Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
TOBIAS BARRETO
1
Este livro, com defeitos de repetições, por se
tratar de reunião de ensaios e artigos diversos, foi
motivado pela efeméride de 1989, e pela edição das
Obras Completas de Tobias Barreto, a partir de 1990.
Não deixa de ser, então, uma homenagem, um elogio
distante, que repõe à vida e à obra o exato efeito dos
fatos, sublinhando a coerência de um intelectual que
soube viver o seu tempo, e mais que outros soube
antecipar o futuro aos brasileiros.
2
ÍNDICE
A Fé e a Razão ........................................................................ .6
Tobias Barreto e a Crítica ..........................................................45
Tobias Barreto e a Luta pelo Direito ..........................................66
Tobias Barreto, a Abolição da Escravatura e a
Organização da Sociedade...........................................................83
Tobias Barreto e a Filosofia no Brasil .......................................153
O Pensamento e a Ação Política de Tobias Barreto ....................188
Nova Missão Tobiática no Recife ..............................................214
Tobias Barreto e Seus Seguidores ..............................................256
Tobias Barreto um Agitador Social ............................................285
Tobias Barreto e a Ideologia do Progresso ................................ 290
Tobias Barreto e o Preconceito Racial ...................................... 295
Tobias Barreto e a República ................................................... 300
A Escola do Recife e a Propaganda Republicana ....................... 304
Tobias Barreto e as Causas da Liberdade .................................. 309
O Poeta em Salvador ................................................................ 314
Tobias Barreto e o Brasil que ele Queria Novo .......................... 320
Tobias Barreto e o Maranhão ................................................... 326
Tobias Barreto nas Alagoas ...................................................... 331
Tobias Barreto e a Educação da Mulher .................................... 330
Tobias Barreto e o Compromisso Democrático .......................... 341
A Edição dos Livros de Tobias ................................................. 347
As Obras Completas de Tobias Barreto ..................................... 354
Tobias Barreto e a Imprensa Alemã .......................................... 359
O Jornal Alemão de Tobias Barreto .......................................... 365
Tobias, Jhering e Losano .......................................................... 369
3
Este é um livro de elogios. Ninguém pode ficar
indiferente diante de Tobias Barreto, mulato pobre de
Sergipe, que se projetou, ousadamente, como jornalista,
advogado, professor e crítico, compondo uma obra
plural e interdisciplinar, marcando com sulcos pro -
fundos a vida intelectual de Pernambuco e do Brasil, na
segunda metade do século XIX.
Tobias Barreto é um sedutor. Seduziu os jovens
nordestinos, alunos da Faculdade de Direito do Recife,
destronando os velhos conceitos embolorados nos
compêndios sacralizados. Seduziu as galerias nas
sessões da Assembléia Provincial de Pernambuco,
defendendo teses sobre a educação da mulher. Sed uziu,
também o povo de Escada, que o acompanhou nas
audiências, pressionando juízes e promotores para a boa
administração da justiça.
Somente os que não conhecem a obra tobiática, e
nem o contexto que a gerou, passam ao largo da figura
genial do poeta e filósofo, um dos poucos a fazer do
Brasil o objeto de suas preocupações e dos seus estudos.
Como Tobias Barreto foi um divisor de águas, muitos
foram os seus críticos e alguns dos seus detratores. Ou-
tros, contudo, fizeram o elogio da obra, como Sílvio
Romero, Artur Orlando, Graça Aranha, e mais recen-
temente Hermes Lima, Antônio Paim, Miguel Reale,
Jackson da Silva Lima, Virgílio Campos.
4
As novas gerações não conhecem Tobias Barreto.
Este livro pretende ser uma contribuição, porque mes-
clado de informações biográficas, repleto de circuns-
tâncias, cujo poder influi sobre as várias facetas da
obra, está destinado a guiar os mais novos nos caminhos
da descoberta da cultura brasileira, especialmente no
capítulo que teve como personagem, no centro dos
debates, Tobias Barreto.
5
A FÉ E A RAZÃO
6
O concurso para a cadeira de Filosofia do Ginásio
Pernambucano, que disputou com José Soriano de
Souza, em 1867, e a leitura, durante a aprendizagem da
língua alemã, da História do Povo de Israel, (1 ) de
Ewald, marcaram, sem dúvida, a evolução de Tobias
Barreto, desapegando-se das raízes religiosas herdadas
no convício de sua terra, no contato com o Seminário da
Bahia, onde era professor o frei Itaparica, (2 ) e no
magistério de latim, na Província de Sergipe, que
largou, com licença do Governo, para estudar direito no
Recife.
Tobias, na verdade, participa de dois concursos.
O primeiro, em 1865, para a cadeira de Latim do Curso
Preparatório da Faculdade de Direito do Recife.
Concorreu com seu conterrâneo e parente padre Félix
Barreto de Vasconcelos, e com Samuel Wallace
MacDowel, Francisco Jacinto de Sampaio e Joaquim
José Henrique da Silva. As provas foram realizadas no
dia 4 de abril, e apresentaram um resultado que
qualificava em primeiro lugar o padre Félix, em s egundo
Tobias Barreto, e os demais em terceiro lugar. A
Comissão examinadora, formada pelo Diretor da
Faculdade, o Visconde de Camaragibe, José Nicácio,
padre Joaquim Graciliano de Araújo e o dr. Pedro
Autran da Mata Albuquerque, respondia pela
classificação, encaminhada ao Ministro do Império com
as seguintes observações: “O padre Féliz é aqui
professor particular de latim, natural de Sergipe, e
apresenta documentos de serviços prestados em diversas
7
províncias. O candidato Tobias Barreto de Menezes é
estudante do segundo ano desta Faculdade, moço
aplicado e inteligente. V. Excia. resolverá o que lhe
parecer acertado.”
Leopoldino Antônio da Fonseca, por não ter sua
inscrição aceita no concurso, representou contra o
Diretor da Faculdade junto ao Ministro do I mpério, e o
concurso, e em 13 de julho de 1865, “julgando não
serem satisfatórias as provas que exibiram os
concorrentes”, foi anulado, mandando o Ministro que
fosse feita nova prova. O novo concurso foi realizado
nos dias 27 e 28 de novembro do mesmo ano,
concorrendo padre Féliz, Tobias, Francisco Jacinto de
Sampaio e Leopoldino Antônio da Fonseca. Na
Comissão examinadora estavam os padres Joaquim
Graciliano de Araújo e Inácio Francisco dos Santos.
Mais uma vez o julgamento beneficiou o padre em
primeiro lugar, com Tobias em segundo. (3 )
O resultado do concurso não abateu o jovem
poeta sergipano. Poeta de escola própria, engajada. Seus
versos, cheios de patriotismo, agitavam as massas
recifenses, com o mote da guerra do Brasil contra o
Paraguai. Nas ruas da capital pernambucana, Tobias era
mais que um poeta condoreiro., era um orador do povo,
inflamado, devolvendo a coragem de lutar aos bravos
nordestinos de Pernambuco que guardavam, ainda, as
amarguras das derrotas dos movimentos libertários de
1817, 1824, 1842 e 1848, vivos na memória da “cabocla
civilizada.” (4) O mesmo não se poderá dizer do concurso
para a cadeira de Filosofia do Ginásio Pernambucano.
8
Contra José Soriano de Souza é o estudante contra o
mestre, é o jovem formando seu espírito, de um lado, e
um professor experiente, médico e doutor pela
Universidade de Louvain, na França, que exercia forte
influência sobre professores e estudantes e jornalistas,
do outro. Do concurso o próprio Tobias trata, em carta a
Carvalho Lima Júnior: “Não obstante ir em primeiro
lugar fui preterido por esse doutor, alegando -se como
razão da preferência o ele ser casado e eu solteiro.” (5)
Tobias Barreto não iria esquecer a injustiça de
não ter sido o nomeado, embora guardasse um certo
orgulho por ter defendido, naquele co ncurso, modernas
idéias de filosofia, contrariando os ensinamentos
espiritualistas de Taparreli, Sanseverino e Kleutgen, que
seguramente balizavam a formação filosófica do dr. José
Soriano de Souza.
A Juventude e a religião
10
O ambiente da Faculdade era reproduzido na rua,
na medida em que os mestres do direito continuavam
com suas pregações destinadas a conter o crescimento
das que reagiam ao controle. O professor Antônio
Vasconcelos Menezes de Drummond, ao discursar em 7
de agosto de 1867, analisando a Constituição brasileira,
afirma categórico: “A religião cristã, obra da Sabedoria
Divina em prol do bem da humanidade (assim como o
Protestantismo é a obra da fraqueza humana e para sua
destruição), sendo a única capaz de fazer a felicidade
nesta vida, e também a única capaz de fazer a felicidade
na vida futura, foi pela Constituição preferida, sob cuja
sombra já havia prosperado a abençoada terra da Santa
Cruz, há trezentos anos.”
O Curso Preparatório da Faculdade, criado em
1832, no Seminário de Olinda, como Colégio das Artes,
seguia a mesma tradição catequética, e seu corpo
docente era repleto de padres. A situação era idêntica no
Ginásio Pernambucano, fundado em 1855, pelo des -
dobramento do Liceu, abrigando padres, como Inácio
Francisco dos Santos e Joaquim Graciano de Araújo,
que ensinavam, respectivamente, latim, e geografia,
retórica e filosofia. (9 ) Era, portanto, muito forte a
influência religiosa no ensino pernambucano, aumentada
ainda mais a partir de 1867, quando é fundado o Colégio
São Francisco Xavier, confiado aos jesuítas. Abre -se um
novo capítulo na questão do controle do ens ino e da
cultura em Pernambuco, dando consistência ao mo -
vimento que entre os professores era liderado pelo
Conselheiro Pedro Autran da Mata Albuquerque e pelos
11
irmãos Braz Florentino, Tarquínio Bráulio e José
Soriano de Souza.
Os jesuítas chegaram a Pernambuco “como
operários da educação da mocidade” a partir de 12 de
fevereiro de 1866. Os primeiros que chegaram foram os
padres Bento Shembri, logo designado Padre Espiritual
dos Seminaristas, Márcio Arcionni, lente de Moral, e
Tomé Vitale, lente de Teologia Dogmática. Em
princípios de 1867 chegaram os padres Candiami e
Clemente Maria Negri. Os jesuítas, mais que os outros
padres e que os professores das diversas escolas e da
Faculdade de Direito, atraíram a afeição da mocidade.
Eles haviam sido convidados pelo Bispo de Olinda, Dom
Manoel do Rego Medeiros, e estavam destinados ao
auxílio da educação nos Estados de Pernambuco,
Paraíba, Rio Grande do Norte, Ceará e Alagoas.
Em homenagem a Santo Inácio, no dia 31 de
julho, fundam o Colégio de São Francisco Xavier , com
finalidade primeira da “educação religiosa da mo -
cidade”, que não consistia apenas no ensino do
catecismo, “mas também em formar o coração dos
alunos para bem cumprirem com os seus deveres,
esclarecendo-lhes a inteligência nas verdades e preceitos
da religião cristã com progressivas instruções.” Ao lado
das intenções educacionais, o Colégio fixava uma rígida
disciplina para os seus alunos, que eram proibidos de
saírem para visitas, nem nas férias, bem assim de
mandar para fora do Colégio cartas, bilhe tes e recados,
senão por intermédio do Diretor ou Vice -Diretor.
12
Os jesuítas do São Francisco Xavier estavam
realizando, em limites menores e em u niversos restritos,
os planos do anfitrião Bispo de Olinda, que dentre os
seus planos para a educação em Pernambuco incluía a
criação de um “Curso de Ciências Ecle siásticas”, com as
seguintes matérias: Direito natural e das Gentes, Direito
Público Civil, Direito Civil Pátrio, Direito Público
Eclesiástico, in si e em suas relações com o Direito
Civil Brasileiro, História Eclesiástica Geral e Peculiar
do Brasil, Escritura Sagrada, ou Exegética, ou
Explanação dos Fundamentos da Autenticidade,
Canonicidade e Integridade dos Livros Bíblicos, Teo -
logia Dogmática, fundamental e polêmica. (10 )
O que dominava, com rotunda, a ação dos jesuítas
em Pernambuco era o que chegava ao Recife, através da
Revista Contemporânea de Paris, porta-voz do
Neotomismo que contagiava o grupo chefiado por José
Soriano de Souza, reforçando o binômio educação -
confessionário, espécie de estandarte dominante nas
casas de ensino recifenses. A visão religiosa daquele
tempo não tardaria em freqüentar as publicações
especializadas que circulavam no Recife, como a
Revista Mensal de Instrução Pública de Pernambuco.
A Religião e a Imprensa
As Lições de Soriano
Tobias e a Religião
21
O germanismo de Tobias Barreto leva a que
compreenda, de forma desapaixonada, o alcance, a
extensão da reforma luterana do século XVI. Tobias
passa a entender a reforma como uma nova teoria da fé,
e, qualificando Martinho Lutero como “o mais valente
orador alemão”, duvida se seria possível Kant sem
Lutero. Para ele os feitos do pensamento alemão após a
reforma levantam um novo princípio de moralidade, o
qual, em oposição à Renascença, corresponde essen -
cialmente ao espírito alemão, repousando sobre o lar e a
família.
Estava claro, para Tobias, que as transformações
operadas pela reforma fixavam uma nova ciência e uma
nova cultura, que dificilmente vicejariam no húmus do
Catolicismo tradicional. Impressiona, no entanto, que a
visão esclarecida e singular de Tobias não o leve a
participar das questões mais ruidosas do seu tempo de
crítico de religião: a polêmica do general Abreu e Lima,
assinando-se Cristão Velho, com o padre Joaquim Pinto
de Campos e com outros católicos, que resultou, anos
mais tarde, na posição radical da administração
eclesiástica de negar sepultura ao general de Bolívar,
finalmente enterrado no cemitério dos ingleses, e a
chamada Questão Religiosa, envolvendo os maçons e o
bispo Dom Vital.
Tobias estava nas páginas dos seus jornais, como
a Razão e a Regeneração, O Americano, e de outros que
se abriam para a crítica religiosa no Recife, prin -
cipalmente a partir de 1869, como a Consciência Livre,
que precedeu ao Americano, Correio Pernambucano, O
22
Liberal e o Jornal do Recife, o mais antigo deles. Era a
imprensa aberta às contribuições mais novas, com-
batendo aquele outro grupo de jornais católicos, todos
com disposição férrea para a pro paganda religiosa
tradicionalista.
A única das questões de evidência que atrai
Tobias é a discussão sobre a infalibilidade papal, antes e
depois do Concílio de 1870. Entre os católicos havia o
temor contra a Igreja. É o bispo Cardozo Ayres, em
texto de 29 de setembro de 1869, publicado em O
Católico de 17 de outubro do mesmo ano, que diz ser
“notório o incremento que vão tomando em algumas
folhas públicas desta diocese as idéias anti-religiosas, e
sendo de esperar que esse espírito de iniqüidade se
exacerbe, durante os trabalhos do sagrado Concílio.”
Ao ser concluído, com a afirmação do dogma, o
Concílio foi entusiasticamente saudado pelo O Católico,
que desabafa: “A definição da infalibilidade pontifícia
foi o ato mais brilhante do Concílio Vaticano, a suprema
idéia para que Deus o quis reunir. De feito, donde, a não
ser deste dogma, dependeria o triunfo do Cato licismo
sobre o Racionalismo, e a firmeza do reino de Jesus
Cristo sobre a terra? Portanto, definir a infalibilidade
pontifícia importava tanto quanto importa a duração do
reino de Jesus Cristo sobre a terra: especialmente nesta
nossa época, quando o alvo da atual guerra satânica é
destronizar a Jesus Cristo, e despedaçar-lhe o cetro. Não
podia pois o Concílio Vaticano prestar ao século XIX
serviço mais relevante que proclamar a infalibilidade do
Pontífice Romano.” (19 )
23
A Igreja não estava disposta a ceder nada em sua
forma de ver e de compreender o mundo e firmava, cada
vez de forma mais radical, a sua postura, tomando como
inimigos a todos os que questionavam ou queriam
respostas para questões antigas, que antes sequer eram
discutidas. A Maçonaria, animada pela discussão dos
jornais contra o jesuitismo, fortalecia suas lojas,
festejava o gesto de Pombal, um século antes, e atraía
grande número de adeptos. Jornais e jornalistas tinham
ligações com as lojas Regeneração, Restauração
Pernambucana, Seis de Março, Segredo e Amor da
Ordem, as que funcionavam legalmente no começo da
década 70. Com os liberais, e entre eles Tobias Barreto,
os maçons tratavam com interesse da questão da
escravidão e em suas festas costumavam alforriar alguns
escravos.
O ambiente agitado do Recife não era ignorado
por Tobias, que em seu refúgio de Escada, zona da mata
sul de Pernambuco, com 120 engenhos de açúcar, de
senhores conservadores e liberais, mas sempre senhores,
continuava mergulhado na leitura dos autores alemães,
como se verá em 1874, ao editar o seu primeiro jornal,
Um Signal dos Tempos, trazendo à cena da cultura
nomes como o de Strauss, por ocasião de sua morte, e de
Eduard von Hartmann, cuja obra, em sua edição alemã,
Filosofia do Inconsciente, é objeto de análise, três anos
antes que apareça no Recife a edição francesa.
É em Escada que Tobias Barreto aperfeiçoa o seu
entendimento das diversas correntes transformadoras,
que desde o Positivismo influem na mente dos jovens
24
insubmissos ao controle da Igreja. Os autores alemães ,
em número cada vez maior, ocupam Tobias. Não há
como separar a crítica religiosa, a filosofia, o direito, a
ciência política, da influência germânica. Charles
Darwin, Ernest Haeckel, Rudolf von Jhering, Hermann
Post, Eduard von Hartmann passam a exercer sobre o
sergipano uma decisiva orientação, a partir da qual, em
todos os campos em que atua, Tobias exporá o conjunto
das novas idéias. Assim faz nos jornais escadenses, no
Clube Popular, quando pronuncia “Um discurso em
Mangas de Camisa”, em 1877, como de putado à
Assembléia Provincial, e discute a questão da educação
da mulher, quando publica a “Jurisprudência da Vida
Diária”, em 1878, quando mantém correspondência com
autores alemães e colabora com jornais germânicos
editados no Rio de Janeiro, em São Pau lo e em Porto
Alegre, ou em jornais da Alemanha, ou ainda quando
concorre à cadeira de Lente da Faculdade de Direito do
Recife.
É evidente que a posição de Tobias Barreto gerara
grandes incômodos. Em 1870, quando ainda engatinhava
em seus estudos alemães, Tobias enfrentou ou católicos
tradicionalistas do jornal O Católico, sob a chefia do
Conselheiro Autran. Em 1875, ao publicar seu livro de
estudos filosóficos, mede forças com Albino Meira, do
Culto às Letras, e na Assembléia Provincial, como
deputado e orador muito aplaudido, tem um projeto
rejeitado, sob a justificativa de teorias antigas,
atrasadas, que predominaram. (2 0) Mas, ao anotar o seu
“Um Discurso em mangas de Camisa”, em 11 de
25
fevereiro de 1879, revela sua opção filosófica
irrevogável: “não sou judeu para crer no Messias, nem
tenho a ingenuidade dos primitivos cristãos para
acreditar na parousia; mas sou filósofo em confiar nas
leis da história, que regulam os destinos dos povos, e
essas hão de também cumprir -se entre nós.”
Tobias e o Direito
31
O Legado de Tobias
NOTAS
33
(7) Memória Histórica Acadêmica, 1861, pelo professor João
Capistrano Bandeira de Melo Filho, Recife, 1862.
34
(16) A Faculdade de Direito do Recife está reunindo, em estantes
separadas, as obras de autores alemães que pertenceram à biblioteca
pessoal de Tobias Barreto. São mais de 200 volumes, muitos dos
quais foram citados por Vamireh Chacon em Da Escola do Recife
ao Código Civil. Organização Simões, Rio de Janeiro, 1969, e em
artigo do mesmo autor, na Revista Acadêmica da Faculdade de
Direito do Recife, LXVII, 1971.
35
monistas, e seus líderes, como principalmente Er nest Haeckel e
Ludwig Noiré, sublimando a essência doutrinária do conteúdo do
termo. O Monismo não era um eufemismo vazio, mas uma
afirmação categórica dos que escapando das rédeas do controle
clerical abraçavam o materialismo científico, como o fez, com
clareza, Tobias, seguido por Fausto Cardoso. A concepção
materialista explica, de algum modo, o fato de o fundador da Escola
do Recife ter passado ao largo das discussões sobre a Bíublia, de
fundo protestante, e sobre a Questão Religiosa, de fundo maçônico.
36
(28) A Escola do Recife, Nelson Saldanha, 2ª edição, Editora
Convívio/INL/Fundação Pró-Memória, 1985.
37
NOTAS COMPLEMENTARES ÀS POLÊMICAS
SOBRE RELIGIÃO
44
TOBIAS BARRETO E
A CRÍTICA
45
Toda a obra de Tobias Barreto é de crítica, ainda
quando, ao modo de Kant, formula teorias, indica
caminhos, questiona roteiros estéticos, ou valores
éticos, ou ainda compromissos ideológicos. O manejo da
crítica em toda a obra tobiática equivale ao efeito
caleidoscópico da sua coerência como um bom juiz de
valores, um perspicaz observador diante das expe -
riências, com capacidade para distinguir uma das outras,
e um experimentador ousado, atributos que combinam
com a idéia das qualificações do crítico, segundo J. A.
Richards. (1 )
Na poesia, entendendo-a como a “expressão das
lutas da alma humana”, o autor de Dias e Noites agitou
as massas nordestinas no Recife, fazendo -se poeta do
povo. A sua obra poética está repleta de pr ofecias, de
denúncias e de crítica. Nos jornais, anos mais tarde, é
crítico de religião, tomando partido no Iluminismo
alemão – o Aufklarung – que produzira dois eminentes
vultos que passam a freqüentar os escritos de Tobias nos
jornais pernambucanos: Immanuel Kant e Gotthold
Lessing, pondo em evidência o poder da razão humana.
Tão forte e entranhada é a sua crítica que a série de
artigos Ensaio de Pré-história de Literatura Clássica
Alemã pode ser enquadrada nos limites da apreciação
literária, ou como exegese que faz aflorar questões
religiosas. (2 ) Da crítica de religião à filosofia, e desta ao
direito, e deste à organização da sociedade, cresce o
intérprete do seu tempo, buscando a estatura do seu
século.
46
Não deve causar surpresa, portanto, que em sua
maioria os escritos de Tobias Barreto sejam de crítica.
Sejam recensões, no sentido típico da palavra,
anunciando a obra ou o espetáculo, discutindo o assunto
e fazendo a apreciação dos seus méritos e defeitos.
Sejam as animadversões, com suas censuras. Sejam
ainda, como ele próprio o diz, “quase sempre um
trabalho, não por assim dizer de fisiologia, mas de
anatomia literária”, (3 ) considerando a crítica como um
estudo de cadáveres. Este tom de sarcasmo, comum em
Tobias, remete ao fato comum de que a crítica, n a
literatura brasileira, tem uma função post-mortem. O
trabalho do crítico se confunde, então, com o de um
arqueólogo, em permanente investigação do passado.
Não raro, a crítica literária tem sido produzida a
posteriori, já na distância do tempo entre a obra e o
público. Por outro lado, há uma crítica geralmente feita
pelos próprios criadores, abrindo caminho à compre -
ensão das obras literárias. Assim foi com o Modernismo
de 1922, com a Geração de 45, com o Concretismo, de
1956, e com o Poema-Processo, em 1965. A crítica
revelou-se desaparelhada para compreender o sentido
renovador da estética nova dos modernistas, dos
concretistas e de outros grupos da vanguarda literária do
País. O Brasil guarda os textos históricos, manifestos e
ensaios, produzidos pelos poetas, e ao mesmo tempo
críticos, dos movimentos, muitos dos quais se tornaram
também intérpretes da vida literária do País, como os
Mário de Andrade, Augusto e Haroldo de Campos,
Décio Pignatari, Wladimir Dias Pino.
47
Tobias Barreto foi um crítico do seu t empo, como
tinha sido um poeta engajado nas lutas da sua fase
estudantil. Combateu o ars gratia artis que animava a
muitos escritores do século, e estabeleceu uma longa
discussão entre o romantismo, de França e Portugal, e o
germanismo. Esse debate, presente em toda a obra
crítica do pensador sergipano, é a chave da melhor
compreensão das posições assumidas pelo fundador e
pelos integrantes da Escola do Recife, uma espécie
mesmo de marca registrada, que se constituiu na mais
renovadora contribuição ao pensamento brasileiro, na
segunda metade do século passado e que levou Graça
Aranha, um dos modernistas, a declarar que Tobias
emancipou, intelectualmente, o Brasil. (4)
Não ficou assunto, ainda que fosse árido, que não
merecesse uma abordagem crítica por parte de Tobias
Barreto, nos jornais recifenses, nos seus pequenos
periódicos de Escada, ou nas preleções e discursos,
transformados em veículos de vulgarização cultura. Até
mesmo sua passagem pela Assembléia Provincial, como
deputado liberal, serviu para informar aos seus pares das
suas leituras científicas sobre a mulher. O poder crítico
de Tobias é algo que ainda falta ser dimensionado,
porque a leitura de sua obra sempre revela ângulos
novos, informações e contribuições singulares, apre -
ciações originais, que dão grandeza ao ofício jor-
nalístico do trato recensor.
