiciário para decidir sobre a aplicação dos
recursos públicos, especialmente na área da saúde, o bem maior da vida humana. Para ele, “a
denegação dos serviços essenciais de saúde acaba por se equiparar à aplicação de uma pena de
morte”.162

Num outro enfoque, Andreas Joachim Krell assinala que uma garantia mais efetiva da
prestação dos serviços básicos e da assistência social no Brasil também não levaria a uma
situação de “tutela” ou criação de dependência do cidadão em relação às prestações sociais do
Estado (“assistencialismo”), um perigo que pode existir somente em países com índices
elevados de desenvolvimento. No entanto, segundo ele, essa visão mais moderna ainda não
representa a linha dominante na doutrina e jurisprudência do Brasil. São justamente os
tribunais superiores que mostraram fortes objeções a ressalvas contra a sua própria
legitimidade a formular ordens concretas contra governos referentes à prestação adequada dos
serviços públicos sociais.163

159
KRELL, Andreas Joachim.Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Fabris Editor, 2002
p.63.
160
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas. A responsabilidade do Administrador e do
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000, p.68.
161
BARROSO, Luís Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas Normas, 2ed. Renovar, 1993,
p.152.
162
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ed., Livraria do Advogado, 2007, p.346.
163
KRELL. Op. cit., p.65.
67

Por tudo isso e na esteira da lição de Norberto Bobbio, cuja indignação com o termo
“normas programáticas” já foi assinalada em linhas anteriores, não se deve acolher o
argumento de que os direitos sociais são normas programáticas, carentes de efetivação e
concretização e, portanto, caracterizariam mera expectativa de direito. Por certo, ainda que
consideradas programáticas, haverá de combiná-las com efetividade, sob pena de negar
vigência ao Estado Constitucional Democrático de Direito e, sobretudo, à suprema dignidade
da pessoa humana, valor máximo albergado pela atual Constituição.164

Incumbe ao Estado, pois, mediante leis, atos administrativos e a criação real de


instalações de serviços públicos, conforme as circunstâncias, implementar as chamadas
“políticas sociais” (de educação, saúde, assistência, previdência, trabalho, habitação) que
facultem o gozo efetivo dos direitos constitucionalmente protegidos.

Assim, resta evidenciado que a realização dos direitos sociais presume a atuação
positiva do Estado, criando um direito dos cidadãos a prestações positivas, e para que tal
direito seja eficaz, necessária se faz a criação de mecanismos para exigir do Legislador e do
Administrador Público a criação de normas para cumprimento da Constituição,
responsabilizando-os, quer pela atuação falha, quer pela omissão, por meio do mandado de
segurança, da ação popular, da ação civil pública, do mandado de injunção, da ação direta de
inconstitucionalidade e da ação de argüição de descumprimento de preceito fundamental.

Necessário se mostra, portanto, um controle que objetive a efetividade da


Constituição, de modo a reconhecer ao Poder Judiciário o dever-poder de suprir as ações
falhas, assim como as omissões inconstitucionais que tanto maculam a supremacia
constitucional e inviabilizam a plena efetivação das políticas públicas de cunho social
consagradas na Constituição Federal.

Ademais, conforme adverte Paulo Bonavides:

Contemporaneamente, os direitos sociais básicos, uma vez desatendidos, se


tornam os grandes desestabilizadores das Constituições. Tal acontece,
sobretudo nos países de economia frágil, sempre em crise. Volvidos para o
desenvolvimento e o aperfeiçoamento da ordem social, esses direitos se
inserem numa esfera de luta, controvérsia, mobilidade, fazendo sempre

164
BOBBIO. Norberto. A era dos direitos.Trad.Carlos Nelson Coutinho.5tir, Rio de Janeiro:Campus, 2004, p.92.
68

precária a obtenção de um consenso sobre o sistema, o governo e o regime.


Alojados na própria Constituição concorrem materialmente para fazê-la
dinâmica, sujeitando-a ao mesmo passo a graves e periódicas crises de
instabilidade, que afetam o Estado, o governo, a cidadania e as
instituições. 165

Em conclusão, restou assentado que políticas públicas podem ser entendidas como o
conjunto organizado de normas e atos tendentes à realização de um fim público determinado,
afirmando-se que o Estado, ao implementar um projeto de governo, através de programas, de
ações voltadas a uma prestação positiva de natureza material ou fática em benefício do
indivíduo, deve garantir-lhe o ‘mínimo existencial’ proporcionando-lhe, em conseqüência, os
recursos materiais indispensáveis para uma existência digna, como providência reflexa típica
de Estado do Bem-Estar Social, responsável pelo desenvolvimento dos postulados da justiça
social, consagrados no Art. 3º 166 da Constituição Federal, assinalando-se, nesse contexto, que
no Brasil, nem a doutrina, nem os Tribunais se posicionaram acerca da abrangência do
chamado “padrão mínimo social”.

2.3 Os Direitos Sociais coletivos e as Políticas Públicas

A Constituição brasileira tem por fundamento declarado a “cidadania” e a “dignidade


da pessoa humana”, entre outros, e por objetivos fundamentais “construir uma sociedade livre,
justa e solidária”, “garantir o desenvolvimento nacional”, “erradicar a pobreza e a
marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais” e “promover o bem de todos,
sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de
discriminação”.

Diante da grande carga axiológica ética e moral atribuída a esses princípios e objetivos
constitucionais da República Federativa do Brasil, houve, em decorrência, uma ampliação do
catálogo dos direitos fundamentais – para nele incluir direitos sociais e econômicos – que
impôs uma série de programas, tarefas e fins a serem realizados pelo Estado, o que conferiu a
todos os cidadãos, em contrapartida, a prerrogativa de exigir do Ente estatal a concretização

165
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 380.
166
Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade
livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
69

desses direitos, além de ter a Constituição estabelecido o princípio da aplicabilidade imediata


das normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais.

Nesse sentido, Flávia Piovesan destaca que:

A Constituição de 1988, além de afirmar no art. 6º que “são direitos sociais


a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a
previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados”, ainda apresenta uma ordem social com um amplo universo
de normas que enunciam programas, tarefas, diretrizes e fins a serem
perseguidos pelo Estado e pela sociedade. A título de exemplificação,
destacam-se determinados dispositivos constitucionais constantes da ordem
social, que fixam dentre os deveres do Estado e direitos do cidadão a saúde
(art.196), a educação (art.215), a cultura (art.215), as práticas desportivas
(art.217), a ciência e a tecnologia (art.218), dentre outros. Note-se que
muitas destas normas apresentam eficácia limitada, ou seja, dependem
necessariamente de normatividade ulterior para a plena produção dos efeitos
colimados pelo constituinte, fator que já implica em certa abertura do texto
167
constitucional.

É inequívoco, pois, que a atual Constituição possui uma textura suficientemente aberta
cujos limites para a transformação coincidem com os fins do Estado de Bem-Estar,
conciliando o capitalismo com a justiça social, pois conforme já anunciado por Eros Roberto
Grau, ‘há um modelo econômico definido na ordem econômica na Constituição de 1988,
modelo aberto, porém desenhado na afirmação de pontos de proteção contra modificações
externas, que descrevo como modelo de bem-estar’.168

Em função disso, conforme assinala Marília Lourido dos Santos, se mostra importante
conhecer os modos de densificação e concretização das normas constitucionais a fim de se
assegurar a higidez dos fins e valores plasmados nas mesmas. É nestas que estão consagrados
os direitos fundamentais, dentre os quais encontram-se os direitos sociais, cuja nota
característica é justamente a demanda por prestações positivas do Estado, que por sua vez, se
efetiva por meio das políticas públicas. Logo, as políticas públicas constituem uma forma de
concretização de normas constitucionais de significativa relevância.169

167
PIOVESAN, Flávia. Proteção judicial contra omissões legislativas. 2ed., São Paulo: RT, 2003, p. 45.
168
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na Constituição de 1988. 3ed., São Paulo Malheiros,1997,p.310.
169
SANTOS, Marília Lourido. Interpretação constitucional no controle judicial das políticas públicas. Fabris
Editor, 2006, pp. 86 e 87.
70

Mais adiante a referida autora assinala que o fato das políticas públicas terem
embasamento constitucional direto resume a questão do controle judicial, basicamente, ao
nível constitucional, onde os fins e valores que buscam resguardar encontram-se positivados
com a dignidade de cláusula pétrea. [...] a partir de tais lineamentos conceituais, nota-se que
as políticas públicas constituem linhas de ação coletiva que concretizam os direitos
fundamentais declarados e garantidos na Constituição. [...] As diversas políticas púbicas se
espraiam por diferentes setores, tais como a economia, a área social, o meio ambiente, a
ciência e tecnologia, dentre outras, todas particularmente ligadas aos direitos e garantias
fundamentais, sendo que tais políticas públicas se expressam através de um conjunto de
princípios, diretrizes, objetivos e normas, de caráter permanente e abrangente, que orientam a
atuação do Poder Público em uma determinada área.170 (grifo nosso)

Importa, pois, que as diretrizes e metas sociais inseridas no Texto Constitucional não
acabem deixando de ser implementadas pelo “governante de plantão”, tornando-se meras
garantias formais, que funcionem apenas como um anteparo às reivindicações sociais, sem
que de fato sejam realizadas pelo Estado, cujo zelo está sob a incumbência dos Poderes
instituídos.171

Anota ainda, a última autora citada, que:

Ao Legislativo cabe o papel central de definição das políticas públicas,


mediante a especificação das diretrizes constitucionais. E tal papel decorre da
democracia e da separação dos poderes, já que o Legislativo é encarregado de
dar expressão à soberania popular. Mas quando a liberdade e igualdade
formais da lei deixam de legitimar o poder, essa legitimidade poderá passar a
se fundar basicamente na realização de finalidades públicas concretizadas
programaticamente, isto é, na adoção de políticas públicas, o que se dá pelo
Executivo, que assim passa a ter maior destaque, afetando a harmonia e o
equilíbrio entre os poderes. [...] Tudo isso ressalta a importância do exercício
de um controle judicial mais substancial das atividades de concretização das
normas constitucionais, não podendo permanecer alheias a esse controle as
políticas públicas, pelo significado para a normatividade constitucional e pela
importância para o desenvolvimento e progresso da sociedade brasileira como
um todo. 172

170
SANTOS, Marília Lourido. Interpretação constitucional no controle judicial das políticas públicas. Fabris
Editor, 2006, p.87.
171
SANTOS. Op. cit., p. 88.
172
SANTOS. Op. cit., pp. 88/89.
71

Nessa perspectiva, embora já tenha havido a positivação de várias políticas públicas


atinentes aos direitos sociais, conforme assinalado anteriormente, o certo é que alguns desses
direitos reclamam concretização positiva do Poder Público, o que evidencia certa abertura do
Texto Constitucional, revelando-se como um programa de ação aberto para o futuro. De
acordo com Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, a despeito dessa abertura, inclusive com a
possibilidade de adequação e conformação legislativa que atenda as transformações sociais
em curso, o certo é que em razão das leis ordinárias já editadas, que criaram mecanismos para
aplicabilidade de determinadas políticas públicas, é que se afirma que a função de
implementação dessas políticas, hoje, cabe muito mais aos Administradores Públicos do que
aos Legisladores.173

Segundo José Reinaldo de Lima Lopes, as políticas agrupam-se também em gêneros


diversos: 1) as políticas sociais, de prestação de serviços essenciais e públicos (tais como
saúde, educação, segurança e justiça, etc.); 2) as políticas sociais compensatórias (tais como a
previdência e assistência social, seguro desemprego, etc); 3) as políticas de fomento (créditos,
incentivos, preços mínimos, desenvolvimento industrial, tecnológico, agrícola, etc); 4) as
reformas de base (reforma urbana, agrária, etc) e, 5) políticas de estabilização monetária, e
outras mais específicas ou genéricas. Em seguida, aponta que:

Em todas elas colocam-se diversas questões relativas aos princípios


democráticos: qual o grau de transparência ou de sigilo que se requer em
cada caso, qual a previsibilidade de que se pode dispor, qual o impacto que
se pode causar, qual o sentido da política, verificados seus beneficiários a
curto, médio e longo prazo? Qual a responsabilidade do Estado na
implementação da política pública? Responsabiliza-se por prejuízos
causados a indivíduos singulares ou não? Responsabiliza-se pelo insucesso,
ou seja, pelo resultado da política, ou apenas pelos meios? Os membros dos
poderes públicos, Executivo, Legislativo e Judiciário, podem ser
politicamente responsabilizados pela não implementação de políticas
públicas? Podem ser responsabilizados politicamente ou civilmente pela
distorção ou desvio de políticas públicas? 174

Desenhado tal panorama, chega-se à responsabilidade dos Administradores Públicos


pelo não cumprimento das políticas públicas necessárias para a implementação da ordem

173
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 83.
174
LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito Subjetivo e Direitos Sociais: O dilema do Judiciário no Estado Social
de Direito. Em: Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. (org,) José Eduardo Faria. 1ed. 4tir. São Paulo:
Malheiros, 2005, pp 113-143, p. 133.
72

constitucional social, da discricionariedade do Administrador e o posicionamento do


Judiciário frente a tais questões.

2.4 A responsabilidade da Administração pelo não cumprimento das Políticas Públicas


da Ordem Social Constitucional.

Inicialmente entende-se oportuno trazer à baila a definição de ato administrativo,


assim como a noção de perfeição, validade e eficácia dos atos administrativos, indicando
algumas hipóteses que conduziriam à invalidade e ineficácia daqueles.

Celso Antônio Bandeira de Mello conceitua ato administrativo como declaração do


Estado (ou de quem lhe faça às vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço
público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas
complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade
por órgão jurisdicional. Registra que, entretanto, pode haver alguma hipótese excepcional na
qual a Constituição regule de maneira inteiramente vinculada um dado comportamento
administrativo obrigatório. Em casos desta ordem poderá, então, haver ato administrativo
imediatamente infraconstitucional, pois a ausência de lei, da qual o ato seria providência
jurídica de caráter complementar, não lhe obstará à expedição.175

Invocando-se ainda o magistério Celso Antônio Bandeira de Mello, há que se assinalar


os conceitos de perfeição, validade e eficácia do ato administrativo. Para o referido autor:

O ato administrativo é perfeito quando esgotadas as fases necessárias à sua


produção. Portanto, o ato perfeito é o que completou o ciclo necessário à
sua formação. Perfeição, pois, é a situação do ato cujo processo está
concluído.O ato administrativo é válido quando foi expedido em absoluta
conformidade com as exigências do sistema normativo. Vale dizer, quando
se encontra adequado aos requisitos estabelecidos pela ordem jurídica.
Validade, por isto, é a adequação do ato às exigências normativas. O ato
administrativo é eficaz quando está disponível para a produção de seus
efeitos próprios; ou seja, quando o desencadear de seus efeitos típicos não
se encontra dependente de qualquer evento posterior, como condição
suspensiva, termo inicial ou ato controlador a cargo de outra autoridade.

175
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 24ed., São Paulo: Malheiros, 2007, p.
374
73

Eficácia, então, é a situação atual de disponibilidade para produção de seus


176
efeitos típicos, próprios, do ato.

Com base na combinação desses três conceitos, Celso Antônio Bandeira de Melo
formulou quatro hipóteses possíveis que podem conduzir à validade, invalidade ou ineficácia
do ato administrativo, as quais estão assim delineadas:

1) perfeito, válido e eficaz – quando, concluído o seu ciclo de formação,


encontra-se plenamente ajustado às exigências legais e está disponível para
deflagração dos efeitos que lhe são típicos;
2) perfeito, inválido e eficaz – quando, concluído seu ciclo de formação e
apesar de não se achar conformado às exigências normativas, encontra-se
produzindo os efeitos que lhe seriam inerentes;
3) perfeito, válido e ineficaz – quando, concluído seu ciclo de formação e
estando adequado aos requisitos de legitimidade, ainda não se encontra
disponível para a eclosão de seus efeitos típicos, por dependentes de um
termo inicial ou de uma condição suspensiva, ou autorização, aprovação ou
homologação, a serem manifestados por uma autoridade controladora;
4) perfeito, inválido e ineficaz – quando, esgotado seu ciclo de formação,
sobre encontra-se em desconformidade com a ordem jurídica, seus efeitos,
ainda não podem fluir, por se encontrarem na dependência de algum
acontecimento previsto como necessário para a produção dos efeitos
(condição suspensiva ou termo inicial, ou aprovação ou homologação
177
dependentes de outro órgão).

Superada essa noção básica de ato administrativo, anota-se que há tempos se discute,
tanto na doutrina como nas decisões tribunalícias, a responsabilidade da Administração
Pública por seus atos comissivos (decorrentes de ação) e, mais recentemente, por seus atos
omissivos.

Cuida-se do controle dos atos administrativos pelo Judiciário que acaba esbarrando na
discricionariedade da Administração, trazendo à baila a discussão se estaria havendo apenas
controle de legalidade ou invasão do próprio mérito do ato (conveniência e oportunidade), o
que não seria possível, segundo parte da doutrina, por implicar em violação do princípio da
separação dos Poderes estampado no Art. 2º 178 da Constituição Federal, ao argumento de que
a vontade do Administrador não poderia ser substituída pela vontade do juiz.

176
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 24ed., São Paulo: Malheiros, 2007,
pp. 376-377.
177
MELLO. Op. cit., p.378
178
Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
74

No tocante aos atos discricionários, Maria Sylvia Zanella Di Pietro, aduz que ‘o
controle judicial é possível, mas terá que respeitar a discricionariedade nos limites em que ela
é assegurada à Administração Pública pela lei’. Ou seja, o Judiciário poderia apreciar os
aspectos da legalidade e verificar se a Administração não ultrapassou os limites da
discricionariedade.179

Neste particular, há que se assinalar que quando se fala em “poder discricionário”


imagina-se que o agente público possa fazer escolhas livres, na suposição que dentre as
alternativas previstas pela norma em abstrato, quaisquer delas seria de indiferente aplicação
no caso concreto.

Ocorre, contudo, que é ‘preciso refazer a noção mais corrente de discricionariedade,


para adequá-la ao próprio direito positivo’, pois conforme explica Celso Antônio Bandeira de
Mello o chamado “poder discricionário” tem que ser simplesmente o cumprimento do dever
de alcançar a finalidade legal. Só assim poderá ser corretamente entendido e dimensionado,
compreendendo-se, então, que o que há é um dever discricionário, antes que um “poder”
discricionário. Uma vez assentido que os chamados poderes são meros veículos instrumentais
para propiciar ao obrigado cumprir o seu dever, ter-se-á da discricionaridade, provavelmente,
uma visão totalmente distinta daquela que habitualmente se tem.180

Nesta mesma linha, como bem observou Miguel Seabra Fagundes, a atividade
discricionária também se desenvolve subordinada à Lei, mas com um elastério que a própria
Lei lhe outorga em face dos casos concretos. Poder discricionário fora de sujeição à Lei, e
sem ter o fim de realizá-la, seria poder arbitrário.181

Na lição de José Joaquim Gomes Canotilho ‘o exercício do poder discricionário não


equivale a uma liberdade desvinculada, mas sim uma atuação sempre vinculada a princípios e
normas jurídicas’. 182

179
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 5ed, São Paulo: Atlas, 1995, p. 180.
180
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. A Discricionariedade e Controle Judicial. 2ed., Malheiros, 2007,p.15-
16.
181
FAGUNDES, Miguel Seabra. O controle dos atos administrativos pelo Poder Judiciário. 6ed., São Paulo:
Saraiva, 1984,p. 64/67.
182
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador. 2ed., Coimbra:
Coimbra Editora, 2001, p. 233.
75

Em razão disso, a discricionariedade da Administração Pública não é, por si só, motivo


de afastamento a priori da revisão judicial de qualquer de seus atos. Por conseguinte, as
chamadas questões políticas podem dar ensejo a questões jurídicas por afrontarem o direito
positivo ao qual se há de submeter toda a atividade estatal.

