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A Importância

da Forma
Cinematográfica
Boas intenções não fazem um bom filme

Arthur Tuoto
A FORMA DE CADA DIRETOR
Um bom diretor tem um jeito característico de filmar. O chinês
Wong Kar-Wai, por exemplo, filma de um jeito estilizado. Sua
fotografia é carregada, com luzes e tons visuais sugestivos.
Em seus filmes da década de 1990, ele trabalhava bastante a
distorção de imagem com lentes grande angulares. De modo geral,
em suas obras, o espaço se relaciona de forma sugestiva com os
personagens. O espaço urbano se relaciona com o emocional
desses personagens. Cenas com situações cotidianas adquirem
um grande peso sentimental em meio à paisagem urbana.
Já M. Night Shyamalan é um diretor minimalista. Isso quer dizer
que ele usa poucos planos para resolver suas cenas, mas todos
significativos. Dessa forma, Shyamalan mantém o espectador sob
uma mesma perspectiva.
Em A Vila (2004), as escolhas formais do diretor guiam nosso
olhar. O diretor filma diálogos de uma certa distância, como se não
quisesse revelar algo. Ou faz o oposto, como na cena em que o
personagem de Joaquin Phoenix é esfaqueado. Os closes nos
deixam muito próximos dos rostos dos personagens, de modo que
a decupagem atrasa o nosso entendimento da ação. A sutileza é
tanto narrativa quanto formal, por ele nunca entregar tudo.
A IMPORTÂNCIA DA UNIDADE ESTILÍSTICA
A unidade estilística, ou o que alguns chamam de mise-en-scène, é
a ideia cinematográfica do diretor sobre o roteiro. Essas escolhas
formais podem ressignificar o tema do filme ou até mesmo
contradizer as suas intenções iniciais.

A IMPESSOALIDADE DE ROMA (2018)


Na minha perspectiva essa contradição existe em Roma (2018), de
Alfonso Cuarón. Cuarón quis homenagear a babá de sua infância,
mas isso acabou se traduzindo em algo impessoal de acordo com
as escolhas formais.
Ele se aproveitou do preto e branco de forma apelativa,
demonstrando uma frieza em tudo o que filmou. Transformou os
personagens em objetos meramente estéticos.
Os movimentos de câmera, como a pan e o travelling, servem
apenas para encaixar a personagem em um esquema pré-calculado,
sem uma dramatização mais específica. Em suma, o diretor resolve
o filme formalmente mal, o que trai a intenção lírica e pessoal
inicial.
A EXALTAÇÃO DA VIOLÊNCIA EM TROPA DE ELITE (2007)
Tropa de Elite (2007) é mais um exemplo de como um diretor pode
ressignificar sua intenção inicial através do mau uso das escolhas
formais. José Padilha queria problematizar o protagonista - o
roteiro em teoria o faz -, mostrar a relação doentia daquele homem
com a violência e criticar seus atos, mas na prática faz o oposto.
As escolhas formais vibram com as ações do Capitão Nascimento e
não as criticam. Isso vai desde o uso da trilha sonora, a câmera que
mostra uma relação sádica e forçada com a violência, até a atuação
carismática de Wagner Moura que compele o espectador a estar do
lado do personagem.
O personagem acaba sendo idealizado como um herói. Padilha até
cria uma ambiguidade, mas pende para um lado só.

O DESCASO FORMAL DE LINDINHAS (2020)


No filme Lindinhas (2020), a diretora quis denunciar a
hipersexualização de crianças, mas fez escolhas formais que
mostram o corpo das atrizes de forma apelativa. Ela não articulou
uma relação específica que criticasse esse problema.
A diretora se apropria de uma estética que pretende criticar, porém
não expressa uma relação própria com essa estética. Existe um
descaso formal que não deixa claro que a intenção do filme era,
justamente, criticar essa hipersexualização.
BOAS INTENÇÕES NÃO FAZEM BONS FILMES
Não basta fazer um filme que queira homenagear a sua babá,
denunciar a violência policial ou criticar a hipersexualização de
crianças; precisa-se pensar em uma abordagem formal que
concretize tais ideias. O cinema não é feito de intenções.
A forma do cinema é, ainda hoje, muito subestimada. O tema de um
filme, nos dias de hoje, parece ser mais importante do que a forma
com que os cineastas lidam com esse tema. Sendo que o que vai
definir a real abordagem ao tema é a maneira que o diretor trabalha
com a linguagem audiovisual.

COMO ASSIMILAR UMA OBRA POR COMPLETO?


Para ir além do tema, do conteúdo e das cartilhas, devemos estudar
o cinema como um todo. Devemos estudar a teoria, a história, a
técnica e os movimentos cinematográficos.
A partir disso, passamos a entender mais sobre a linguagem
audiovisual. A partir desse conhecimento mais profundo e amplo,
podemos assimilar uma obra por completo. Podemos perceber
como o diretor propõe ou não propõe uma relação específica com a
linguagem.
O cinema é sim capaz de impactar a todos, mesmo aqueles que não
tem conhecimento sobre a linguagem, mas se você quer articular
uma ideia sobre esse impacto, se você quer ser capaz de fazer
filmes igualmente impactantes, você deve sim estudar o cinema a
fundo.

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