É possível, então, levantar-se o itinerário do
pensamento brasileiro, na segunda metade do século
assado, a partir da obra de Tobias Barreto. Não apenas
48
naquilo que ele operou de transformação, a par tir dos
seus contatos com autores alemães e com a própria
língua de Kant, mas também na fixação das idéias
dominantes, dentro e fora da velha Faculdade de Direito
do Recife, que foram objeto da crítica tobiática. Mais
importante se torna esse inventário intelectual, quando
se sabe, com certeza, que a discussão ditou dois corpos
distintos em peleja: o dos professores, intelectuais de
formação religiosa, tradicionalistas, ultramontanos, de
um lado, e a mocidade, formada por estudantes,
jornalistas, maçons, liberais, do outro. Tobias é a grande
figura que desfralda aos ventos nordestinos do Recife a
bandeira dos novos tempos, com a essência das novas
idéias, que espalharam rápido as teorias européias,
principalmente alemãs, da ciência, em oposição aos
dogmas e compromissos da fé.
Como escritor e como crítico Tobias fundava suas
convicções no avanço da ciência e da arte, como asas do
espírito humano. Circunscrevendo o seu entendimento, a
filosofia prima entre as ciências e a poesia entre as
artes. Daí sua crença de que os poetas e os sábios devem
ser iguais. No âmbito menor da discussão, Tobias chega
a afirmar que os padres são, em geral, inimigos da
poesia, porque eles gostam do culto da morte, enquanto
a poesia é liberdade e liberdade é vida. Na projeção
maior, ideológica, Tobias Barreto chega a citar, em
1872, diversos exemplos das mudanças sociais e po -
lít icas da Europa, graças ao poder dos romances que
propagaram, por exemplo, as idéias anarquistas. Na
esteira da mesma discussão, lembra que a França
49
moderna possuía um idioma compacto, resultado da
autoridade e da concentração literária, ao lado da
autoridade e da concentração política, que dificultava a
expressão intelectual, de criação, para ele comum na
Alemanha, onde o “ato de escrever é sempre, mais ou
menos, um ato criador.”
Em 1875, passando uma vista ampla e demolidora
por sobre a vida intelectual brasileira, pugna por uma
“Internacional de Crítica”, citando, pela primeira vez,
Karl Marx. (5 ) Seu trabalho mereceu forte reação por
parte de Albino Meira, na revista Culto às Letras.
Tobias Barreto reduziu a reação de Albino Meira a duas
ou três páginas de resposta, mas acompanhou com todo
o interesse a polêmica entre Sílvio Romero, que então se
assinava Sílvio da Silveira Ramos, e o redator do Culto
às Letras. Essa não fora a única fonte das discórdias de
Tobias Barreto no mundo cultural pernambucano. Suas
críticas a Alexandre Herculano e a outros autores
portugueses, aos tomistas e neotomistas, tiveram o
mesmo efeito provocador que os seus estudos alemães,
publicados a partir de 1874 no jornal escadense Um
Signal dos Tempos.
Para Tobias a “Internacional de Crítica” deveria
ser uma espécie de fórum, de espíritos cultos e
independentes, ao qual seriam submetidas “todas as
obras frívolas, que têm firmado a reputação de certos
vultos em Portugal e Brasil.” Para ele, os escritos que
fossem publicados deviam ser enviados para análise
imparcial dos homens competentes, onde receberiam o
placet ou o não presta. Arremata Tobias: “Destarte, à
50
face do mundo inteiro, e sem abalos de ordem alguma,
poríamos fogo no castelo feudal de um Alexandre
Herculano; deitaríamos por terra a vila senhoril de um
José de Alencar, e tantos outros enfatuados de uma
nomeada toda local...” (6 )
Com a crítica e pela crítica Tobias Barreto
marcou sua presença na luta intelectual que travou em
Pernambuco, de 1862 a 1889, deixando em todos os seus
escritos o traço inquieto do investigador, do intérprete,
do pensador, revelando e abrindo caminhos ao futuro.
A Licenciatura
51
A vastidão do quadro literário, segundo a
aprendizagem alemã de Tobias Barreto, explica seus
vôos de longo alcance sobre obras e autores que
trataram de Religião, como Ewald, de Filosofia, como
Kant, de Educação, como Frederico Diesterweg, de
Cultura, como Júlio Froebel, de Psicologia, como
Eduardo von Hartmann, de Economia Política, como
Karl Marx, de Antropologia, como Hermann Post, de
Direito, como Rudolf Von Jhering, de Psicologia
Feminina, como Adolfo Jellinck, e de tantos e tantos
outros temas que interessaram e moveram a sua
curiosidade crítica. Está, portanto, decodificado o facho
luminoso que Tobias lançou sobre o seu tempo e seus
contemporâneos: o amplo espectro da sua crítica,
correspondente ao corpus cultural objeto do seu
interesse.
Vocacionado para a crítica, menospreza o livro de
Ferdinand Wolf (9 ) e não poupa, sequer, seu amigo,
conterrâneo, e parceiro Sílvio Romero, quando publica a
História da Literatura Brasileira. (10) A obra de crítica
literária de Tobias supera, em muito, as informações e
inventários de época, ainda que alguns, como o próprio
livro de Sílvio Romero, preencham lacunas na
bibliografia brasileira. Não causa espécie, por isso
mesmo, que os críticos brasileiros e portugueses,
lançando os olhos sobre a literatura, isolem Tobias,
negando-lhe as qualidades de escritor e de filósofo. O
Brasil Mental, de Bruno, (11 ) é um exemplo que
proliferou, lá e cá, como uma posição sobre o mulato
sergipano. Ainda que tenha testemunhado, apaixo -
52
nadamente, sobre a genialidade de Tobias, Sílvio
Romero faz menor a poética condoreira, divide a
primazia do germanismo, e assume posturas de outras
escolas, contradizendo a evolução intelectual do mestre.
Mais que isto, Sílvio faz de Tobias, não raro, um
escudo, com o qual enfrenta as rivalidades fluminenses.
Assim, torna-se comum ao historiador da literatura, ao
apresentar Tobias Barreto aos leitores, diminuir o valor
de outros poetas e escritores, criando dificuldades para
o seu apresentado. Isto é visível na apreciação feita pelo
poeta Luiz Delfino do livro Dias e Noites, em sua
primeira edição, de 1881. No longo artigo o poeta se
ocupa de rebater as afirmações de Sílvio Romero,
terminando por julgar, de forma apressada, a obra em
versos de Tobias que deveria ser o objeto da crítica.
Sílvio Romero chega ao cúmulo de inserir, nos textos de
Tobias, citações de nomes de forma desfavorável, como
ocorreu num dos artigos do ensaio O Atraso da Filosofia
entre Nós. (12 )
Tanto a amplitude dada à literatura, em sua
crítica, por Tobias Barreto, quanto sua disposição de
brigar pelas verdades que defendia, e mais a atitude
partidária de Sílvio Romero, devem ter concorrido para
que a obra do mestre não merecesse, no inventário da
história e da crítica literária, o juízo justo, o exame
correto. Fala-se mais de Tobias por ouvir dizer, do que
mesmo pelo conhecimento de seus textos, todos eles de
reflexão, por circunstanciais que possam parecer. Pois
essa é uma característica permanente na obra de Tobias:
a reflexão.
53
Conceituando de forma larga e refletindo sobre
suas leituras, To bias construiu um monumento de
crítica, valendo-se da ferramenta contundente que, de
cedo, preferiu para o trabalho intelectual: o ger -
manismo. Com ele, penetra seu olhar agudo por sobre
várias literaturas, comparando-as, identificando raízes e
arquétipos, formas e compromissos. É pioneiro em
estudos comparados, acreditando que “segundo o plano
da história, que muitos chamariam de a economia
providencial do universo, todo o povo que progride e se
desenvolve tem uma dupla missão: ima interna e outra
externa; uma volvida para si mesmo e outra para os
demais povos.” (13 ) Daí a literatura ter, no seu entender,
caráter universalizante. Apoiado em George Brandes,
aprecia, comparativamente, as literaturas da França, da
Itália e da Alemanha, tendo esta última como uma
espécie de modelo. Será a primeira vez, no Brasil, que
os estudos literários ganham um método, o comparativo.
Com ele Tobias sente firmeza para explorar, com seu
agudo espírito crítico, todo o campo intelectual.
Citando Henrique Klenke, para quem os povo s
são divididos em três grupos – os solares, os
planetários, e os de transição – Tobias Barreto não
hesita em colocar o Brasil na terceira categoria, a da
transição, diferenciando os brasileiros dos povos
planetários, os do lado noturno da humanidade, e do s
solares, os do lado “diurno”. A transição é o lado
“crepuscular” da humanidade, valendo para os povos
que se levantam ou que decaem. Tal divisão, insólita no
âmbito dos estudos literários, retorna hoje ao interesse
54
da ciência política, quando história e memória se
contrapõem, trabalho e lazer criam éticas diversas, e a
humanidade assiste à agonia dos sistemas liberal e
socialista, segundo Octavio Paz as duas grandes
heranças da modernidade ocidental. (14 ) Também sobre
esse enfoque, Tobias avançou com sua intuição genial,
antecipando-se a discutir referências fundamentais que o
desenvolvimento dos povos constrói e que servem de
contato para a humanidade.
A adesão de Tobias Barreto ao estudo da
literatura comparada supera a visão interna da produção
literária do Brasil. Sem dúvida ele intuiu sobre as
migrações dos autores, bafejados pelo Poder, que por
sua vez deriva da prosperidade econômica. No Brasil é
fácil cartografar a evolução literária, na mesma escala
em que ocorrem os surtos do progresso econômico.
Assim, a poesia de Bento Teixeira, louvatória e de
circunstância – a Prosopopéia – reflete o bom sucesso
econômico da Capitania de Pernambuco, que explorava
todas as riquezas do Norte do Brasil. O barroco baiano
cuja oralidade produziu Gregório de Matos, re sponderia,
nas letras, ao florescimento da Capitania da Bahia,
ampliada com a incorporação das terras vizinhas, de
Ilhéus, Porto Seguro, Sergipe d’El Rey. A descoberta
das minas auríferas das gerais explica, com certeza, o
Arcadismo dos Gonzaga, Costa e Pe ixoto. A con-
centração do Poder, no Rio de Janeiro, com a chegada
da família Real portuguesa, dá nova dimensão e cen-
traliza a literatura brasileira, sedimentando uma hege -
monia que não apenas serve para abafar a reação
55
nordestina, como entra no século XX devastando os
focos regionais de cultura. Não é sem razão, portanto,
que Tobias Barreto chega a aludir, na sua intenção de
criar uma ”Internacional de Crítica”, fazendo uma
liquidação itinerária, exaltando o mérito, só o mérito
real, “sem manejos diplomáticos e ridículas mis-
tificações.” (15 )
Como crítico, Tobias Barreto inicia uma tradição
sergipana de intérpretes da obra literária, que passa por
Sílvio Romero, João Ribeiro, Laudelino Freire, Liberato
Bitencourt, Mário Cabral, e mais recentemente Jackson
da Silva Lima. (16)
A Arte
62
Diante das óperas de Carlos Gomes, o crítico
parece sentir a falta do velho Lied alemão, numa de suas
três categorias: o Volkslied, verdadeiramente popular,
folclórico até, seja lírico ou dançante, o Volkstumliches
Lied, de criação original, mas concebido e realizado à
maneira dos cantos populares, e o Kunstlied, ou Lied
artístico, com preocupações eruditas, ainda que não
interfira nas origens populares. (21 )
Em 1884, numa de suas últimas apresentações de
crítica, lamenta a falta de gosto pelo drama, escrevendo
o artigo de fundo de um pequeno jornal – Arte
Dramática (22 ) – prometendo seriar suas observações,
ainda que reconhecesse, com Honegger, que a história
do teatro era, naquele momento, a história da
decadência. Parecia compor, como crítico musical, sua
última profecia.
NOTAS
63
(5) O artigo “Socialismo e Literatura”, escrito em novembro de
1874, foi publicado em 1875, na primeira edição dos Ensaios e
Estudos de Filosofia e Crítica.
64
o Liberalismo e o Socialismo, se enfrentam em seu próprio esgo -
tamento ao haver perdido de vista suas referências fundamentais.”
65
TOBIAS BARRETO E
66
Ao organizar o Clube Popular Escadense, em
1877, realizando um anseio que desde 1874 impul-
sionava o seu espírito, Tobias Barreto dava um pa sso
consciente para realçar o seu papel de intelectual na
pequena vila de Escada. O clube era um outro estágio de
uma mesma luta iniciada em 1872, quando pela primeira
vez apela ao público para buscar reforço de opinião a
propósito de questão jurídica em q ue funcionara como
Curador Geral dos Órfãos. Ao instalar sua própria
tipografia – a Comercial – e editar o seu primeiro jornal
– Um Signal dos Tempos – aprofunda sua participação,
desdobrada, em diversas outras pequenas folhas,
veículos de críticas, de denúncias, mas também de
reflexão e difusão cultural. Nas três dimensões – a do
Curador que faz de uma injustiça contra órfãos razão de
protesto e de luta; a do jornalista que estabelece
diretamente com o povo o contato da informação
verdadeira; e a do intelectual que cria o lugar de reunião
para tratar dos problemas comuns da comunidade
escadense – Tobias Barreto firma o compromisso que
não é como o da classe econômica “porque a sua vida se
limita a uma luta pelo capital, e nada tem a ver com as
nossas lutas pelo direito.” (1)
Um Discurso em Mangas de Camisa pronunciado
na segunda reunião do Clube Popular Escadense (2) é um
manifesto de natureza política que encerra algumas das
teorias abraçadas por Tobias Barreto. Teorias que não se
67
filiavam à “lei da natureza”, de que tratou Locke, (3 ) mas
que permitiam exercer o poder de influir, como mais
instruído, sobre os menos instruídos, como ensinara o
também inglês Stuart Mill. (4 ) Tobias, contudo, não se
proclamava um salvador do povo; ao contrário, dava ao
povo a oportunidade de salvar-se, através da formação
da consciência do próprio valor, como está explicitado
no célebre discurso.A luta pelo direito que Tobias
Barreto deflagrou em Escada projetou-se nos seus
estudos jurídicos, quando do seu retorno ao Recife, no
seu ingresso, como lente, na Faculdade de Direito e em
seus ensinamentos reformistas. Diz ele: “Desde que na
idéia do direito entrou a idéia de luta, desde que o
direito nos aparece não mais como um presente do céu,
porém como um resultado de combate, como uma
conquista, caiu por terra a intuição de um direito
natural.” (5) Uma luta permanente, cujo lampejo final é a
proteção à sua própria memória, que encerrava a
proteção à sua reputação de homem de idéias próprias,
com as quais renovou o pensamento brasileiro, algo
como o direito à imagem, como está em sua
correspondência com Sílvio Romero: “Peço -lhe uma
coisa: se eu morrer, salve a minha memória das garras
dos tratantes.” (6 )
A luta pelo direito acabou sendo mais forte que a
inaptidão para a profissão de advogado, manifestada
pelo próprio Tobias. Uma espécie de sublimação,
alimentada pelo apetite voraz com que tomava contato
com a efervescência das idéias, especialmente aquelas
originárias da Europa alemã. Não falta razão a Jackson
68
da Silva Lima, quando, ao estudar a participação forense
de Tobias Barreto, diz que sua falta de vocação “não
implica dizer que o sergipano tenha sido um desleixado
no patrocínio das causas ajuizadas. Muito pelo
contrário: conduziu-as com afinco, dignidade profis-
sional, consciente da responsabilidade assumida, mesmo
quando designado como curador dos interesses de
incapazes, miseráveis na forma da lei, sobretudo
escravos.” (7) Na verdade, pouca diferença havia entre os
“incapazes, miseráveis na forma da lei” e a quase
totalidade da população de Escada, da qual Tobias se faz
tutor intelectual, no melhor sentido da palavra.
De um lado, Escada apresentava, segundo o
próprio Tobias, um quadro social de extrema carência:
90% de necessitados, quase indigentes; 8% dos que
vivem sofrivelmente; 1,5% dos que vivem bem; e 0,5%
dos ricos, em relação aos demais. (8) De outro lado,
Escada parecia, aos olhos do jovem bacharel, o covil das
“três desgraças” de que mais tarde se ocupou Lourenço
Moreira Lima, Secretário da Coluna Invicta, que varou o
Brasil na década de 20: “O chefe político, um coronelão
boçal que furta as rendas do município, o juiz a serviço
dos fazendeiros, e o delegado venal e subserviente.” (9) A
rigor, para pelejar com essa realidade em suas duas
faces, Tobias Barreto contava apenas com o poder da
palavra, em sua mais precisa investidura profética, como
guia do povo, na arbitragem do destino coletivo dos
escadenses.
A sociedade escadense onde Tobias funcionava
com sua palavra de advogado, de curador, de juiz
69
substituto, de jornalista e de escritor era escrava ou
subalterna em suas classes, manejadas pelos cordões dos
120 senhores de engenho, travestido de chefes políticos
conservadores e liberais. Toda e qualquer conquista dos
dominados impunha, necessariamente, a cessão de
direito, por parte da classe dominante. Sim, porque não
havendo no Brasil uma Poor Law, (10 ) como em outros
países, os pobres têm sido apenas bafejados com
melhorias de natureza quase sempre clientelista e de
interesse eleitoreiro. A evolução dos direitos entre os
pobres segue, mais ou menos, a mesma trajetória que foi
seguida em relação aos escravos: lenta e gradual. Os
direitos políticos foram secundariamente tratados e não
raros apareceram como favores, como benefícios
paternalistas, do que como resultado de luta, trofé u
conquistado na liça, como quis Tobias Barreto.
A Cidadania
70
econômico e segurança, ao direito de participar, por
completo, na herança social.” (11 )
Tobias tinha a nítida convicção de que o direito
era como algo distante do povo, e que faltava alguma
coisa em favor dos cidadãos escadenses, para neutralizar
as desigualdades das classes. Seu papel foi de um
combatente, desbravando o campo tímido, medroso, do
frágil corpo social daquele lugar pernambucano,
exemplo, em micro, de um quadro comum no Brasil do
Nordeste, que o tempo sequer alterou signifi cati-
vamente. De fato, não havia a parte civil da cidadania,
por faltar a liberdade individual. Não havia, de igual
modo, a parte política, porque o povo – ainda que
aquela porção indefinida, formada ao lado da nobreza e
do clero, ou a plebi, como queria o Bispo Cardozo
Ayres, citado por Tobias no Discurso (12) – não tinha
qualquer forma de participação no poder político ali
formado. Nem havia, também, parte social, produto de
um legado social, posto que este também era inexistente.
Pela sua oportunidade, mesmo tendo sido escrito
de 1870, vale repetir o que disse Tobias Barreto no
artigo de fundo de A Crença: “Se houver a imprudência
de aí erguer-se um brinde à liberdade de consciência, o
Brasil não o poderá acompanhar, porque mantém em si a
escravidão religiosa; se um brinde à liberdade natural ou
civil, o não poderá satisfazer, porque tem o escravo; se
um brinde à liberdade política, o não poderá satisfazer,
porque não tem o cidadão.” (13) Tal escrito pode servir de
marco teórico da luta do sergipano em favor da cida -
dania do brasileiro, evidentemente nos limites geo -
71
gráficos de sua atuação imediata, ainda que tenha
havido repercussão de suas prédicas em várias partes do
país, especialmente no Maranhão, Ceará e Bahia, onde
seus textos eram objeto de discussão, muito parti-
cularmente A Idéia do Direito, discurso de paraninfia,
pronunciado em abril de 1883, que gerou a polêmica
com os padres do jornal maranhense Civilização, (14 ) e
Menores e Loucos em Direito Criminal, de 1884,
assunto de debate no Clube Literário de Fortaleza, sob a
liderança intelectual de Júlio César. (1 5)
É também de 1870 a frase: “O cidadão é a forma
social do homem, como o Estado é a forma social do
povo”, que roteiriza uma visão penetrant e da realidade,
tanto no sentido de revelar, em diagnóstico, seu estágio
de carência, dependência e subalternidade, quanto no
sentido de esboçar uma saída, por mais romântica que
seja, como a que proclamou ao findar seu Discurso
perante os assistentes do Clube Popular Escadense: “...
Mas tem o intuito de incutir no povo desta localidade
um mais vivo sentimento do seu valor, de despertar -lhe
a indignação contra os opressores e o entusiasmo pelos
oprimidos. E há momentos – já disse com razão alguém
– há momentos em que o entusiasmo também tem o
direito de resolver questões.” (16 )
Ao longo de sua permanência em Escada, Tobias
fez crescer a sua participação, com o mesmo ideário. A
sua coerência, tantas vezes salientada quando se declara
da sua evolução mental de crítico – social, político, da
religião, da filosofia, do direito, da literatura e da arte
em geral – aparece igualmente no campo da militância
72
como teórico da organização da sociedade. A construção
da cidadania é uma referência permanente na ação
tobiática. Daí sua importância no contexto de sua obra,
como momento existencial rico, e de certo modo
deixado ao largo pelos seus biógrafos. Não causa
estranheza, portanto, que haja simetria perfeita entre a
atividade forense e a propaganda jornalística da sua
pequena tipografia, ou entre seus artigos contra juízes,
promotores, delegados, autoridades do poder e seus
discursos de arregimentação popular, ou ainda entre
seus despachos, na eventualidade dos cargos, com seus
pronunciamentos do deputado provincial, ou, por fim,
entre as suas novas concepções do direito e a alforria
que impunha, solenemente, aos escravos dos demais
herdeiros do seu sogro. A coerência é traço funda-
mental, marcante, que singulariza a vida e a obra de
Tobias Barreto de Menezes.
Há, embutida na cronologia da presença de
Tobias Barreto em Escada uma clara ação que leva ao
edifício da cidadania, quase como uma obstinada luta,
sob todos os aspectos desigual, travada com os
mandatários da localidade. Em 1879, após o exercício
de mandato como deputado, perdeu a indicação à
reeleição, como punição pelas suas atitudes de crítico do
Governo Liberal instalado na Província de Pernambuco.
Eleito vereador, em 1880, tem contra si o fato de
renunciar ao mandato, aceitando uma suplência de Juiz
Municipal. Seu gesto leva o chefe liberal escadense,
Antônio dos Santos Pontual, o Barão de Frexeiras, a
pedir, em carta ao senador Luiz Felipe, a retirada de
73
Tobias de Escada, nem que seja para “uma destas
diretorias de colônias alemãs que tem o Brasil, pois
sendo possível arrumar-se isto, ou mesmo outro
qualquer emprego, será um serviço que V. Exa. prestará
à Escada, de uma importância extraordinária para a paz
da localidade, além do partido.” (17 )
Em 1880, ainda, foi enquadrado em crime de
imprensa; Tobias levantou o povo em sua defesa. Como
acontecera nas ruas do Recife, na década de 60, quando
era o poeta e o orador do povo, ou a tribuna da
Assembléia, quando as galerias exultavam com sua
presença e oratória, também em Escada o povo
acompanhava Tobias nas audiências. Em 12 de abril de
1880 testemunha o escrivão Antônio Joaquim Machado,
em informação prestada ao juiz, que na ocasião da
defesa do seu constituinte Manoel Francisco de Barros,
“Tobias Barreto foi calorosamente aplaudido por muita
gente que se achava presente.” Disse ainda o escrivão
que “seguiram-se mais duas audiências, com grande
número de pessoas. Na ocasião em que o dr. Tobias
censurava o procedimento do juiz e da parte, apareceram
alguns murmúrios aprobatórios.” Na mesma data, em
Certidão, oficial e porteiro do juiz, Manoel Tomaz de
Albuquerque diz que “as audiências do Juiz Municipal
têm sido mais ou menos tumultuadas, isto porque o
senhor doutor Tobias Barreto de Menezes, tendo de
estabelecer sua defesa em processo por uso indevido da
imprensa está sendo instaurado por denúncia do doutor
Promotor Público, tem sido acompanhado à casa das
audiências por crescido número de pessoas que por
74
gestos, palavras e aplausos tem interrompido as
audiências.” (1 8)
A longa lista de registros oficialmente dirigidos
ao juiz sobre a popularidade de Tobias Barreto se
completa com a reclamação que o próprio Juiz Jerônimo
Materno Pereira de Carvalho dirigiu ao Presidente da
Província, Franklin Dória, de que “aquele bacharel,
confiado no grupo de adeptos que o cerca, leva o
tumulto e a desordem às audiências, procurando conver -
tê-las em praças públicas, para exaltação dos ânimos
com o fito de erguer opinião contra as autoridades
judiciais da Comarca, de quem se tem tornado gratuito
desafeto, no que infelizmente vai mais ou me nos en-
contrando imitadores.” Mais adiante, na mesma re -
clamação, o Juiz Materno arremata: “Venho, pois, com o
exposto, em nome da lei rogar a V. Exa. que se digne
de providenciar nos sentido de ser garantida a este juízo
a livre administração da justiça, manutenção da ordem e
princípio da autoridade sempre que como nas audiência
as que falo, se procure subvertê-las aos caprichos e
desvairadas pretensões.” (19 )
O juiz de Escada chega a requisitar forças
policiais para garantir as audiências, no que foi aten dido
com 24 praças do 14º Batalhão de Linha, comandados
por um oficial. Tobias não se intimida, prossegue com
sua atividade, até que tem, em 1881, sua casa cercada.