Dito de outro modo, isso implica reconhecer que a Administração sempre está
submissa e adstrita à Lei. Logo, como a Constituição é a chamada “Lei das Leis”, em última
análise, todo ato praticado pelo Administrador, seja ele vinculado ou discricionário, deverá
estar em conformidade com a Constituição, sob pena de invalidade por inconstitucionalidade.

Em abono à aludida afirmação, invoca-se aqui o magistério de Celso Antônio


Bandeira de Mello, para quem:

[...] a Constituição não é um mero feixe de leis, igual a qualquer outro corpo
de normas. A Constituição, sabidamente, é um corpo de normas qualificado
pela posição altaneira, suprema, que ocupa no conjunto normativo. É a Lei
das Leis. É a Lei Máxima, à qual todas as demais se subordinam e na qual
todas se fundam. É a lei de mais alta hierarquia. É a lei fundante. É a fonte
de todo o Direito. É a matriz última da validade de qualquer ato jurídico. À
Constituição todos devem obediência: o Legislativo, o Judiciário e o
Executivo, por todos os seus órgãos e agentes, sejam de que escalão forem,
bem como todos os membros da sociedade. Ninguém, no território nacional,
escapa ao seu império. Segue-se que sujeito algum, ocupe a posição que
ocupar, pode praticar ato - geral ou individual, abstrato ou concreto – em
descompasso com a Constituição, sem que tal ato seja nulo e da mais grave
nulidade, por implicar ofensa ao regramento de escalão máximo.183

Desse modo, a despeito a lição de Maria Sylvia Zanella Di Pietro acima anotada,
preconiza-se neste trabalho que nem mesmo o mérito dos atos discricionários pode ser
subtraído do controle judicial, pois além da competência e da legalidade, sempre será possível
um exame de compatibilidade vertical entre o ato administrativo e a Constituição, pois esta
sempre servirá de norte e balizamento para toda e qualquer ação da Administração Pública.

Nesse passo, o que se quer deixar aqui enfatizado, é a possibilidade do controle


judicial dos atos da Administração pelo não cumprimento das normas constitucionais da
ordem social, sobretudo porque tais normas são vinculantes para o Administrador Público e
devem ser aplicadas direta e imediatamente, haja ou não norma infraconstitucional
183
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social. Em: Revista de
Direito Público – 57/58. jan./jun. 1981, pp- 233-256. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 237.
76

regulamentadora, pois tais políticas públicas já estão delineadas pelo Texto Constitucional.
Vale enfatizar aqui, que a eficácia social reduzida dos Direitos Fundamentais não se deve a
falta de leis integradoras. O problema maior é a não-prestação real dos serviços sociais
básicos pelo Poder Público.

É o caso, por exemplo, da garantia de acesso à creche municipal às crianças de zero a


seis anos de idade, conforme assegurado pelo inciso IV do Art. 208184 da Constituição Federal
que, independentemente da existência de norma infraconstitucional, vincula o Administrador
Público no desempenho de suas funções, de modo que a questão poderá ser objeto de controle
de constitucionalidade e conformidade pelo Judiciário. Nesse caso específico, o Art. 54,
inciso IV185 do Estatuto da Criança e do Adolescente, repete a determinação constitucional,
assegurando, em seu Art. 208, III186, os meios para o exercício do direito de ação e respectiva
responsabilização.

Fábio Konder Comparato, sustenta não haver dúvidas de que a questão seja de
controle de constitucionalidade, pois, como a ordem social constitucional estipula quais são os
direitos sociais e em muitos casos já estabelece sua forma de exercício, não há como evitar a
sua judicialização, a partir da omissão do Administrador em implementá-la.

Ainda nas palavras de Fábio Konder Comparato:

Esclarecida, assim, essa clássica falsa objeção à judicialização das políticas


governamentais, estabeleçamos, desde logo, que o juízo de
constitucionalidade, nessa matéria, tem por objeto o confronto de tais
políticas, não só com os objetivos constitucionalmente vinculantes da
atividade de governo, mas também com as regras que estruturam o
desenvolvimento dessa atividade. Na primeira hipótese, por exemplo, uma
política pública econômica voltada exclusivamente para a estabilidade
monetária, interna e externa, pode se revelar incompatível com várias
normas-objetivo da Constituição, notadamente com a busca do pleno
emprego, inscrita no art. 170, VIII. Na segunda hipótese, o exemplo é, sem
dúvida, o da política municipal de saúde pública, desligada do sistema
nacional único, imposto pelo art. 198 da Constituição. Por outro lado,
importa ter em mente que a inconstitucionalidade de uma política

184
CF, Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: [...] IV – atendimento
em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade.
185
ECA, Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: [...] IV – atendimento em creche e pré-
escola às crianças de zero a seis anos de idade.
186
ECA, Art. 208. Regem-se pelas disposições desta Lei as ações de responsabilidade por ofensa aos direitos
assegurados à criança e ao adolescente, referentes ao não-oferecimento ou oferta irregular: [...] III – de
atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade.
77

governamental pode ocorrer, não apenas em razão de sua própria finalidade,


mas também por efeito dos meios ou instrumentos escolhidos para a sua
realização. É o que sucederia, por exemplo, se a política agrícola do
governo federal instituísse alguma espécie de incentivo, suscetível de
favorecer a manutenção de latifúndios improdutivos. Parece óbvio que
haveria, aí, afronta à norma constitucional que impõe a compatibilidade da
reforma agrária com a política agrícola (art.187, § 2º). Tudo isso, quanto à
inconstitucionalidade comissiva. Impossível, porém, não reconhecer que,
também em matéria de políticas públicas, pode haver inconstitucionalidade
por omissão. Em seu art. 182, § 1º, por exemplo, a Constituição impõe a
todos os municípios com mais de vinte mil habitantes, a elaboração de um
plano diretor, como “instrumento básico da política de desenvolvimento e
de expansão urbana”. Seria uma irrisão se os tribunais tivessem que se
quedar inativos diante da omissão das autoridades municipais em dar
187
cumprimento a norma constitucional.

Pois bem, o que se pretende é justamente estabelecer a responsabilidade da


Administração Pública pela sua ação falha ou pela omissão no tocante à implementação das
políticas públicas de cunho social consagradas na Constituição Federal.

Nessa perspectiva, a fim de delinear as competências de cada função estatal, invoca-se


o magistério de Ana Paula de Barcellos, para quem as atividades legislativa e jurisdicional
envolvem naturalmente a aplicação da Constituição e o cumprimento de suas normas. O
Legislador cuida de disciplinar os temas mais variados de acordo com os princípios
constitucionais. Ao magistrado, por outro lado, cabe aplicar a Constituição, direta ou
indiretamente, já que a incidência de qualquer norma jurídica será precedida do exame de sua
própria constitucionalidade e deve se dar da maneira que melhor realize os fins
constitucionais. Ocorre que as decisões judiciais produzem, como regra, efeitos apenas
pontuais, entre as partes, e a legislação depende de atos de execução para tornar-se
realidade.188

Nesse contexto, compete à Administração Pública efetivar os comandos gerais


contidos na ordem jurídica e, em particular, garantir e promover os direitos fundamentais em
caráter geral. Para isso será necessário implementar ações e programas dos mais diferentes
tipos e garantir a prestação de determinados serviços, ou seja, a efetivação das políticas

187
COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o Juízo de constitucionalidade de políticas públicas. São Paulo:
Revista dos Tribunais - RT.737, mar./97, 12/22, p.20-21.
188
BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos
fundamentais: O controle político-social e o controle jurídico no espaço democrático. pp. 599-635. Em: A
Constitucionalização do Direito. (Coords.) Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento. Lumen Juris.
2007, p. 604.
78

públicas. Por meio delas, o Estado poderá, de forma sistemática e abrangente, realizar os fins
previstos na Constituição, sobretudo no que diz respeito aos direitos fundamentais cuja
fruição direta dependa de ações e prestações positivas.

É inegável, desse modo, que o exercício das três funções estatais (executiva,
legislativa e jurisdicional) será sempre norteado pela Constituição, de sorte que os atos da
Administração visando à implementação de políticas públicas, não diferem dos demais atos
administrativos, estando vinculados ao princípio da legalidade (e obviamente à
constitucionalidade) e à legitimidade (o interesse público, que é a finalidade de qualquer ato
administrativo).

Escrevendo sobre a legitimação do poder decisório, Floriano Peixoto de Azevedo


Marques Neto afirma que um poder público – ou um poder decisório monopolizado no espaço
público – absoluto e indivisível (ou seja, soberano) só poderá subsistir num contexto de
Estado de Direito [...] se apresentando como voltado apenas ao atingimento de objetivos
inerentes a todos os indivíduos. Daí a importância para o Estado Moderno do caráter
universalizante do interesse público cuja perseguição se erige como razão da sua existência.189

Antônio Carlos Wolkmer, de sua parte, conclui que a construção crítica de uma
legitimidade democrática que venha fundamentar o Poder político e o Direito justo tem seu
ponto de referência deslocado da antiga lógica de legitimação, calcada na legalidade tecno-
formal para uma legitimidade “instituinte”, formada no justo consenso da comunidade e num
sistema de valores aceitos e compartilhados por todos. Mais adiante aponta que numa cultura
jurídica pluralista, democrática e participativa, a legitimidade não se funda na legalidade
positiva, mas resulta da consensualidade das práticas sociais instituintes e das necessidades
reconhecidas como “reais”, “justas” e “éticas”.190

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da finalidade impõe ao


Administrador não somente a finalidade específica de todas as Leis que é o interesse público,
mas também a “finalidade específica abrigada na lei a que esteja dando execução”,
enfatizando que “do ponto de vista jurídico, será de interesse público a solução que haja sido

189
MARQUES NETO, Floriano Peixoto de Azevedo. Regulação estatal e interesses públicos. Malheiros. 2002,
p. 54.
190
WOLKMER, Antonio Carlos. Ideologia, Estado e Direito. 4ed., São Paulo: RT, 2003, pp. 88-89.
79

adotada pela Constituição ou pelas leis quando editadas em consonância com as diretrizes da
Lei Maior”.191

Destarte, os atos da Administração deverão seguir, assim, os princípios estabelecidos


no Art. 37192 da Constituição Federal, quais sejam: legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência. Além disso, deverão seguir os princípios implícitos agregados ao
regramento constitucional da Administração Pública: supremacia do interesse público sobre o
privado, finalidade, razoabilidade, proporcionalidade e responsabilidade do Estado.

Nesse sentido, Lúcia Valle Figueiredo afirma que:

Na verdade não se vêem diferenças, no que tange à legalidade em sentido


amplo, dos princípios políticos diretamente subsumidos à Constituição,
como, por exemplo, a decretação do estado de sítio, a declaração de estado
de defesa, ou, ainda, a declaração de políticas econômicas, de outros atos
administrativos. Deveras, o ato político está também inserido no conceito de
ato administrativo, pois é norma concreta emanada do Estado debaixo de
legalidade, entendida esta, em termos amplos. Lembremos a concepção
kelsiana: no ápice da pirâmide encontra-se a Constituição, depois as normas
gerais, fundamentos de validade das normas individuais. Os atos políticos
estão diretamente subsumidos ao topo da pirâmide – a Constituição.
Portanto, também estão os atos políticos abrigados no conceito de ato
administrativo, pois são normas individuais, susceptíveis de controle pelo
Poder Judiciário. Apenas a fonte de validade é outra, a Constituição. O ato
administrativo está imediatamente referido na lei, enquanto que o ato
político, embora espécie de ato administrativo, subsume-se à
193
Constituição.

Assim, na esteira do que sustenta Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, o Administrador


está vinculado à Constituição e à implementação das políticas públicas da ordem social (quer
diretamente quer em parceria com a sociedade civil – nesse sentido atuando como
fiscalizador), estando adstrito às finalidades explicitadas na Constituição, bem como nas leis
integradoras, e não cumpri-las caracteriza omissão, passível de responsabilidade, salientando
que essa obrigação de cumprir as normas constitucionais da ordem social inserem-se no

191
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 24ed., 2007, Malheiros, pp.104 e 66.
192
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e
eficiência e, também o seguinte:
193
FIGUEIREDO. Lucia Valle. O devido processo legal e a responsabilidade do Estado por dano decorrente
do planejamento. Revista Trimestral de Direito Público - nº11, pp 05-20, São Paulo: Malheiros, jul./set.1995,pp
09/10.
80

devido processo legal que deve ser obedecido pela Administração, na implementação das
políticas públicas.194

Para alicerçar sua afirmação, a última autora citada baseia-se na lição de Carlos
Roberto de Siqueira Castro para quem o devido processo legal deve ser entendido como
postulado de caráter substantivo (substantive due process), capaz de condicionar, no mérito, a
validade das leis e da generalidade das ações (e omissões) do Poder Público.195

Neste sentido, conforme ensinam Luís Roberto Barroso e Ana Paula de Barcellos, há
que se acrescentar que apesar de não expresso na Constituição, o princípio da razoabilidade
ou da proporcionalidade, aqui entendidos como fungíveis, tem seu fundamento nas idéias de
devido processo legal substantivo e na de justiça. Cuida-se também de um valioso
instrumento de proteção dos direitos fundamentais e do interesse público, por permitir o
controle da discricionariedade dos atos do Poder Público e por funcionar como a medida com
que a norma deve ser interpretada no caso concreto para a melhor realização do fim
constitucional nela embutido ou decorrente do sistema.196

Destarte, conforme se verá adiante, a atividade discricionária do Poder Público,


modernamente, vem sendo cada vez mais reduzida e delimitada, em decorrência da
consagração de importantes princípios constitucionais conformadores da autuação dos
Poderes, a exemplo dos princípios da indisponibilidade do interesse público, do devido
processo legal, da razoabilidade e proporcionalidade, da moralidade administrativa, da
eficiência, da obrigatoriedade do desempenho da atividade administrativa, da continuidade do
serviço público, da igualdade, da justiça social, da economicidade, entre outros.

Diante desse novo cenário, defende-se aqui que as políticas públicas determinadas
constitucionalmente não se inserem no âmbito de discricionariedade do Poder Público, já a
discricionariedade do Administrador Público cessa ante o texto explícito da Constituição, cuja
finalidade é a plena satisfação do interesse da coletividade, de modo que existe sim a
194
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, p. 91.
195
CASTRO, Carlos Roberto de Siqueira. O devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova
Constituição do Brasil. Rio de Janeiro: Forense, 1989, p.383.
196
BARROSO, Luís Roberto Barroso; BARCELLOS, Ana Paula de. O começo da história. A nova
interpretação constitucional e o papel dos princípios do direito brasileiro. p. 33. Disponível em:
http://www.camara. rj.gov.br/setores/proc/revistaproc/revproc2003/arti_histdirbras.pdf. Acesso em 22 de jan.
2008.
81

possibilidade de responsabilização da Administração pelo não cumprimento das políticas


públicas consagradas na Constituição Federal.

Essa possibilidade de responsabilização da Administração Pública pela não


implementação das políticas públicas da ordem constitucional social, restou bem sintetizada e
demonstrada por Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, em cinco pontos, todos encadeados entre
si, assim redigidos:

1- as normas constitucionais que estabelecem os direitos sociais são


eficazes e vinculam a administração para sua implementação;
2- por serem direitos sociais dotados de eficácia, e para alguns
constituindo mesmo direitos fundamentais, que não seriam passíveis de
abolição por emenda constitucional, o seu não reconhecimento possibilita
aos interessados/legitimados demandarem judicialmente por sua
implementação;
3- a ausência de políticas públicas voltadas para a implementação dos
direitos sociais constituem atos omissivos da Administração e são passíveis
de controle pelo Judiciário, pois existe o juízo de inconstitucionalidade e
ilegalidade na omissão da Administração;
4- o não cumprimento das políticas públicas da ordem social fixadas na
Constituição atenta contra o devido processo legal que deve ser observado
pela Administração, bem como contra a finalidade administrativa, que é
atender o interesse público e,
5- determinadas políticas públicas dependem da atuação de entes e
instituições prévias (como a adaptação de prédios e transporte coletivos às
necessidades das pessoas portadoras de deficiência), nessa hipótese, a
administração poderá ser responsabilizada por ausência de fiscalização, em
197
conjunto com o particular.

Nessa perspectiva, em que a Constituição vincula o Legislador e o Administrador


Público não somente quanto à obediência dos direitos fundamentais, mas também quanto à
elaboração das normas que garantam à coletividade a concretização dos direitos sociais,
impondo uma atuação positiva do Estado, sustentou-se, em arremate, a possibilidade de
responsabilização daqueles, pela ação ou omissão, no caso de falha ou ausência, de ações
tendentes à concretização das aludidas normas constitucionais que devem ser materializadas
por meio das políticas públicas. Contudo, não pode deixar de ser dito que essa possibilidade
de responsabilização da Administração Pública, por atos comissivos e omissivos, por certo, é
matéria muito controvertida tanto na doutrina como nos tribunais, encontrando forte
resistência na doutrina constitucional tradicionalista, que se escuda, grosso modo, no princípio

197
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, p.92-93.
82

da separação dos Poderes e na discricionariedade da Administração para rechaçá-la. Assim,


impõe-se um maior aprofundamento acerca do tema referente à discricionariedade da
Administração no tocante as políticas públicas preconizadas no Texto Constitucional.

2.5 A discricionariedade mínima da Administração Pública na implementação das


Políticas Públicas Constitucionais.

Com apoio no magistério de Luis Roberto Barroso, modernamente tem restado


superada a idéia restrita de vinculação positiva do Administrador à Lei, na leitura
convencional da legalidade, pois ele pode e deve atuar tendo por fundamento direto a
Constituição e independentemente, em muitos casos, de qualquer manifestação do Legislador
ordinário. Segundo o referido autor, “o princípio da legalidade transmuda-se, assim, em
princípio da constitucionalidade ou, talvez, em princípio da juridicidade, compreendendo sua
subordinação à Constituição e à Lei, nessa ordem”.198

A constitucionalização implica, pois, na irradiação dos valores constitucionais pelo


sistema jurídico, como um todo. Pode-se afirmar, sem medo de errar, que a Constituição
protege os direitos fundamentais, aí incluídos os sociais, e determina a adoção de políticas
públicas aptas a realizá-los.

Desse modo, é inequívoco que as normas constitucionais criam vinculação para a


Administração Pública e para o Legislador, pois a Constituição Federal estabelece claramente
políticas públicas, que na maioria dos casos já foram objeto de regulamentação por leis
integradoras, a serem cumpridas para implementação dos direitos estabelecidos no Título da
Ordem Social e em outros dispositivos já mencionados anteriormente.

Pois bem, nesta trilha é assente que os atos emanados da Administração no


cumprimento das políticas públicas de cunho social podem ser mencionados como vinculados
e não discricionários, porquanto os limites de atuação do Administrador já foram traçados

198
BARROSO, Luis Roberto. Neoconstitucionalismo e constitucionalização do Direito (O triunfo tardio do
Direito Constitucional no Brasil). Em: A Constitucionalização do Direito – Fundamentos teóricos e aplicações
específicas. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2007, pp. 203-249, p. 238.
83

pela Constituição Federal, não deixando, assim, margem para juízos de conveniência e
oportunidade.

Conforme já assinalado, numa visão mais simplista, a discricionariedade é considerada


como uma prerrogativa concedida ao agente público de escolher, dentre várias condutas
possíveis, a que traduz maior conveniência e oportunidade para o interesse público. Assim, o
núcleo básico do poder discricionário seria o binômio conveniência-oportunidade.

Celso Antônio Bandeira de Melo conceitua a discricionariedade da seguinte forma:

Discricionariedade, portanto, a margem de liberdade que remanesça ao


Administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade,
um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis, perante cada caso
concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à
satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões
da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair
objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente.199

Nos atos vinculados, por sua vez, a lei estabelece uma única solução possível diante de
determinada situação concreta. Logo, não há margem para apreciação subjetiva por parte do
Administrador Público. Em outras palavras, não há a outorga de liberdade para resolver sobre
a conveniência do ato, nem sobre o seu conteúdo, cabendo à Administração somente praticá-
lo, após a constatação da existência dos motivos que o embasarão.

Conforme já anotado em linhas anteriores, o Administrador Público está vinculado à


Constituição, assim como às normas infraconstitucionais dela decorrentes, para a
implementação das políticas públicas relativas à ordem social constitucional.

Assim, por exemplo, a ausência de vaga no ensino no ensino fundamental em escola


pública, pela inexistência de estabelecimento de ensino na região, enseja ações individuais e
coletivas, sendo que nestes casos o Judiciário poderá determinar a instalação e
disponibilização de estabelecimento de ensino necessário à resolução do problema
emergencial dos titulares do direito de acesso à educação fundamental gratuita, sobretudo
porque neste caso não há discricionariedade do Administrador Público, mas sim vinculação à
Constituição Federal que determina a adoção de políticas públicas efetivas e aptas a assegurar
199
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Discricionariedade e controle jurisdicional. 2ed. Malheiros, 2007,
p.48.
84

o ensino fundamental a todos, inclusive para os que não tiveram acesso na idade própria, nos
moldes do inciso I do Art. 208200 e Art. 6º201. O mesmo raciocínio se aplica às prestações de
saúde que sejam consideradas juridicamente exigíveis. O indivíduo não atendido pode, por
certo, postular seu atendimento, mas também se pode discutir a questão em seu caráter geral –
com maior proveito – de modo a assegurar o oferecimento do bem a todos os indivíduos que
dele necessitam.

Aliás, Fábio Konder Comparato afirma que os objetivos gerais e específicos das
Constituições do moderno Estado dirigente são juridicamente vinculantes para todos os
órgãos do Estado e também para todos os detentores de poder econômico ou social, fora do
Estado. Mais adiante, o mesmo autor destaca que:

O importante é assinalar, na estrutura do Estado Dirigente, a lei perde a sua


majestade de expressão por excelência da soberania popular, para se tornar
mero instrumento de governo. A grande maioria das leis insere-se, hoje, no
quadro de políticas governamentais, e têm por função não mais a declaração
de direitos e deveres em situações jurídicas permanentes, mas a solução de
questões de conjuntura, ou então o direcionamento, por meio de incentivos
ou desincentivos, das atividades privadas, sobretudo no âmbito empresarial,
202
ou ainda a regulação de procedimentos no campo administrativo.

Ingo Wolfgang Sarlet destaca que o que importa é a constatação de que os direitos
fundamentais vinculam os órgãos administrativos em todas as suas formas de manifestação e
atividades, na medida em que atuam no interesse público, no sentido de guardião e gestor da
coletividade. E registra: No que diz com a relação entre os órgãos da Administração e os
direitos fundamentais, no qual vigora o princípio da constitucionalidade imediata da
Administração, a vinculação aos direitos fundamentais significa que os órgãos administrativos
devem executar apenas as leis que àqueles sejam conformes, bem como executar estas leis de
forma constitucional, isto é, aplicando-a e interpretando-as em conformidade com os direitos
fundamentais.203

200
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I – ensino fundamental
obrigatório e gratuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita para todos os que a ele não tiveram acesso na
idade própria.
201
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
202
COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o Juízo de constitucionalidade de políticas públicas. São Paulo:
Revista dos Tribunais – RT 737, mar./97, 12/22, p.19.
203
SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 8ed., Livraria do Advogado, 2007, p. 393.
85

De outra parte, o Administrador Público está também adstrito ao princípio da


razoabilidade, pois o efetivo exercício dos direitos sociais não pode ser postergado por sua
inação ou ação que contrarie os ditames constitucionais e legais. Assinale-se que em face da
atual Constituição todo ato omissivo do Poder Público que inviabilize a efetividade de uma
norma constitucional está sujeito ao controle de constitucionalidade pelo Judiciário.

Aliás, calha aqui uma breve alusão à inconstitucionalidade por omissão que, no dizer
de Flávia Piovesan, é a inconstitucionalidade negativa, que resulta de abstenção, inércia ou
silêncio do Poder Político que deixa de praticar determinado ato exigido pela Constituição.
Isto implica dizer que só há a omissão inconstitucional quando há o dever constitucional de
ação. A inconstitucionalidade por omissão pressupõe a exigência constitucional de ação.204

A última autora referida aponta ainda a existência de três espécies de


inconstitucionalidade por omissão, as quais se caracterizam: 1) pela falta ou insuficiência de
medidas legislativas; 2) pela falta de adoção de medidas políticas ou de governo e, 3) pela
falta de implementação de medidas administrativas, incluídas as medidas de natureza
regulamentar, ou de outros atos da Administração Pública.

Destarte, recobrada a noção da inconstitucionalidade por omissão e com base no que já


foi até aqui exposto, pode-se afirmar, com apoio na doutrina de Luiza Cristina Fonseca
Frischeisen, que o Administrador não tem discricionariedade para deliberar sobre a
oportunidade e conveniência de implementação de políticas públicas discriminadas na ordem
social constitucional, pois tal restou deliberado pelo constituinte e também pelo Legislador
ordinário que elaborou as normas de integração.205

Conforme se depreende da argumentação desenvolvida por Celso Antônio Bandeira de


Melo, em artigo de sua autoria, intitulado “Eficácia das normas constitucionais sobre justiça
social”, a discricionariedade na implantação das políticas públicas constitucionais da ordem
social somente poderia ser exercida nos espaços, eventualmente não preenchidos pela
Constituição ou pela lei, não podendo valer-se, tampouco, de conceitos normativos tidos
como fluidos ou permeáveis a várias interpretações, pois esses deverão ser preenchidos por

204
PIOVESAN, Flávia. Proteção Judicial contra omissões legislativas. 2ed., São Paulo: RT, p. 90.
205
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, p.95.
86

interpretação de acordo com os fundamentos e objetivos da República, estabelecidos na


Constituição.206

Conforme destacado por Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, essa vinculação aos
ditames constitucionais não leva ao “engessamento” da Administração que, diante das
múltiplas demanda da coletividade, necessita ter espaço para implementar as políticas
públicas, em consonância com as diversas realidades sociais existentes em uma mesma
comunidade, mas que devem sempre atender à finalidade constitucional e legal.207

Nesta senda, cabe ao Judiciário dar a última palavra sobre os limites da


discricionariedade, porquanto intérprete último do Direito. O próprio conceito de ato
administrativo político deve ser interpretado restritivamente, em virtude da supremacia da
Constituição e da inafastabilidade do controle jurisdicional. Destarte, a pura e simples
invocação da natureza “política” ou “discricionária” de um ato do Estado não é suficiente para
retirá-lo da apreciação judiciária.

A Constituição deve ser encarada como um sistema aberto de princípios e regras,


permeável a valores jurídicos suprapositivos, no qual as idéias de justiça e de realização dos
direitos fundamentais desempenham um papel central, de modo que pode-se afirmar que a
margem de discricionariedade do Administrador é mínima, ou porque não dizer, nenhuma, já
que os limites já foram traçados pela própria Constituição. Afirma-se, assim, que há
vinculação e não discricionariedade.

Destarte, as dúvidas sobre essa margem de discricionariedade devem ser dirimidas


pelo Judiciário, cabendo ao juiz dar sentido concreto à norma e controlar a legitimidade do ato
administrativo (omissivo ou comissivo), verificando se o mesmo não contraria sua finalidade
constitucional, no caso, a concretização da ordem social constitucional. Nessa ordem de idéias
é que se mostra relevante o exame do fenômeno a “politização do Judiciário”.

206
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Eficácia das normas constitucionais sobre justiça social. Em: Revista
de Direito Público, 57/58, jan./jun. 1981. pp. 233-256. São Paulo: Revista dos Tribunais.
207
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, p.96.
87

2.6 A chamada politização do Judiciário e a judicialização da Política

Nas palavras de Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, o Estado Social, produto de


movimentos sociais do Século XIX, foi também, em grande medida, produto de atividade
legislativa, em uma nova perspectiva da própria função do Direito, que deixava de ser
meramente instrumento de manutenção de uma determinada ordem política e passava a ter
uma função promocional. Após a positivação dos direitos sociais, seguiu-se um processo de
positivação de suas garantias, o que levou a um processo de “judicialização” de tais direitos,
pois que entre aquelas garantias, estava a criação de mecanismos de tutela judicial para o seu
efetivo exercício.208

Assim, neste enfoque, o termo “judicialização” significa a elaboração de fórmulas


processuais aptas a viabilizar uma tutela jurisdicional envolvendo um direito material já
positivado. Em outras palavras, viabilizar a possibilidade de trazer a pretensão de direito
material para ser discutida no Judiciário, por meio de um processo judicial.

Conforme destaca Celso Fernandes Campilongo, o Judiciário assume um papel


absolutamente fundamental nesse momento. A tendência dos sistemas jurídicos
contemporâneos é a de criar novas técnicas de garantia de efetividade a sempre novos direitos
vitais. Por isso, com propriedade já se assinalou que “o progresso da Democracia mede-se
precisamente pela expansão dos direitos e pela sua afirmação em juízo”. E mais adiante
registra:

A magistratura ocupa uma posição singular nessa nova engenharia


institucional. Além de suas funções usuais, cabe ao Judiciário controlar a
constitucionalidade e o caráter democrático das regulações sociais. Mais
ainda: o juiz passa a integrar o circuito de negociação política. Garantir as
políticas públicas, impedir o desvirtuamento privatista das ações estatais,
enfrentar o processo de desinstitucionalização dos conflitos – apenas para
arrolar algumas hipóteses de trabalho – significa atribuir ao magistrado uma
função ativa no processo de afirmação da cidadania e da justiça substantiva.
[...] Assim, o juiz não aparece mais como “o responsável pela tutela de
direitos e das situações subjetivas, mas também como um dos titulares da
distribuição de recursos e da construção de equilíbrios entre os interesses
209
supra-individuais”.

208
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000, p.97.
209
CAMPILONGO, Celso Fernandes. Os desafios do Judiciário: um enquadramento teórico. Em Direitos
Humanos, Direitos Sociais e Justiça. (org.) José Eduardo Faria, 1ed. 4tir. São Paulo: Malheiros, 2005, p.48.
88

Tércio Sampaio Ferraz Júnior, assinala que os direitos sociais, produto típico do
Estado do Bem-Estar Social, não são, pois, conhecidamente, somente normativos, na forma de
um a priori formal, mas têm um sentido promocional prospectivo, colocando-se como
exigência de implementação. Isto altera a função do Poder Judiciário, ao qual, perante eles ou
perante a sua violação, não cumpre apenas julgar no sentido de estabelecer o certo ou o errado
com base na lei (responsabilidade condicional do juiz politicamente neutralizado), mas
também e sobretudo examinar se o exercício discricionário do poder de legislar conduz à
concretização dos resultados objetivados (responsabilidade finalística do juiz que, de certa
forma, o repolitiza).210

Numa outra perspectiva, fala-se na “judicialização da política”, termo utilizado para


retratar o crescente controle efetuado pelos órgãos judiciários sobre as decisões políticas, que
geralmente decorre do constante recurso da minoria ao Tribunal Constitucional, como forma
de solução de seus conflitos com a maioria. É o que se vê quando os partidos políticos
minoritários no Congresso Nacional ou aqueles que fazem oposição ao governo, trazem uma
discussão interpretativa constitucional para âmbito de cognição do Supremo Tribunal Federal.
Tal fenômeno tem se verificado com freqüência no Brasil, onde partidos políticos têm
pressionado o Judiciário para que ele julgue questões atinentes à constitucionalidade da
formação legislativa, sendo considerado uma conseqüência do controle judicial de
constitucionalidade.

De qualquer modo, no Brasil, a partir dos anos noventa, se tornou mais expressiva a
visibilidade das decisões e sentenças contra o Executivo no plano econômico, tributário e
previdenciário, e o Judiciário se apresentou como “poder estatal” independente perante a
opinião pública. A partir dessa notoriedade, tem crescido o anseio popular de controle sobre
as escolhas políticas e, conseqüentemente, a pressão sobre o Judiciário para que adentre no
exame dos atos de governo, não só para contrastá-los com a lei, mas sobretudo com a nova
ordem constitucional, que irradia valores e princípios para todo o ordenamento jurídico pátrio.

Certamente um dos fatores preponderantes para o estabelecimento dessa linha de


tensão entre o Judiciário, de um lado, e o Executivo e o Legislativo, de outro, se explica pelo

210
FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. O Judiciário frente à divisão dos poderes. Um princípio em decadência?
Em: Revista Trimestral de Direito Público-9, jan./mar. 1995, pp- 40-48, São Paulo: Malheiros, p. 45.
89

contraste entre a filosofia política da Constituição brasileira e a prática política que se


instaurou no Brasil por força da globalização e dos imperativos do mercado sobre a vida
social. Dito de outro modo, o Estado intervencionista consagrado na Constituição, em
confronto com o Estado neoliberal, que quer se instalar ignorando as conquistas históricas,
desprezando valores realizados pela social-democracia, em favor da concepção egoística do
homem-econômico exaurido na liturgia do “mercado”. Em função disso, não raramente
instaura-se um desalinhamento entre as ações governamentais e o Texto Constitucional cuja
preservação e tutela é a tarefa maior do Poder Judiciário.

Nesse passo, Celso Fernandes Campilongo, numa visão sociológica, situa a questão
em um mundo que convive cada vez mais com a complexidade social e dificuldades no
processo decisório de detentores dos Poderes Executivo e Legislativo e afirma:

É nesse pano de fundo que ressurge o debate sobre a expansão da função


política dos Tribunais, do Ministério Público e dos operadores jurídicos em
geral: a chamada “politização do judiciário”. O outro lado da medalha vem
representado por um processo de substituição e de delegação do sistema
político (e, no seu interior, particularmente aos Tribunais) de importantes
competências decisórias: a suposta “judicialização da política”. [...] Diante
das incertezas do processo decisório político (e dos riscos a ele inerentes), o
Judiciário estaria, cada vez mais, assumindo um papel de revalidador,
legitimador ou instância recursal das decisões políticas.211

Num outro texto de sua autoria, o mesmo autor destaca:

A presença do Estado no domínio econômico confere à ordem jurídica um


caráter indisfarçadamente político. A literatura sobre as novas “funções do
direito” – redistributivas, transformadoras, legitimadoras, etc – traz
consigo o questionamento a respeito dos novos papéis do juiz. Sem
abandonar a tradicional função de adjudicação da conflituosidade inter-
individual, o magistrado atua, no Estado social, como um garantidor da
estabilidade e da dinâmica institucionais. Os direitos sociais agregam ao
Estado de Direito um considerável aumento de complexidade. O sistema
legal de garantias liberais era altamente seletivo e permeável a conteúdos
materiais. O modelo jurídico do Estado social é compensatório dos déficits
e desvantagens que o próprio ordenamento provoca. Os direitos sociais
lidam com uma seletividade inclusiva. O desafio do Judiciário, no campo
dos direitos sociais era, e continua sendo, conferir eficácia aos programas de
ação do Estado, isto é, às políticas públicas, que nada mais são do que os
212
direitos decorrentes dessa “seletividade inclusiva”.

211
CAMPILONGO, Celso Fernandes. A função política dos Tribunais e do Ministério Público. Em: Direito e
Cidadania - nº 3, publicação do Instituto de Estudos, Direito e Cidadania – IDEC, nov./dez 1997.
212
CAMPILONGO, Celso Fernandes. Os desafios do Judiciário: um enquadramento teórico. Em: Direitos
Humanos, Direitos Sociais e Justiça. (org.) José Eduardo Faria, 1ed. 4tir. São Paulo: Malheiros, p.47.
90

Mauro Cappelletti, de sua parte, já advertia que mais cedo ou mais tarde os juízes
teriam que “aceitar a realidade da transformada concepção de Direito e da nova função do
Estado”. Para tal fim, os juízes devem controlar e exigir o cumprimento do dever do Estado
de intervir ativamente na esfera social. Mais adiante, destaca que “é manifesto o caráter
acentuadamente criativo da atividade judiciária de interpretação e de atuação legislativa e dos
direitos sociais”.213

Tem-se, assim, que o fenômeno da “politização do Judiciário” está ligado à imersão do


Judiciário no cenário político, sobretudo porque cabe a ele dar a última e derradeira palavra,
acerca de questões constitucionais, que num primeiro momento se apresentam como políticas,
mas que em verdade, se tornam judiciais e por isso, não escapam ao controle judicial de
constitucionalidade.

A propósito, calha aqui as palavras de Fábio Konder Comparato, de seguinte teor:


“Afastemos, antes de mais nada, a clássica objeção de que o Judiciário não tem competência,
pelo princípio da divisão de Poderes, para julgar “questões políticas”. O referido autor cita a
lição de Rui Barbosa, assim redigida:

Já no início do regime republicano, quando se ensaiava entre nós o juízo de


constitucionalidade de leis e atos do Poder Público, Rui Barbosa advertia
para o fato de que uma questão política, quando analisada fora dos
tribunais, assume necessariamente um caráter judiciário quando proposta
como objeto de uma demanda. “O effeito da interferência da justiça, muitas
vezes”, escreveu ele, “não consiste senão em transformar, pelo aspecto com
que se apresenta o caso, uma questão política em judicial. Mas a attribuição
de declarar inconstitucionaes os actos da legislatura envolve,
inevitavelmente, a justiça federal em questões políticas. É,
indubitavelmente, um poder, até certa altura, político, exercido sob as
214
fórmas judiciaes”.

Na mesma trilha, ao tratar da dimensão política da função judicial, Plauto Faraco de


Azevedo, assinala que para reconhecer a dimensão política da função judicial, tem-se de ter
em mente que se trata de ‘uma atividade que tem por finalidade alcançar a realização da trama
de princípios, valores, instituições e comportamentos sociais que estão definidos e

213
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Trad: Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Fabris Editor, 1993,
p. 42.
214
COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o Juízo de constitucionalidade de políticas públicas. São Paulo:
Revista dos Tribunais - RT.737, mar./97, pp. 12/22, pp.19-20.
91

constituindo uma certa ordem’. E registra: Apoiado em excelente análise histórica do Poder
Judiciário, Zaffaroni não tem dúvida em afirmar ‘que a questão judiciária é, antes de tudo,
uma questão política’.215

Acresça-se, nesse passo, de acordo com o magistério de José Carlos Vasconcellos dos
Reis, que ao atuar no sentido de preservação do espírito da Constituição – sobretudo aquele
núcleo intangível representado pelos direitos fundamentais – em face das oscilações da
política e do governo, o processo judicial pode ser considerado como um dos meios
institucionais de participação e controle da cidadania sobre o exercício do poder.216

Cidadania não mais entendida como adstrita ao exercício dos direitos políticos, mas
sim com o exercício de outras prerrogativas que surgiram como consectário lógico do Estado
Democrático e Social de Direito, ou seja, todo e qualquer direito relacionado à dignidade do
cidadão como sujeito de prestações estatais e à participação ativa na vida social, política e
econômica do Estado.