Ameaçado, ofendido, pega em armas e faz sua defesa,
conforme relata o Juiz José Brandão da Rocha: “Cercada
a casa do doutor Tobias Barreto de Menezes, onde se
achavam os escravos e foram apreendidos, depois de
75
muita resistência por parte do mesmo dr. Tobias. (20 ) No
final do seu ofício, reportando-se ao artigo de Tobias no
Jornal do Recife, denunciando a agressão, o juiz diz que
o sergipano tinha o “fim de chamar a odiosidade pública
contra as autoridades.”
Uma luta levada, verdadeiramente, ao extremo da
participação. A presença de pessoas – e nelas descobre-
se a função de face, como queriam os gregos, e não de
disfarce, como fizeram prevalecer os romanos – indica,
claramente, que o discurso do agitador social encontrou
guarida em Escada. Ali onde estava mais obviamente
explicitado que “o povo brasileiro não se constituiu, foi
constituído”, (21 ) ali onde era notória a diferença entre
uma e outra situação, Tobias operara a ação evange -
lizadora que anunciara em 1876: “Nós cremos na so -
berania do povo. Ele há de despertar.” (22 )
A Opinião Pública
76
atinge apenas as partes, mas também a quem as
representa.
Em 3 de junho de 1872, assinando escrito no
Jornal do recife, começa por dizer: “Apelo para o
público – tal foi a idéia que primeiro me ocorreu,
quando vi ultimamente praticada uma injustiça notável,
e da qual não deixei de ser também atingido.” Na sua
exposição, Tobias conta aos leitores os detalhes do
feito, fazendo como que transbordar para o conhe -
cimento público o direito contido nos autos. Com isso
estabelece uma relação de advogado com a sociedade,
induzindo a que esta seja também fiscal da admi-
nistração da justiça.
A busca da solidariedade social intui sobre a
noção de que o saber não pode ser privativo de um
pequeno grupo, ainda mesmo quando a função do
intelectual pressupõe a hegemonia do mais ilustrado.
Assinando os seus escritos ou simulando -os, como fez
no mesmo jornal e data, Tobias pratica na sutileza da
identificação um jogo que iria ser característica per -
manente de sua personalidade como crítico. Para ele
valia aparecer por completo, ou protegido por pseu -
dônimos como “Um Importuno”, “O Advog ado Quei-
xoso”, e tantos outros utilizados em sua esgrima
intelectual, principalmente contra a justiça e contra os
políticos e seus partidos. O fundamental, para Tobias,
era o respeito ao direito, pois nele estava resguardado o
avanço do corpo social que o produzia, a despeito de
todas as adversidades.
77
No mesmo escrito em 1872, depois de levar o juiz
ao ridículo, que era uma de suas formas de luta,
assevera que aquela autoridade cometera dois erros: o da
sua decisão e o de pensar que ele era de bom acomodar .
Realmente, nada faz com que Tobias se acomode em sua
luta permanente pelo direito. Seguidor de Kant, vive a
fazer uso público da própria razão, em todos os campos.
Tomando para si a tarefa de esclarecer o povo sobre os
seus direitos, podia muito bem repetir as palavras de
Cícero: “Unus sustineo tres personas – Mei, Adversarii
et Judicis” (Eu me constituo em três pessoas: a minha
própria, meus adversários e os juízes). (23 )
Na sua luta, Tobias queria mais do que o mero
juízo de valores, queria que a opinião pública criasse
juízo de fato, fruto do entendimento do direito, que ele,
com esforço, tornava ao alcance de todos. Ele não
queria a administração da justiça nas mãos exclusivas do
Juiz e do Promotor. Queria o povo ciente do andamento
e das decisões do processo. Essa é a sua linha, por ela
respondeu a processo por crime de imprensa, e nela
baseou sua mais clara e moderna concepção de direito,
como “processo de adaptação das ações humanas à
ordem pública, ao bem-estar da comunhão política, ao
desenvolvimento geral da sociedade.” (24)
Ora, a opinião pública nasce no debate e tem
como objeto a coisa pública, logo pressupõe uma
sociedade livre, articulada, separada ou distinta do
Estado. Foi essa, na verdade, a grande contradição
enfrentada por Tobias Barreto ao professar teses
antecipadoras, num ambiente que lhe negava o mais
78
comezinho princípio de liberdade política. Na sua
formulação de uma opinião pública que tomasse
conhecimento dos feitos forenses de Escada ele requeria
liberdade de expressão, pela imprensa, que exerceu,
diga-se de passagem, em toda a plenitude possível,
graças à coração que teve de fundar e redigir jornais,
graças ao apoio que mereceu de companheiros de
geração e de ideário. A prova positiva da relação
opinião pública/liberdade de imprensa foi o enqua-
dramento em crime de imprensa, em Escada, quando
escapou, camuflado nas próprias malhas da lei, que não
considerava jornal as publicações cuja circulação era
restrita a poucos exemplares. Nem uma nem duas vezes
apenas Tobias se valeu das brechas da lei para fustigar
as autoridades escadenses. Em 1876, com Copo em
Punho, radiografou personalidades, sem reação jurídica,
salvo em depoimentos sem valor, que mencionava o
avulso. (25 )
Nos seus escritos estão os melhores testemunhos
de sua atuação. E à medida que mais escritos chegam ao
conhecimento público, mais ainda se mostra agigantada
a figura do crítico social, que na tentativa de passar o
Brasil a limpo foi também um crítico dos costumes, um
implacável gestor daquilo que mais tarde foi iden -
tificado como interesse público. Munido da verdade que
julgava possuir, Tobias Barreto arquitetou para o Brasil
uma sociedade organizada a partir do interesse dos
próprios brasileiros, tendo a liberdade como fundamento
da ordem, tendo o direito como uma conquista cultural,
formando o cidadão, no micromundo da comunidade, e a
79
opinião pública, na universalização dos mesmos
conceitos emancipadores. Sua obra pode até não ter sido
concluída, mas são muitos os seus êxitos como
intelectual ativo, conduzindo o processo de evolução
cultural do seu tempo.
NOTAS
80
Tobias Barreto em artigo na Revista do Tribunal de Justiça do
Estado de Sergipe, nº 6, 1984, e no volume de Esparsos e Inéditos
de Tobias Barreto, editado em 1989.
81
copiados dos originais por Luiz Antônio Barreto, foram divulgados
in “Tobias Barreto, um Agitador Social”, Diário de Pernambuco,
20 de novembro de 1987.
82
TOBIAS BARRETO,
A ABOLIÇÃO DA ESCRAVATURA E A
ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE
83
A Dinâmica dos movimentos sociais nem sempre
faz justiça aos que, de muitas formas, deles participam.
É o caso de Tobias Barreto de Menezes, sergipano de
Campos do Rio Real, que estudou Direito na Faculdade
do Recife e se transformou no principal teórico
brasileiro à testa do movimento renovador das idéias
denominado de Escola do Recife, que ainda hoje
repercute no Brasil e em algumas partes do mundo
civilizado. O nome de Tobias Barreto não tem
aparecido, devidamente, no amplo registro que se tem
feito em todo o País por ocasião do Centenário da
Abolição da Escravatura. É preciso reler, revisar e
recontar a história do Brasil para que não sejam
remetidos ao definitivo esquecimento os nomes daqueles
que inovaram, e, de alguma forma, até revolucionaram a
vida nacional brasileira. Tobias Barreto tem assento
destacado entre as figuras que construíram o Brasil
como povo.
O movimento em defesa da liberdade dos negros
escravos pode ser dividido em três fases distintas, cada
uma com sua importância. A primeira delas, emi-
nentemente literária, constou de um engajamento
intelectual principalmente no Nordeste brasileiro, com
ênfase para Pernambuco, tendo como maior expoente o
poeta baiano Castro Alves (1847-1871). Seus poemas
arrebatados de humanidade ecoavam como disparos
destinados a sacudir a consciência escravocrata do -
84
minante. Nos saraus, nas récitas, nas páginas soltas dos
bandos, e nos livros, as vozes poéticas dos primeiros
abolicionistas abriam caminho para uma luta mais ampla
em defesa da liberdade.
A partir de 1879, Joaquim Nabuco detonou uma
movimentação enorme de imediata r epercussão social,
em defesa da liberdade dos cativos. A imprensa passava
a ter, muito mais que antes, o papel da tribuna
permanente da discussão em torno da questão servil e da
abolição da escravatura. Muitos vultos surgiram no
cenário do combate, dentre eles André Rebouças, que
aprofundava o estudo da abolição para desdobrá-la num
projeto de longo alcance, segundo o modelo francês das
fazendas centrais. Ao tempo em que tomava dimensão
nacional a luta, eram criadas as Sociedades aboli-
cionistas, eram fundados os jornais que nas Províncias
sustentavam o fogo, em defesa da liberdade dos negros.
Era a vibração da segunda e mais ruidosa fase do
movimento abolicionista.
A terceira e última fase, voltada para a libertação
dos escravos e para a organização da sociedade pela via
econômica do trabalho livre, tem em Tobias Barreto a
sua maior liderança. E nesta fase, como se verá adiante,
que a campanha abolicionista dilata seu alcance para um
ampla crítica social, através da atuação, algumas vezes
até planfletária, de Tobias Barreto, na tentativa de levar
o povo à consciência da cidadania.
O Nordeste da segunda metade do século passado
era a região pobre, dividida entre os proprietários dos
engenhos de açúcar, os criadores de gado, escravos e
85
agregados, distantes das decisões do Império. Na sua
história estavam ainda vivas as cicatrizes das
insurgências, guardando a ousadia e o heroísmo de
muitos sonhadores de liberdade. Foi em meio a esta
realidade que deslocou-se de Sergipe para Pernambuco o
mulato Tobias Barreto de Menezes, a quem, muito
injustamente, se comete a omissão e o distanciamento da
causa da libertação dos negros. Injustiça, aliás, que vem
de Evaristo de Morais e de outros autores citados e
repetidos, até os dias atuais quando a omissão de alguns
biógrafos alimenta a dúvida e estimula a condenação,
como ocorreu com Medo à Utopia – O Pensamento
Social de Tobias Barreto e Sílvio Romero – de Evaristo
de Morais Filho, um incompleto ensaio que reprisa a
mesma e surrada má vontade expressa anteriormente, em
1977, pelo mesmo autor quando da introdução ao livro A
Questão do Poder Moderador e outros ensaios
brasileiros, da Editora Vozes, organizado por Hildon
Rocha.
A biografia de Tobias Barreto de Menezes, desde
que chegou ao Recife, em 1862, é facilmente resumível.
Nos primeiros anos foi estudante de Direito, professor
particular e jornalista. Nesta época é poeta da escola
hugoana, ou condoreira, ao lado de Castro Alves, José
Jorge de Siqueira e outros, arrebatando as platéias nos
saraus, nos teatros, nas residências, nas praças públicas.
Sua poética está afinada com seu tempo. Os jornais
recifenses guardam seus poemas saudando os Volun -
tários de Pernambuco. Nas suas, se faz orador do povo.
Nos jornais combate o clericalismo em memoráveis
86
polêmicas, enquanto professava a fé liberal através de
uma série de 5 artigos sob o título único de O Homem e
os Princípios. Participa de três concursos – dois para a
cadeira de Latim do Curso Preparatório e um para a
cadeira de Filosofia do Ginásio Provincial. Nos dois
primeiros, concorreu com seu parente Padre Félix
Vasconcelos Barreto, ficando no segundo lugar. No
concurso de Filosofia, concorre com José Soriano de
Souza e apesar de superá-lo nas provas perde o lugar.
Ou seja: ganha, mas não leva. O episódio do concurso
do Ginásio Pernambucano confirma definitivamente, a
antipatia recíproca entre Tobias Barreto e o Clero.
Formado em Direito vai advogar na Comarca de
Vitória, fixando -se no termo de Escada, por motivos de
família. Criada a Comarca de Escada Tobias Barreto se
dedica aos estudos jurídicos, ao mesmo tempo que se
lança ao domínio da língua e da cultura alemã e se fez,
pelos seus pequenos jornais, quase volantes ou bandos
distribuídos nas feiras, teórico da organização da
sociedade. Em Escada Tobias Barreto amadurece a sua
visão de crítico e de pensador, lançador as bases de uma
nova ordem cultural e social. Dois exemplos, mais oque
outros, ilustram esta afirmação: a fundação do Clube
Popular Escadense, com o monumental Discurso em
Mangas de Camisa, no qual utiliza o método estatístico
para sublinhar as mazelas do município e a sua presença
na Assembléia Provincial, como deputado, defendendo
direto novos como aquele em favor da mulher.
De volta ao Recife, Tobias Barreto entra na
última fase criadora de sua vida de intelectual, como
87
professor da Faculdade de Direito e como líder de um
movimento fecundo, de grande repercussão nacional,
conhecido sob a denominação de Escola do Recife.
Pernambuco estabelecia, no Nordeste, o compromisso
engajado da sua Faculdade de Direito, em contr aponto
ao descompromisso da Faculdade de Direito de São
Paulo, onde uma geração de poetas abstraía a realidade
de uma sociedade em formação para intimizar seus
sentimentos e seus perplexidades. Mais uma vez Per -
nambuco evoca para si os vínculos com a nacio nalidade,
com as causas sociais, com o futuro, deste feita tendo à
frente a figura de Tobias Barreto.
Como muitos poetas do seu tempo, Tobias
Barreto também engajou a sua poesia na defesa da
liberdade dos negros. E o fez de três formas: exaltando a
morena, mestiça brasileira, deplorando a escravidão, de
forma explícita, e inflamando as massas em torno das
idéias de liberdade.
Cantando a morenidade,Tobias Barreto toma o
tema em O Beija-flor, de 1860:
89
Ao lado do cântico moreno, Tobias Barreto
explicou sua participação poética na tua abolicionista,
com o poema A Escravidão, de 1868.
92
Nas ruas de Pernambuco, como orador do povo,
Tobias Barreto alimentava o sentimento nacional com
frases assim – “a Pátria somos nós” – dita perante os
Voluntários pernambucanos, de volta da Guerra do
Paraguai.
Mais do que o lastro humanitário dos poetas,
Tobias Barreto impregnava a sua participação de uma
antevisão política, como que a pregar uma campanha
cívica, patriótica, pela mocidade, assim chamados os
estudantes, tanto para libertar os escravos, como para
corrigir “o erro de Deus”. No batente da imprensa
pernambucana, no jornal recifense A Crença, em 1870,
Tobias Barreto patrocina editorias com textos assim:
“Se houver a imprudência de aí erguer-se um brinde à
liberdade de consciência, o Brasil não o poderá
acompanhar, porque mantém em si a escravidão
religiosa; se um brinde à liberdade natural ou civil, o
não poderá satisfazer, porque tem o escravo; se um
brinde à liberdade política, o não poderá satisfazer,
porque não tem o cidadão.” (2 ) Está aí uma temática que
conviveu na variada obra de Tobias Barreto: na
imprensa, nos discursos, nos livros.
Recolhido ao interior, como advogado e mais
tarde Curador dos Órfãos, vereador à Câmara Municipal
de Escada, deputado liberal à Assembléia Provincial de
Pernambuco, e Juiz Municipal Substituto. Em Escada,
Tobias Barreto de Menezes praticou essa tríplice busca:
da liberdade religiosa, da liberdade aos negros e da
organização da sociedade e afirmação do cidadão.
Consciente de que Escada, com seus 120 engenhos
93
ditando sua vida, era uma representação pernambucana,
Tobias Barreto foi um agitador a bradar contra as
formas de injustiça que uniam, não raro, a Igreja, a
justiça e o poder constituído. Para combatê-los, em
todas as frentes, Tobias dispôs de uma tipografia
montada para editar seus jornais, muitos dos quais
distribuía gratuitamente, na feira, com o povo. Um
Signal dos Tempos, 1874, A Comarca de Escada, 1875,
Devaneio Literário, 1875, O Povo de Escada, 1876. O
Escadense, 1877, Aqui para nós, 1877, A Igualdade,
1878, Contra a Hipocrisia, 1879, a revista Estudos
Alemães, 1880, e O Martelo, 1881, eram os veículos de
comunicação direta de Tobias Barreto com o povo
escadense, tratando de uma variedade imensa de
questões, percorrendo um largo espectro do
conhecimento, com o direito, a filosofia, a religião, a
sociologia, a literatura, as artes, mas também as
peculiaridades locais, muitas delas ligadas “as três
desgraças”, mais tarde fixadas por Lourenço Moreira
Lima, Secretário Oficial da Coluna Invicta, no final da
década de 20 deste século: “o chefe político – um
coronelão boçal que furta as rendas do município – o
juiz, a serviço dos fazendeiros e o delegado venal e
subserviente.” (3 )
Está no jornal O Povo de Escada, de 1876, a
frase: “Nós cremos na soberania do povo. Ele há de
despertar.” (4 ) Mais do que a idéia, há a prática. Tobias
Barreto fundou, em 1877, o Clube Popular, pronun-
ciando o célebre Discurso em Mangas de Camisa, que a
imprensa recifense – o Jornal do Recife – publica com
94
destaque no mesmo ano. Nele, traçando um painel da
realidade escadense e pernambucana, Tobias Barreto
conclui: “O Clube Popular Escadense, meus senhores,
não nutre pretensão, que seria ridícula, de vir levantar
um dique de resistência contra a co rrente de tantos
males, cujo ligeiro esboço acabo de fazer, mas tem o
intuito de incutir no povo desta localidade um mais vivo
sentimento de seu valor, de despertar-lhe a indignação
contra os opressores, e o entusiasmo pelos oprimidos. E
há momentos, já disse com razão alguém, em que o
entusiasmo também tem direito de resolver questões.” (5)
Um Discurso em Mangas de Camisa é, ainda hoje, um
notável documento que radiografa, com perfeição, a
realidade nutrida pela açucarocracia pernambucana,
como gostava de nomear, Tobias Barreto, aos coronéis
senhores de engenhos, divididos, artificiosamente, em
liberais e conservadores, alternando-se, sempre, no
Poder.
Não apenas o Clube Popular, mas também a ação
pessoal de Tobias Barreto como advogado pode ser
inserida em sua biografia de agitador social. Em Escada,
nas audiências, o povo era presença constante, locando
as dependências do foro, aplaudindo a cada frase o
orador que defendia uma nova intuição do direito, ao
tempo em que pregava a organização livre da socied ade.
Em 1879, escrevia no seu jornal Contra a Hipocrisia:
“Eu desejo a abolição de todas as instituições caducas,
que são outras tantas afrontas à dignidade do homem;
desejo a extinção de todas as excrescências, de todos os
órgãos rudimentares e deturpantes da sociedade humana.
95
Neste caso está, sem dúvida a escravidão. Porém en -
tendamo-nos: neste caso está também a Monarquia.” (6)
Foi, no entanto, em 1881, ainda em Escada, que Tobias
Barreto tomou mais a sério a sua participação na luta
abolicionista, ao declarar livres os escravos que herdara
do seu sogro, bem assim os demais que pertenciam ao
mesmo inventário e que mereceram dele uma petição,
dirigida ao Juiz, para alforriá-los. Em carta a seu amigo
e conterrâneo Sílvio Romero, Tobias diz: “Não deve
passar desapercebido que eu, reagindo contra o in-
ventariante dos bens do meu sogro, que requerera o
cerco da casa, para apreensão dos escravos do
inventário, que me tinham procurado, alforriei a to -
dos.” (7 ) A atitude foi a gota d’água, pois cercada a casa
pela polícia, tendo a justiça em seu encalço como
incurso por delito de imprensa, Tobias Barreto não teve
outra alternativa, que não a de retornar ao Recife, para
continuar vivo.
A luta de Escada, tão bem referenciada na
imprensa recifense, aponta o confronto entre o advogado
e tantas vezes Curador de Escravos nas audiências da
Comarca e a Justiça, a serviço dos escravocratas. Mais
do que a denúncia do próprio Tobias Barreto, nas cartas
em que relata o cerco à sua casa, aos insultos de Cabra,
de Bode, de Turco dos Diabos e outras ofensas, vale
reproduzir trecho da correspondência dirigida ao então
Presidente da Província de Pernambuco, José Antônio
de Sousza Lima, pelo Juiz Municipal José Brandão da
Rocha. Diz o Juiz: “1º - Que foi expedido o mandado de
apreensão, a requerimento do dr. Samuel Pontual na
96
qualidade de inventariante do espólio do Cel. João Félix
dos Santos; 2º - Que por força do mesmo mandado, foi
cercada a casa do dr. Tobias Barreto de Menezes, onde
se achavam os escravos e foram apreendidos, depois de
muita resistência por parte do mesmo dr. Tobias.” (8 )
Não poderia haver mais exata e nem melhor
certidão do comportamento libertário de Tobias Barreto,
frente aos escravos, do que o documento do Juiz
Municipal. Dr. José Brandão da Rocha não fora o
primeiro Juiz a merecer censura por causa do
envolvimento com os senhores de escravos. Antes dele,
Jerônimo Materno Pereira de Carvalho foi acusado de
proteger alguns senhores de escravos alforriados pelo
Fundo de Emancipação. Tobias Barreto chamava a
atenção, a propósito, para o uso indevido do Fundo de
Emancipação, que geralmente beneficiava ao senhores
mais importantes e de maior poder político, citando o
exemplo de “um escravo já idoso, pertencente ao dr.
Epaminondas de Barros Correia, Vice -Presidente da
Província, foi avaliado em 1.800$000, o passo que um
outro, mais moço e mais sadio, de profissão igual a
daquele, mas de propriedade de Francisco Urbano, que
não tem a posição política do seu Epaminondas, foi
avaliado em 900$000.” (9 ) A denúncia, faz parte da
defesa levada a efeito por Tobias Barreto, em novembro
de 1880, em favor do Coletor João Batista Gomes Pena,
através do artigo intitulado “A Justiça da Escada”,
publicado no Jornal do Recife de 2 de dezembro de
1880.
97
Mais do que alforriar escravos, defendê -los como
Curador, e protegê-los como advogado fiscalizando a
ação da justiça, Tobias Barreto dedicou parte de sua
permanência em Escada para denunciar as diversas
formas de injustiças ali praticadas contra os negros e
contra o povo. Num pequeno artigo int itulado Dê
Remédio quem Puder, publicado no jornal Um Signal
dos Tempos, ele narra um fato que é, a um tempo, um
quadro de penúria e um grito de revolta: “Tivemos de
presenciar aqui, há poucos dias, o triste espetáculo de
um escravo doente, abandonado por seu senhor, que
veio a esta cidade mendigar o pão. Aí esteve com efeito
exposto sob o telheiro da feira, despertando a
compaixão sobre ele e a indignação sobre o senhor sem
alma, que assim o expelira de casa. Dizem ser João
Lopes Ferreira, do Engenho Capindão; e não é a
primeira vez que deste modo procede. Seria bom que se
lhe fizesse aplicável o parágrafo 4º do artigo 6º da Lei
de 28 de setembro; menos por amor de uma liberdade
que se importa pouco ao infeliz, do que para obrigar o
bárbaro senhor a aliment á-lo.” (10 ) O texto é de 31 de
outubro de 1874.