Num outro enfoque da dimensão política do Judiciário, agora sob a óptica da limitação
interna do poder como forma de evitar abusos e desvios, Plauto Faraco de Azevedo assinala
que,

Outro modo de conduzir o poder ao direito consiste em limitá-lo


internamente, repartindo suas funções entre várias instituições e pessoas.
“A este pensamento fundamental de equilíbrio correspondem soluções tão
diversas quanto as constituições rígidas, o federalismo, a separação dos
poderes, a responsabilidade ministerial, o sistema bicameral, a subordinação
dos regulamentos às leis, a organização hierárquica da administração e dos
tribunais, a consulta obrigatória de conselhos ou agrupamentos sindicais
[...]. Verdade é que a simples distribuição do poder entre vários órgãos não
é suficiente para evitar a falibilidade política. Por isso, também buscando a
divisão de poder, encontrou-se na Jurisdição, particularmente em seu
aspecto constitucional, o aspecto mais seguro de evitar o abuso de poder,
“seja postulando a anulação dos atos incriminados, seja sob a forma de
exceção de recusa de sua aplicação”. [...] Na medida em que a justiça
controla, ela governa, ao menos de forma negativa, por via de impedimento.
Sendo a lei precisa, o juiz não faz mais do que efetivar a vontade do
legislador. Mas, não havendo regulamentação positiva, ou sendo a regra
positiva de criação jurisprudencial, ou, ainda, quando a regra alude ao poder

215
AZEVEDO, Plauto Faraco de. Direito, justiça social e neoliberalisno. 1ed. 2tir. São Paulo: RT, 1999, p.41-
42.
216
REIS, José Carlos Vasconcellos dos. As normas constitucionais programáticas e o controle do Estado. Rio
de Janeiro: Renovar, 2003, p.263.
92

de apreciação do juiz, “verdadeiramente o juiz governa, decidindo, em


última instância, acerca das exigências do bem público, em determinada
matéria”. 217

Trazendo a discussão da politização do Judiciário para um contexto concreto, no


cenário nacional, não há como deixar de abordar o tema alusivo à hipertrofia do Poder
Executivo, posto que a título de ilustração, segundo artigo intitulado “Legislativo subalterno”,
publicado no Jornal “O Estado de São Paulo”, 218 de 02 de janeiro de 2008, no ano de 2007,
numa análise dos projetos aprovados pela Câmara e pelo Senado que se tornaram Leis,
verifica-se primeiro, que o Executivo comandou inteiramente os trabalhos, tomando a
iniciativa de propor e fazer aprovar 75,8% das Leis, enviando 119 dos 157 projetos
sancionados. Segundo, que a metade dos 22,9% projetos sancionados, de iniciativa do
Legislativo (correspondendo a 36 projetos), foi apenas Leis para dar nomes a locais de uso
público ou instituir datas comemorativas.

Neste contexto, de verdadeira ditadura do Poder Executivo em face do Legislativo e da


sociedade civil, a posição do Judiciário baseia-se na preservação e garantia do princípio
democrático, pois atua na salvaguarda dos direitos fundamentais. Assim, o fato de funcionar
como mediador entre os outros dois Poderes, coibindo uma possível preponderância do
Executivo sobre o Legislativo, constitui apenas uma conseqüência desse papel, posto que a
harmonia e independência entre os Poderes constituem valores democráticos
constitucionalmente assegurados pela Constituição da República.

Cabe lembrar que, mesmo na defesa de interesses particulares, o Judiciário tem sido
chamado igualmente a promover a defesa da Constituição. A Constituição contém normas que
regulam diretamente os conflitos sociais, influenciando a distribuição de recursos entre grupos
e classes sociais e protegendo direta ou indiretamente seus interesses, os quais, sendo
violados, também fundamentam, o recurso ao Judiciário. Assim, inúmeras ações individuais
tem sido aforadas pelos cidadãos, buscando no Judiciário a correta aplicação da Constituição
e o efetivo exercício dos direitos sociais assegurados na mesma, para implantação das
políticas públicas correlacionadas. Do mesmo modo, a defesa dos interesses coletivos tem
sido promovida por meio das ações diretas de inconstitucionalidade e de ações civis públicas,

217
AZEVEDO, Plauto Faraco de. Direito, justiça social e neoliberalisno. 1ed. 2tir. São Paulo: RT, 1999, pp.39-
40.
218
Legislativo subalterno. Em: Notas & Informações. Jornal “O Estado de São Paulo”. São Paulo, Caderno I, p.
A-3, 02 jan. 2008 – Ano 128, edição nº 41714.
93

quase sempre ajuizadas pelo Ministério Público e que tem se mostrado um eficiente
instrumento para a concretização das políticas públicas no âmbito social.

Portanto, o problema não é de substituição do Executivo pelo Judiciário, mas de


cumprimento da Constituição e de interpretação das normas constitucionais e legais e ainda
dos limites da discricionariedade da Administração, conforme assevera Luiza Cristina
Fonseca Frischeisen219 que, na seqüência, invoca a lição de Sérgio de Andréa Ferreira,
lançada nos seguintes termos:

Por mais abstrato ou subjetivo que possa parecer um determinado padrão


jurídico, cabe ao juiz dar-lhe sentido no caso concreto e, através disso,
controlar a legitimidade do ato, a discricionariedade lesiva, a omissão, a
ameaça, tudo isso traduzindo uma imensa ampliação dos poderes
jurisdicionais em relação aos Poderes Públicos. É certo que o juiz não vai
substituir ao legislador, ao administrador, no núcleo do poder discricionário.
Mas não o estará fazendo se verificar que, diante de uma aparente
legalidade extrínseca, na verdade esteja em face de uma grande injustiça, de
um procedimento administrativo desarrazoado, ilógico, contrário à técnica,
à economicidade, à logicidade, que são os parâmetros do controle
220
jurisdicional, neste campo específico da chamada legitimidade.

Vale enfatizar, por oportuno, que ao lado do princípio fundamental da inafastabilidade


e indeclinabilidade da atividade judicial consagrado no Art. 5º, inciso XXXV221, a
Constituição Federal estabelece direitos sociais (metaindividuais) gerais (Art.6º)222 e dos
trabalhadores rurais e urbanos (Art. 7º)223 e os explicita no Capítulo da Ordem Social, onde
preconiza também as políticas públicas a serem implementadas (Arts. 193/232)224, que podem
ser demandados individualmente ou coletivamente, nessa última hipótese, por instrumentos

219
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, p.101.
220
FERREIRA, Sérgio de Andréa. A especificidade do controle dos poderes públicos no contexto da função
jurisdicional. Estudos em homenagem a Geraldo Ataliba. Em: Direito Administrativo e Constitucional. (org.)
Celso Antônio Bandeira de Mello. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 584.
221
XXXV – a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
222
Art. 6º. São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência
social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.
223
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição
social: Incisos I a XXXIV e parágrafo único .
224
Título VIII – Da Ordem Social (Arts. 193 a 232).
94

processuais próprios, também assegurados na Constituição, mandado de segurança coletivo e


ação civil pública (Art. 5º, inciso LXX225 e Art. 129, inciso III226).

Observe-se, nesse contexto, que houve um processo de “judicialização” das demandas


coletivas, já que o Judiciário passou a atuar como árbitro de novos conflitos de natureza
coletiva, conflitos de massa e, portanto, políticos. Assim, o Judiciário surgiu como uma
alternativa para a resolução dos conflitos coletivos, para agregação do tecido social e mesmo
para a adjudicação da cidadania, tema dominante na pauta da facilitação do acesso à Justiça,
conseqüência natural da positivação pela Constituição dos direitos sociais.

Repise-se que o controle de constitucionalidade exercido quanto às políticas públicas


não pode ser visto como “invasão de competência”, já que políticas públicas não podem ser
concebidas como questões puramente políticas e menos ainda como mérito administrativo,
cuja análise deva escapar ao Poder Judiciário, mesmo porque nem as questões políticas, nem
o mérito administrativo, escapam ao controle constitucional, conforme já acenado em linhas
anteriores e que merecerá um maior aprofundamento mais adiante.

Não se pode perder de vista que a Constituição constituiu o Estado Democrático de


Direito em dois fundamentos relacionados ao indivíduo; cidadania e dignidade da pessoa
humana. A dignidade da pessoa humana é o valor fundamental do indivíduo, ao passo que a
cidadania se refere ao aspecto social.

A cidadania, por sua vez, consoante assinala Paulo Hamilton Siqueira Júnior, é
inerente à Democracia e à participação política que se exterioriza pelas decisões políticas nos
Município, Estados Federados ou na comunidade em que o indivíduo vive. A cidadania
constitui-se, portanto, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil e tem como
conseqüência a democratização do acesso à justiça e a participação popular no processo
decisório governamental. O estudo do direito de ação, do acesso ao Judiciário, bem como de

225
LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no
Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em
funcionamento há pelos menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.
226
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: (...) III – promover o inquérito civil e a ação civil
pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos.
95

sua efetividade, ultrapassa os limites meramente jurídicos para alcançar, igualmente, o campo
político.227

Mais adiante, ao tratar das formas de execução da cidadania, mais precisamente no


tocante à atuação jurídica, o referido autor afirma que ‘a Constituição Federal criou
instrumentos para o cidadão fiscalizar os negócios do Estado, por intermédio do Poder
Judiciário. A atuação da cidadania consiste na participação, fiscalização das atividades do
Estado, dentre as quais se inclui a jurisdicional. A efetividade jurisdicional exercida em prol
da cidadania ultrapassa o mundo jurídico, alcançando a esfera política da nação’.228

Assim, considerando que no sentido esculpido na Constituição brasileira, cidadania é


ter direitos e sua plenitude somente pode ser alcançada com a implementação dos direitos
sociais, já que não existe direito de liberdade de expressão sem o direito à educação e, na
esteira do que afirma Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, ‘não se trata de um juiz legislador
ou da substituição do Executivo pelo Judiciário, mas sim de um juiz intérprete da
Constituição, que deve estar em sintonia com as demandas dos diversos setores da sociedade
em que vive e trabalha. Sendo a Constituição uma opção política, a interpretação de seus
valores, princípios e normas devem incorporar os próprios valores que regem a sociedade’,
apontando que: ‘Assim sendo, não há como negar a importante participação do Judiciário para
o efetivo exercício dos direitos fundamentais e, em particular, dos direitos sociais’.229

E, de acordo com o magistério de Tércio Sampaio Ferraz Junior, pode-se dizer que
essa atuação do Poder Judiciário, como conseqüência do maior acesso à justiça (direito
fundamental) está incluída em processo mais amplo de aprofundamento do próprio exercício
da cidadania e da Democracia, que pressupõe modificações no modelo clássico da divisão dos
poderes. 230

227
SIQUEIRA JÚNIOR, Paulo Hamilton. Cidadania. Revista dos Tribunais: São Paulo.RT,ano 94, v.839,p.723-
735, p.727.
228
SIQUEIRA JÚNIOR. Op. cit., p.729.
229
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, pp.103 e 105.
230
FERRAZ JUNIOR, Tércio Sampaio. O Judiciário frente à divisão dos poderes: um princípio em decadência?
Revista Trimestral de Direito Público – nº 9, pp. 40-48, São Paulo: Malheiros, jan./mar. 1995, p. 45
96

Destarte, o caráter político do Judiciário, essencial ao jogo democrático, à defesa dos


231
valores, princípios e objetivos da República Federativa do Brasil, consagrados nos Arts. 1º
232
e 3º da Constituição Federal e a sua adaptação à evolução histórica, é incompatível com a
afirmativa de Montesquieu, segundo a qual os juízes não são senão “a boca que pronuncia as
palavras da lei”; seres inanimados que não lhe podem moderar nem a força nem o rigor.

Diante das transformações vivenciadas pela sociedade moderna, mais politizada e


organizada que por conta disso, tem procurado cada vez mais a tutela jurisdicional na defesa
de seus interesses fundamentais, sobretudo os direitos sociais de cunho prestacional,
consagrados na Constituição Federal, impõe ao Judiciário a assunção de seu papel de agente
político ao lado dos órgãos de cúpula dos outros Poderes, visando impor a execução de
políticas públicas já estabelecidas na Constituição, assim como nas leis ordinárias. Para
Andreas Joachim Krell, as sentenças obtidas podem constituir importantes veículos para
canalizar em direção aos Poderes Políticos as necessidades da agenda pública por meio da
“semântica” dos direitos sociais, e não meramente por intermédio das atividades de lobby ou
demandas político-partidárias.233

231
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a
cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V – o
pluralismo político. Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
232
Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade
livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III- erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça,
sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
233
KRELL, Andréas Joachim.Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Fabris Editor.2002
p.94.
97

3. O PAPEL DO JUDICIÁRIO E O ACESSO À JUSTIÇA

Conforme já assinalado, a Revolução Industrial provocou amplas e profundas


conseqüências econômicas, sociais e culturais, tendo sido, portanto, a principal responsável
pelo surgimento do Estado do Bem-Estar e, conseqüentemente, pelo crescimento dos Poderes
Legislativo e Executivo, o primeiro encarregado de positivar os direitos sociais, e o segundo
responsável por implementá-los e efetivá-los. Característica marcante da aludida Revolução
foi a massificação dos processos produtivos, de distribuição e de consumo, que, por certo,
ultrapassou a questão meramente econômica para atingir às relações, comportamentos, os
conflitos e as exigências sociais, culturais e de outra natureza assumindo, seguidamente, um
caráter largamente coletivo antes meramente individual.

Em decorrência desse processo de massificação das relações, surgiram casos em que


uma só ação humana poderia ser prejudicial a vários grupos ou categorias de pessoas, com a
conseqüência de mostrar-se totalmente inadequado o esquema tradicional do processo
judiciário, como litígio entre duas partes. Assim foi que aqueles grupos ou categorias de
pessoas atingidas por violações e prejuízos, ditos de massa, passaram a procurar e descobrir
meios eficazes de tutela, não apenas no âmbito do processo político (eleição), mas também
do Judiciário.

Surgiram, então, a “Class actions” e “public interest litigation” nos Estados Unidos,
“actions collectives” e “Verbandsklagen” na França, Bélgica e Alemanha e outros lugares,
decorrentes do fenômeno da tutela judiciária dos “interesses difusos”, sendo que tais ações
passaram a ser os símbolos do novo e acentuado papel dos Tribunais Judiciários. A
legitimação para agir na tutela do interesse público em geral, ou de categorias e classes muito
amplas não presentes no processo, foi reconhecida a defensores privados do interesse público.

Contudo, conforme esclarece Mauro Cappelletti, não se cuidou apenas de expansão


dos poderes processuais, mas também daqueles poderes criativos e de evolução
jurisprudencial do Direito, pois aquelas controvérsias de classe envolviam leis e direitos
sociais. Neste cenário, é que houve um crescimento do Poder Judiciário, a fim de ter sob
controle os aumentados Poderes Legislativo e Executivo.234

234
CAPPELLETTI, Mauro. Juízes Legisladores? Trad: Carlos Alberto Álvaro de Oliveira. Fabris Editor, 1993,
p.56-61.
98

No Brasil, após a transição para o regime democrático ocorrida em 1985, o Judiciário


abandonou o comportamento tímido e retraído das décadas anteriores, próprio de um Poder
técnico e profissional, passando a decidir de modo cada vez mais contundente contra um
Executivo crescentemente intervencionista, tendo sido obrigado a assumir funções inéditas e
por vezes incompatíveis com a estrutura jurídico-política típica do Estado Liberal, em que foi
concebido e moldado.

De acordo com José Eduardo Faria:

Ao enfatizarem a importância das funções políticas do direito, valorizando


tanto as leis como os códigos em vigor quanto às teorias jurídicas em
circulação como instrumentos de ação coletiva, magistrados chamaram a
atenção para um fato em si óbvio (mas cujo reconhecimento público, pelo
Judiciário, implicaria a ruptura de seu discurso institucional tradicional): se
a solução judicial de um conflito é em sua essência um atributo de poder, na
medida em que pressupõe não apenas critérios fundantes e opções entre
alternativas, implicando também a imposição da escolha feita, toda
interpretação, toda aplicação e todo julgamento de casos concretos sempre
têm uma dimensão política; por conseguinte, a Justiça, por mais que seu
discurso institucional muitas vezes enfatize o contrário, não pode ser, na
235
prática, um poder exclusivamente técnico, profissional e neutro.

Contudo, foi a partir da inauguração da nova ordem constitucional, em 1988, que o


Judiciário foi projetado no plano das relações entre o Direito, a Política e a Economia por ter
sido investido da expressiva função constitucional de promoção do controle de todos os atos
dos demais Poderes, atuando como instância de superposição e também como guardião dos
valores e princípios consagrados na Constituição Federal, cujo valor supremo e intangível é a
dignidade da pessoa humana.

O Judiciário passou, então, a exercer uma função política pela interpretação das
cláusulas constitucionais, podendo reelaborar o significado daquelas para permitir que a
Constituição se ajuste às novas circunstâncias históricas e exigências sociais, conferindo-lhe
um sentido de permanente e necessária atualidade, de modo a exercer uma verdadeira função
constituinte com o papel de permanente elaboração do Texto Constitucional.

235
FARIA, José Eduardo. As transformações do Judiciário em face de suas responsabilidades sociais. Em:
Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. 1ed. 4 tiragem. São Paulo: Malheiros, 2005. p.56.
99

É inequívoco, assim, que o Judiciário ganhou significativo destaque e importância


diante do alto relevo de seu papel institucional no cenário político nacional. O Supremo
Tribunal Federal, instância máxima do Judiciário, acabou desenvolvendo uma jurisprudência
que lhe permite atuar como força moderadora no complexo jogo entre os Poderes da
República, desempenhando o papel de instância de equilíbrio e harmonia destinada a compor
os conflitos institucionais que surgem não apenas entre o Executivo e Legislativo, mas,
também entre estes Poderes e os próprios juízes e tribunais.

Nesse sentido, Marília Lourido dos Santos assinala que o papel do Judiciário na
construção de um projeto democrático necessariamente assenta-se na defesa da Constituição e
de seus princípios, particularmente, num contexto onde o Poder Executivo sobrepõe-se ao
Legislativo. A atuação do Judiciário ganha relevância com o desequilíbrio entre os outros
Poderes, entretanto, o incremento da atuação do Judiciário não representa uma alteração dos
titulares da soberania, mas uma transformação da referência política.236

Numa outra passagem, a referida autora, aduz que diante desse quadro, a posição ou
papel do Judiciário baseia-se na preservação ou garantia do princípio democrático, tido não
apenas em seu sentido procedimental, mas substancial, ou seja, em sua relação com a
salvaguarda dos direitos fundamentais. Destarte, funcionar como um mediador entre os outros
dois Poderes – funções de checks and balances -, coibindo uma possível preponderância do
Executivo sobre o Legislativo, constituiria apenas uma conseqüência do exercício desse papel,
posto que a harmonia e independência entre os Poderes constituem valores democráticos
constitucionalmente assegurados. Segundo ela, Antoine Garapon, tido como
procedimentalista, identifica o Judiciário como ‘o guardião das promessas democráticas’.237

Além dessas relevantes atribuições do Judiciário, outro fator que lhe confere ainda
mais projeção e, conseqüentemente, maior responsabilidade, é que ao dispor no inciso
XXXV, do Art. 5º, que “a lei não excluirá da apreciação do Judiciário lesão ou ameaça a
direito”, a Constituição Federal consagrou o princípio da inafastabilidade da jurisdição como
direito fundamental e, portanto, cláusula pétrea nos termos do § 4º do Art. 60238, da

236
SANTOS, Marília Lourido dos Santos. Interpretação constitucional no controle judicial das políticas
públicas. Fabris Editor. 2006, p.70.
237
SANTOS. Op. cit., p. 96.
238
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...] § 4º Não será objeto de deliberação a
proposta de emenda tendente a abolir: [...] IV – os direitos e garantias individuais.
100

Constituição Federal, assim como o fez recentemente a Emenda Constitucional nº 45, de 08


de dezembro de 2004, que inseriu o inciso LXXIII239, no Art. 5º para assegurar ao cidadão o
tempo razoável de duração do processo.

Assim, conforme dito alhures, em princípio, nada escapa à apreciação do Judiciário,


nem os atos políticos, nem tampouco os atos discricionários da Administração Pública, pois
sempre será possível uma confrontação daqueles com o Texto Constitucional, tendo sempre
como norte o compromisso com a dignidade da pessoa humana e, pois, com a plena
efetividade dos comandos constitucionais.

Nessa perspectiva de efetividade, os direitos fundamentais devem ser plenamente


observados e materializados pelo Poder Público por meio de políticas públicas, em
atendimento ao Texto Constitucional. Quando isso não se verifica naturalmente, seja por
omissão do Poder Legislativo, que não exerce sua função quando deveria fazê-lo, seja quando
o Executivo não se desincumbe de suas obrigações, nasce para o Judiciário o dever de fazê-lo,
exercendo exatamente a sua própria função, de fazer cumprir as normas constitucionais.

As políticas públicas, quase sempre, expressam-se através de planos e programas


normativos de ação governamental, que suscitam a possibilidade de controle judicial.
Portanto, o Judiciário possui autuação política, orientada pelo Texto Constitucional,
legitimada fundamentalmente pela concretização de objetivos e metas previamente traçadas.

Ocorre que, se de um lado, o Judiciário ganhou maior visibilidade e status de Poder


independente, sobretudo quando passou a exigir dos demais Poderes, o respeito estrito à
ordem constitucional em nome da certeza jurídica e da segurança do Direito, de outro,
chamou a atenção dos novos protagonistas da vida política, como é o caso dos movimentos
sociais comunitários e corporativos, ou seja, grupos sociais identificados por interesses
comuns, que passaram a acioná-lo, por meio de instrumentos processuais também garantidos
pela atual Constituição, como mandado de segurança coletivo, ação civil pública, ação direta
de inconstitucionalidade, ação popular e ação de descumprimento de preceito fundamental.

239
LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os
meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
101

Destarte, conforme explica José Eduardo Faria, desde que grupos sociais
tradicionalmente alijados do acesso à Justiça descobriram os caminhos dos tribunais,
orientando-se por expectativas dificilmente amoldáveis às rotinas judiciais, utilizando de
modo inventivo os recursos processuais e explorando todas as possibilidades hermenêuticas
propiciadas por normas de “textura aberta”, como as normas-objetivo, as normas-
programáticas que se caracterizam por conceitos indeterminados, o Judiciário se viu obrigado
a dar respostas para as quais não tinha nem experiência acumulada nem jurisprudência
firmada.240

Tais fatos acarretaram o dissabor de tornar conhecidos os problemas estruturais e as


mazelas da Justiça brasileira, agravados pelo crescente número de normas de cunho
programático, resultado da progressiva transformação do Estado Liberal em Estado-
Providência pelo qual passou o País, e a crescente complexidade das novas matérias reguladas
por textos legais que quase nunca conseguiam ser satisfatórios na tarefa de trazê-las ao mundo
jurídico.

Com efeito, a formulação legislativa no Brasil, lamentavelmente, nem sempre se


revestiu da necessária qualidade jurídica, o que é demonstrado não só pelo elevado número de
ações diretas promovidas perante do Supremo Tribunal Federal, mas, sobretudo, pelas
inúmeras decisões declaratórias de inconstitucionalidade de leis editadas pela União e Estados
Federados. Esse déficit de qualidade jurídica no processo de produção normativa do Estado se
mostra preocupante porque afeta a harmonia da Federação, rompe o necessário equilíbrio e
compromete, muitas vezes, direitos e garantias fundamentais dos cidadãos.

Assim, diante dos novos tipos de conflitos, dos novos direitos consagrados pela
Constituição brasileira, sobretudo aqueles de cunho social prestacional, impõe ao Judiciário
uma mudança de paradigma, deixando para trás o positivismo-normativista para adotar uma
visão multifacetada do Direito, a partir dos valores e princípios constitucionais, a fim de
assegurar ao menos a concretização do “padrão mínimo social” para uma existência digna,
tendo sempre como marco os fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil.

240
FARIA, José Eduardo. As transformações do Judiciário em face de suas responsabilidades sociais.
Em:Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. 1ed. 4 tiragem. São Paulo: Malheiros, 2005. pp.52-53.
102

A despeito das resistências culturais, ideológicas e econômicas, é preciso dar


efetividade às cláusulas constitucionais, que embora impondo ao Estado a execução de
políticas públicas, acabam frustradas pela absoluta inércia – profundamente lesiva aos direitos
dos cidadãos – manifestada pelos órgãos competentes do Poder Público. Há que se estimular,
assim, o “ativismo judicial”, notadamente na implementação concretizadora de políticas
públicas definidas pela própria Constituição que são lamentavelmente descumpridas, por
injustificável inércia, pelos órgãos estatais competentes.

Delineado assim o papel do Judiciário no cenário político nacional, há que se enfrentar


o tema do acesso à Justiça, porquanto estritamente relacionado à concretização dos valores e
princípios fundamentais, encartados na Constituição Federal (art.1º)241.

A expressão “acesso à Justiça”, anotam Mauro Cappelletti e Bryant Garth é


reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do
sistema jurídico, o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver
seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a
todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos.
Observam, porém que o seu enfoque sobre o acesso à Justiça é primordialmente sobre o
primeiro aspecto (acessibilidade), sem perderem de vista o segundo. E concluem: ‘Sem
dúvida, uma premissa básica será a de que justiça social, tal como desejada por nossas
sociedades modernas, pressupõe o acesso efetivo’.242

Para Horácio Wanderley Rodrigues, é necessário destacar, frente à vagueza do termo


acesso à Justiça, que a ele são atribuídos pela doutrina diferentes sentidos, sendo eles
fundamentalmente dois: o primeiro, atribuindo ao significante justiça o mesmo sentido e
conteúdo que o de Poder Judiciário, torna sinônimas as expressões acesso à Justiça e acesso
ao Poder Judiciário; o segundo, partindo de uma visão axiológica da expressão justiça,
compreende o acesso a ela como o acesso a uma determinada ordem de valores e direitos

241
Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do
Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I – a soberania; II – a
cidadania; III – a dignidade da pessoa humana; IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V- o
pluralismo político. Parágrafo único: Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, nos ternos desta Constituição.
242
CAPPELLETI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad: Ellen Gracie Northfleet, Fabris Editor, 1988
p.8.
103

fundamentais para o ser humano. E conclui que esse último, por ser mais amplo, engloba no
seu significado o primeiro.243

Parece evidente que esse significado mais amplo de acesso à Justiça é o que mais se
identifica com a nova ordem constitucional, destacando-se, nesse passo, que o acesso somente
se efetivará, em sua plenitude, com juízes vocacionados a fazer justiça, com sensibilidade e
consciência de que o processo possui também um lado perverso que precisa ser dominado,
para que não faça, além do necessário, mal à alma e à saúde do jurisdicionado.

Nesse sentido, afirma Paulo César Santos Bezerra que:

No que toca ao acesso à Justiça, a postura do juiz é de suma importância.


Um juiz apenas dogmático, preso às amarras de uma obrigação única de
“julgar conforme a Lei”, sem a percepção de que, apesar disso, nada o
impede de optar por uma interpretação mais sociológica e mais justa, e por
uma tomada de posição mais crítica, pode significar uma barreira
intransponível para os jurisdicionados. O descompasso entre os textos legais
e o contexto sócio-econômico é gritante. A neutralização desse hiato exige,
evidentemente, mudanças radicais na ordem jurídico-positiva. E a tendência
dessas mudanças, no mundo inteiro é no sentido de um enxugamento da
legislação, de uma intermediação judicial, da livre negociação e da auto-
solução dos conflitos. Portanto, o juiz preso apenas a textos legais, está
244
incapacitado para neutralizar esse descompasso.

E mais adiante, o referido autor arremata: ‘Urge a substituição de uma magistratura


pretensamente neutra e imparcial por uma atuação assumidamente política, o que não
constitui contradição com a postura neutra em relação à solução do conflito. Neutro como
julgador, politicamente assumido como hermeneuta e produtor do Direito’. 245

Sob um outro prisma, Mauro Cappelleti e Bryant Garth visualizaram e idealizaram três
ondas que traduzem o acesso à Justiça, sendo a primeira delas a assistência judiciária para os
pobres; a segunda a representação dos interesses difusos e a terceira o acesso à representação

243
RODRIGUES, Horácio Wanderley. Acesso à justiça no direito processual brasileiro. São Paulo: Editora
Acadêmica, 1994, p.28.
244
BEZERRA, Paulo César Santos. Acesso à Justiça. Um problema ético-social no plano da realização do
direito, 2ed., 2008. Renovar. pp. 209-210.
245
BEZERRA. Op. cit., 211.
104

em juízo, uma concepção mais ampla de acesso à Justiça e um novo enfoque de acesso à
Justiça.246

Para a ordem jurídica nacional, a mais importante, sem dúvida, é a terceira, por
compreender uma série de medidas, desde a reestruturação do próprio Judiciário, passando
pela simplificação do processo e dos procedimentos, e desaguando num sistema recursal que
não faça da parte vencedora refém da perdedora.

Nesta senda, a primeira onda de acesso à Justiça no ordenamento jurídico brasileiro, a


assistência judiciária gratuita é assegurada por meio da Lei nº 1.060, de 05 de fevereiro de
1950, que facilita o acesso à Justiça ao considerar necessitado, para fins legais, “todo aquele
cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de
advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família” (Art. 2º, parágrafo único). A
assistência judiciária gratuita compreende a isenção de taxas judiciárias, de emolumentos e
custas devidas ao Judiciário, honorários aos peritos e de advogados.

As ações coletivas foram previstas pela atual Constituição, em diversos dispositivos,


ora permitindo que as sociedades associativas, quando expressamente autorizadas, tenham
legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente (Art. 5º, XXI); ora
concedendo mandado de segurança coletivo a partido político com representação no
Congresso Nacional, ou a organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente
constituída e em funcionamento há pelos menos um ano, em defesa dos interesses de seus
membros ou associados (Art. 5º LXX, “ a” e “ b”); ora dispondo que ao sindicato cabe a
defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões
judiciais ou administrativas; ora reconhecendo ser função institucional do Ministério Público
promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e
social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos (Art. 129, III), e defender
judicialmente os direitos e interesses das populações indígenas. Além disso, diversas leis
ordinárias como a Lei nº 7.347/85, dispondo sobre a ação civil pública, e a Lei nº 8.078/90,
sobre a proteção ao consumidor, disciplinam as ações coletivas, que compreendem inclusive
os interesses difusos, projetando no direito brasileiro a segunda onda de acesso à Justiça.

246
CAPPELLETI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Trad: Ellen Gracie Northfleet. Fabris Editor, 1988
p.31.
105

A terceira onda de acesso à Justiça, no cenário brasileiro, diz respeito à nova estrutura
do Poder Judiciário e os novos procedimentos. É cediço que a simples alteração de leis
processuais, mesmo com o propósito de desfazer pontos de estrangulamento, não tem o
condão reformar a estrutura do Poder Judiciário e facilitar, por conseguinte, o acesso à Justiça.
Nesse aspecto, merece realce a instituição dos Juizados Especiais de Pequenas Causas, pela
Lei nº 7.244/84, que vieram a ser substituídos pelos Juizados Especiais Cíveis e Criminais,
pela Lei nº 9.099/95, embora tivessem podido conviver, por não existir entre ambos qualquer
incompatibilidade. Posteriormente foram instituídos os Juizados Especiais Cíveis e Criminais
no âmbito da Justiça Federal, pela Lei nº 10.259/01, facilitando o acesso à Justiça, em face
dos Entes públicos. De lá para cá foram promulgadas diversas leis buscando acelerar os
procedimentos, com o advento e incremento das tutelas jurisdicionais diferenciadas, tudo a
fim reduzir o tempo de duração do processo, conferindo mais efetividade às decisões
judiciais.

No Brasil, os obstáculos de acesso à Justiça não se ligam ao problema da assistência


judiciária aos necessitados, configuradora da primeira onda de acesso, e nem à defesa dos
interesses da coletividade, notadamente os interesses difusos configuradora da segunda onda,
mas à estrutura judiciária, à inadequação dos processos e dos procedimentos, e, basicamente,
à dimensão que se dá ao princípio do duplo grau de jurisdição, para atender à ânsia recursal
do jurisdicionado brasileiro. Não por outra razão que o tempo razoável de duração do
processo foi inserido no inciso LXXVIII247 do Art. 5º, da Constituição como direito
fundamental, sendo alçado à cláusula pétrea. Desde há muito se dizia que “Justiça tardia não é
Justiça”.

Para mudar essa situação lastimável que se traduz nos crônicos problemas da
morosidade e congestionamento dos tribunais, os quais ainda estão longe de serem resolvidos,
é que tem havido uma comunhão de esforços do Legislativo, Executivo e Judiciário para
alteração de leis processuais obsoletas que, a pretexto de assegurar a segurança jurídica,
acabam possibilitando um enorme número de recursos, procrastinando a solução dos
processos, causando muitas vezes o perecimento do direito material e, conseqüentemente, o
descrédito do Judiciário. Portanto, as recentes alterações processuais ocorridas no âmbito do

247
LXXVIII – a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os
meios que garantam a celeridade de sua tramitação.
106

processo civil visando modernizar a legislação, reduzindo o número de recursos, certamente


agilizarão a tramitação das ações.

Apenas para ilustrar outras iniciativas tendentes a resgatar a credibilidade do Judiciário


diante da realidade social hoje vivenciada, onde o número de ações ajuizadas tem aumentado
ano após ano, indicando a amplitude de acesso ao Judiciário, o Tribunal de Justiça de São
Paulo contratou uma empresa de consultoria empresarial justamente para identificar os
gargalhos do Judiciário bandeirante, tanto em primeira como em segunda instância, e propor
soluções visando otimizar e agilizar as rotinas cartorárias, padronizando-as em todas as
comarcas, o que possibilitará maior eficiência na entrega da prestação jurisdicional. Cursos de
capacitação em gestão pública moderna estão sendo ministrados em todo o interior do Estado,
para juízes e servidores, visando capacitá-los para a implantação do projeto de modernização
do Judiciário paulista, o maior da América Latina.

Concomitantemente, todos os fóruns estão sendo informatizados, com a instalação de


redes, equipamentos e periféricos de informática, de modo que em breve todas as comarcas
estarão interligadas por sistema informatizado, eliminando, dessa forma, a necessidade de
expedição material de cartas precatórias, ofícios, planilhas, estatísticas, etc., sobretudo porque
a certificação digital já está em pleno uso, de modo que o magistrado pode assinar
eletronicamente documentos digitais, inclusive suas próprias sentenças, decisões e despachos.
Eliminou-se o diário oficial de papel e desde outubro de 2007, circula apenas o diário
eletrônico.

O processo sem papel já é realidade em alguns fóruns paulistas, e esse avanço


tecnológico e processual tende a se estender de forma rápida, pois de acordo com as projeções
da Presidência da Corte bandeirante, dentro de cinco anos, poucas comarcas ainda estarão
manejando autos do processo, em papel.

Tudo isso somado, implica reconhecer que o acesso à Justiça tende a aumentar ainda
mais, sendo estritamente necessário a adoção de medidas processuais que agilizem a entrega
da prestação jurisdicional, desburocratizando e enxugando a quantidade de processos e
recursos em andamento, de modo que possa sobrar tempo para que o magistrado se
aperfeiçoe, investindo numa maior capacitação intelectual e, conseqüentemente, adquira
conhecimento mais aprofundado, especializando-se na área em que atua, tendo, desse modo,
107

melhores condições para se dedicar às questões de maior complexidade e envergadura, onde


não apenas aplicará a subsunção dedutiva com base numa visão positivista normativa, mas
assumirá seu papel político de hermeneuta e criador do direito num processo de interpretação
e efetivação dos comandos constitucionais, para que atinjam os fins sociais e aos imperativos
do bem comum. E, o juiz que assim decide, é uma porta aberta para o acesso à Justiça.

Finalizando, vale anotar a lição de Mauro Cappelleti e Bryant Garth , para quem ‘de
fato, o direito de acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de
importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de
direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. O
acesso à Justiça pode, portanto, ser encarado como o requisito fundamental – o mais básico
dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e
não apenas proclamar os direitos de todos’.248

3.1 O princípio da independência dos Poderes.

Conforme anota Andréas Joachim Krell, em geral, encontra-se no Brasil uma


resistência ao controle judicial do mérito dos atos do Poder Público, aos quais se reserva um
amplo espaço de atuação autônoma, discricionária, onde as decisões do órgão ou do agente
público são insindicáveis quanto à conveniência e oportunidade.249

Ocorre, contudo, que consoante já assinalado anteriormente, no atual cenário jurídico


pátrio, inequívoco se mostra a possibilidade e viabilidade do controle judicial das políticas
públicas, porquanto o efetivo exercício dos direitos sociais não pode ser postergado pela
inação ou ação do Administrador Público que contrarie os ditames constitucionais e legais,
cabendo ao juiz dar sentido concreto à norma e controlar a legitimidade do ato administrativo
(omissivo ou comissivo), verificando se o mesmo não contraria sua finalidade constitucional,
no caso, a concretização da ordem social constitucional.

248
CAPPELLETI, Mauro; GARTH, Bryant.Acesso à Justiça.Trad:Ellen Gracie Northfleet, Fabris Editor,1988
p.11-12.
249
KRELL, Andréas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Fabris Editor, 2002,
p. 87.
108

Todavia, esse controle judicial dos atos dos demais Poderes gera uma linha de tensão
entre o Judiciário, de um lado, e o Executivo e o Legislativo, de outro, pois não raramente
instaura-se um desalinhamento entre as ações governamentais e o Texto Constitucional, cuja
preservação e tutela é a tarefa maior do Judiciário. Neste contexto é que surge o argumento de
que estaria havendo uma “invasão de competência” por parte do Judiciário, malferindo, desse
modo, o princípio da separação de Poderes, consagrado no Art. 2º 250da Constituição Federal.

Pois bem. O que se pretende demonstrar neste trabalho é justamente o contrário, ou


seja, que não há nenhuma fissura no princípio da separação de Poderes quando ocorre o
controle das políticas públicas por parte do Judiciário.