Ainda em Escada, em 1875, Tobias Barreto es-
creve no jornal Desabuso que “Repugna aos sentimentos
da dignidade humana ver-se um homem, nosso igual,
escravizado a um senhor, como seu instrumento de
trabalho.” (11 ) No mesmo ano de 1875, a propósito do
tratamento de Cabra, Tobias Barreto, no mesmo jornal,
esclarece sua posição perante a chamada fidalguia
pernambucana: “O escritor destas linhas que não tem
98
outros títulos de nobreza, senão a honra dos seus pais,
está disposto a não apelar da sentença, com que aqui se
o condenou a ser um cabra, no sentido pernambucano da
palavra” – (segundo Pereira da Costa, no Vocabulário
Pernambucano, Cabra, Bode, é o mestiço de negro, é
mulato). Continua Tobias: “Assim fique assenta do que
eu aceito o apelido. Entretanto, importa observar que a
nós, os cabras é que pertence o futuro, pois somos nós
quem tem a preponderância do número. Dest’arte
suponhamos que os cabras aqui da cidade, por exemplo
se reunissem para dar uma surra de cansanção e uma
ajuda de malaguetas em todos os brancos, reais e
presumidos, qual é o que teria a coragem de afrontar o
martírio de sua branquidade?” (12 )
Os biógrafos de Tobias Barreto, ainda não
levantaram, completamente, a presença intelectualmente
rica, genial mesmo, do autor de Estudos Alemães em
Escada. Pois o farto material existente no foro, nos
jornais, certamente desmentiria a malfadada omissão de
que alguns escritores e críticos têm tratado, na questão
da abolição. O já citado Evaristo de Morais Filh o com
certeza mudaria a sua opinião de que “Tobias foi mais
do que um omisso ou um ausente, foi um desafeto”,
contida na página 159 do livro Medo à Utopia. (13 )
Nem omisso, muito menos ausente, como é fácil
provar com fatos, com textos, com documentos, algu ns
dos quais ainda inéditos. Desafeto, pode ser, de algumas
das muitas figuras que foram, a um tempo, aboli-
cionistas e monarquistas, que festejaram a Lei Áurea da
Princesa Isabel e que enviuvaram, a seguir, com a
99
proclamação da República. Desafeto, talvez, com os
abolicionistas que queriam importar braço da Europa
para uma colonização que isolava o negro a ser
libertado.
Mais do que defender a abolição da escravatura,
Tobias Barreto defendeu uma nova ordem política,
econômica e social. Em 26 de março de 1878, no jornal
O Escadense, ele dá a receita do desenvolvimento:
“Criar escolas para o ensino agrícola, abrir vias de
comunicação, fundar bancos rurais, que livrem os
agricultores da agiotagem dos correspondentes, animar e
facilitar todos os trabalhos que aumentem o valor da
terra, essa mina inesgotável e sempre generosa da
fortuna dos povos, eis a missão do governo.” (14 )
Inimigo da escravidão, mas também da Mo -
narquia, Tobias Barreto cunhava frases que tinham gran -
de efeito e que provocavam, não raro, o mis to de admi-
ração e de repulsa, entre admiradores e desafetos. Em
1879, em Escada, escreve: “A enxada ou a foice na mão
do escravo que só trabalha para outrem, é de fato um
hediondo anacronismo; não é menos hediondamente
anacrônico o simbólico cetro na mão do Imperador, que
é um mendigo ilustre, que só consome e nada
produz.” (15 ) Mais do que futucar o Imperador. Tobias
cumpre o papel de crítico da celebrada Lei de 28 de
Setembro, dizendo: “Chamo a atenção para o seguinte:
O artigo 1º, parágrafo 1º da lei det ermina que os
ingênuos ficarão em poder dos senhores de suas mães
até a idade de 8 anos; depois do qual os senhores terão a
opção ou de serem indenizados pelo Estado, entregando -
100
lhe os mesmos ingênuos, ou de utilizarem-se dos seus
serviços até 21 anos completos.” (16 ) Tobias Barreto
concluía seu juízo mostrando que a lei criava anal-
fabetos obrigados, que mais tarde, por força da reforma
eleitoral, ficaram sem direito de votar. Logo, a lei
libertava o ventre, mas não criava o cidadão.
Ainda hoje muitos não compreendem como
alguém – e no caso Tobias Barreto – pode defender a
abolição da escravatura e ao mesmo tempo condenar a
legislação anterior, como a Lei de 28 de setembro. Fosse
apenas um abolicionista, preocupado única e exclu -
sivamente com o fim da escravidão, e poderia ser
exigido de Tobias que ele silenciasse o seu comentário
com relação a Lei do Ventre Livre. Mas, o que movia o
pensador era a visão mais ampla do problema social,
que assimilava e de algum modo engolia o drama racial.
Tobias Barreto cobrava leis que mais do que a liberdade
de ir e vir, desse a liberdade de sobreviver com dig ni-
dade. Ao contato com toda a sua obra, colhe -se a
coerência que justifica sua posição nova, inovadora,
além dos limites de todas as propagandas e campanhas.
Após o famigerado cerco à sua casa, ameaçado e
ofendido, Tobias Barreto retorna ao Recife, aquela
mesma “cabocla civilizada” a quem dedicara um poema,
logo ao chegar de Sergipe, e continua firme na defesa
das liberdades. Lança-se com afinco aos livros, produz
para os jornais e participa da vida intelectual e social
pernambucana.
Em Glosas Heterodoxas a um dos Motes do Dia,
ou Variações Anti-sociológicas, Tobias Barreto expõe,
101
sem temos, seu pensamento: “Realmente eu digo que o
característico da sociedade é lutar co ntra a luta natural
pela existência, tratando sobretudo de corrigir seus maus
efeitos. Ser natural não livra de ser ilógico, falso e
inconveniente. As coisas que são naturalmente regu -
lares, isto é, que estão de acordo com as leis da
natureza, tornam-se pela maior parte outras tantas
irregularidades sociais; e como o processo geral da
cultura, inclusive o processo do direito, consiste na
eliminação destas últimas, dará o antagonismo entre a
seleção artística da sociedade e as leis da seleção
natural.
Assim, e por exemplo se alguém hoje ainda ousa
repetir com Aristóteles que há homens nascidos para
escravos, não seja motivo de estranheza. Sim – é natural
a existência da escravidão. Há até espécies de formigas,
como a polyerga nibescens, que são escravocratas;
porém é cultural que a escravidão não exista.” (1 7)
1822 é o grande ano da afirmação intelectual de
Tobias Barreto. Na Faculdade de Direito ele faz con -
curso para Lente Substituto e arrebata a platéia de
professores e estudantes com suas novas idéias, como a
de que “O ensino deve ser gratuito e obrigatório”, (18)
embutida na sua tese, e que ainda hoje, mais de 100
anos depois, ainda é uma palavra de ordem dos grupos
progressistas e engajados que lutam em defesa da
sociedade brasileira.
Poeta e orador, compositor e crítico musical, To-
bias Barreto é convidado constante dos saraus artísticos,
das tertúlias, dos encontros culturais pernambucanos.
102
Estava sempre entre os primeiros oradores e foi ele o
primeiro inscrito para falar na festa do dia 9 de julho de
1883, em homenagem ao compositor Carlos Gomes,
quando seriam libertados dois escravos. O Diário de
Pernambuco de 8 de julho diz que “Às 4 horas da tarde
em ponto, partirão do largo do Arsenal da Marinha,
incorporados e precedidos da Banda Musical do Corpo
de Polícia, indo no centro da marcha o carro triunfante
com o símbolo do Guarani, seguindo -se a Comissão
promotora da festa após da qual irão os escravos libertos
em honra do laureado maestro.”
No seu discurso emocionado, Tobias Barreto diz a
Carlos Gomes: “Depois de mil preitos rendidos à sua
pessoa, chegou também momento de esquecermo -nos
dela, para somente prestarmos homenagem a uma de
suas grandes obras. Mas, vêde bem; essa obra não é
nenhuma das suas brilhantes composições musicais, é
um produto muito mais brilhante, porque é um ato
humanitário, porque é a liberdade, em seu nome e por
sua causa, restituída a dois infelizes.” (19 )
Não seriam estas as únicas palavras de Tobias
Barreto em favor dos escravos do Recife. Nem aquele, o
único ou último ato público do pensador sergipano em
defesa da liberdade dos negros. Ao ingressar na So -
ciedade Nova Emancipadora, encarregada da libertação
do município do Recife, Tobias Barreto se faz orador de
suas solenidades e diante das multidões assume sua
condição de abolicionista, em plena campanha, ao ano
de 1883. Um original manuscrito, ainda inédito em sua
vasta obra, dá a verdadeira dimensão do homem público,
103
do intelectual engajado, do agitador social, do orador da
liberdade.
Vale a longa citação da oração de Tobias Barreto
diante dos membros do Clube Carlos Gomes, no Recife.
106
A fama de Tobias Barreto espalha-se por todo o
Nordeste, por conta de suas colaborações na imprensa,
pela sua passagem pela Assembléia Provincial, onde
defendeu, magistralmente, o direito da mulher, seu
germanismo, seu concurso na Faculdade, sua obra
literária e, também, sua participação ativa nas lutas
abolicionistas. Viaja a Sergipe e na passagem por
Maroim, centro comercial importante, é festejado e
homenageado em sessão especial do Gabinete de
Leitura. O coronel José de Faro Rollemberg, após ouvi-
lo entusiasmado enaltecer a mocidade sergipana, abraça-
o e manda anunciar, pelo dr. João Moreira de
Magalhães, que, em sua homenagem, alforriava uma
escrava. O fato está contado por Joel Aguiar, em livro
de 1927 sobre o Gabinete de Leitura de Maroim. (2 4)
De volta ao Recife continua a luta. Pereira da
Costa o relaciona entre os benfeitores que contribuíram
para os festejos da libertação dos escravos no Ceará, em
1884. Em 1885, a Associação Mista Redentora dos
Cativos e Protetora dos Ingênuos promove, no dia 19 de
maio no Teatro Santa Isabel, uma Sessão Literária para
arrecadar fundos para a libertação dos negros. No
convite o destaque: “Nela tomará parte o talentoso e
ilustrado dr. Tobias Barreto de Menezes.” (2 5)
Na Faculdade de Direito, então já um centro
irradiador das idéias renovadoras de Tobias Barreto e de
outros que se agrupavam em torno da Escola do Recife,
os programas refletiam as mudanças propostas pelo
combativo sergipano. João Viera, professor da
Faculdade, inclui no programa de Direito Civil o Direito
107
Autoral, idéia nova de Tobias Barreto, conforme
comentário de Benilde Romero, em O Sahara, de abril
de 1883.
Comentando o livro Lendas e Superstições do
Norte, de João Alfredo de Freitas, Tobias Barreto
defende mais estudo para determinar o quinhão africano
na gênese das lendas e superstições populares, e ensina:
“A parte da introdução relativa ao africano, como fator
da superstição brasileira, permita que lhe diga, merecia
um pouco mais de pesquisa. Da pouca ou nenhuma
religiosidade dos negros não deriva logicamente que
eles deixassem de ser supersticiosos, que não tivessem
muitas fábulas e lendas grosseiras, que bem puderam
chegar até nós e incorporar-se aos nossos contos.” (26 )
O germanismo de Tobias Barreto, que não
significa apenas o domínio da língua e da cultura alemã,
mas também afinidades com a evolução filosófica,
econômico e jurídica, fez com que o Príncipe Henrique,
da Prússia, irmão do mais tarde Imperador Guilherme II,
em cruzeiro pelo mundo, ao tocar o Recife, a bordo da
corveta Olga, manifestasse int eresse em conhecer o
pensador sergipano. Em casa, de blusa de pijama,
Tobias saudou aquela visita dizendo: “Permita a este
caboclo te abraçar, filho da Germânia.” (27 )
Caboclo, Tobias Barreto parecia encontrar sua
condição nordestina, como ele próprio dizia “indivíduo
de uma raça, ou sub-raça, que ainda se acha em vias de
formação.” (28 )
Poucos, como Tobias Barreto, ousaram tratar da
questão racial brasileira, quando a realidade da misci-
108
genação conflitava-se com as teorias arianas vigorantes.
Diz Tobias: “Quanto ao ponto relativo às raças, - isso é
apenas o efeito de outra mania do nosso tempo; a mania
etnológia. Eu quisera que Lilienfeld viesse ao Brasil,
para ver-se atrapalhado com a aplicação de sua teoria ao
que se observa entre nós. As chamadas raças inferiores
nem sempre ficam atrás. O filhinho do negro, ou do
mulato, muitas vezes leva de vencida o seu coevo de
puríssimo sangue ariano.” A questão racial, da forma
como foi tratada, tornou-se mais um legado do “mulato
de Sergipe”, como ele próprio proclama va, mais tarde
inventariado e genialmente estudado por Gilberto
Freyre, no conjunto de suas obras antecipadoras.
São também múltiplos os campos de estudos
sugeridos pela vida e pela obra de Tobias Barreto.
Voltando sempre ao tema, ao discursar, em 1884, em
julho, numa solenidade acadêmica, não abre mão do
entendimento do direito, ao explicar o que entendia
como antíteses do direito: “... o direito in fieri e o
direito factum, o que se faz e o que se passa, ou melhor
o direito novo e o direito velho, de que é exemplo,
quanto ao primeiro, a questão do dia – o Abolicionismo
– direito que se forma, que está lutando para garantir -se,
o direito da liberdade dos escravos, e a propriedade
escrava, direito já feito, sobre o qual a lei dispensa
proteção.” (29)
É com O INDUSTRIAL, finalmente, que anuncia
o encerramento da escravidão e lança as bases de uma
sociedade progressista. É do primeiro número da
publicação: “A abolição da escravidão caminha com
109
uma tenacidade irresistível – tanto mais forte quanto
mais necessária infunde-se pela força natural da lei do
progresso, que não conhece barreiras em sua marcha
impetuosa e fatal. À semelhança desses organismos, que
uma vez preenchida sua missão em uma certa época,
tendem naturalmente para a decomposição e subse -
qüente desaparecimento, a escravidão é uma questão
vencida.” (3 0)
Sem faltar com sua participação nas duas fases da
luta, Tobias Barreto liderava, ele próprio, uma terceira e
última fase abolicionista, voltada para o trabalho livre,
para a perspectiva do desenvolvimento econômico e
social, embasado numa certa ideologia do progresso. A
fase começa em 1883 com a publicação, em janeiro, do
primeiro número da revista de indústrias e artes O
INDUSTRIAL, de propriedade da fábrica Apolo. A
revista, redigida por Tobias e mais três professores da
Faculdade de Direito – José Higino, Barros Guimarães e
Graciliano Baptista – circulou mensalmente por todo o
ano de 1883 e defendeu, tanto nos editoriais redigidos
por Tobias Barreto, como em artigos de seus
colaboradores, inclusive o próprio intelectual sergipano,
a dignidade do trabalho, libertando o homem do papel
de motor, apresentando-o como condutor de forças. Uma
novidade que casava bem com o pensamento de Tobias,
de que “não somos nós que temos tudo a esperar do
futuro; é o futuro que tem tudo a esperar de nós.” (31) O
novo jornal começa a circular em 15 de janeiro de 1883
e seu ideário pode ser resumido assim:
110
Atualizar as forças de trabalho com os últimos
progressos da ciência e da técnica, nos domínios
superiores da atividade industrial; esclarecer que a
riqueza privada de quem quer que seja não fica exposta
a perigo algum pelo fato de procurar-se aperfeiçoar a
indústria existente, criar novas e contribuir para a
consecução de todos os melhoramentos necessários à fe -
licidade e bem-estar social; garantir o direito de infor-
mação sobre qualquer processo industrial e artístico;
prestar assessoria jurídica em negócios industriais e
artísticos; fundar a manter Asilos Agrícolas; fundar
Bancos Populares para os Operários; Bancos Provinciais
com juros moderados e pagamentos a longo prazo;
habilitar os industriais e artistas aos grandes recursos
que a adoção de máquinas pode proporcionar -lhes;
renovar o pensamento de tudo depender -se dos Go-
vernos, como erro que os bons princípios econômico s
fulminam e condenam; e transformar e modificar o País
de acordo com as tendências e leis do progresso. Eis aí,
a síntese de uma plataforma que incorporava a idéia, o
método, o modelo de organizar a economia para a
produção industrial, a partir do trabalho livre.” (3 2)
O surgimento de uma publicação dedicada aos
novos tempos, no Nordest4e, coincide com a nova
ordem de idéias que sacudiam a Europa e que chegavam
ao Brasil, modernizando a economia. Capitais europeus,
muitos deles fugindo do avanço socialista e das con-
quistas dos trabalhadores, são transferidos para o Brasil
e participam da alavancagem industrial. O Nordeste,
apesar dos esforços, não acompanhou o desenvol-
111
vimento do centro-sul, passando a exportar sua mão-de-
obra, grandemente desqualificada, para concorrer com o
operariado paulista, formado, em parte, por estrangeiros.
O INDUSTRIAL não tinha forças para garantir a
implantação de uma nova ordem econômica, sintonizada
com a evolução dos países civilizados do mundo,
tangidos pelos ventos progressistas, e interpretados pela
aguda percepção da realidade de Karl Marx, a quem,
desde 1883, Tobias Barreto dedicara atenção, citando O
Capital, edição alemã, em 2 volumes, que possuía entre
os livros da sua grande estante germânica. (33 ) Mas,
certamente, era um veículo de propaganda, valioso para
a fixação de um modelo novo, atualizado, capaz de
promover o desenvolvimento por igual da sociedade,
partindo do trabalho livre e da mentalidade produtiva
industrial.
A fase da luta em defesa da libertação do negro
encontrava uma proposta concreta de saída para a crise
no qual o País, escravocrata e atrasado, estava
mergulhado. Houve, então, grande eco. Passaram a ser
comuns, por exemplo, as exposições de “artes e de
indústrias”, desde 1882 sugeridas pelo próprio Tobias e
por outro como Antônio Pepes Barreto de Vasconcelos.
As sociedades organizadas em função das novas idéias,
tentam harmonizar os direitos dos oprimidos com o
interesse da ordem social, enfatizando que em nome da
prosperidade nacional, que só progrediria com o tra-
balho livre. O Congresso Agrícola de 1884 foi, no dizer
de Manoel Gomes de Matos, (34 ) uma reação dos senhores
de escravos e de terras, atestando o incômodo da
112
pregação tobiática e de outros engajados na linha de O
INDUSTRIAL.
Agitador, e por isto mesmo combatido de todas as
formas, polêmico e nesta condição desafeto de Castro
Alves, com quem trocou desaforos pela imprensa, ainda
quando estudantes do curso jurídico, e de Joaquim Na -
buco, a quem destratou, também pela imprensa, Tobias
Barreto não foi destacado pelos historiadores do mo -
vimento abolicionista. A verdade histórica, no entanto, é
que recomenda uma luz nova sobre o passado,
resgatando não apenas a maiúscula e esclarecida figura
de um homem genial, pobre e mulato, que foi
identificado por Haeckel como parecer pertencer à raça
dos grandes pensadores, agora que se aproxima o duplo
evento do Sesquicentenário do seu Nascimento e Cen-
tenário de sua Morte, 1989, mas para fazer justiça ao
seu papel de abolicionista, defensor do trabalho livre,
teórico da organização da sociedade, a partir das
profundas investigações e reflexões que fez ao longo do
seu contato com o povo.
Ao chegar o dia 13 de maio de 1888, já doente e
afastado da Faculdade de Direito, Tobias Barreto atende
ao apelo dos estudantes e esculpe a frase que encima, na
primeira página do jornal especial em homenagem ao
dia da abolição – A ACADEMIA:
“A honra do trabalho livre – já o disse alguém – é a
condição fundamental da saúde de qualquer Estado,
principalmente de uma democracia. Está, pois, lançado
entre nós o alicerce de um novo edifício; está assentada a
113
base de uma nova ordem de coisas. Esperemo-la, portanto;
e se ela tardar e, vir, é justo que provoquemo-la.” (35)
NOTAS
114
(9) A Justiça de Escada é o título de uma colaboração de Tobias
Barreto, publicado no Jornal do Recife, de 2 de dezembro de
1880.
115
(21) O Livro do Nordeste. Edição do Arquivo Público do Estado
de Pernambuco, 1975.
116
juntamente com quase duas centenas de outras obras alemãs que
formavam a biblioteca particular do fundador da Escola do Recife.
117
Documentário(* )
*
Referente à participação de Tobias Barreto na Campanha
Abolicionista.
118
A CARLOS GOMES( * )
*
Carlos Gomes mereceu muitas festas e demonstrações de admiração
dos pernambucanos, como aconteceu no Teatro Santa Isabel, quando
da apresentação da Ópera Salvatore Rosa. Tobias Barreto falou duas
vezes, no terceiro intervalo e ao final da festa. Em outra ocasião,
Tobias Barreto foi o primeiro inscrito para falar, na festa do dia 9 de
julho, em homenagem a Carlos Gomes, quando seriam libertados
escravos. O Diário de Pernambuco, ao registrar o acontecimento, diz
que “às 4 horas da tarde em ponto, partirão do largo do Arsenal da
Marinha, incorporados e precedidos da banda marcial do Corpo de
Polícia, indo no centro da marcha o carro triunfante com o símbolo do
Guarani, seguindo-se a Comissão Promotora da festa após da qual irão
os escravos libertos em honra ao laureado maestro.” Tobias, que ía na
frente do povo, pronunciou o discurso onde ressalta a obra maior “é a
liberdade, em seu nome e por sua causa, restituída a dois infelizes.”
(LAB)
119
aceitei, de também aqui aparecer e falar. Mas falar o
quê?
É a grande questão; pois não se trata mais de
entoar um hino ao mérito do maestro, e tampouco de
prometer-lhe, em nome do futuro, que muitas vezes não
passa de um tempo de verbo na gramática, ou de uma
simples esperança messiânica na escatologia dos povos
modernos, um sem-número de monumentos mais dura-
douros do que o bronze. Não se trata de repetir, pela
milésima vez, que Carlos Gomes é um gênio e suas
obras outras tantas revelações do espírito nacional. Tudo
isto está dito. Insistir sobre este assunto, variar sobre
este tema, que já tornou-se vulgar, com o concurso
mesmo de novas flores e novas palmas, é uma espécie
de pleonasmo estético.
Entretanto, apresso-me em pedir que não se me
traduza ao pé da letra.
Ainda que eu tivesse as melhores idéias a opor ao
frenesi provocado pela presença do maestro seria ao cer-
to fazer ato de desazo, quando não de criminosa incivi-
lidade, querer temperar o vinho que transborda da taça
dos outros com a água da minha taça. Mais do que uma
incivilidade, seria até uma tolice; e pois que eu seja
daqueles que, em colisão de tolices, antes querem
praticá-las do que dizê-las, não cairia na fraqueza de
praticar uma tal.
Bem pode parecer, pela maneira de exprimir-me,
que na acho num estado de anestesia intelectual em
ralação aos motivos que determinam presentemente o
arroubo popular. Nada, porém, de mais errôneo. Nin -
120
guém compreende melhor do que eu a significaç ão e
importância dos aplausos derramados sobre a cabeça do
ilustre componista, como também, mais do que eu, não
há quem sinta a necessidade de ver a nação inteira – esta
grande águia, que vive aliás em perpétuo choco – reunir-
se no pensamento de uma glória comum, qual é a posse
de uma notabilidade artística, e deste modo manifestar -
se ao mundo debaixo de outra forma, que não a de um
simples conceito geográfico, e por alguma coisa de mais
do que gestos e atitudes de uma superioridade, que ela
de fato não trem. Eu sei que dificilmente pode agradar
aos patriotas de bon aloi, quem não está pelos seus
adjetivos e pelas suas interjeições. Mas nem por isso
julgo-me com direito ao monstrari digiti como um
pirrônico e um pessimista intolerante. Contenho -me
dentro dos justos limites. A moderação também entra no
reino do entusiasmo.
Neste sentido subscrevo de bom grado as palavras
do notável italiano Francisco de Sanctis: Non conosco
arma più violenta che la moderazione del linguaggio
accompagnata con la buona fede: ne nasce uma
persuazione irresistibile. – Uma verdade pois, falada ou
escrita, uma só verdade, moderadamente expressa, é
muito mais honroso para o nosso componismo do que
cinqüenta mentiras ditirambicamente cantadas.
Meus senhores! Lembro-me de ter lido na Emília
Galotti, de Lessing, as seguintes profundas palavras,
que o poeta colocou na boca do príncipe conversando
com o pintor: “Vós bem sabeis, Conti, que o maior
121
louvor que podemos tecer a um artista é esquecermo -nos
dele, absorvidos pela contemplação da su a obra.”
Quero crer que estas palavras encerram um prin-
cípio verdadeiro, porém, ao certo, de difícil apli cação.
Quem seria capaz de deixar -se sempre medir por
semelhante bitola? Se o maior elogio que se fizesse ao
artista consistisse justamente em não pe nsar na sua
pessoa, por amor da sua obra, podia-se então assegurar
que o maestro brasileiro não foi até aqui suficien-
temente elogiado, pois ninguém ainda esqueceu-se dele
para só recordar-se dos seus trabalhos. Mas eu aceito a
rigorosa verdade expressa pelo célebre prógono da
literatura alemã. É uma medida talhada para tomar -se o
tamanho de gigantes. Tanto melhor. Quero aplicá -las ao
nosso componista.
Depois de mil preitos rendidos à sua pessoa,
chegou também o momento de esquecermo -nos dela,
para somente prestarmos homenagem a uma das suas
grandes obras. Mas vede bem: essa obra não é nenhuma
das suas brilhantes composições musicais; é um produto
muito mais brilhante, porque é um ato humanitário,
porque é a liberdade, em seu nome e por sua causa
restituída a dois infelizes.
Aqui e agora é que compreendo a exatidão com
que um escritor dos nossos dias Karl Fuchs, em seu
interessante opúsculo, Virtuos und Dilettant, pôde dizer
que há na música alguma coisa que não se ouve.