E, para se chegar a esta conclusão, mister distinguir, antes de mais nada, poder de
função. Segundo o magistério de Dirley da Cunha Júnior,

o Poder político, como fenômeno sociocultural, é uno e indivisível, uma vez


que a “capacidade de impor” decorrente de seu conceito, não pode ser
fracionada. Embora realidade única, ele manifesta-se por meio de funções,
que são, fundamentalmente, de três ordens, a saber: a executiva, a
legislativa e a judiciária. Essas funções, por muito tempo, houve-se
concentradas junto a determinado organismo estatal. O fenômeno da
separação dos Poderes não é senão o fenômeno da separação das funções
estatais, que consiste na forma clássica de expressar a necessidade de
distribuir e controlar o exercício do Poder político entre distintos órgãos do
Estado. O que correntemente, embora equivocadamente, se convencionou
chamar de separação de Poderes é, na verdade, a distribuição e divisão de
determinadas funções estatais a diferentes órgãos do Estado. Deveras, como
o Poder é uno e incindível, não há falar em separação de Poderes, mas, sim,
em separação de funções do Poder político ou simplesmente de separação
de funções estatais. E insiste: Não é o Poder que é divisível, mas, sim, as
funções que o compõem e se manifestam por distintos órgãos do Estado.251

Na seqüência, o referido autor esclarece que a função legislativa ocupa-se em inovar a


ordem jurídica, com a formulação de regras gerais e abstratas. A lei é o resultado típico do
exercício desta função. A função executiva destina-se a gerir os negócios públicos, por meio
de uma atividade denominada de administrativa, desenvolvida para dar cumprimento ou
execução, de ofício, ao estabelecido na lei. Finalmente, a função judicial está reservada à
composição dos conflitos de interesses, com a aplicação da lei aos casos controvertidos, cujo

250
Art. 2º. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
251
CUNHA JÚNIOR Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004, p.
315.
109

propósito é resguardar o ordenamento jurídico, por meio de decisões individuais e concretas,


derivadas das normas gerais.252

Ora, pelo que se extrai do Art. 2º 253da Constituição Federal, a separação de Poderes se
assenta na independência e na harmonia entre os órgãos do Poder político. Isso significa que,
nas palavras de José Afonso da Silva, não obstante a independência orgânica - no sentido de
não haver entre eles qualquer relação de subordinação ou dependência no que tange ao
exercício de suas funções -, a Constituição Federal instituiu o mecanismo de controle mútuo,
onde há ‘interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contrapesos,
à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para
evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro e especialmente dos
governados’.254

No Brasil, esse sistema de controle mútuo, fica bem evidenciado em diversos


dispositivos da Constituição Federal que permitem interferências de um Poder no outro,
ensejando um funcionamento harmônico ou uma colaboração recíproca, embora
independente, na tarefa comum, tendo como objetivo o equilíbrio político, a limitação do
Poder e, em conseqüência, a proteção da liberdade e a melhor realização do bem-comum.

Anote-se, por importante, que na clássica tríplice divisão funcional, as funções


legislativas, executiva e judicial são exercidas, respectiva e predominantemente, pelos
Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, e são chamadas de típicas. Ocorre, porém, que
também existem as funções atípicas, que são realizadas, não prioritariamente, mas sim,
subsidiariamente, por aqueles poderes como meios garantidores de sua própria autonomia e
independência. Exemplificando: A função típica do Judiciário é julgar e as atípicas são o
poder de contratar serviços e pessoal, mediante processo administrativo de licitação e
concurso público, e editar normas internas, como resoluções, provimentos, comunicados,
portarias regulamentando questões “interna corporis”.

Nessa perspectiva, a separação de Poderes se assenta na especialização das funções do


Estado, não vedando o exercício, ocasionalmente, de uma determinada função por órgão não-

252
CUNHA JÚNIOR Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004, p.
316.
253
Art. 2º. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
254
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ed., São Paulo: Malheiros, 1992, p. 101.
110

especializado, desde que compatível com sua atividade fim. Desse modo, a separação absoluta
entre os Poderes não é só impossível, haja vista a unidade do Poder político e a tarefa comum
a todos, mas também indesejada, pois conduziria a um isolamento entre eles.

A propósito, vale aqui citar a lição de José Carlos Vasconcellos dos Reis para quem:

Na verdade, a separação absoluta das funções do Estado, com afetação


exclusiva de cada uma delas a uma única espécie de órgãos, além de jamais
ter sido aplicada em lugar nenhum, é completamente irrealizável, do ponto
de vista prático e teórico. Isto porque a atividade dos órgãos e agentes do
Estado se exerce atentando para os fins colimados, e não para a natureza do
ato praticado. Cada poder exerce, inevitavelmente, funções atípicas - isto é,
funções que lhe não correspondem nominalmente, o que se dá, por
exemplo, quando o poder executivo, ao invés de administrar, legisla -,
havendo, ainda, inúmeros pontos de contato entre as funções de legislar,
administrar e julgar.Além disso, observa-se que a clássica divisão tripartite
dos poderes não corresponde a diferenças verdadeiramente ontológicas
entre as funções estatais, pois a atividade do Estado se exerce somente em
duas direções fundamentais: uma, no sentido de criação ou modificação do
Direito (função normativa); a outra, no sentido da sua aplicação (função de
execução), de modo que não haveria diferença de essência entre as funções
255
executiva e judicial.

Atualmente, a doutrina da separação de Poderes, concebida como uma divisão rígida


entre as funções estatais, não se coaduna com o moderno Estado Social Democrático de
Direito e, por isso, deve ser revista para melhor ajustar-se às novas tendências e exigências do
sistema jurídico, sobretudo em razão de mudanças paradigmáticas já anotadas neste trabalho,
especialmente diante da prevalência do constitucionalismo em face do legalismo, da
aplicabilidade imediata dos direitos fundamentais sociais, assim como da vinculabilidade das
políticas públicas sociais consagradas nas normas constitucionais. Aliás, no
constitucionalismo contemporâneo, não se fala em separação, mas sim em equilíbrio entre os
Poderes.

Numa leitura contextual do princípio da separação de Poderes diante do novo cenário


jurídico nacional desenhado a partir da Constituição Federal de 1988, Dirley da Cunha Júnior,
assim se posiciona:

255
REIS, José Carlos Vasconcellos dos. As normas constitucionais programáticas e o controle do Estado. Rio de
Janeiro: Renovar, 2003, p. 239.
111

Como princípio constitucional concreto, o princípio da separação de


Poderes articula-se e concilia-se com outros princípios constitucionais
positivos, como os princípios da dignidade da pessoa humana, da
aplicabilidade imediata das normas definidoras dos direitos fundamentais,
da inafastabilidade do controle judicial, da conformidade dos atos estatais
com a Constituição, entre outros. Relativamente à Constituição brasileira,
destaca-se a necessidade de uma renovada compreensão a respeito do
princípio da separação, pressionada pelo fim marcadamente dirigente da
nossa Fundamental Law, que configura um Estado Social do Bem-Estar,
que trouxe significativas transformações sociais, onde os direitos
fundamentais, sobretudo os sociais, são considerados os pilares ético-
jurídico-políticos da organização do Estado, do Poder e da Sociedade,
servindo de parâmetros ou vetores guias para a interpretação dos fenômenos
jurídico-constitucionais. É necessária, portanto, sob as vestes do paradigma
do novo Estado do Bem-Estar Social, uma nova leitura sobre o vetusto
dogma da separação de Poderes, a fim de que ele não produza, com sua
força simbólica - como lamentavelmente tem ocorrido -, um efeito
paralisante às reivindicações da sociedade moderna, incomparavelmente
mais complexa do que aquela na qual foi originalmente concebido, “para
poder continuar servindo ao seu escopo original de garantir Direitos
256
Fundamentais contra o arbítrio e, hoje, também, a omissão estatal”.

Nesse diapasão, conforme assevera Andreas Joachim Krell, não parece lícito invocar
regras abstratas e ortodoxas sobre a separação de Poderes, nem ‘pensar na subsistência radical
daquilo que no passado sugerira Montesquieu’, para com isso desprezar a realidade presente e
renunciar a soluções práticas de utilidade geral. E registra: O Estado Social moderno requer
uma reformulação funcional dos Poderes no sentido de uma distribuição que garanta um
sistema eficaz de freios e contrapesos, para que “a separação dos Poderes não se interponha
como véu ideológico que dissimule e inverta a natureza eminentemente política do Direito”.
Na medida em que as leis deixam de ser vistas como programas condicionais e assumem a
forma de programas finalísticos, o esquema clássico da divisão dos Poderes perde sua
atualidade.257

Na lição de José Afonso da Silva, hoje, o princípio não configura mais aquela rigidez
de outrora. A ampliação das atividades do Estado contemporâneo impôs uma nova visão da
teoria da separação de Poderes e novas formas de relacionamento entre os órgãos Legislativo
e Executivo e destes com o Judiciário, tanto que atualmente prefere falar em colaboração de
Poderes, que é característica do parlamentarismo, em que o governo depende da confiança do

256
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004, pp.
329-331.
257
KRELL, Andréas Joachim.Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha.Fabris Editor,2002
p.90.
112

Parlamento (Câmara dos Deputados), enquanto, no presidencialismo, desenvolveram-se as


técnicas da independência orgânica e harmônica dos poderes.258

Neste contexto, para Dirley da Cunha Júnior, o dogma da separação de Poderes deve
ser compreendido num terreno onde radicam todas as dimensões de direitos fundamentais, as
quais, para se concretizarem, impetram uma hermenêutica de princípios sujeitos a colidirem,
não havendo, porém, instância mais recorrida para dirimir as colisões nas estruturas
constitucionais do Estado Democrático de Direito do que a jurisdição constitucional.259

Andreas Joachim Krell, ancorado em Rodolfo de Camargo Mancuso, assinala que ‘não
há fundamento técnico-jurídico ou argumentação logicamente sustentável que dê respaldo a
uma pretensa assimilação entre as políticas públicas e os atos exclusivamente políticos ou
puramente discricionários. Dada à indisponibilidade do interesse público, torna-se pequena a
margem de efetiva discrição nos atos e condutas da Administração Pública (liberdade
vigiada)’.260

Desse modo, o apego exagerado à teoria da separação dos Poderes é resultado de uma
postura conservadora da doutrina constitucional tradicional, que não mais se coaduna com o
moderno Estado Social, que confere condições ao Judiciário para que ele assegure a
efetividade dos direitos fundamentais, especialmente quando se apresenta um quadro de
ameaça ou violação daqueles, cumprindo-lhe a elevada missão de impedir e desfazer as
ofensas que ameaçam e afrontam os direitos fundamentais.

258
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 9ed., São Paulo: Malheiros, 1992, p. 100.
259
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004, p.
342.
260
KRELL, Andreas Joachim.Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha.Fabris Editor,2002
p.91.
113

3.2 Orçamento e finanças públicas – o princípio da reserva do possível.

A Constituição estabelece como um de seus fins essenciais a garantia e promoção dos


direitos fundamentais, sendo que as políticas públicas constituem o meio pelo qual os fins
constitucionais podem ser realizados de forma sistemática e abrangente. É evidente que as
políticas públicas envolvem gastos. E, como não há recursos ilimitados, é preciso priorizar e
escolher em que o dinheiro público disponível será investido. Essas opções, por certo,
recebem a influência direta das opções constitucionais acerca dos fins que devem ser
perseguidos em caráter prioritário.

Dito de outra forma, as escolhas em matéria de gastos públicos não constituem um


tema integralmente reservado à deliberação política. Ao contrário, o ponto recebe importante
incidência de normas jurídicas de estatura constitucional. Desse modo, a Constituição vincula
as escolhas em matéria de políticas públicas e o gasto dos recursos públicos, podendo-se
afirmar que a definição do conjunto de gastos do Estado é exatamente o momento no qual a
realização dos fins constitucionais poderá e deverá ocorrer.

Conforme ensina José Reinaldo de Lima Lopes,

Uma política pública, juridicamente, é um complexo de decisões e normas


de natureza variada. Para promover a educação ou a saúde o que deve fazer
o Estado? Quais os limites constitucionais, quais as direções impostas pela
Constituição? A falta de reflexão sobre o complexo de normas que aí se
entrelaçam pode ser fonte de trágicos mal-entendidos. Comecemos
afirmando que ao Estado não são dadas muitas opções; uma política de
educação ou saúde, ou preservação de meio ambiente dependerá sempre,
mais ou menos do seguinte: gastos públicos, de curto, médio e longo prazo
e legislação disciplinadora das atividades inseridas em tais campos.[...]
Assim, para a compreensão das políticas públicas é essencial compreender-
se o regime das finanças públicas. E para compreender estas últimas é
preciso inseri-las nos princípios constitucionais que estão além dos limites
de tributar. Elas precisam ser inseridas no direito que o Estado recebeu de
planejar não apenas suas contas, mas de planejar o desenvolvimento
nacional que inclui e exige a efetivação de condições de exercício dos
direitos sociais pelos cidadãos brasileiros. Assim, o Estado não só deve
planejar seu orçamento anual, mas também suas despesas de capital e
programas de duração continuada (art. 165, § 1º).261

261
LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais: O dilema do Judiciário no Estado Social
de Direito. Em: Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. (org.) José Eduardo Faria, 1ed. 4tir, São Paulo:
Malheiros, 2005, pp.131/133.
114

Nesta senda, consoante afirma Andreas Joachim Krell, é que o instrumento do


orçamento público ganha suma importância na questão da realização dos serviços públicos
sociais; quando este não atende aos preceitos da Constituição, ele pode e deve ser corrigido
mediante alteração do orçamento consecutivo, logicamente com a devida cautela.262

Ricardo Lôbo Torres vê o orçamento público como ‘documento de quantificação dos


valores éticos, a conta corrente da ponderação dos princípios constitucionais, o plano contábil
da justiça social, o balanço das escolhas dramáticas por políticas públicas em um universo
fechado de recursos financeiros escassos e limitados’.263

Para Celso Ribeiro Bastos, o orçamento é uma peça contábil que faz, de uma parte,
uma previsão das despesas a serem realizadas pelo Estado, e, de outra parte, o autoriza a
efetuar a cobrança, sobretudo de impostos e também de outras fontes de recursos, tendo
repercussões econômicas, políticas e jurídicas. Mais adiante registra que a atual Constituição
consagra, além da modalidade de orçamento tradicional ou anual, mais duas: o orçamento
plurianual e a lei de diretrizes orçamentárias, sendo essas modalidades de iniciativa do Poder
Executivo.264

Andreas Joachim Krell, aduz que perante esta caracterização, torna-se ainda mais
lamentável o fato de que no Brasil, não há vinculação legal dos governos de executar os
orçamentos, isto é, os agentes do Poder Executivo nos três níveis federativos não são
obrigados a aplicar os recursos financeiros previstos pela lei orçamentária para determinadas
tarefas e serviços sociais. Como conseqüência, muitos governantes interpretam a aprovação
do Legislativo à sua proposta orçamentária não como imposição, mas simples autorização
para gastar dinheiro nas respectivas áreas. Desse modo, quem analisar essas propostas poderá
“ganhar a impressão de efetiva preocupação do governo com os Direitos Humanos, mas tal
impressão se desfaz quando se verifica quanto foi efetivamente gasto”.265

Embora entenda que no Brasil, o orçamento é apenas autorizativo, sendo freqüente a


transferência de recursos entre rubricas e o contingenciamento, Ana Paula de Barcellos

262
KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Fabris Editor, 2002,
p.99.
263
TORRES, Ricardo Lobo. A cidadania multidimensional na era dos direitos. Em: Teoria dos Direitos
Fundamentais. 2ed., Rio de Janeiro: Ed. Renovar, 2001, p. 282.
264
BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. 21ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 442.
265
KRELL. Op. cit., p.100.
115

assevera que o controle não poderá se restringir apenas à fixação abstrata das metas de
orçamento – sob pena de ser inócuo -, mas deverá também afetar a inclusão daquela meta, de
fato, no plano de execução orçamentária.266

Destarte, é importante frisar que as políticas púbicas encontram seu fundamento de


validade na Constituição Federal, na parte que concerne aos direitos sociais, de sorte que a
formulação de tais políticas públicas não é tarefa exclusiva do Legislativo e do Executivo,
porquanto sua observância pode e deve ser controlada pelo Judiciário, sobretudo quando
ocorre falha ou omissão na implementação de políticas públicas, bem como dos objetivos
sociais nelas implicados, cabendo ao Poder Judiciário tomar uma atitude ativa na realização
dos fins sociais, através da correição da prestação dos serviços básicos. É inequívoco, pois,
que uma política pública pode ser questionada judicialmente se for contrária a preceitos
constitucionais, e isso não é, por óbvio, uma questão meramente política, mas jurídica.

Segundo o magistério de Lenio Luiz Streck, na falta de políticas públicas cumpridoras


das normas-programa da Lei-Maior, “surge o Judiciário como instrumento para o resgate dos
direitos não realizados”. Nessa linha, o autor assume expressamente uma “postura
substancialista”, isto é, a juridicização da política e a politização do jurídico, em detrimento
das “teorias sistêmicas”.267

De acordo com José Reinaldo de Lima Lopes, uma solução para o problema da
dedicação insuficiente de verbas públicas para a realização de serviços sociais seria a
contestação e o controle das leis orçamentárias do respectivo ente federativo, por ação direta
de inconstitucionalidade (por meio do Ministério Público, Art. 102 da Constituição Federal)
toda vez que contrariem dispositivos constitucionais.268

Acrescente-se, nesse passo, que o Ministério Público, assim como os Tribunais de


Contas poderiam, mediante uma ação mais ativa e eficaz, contribuir sobremodo no combate à

266
BARCELLOS, Ana Paula de. Constitucionalização das políticas públicas em matéria de direitos
fundamentais: O controle político-social e o controle jurídico no Espaço Democrático. Em: A
Constitucionalização do Direito. (coords.) Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento. Lumen Juris .
2007, p. 617 (nota de rodapé).
267
STRECK, Lenio Luiz. Hermenêutica Jurídica e(m) crise. 2ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000,
p.45.
268
LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais: O dilema do Judiciário no Estado Social
de Direito. Em: Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. Org. José Eduardo Faria, 1ed. 4tir, Malheiros,
2005, p. 13.
116

corrupção, ao desperdício das verbas públicas, na racionalidade do sistema tributário e na


destinação dos recursos orçamentários, o que por certo, redundaria numa maior efetividade
dos direitos sociais, pois o dinheiro público poderia ser melhor empregado em políticas
públicas de interesse da população.

Repise-se que pelo fato dos direitos sociais prestacionais terem por objeto prestações
do Estado, diretamente vinculadas à destinação, distribuição e redistribuição, bem como a
criação de bens materiais, não se pode desprezar a pertinência da discussão sobre a dimensão
econômica para implementação das políticas públicas viabilizadoras da fruição e desfrute dos
direitos sociais consagrados na Constituição Federal.

Conforme já assinalado, os recursos são limitados e é preciso fazer escolhas. E, se o


Executivo e o Legislativo não se desincumbem da tarefa de viabilização e efetivação das
políticas públicas conforme assegurado pela Constituição, surge à possibilidade de levar a
questão às barras dos Tribunais.

Nesse contexto, surge a discussão sobre a chamada “reserva do possível” que foi
desenvolvida na Alemanha, num contexto jurídico e social totalmente diverso da realidade
brasileira, e que apregoa que o reconhecimento dos direitos subjetivos prestacionais depende
da disponibilidade dos respectivos recursos públicos necessários para satisfazerem as
prestações materiais que constituem seu objeto (saúde, educação, assistência, etc). Assim, a
decisão sobre a disponibilidade desses recursos insere-se no espaço discricionário das opções
do governo e do parlamento, através da composição dos orçamentos públicos.