Perfeitamente. Essa alguma coisa, que não se ouve,
acabo de compreendê-lo, é o bem que a musica nos faz;
mais ainda do que isso, é o bem que ela nos obriga a
122
fazer aos outros. Eis o caso; e o caso é convosco,
maestro. Tendes tido toda a sorte de triunfos. Se tudo
que Pernambuco já havia até hoje feito para glorificar-
nos não correspondia exatamente ao merecimento do
artista, ao menos é inegável que chegava para satisfazer
a vaidade do homem.
Nesta conjuntura, uma grande porção da classe
comercial do Recife, por uma feliz inspiração, entendeu
que devia pôr o indivíduo, com todos os seus triunfos,
com todas as suas glórias, a serviço da humanidade; e
vós que até o presente tínheis sido o objeto supremo do
entusiasmo geral, vos convertestes em pretexto e
ocasião de um ato generoso. E não há dúvida de que
servir de motivo, prestar-se como meio para a prática de
uma nobre ação, é mil vezes mais glorioso do que ser
alvo de quantas manifestações se inventem para festejar
o talento de um homem.
Permiti, ilustre senhor Carlos Gomes, que vos
diga uma verdade. A deusa da verdade não costuma
pintar o rosto, nem usa véu. Mas oito ou dez gerações, e
as vossas músicas, hoje tão apreciadas – ninguém mais
cantá-las-á. Posso afirmá-lo em nome do progresso e da
cultura humana. Mas este quadro, como quaisquer
outros semelhantes, que se executem por vossa causa,
nunca será esquecido.
O ruído dos aplausos e ovações, que suscitais,
talvez não chegue nem sequer à altura em que as águias
voam, e muito menos àquela, em que se diz que os anjos
cantam; porém, bem alto, aos ouvidos do grande
alguém, se é que lá existe alguém que nos observa,
123
chegarão as bênçãos emanadas dos lábios e do coração
destes entes, que por amor de vós acabam de ser
libertados e entregues à sociedade, que ansiosa e agra -
decida os espera.
124
Palavras ao Clube Carlos Gomes( * )
(1883)
Senhores
NOTAS
127
(1) Está, no original, riscada a palavr a modo.
128
Redenção do Município do Recife( * )
Manifesto
*
Manifesto lançado pela Sociedade Nova Emancipadora do Recife,
publicado no diário de Pernambuco de 5 de abril de 1883, no qual
Tobias Barreto de Menezes figura ao lado de José Mariano, Martins
Júnior, Artur Orlando, João de Oliveira e outros abolicionistas.
Cumpre sublinhar que a Nova Emancipadora foi a primeira grande
sociedade abolicionsita, antes que o Clube Relâmpago, o Clube do
Cupim e Ave Libertas fossem organizadas, projetando muitas das
figuras que assinaram o Manifesto, como José Mariano e João de
Oliveira, e especialmente Joaquim Nabuco, que a partir de 1884, com
suas conferências no Teatro Santa Isabel, toma a dianteira na
campanha que antes empreendia pelo jornal. O Manifesto é um dos
documentos comprobatórios da participação de Tobias Barreto na luta
em favor da liberdade dos negros, luta, aliás, omitida na sua
bibliografia. (LAB)
129
A Comissão considera-se inteiramente dispensada
de demonstrar que a existência da escravidão estabelece
para o Brasil uma situação anormal no concerto das
nações civilizadas: também não precisa fazer o triste
inventário dos males com que essa monstruosidade
social aflige a Pátria brasileira, quer debaixo do ponto
de vista puramente econômico, quer pelo que respeito à
moral pública e do méstica.
Tudo quanto neste sentido pudesse expender
ficaria aquém da temerosa realidade e interior à
convicção de todos os homens ilustrados e ao
sentimento geral do País, que por todos os modos tem
patenteado quanto lhe é incômoda e antipática a
permanência dessa infamante instituição, que um infeliz
passado nos legou.
Todas as divergências, mais aparentes que reais,
acerca da extinção do elemento escravo estão – podemos
dizê-lo desvanecimento – limitadas ao campo da reali-
zação prática, adstritas à escolha dos meios mais con-
ducentes à satisfação pronta dessa nobre aspiração, que
irrompe de todos os corações numa corrente magnífica e
irresistível de grandes sentimentos humanos.
Em teoria não há certamente no Brasil um só
espírito infenso ao movimento abolicionista, que em
todo o vasto território desta nacionalidade se propaga,
para honra dos seus habitantes dos sentimentos
humanitários deste século.
Efetivamente não se pode dizer que o povo
brasileiro cerrasse ouvidos impenitentes ao generoso
apelo, que há longos cinqüenta anos passados, lhe
130
dirigia nestas soberbas palavras o venerante José
Bonifácio, esplêndida glória nacional:
“Generosos cidadãos do Brasil, que amais a vossa
Pátria, sabei que sem a abolição total do infame tráfico
da escravatura africana e sem a emancipação sucessiva
dos cativos, nunca o Brasil formará a sua independência
nacional, e segurará e defenderá a sua liberal cons-
tituição, nunca aperfeiçoará as raças existentes e nunca
formará, como imperiosamente o deve, um exército
brioso e uma marinha florescente. Sem liberdade indi-
vidual não pode haver civilização nem sólida riqueza;
não pode haver moralidade e justiça, e sem estas filhas
do céu não há nem pode haver brio, força e poder entre
as nações.”
A estas frases repassadas de verdade e
sent imento patriótico corresponderam dignamente as
leis de 7 de novembro de 1831 e 2 de setembro de
1840, o grande espírito de Euzébio de Queiroz, a
magnânima lei de 28 de setembro de 1871, e, final -
mente, todo esse extenso movimento emancipador,
animado no País pelo nobilíssimo exemplo do Visconde
do Rio Branco e pelas cláusulas do ato legislat ivo, a
quem o nome desse eminente estadista permanecerá
eternamente ligado.
A existência da Comissão Emancipadora do
Município do Recife é apenas um aspecto da evo lução
moral e intelectual que se opera no País; não é uma
causa, mas simplesmente um efeito, um dos multíplices
fenômenos da invencível lei, que se impõe aos
indivíduos como aos povos, e por força da qual o amor
131
do próximo há de ir progressivamente conquis tando ao
egoísmo os benefícios da sociabilidade.
A Comissão não exerce ação isolada, nem é
original na sua intenção, o que torna inexplicável e
estranho o ardor excepcional com que o simples
incidente de sua organização está sendo hostilizado.
A idéia da emancipação por município neutro
acaba de adotá-la com os mais francos aplausos da im-
prensa duminenso e da suprema autoridade eclesiástica
da diocese do Rio de Janeiro, mas com adesão fervorosa
do próprio imperante.
Dir-se-á que todos esses homens, que todas essas
autoridades máximas pretendem conflagrar a nação e
violar a propriedade?
Lê-se, entretanto, o que no assunto escreveu a
admirável pena de Tavares Bastos:
“São os poderes locais que hão de completar a
obra iniciada pelo Estado, pondo em contribuiçã o, para
o fim comum, a estatística, o imposto, a polícia, a
justiça e a escola.”
Junte-se a essa sintética, mas criteriosíssima
indicação inelitamento constante da caridade pública e
liberalidade particular entre os que compõem o nosso
grupo comunal, e eis aí exposto e completo o programa
da Comissão Emancipadora do Município do Recife,
pelo que respeita à sua necessária ação total.
Em que pode semelhante desideratum perturbar a
serenidade da justiça, que deve acompanhar todos os
progressos sociais?
132
É evidente que a Comissão não tem, nem podia
ter a pretensão injustificável de decretar a abolição
instantânea da escravidão neste município, por isso que
amplamente conhece ser o tempo um fator impres-
cindível de todas as transformações, quer na esfera
cosmológica, quer no campo menos vasto, porém mais
complicado e espinhoso da sociologia. Semelhante
pretensão só poderia ser sugerida por um cego e
impotente espírito revolucionário, em absoluto oposto
aos precedentes e critério dos indivíduos que a
Comissão const ituem. Não, ela não quer revoltas, nem
sedições, nem a violação de direitos: o que deseja é
interessar a sua causa de paz, de justiça e humanidade
todos os homens bons, todas as classes sinceramente
conservadoras e sobretudo os poderes públicos, já
locais, já centrais, sem cujo auxílio seria, senão de todo
improfícuo, ao menos pouco opulento em resultados o
maior esforço que empregasse para alcançar o almejado
fim a que se propôs.
Para que desvairamentos da paixão não se
apoderem dos espíritos na resolução de um problema,
cuja própria reflexão é calma; para que o coração dos
oprimidos em tremendas iras e rancores, é que a
Comissão Emancipadora do Município do Recife, como
todas as que, com as mesmas intentas dela, se alistarem
na sagaz cruzada da liberdade, tem o indispensável
direito de esperar, em vez de baldões e afrontas, toda a
possível coadjuvação, não só por parte dos poderes do
Estado e da Igreja, mas também de todas as pessoas
133
dignas e sinceramente interessadas no bem-estar
presente e futuro da sociedade brasileira.
O que pode sem dúvida ameaçar a tranqüilidade
nacional não é por certo o trabalho meritório e
altamente reparador das corporações emancipadoras,
mas pelo contrário a manifesta acrimônia com que é
encarado esse generoso ofício por aqueles –
venturosamente poucos – a quem a conduta de ânimo ou
intransigente egoísmo não deixa ver claro a situação
social, nem a verdade de seus próprios interesses.
Quanto não ganharia em moralização e
prosperidade o trabalho agrícola deste País, se por meio
de medidas sábias, que a Comissão não deixará de
solicitar dos poderes competentes, o abjeto regime da
escravidão fosse proficuamente transformado no da
servidão ao solo, com as modificações correspondentes
à nova condição dos trabalhos!
A Comissão esforçar-se-á intimamente para dar
dos iludidos, dos que são vítimas de velhos preconceitos
ou da conspiração da calúnia, a nítida consciência dos
perigos, que de inconsidera e tumultuária oposição
poderia advir à sociedade brasileira, cujos sentimentos
em prol da remissão dos cativos – é necessário dizê-lo
muitas vezes – já não é possível sufocar.
Podem, pois, os senhores de escravos dormir tran -
qüilos acerca dos intentos da Comissão Emancipadora
do Município do Recife, que são os mais legítimos e
honrosos.
Além do concurso indispensável dos poderes
públicos e das classes diretoras, a Comissão só conta
134
com a boa vontade e conhecido humanitarismo da nossa
população, a quem falará sempre em nome do bem, do
justo e do honesto.
Talvez se diga: “mas é isto o que até hoje t êm
feito todas as sociedades constituídas nesta cidade em
favor da libertação dos escravos.”
Perfeitamente. A Comissão não quer atribuir -se
as glórias de uma iniciativa que é honra do País inteiro.
Ela apenas vem dar objetivo definido porventura mais
eminente ao movimento dessas distintíssimas incor -
porações, auxiliando-as, secundando-as nos seus egré-
gios esforços por todos os modos prescritos pela lei,
pela religião, pela moral e pelo mais ardente
patriotismo.”
137
TOBIAS BARRETO
COMO TEÓRICO DA
ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE
138
Nos vários momentos da vida e da obra de Tobias
Barreto são encontrados e revelados aspectos de sua
contribuição à cultura brasileira que fica difícil
distinguir no qual ele foi mais genial. Na renovação da
estética literária, como poeta social, condoreiro, nas
ruas do Recife agitando o povo, tendo como mote a
guerra contra o Paraguai. No jornalismo político e
polêmico, afirmando sua convicção liberal e guerreando
contra o clericalismo dominante. Na advocacia de
Escada, seguido de grande acompanhamento popular nas
audiências, ou como Curador de Órfãos, de Escravos, ou
ainda Juiz Municipal Substituto, na Comarca de
Escada. (1 ) Também em Escada, o panfletário impressor
de pequenos jornais, em português e em alemão, (2 ) para
distribui-los com o povo, gratuitamente, nas feiras, e
fundador do Clube Popular Escadense, no qual
pronunciou a célebre oração Um Discurso em Mangas
de Camisa. (3 ) De volta ao Recife, demolindo os
conceitos de sociedade e de direito, vigentes na
Faculdade, para a qual fez concurso, selando com a
mocidade nordestina uma das mais d uráveis e eficazes
alianças ideológicas e intelectuais. Publicando livros
com estudos literários, filosóficos, críticos, religiosos,
sociais. Como deputado à Assembléia Provincial, como
orador do povo, nas ruas e, nos teatros, empolgando
com sua pregação as primeiras manifestações públicas
em favor da abolição da escravatura. Em qualquer destes
momentos, Tobias Barreto dá prova de sua disposição
139
mental, uma capacidade infinda de assimilar o que de
mais novo o mundo produzia em termos de idéias. Não
há, portanto, como enquadrá-lo num clichê qualquer,
por mais atrativo que o seja.
A obra de Tobias Barreto nos jornais e nos livros,
nas ruas e nas cátedras, na tribuna da Assembléia ou do
Foro, é sublinhada por uma coerência pouco conhecida
no Brasil até então, e marcada pela força do pensamento
próprio, reflexivo diante de uma realidade adversa para
todos os brasileiros dos meados do século passado,
salvo algumas exceções de senhores de terras e de
escravos, e particularmente adversa para ele próprio,
pela sua condição racial e de pobreza. No âmago da obra
tobiática duas vertentes, muito próximas, andaram
marcando a sua atividade intelectual: a da sociedade e a
do direito. Em ambas, a revelação revolucionária, fruto
de suas convicções, alicerçadas nos ensinamentos de
Darwin, Haeckel, Jhering, Noiré e outros.
Antes de Tobias Barreto os estudantes da Fa -
culdade de Direito do Recife aprendiam que a socie -
dade, como o direito, tinha origem divina. O Contrato
Social, de Rousseau, era combatido por mestres e alunos
da Faculdade. Havia uma única e exclusiva história
humana, aquela narrada na Bíblia. Fora daí, tudo era
uma grande novidade, mas era, também, uma rebeldia
que provocara fortes reações. Entre os professores,
como afirma José Antônio de Figueiredo, numa das
Memórias da Faculdade de Direito do Recife, era regra
comum ensinar que “só a religião oferece uma
verdadeira e real garantia à ordem e à tranqüilidade
140
pública, de que só ela pode sancionar de uma maneira
positiva e dogmática a moral social e prevenir e
acautelar crimes cuja alçada e investigação escapam às
leis humanas.” (4) Em 1862, em outra Memórias, o
professor João Capistrano Bandeira de Melo Filho des -
taca que a mocidade, “dotada geralmente de fervor
religioso sustenta, por meio de algumas associações e de
escritos pela imprensa, as eternas verdades do
Cristianismo e pugna pela difusão das boas doutrinas.”
Mesmo tendo recebido uma formação religiosa,
católica, convivido com padres e aprendido o latim,
Tobias Barreto rejeitou a aliança da ciência com a
religião, com a mesma ênfase que refugou a aliança da
liberdade com a ordem, ambas defendidas no âmbito da
Faculdade de Direito do Recife, como fez o professor
Antônio de Vasconcelos Menezes de Drummond, co -
mentando o ano de 1863, justo o primeiro ano de
estudante do jovem mulato sergipano. (5 )
Sobre a liberdade, Tobias tem expressões
antológicas, como esta de 1870, que diz que “Nenhum
povo é realmente grande, senão ela liberdade, que tem
ou que conquista.” (6) Bastaria a única frase para
derrubar a doutrina que estava de pé, sendo ensinada na
Faculdade de Direito do Recife. O conceito de liber -
dade, para Tobias Barreto, mexia com a ordem, esta
tida, à época como ainda hoje, como o predomínio da
força inspirando o temor ou a obediência. Enquanto a
ordem era a submissão do homem, a liberdade era uma
conquista, logo, não podia haver aliança entre uma e
outra.
141
Em 1864, ao escrever o poema A Polônia, Tobias
Barreto dizia que:
142
Dislates iguais aos dos que querem que o povo passe por
um tirocínio da liberdade, sem aliás exercê-la. (9)
Na visão ampla do teórico a liberdade é uma
insurgência, uma insubmissão aos domínios do Poder.
Nos versos e frases, a panfletagem libertária: “A Pátria
somos nós.” (10 ) “Nós cremos na soberania do povo, ele
há de despertar.” (11 ) “O Clube Popular Escadense... tem
o intuito de incutir no povo desta localidade um mais
vivo sentimento de seu valor, despertar -lhe a indignação
contra os opressores, e o entusiasmo pelos oprimi-
dos.” (1 2) A voz do mestre tem um sólido compromisso
com a liberdade, o que é o mesmo que dizer, com a
ruptura da ordem, e com a organização do povo.
***
***
147
partir de tendências e sensibilidades reconhecidas. A
síntese programática da revista era a de:
148
Síntese feliz, contida em editorias e artigos de O
Industrial, que incorporava a idéia, o método, o modelo
de organizar a economia. Já em 1884 uma forte reação,
partida dos senhores de terra, levara a organização de
Congresso Agrícola, que longe de parecer um teste -
munho negativo, serve de atestado, passado e recibado,
do incômodo que as novas idéias defendidas por Tobias
Barreto causava entre setores conservadores de
Pernambuco. Antes mesmo de assumir a redação de O
Industrial e de inspirar a redação de O Propulsor, (13 )
jornal de 1883, fundado como órgão dos interesses
abolicionistas, industriais, agrícolas, literários, etc.,
Tobias Barreto participara do esforço teórico pela
organização de exposições de artes e indústrias das
Províncias do Norte e Nordeste, reunindo com Antônio
Pepes Barreto de Vasconcelos, Martins Júnior e outros,
no Gabinete Português de Leitura, público interessado
em acelerar o desenvolvimento regional.
A ciência tinha, portanto, um sentido prático de
utilização direta em favor do progresso econômico e do
bem-estar da sociedade. Combinava-se, então, a luta
cultural em favor da liberdade e do direito, com a
aplicação da técnica e da ciência, como primado capaz
de alterar o quadro fatalístico da economia senhorial e
escravocrata. Tobias Barreto mudava o enfoque que
pressupunha a organização da sociedade, sugerindo q 1ue
ela deixasse de ser uma mera representação dos in -
teresses do capital e dos seus detentores que a orga -
nizavam, em moldes exploratórios, para ser organizada a
partir das potencialidades e possibilidades do povo. A
149
ação do pensador batia com seu enuncia do de que a
sociedade brasileira não se organizara, fora organizada,
chamando a atenção para a diferença. Esta observação
focal, lúcida, feliz, serve para nortear os dois diferentes
caminhos tomados pelo povo brasileiro: um, a partir dos
interesses dos dominadores e colonizadores; outro, a
seguir os auspícios das carências e dos anseios sociais.
Embutida nessa constatação que põem, de forma frontal,
interesses de fora para dentro e anseios internos de
liberdade e de justiça, está a noção de cidadania, no se u
aspecto mais novo, o dos direitos sociais, como
preconizados em Um Discurso em Mangas de Camisa.
Tobias Barreto está entre os adversários e críticos do
primeiro, e pugnadores e artífices das lutas do segundo,
constituindo-se, de forma antecipada, num teó rico da
organização da sociedade, com teses ainda válidas hoje,
quando o Brasil evoca sua figura e sua obra, por conta
dos 150 anos do seu nascimento e do Centenário de sua
Morte.
NOTAS
150
1879, O Martelo, 1881, e ainda a revista Estudos Alemães, 1880.
Em alemão Tobias Barreto editou o Deutscher Kaempfer, 1875.
151
(13) O nº 1 do jornal O Propulsor circulou em 9 de abril de
1883, e informava que seu ideário abolicionista se guia a linha da
Sociedade Nova Emancipadora, do Recife, a qual Tobias Barreto
pertencia. Sobre o assunto, ler Luiz Antônio Barreto. Tobias
Barreto, A Abolição da Escravatura e a Organização da
Sociedade. Recife, 1988.
152
TOBIAS BARRETO
E A FILOSOFIA NO BRASIL
153
A recente publicação das Obras Completas de
Tobias Barreto, (INL/Editora Record) revigora o in -
teresse pela cultura nacional, na medida em que valoriza
o conjunto das reflexões assumidas pelo intelectual
sergipano no seu tempo e no ambiente histórico,
econômico e social onde estava situado. É forçoso
admitir, de saída, que a existência de uma preocupação
crítica, voltada ao domínio do conhecimento, repre-
sentava uma reação diante de uma situação cultural de
dependência. O Brasil de Tobias Barreto tinha a
conformação de um satélite, fatalmente atrelado a um
centro de exploração e de dominação. Por margem larga
de tempo os habitantes do Brasil emolduraram a
estampa exótica do fazer, extraindo e produzindo
riqueza. Não haviam escolas, nem jornais, nem ex-
pressões livres de arte. O quadro era agravado pela
multiplicidade e pela complexidade das relações de
trabalho e de trabalhadores, tanto pela origem do poder
senhorial, como pela escravidão dos negros africanos,
com toda a sua patologia. E a tudo a Igreja dava a sua
bênção e empreendia, catequeticamente, a semeadura da
conformação. Nem sempre foi fácil separar os interesses
do Estado brasileiro, organizado para proteger e
legitimar a propriedade, com os interesses de um clero
que exerceu, no tempo, a função auxiliar da colo -
nização, no cumprimento de um projeto de cris -
tianização, aplicado com extrema competência nos
países periféricos aos centros católicos de Espanha e
Portugal.
154
O simples saber cultural, desprovido de crítica,
foi conquista tardia do Brasil. Um saber rançoso, repleto
de antigüidades dogmáticas, de segunda mão, que
alcançou a glória das cátedras, na reprodução elitizada
do modelo de dominação vigente. Pensar, portanto, era
uma atitude de superação pessoal, um exercício mental
que retirava da solidão, para o convívio solidário das
idéias e dos autores, o indivíduo preso como membro
compulsório de um corpo social criado à imagem e
semelhança dos interesses dos colonizadores. Pensar
era, assim, um exercício de liberdade, como, em geral,
ocorreu nos diversos países da América Latina. Não é
sem razão que no Brasil, como no México, no Uruguai,
no Peru, na Argentina, os corpos letrados abraçaram o
Positivismo, pelos seus diversos porta-vozes, ao tempo
em que eram esboçadas as reações populares e militares
que tratavam da liberdade política destes países.
Diferenciado em seus ângulos e mentores, como nas
épocas em que floresceu, o Positivismo representou, na
história do pensamento latino -americano, um momento
especial de vigência insubmissa, rebelde, questionadora,
que tem valor maior do que mesmo as suas qualidades
intrínsecas como sistema filosófico.
O Positivismo foi comum aos latino -americanos,
porque também a situação histórica de dependência e de
domínio era comum a toda a América Latina. Uma
situação que se altera, de algum modo tarde, antes no
Brasil e depois nos demais países irmanados pela mesma
subalternidade e controle. A filosofia voltava a exercer,
nesses países, papel relevante, na medida em que
155
colocava o conhecimento e a massa crítica que dele
decorria pelo trabalho filosofante dos pensadores ao
alcance do corpo social. Tem-se como verdade a
formação de correntes de adoção de pensamento
filosófico, entre estudantes nordestinos no Recife, com
maior ardor que o engajamento nas disputas políticas e
eleitorais. No Brasil a filosofia de algum modo precedeu
a ciência política, ainda quando esta foi fartamente
divulgada pelos liberais, na segunda metade do século
passado. Há uma razão insuspeita para isso. A política
dos partidos reduzia, aos termos locais, os interesses de
uma mesma classe de senhores, enquanto o pensamento
filosófico impunha, necessariamente, uma revisão de
conceitos e de posturas, renovando, em maior ou em
menor intensidade, o conhecimento comum ao corpo
social. Essa singularidade explica, por exemplo, a
sintonia perfeita entre abolicionistas e monarquistas,
quando a lógica formal sinalizava para a comunhão de
idéias entre aqueles e os republicanos, democratas,
socialistas, que se enfileiravam em grupos novos na
vanguarda das novidades.
Foi nesse tempo e no ambiente do Recife, como
fórum nordestino, que a filosofia mereceu uma fixação
clara, objetiva, como instrumento crítico do conhe -
cimento, com seu vetor científico, experimental, que
produz uma verdade operacional, mantendo a especu-
lação inexperimental, diferente da crença que o espiri-
tualismo impingia, e até da metafísica conciliadora entre
a fé e a razão. E no centro da reflexão portava -se, com
invulgar talento, Tobias Barreto de Menezes.