José Joaquim Gomes Canotilho vislumbra a efetivação dos direitos sociais,


econômicos e culturais dentro dessa “reserva do possível” e aponta a sua dependência dos
recursos econômicos. Para ele a elevação do nível da sua realização estaria sempre
condicionada pelo volume de recursos suscetível de ser mobilizado para esse efeito. Nessa
visão, a limitação dos recursos públicos passa a ser considerada verdadeiro limite fático à
efetivação dos direitos sociais prestacionais.269

269
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 6ed., Coimbra:
Almedina, 2002, p. 479.
117

De acordo com Dirley da Cunha Júnior, a doutrina nacional, lamentavelmente e não


sem equívoco, vem acolhendo comodamente essa criação do direito estrangeiro, aceitando-a
indiscriminadamente como obstáculo ao reconhecimento dos direitos originários a
prestações.270

Neste particular, pertinente se mostra a digressão feita por Andreas Joachim Krell,
autor alemão, profundo conhecedor da realidade existente no Brasil, pois aqui vive desde
1993, que assim registra:

Não é à toa que os estudiosos do Direito comparado insistem em lembrar


que conceitos constitucionais transplantados precisam ser interpretados e
aplicados de uma maneira adaptada para as circunstâncias particulares de
um contexto cultural e sócio-econômico diferente, o que exige um máximo
de sensibilidade. O mundo “em desenvolvimento” ou periférico, de que o
Brasil (ainda) faz parte, significa uma realidade específica e sem
precedentes, à qual não se podem descuidadamente aplicar as teorias
científicas nem posições políticas trasladadas dos países ricos. Assim, a
discussão européia sobre os limites do Estado Social e a redução de suas
prestações e a contenção dos respectivos direitos subjetivos não pode
absolutamente ser transferida para o Brasil, onde o Estado-Providência
nunca foi implantado.271

Ora, num Estado em que o povo carece de um padrão mínimo de prestações sociais
para a sobrevivência, onde milhares de pessoas não têm o que comer, onde há inúmeras
crianças e jovens fora da escola, trabalho infantil, trabalho escravo, desnutrição infantil em
grande escala, onde não há saneamento básico e mínimas condições de higiene, atendimento
médico precário e deficitário, inclusive com falta de remédios, onde milhares de pessoas
vivem abaixo da linha de pobreza, não se garantindo a mínima dignidade, os direitos sociais
não podem ficar reféns da “reserva do possível”, desenvolvida para os padrões de vida e
desenvolvimento de um país rico como a Alemanha, cuja realidade social é diametralmente
oposta à dos países periféricos e em desenvolvimento, como o Brasil.

Conforme adverte Dirley da Cunha Júnior,

Cuida-se, aqui, de permitir ao Poder Judiciário, na atividade de controle das


omissões do poder público, determinar a redistribuição dos recursos

270
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004,
p.307.
271
KRELL, Andreas Joachim.Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha.Fabris Editor, 2002,
p.54.
118

públicos existentes, retirando-os de outras áreas (fomento econômico a


empresas concessionárias ou permissionárias mal administradas; serviço da
dívida; mordomias no tratamento de certas autoridades políticas, como
jatinhos, palácios residenciais, festas pomposas, seguranças desnecessários,
carros de luxo blindados, comitivas desnecessárias em viagens
internacionais, pagamento de diárias excessivas, manutenção de mordomias
a ex-Presidentes da República; gastos com publicidade, etc), para destiná-
los ao atendimento das necessidades vitais do homem, dotando-o das
condições mínimas de existência.272

Importante assinalar que para alguns dos autores brasileiros que aderiram ao conceito
da “reserva do possível”, caberia ao Poder Público o ônus da comprovação efetiva da
indisponibilidade total ou parcial de recursos, do não desperdício dos recursos existentes,
assim como a eficiente aplicação dos mesmos.

Nessa senda, Andreas Joachim Krell destaca que para não precisar negar por completo
a efetividade dos direitos sociais sob o argumento da “reserva do possível”, Gustavo Amaral
recomenda a exigência de que “o Estado demonstre, judicialmente, que tem motivos fáticos
razoáveis para deixar de cumprir, concretamente, a norma constitucional assecuratória de
prestações positivas”; “demonstrada a ponderabilidade dessas razões, não poderia o Judiciário
se substituir ao Administrador”, apontando que:

Nesse contexto, não parece bem escolhido o exemplo trazido pelo autor,
que deveria ficar a critério do Executivo a escolha se tratará com os
recursos disponíveis “milhares de doentes vítimas de doenças comuns à
pobreza ou um pequeno número de doentes terminais de doenças raras ou
de cura improvável”. A resposta coerente na base da principiologia da Carta
de 1988 seria: tratar todos! E se os recursos não são suficientes, deve-se
retirá-los de outras áreas (transporte, fomento econômico, serviço da dívida)
onde sua aplicação não está intimamente ligada aos direitos mais essenciais
do homem; sua vida, integridade física e saúde. Um relativismo nessa área
pode levar a “ponderações” perigosas e anti-humanistas do tipo “por que
gastar dinheiro com doentes incuráveis ou terminais?, etc. 273

É sabido que muitas vezes a “reserva do possível” tem sido utilizada no Brasil como
argumento impeditivo da intervenção judicial e desculpa genérica para a omissão estatal no
campo da efetivação dos direitos fundamentais, especialmente de cunho social. Desse modo,
parece difícil que um Ente Público não possa conseguir “justificar” sua omissão social perante

272
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004,
p.310.
273
KRELL, Andreas Joachim.Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha.Fabris Editor, 2002,
p.52.
119

critério de política monetária, estabilidade, contenção de gastos, as exigências financeiras dos


diferentes órgãos (Assembléias Legislativas, Tribunais de Justiça, Tribunais de Contas, etc).

Os problemas de “caixa” não podem ser guindados a obstáculos à efetivação dos


direitos fundamentais sociais, pois imaginar que a realização desses direitos depende de
“caixas cheios” do Estado significa reduzir a sua eficácia a zero; a subordinação aos
“condicionantes econômicos” relativiza sua universalidade, condenando-os a serem
considerados “direitos de segunda categoria”, conforme enfatiza Andreas Joachim Krell274, o
que representaria uma violenta frustração da vontade do constituinte e uma desmedida
contradição do modelo do Bem-Estar Social, na lição de Dirley da Cunha Júnior, para quem:

Deveras, trasladar para o direito brasileiro essa limitação da reserva do


possível criada pelo direito alemão, cuja realidade socieconômica e política
do país difere radicalmente da realidade brasileira, é negar esperança àquele
contingente de pessoas que depositou todas as suas expectativas e entregou
seus sonhos à fiel guarda do Estado Social do Bem-Estar. Obstáculos como
esses, transplantados de ordens jurídicas de paradigmas diversos, só vem
robustecer a fragrante contradição entre a pretensão normativa dos direitos
sociais e o fracasso do Estado brasileiro como provedor dos serviços
públicos essenciais para a maioria da população. Assim, as discussões
travadas nos chamados países centrais sobre os limites do Estado Social e a
redução de suas prestações, e a contenção dos respectivos direitos
subjetivos a prestações, não podem, em absoluto, ser carreadas para a
realidade brasileira, onde o Estado Providência ainda não foi efetivamente
implantado. 275

Andreas Joachim Krell assinala que fica claro que uma transferência mal refletida do
conceito de “reserva do possível” e do entendimento dos direitos sociais como mandados (e
não legítimos Direitos Fundamentais) constituiria “uma adoção de soluções estrangeiras, nem
sempre coerentes com as verdadeiras necessidades materiais” do país, que, “há muitas
décadas, pode ser observada na elaboração judiciária brasileira”.276

Do mesmo modo, com apoio na atual Constituição, não vinga o entendimento de que
a “reserva do possível” também obsta a competência do Judiciário para decidir acerca da
distribuição dos recursos públicos orçamentários. Com efeito, não se pode inverter a
hierarquia, tanto em termos jurídico-normativos, quanto em termos axiológicos, quando se

274
KRELL, Andreas Joachim. Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha.Fabris Editor, 2002,
p.54.
275
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004,
p.310-311.
276
KRELL. Op. cit., p. 56.
120

pretende bloquear qualquer possibilidade de intervenção do Judiciário neste plano, a ponto de


se privilegiar a legislação orçamentária em detrimento de imposições e prioridades
constitucionais.

Em outras palavras, a competência conferida ao Legislativo para elaboração da lei


orçamentária, não é absoluta, pois se encontra adstrita à Constituição Federal, devendo
observar, assim, as normas constitucionais definidoras de direitos fundamentais sociais que
exigem prioridade na distribuição desses recursos, considerados indispensáveis para a
realização das prestações materiais que constituem o objeto desses direitos.

Para Robert Alexy, a reserva de competência orçamentária do Legislador não é um


princípio absoluto, na medida em que os direitos fundamentais podem ter mais peso e
relevância que razões de ordem político-financeira. Até em tempos de crise econômica, cuja
flexibilidade econômica é necessária, hão de ser garantidos esses direitos sociais mínimos.277

Destarte, invocando-se o magistério de Dirley da Cunha Júnior, nem a reserva do


possível nem a reserva de competência orçamentária do Legislador podem ser invocados
como óbices, no direito brasileiro, ao reconhecimento de direitos originários a prestações.
Mais adiante conclui: ‘Não é exagero sustentar que a doutrina da reserva do possível está a
serviço da implantação de um Estado mínimo, onde minguam os serviços públicos que
compete ao Estado do Bem-Estar Social fornecer, exatamente para que as condições materiais
mínimas e necessárias à efetivação dos direitos sociais sejam realizadas. E não sabemos a
quem isso interessa’.278

De qualquer sorte, segundo a lição de Andreas Joachim Krell, não podemos admitir
que os Direitos Fundamentais tornem-se, pela inércia do Legislador, ou pela insuficiência
momentânea ou crônica dos fundos estatais “substrato de sonho, letra morta, pretensão
perenemente irrealizada [...]”.279

277
ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales. 3 reimp. Trad. Ernesto Garzón Valdés. Madrid:
Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2002, p. 495.
278
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004,
p.313.
279
KRELL, Andreas Joachim.Direitos sociais e controle judicial no Brasil e na Alemanha. Fabris Editor, 2002,
p.102.
121

E, justamente para que os esses direitos fundamentais, sobremodo os sociais, não se


tornem mera expectativa de direito, sem data ou época definida para serem cumpridos e
observados pelo Poder Público, é que se tem defendido nesta dissertação a possibilidade de
provocar o Judiciário, por meio de instrumentos processuais hábeis para exigir e cobrar a
implementação de políticas públicas sociais de cunho social de interesse geral, concretizadora
dos princípios e objetivos nacionais.

3.3 Instrumentos jurídicos constitucionais para concretização das Políticas Públicas.

Assentadas as premissas teóricas que justificam o controle judicial das políticas


públicas, com possibilidade do Judiciário examinar as ações e omissões do Poder Público no
campo dos direitos sociais, de modo a concretizar as normas constitucionais, sobretudo as
definidoras de direitos fundamentais, resta agora uma análise, ainda que perfunctória, sobre a
jurisdição constitucional e instrumentos jurídicos constitucionais aptos à implementação de
políticas públicas.

Anote-se que não há a mínima possibilidade de se esgotar o tema, por demais amplo e
complexo e que, por certo, comportaria várias teses e digressões, até porque, havendo no
direito pátrio os controles concentrado e difuso de constitucionalidade, em princípio, de modo
incidental, a jurisdição constitucional poderia ser provocada por qualquer ação judicial do
processo de conhecimento, cautelar, de execução ou sujeita a procedimentos especiais.

Assim, aqui se fará uma breve alusão a alguns instrumentos processuais previstos no
próprio Texto Constitucional para a viabilização do aludido controle judicial das políticas
públicas, com destaque para aqueles pertinentes ao controle difuso de constitucionalidade,
sobretudo para ação civil pública, que tem se apresentado como o mais eficiente e completo
meio processual na defesa dos direitos fundamentais.

À guisa de introdução, vale assinalar que a jurisdição constitucional tem sido alvo de
inúmeras críticas no que concerne a sua legitimidade, notadamente quando se referem
aspectos como os fenômenos de “politização do Judiciário” e de “judicialização da política”,
onde os limites e a legitimidade do controle de constitucionalidade são colocados à prova em
face da tradicional noção de separação de Poderes, conforme já destacado em linhas
122

anteriores. Associada a isto vem à questão dos instrumentos e mecanismos utilizados no


sentido de se dar efetividade a um tal controle.

Nesta perspectiva, somam-se teorias pró e contra o assim chamado “ativismo judicial”,
teorias estas que podem ser enquadradas, para fins de classificação, no binômio
“substancialismo x procedimentalismo”, em cujas fileiras se alinham diversos autores de
diferentes latitudes, ainda que não se intitulem ou filiem expressamente a uma ou outra linha
de pensamento, conforme sustentem ou não um maior ou menor grau de atuação dos
Tribunais Constitucionais no contexto Democrático.

Apesar das críticas contra o chamado “ativismo judicial”, a experiência tem


demonstrado, conforme adverte Lenio Luiz Streck, ‘que o Estado Democrático de Direito não
pode funcionar sem uma justiça constitucional, nem os conteúdos essenciais e
principiológicos da Constituição podem ser realizados sem a atuação da jurisdição’.280

É inequívoco, pois, na esteira do que sustenta Dirley da Cunha Júnior, que atualmente,
os novos conflitos sociais decorrentes do surgimento da sociedade de massa, tem exigido dos
órgãos da justiça constitucional uma atuação mais ativa na efetivação das normas
constitucionais. Neste cenário, a melhor das justificativas da legitimidade da justiça
constitucional e da jurisdição constitucional, como efetivo instrumento de controle judicial
das omissões do Poder Público, é que o que caracteriza a Democracia não é, propriamente, a
intervenção do povo na feitura das leis – hoje mera ficção – mas sim, o respeito aos direitos
fundamentais da pessoa humana cuja guarda e defesa incumbe ao Poder Judiciário.281

Defendendo esta mesma posição, Dalmo de Abreu Dalari é elucidativo ao afiançar


que:

O juiz recebe do povo, através da Constituição, a legitimação formal de


suas decisões, que muitas vezes afetam de modo extremamente grave a
liberdade, a situação familiar, o patrimônio, a convivência na sociedade e
toda uma gama de interesses fundamentais de uma ou de muitas pessoas.
Essa legitimação deve ser permanentemente complementada pelo povo, o
que só ocorre quando, segundo a convecção predominante, os juízes estão

280
STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do Direito. 2ed., Rio de
Janeiro: Forense, 2004, p. 102.
281
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004,
p.385.
123

cumprindo o seu papel constitucional, protegendo eficazmente os direitos e


decidindo com justiça. Essa legitimação tem especial importância pelos
efeitos políticos e sociais que podem ter as decisões judiciais.282

Desse modo, o discurso da legitimidade da justiça constitucional, sintetizado nas


várias posições doutrinárias que buscam conciliar a justiça constitucional e a Democracia,
reside verdadeiramente na vontade soberana do povo que a institui, através do Poder
Constituinte, para assegurar, de um lado, a força normativa e a supremacia da Constituição e,
de outro, o acesso imediato aos direitos fundamentais e a participação política das minorias no
processo democrático.

Num outro enfoque, é importante pontuar a necessidade de se estender uma abertura e


substancialização dos aspectos procedimentais à jurisdição constitucional, por meio de uma
efetiva participação democrática da sociedade na efetivação dos direitos fundamentais
consagrados na Constituição Federal, através do direito de ação e do princípio do
contraditório, os quais, ao lado dos princípios da indeclinabilidade da jurisdição e do devido
processo legal, consubstanciam direitos fundamentais de índole procedimental-material. Ora,
de nada adiantaria o direito material consagrado na Constituição acaso não houvesse meios
processuais para pleiteá-los frente ao Estado-juiz.

Conforme assinala José Reinaldo de Lima Lopes, naturalmente hoje em dia já existem
mecanismos processuais, ainda novos para os padrões da tradição jurídica, que possibilitam o
ingresso de substitutos processuais de interesses coletivos, especialmente as ações civis
públicas, nas diversas formas de defesa dos consumidores prevista no Código de Defesa do
Consumidor, os mandados de injunção e a ampliação da legitimidade para propositura da ação
direta de inconstitucionalidade. Mesmo assim, não havendo, ou não aparecendo interessados
na propositura de tais ações, a questão ficará adstrita aos meios individuais de defesa de
interesses, fazendo com que se fragmentem decisões que, a rigor, deveriam atingir toda uma
política. Mais adiante, acrescenta:

As garantias dos direitos sociais podem, por isso, ser efetivadas hoje por
alguns caminhos que variam em natureza: quando se falar em direito
público subjetivo o cidadão está habilitado a exigir do Estado seja a
prestação direta, seja indenização; quando se tratar de garantia geral os
caminhos serão: por meio do Ministério Público (art. 129 da Constituição

282
DALARI, Dalmo de Abreu. O controle de constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. Em: O Poder
Judiciário e a Constituição. Coleção Ajuris, 1977, pp. 151-183, p.167.
124

Federal), promover a responsabilidade de autoridades que não estejam


dando andamento a políticas e ações já definidas em lei (orçamentárias e
programas) e regulamentos ou atos administrativos; as leis orçamentárias,
incluídos os orçamentos da previdência social, poderão ser impugnadas por
ação direta de inconstitucionalidade (art.102,I) toda vez que contrariarem
dispositivos constitucionais, como o artigo 201, e seus parágrafos, ou o art.
212, e sua respectiva hierarquia (lei complementar referida no art. 163 da
Constituição Federal, plano plurianual, lei de diretrizes orçamentárias,
orçamento anual); responsabilização do Presidente da República
283
especialmente no caso do art. 85, VI e do art. 167, § 1º.

Conforme já assinalado, não é pretensão deste trabalho aprofundar no exame da


jurisdição constitucional na modalidade do controle concentrado. Todavia, cumpre mencionar
os tipos de ações previstas na Constituição Federal para provocação do controle judicial de
constitucionalidade pela via concentrada e direta.

Em face de sua nova configuração constitucional, o controle concentrado de


constitucionalidade das leis ou atos normativos estaduais e federais, de competência exclusiva
do Supremo Tribunal Federal, pode ser suscitado, pela via direta, por meio das seguintes
ações especiais: (a) ação direta de inconstitucionalidade por ação; (b) ação direta de
inconstitucionalidade por omissão; (c) ação direta de inconstitucionalidade interventiva; (d)
ação declaratória de constitucionalidade de lei ou de ato normativo federal e, (e) argüição de
descumprimento de preceito fundamental.

Vale destacar, por oportuno, que a Constituição brasileira autorizou aos Estados a
instituição de controle concentrado-principal de constitucionalidade de suas leis ou atos
normativos estaduais ou municipais em face de suas Constituições Estaduais, por meio de
ação direta de inconstitucionalidade tanto por ação, como por omissão, de competência
exclusiva dos Tribunais de Justiça, vedando apenas a legitimidade para agir a um único órgão
(Art.125, § 2º)284.

Tais ações especiais que suscitam o controle concentrado-principal de


constitucionalidade têm natureza de ação objetiva, que instauram um processo objetivo, por

283
LOPES, José Reinaldo de Lima. Direito subjetivo e direitos sociais: O dilema do Judiciário no Estado Social
de Direito. Em Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça. Org. José Eduardo Faria, 1ed. 4 tir, São Paulo:
Malheiros, 2005, pp. 134 e 137.
284
Art. 125 [...] § 2º Cabe aos Estados a instituição de representação de inconstitucionalidade de leis ou atos
normativos estaduais ou municipais em face da Constituição Estadual, vedada a atribuição da legitimação para
agir a um único órgão.
125

meio do qual será dirimida uma questão constitucional. Não se compõe por meio delas,
qualquer conflito de interesse.

Noutro giro, e em conformidade com a proposta deste trabalho de sublinhar o controle


difuso, invocando-se o magistério de Dirley da Cunha Júnior, é natural, decerto, que a
jurisdição constitucional subjetiva ou incidental seja provocada normalmente pelas ações
constitucionais de garantia, vale dizer, pelos reconhecidos remédios constitucionais, em razão
da celeridade e do rito sumário de seus procedimentos, que são especiais. Esses remédios
constitucionais são movidos, ora individualmente, por quem supostamente titulariza um
direito fundamental, ora coletivamente, por entidades ou órgãos legitimados para atuarem na
condição de substitutos processuais em favor de interesses ou direitos subjetivos assegurados
aos personagens substituídos. Entre os remédios constitucionais mais utilizados no controle
incidental, sobretudo no controle concreto das omissões do Poder Público, figuram a ação
popular, o mandado se segurança e a ação civil pública.285

Cumpre assinalar que para Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a expressão “remédios
constitucionais” designa os direitos-garantia que servem de instrumento para a efetivação da
tutela, ou proteção, dos direitos fundamentais. Como essa proteção é essencialmente confiada
ao Judiciário, no direito brasileiro, são esses remédios ações especiais pelas quais se emite a
pretensão à tutela de um direito por parte desse Poder.286

287
A ação popular está consagrada no inciso LXXIII , do Art. 5º da Constituição
Federal, tendo por objeto de proteção a tutela, para além do patrimônio público, da
moralidade administrativa, do meio ambiente e do patrimônio histórico e cultural. Está
disciplinada na Lei nº 4.717, de 29 de junho de 1965, que lhe traçou um procedimento
específico e aspectos processuais próprios.

A ação popular constitucional é de natureza desconstitutiva e condenatória, veiculada


num processo de conhecimento. Segundo seu perfil constitucional e legal, constitui forma de
285
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004,
p.447.
286
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 9ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p.
145.
287
LXXIII – qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise anular ato lesivo ao patrimônio
público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio
histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da
sucumbência.
126

manifestação direta da soberania popular, em face da qual o próprio povo toma a iniciativa de
defender, preventiva ou corretivamente, a coisa pública, considerada um direito fundamental
da coletividade. Todo cidadão brasileiro, portanto, no gozo de seus direitos políticos, é parte
legítima para ajuizá-la, agindo como substituto processual de toda a população. Assim,
estrangeiros e pessoas jurídicas não podem propô-la. O Ministério Público não pode ser autor,
mas oficia na ação popular como fiscal da lei, ativador das provas e auxiliar do autor popular,
e como substituto e sucessor do autor, em caso de desistência (legitimação ativa subsidiária).
Por atos lesivos, podem ser consideradas as ações e as omissões do Poder Público lesivas
àqueles bens e valores jurídicos. A sentença fará coisa julgada “erga omnes”, exceto se
julgada improcedente por deficiência de provas. Neste caso poderá ser ajuizada novamente.

O mandado de segurança está consagrado nos incisos LXIX 288 e LXX289, do Art. 5º da
Constituição Federal, na modalidade individual e coletiva, respectivamente, podendo ter
caráter preventivo ou corretivo. Esse remédio constitucional destina-se especificamente a
proteger direito líquido e certo, individual ou coletivo, violado ou ameaçado de violação por
ato de autoridade pública ou de agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições públicas,
praticado ilegalmente ou com abuso de poder. Conforme afiança Dirley da Cunha Júnior, o
ato impugnado pela via do mandamus abrange qualquer conduta positiva ou omissiva, de tal
modo que esse remédio constitucional revela-se como um poderoso mecanismo de controle
incidental das omissões do Poder Público, nas hipóteses de violação a direito líquido e certo,
decorrente de omissão total ou parcial, normativa ou não-normativa, do Poder Público.
Assim, por meio dele, o Poder Judiciário pode e deve exercer a jurisdição constitucional
incidental para suprir as omissões inconstitucionais do Poder Público, a fim de assegurar a
efetividade e o pleno gozo dos direitos fundamentais.290

288
LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas
corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou
agente de pessoa jurídica no exercício de atribuição do Poder Público.
289
LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no
Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em
funcionamento há pelos menos um ano, em defesa dos interesses dos interesses de seus membros.
290
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004,
p.450.
127

Para Manoel Gonçalves Ferreira Filho, a ação civil não é verdadeiramente uma
291
garantia constitucional, mas faz às vezes de, na hipótese consagrada no inciso III do Art.
129, da Constituição Federal.292

Luiza Cristina Fonseca Frischeisen afirma que, a ação civil pública, garantia jurídica
de direito constitucional, constitui instrumento do Ministério Público (em conjunto com o
inquérito civil público e outros procedimentos administrativos) para a defesa do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, encontra-se
processualmente disciplinada na Lei nº 7.347/85, com as modificações introduzidas pelo
Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90) e Lei nº 8.884/94 (que dispõe, entre
outras providências, sobre a prevenção e a repressão de infrações econômicas). 293

De qualquer forma, a ação civil pública vem consagrada pela Constituição Federal
como uma das funções institucionais do Ministério Público, para a proteção do patrimônio
público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. A partir daí,
sucederam-se outras leis, dispondo sobre a referida ação coletiva: a Lei nº 7.853/89, que fixou
como objeto de sua tutela os interesses coletivos e difusos das pessoas portadoras de
deficiência; a Lei nº 7.913/89, que dispôs sobre a responsabilidade por danos causados aos
investidores no mercado de valores mobiliários; a Lei nº 8.069/90, mais conhecida como
Estatuto da Criança e do Adolescente, que regulou a proteção judicial dos interesses difusos,
coletivos e individuais assegurados às crianças e aos adolescentes.

Mas foi com o advento da Lei nº 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) que a
ação civil pública ganhou contornos mais precisos e teve seu objeto ampliado para abranger,
muito além dos interesses e direitos difusos e coletivos, a categoria dos direitos individuais
homogêneos. A ação civil pública pode ter por objeto a condenação em dinheiro ou o
cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, sendo que a sentença de procedência
proferida em sua sede fará coisa julgada “erga omnes”, limitada, contudo, à competência
territorial do órgão judicial prolator. Conforme adverte Dirley da Cunha Júnior, a sentença de

291
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: [...] III – promover o inquérito civil e a ação civil
pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e
coletivos.
292
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Direitos humanos fundamentais. 9ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p.
162.
293
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000, p.124.
128

improcedência, por deficiência de provas, não fará coisa julgada material, podendo ser
proposta novamente, por outro co-legitimado com idêntico fundamento, desde que se valha de
novas provas.294

Cumpre destacar, que a ação civil pública tem sido utilizada como meio eficaz de
responsabilização do agente público que, não cumprindo com o seu dever, desrespeita direito
alheio, coletivamente considerado, impondo-lhe uma obrigação de fazer, sobretudo quando se
trata de inobservância dos direitos sociais e implementação das respectivas políticas públicas.

Nesta senda, ainda de acordo com o explicitado por Dirley da Cunha Júnior, a ação
civil pública, dada a sua destinação constitucional, tem se revelado como um dos mais
importantes e mais completos instrumentos de controle incidental de constitucionalidade na
proteção dos direitos subjetivos. No que concerne ao controle das omissões do Poder Público,
essa ação coletiva tem a virtude de propiciar uma atuação judicial abrangente no controle para
a implementação das políticas públicas necessárias à efetivação dos direitos fundamentais,
sobretudo dos direitos sociais. Por meio dela, por exemplo, o Ministério Público pode e até
deve propor ao Judiciário um efetivo controle do Poder Público na realização de políticas
públicas determinadas vinculativamente pela Constituição nas áreas sociais (como, por
exemplo, na saúde, educação, previdência, assistência, cultura, criança e adolescente, idoso,
portador de deficiência, meio ambiente e índio) 295

Consoante assevera Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, o Administrador está


vinculado ao cumprimento das normas da ordem social, à implementação das políticas
públicas necessárias ao afetivo exercício dos direitos sociais, não havendo discricionariedade
na oportunidade e conveniência, estando essa vinculada à escolha, diante do caso concreto, da
melhor forma de cumprimento da finalidade constitucional e legal, não sendo a omissão uma
escolha possível. Portanto, o não-agir (a omissão) ou a ação de forma não razoável para
atingir a finalidade constitucional (desvio de finalidade) que contraria o devido processo legal
que rege as obrigações da Administração em contrapartida aos direitos dos cidadãos às
prestações sociais do Estado, são passíveis de responsabilização e controle judicial através da
ação civil pública. E acrescenta: A ação civil pública é, portanto, o instrumento processual do

294
CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Controle judicial das omissões do poder público. São Paulo: Saraiva, 2004, p.
452.
295
CUNHA JÚNIOR. Op. cit., p. 458.
129

Ministério Público para “juridicizar” a demanda coletiva pela implementação de direitos


assegurados pela ordem social constitucional.296

Desse modo, o exame de constitucionalidade de uma política pública é questionável


incidentalmente por meio de ação civil pública, assim como a inconstitucionalidade ante uma
abstenção indevida do Poder Público na formulação de políticas públicas consagradas no
Texto Constitucional, o que ocorre, por exemplo, quando, deixa de ofertar educação gratuita à
criança e ao adolescente, creche às crianças de zero a seis anos de idade, saúde pública a
todos, assistência aos carentes, possibilidade de integração social ao deficiente, proteção ao
patrimônio histórico e cultural, proteção ao meio ambiente, proteção ao idoso e demarcação
das terras indígenas.

Em suma, o controle judicial da constitucionalidade das políticas públicas tem por fim
justamente o confronto de tais políticas com os objetivos constitucionalmente vinculantes a
atividade de governo. E a ação civil pública, reitere-se, apresenta-se como um eficaz e amplo
remédio para atingir esse desígnio.

Frente ao exposto, tem-se que o constituinte e depois o Legislador ordinário,


colocaram à disposição uma série de instrumentos jurídico-processuais aptos a provocar a
tutela jurisdicional a fim de discutir e questionar as políticas públicas que, de um modo ou de
outro, não atentaram para os fins e objetivos traçados pela atual Constituição, sobretudo para
o princípio da dignidade da pessoa humana.

Se modernamente o Estado deve ser encarado como um implementador de políticas


públicas, de modo a construir uma sociedade mais justa, igual e solidária, que tenha por meta
a erradicação da pobreza e da marginalização e da redução das desigualdades sociais e
regionais (Art. 3º da CF)297, o cidadão, aqui entendido como qualquer pessoa integrante da
sociedade civil, pode perfeitamente, valendo-se dos instrumentos jurídico-processuais
colocados à sua disposição, cobrar e exigir dos Administradores Públicos a implementação de
medidas ou políticas que permitam uma vida mais digna e justa.

296
FRISCHEISEN, Luiza Cristina Fonseca. Políticas públicas. A responsabilidade do Administrador e o
Ministério Público. São Paulo: Max Limonad, 2000, p.125-127.
297
Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade
livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e
reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça,
sexo, cor, idade ed quaisquer outras formas de discriminação.
130

CONCLUSÃO

Tudo isto exposto, conclui-se:

1) A compreensão histórica dos direitos fundamentais é importante para entender que


os “direitos do homem”, não surgiram do acaso, mas sim de experiências de confronto,
guerras e revoluções, com muito derramamento de sangue e perda de vidas humanas, num
movimento de expansão e afirmação progressiva, numa sucessão temporal de afirmação e
sedimentação de novos direitos fundamentais, o que explica as chamadas “gerações” ou
“dimensões” de direitos, ou seja, direitos de primeira, segunda e terceira geração ou dimensão
que contemplaram, respectivamente, os direitos de liberdade, igualdade e fraternidade.

2) Os direitos fundamentais constituem o núcleo essencial do ordenamento jurídico-


constitucional e a espinha dorsal do Estado Democrático de Direito, cuja finalidade é a
realização e promoção dos direitos fundamentais, que, em última análise, correspondem à
realização e concretização da própria Constituição.

3) A atual Constituição brasileira conferiu posição de destaque aos direitos


fundamentais, não só pela questão topográfica, já que consagrados nos primeiros dispositivos
(Arts. 5º a 14), com evidente reconhecimento de que constituem parâmetro hermenêutico de
valores de toda ordem constitucional, mas também pelo extenso rol de direitos fundamentais,
guindados à condição de cláusula pétrea (Art. 60, §, 4º, IV), sendo-lhes conferido, ainda,
aplicabilidade imediata (§ 1º, do Art. 5º).

4) Os direitos sociais, que integram o rol dos direitos fundamentais, representam uma
garantia constitucional das condições mínimas e indispensáveis para uma existência digna.
Decorrem do princípio da igualdade e possuem como traço característico à dimensão positiva
no sentido de exigir do Estado uma intervenção para atender as necessidades do indivíduo e
da coletividade, de modo a viabilizar a dignidade da pessoa humana.

5) Por força do § 1º, do Art. 5º da Constituição Federal, todos os direitos


fundamentais, aí incluídos os sociais, são imediatamente aplicáveis, independentemente da
existência ou não de norma ordinária integradora. Entendimento diverso implicaria em tornar
a Constituição ornamental, letra morta e meramente um ideário, despida de força cogente.
131

6) A Constituição é a base da ordem jurídica e o fundamento de sua validade. Como


norma jurídica fundamental, goza do prestígio da supremacia em face de todas as normas do
ordenamento jurídico, o que implica no princípio da constitucionalidade ou da necessária
conformação de todo comportamento, comissivo ou omissivo, dos órgãos do Estado à
Constituição.

7) Se as imposições constitucionais não são realizadas, a supremacia constitucional


fica comprometida e de resto toda a ordem constitucional. Em decorrência, os Poderes
constituídos, Legislativo, Executivo e Judiciário, estão vinculados e obrigados a satisfazer os
fins e tarefas impostos pela Constituição, ou seja, às políticas públicas sociais.

8) A Constituição vincula o Legislador e a Administração Pública não somente quanto


à obediência dos direitos fundamentais (incluídos os direitos civis, políticos, culturais e
econômicos), mas também quanto à elaboração das normas que garantam à coletividade, a
concretização dos direitos sociais, para a consecução dos objetivos da própria República,
previstos no Art. 3º da Constituição Federal.

9) A validade e eficácia das normas da ordem social constitucional, a vinculação e o


dever do Legislador e do Administrador de implementá-las, criam para o Estado obrigação de
atuar, no sentido de fornecer os meios materiais para o gozo dos direitos de natureza coletiva,
social e difusa, visando o efetivo exercício de tais direitos pelos cidadãos.

10) As ações estatais, exercidas diretamente pela Administração Pública ou por seus
agentes delegados, visando a concretização dos direitos sociais, constituem políticas públicas,
sendo que a ordem social constitucional estabelece várias políticas públicas para o efetivo
exercício dos direitos sociais.

11) A conduta comissiva falha, assim como omissão no cumprimento das normas
constitucionais da ordem social dão ensejo à responsabilização do Administrador Público,
assim como do Legislador, pois tais condutas são inconstitucionais.

12) Na consecução das políticas públicas decorrentes da Constituição Federal, a


margem de discricionariedade do Administrador Público é mínima, e porque não dizer,
132

nenhuma, pois os limites já foram traçados pela própria Constituição. Assim, há vinculação e
não discricionariedade.

13) As dúvidas sobre a margem de discricionariedade devem ser dirimidas pelo


Judiciário, cabendo ao Juiz dar sentido concreto à norma e controlar a legitimidade do ato
administrativo (omissivo ou comissivo), verificando se o mesmo não contraria sua finalidade
constitucional, no caso, a concretização da ordem social constitucional.

14) Tanto os atos administrativos deficitários, assim como a omissão do Poder Público
na implantação das políticas públicas, delineadas na Constituição Federal, são passíveis de
controle judicial.

15) A atuação do Judiciário no controle de discricionariedade da Administração e de


interpretação das normas constitucionais não implica na usurpação de funções do
Administrador ou do Legislador, pois a ele cumpre a elevada missão de impedir e desfazer as
ofensas que ameaçam e afrontam os direitos fundamentais assegurados pela ordem jurídica
constitucional. Dito de outro modo, a incumbência constitucional dos juízes é a de concretizar
as normas constitucionais, a partir de uma concepção substancial de Democracia.

16) O fenômeno da “politização do Judiciário” está ligado a sua atuação em questões


constitucionais e decorre da pressão exercida por partidos políticos minoritários no Congresso
Nacional, por organizações não-governamentais, assim como pelo Ministério Público e
entidades de classe, para o controle judicial das escolhas políticas. Nesse passo, é inequívoco
que o Judiciário tem sido instado, por meio de ações judiciais, a adentrar no exame dos atos
de governo, não só para contrastá-los com a lei, mas sobretudo com a nova ordem
constitucional.

17) O dogma da separação de Poderes não mais se coaduna com o atual estágio do
Estado Democrático Social de Direito, sobretudo diante da nova ordem constitucional
inaugurada a partir de 1988, de modo que sua revisão se mostra inevitável. Ao invés de falar
em separação de Poderes, deve-se sustentar um equilíbrio entre eles, num contexto no qual o
Poder Judiciário possa exercer uma efetiva atividade de controle dos outros Poderes,
particularmente quando estes se apresentem omissos diante das imposições constitucionais.
133

18) A figura do juiz neutro e inerte não mais se coaduna com o atual estágio do Estado
Democrático Social de Direito. O chamado “ativismo judicial” deve ser estimulado sobretudo
na implementação concretizadora de políticas públicas definidas pela própria Constituição e
que lamentavelmente são descumpridas, por injustificável inércia dos órgãos estatais
competentes.

19) Impõe-se uma mudança paradigmática na postura do Poder Judiciário, por meio da
atuação concreta dos magistrados que devem se libertar dos valores liberais do Estado
burguês arraigados na doutrina constitucionalista tradicional, adotando uma nova óptica de
interpretação hermenêutica, calcada nos valores e princípios constitucionais, que possuem
como vetores máximos o bem-comum e a dignidade da pessoa humana. Em uma frase, a
adoção da “interpretação principiológica”.

20) O acesso à Justiça é fundamental para o efetivo exercício dos direitos sociais,
funcionando a prestação jurisdicional como instrumento de garantia de tais direitos. O
Judiciário pode e deve, mediante decisões firmes, exercer seu importante papel no processo
político de realização dos direitos fundamentais sociais.

21) A chamada “reserva do possível”, decorrente de problemas de “caixa” não pode


ser guindada a obstáculo à efetivação dos direitos fundamentais sociais, sob pena de reduzir a
sua eficácia a zero, além do que, a subordinação aos “condicionantes econômicos” relativiza
sua universalidade, condenando-os a serem considerados “direitos de segunda categoria” o
que representa uma violenta frustração da vontade do constituinte e uma desmedida
contradição do modelo do Bem-Estar Social.

22) A função precípua dos estudiosos do Direito, comprometidos com a efetiva


implantação da ordem social constitucional, é interpretar o Texto Constitucional, sempre
visando a consecução dos objetivos da República Federativa do Brasil; a construção de uma
sociedade livre, justa e solidária, que garanta o desenvolvimento nacional (em especial o
humano), a erradicação da pobreza e da marginalização, reduzindo as desigualdades sociais e
regionais e promovendo o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e
quaisquer outras formas de discriminação.
134

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