156
Mais do que pela mesma ocupação geográfica do
espaço e pela comunhão da língua o corpo social
brasileiro teve como vínculo de identidade a história, no
cômputo da subalternidade esmagadora. No Brasil a
história situa-se entre a memória codificada como fonte
de tradições de mando, abrandadas pela cumplicidade do
compadrio paternalista, e a filosofia, esta entendida
como uma permanente e secreta, porque íntima, cons -
piração. O filosofar era mais incômodo do que a
declarada guerra contra autoridades, porque a evolução
mental abalava o prestígio dos mestres e dos ensi-
namentos oficiais, com os quais e nos quais estava
assentado o edifício do poder. Ao lado do campo
absoluto dos dominadores, com seus fossos e arma -
dilhas, apareceram gerações de insurretos, inadaptados
ao convívio omisso. Foi a freqüência objetiva de
insurgências que quebrou com a rotina monótona de um
ensino esclerosado, de nítidas intenções redutoras.
Os sistemas filosóficos eram cometas no céu da
curiosidade dos jovens nordestinos reunidos no Recife.
Embriagados de conhecimentos novos, logo estavam
ressacados, buscando outras novidades, com a pressa
própria dos que conspiram. Para o combate ao domínio
dos poderosos, os jovens construíram barricadas na
imprensa, nas lojas maçônicas, nos corredores da
Faculdade de Direito, nas ruas e nos teatros, espalhando
teorias, cada um com a sua função amplificada, na
dimensão do anseio da liberdade que unia aqueles
sedentos de saber novo. Ao desembarcar no cais do
Recife, com uma carta de professor de latim licenciado
157
em sua Província, Tobias Barreto parecia auscultar o
silêncio dos revoltados, solto no ar que varria as ruas
daquela “cabocla civilizada”. Diante da cidade evocou
seus heróis e suas lutas, pranteando a homenagem de
quem se iguala na mesma postura batalhadora.
Aquele tempo Brasil e Paraguai estavam em
guerra. O clamor heróico dos que ficavam distantes do
campo de batalha servia de motivação para exaltar
qualidades guerreiras, sufocadas pela força dos ven ce-
dores. Com o mote da guerra Tobias Barreto alvoroçou
as massas pernambucanas, fazendo das ruas o palco
especial do contágio para a resistência. O patriotismo
genérico, indefinido, mascarava a organização do povo
em torno de questões do dia. Ao fim da guerra o Brasil
recifense era outro. Os temas científicos introdu ziam
suas obras e autores. A poesia sacrificava o sentimento
de intimidade para projetar -se como instrumento de
consciência moral, pelo qual os poetas, como os sábios
faziam da ciência, pudessem fazer da arte asa do espírito
humano. A poesia era, naquele momento, afirmação de
liberdade. Na esteira do tempo a religião, o direito, a
filosofia, todo o conhecimento fervilhava em confrontos
amiudados pela legião de combatentes intelectuais.
O positivismo arrastara o Evolucionismo, o Trans -
formismo e batia duro no costado dos espiritualistas.
Cientificismo e Racionalismo pareciam, diante de
tomistas e ultramontanos, heresias do Materialismo e do
Protestantismo. Tobias Barreto, na vanguarda da crítica,
opta pelo Monismo, acelerando a rotação do
entendimento filosófico, permitindo que fossem dadas
158
as múltiplas explicações às inquietantes indagações do
tempo. No cotejo das teorias, de Haeckel e Noiré, de
Hartmann a Kant, Tobias afirmava e negava conceitos
com a velocidade de quem corria em revezamento, tendo
como parceiros da disputa, com todos os méritos, os
autores alemães que introduziram e discutiram as
novidades da ciência, como filosofia, em confronto com
a fé, como dogma indiscutível. O Positivismo parecia
produzir uma reação antipositivista, apontando ca -
minhos diversos para a reafirmação da liberdade, como
condição instrumental de construção da história
nacional.
Aquela sociedade, constituída, como denunciara
Tobias, por outrem, assistia anestesiada pela alienação
da maior parte dos seus componentes, ao ma is ágil e
completo motor de reação: a emancipação intelectual do
País. Na sintonia latino -americana registra-se, mais
tarde, no México, a contribuição de José Vasconcelos,
com seu Monismo Estético, no Peru, com Alexandro
Deustua que dava a liberdade como princípio in-
formador de toda a beleza, integrando os conceitos de
ordem e de liberdade em uma síntese superior, ou ainda
na Argentina, quando a cátedra de Alexandro Korn fazia
voltar a Kant e os cursos de José Ortega Y Gasset
difundiam o pensamento alemão. Tobias Barreto havia
chegado, muito antes, às mesmas conclusões e posições.
Adotou o Monismo e lhe fez reparos, afirmou a li-
berdade como fundamento da ordem e abriu portas e
janelas do Brasil para a cultura alemã, voltando a Kant e
aplicando o mais indefensável golpe no Positivismo,
159
reabilitando, a princípio, a velha metafísica que os
positivistas tinham como morta. Defendendo a sua
legitimidade e até preconizando a sua necessidade,
Tobias Barreto eu à metafísica o mesmo valor que José
Ingenieros, anos mais tarde, na Argentina, proclamou,
para glória do pensamento portenho.
O pensamento filosófico, em toda a América
Latina, teve como estuário natural as cátedras das
escolas, por onde desfilaram as idéias, os sistemas, e
seus autores e divulgadores. Tanto o Positivismo, como
as reações antipositivistas, o Cientificismo, o Materia-
lismo, freqüentaram as escolas com desembaraço, in -
dicando um controle menos rígido da educação e dos
meios de ensino. No Brasil, ao tempo de Tobias Barreto,
as escolas eram tuteladas pela Igreja e reproduziam, em
todos os seus níveis, os saberes dominantes, de interesse
permanentemente conversor. Do Maranhão a Sergipe
uma única Faculdade, a de Direito do Recife, e dezenas
de escolas de grau intermediário, sob orientação oficial,
como as Escolas Normais, os Liceus, os Ginásios, e
outras tantas sob o rigor de uma disciplina aplicada
pelos grupos católicos, inspirados ou diretamente
sujeitos a orientação dos jesuítas.
A fronteira intelectual superior do Brasil
nordestino era com a Bahia, em cuja Faculdade de
Medicina prosperou, nos anos 70 em diante, uma reação
renovadora, iniciada, provavelmente, pela tese,
rejeitada, do doutorando Domingos Guedes Cabral,
sobre as Funções do Cérebro, seqüenciada pela presença
de estudantes sergipanos – Felisberto Freire, Joviniano
160
Romero, Rodrigues Dória – que refletiam, à distância, a
inquietude intelectual de Tobias Barreto. No Recife,
sede nordestina da cultura em todo o século XIX, a
cátedra era a mais eloqüente tribuna de manutenção dos
velhos conhecimentos, intocados pela auréola de
divindade que ornava a verdade clerical. O próprio
Tobias experimentou, por três vezes, furar o bloqueio do
controle do ensino em Pernambuco. Candidatou-se duas
vezes a uma cadeira de Latim, no Colégio das Artes, que
funcionava em anexo e como preparatório à Faculdade
de Direito, e uma vez à cadeira de Filosofia do Ginásio
Pernambucano. Nos dois primeiros concursos perdeu
para o padre sergipano Félix Vasconcelos Barreto e no
último foi derrotado, mesmo tendo maior nota, pelo dr.
José Soriano de Souza, divulgador neotomista, filiado à
propaganda da Revista Contemporânea de Paris, que no
Recife teve na Revista Mensal da Instrução Pública de
Pernambuco, veículo especial de difusão.
Não houve, de nenhum modo, atividade se me-
lhante àquela da Faculdade de Filosofia e Letras de
Buenos Aires, primeiro como Rodolfo Ricarola e depois
com Alexandro Korn, ou do Colégio Livre de Estudos
Superiores de Buenos Aires, ou ainda das Escolas
Normais de Paraná e de Mercedes, da Faculdade de
Humanidades de La Plata, ou do Colégio Novecentista,
fundado sob influxo dos cursos ministrados, em 1916,
por Ortega Y Gasset, todos na Argentina, onde o
Positivismo não tomou a feição religiosa que adquiriu
no Brasil. Vários pensadores e divulgadores da fi losofia
mais nova, como Alexandro O. Deustua, no Peru,
161
Antônio Caso, no México, Carlos Vaz Ferreira, no
Uruguai, fizeram da cátedra a mais contundente função
crítica, projetando sobre as gerações latino -americanas a
sentença de uma filosofia compromissada com o fazer
histórico da liberdade.
No Brasil Tobias Barreto foi dos raros pensadores
a ser aceito no ambiente da Faculdade de Direito, onde
fora aluno e desafeto dos surrados e embolorados
compêndios. Seus companheiros, como Sílvio Romero e
Artur Orlando, com quem manteve total entrosamento e
intimidade, foram barrados na entrada da escola,
derrotados nos concursos a que se submeteram. Por isso
mesmo a Faculdade de Direito do Recife, cenário e
depois palco das transformações mentais da juventude,
não produziu, depois de Tobias, qualquer vertente
inovadora de cultura, ainda que por ela passassem
figuras notáveis que honraram a memória do combate
intelectual. A Escola do Recife não se fez na Faculdade
de Direito, mas nos jornais recifenses e pernambucanos,
que representaram o conduto esclarecido das mudanças
de atitudes diante do repertório de conhecimentos.
Os jornais, muitos deles pequenas folhas, como
os periódicos escandeses de Tobias Barreto, as revistas,
as publicações avulsas, serviram de suporte para a
resistência filosófica dos brasileiros do Nordeste. Cir -
cularam, do Maranhão a Sergipe, entre 1862 e 1889
(data da chegada de Tobias ao Recife e de sua morte)
mais de 1.600 jornais e periódicos, sendo cerca de 700
em Pernambuco, quase 400 no Ceará, mais d e 150 em
Alagoas, mais de 100 no Piauí, quase 100 em Sergipe e
162
no Maranhão, mais de 60 na Paraíba e no Rio Grande do
Norte. Esse acervo, desaparecido ou degradado, serviu
de meio eficaz de luta, fixando posições, divulgando
novidades, que compensava a estrutura monolítica de
controle da educação por parte das classes dominantes.
A imprensa, como a filosofia, teve profundos compro -
missos com as lutas da liberdade.
A independência mental de Tobias Barreto, diante
dos sistemas e das correntes filosóficas, desnorteou a
trajetória das idéias no Brasil. O comportamento nor -
mal, nos países latino-americanos, que também vigorava
no Recife ao tempo de Tobias, era o da união perpétua
entre o leitor e o autor, o professor e o filósofo, a
cátedra e a pregação das idéias abraçadas. Com Tobias
Barreto as idéias perderam o tônus de ensinamentos
permanentes, para serem ferramentas efêmeras de
transformação cultural. O pensador sergipano percorreu
escolas e sistemas, desbravando-os, num processo con-
tínuo e coerente de reflexão, deixando nos jornais e nos
livros a marca de seu labor crítico. A circunstância que
teve poder mais largo e profundo foi a do vetor
germanista da postura tobiática. Um germanismo denso,
encorpado nas fontes mais sedimentadas da evolução
intelectual, capaz de banhar com a essência poética da
emoção as cruas revelações da ciência de Darwin,
aperfeiçoada por Ernest Haeckel, ou a penetrante
confissão psicológica do inconsciente de Eduardo Von
Hartmann, ou a instigante luta pelo direito, de Rudolf
von Jhering, tendo a crítica kantiana permeado sua
conduta.
163
Mesmo não se engajando na questão religiosa,
entre padres chefiados por Dom Vital, e maçons das
diversas lojas recifenses, ou não tomando partido da
peleja jornalística entre Abreu e Lima e Pinto de
Campos, sobre bíblias falsas, Tobias viveu, em dois
momentos distintos de sua existência, a mesma situação,
de travar embates com representantes do pensamento
católico. Uma vez em 1870, quando pelo seu jornal O
Americano discuto com o velho professor Autran da
Mata Albuquerque, do jornal O Católico, e segunda vez,
em 1883, quando pelo Diário de Pernambuco polemiza
com os padres e seus redatores do jornal maranhense
Civilização. Embates virulentos, cruéis até, desgas-
tantes, que deixaram feridas expostas, que jama is
cicatrizaram. Para a administração da Igreja Tobias
Barreto era a encarnação de toda a reação ideológica ao
primado da fé, mesmo quando referendado pela decisão
tomada no Concílio do Vaticano, em 1870.
O germanismo operara em Tobias Barreto uma
profunda mudança de atitude, a visão universal da
cultura, esta vivida como lei da história humana perante
a natureza, transformando-a para o bem e para o belo,
fez de Tobias Barreto um sistematizador de conceitos,
um exegeta das idéias, um conciliador de sistemas . Seu
retorno a Kant, em 1887, mesclado de estudos ante -
riores, a partir de 1874, é um sinal de vitória, sobre os
espiritualistas, sobre os positivistas, precedendo a evo -
lução materialista da história. Quando retorna a Kant,
Tobias não extrai, da filosofia alemã, apenas aquilo que
ele havia produzido no passado. Vai mais adiante, numa
164
releitura kantiana que antecede a outros autores, tanto
na América Latina, quanto no resto do mundo, O pastor
Hermamm Dohms, presidente do Sínodo, escreveu no
jornal evangélico de São Leopoldo, no Rio Grande do
Sul, em 1932, que Tobias Barreto, sem conhecer a
teologia de A. Ritschl, conhecia no entanto a situação
espiritual em que se desenvolveu a teologia daquele
autor, na base filosófica da conexão com Kant. Para
Dohms, a repetição de uma grande experiência e o
desespero diante da própria experiência eleva e aponta
para uma confissão de fé.
O movimento teológico protestante vicejou ao
tempo de Tobias. Em Sergipe dois fatos obtiveram
enorme repercussão: a queda da obrigatoried ade do
ensino religioso na Escola Normal, decretado por Inglês
de Souza, que passara pela Faculdade de Direito do
Recife e presidia a Província onde Tobias nascera, e a
presença, como clínico, em Laranjeiras, interior
sergipano, do médico baiano Guedes Cabral, à mesma
época. Logo depois, em 1883, os pastores Blackford e
Finley realizaram pregações evangélicas e em 1884
fundaram duas igrejas protestantes em Sergipe: uma em
Laranajeiras, e outra no povoado Lavandeiras, entre
Laranjeiras e Itabaiana. Por todo o Nordeste surgiram os
templos protestantes, ocupando um espaço na população
que não temia conviver com a fé reformada. O ambiente
criado pela posição filosófica de Tobias Barreto pro -
piciou o debate das idéias religiosas na população,
através das Igrejas protestantes, como na vertente do
Materialismo permitiu o surgimento de agremiações
165
socialistas, formadas por discípulos seus, como foi o
caso de Manoel dos Passos de Oliveira Teles, em
Sergipe, associações sindicais, anarquistas e utópicas,
centros operários marxistas, num evoluir perfeito de
discussão ideológica.
Assim como pensar e escrever em alemão era a
transgressão maior de um dominado em luta, a
divulgação das idéias alemãs de Lutero a Kant, de
Hartmann a Jhering, de Hegel a Marx, era o produto
social e histórico da liberdade intelectual brasileira.
Parafraseando o pensador sergipano, quando a propósito
de Kant criou Herman Hettner, voltar a Tobias Barreto é
progredir. As suas Obras Completas são documentos da
vida brasileira, que afirmam a condição pensante do
homem em seu processo histórico de evolução cultural,
num País ainda hoje preso ao atraso e à dependência nas
suas relações com o mundo.
166
Bibliografia Recomendada
167
Tobias Barreto e a Teologia Protestante Alemã do
Século XIX, por Hermamm Dohms, in Deutsche
Evangeliche Bläter, 7 e 8, 9 e 10, São Leopoldo,
1932.
Tobias Barreto, A Abolição da Escravatura e a
Organização da Sociedade, por Luiz Antônio Barreto,
Recife, 1988.
Obras Completas de Tobias Barreto, Edição Come-
morativa, organização de Antônio Paim e Paulo
Mercadante, Direção Geral de Luiz Antônio Barreto,
com a colaboração de Jackson da Silva Lima, INL/
Editora Record, Rio de Janeiro, 1989/1990, 10
volumes, conforme sumários a seguir:
Estudos de Filosofia
Sumário
Tobias Barreto, uma Biobibliografia, por Luiz Antônio
Barreto.
Introdução, por Antônio Paim e Paulo Mer cadante.
Fortuna Crítica
A Trajetória Filosófica de Tobias Barreto, por An-
tônio Paim
Nota sobre a Noção de “Monismo” em Tobias Barreto
e na Escola do Recife, por Nelson Saldanha
169
Estudos de Direito I
Sumário
Tobias Barreto, uma Biobibliografia, por Luiz Antônio
Barreto
Tobias Barreto na Cultura Brasileira, por Miguel Reale
I – Filosofia do Direito
Idéia do Direito
Apêndice: Teses do Concurso de 1882,
Programas da Faculdade de Direito,
Jurisprudência da Vida Diária
IV – Direito Processual
História do Processo Civil
Fortuna Crítica
Um Triunfo Esplêndido, por Gumercindo Bessa
A Caricatura do Direito Natural, por Djacir Menezes
Estudos de Direito II
Sumário
Tobias Barreto, uma Biobibliografia, por Luiz Antônio
Barreto
Tobias Barreto e o Direito Penal, por Everardo Luna
Menores e Loucos
Prolegômenos do Estudo do Direito Criminal
Comentário Teórico e Crítico ao Código Criminal
Brasileiro
Delitos por Omissão
Ensaio sobre a Tentativa em Matéria Criminal
Mandato Criminal
A Co-delinqüência e seus Efeitos na Praxe Processual
Fortuna Crítica
Tobias Barreto, Criminalista, por Aníbal Bruno
Tobias Barreto, Pensador do Direito Criminal, por
Virgílio Campos
171
Estudos de Direito III
Sumário
Tobias Barreto, Uma Biobibliografia, pr Luiz Antônio
Barreto
Fortuna Crítica:
A Filosofia Jurídica de Tobias Barreto, por Manoel
Cabral Machado
Crítica de Religião
Sumário
Tobias Barreto, uma Biobibliografia, por Luiz An-
tônio Barreto
O Acadêmico
Uma Luta de Gigantes
Theologia Rationalis
Teologia Racional (refutação)
Notas de Críticas Religiosas
Moisés e Laplace
Os Livros Mosaicos ou Assim Considerados
Polêmica com “O Católico”
Uma Excursão de Diletante pelo Domínio da Ciência
Bíblica
Sobre um Escrito de Alexandre Herculano
Sobre David Strauss
Encore um Pelerin
Mais um Peregrino
Polêmica com “A Civilização”
Os Pontos de Filosofia do padre dr. Jerônimo Thomé
O Último Livro de E. Renan e o sr. Oliveira Martins
173
Fortuna Crítica:
Tobias Barreto, o seu Ponto de Vista Religioso, por
Artur Orlando
Sumário
Tobias Barreto, uma Biobibliografia, por Luiz Antônio
Barreto
Tobias Barreto, por Evaristo de Morais Filho
O Patriotismo
Ao Sete de Setembro
Os Homens e os Princípios
Política Brasileira
Política da Escada
Ainda Politica da Escada
Fidalguias Pernambucanas
Os Bispos Anistiados
Apelo
Ajuste de Contas
Um Discurso em Mangas de Camisa
Verificação de Poderes
Manifestações ao dr. Jsé Mariano
Oposição ao sr. Adolfo de Barros
Oposição ao sr. Adolfo de Barros II
Educação da Mulher
Educação da Mulher II
Ainda a Educação da Mulher
Projeto de um Partenogógio
174
Projeto nº 129
O Grande Dia
Reforma Eleitoral
A Próxima Eleição
Ao Corpo Eleitoral
Um Ligeiro Boato
Morte de Osório
Revolução do Vintém
Henrique von Treitschke e o Movimento Antijudaico
na Alemanha
O Martelo dos Tratantes
A Política Brasileira
A Carlos Gomes
Redenção do Município do Recife - Manifesto
Palavras ao Clube Carlos Gomes
A Academia
Apêndice – artigos e notas de jornais
Fortuna Crítica:
Tobias Barreto, por Brasil Brandechi
Tobias Barreto e a Teoria Política no Brasil, por
Gláucio Veiga
Monografias em Alemão
Sumário
Tobias Barreto, uma Biobibliografia, por Luiz Antônio
Barreto
Tobias Barreto e Dom Pedro II: Duas Faces do Germa-
nismo Brasileiro, por Vamireh Chacon
175
O Lutador Alemão
O Brasil como Ele é Considerado do Ponto de Vista
Literário
Uma Carta Aberta à Imprensa Alemã
Fortuna Crítica:
Tobias Barreto de Menezes, o Mais Significativo
Germanista do Brasil, por Carlos H. Oberacker Jr.
Dias e Noites
Sumário
Tobias Barreto, uma Biobibliografia, por Luiz Antônio
Barreto
A Obra Poética de Tobias Barreto, por Jackson da Silva
Lima
Filosóficas:
Juízo Final
Anelos
Aspiração
176
Vôos e Quedas
A Caridade
O Gênio da Humanidade
Epicurismo
Ignorabimus
A Glória
O Coração
Últimos Versos
A Morte
Campestres:
Cena Sergipana
O Beija-flor
Os Trovadores das Selvas
Lenda Rústica
Os Tabaréus
Ano Bom
Mágoas
Diversas:
Maria
Victor Hugo
Mãe e Filho
No Álbum de um Poeta
Inspiração
Lenda Civil
Oito Anos
A Luva
A Escravidão
Hino ao Trabalho
177
Je Sais
Discípulo e Discípula
Improviso
No Álbum de uma Discípula
Porque Volto?
Filia Pulchra et Mater Pulchrior
Charadas
Parte II – Patrióticas:
Guerra Holandesa
À Vista do Recife
A Polônia
Os Voluntários Pernambucanos
Os Leões do Norte
Aos Oficiais da Guarnição da Paraíba
SS. AA. Imperiais
Sete de Setembro
Em Nome duma Pernambucana
Partida de Voluntários
Num Dia Nacional
Capitulação de Montevidéu
Caxias e Herval
Queda da Assunção
Fim da Guerra
Volta dos Voluntarios
Diante de um Batalhão que Voltava da Campanha
Minha Pátria
O General Deodoro da Fonseca
Guerra do Paraguai
178
Parte III – Estéticas:
A uma Mulher de Talento
Depois de Ouvir a Ária Final da Traviata
Artur Napoleão
O Pianista Hermenegildo
O Rabequista Moniz Barreto
Ainda Moniz Barreto
Uma Cantora
Adelaide do Amaral
De Novo Adelaide do Amaral
Joaquim Augusto
Mr. Reichert
Ainda à mr. Reichert
Ainda à Adelaide do Amaral
À Bottini
Polca Imperial
À Júlia Tamborini
Ainda à Tamborini
Líbia Drog
Giuseppina de Senespleda
Ida Giovanni
Ainda Líbia Drog
Desânimo
À Augusta Cortesi
A uma Cantora
Parte IV – Amorosas
Criança
Eu Amo o Gênio
Deusa Ignota
179
Glosa
Amália
Teus Olhos
Uma Poetisa
Um Pouco de Música
Penso em Ti
Idéia
Haec Olim Meminisse Juvabit
Pelo Dia em que Nasceste
Leocárdia
Suprema Visio
Amar
É Cedo
Carmem
Consente
A Mulher
Como?
Nós as Estrelas
Sobre as Asas Querúbicas
O Beijo
Súplica
Contemplação
Tão Longe Assim
Dize-me Sempre
Oh! Isto Mata
Não Falei em Mim
Sê Meiga e Terna
Porque me Feriste?
Como é Bom! Cantai
Malévola
180
Lutas D’Alma
Fatalidade
Jerônima
Por Brincadeira
Que Mimo!
Ainda e Sempre
Incrédula
Nada
Impossível
Sempre Bela
Variação à Heine
Paráfrase
Uma Sergipana
À
Pilhéria
Improviso
Improviso
Um Sonho em Vigília
Parte V – Satíricas:
Decadência!
O Rei Reina e não Governa
Conselheiro Pedro Autran de Albuquerque
Papel Queimado
Namoro não é Crime
O Mal da Humanidade
Homo Homini Lupus
Sê Leão!
Diante do Retrato de D. Josefa A.F. de Oliveira
Cena Cômica
181
Chapa
Dr. José Brandão da Rocha
O Coronel João Félix
Ainda o Coronel João Félix
Uma Rima p’ra Camelo
Padre Fonseca
Ainda Padre Fonseca
Dr. Joaquim Nabuco
José Higino
Ainda José Higino
Dr. Carneiro da Cunha
Dr. Fagundes Coelho
Lá Vai Verso, Rapaziada!
Academia
Apêndice
Tentação
Quando à Mesa dos Prazeres
Elegus
Elegia
Nênia
Ao Promotor Leandro Borges
Dois de Julho
Veni de Libano, Sponsa Mea
Camões
Ao Padre Benvindo
A um Velho Latinista
Padre J. A. de Faro Leitão
Hino à Virgem
Soneto
182
Soneto
Ode Sáfica (em Latim)
Ode Sáfica (Tradução)
Elogio (em latim)
Elogio (tradução)
A Imagem da Minha Amada
Minhas Lágrimas
Fortuna Crítica:
Tobias Barreto, o Poeta, por Mário Cabral.
Sumário
Tobias Barreto, uma Biobibliografia, por Luiz Antônio
Barreto
Tobias Barreto e a Crítica, por Luiz Antônio Barreto
A Paes de Andrade
Flores da Noite
Literatura Bíblica: Naum
O Romance no Brasil
A Influência do Salão na Literatura
Auerbach e Victor Hugo
Idéias sobre os Princípios da Estilística Moderna
A Musa da Felicidade
Carolina Michaellis e a Nova Geração Literária em
Portugal
Socialismo em Literatura
A Última Carta de Victor Hugo ao Congresso de
Genebra
183
O Dia de Camões
Um Romance e um Romancista
Sobre Lingüística
Nota sobre o Romantismo Alemão
Ligeira Conjectura sobre o Nome de Camões
Lendas e Superstições do Norte do Brasil
O que Nós Queremos
Nota sobre a Literatura da América do Norte
Traços da Literatura Comparada do Século XIX
Prálogo (Gramática Latina)
O Benefício da sra. Cortesi
O Último Espetáculo da Companhia Lírica
Alguma Coisa Também sobre Meyerbeer
Ainda Alguma Coisa Também sobre Meyerbeer
Minha Contribuição
Um Pedaço de Autopsicologia
Algumas Palavras sobre o Lírico
A Traviata e a sra. Lucia Avalli
Companhia Lírica
As Últimas Representações do Fausto
Belini e a Norma
Carlos Gomes e sua Ópera Salvator Rosa
A Senhora Drog como Elvira
Não Há mais Gosto pelo Drama
Sobre Lucinda
Fortuna Crítica:
Três Mestres do Direito no Batente do Jornal, por
Luiz do Nascimento
184
Estudos Alemães (e Vários Escritos)
Sumário
Tobias Barreto, uma Biobibliografia, por Luiz Antônio
Barreto
O Germanismo de Tobias Barreto, por Paulo Mercadante
Prólogo
Como Introdução
Carta ao Redator do Deutsche Zeitung
The Position of Women in Germany
A Alma da Mulher
A organização Comunal da Rússia
Apresentação do Der Deutsche Kaempfer (alemão)
Apresentação do Der Deutsche Kaempfer (tradução)
Pedido
Is Die Metaphysik Als Zu Betrachten
De quem é o Erro. Da Autora ou da Tradução?
As Faculdades Jurísticas como Fatores do Direito
Nacional
Carta a Karl von Koseritz
J. C. Frederico Zollner
Política Prussiana
Notas a Lápis
Tobias ao dito Lessing do Diário do Dia 19 do Corrente
A Mulher e o Amor
Miséria do Império e sua Corte
O Príncipe de Bismarck e o Visconde do Rio Branco
Uma Anticrítica, ou Melhor, uma Andidescompostura
Nem Filósofo nem Crítico
Reforma do Regimento
185
Privilégio dos Carros Fúnebres
Há entre Nós uma Verdadeira Eloqüência Parlamentar?
Avis au Lector
Aviso ao Leitor
Um Lente de São Paulo Julgando um Colega do Recife
1879
Fundação Bluntchli
O Monismo
O Monismo
O Industrial
As Artes e a Indústria Artística
As Flores Perante a Indústria
Memória Acadêmica do Ano de 1883
A Fotografia como Ramo de Indústria Próprio das
Mulheres
Himmel-und Escadafahrt
Avulsos
Idéias Introdutórias ao Estudo da História
Correspondências:
A Carvalho Lima Júnior
Aos Estudantes Sergipanos da Faculdade de Me-
dicina da Bahia
A Sílvio Romero
A Artur Orlando
De Autores Alemães para Tobias
De Sílvio Romero a Artur Orlando, sobre Tobias
Fortuna Crítica:
O Germanismo de Tobias Barreto, por Mário G.
Losano
186
O Radicalismo Crítico de Tobias Barreto (seu pen-
samento filosófico e político), por Vamireh Chacon
187
O PENSAMENTO
E A AÇÃO POLÍTICA
DE TOBIAS BARRETO
188
Introdução
194
As citações, todas elas, reforçam a preocupação
da classe dominante e o controle que ela exercia sobre a
educação, nas escolas e através dos jornais, e sobre a
cultura, desdobrando-se na condenação à ciência. Era
esse ambiente do Recife – a cabocla civilizada – como a
vira Tobias em 1862, ao chegar da Província de Sergipe.
Aquele ambiente, ponto de convergência da mocidade
nordestina, mesclava-se apenas do lirismo dos ainda
muito jovens poetas que freqüentavam os teatros como o
baiano Castro Alves, o cearense Júlio César, o per-
nambucano Vitoriano Palhares, o sergipano Tobias
Barreto, entre muitos outros que existiram meteo -
ricamente na história luminosa das letras brasileira.
O Poeta da Guerra
197
Juntem as almas gratas
De colegas e de irmãos;
Que o vento que acorda as matas
Nos toma os livros das mãos:
A vida é uma leitura,
E quando a espada fulgura,
Quando se sente bater
No peito heróica pancada
Deixa-se a página dobrada
Enquanto se vai morrer.
199
A poética da guerra encerra-se, em Dias e Noites,
com o improviso, sem data, recolhido entre amigos pelo
filho João Barreto. (8)
200
O Teórico da Liberdade
A Organização da Sociedade
Conclusão
212
NOVA MISSÃO TOBIÁTICA
NO RECIFE
213
No dia 4 de maio de 1925, perante o
Presidente Maurício Graccho Cardoso e selecionada e
atenta platéia, no salão do Instituto Histórico e
Geográfico de Sergipe, Manoel dos Passos de Oliveira
Teles relatou aquilo que ele denominou de Missão
Tobiática no Recife, que lhe fora confiada pelo
Presidente do Estado e que consistia no levantamento e
na organização da obra dispersa do genial pensador
sergipano Tobias Barreto de Menezes, de quem o
próprio orador era discípulo, guardando do Mestre as
recordações e as saudades da Facu ldade de Direito do
Recife, das récitas, das noitadas, da boemia intelectual
que mesclava o espírito inquieto do gênio sergipano.
Manoel dos Passos de Oliveira Teles de
Aracaju, a bordo do vapor Íris, em fins de 1924, para
resgatar, em 90 dias, a obra disp ersa de Tobias Barreto,
em cerca de 46 jornais, sendo 32 editados no Recife, 11
de responsabilidade do próprio Tobias, editados em
Escada, e 3 jornais editados em língua alemã. Ainda que
contando com a colaboração de João Barreto de
Menezes, filho de Tobias, e com a colaboração de
muitos pernambucanos e sergipanos em postos de
destaque na vida administrativa do Recife, não foi
possível ao pesquisador ter acesso, nem na Faculdade de
Direito, nem na Biblioteca Pública do Estado, a todos os
jornais que tiveram Tobias Barreto como redator ou
colaborador. Os jornais estavam em pedaços, ou
desaparecidos.
214
Em 1907 Alfredo de Carvalho chamava a
atenção, nos Anais da Imprensa Periódica
Pernambucana, para a raridade em que já se constituía
alguns dos jornais publicados por Tobias Barreto ou que
receberam sua colaboração em prosa e verso. Mas, ainda
assim, a Missão Tobiática no Recife teve grande êxito,
porque permitiu a primeira organização da Obra
Completa, a partir das edições diversas até 1889, das
publicações feitas, postumamente, por Sílvio Romero,
acrescidas, todas elas, dos textos recolhidos no Recife
por Manoel dos Passos de Oliveira Teles. Coube ao
mesmo Governo que bancou a idéia da recolha, editar,
em 10 volumes toda a obra de Tobias Barreto, legando
às novas gerações de sergipanos e de brasileiros o
conhecimento do repertório intelectual que renovou, na
segunda metade do século passado, o direito, a filosofia,
a ciência social e a literatura, emancipando mentalmente
o Brasil.
Mesmo coberta do sucesso que dá a
Manoel dos Passos de Oliveira Teles os mais justos
louvores a Missão Tobiática no Recife deixou de reunir,
dentre outros, o trabalho de Tobias Barreto como
advogado, como Curador dos Órfãos e como Juiz
Municipal – substituindo – no Termo, depois comarca
de Escada, onde o mestre viveu por cerca de 10 anos, e
de onde lançou mais longe suas vistas de intelectual, de
pensador e de teórico social, e de onde saiu eleito
deputado à Assembléia Provincial de Pernambuco, ou
ainda foi eleito Vereador à Câmara Municipa l. A vida
intelectual de Tobias Barreto em Pernambuco tem, pelo
215
menos, três fases distintas: aquela inicial, de acadêmico
de direito, publicando poesias e artigos variados nos
pequenos jornais, a de Escada, e a de Lente Substituto
da Faculdade de Direito, e de jornalista, a partir do seu
retorno ao Recife e até a sua morte, em 1889. Foram 27
anos de intensa atividade, desde a chegada ao Recife,
em dezembro de 1862, com 23 anos de idade, pobre e
desconhecido, superando o meio e as adversidades da
vida.
Ainda é possível, com os mais velhos,
recolher em Escada a impressão deixada por Tobias
Barreto. No cartório da rua João Manoel Pontual, nº
220, sob a guarda do Tabelião e Escrivão José Maria
Correia, estão os Processos, dezenas deles, nos quais
Tobias funcionou. De muitos dos Processos Maria
Andrelina de Melo, em nome da extinta Subsecretaria de
Cultura do Estado de Sergipe – SUCA – tirou cópias de
peças e procurações que atestam a lide forense de
Tobias Barreto de Menezes. Mais recentemente, os
pesquisadores do Instituto de Documentação da Fun-
dação Joaquim Nabuco, orientados à distância por
Jackson da Silva Lima, empreenderam a novo
levantamento, relacionando, registrando e micro fil-
mando Processos, com vistas a revelar essa faceta
inédita de Tobias Barreto, preliminarmente referenciada
por Jackson da Silva Lima, em artigo publicado na
Revista do Tribunal de Justiça do Estado de Sergipe.
Tem início, assim, Nova Missão Tobiática
no Recife, ampliada para Escada, Vitória de Santo
Antão, Cabo Rio Formoso, Ipojuca, Gameleira,
216
Serinhaem, Palmares e Barreiros, em busca de Processos
nos quais Tobias Barreto tenha funcionado como
advogado. Mais que isto, estão sendo procurados os
jornais recifenses e escadenses, nos quais Tobias
Barreto deixou a marca de sua genialida de.
***
Aos 23 nos, ajudado pelo Governo da
Província de Sergipe, Tobias Barreto chegou ao Recife,
segundo suas próprias palavras, no dia 10 de dezembro
de 1862, com apenas 95 mil réis. Sem dinheiro e doente,
viu frustrada a sua entrada na Faculdade de Direito.
Passara, com muitas dificuldades o ano de 1863. Mas, a
partir de 1864, quando consegue matrícula como
acadêmico de Direito, começa a ativar uma vida
intelectual, mantida ininterruptamente, através da
imprensa periódica. Poucos intelectuais bras ileiros se
valeram tanto e de forma tão íntima e definitiva, da
imprensa como Tobias Barreto. Foi redator, editor,
diretor, colaborador de jornais e de revistas, deixando
seu nome em pelo menos 32 periódicos pernambucanos,
segundo Alfredo de Carvalho – Anais da Imprensa
Periódica Pernambucana, 1821-1908, Recife, 1908 –
Luiz do Nascimento – História da Imprensa de
Pernambuco – e outros informantes, incluindo o próprio
Tobias Barreto em carta de 6 de agosto de 1880, dirigida
a Carvalho Lima Júnior.
217
Os levantamentos que estão em curso, no
âmbito do Instituto de Documentação da Fundação
Joaquim Nabuco, sugerem a organização da seguinte
lista de jornais e revistas, todos do Recife:
Ensaio Literário do Recife:
Ensaio Literário, 1864,
O Futuro, 1864,
A Palmatória, 1865,
O Acadêmico, 1865,
Revista Ilustrada, 1866,
A Luta, 1867,
A Regeneração, 1868,
O Vesúvio, 1869,
Correio Pernambucano, 1869,
Jornal do Recife, 1869,
O Americano, 1870,
A Crença, 1870,
O Liberal, 1870,
O Movimento, 1872,
Jornal do Comércio, 1872,
A Província, 1874,
Escola, 1875,
O Século, 1878,
Correio da Noite, 1879,
A Lyra, 1881,
A Estação Lírica, 1882,
Homenagem a Cargos Gomes, número único,
1882,
A Tribuna, 1882,
O Sahara, 1883,
218
O Industrial, 1883,
Folha do Norte, 1883,
A Arte Dramática, 1884,
Revista das Artes, 1885,
A Academia, 1888,
Homens e Letras, 1888,
Revista Acadêmica, 1888, e, em várias
épocas,
Diário de Pernambuco.
Dos 32 periódicos listados, apenas 23
podem ser encontrados, sob a guarda do Arquivo
Público do Estado. 9 deles não são mais e ncontrados em
Instituições de documentação de Pernambuco. São eles:
Revista Ilustrada,
A Luta,
A Regeneração,
A Crença,
O Movimento,
O Século,
Homenagem a Carlos Gomes,
Revista das Artes,
Revista Acadêmica.
Alguns desses periódicos sobreviventes
estão microfilmados pela Fundação Joaquim Nabuco,
dentro do Plano Nacional de Microfilmagem, orientado
pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. A Nova
Missão Tobiática tem tido como uma de suas
219
preocupações localizar e conferir tal acervo que guarda
a obra jornalística e literária do gênio sergipano. Há
indícios de colaborações de Tobias Barreto em outros
jornais e revistas, dos quais a informação é escassa.
Além da falta, preocupa o estado degrado dos jornais,
muitos dos quais sem condições de consulta. Urge s alvar
o que ainda não foi perdido e tem sido esta a
providência da FUNDAJ, com a colaboração do Arquivo
Público do Estado.
***
Uma rua em Vila Alegre, em Jaboatão, na
grande Recife, uma importante rua do Bairro do São
José, no centro comercial do Recife e um luxuoso prédio
de apartamentos, na rua Navegantes, no agitado bairro
de Boa Viagem, na zona sul da capital pernambucana,
guardam o nome de Tobias Barreto, o genial sergipano
que, nascido em Campos do Rio Real, hoje Tobias
Barreto, em 1839, fez carreira de estudante de direito,
de bacharel, professor e escritor em Pernambuco, de
1862 até 1889, quando morreu, aos 50 anos, deixando
vasta obra dispersa na imprensa recifense e de Escada,
nos livros que publicou em vida, cobrindo diversos
campos do conhecimento, aos quais emprestou
colaboração original. Ainda hoje as novas gerações de
estudantes da velha Faculdade de Direito do Recife
guardam respeito e veneração a figura daquele que
220
liderou a chamada Escola do Recife, movimento
irrompido na segunda metade do século XIX, e que
renovou a idéia dominante sobre a filosofia, o direito e a
sociedade brasileira.
“Ídolo da mocidade acadêmica” ou
“feiticeiro” do germanismo, assim ficou conhecido a
partir de quando assumiu o lugar de Lente substituto da
Faculdade de Direito do Recife, para o qual foi nomeado
em 31 de julho de 1882, pelo Imperador Pedro II,
“atendendo ao merecimento e às habilitações que
concurso mostrou o Bacharel Tobias Barreto de
Menezes.” Casa de Tobias, assim é chamada, por
professores e alunos, a Faculdade de Direito na qual o
Mestre foi aluno até 1869 e professor. Retratos,
assinados por vários artistas renomados de Pernambuco,
e um monumento em bronze, nos jardins da Escola,
inaugurada em 14 de dezembro de 1925, guardam a
imagem de Tobias Barreto, na homenagem recifense e
pernambucana ao talento fulgurante que marcou a vida
intelectual de Pernambuco e do Brasil.
De seus hábitos, sabe-se, pela informação de
Manuel dos Passos de Oliveira Teles, que levava
consigo, sempre, um vidrinho de perfume, água de
colônia, que cheirava para combater tonturas que sofria
constantemente. Quando morava em Afogados, no
Recife, depois que voltara de Escada, costuma ficar
longos períodos numa rede, tendo ao lado uma esteira
nesta muitos livros que devorara, um a um, a todos,
segundo testemunhos de familiares do Padre Pedrosa,
seu vizinho e amigo. Quando morava em Escada cos-
221
tumava visitar o Recife, de 15 em 15 dias, para publicar
artigos nos jornais, freqüentar teatro, reabastecer sua
biblioteca. Era uma viagem de t rem, que durava mais de
3 hortas, cortando canaviais, ao cheiro dos engenhos
fumegantes.
Em Escada, Tobias Barreto era, para seus
desafetos, o “Turco”, que significava na época, como
ensina o próprio Tobias, Homem terrível, homem-fera.
“Turco do Inferno” ou “Tobias do Diabo”, assim
gritaram insultos, na madrugada de 1º para 2 de agosto
de 1881, no famoso cerco à sua casa, quando Samuel
dos Santos Pontual, acumulando função testamenteira e
de delegado em exercício, queria capturar 6 escravos
que estavam na casa e sob a proteção de Tobias e de seu
cunhado Sinfronio, que desde 1874 morava com ele. Os
insultos indicavam a animosidade e correspondiam, em
agressividade, ao tom utilizado por Tobias Barreto nos
jornais que publicava em Escada, nos quais não poupava
sátiras contra seu sogro João Félix dos Santos e, mais
tarde, os herdeiros, principalmente os irmãos Samuel e
Antônio dos Santos Pontual, este o Barão de Frexeiras.
Poucas pessoas têm lembranças, em prosa ou
verso, de Tobias Barreto em Escada. Uma sobrinha -neta
de sua mulher, em idade avançada, tenta lembrar que
Tobias era amável e carinhoso com os filhos. Os mais
velhos arriscam uma estória na qual Tobias Barreto é
personagem principal, enquanto outros preferem, com
uma ponta de inimizade, lamentar que o mestre tenha
dito que as escadas, todas elas, servem para subir, mas
aquela Escada só servia para descer. Mas, além das
222
queixas, a cidade de Escada guarda retrato de Tobias,
sua letra nos processos em que funcionou como
advogado, como Curador dos Órfãos, co mo Juiz
Municipal e do Comércio, como integrante da Junta
Eleitoral da Paróquia, como vereador à Câmara Mu -
nicipal, como guarda seus jornais, editados ali, em
pequenas tiragens, quase sempre em tipografia própria.
Um Signal dos Tempos, 1874, A Comarca de
Escada, 1875, Devaneio Literário, 1875, O Desabuso,
1875, O Povo de Escada, 1876, O Escadense, 1877,
Aqui para Nós, 1877, A Igualdade, 1878, Contra a
Hipocrisia, 1879, a revista Estudos Alemães, 1880, e O
Martelo, 1881. Além destes, Tobias Barreto editou em
Escada o Deutscher Kaempfer, 1875, O Brasilien wil is
ist, 1876, e o Ein Offner Brief an Die Deutsche Press,
1878. Esta a contribuição jornalística de Tobias Barreto
em Escada, complementando a sua permanente presença
na imprensa do Recife, com artigos de fundo, ensaios e
críticas, poemas e comentários sobre artes, política,
religião, fatos da história e tudo o mais que despertava o
interesse do gênero sergipano.
***
225
No dia 30 de novembro deixa Maceió com destino
a Recife, para dar início a um período decisivo de sua
vida, que consagra sua inteligência e sua genialidade.
Os jornais de Maceió continuam a se ocupar com o
jovem sergipano, como a acompanhar sua glorificação
intelectual. Assim, Tobias Barreto retorna aos espaços
da imprensa alagoana, em 1889, doente, sob os cuidados
dos doutores Luiz Joaquim da Costa Leite, Antônio
Francisco Gouveia e dr. jambeiro, que tudo fazem em
favor da saúde do mestre.
Recolhido ao leito, Tobias Barreto é alvo de
muitas homenagens, de freqüentes visitas e rodeado do
carinho alagoano, como se verifica nas notícias de
primeira página do jornal ORBE, dos dias 22 e 24 de
março de 1889. Diz o ORBE de 22 de março: “Tem
conseguido melhoras nesta cidade o ilustrado sr. dr.
Tobias Barreto. Sempre cercado de amigos e admi-
radores, durante o dia e a noite, o ilustrado enfermo vai
se animando muito, principalmente com os cuidados do
distinto facultativo dr. Costa Leite. O ORBE deseja de
coração o pronto restabelecimento do grande professor
de direito e eminente poeta.”
No dia 24 dizia o ORBE: “O ilustre sr. dr. Tobias
Barreto vai obtendo melhoras. Nós, os alagoanos, temos
procurado cercar o ilustre mestre do maior desvelo
possível. Ele nos merece mais. O talentoso sr. dr. Costa
Leite, médico assistente do ilustre enfermo, tem sido
admirável por sua constância no exercício da hu -
manitária missão que exerce. Os distintos facultativos
drs. Gouveia e Jambeiro têm prestado também grandes
226
serviços. O ilustre enfermo tem sido muito visitado. As
exmas. sras. D. Maria Lúcia Duarte e sua irmã a
acadêmica D. Ana Sampaio foram cumprimentar o
venerando Mestre. Deus apresse o restabelecimento do
nosso eminente hóspede.”
No dia 27, o mesmo jornal informa que no dia
anterior, 26 de março, Tobias Barreto, acompanhad o do
advogado José Ferrão, redator da Revista do Norte,
embarcou no vapor costeiro Sergipe com destino ao
Recife. Ao seu lado todos os amigos que acompanharam
a sua doença em Maceió.
A capital alagoana homenageou Tobias Barreto
dando o seu nome, após a morte, a uma rua, no bairro de
Bebedouro.
***
230
Com seus jornais, Tobias Barreto fustigou os
senhores da classe dominante, a justiça, e defendeu, de
forma abnegada e destemida, suas novas idéias de
organização do povo. Denunciado e processado por uso
indevido da Imprensa, Tobias Barreto fez sua própria
defesa, acompanhado por legião de homens simples que
aplaudiam sua coragem, sua bravura, sua palavra
inflamada e única na defesa dos desafortunados
escadenses.
***
231
eu atribuir o não ter sido nomeado. A não ser essa razão,
só posso explicar o fato por infelicidade minha.”
Apesar de não endereçar suspeitas, Tobias Bar -
reto lança sobre o passado uma ironia fina. Os Con-
cursos de Tobias Barreto, salvo aquele de Lente
Substituto da Faculdade de Direito do Recife, em 1882,
não interessaram aos seus biógrafos, ainda que po ssam
servir, como de fato servem, para esclarecer um
relacionamento sempre inamistoso entre o pensador
sergipano e o Clero pernambucano. E, também, para
identificar a “superioridade do contendor” ou a
“infelicidade” do próprio Tobias, concorrendo com o
Padre Félix Barreto de Vasconcelos.
Os Concursos, segundo os assentamentos nos
livros do Arquivo do Curso Preparatório e da Faculdade
de Direito, foram realizados, respectivamente, nos dias
4 de abril o primeiro, e 27 e 28 de novembro, o segundo.
No primeiro Tobias Barreto concorreu com Samuel
Wallace Mac Dowel, Francisco Jacinto de Sampaio,
Joaquim José Henrique da Silva e o Padre Félix Barreto
de Vasconcelos. No dia 5 de abril, os examinadores e
membros da Comissão Julgadora – Visconde de Cama-
ragibe – Diretor da Faculdade, José Nicácio, Padre
Joaquim Graciano de Araújo e doutor Pedro Autran da
Mata e Albuquerque – assinam o seguinte parecer:
“Atendendo às provas escritas e orais dos candidatos,
qualificamos no primeiro lugar o reverendo Padre Félix
Barreto de Vasconcelos; em segundo Tobias Barreto de
Menezes: ambos por unanimidade de votos, em terceiro
conjuntamente Joaquim José Henrique da Silva, Samuel
232
Wallace Mac Dowel, e bacharel Francisco Jacinto de
Sampaio, sendo o exmo. sr. Conselheiro Autran de
parecer que os três últimos não estavam no caso de
entrar na classificação.”
No dia 8 de abril, encaminhando o parecer da
Comissão, o Visconde de Camaragibe, depois de tecer
comentários sobre as provas dos dois primeiros
candidatos, ambas com imperfeições, diz: “Por esta
razão parece desnecessário propô-los. O Padre Félix é
aqui professor particular de Latim, natural de Sergipe, e
apresenta documentos de serviços prestados em diversas
Províncias. O candidato Tobias Barreto de Menezes é
estudante do segundo ano desta Faculdade, moço
aplicado e inteligente. Vossa Excia. resolverá o que lhe
parecer acertado.” Ocorreu que Leopoldino Antônio de
Fonseca, por não ter sua inscrição aceita no Concurso,
representou contra o Diretor da Faculdade, e, em 13 de
julho de 1865, alegando “não serem satisfatórias as
provas que exibiram os concorrentes.” O Ministro dos
Negócios do Império anula o Concurso, autorizando a
que outro seja feito.
Abertas as inscrições apareceram quatro candi-
datos: Tobias Barreto de Menezes, Padre Félix B arreto
de Vasconcelos, Francisco Jacinto de Sampaio e Leo -
poldino Antônio da Fonseca. As provas foram realizadas
nos dias 27 e 28 de novembro, sendo examinadores os
padres Joaquim Graciano de Araujo e Inácio Francisco
dos Santos. O julgamento dos padres fo i o seguinte,
sobre as provas de Tobias Barreto: “Julgamos boa esta
prova (de composição), não obstante alguns defeitos que
233
vão sublinhados. A parte dos defeitos que não vão
sublinhados, julgamos boa esta prova (de tradução).”
Sobre as provas do Padre Félix Barreto de Vasconcelos:
“Boa composição e muito boa a tradução.” Estava ali,
um tiro seco, no julgamento que repetia o resultado
anterior: em primeiro lugar, o Padre Félix, em segundo
Tobias Barreto.
Por Decreto de 30 de dezembro de 1965, Padre
Félix Barreto de Vasconcelos foi nomeado Professor de
Latim do Curso Preparatório da Faculdade de Direito do
Recife para o qual havia concorrido três vezes. Duas
com Tobias, nos Concursos de 1865, e uma, em 1863,
com Joaquim José Henrique da Silva. No Concurso de
1863, “porque a tradução não era boa”, segundo um
ofício reservado, o Padre Félix perdeu. Nos de 1865,
ganhou os dois, sempre seguido do seu conterrâneo e
parente.
Por pura ironia do destino, coube a Tobias
Barreto, num dos seus últimos trabalhos, escrever o
Prólogo e anotar o Resumo da Gramática Latina (ou
Arte Explicatória das Regras Indispensáveis aos
estudantes de Latim), obras póstumas do Padre Félix
Barreto de Vasconcelos, editadas pela Livraria Francesa
de João Walfredo de Medeiros, em 1889. Tobias Ba rreto
dá a lição do mestre que domina a matéria sobre a qual
escreve, consagrando-se aí, também, como um latinista.
EM outubro de 1867, Tobias Barreto volta a
concorrer num outro concurso para Professor, já então
para a cadeira de Filosofia do Ginásio Pernambucano,
enfrentando o médico e doutor em filosofia José Soriano
234
de Souza. Tobias ganha, mas não leva. É o que revela a
Carvalho Lima Júnior, na carta de 1880.
***
***
***
241
levaram ao embarque, apresentou as despedidas
dizendo:
“É preciso não deixar no silêncio, até que me seja
permitido agradecer pessoalmente, a generosidade da
Província das Alagoas, da Cidade do Recife, do povo de
Escada, da colônia alemã, o desvelo do s médicos, a
dedicação dos amigos, sobretudo daqueles amigos que
passaram as noites em claro, curando -me não tanto pelas
frias prescrições da ciência como pela poderosa força do
desejo de verem-me são.”
A bordo do paquete, Tobias Barreto piora e muda
seus planos de viagem para o Rio de Janeiro,
desembarcando em Maceió no dia seguinte. Na capital
alagoana Tobias permanece até o dia 26 de4 março,
sendo tratado por uma junta médica, na qual se destaca
o doutor Costa Leite, que o acompanha no regresso ao
Recife, onde chegam no dia 27. Frustrado o sonho da
viagem ao Rio de Janeiro, a primeira que faria o mestre,
a doença domina inteiramente, sem perspectiva de cura.
Em fevereiro já alguns amigos e o próprio Tobias
Barreto desmentem, pelos jornais recifenses, a onda de
boatos sobre a morte do autor de Dias e Noites. A sua
esperança de viver e de continuar dominando o mundo
intelectual de Pernambuco perde para a morte que colhe
o gênio às 10 horas e 15 minutos do dia 26 de junho de
1889, na casa número 3 da rua do Hospício. O Jornal do
Recife, no qual eram redatores Artur Orlando e Prado
Sampaio, dois diletos discípulos e amigos, noticia a
morte de Tobias Barreto na sua edição do dia 27 de
junho, anunciando o enterro, no Cemitério Público, para
242
às 4 horas da tarde do dia 27. O Diário de Pernambuco
só noticia a morte de Tobias Barreto no dia 28, quando
dá notícia também do sepultamento. Vários amigos,
admiradores, colegas da Faculdade e mais de 300
estudantes acompanham o corpo do sergipano até o
cemitério, onde vários discursos, recitativos serviram
para manifestar o respeito e reconhecimento ao mérito
de Tobias Barreto de Menezes.
Doente e pobre, Tobias não deixou qualquer
recurso que pudesse ao menos custear seu enterro e
garantisse a sobrevivência de sua mulher, D. Grata
Barreto e seus 9 filhos menores. Uma subscrição foi
aberta para levantar dinheiro para as despesas com o
sepultamento. Outra, mais tarde, foi liderada por J. J.
Seabra, na Faculdade de Direito, para a família de
Tobias. Em vários Estados, nas ruas do Recife, correram
listas com a finalidade de angariar fundos para a
manutenção da viúva e dos filhos de Tobias Barreto. A
Faculdade de Direito, autorizada pelo Ministro do
Império, adquiriu a biblioteca particular de Tobias,
incorporando-a. Foi assim, em meio a muitas difi-
culdades, que a família de Tobias Barreto viveu os
primeiros tempos depois de sua morte.
O Jornal do Recife manteve por muito tempo,
uma campanha aberta em favor da família de Tobias
Barreto, chegando, na sua edição de 23 de julho, a
comparar a situação da viúva de Tobias com a situação
da viúva de Braz Florentino – D. Custódia Carolina
Augusta de Souza – que recebia, mensalmente, 83$333
réis, terminando por estabelecer, também, um paralelo
243
entre os dois mortos, comparando a contribuição d e
ambos à cultura do País. Na verdade, estava ali, nas
páginas do jornal, uma demonstração apaixonada de
admiração pelo mestre. Uma admiração que era coletiva
entre os estudantes da Faculdade de Direito, reunidos
pelo Centro 11 de Agosto para louvar a memó ria de To-
bias, e, mais tarde angariando recursos para a aquisição
de um retrato a óleo, exposto no estabelecimento de
Joseph Krause & Cia, feito pelo afamado artista Piereck.
O retrato, um pouco estragado( *), está no acervo da
Faculdade de Direito do Recife. Dele, diz emocionado
Manoel dos Passos de Oliveira Teles, no dia 4 de maio
de 1924, em conferência no Instituto Histórico e
Geográfico de Sergipe: “Há sim um retrato que é a
verdadeira expressão, que é ele mesmo, e não dá lugar
para a dúvida. É o retrato a óleo que lá está na
respectiva sala da Academia. Observando -o, vendo-o, a
saudade revolveu-me a fonte das emoções, afluíram
lágrimas aos olhos do discípulo e ocorreu-me o pro-
pósito de mandar reproduzi-lo.”
***
***
***
254
nunciamentos que foram vivamente acompanhados pelas
galerias.
Na Assembléia Tobias Barreto voltou a contar
com os aplausos das multidões. O Tempo trata, algumas
vezes, das manifestações de simpatia das galerias da
Assembléia Provincial, quando Tobias usava da palavra
para defender as suas idéias e pontos de vista a respeito
das matérias tratadas pelos deputados pernambucano s.
Numa das vezes Tobias Barreto mereceu uma chuva de
pétalas de flores, sendo preciso, em alguns casos, que o
próprio orador pedisse a colaboração da assistência que
o aplaudia. Para o mesmo jornal conservador, a
Assembléia lembrava um teatro e Tobias o artista, a tirar
efeito de sua presença e de sua participação na vida
legislativa. O deputado completa a sua defesa em favor
da mulher com a apresentação de um projeto de lei, o de
nº 129, criando o Partenogógio do Recife, escola
superior, profissionalizant e, para o sexo feminino, ao
modo da educação alemã das escolas integradas – média
e superior. Bastaria as suas posições a respeito da
educação da mulher para que fosse justificado como
muito útil o cumprimento do mandato de deputado por
Tobias Barreto de Menezes.( *)
*
Josefa Agueda Felisbela Mercedes de Oliveira e Maria Augusta
Generoso Estreli estudaram medicina nos Estados Unidos, tendo a
segunda colado grau em 29 de março de 1881, pelo New York Medical
College and Hospital for Women. Na revista A Mulher, que editava em
Nova Iorque, Josefa Agueda de Oliveira agradeceu a Tobias Barreto
pela defesa que fez, na Assembléia Pernambucana, da sua cau sa,
lamentando em 1881, que o Governo da Província de Pernambuco não
tenha ainda liberado a bolsa.
255
256
TOBIAS BARRETO E
SEUS SEGUIDORES
257
Duas coisas distinguem Tobias Barreto dos seus
contemporâneos, poetas e escritores românticos, pro -
fessores e jornalistas: viveu muito mais que a média do
seu tempo – 50 – e fez escola, deixando grande número
de seguidores em várias partes do País, alguns dos quais
com obras referenciais das mais importantes para a
cultura brasileira, O comum era a morte prematura, no
verdor dos anos, silenciando os mais talentosos poetas e
escritores da segunda metade do século passado. Em São
Paulo entre alunos da Faculdade de Direito, morreram
muitos jovens, Álvares de Azevedo, Casimiro de Abreu,
Junqueira Freire, Macedo Júnior, Franco de Sá, todos
desapareceram com pouco mais de 20 anos. Do Recife,
Castro Alves morreu com 24 anos, de volta à sua terra
baiana. José Jorge de Siqueira Filho, sergipano morreu
em Alagoas – em Porto Calvo – com 21 anos. Vitoriano
Palhares, sofreu muito jovem, até que morreu, doença
que aos poucos lhe tirou os movimentos musculares e
cerebrais. Tito Lívio de Castro viveu apenas 26 anos. Os
que viveram mais de 40 anos, como Fausto Cardoso, 42,
Martins Júnior, 44, foram minoria, exceção de uma
realidade marcante da vida intelectual brasileira.
Ao viver mais que os outros do seu tempo, Tobias
Barreto teve condições de organizar uma obra densa, de
pensador e de crítico, como pôde, com suas idéias
novas, transformar a Faculdade de Direito do Recife
num centro irradiador de novidades, revolucionando o
pensamento dos estudantes e criando com a E scola do
Recife, uma irreversível corrente seguida por muitos,
quando regressavam de Pernambuco para os seus
258
Estados, levando mais que diploma de Bacharel em
Direito, as idéias novas do Direito como produto da
sociedade. Os que escaparam da tísica, da angi na, do
tifo e da escarlatina – doenças comuns entre os
estudantes da Faculdade de Direito do Recife nos anos
60 e seguintes do século passado – tinham que arcar
com a responsabilidade da opção de militar nos diversos
grêmios e sociedades atreladas ao conservadorismo dos
tradicionalistas católicos, ou de enfileirar entre os que
seguiam os passos geniais do mestre sergipano.
Cearenses como Clóvis Bevilácqua, Rocha Lima,
maranhenses como Graça Aranha, Urbano Santos,
Benedito Leite, piauienses como Higino Cunha , João
Alfredo de Freitas, Anísio de Abreu, César do Rego
Monteiro, pernambucanos como Artur Orlando, Faelante
da Câmara, Martins Júnior, Souza Bandeira, Aprígio
Guimarães, Virgílio de Sá Pereira, baianos como
Leovegildo Filgueiras e Almáquio Diniz, sergip anos
como Fausto Cardoso, Prado Sampaio, Manoel dos
Passos de Oliveira Teles, Gumercindo Bessa, e mineiros
como Augusto Franco, podem ser apontados como
outros, como devotados seguidores de Tobias Barreto,
como descendentes da sua Escola do Recife, ou, no
mínimo com testemunhas da revolução intelectual
liderada pelo grande mestre, Augusto Franco, mineiro
nascido em 1876 – tinha portanto 13 anos quando
morreu Tobias Barreto – e que morreu na Alemanha aos
33 anos, foi, como é fácil verificar em seus escritos, um
seguidor intransigente, um defensor apaixonado do
fundador da Escola do Recife. No jornal O Estado de
259
Minas Gerais, e em muitos dos seus trabalhos, como os
Ensaios Literários, Augusto Franco não apenas evoca a
figura veneranda do mestre como evoca, de forma
virulenta, seus críticos como José Veríssimo.
Nas Cartas que escreveu a Artur Orlando o
escritor mineiro, jovem e irriquieto, abraça a Escola do
Recife e se proclama seguidor de Tobias Barreto. Em
1904, diz a Artur Orlando: “Dos amigos do grande
Tobias acho que somos hoje os mais unidos e
intransigentes: Sílvio, o dr., o Clóvis e eu.” Ainda em
1904, em carta de 28 de agosto exalta o “extraordinário
valor do grande e inolvidável mestre.” Mais adiante, em
1905, ao se referir a trabalhos de João Barreto, diz:
“Quero travar relação com esse forte espírito, filho do
grande mestre.” No dia 2 de agosto de 1906, escrevendo
a propósito do livro sobre o Pan-americanismo, de Artur
Orlando, Augusto Franco trata dos merecimentos do
autor, “cuja orientação filosófica se prende ao tronco
comum – a Escola do pranteado e adorado chefe
espiritual, o extraordinário Tobias.” No post-scriptum,
volta a exaltar o mestre: “Sempre triunfante a geração
sacudida por Tobias.” A respeito da crítica de José
Veríssimo diz Augusto Franco em carta de 22 de
outubro de 1906: “Esse medalhão é um grande pulha,
que vive a atacar ao nosso bem amado, e, num
concurseto a que se submete, faz essa inaudita
fiasqueira, esquecendo ou obscurecendo que o grande
pensador dos Estudos Alemães e se submeteu a vários
concursos sérios, difíceis, brilhando em todos eles.”
260
Todas as manifestações em torno de Tobias
Barreto e da Escola do Recife tomam agora no amo do
duplo evento do Sesquicentenário do Nascimento e
Centenário da Morte do sergipano, uma importân cia
maior, a de permitir o levantamento geográfico do efeito
irradiador do movimento intelectual do Recife, bem
como dos seus desdobramentos no tempo. Tudo, com
certeza, aumentará e fará ainda maior a glória de Tobias
Barreto.
***
***
***
***
271
Dos seguidores sergipanos de Tobias Barreto um
experimentou a glória de ter a multidão atenta às suas
pregações: Fausto Cardoso, um dos jovens embriagados
com as teorias revolucionárias da Escola do Recife. Aos
19 anos, já experiente na luta acadêmica, mantém um
jornal – O Sahara – impresso na tipogafia Apolo, a
mesma que publicava mensalmente, no mesmo ano de
1883, O Industrial, revista de artes redigida por Tobias
Barreto. Nas páginas do Sahara estão alguns tes-
temunhos de Fausto Cardoso e de Benildes Romero
sobre o impacto das idéias do gênio sergipano. Pelo
menos três fatos mereceram do jornal publicação e
comentários, centrados na figura de Tobias Barreto. O
primeiro informando que o professor João Vieira, a
partir de 1822, passara a incluir em seu programa de
Direito Civil o estudo do Direito Autoral, uma das
novidades do mestre. O segundo, o texto da carta de 22
de outubro de 1882, redigida por Tobias e assinad a por
vários professores da Faculdade de Direito, dirigida ao
dr. F. von Holtzendorff, de Munique, sobre a fundação
Bluntschli, com sua resposta, datada de 22 de novembro
do mesmo ano de 1882. O terceiro fato refere -se às
impressões causadas pelo discurso de Tobias Barreto, no
dia 10 de abril de 1883, quando da colação de Grau em
doutor aos srs. Afonso Octaviano e Hermenegildo
Militão.
A formação intelectual e política de Fausto Car -
doso deveu-se, inquestionavelmente, ao movimento de
idéias do Recife, sob a liderança de Tobias Barreto. Até
mesmo quando discordava do mestre, como no caso do
272
Monismo, Fausto Cardoso guardava o respeito que
nutria pelo seu conterrâneo, de quem seguia os ensi-
namentos em muitos outros campos do conhecimento,
como manifestara em seus escritos, e também em seus
discursos na Câmara Federal, notadamente ao responder
ao sr. Asísio(Anísio?) de Abreu, relator do parecer nº
27, de 1902, sobre a denúncia apresentada pelo próprio
Fausto contra o Presidente da República, que havia
atribuído a Tobias Barreto uma citação sobre omissão,
considerada equivocada. Além de responder ao seu
colega, Fausto Cardoso entrega a esse relator obras de
Tobias, citando-a longamente para demonstrar o erro do
Parecer.
Mais que qualquer outro discípulo de Tobias
Barreto, Fausto Cardoso deu vazão ao pendor político,
assumindo em Sergipe, quando da propaganda repu -
blicana em Laranjeiras, depois de proclamada a
República e na Câmara Federal, como deputado, uma
postura progressista, de renovação dos métodos admi-
nistrativos, chamando o povo à organização e a par -
ticipação. Havia uma oligarquia no Poder, em nome da
liderança do Monsenhor Olímpio Campos, monarquista
fervoroso que aderiu à República, três dias depois de
proclamada. Assim como é fácil buscar as raízes
ideológicas da política faustista, é fácil, também,
recompor o perfil conservador do grupo olimpista,
formado pelo próprio Olímpio Campos, Coelho e Cam-
pos e Pelino Nobre, dentre outros.
Coelho e Campos e Pelino Nobre estudaram na
Faculdade de Direito do Recife, e no começo dos anos
273
60 estavam participando dos movimentos tradicio -
nalistas, sob a liderança do dr. Braz Florentino. Pelino
Francisco de Carvalho Nobre era sócio efetivo da
Sociedade Acadêmica Atheneu Pernambucano, que tinha
como Presidente Honorário o dr. Braz Florentino
Henrique de Souza, que mais tarde viria a ser um dos
grandes desafetos de Tobias Barreto. José Luiz Coelho e
Campos integrava, Segundo Secretário, a Sociedade
Ensaio Filosófico Pernambucano. Pelino Nobre parti-
cipava da redação do Atheneu Pernambucano, enquanto
Coelho e Campos colaborava com O Ensaio Filosófico
Pernambucano, que também contava com a participação
redacional do dr. Braz Florentino. Em Aracaju, em
1873, Coelho e Campos e Pelino Nobre redigiram A
Crença, órgão conservador. Ao lado de Olímpio
Campos, Pelino Nobre participava da redação da Gazeta
de Aracaju, que circulou de 1879 a 1889. De 1889 a
1890, Coelho e Campos e Olímpio Campos eram os
redatores do jornal Estado de Sergipe. Não é sem razão,
portanto, que Fausto Cardoso, dentre outras coisas, diz
que Coelho e Campos era “uma inteligência com 50
anos de atraso.”
O ideário republicano de Fausto Cardoso,
conforme se pode observar no trabalho de Francisco
Rollemberg – Perfis Parlamentares, Fausto Cardoso –
havia sofrido o revés do oportunismo dos monarquistas,
reciclados de última hora, como Olímpio Campos, que
passavam a ganhar espaço na administração do
Presidente Felisbelo Freire. Pe. Olímpio é nomeado
Prefeito de Aracaju, enquanto Fausto Cardoso, por sair
274
em defesa de negros e mestiços do baixo São Francisco,
reprimidos pelo Governo, perde a Promotoria que
exercia. Construindo novas alianças, Fausto Cardoso
aprofunda sua pregação social, reúne o povo da região
produtora de açúcar e conquista com apoio do seu antigo
adversário Coelho e Campos, novo mandato de
Deputado Federal, assumindo o comando da oposição
sergipana. Em 1906, em agosto, funda em Sergipe o
Partido Progressista e depõe o Governo do Presidente
Guilherme Campos, irmão de Olímpio Campos, e do
Vice-presidente Pelino Nobre. Ao fazer a revolução é
morto, não sem antes afirmar que “a liberdade só se
prepara na história com o cimento do tempo e o sangue
dos homens.” Tombava na luta um intelectual que levou
até às últimas conseqüências o ideário libertador da
Escola do Recife e do mestre Tobias Barreto.
***
***
278
Muitos dos seguidores de Tobias Barreto e das
idéias da Escola do Recife abraçaram a vida pública. O
próprio Tobias, ao definir-se politicamente em 1870,
com as séries de artigos Os Homens e os Princípios e
Política Brasileira, entra para o Partido Liberal e por
ele conquista dois mandatos, o de Deputado Provincial,
no biênio 78-79, e o de Vereador à Câmara de Escada, a
partir de 1881, renunciando para ser nomeado Juiz
Municipal Substituto. Sílvio Romero foi Deputado
Federal, como Fausto Cardoso, Felisbelo Freire,
representando Sergipe. Artur Orlando foi Deputado por
Pernambuco, Clóvis Bevilácqua pelo Ceará. Do
Maranhão, do Piauí, do Ceará muitos chegaram ao
Senado e à Câmara e alguns ao Governo dos seus
Estados, como Felisbelo Freire, em Ser gipe, logo depois
de proclamada a República.
Eram descendentes da Escola do Recife, dentre
outros, Dantas Barreto, intelectual e militar, que gover -
nou Pernambuco e que teve destacada vida pública e
Graccho Cardoso, que começou sua vida cultural no
Ceará, e lá mesmo ocupou função pública relevante na
administração do Estado, vindo a Sergipe foi Presidente
do Estado, de 1922 a 1926, continuando na vida pública
como parlamentar. A marca singular das administrações
de Dantas Barreto e de Graccho Cardoso, que c hamou a
atenção, à época, era o sentido de modernidade, acom-
panhado dos compromissos de promover, acelerada -
mente, o progresso econômico, cultural, e o bem-estar
social.
279
Graccho Cardoso havia sido um dos cadetes da
Escola Militar do Ceará, inaugurada em 1º de maio de
1891. A Escola ajudo a consolidar o movimento de cul-
tura dos moços cearenses, editando uma Revista, a
Primeira de Maio, que circulou a partir de junho de
1891, o jornal Silva Jardim e ainda a revista Evolução,
os dois últimos de natureza crítica, científica e literária.
Além de participar do movimento dos cadetes da Escola
Militar, Graccho Cardoso ajudou na redação da revista A
Pena, que surgiu em Fortaleza a 10 de outubro de 1895,
publicando o estudo crítico Pescadores da Taíba. Na
mesma época, o Ceará ainda fazia vibrar com seus
movimentos de jovens, como o Centro Literário,
fundado em 27 de setembro de 1894 e que tinha entre os
sócios correspondentes eleitos, dentre outros tobiáticos,
Sílvio Romero, Artur Orlando, Araripe Junior, Samuel
de Oliveira, Liberato Bitencourt, Martins Júnior.
Depois de viver a atividade cultural do Ceará e de
integrar o Governo cearense, Graccho Cardoso retornou
a Sergipe e em 1922 lançou uma plataforma moder -
nizadora para o Estado, candidatando -se a Presidente.
No Governo, Graccho Cardoso montou uma equipe de
intelectuais, a partir de Cláudio Gans, escritor maçom, e
de cientistas, como Parreiras Horta, que havia estudado
na França, no centro de Pasteur. Empreendendo uma
obra verdadeiramente revolucionária, criou o De-
partamento Estadual do Algodão e através da presença
do técnico norte-americano Thomás Day fez aparecer
um surto de produção algodoeira, que motivou o Estado.
Fundou o Banco do Estado, modernizou Aracaju com
280
bondes elétricos, criou as Faculdades de Farmácia e de
Direito, montou um projeto de colonização, com
famílias alemãs, no Quissamã, saneou e abasteceu
Aracaju, construiu dezenas de prédios públicos,
transformou cadeias em escolas, como ensinava Victor
Hugo, comentado pela sua revista Primeiro de Maio. As
cadeias de Lagarto e São Cristóvão foram transformadas
em grupos escolares: Sílvio Romero e Vigário barroso,
respectivamente em Lagarto, em homenagem ao filho
ilustre, e em São Cristóvão, onde o vigário tinha
exercido brilhante sacerdócio, reconhecido pelo vigor de
suas orações.
Completando a sua obra cultura, Graccho Cardoso
patrocinou a Missão Tobiática no Recife, de Manoel dos
Passos de Oliveira Teles, atribuindo ao discípulo do
mestre, levantar os textos, dispersos em revistas e
jornais, reunindo-os às Obras Completas que o Governo
de Sergipe editou, em 1926, na mais expressiva
homenagem já prestada ao fundador da Escola do
Recife. Criando o Instituto Parreiras Horta, para a
produção de vacinas, o Instituto Coelho e Campos, para
a preparação profissional dos jovens sergipanos e
editando, ainda, o Dicionário Biobibliográfico Sergi-
pano, de Armindo Guaraná, Graccho Cardoso procurou
cumprir com um id4eáriod e modernidade, lúcido e
progressista, que vem daquele que ao ter a sensibilidade
de abraçar o que de mais novo havia no mundo – Tobias
Barreto – revolucionava o seu tempo, propagando entre
os moços tudo aquilo que na medida em que fazia vibrar
o povo, gerava grande incômodo e temores entre os
281
poderosos. De certo modo, Graccho Cardoso cumpriu a
missão, interrompida, de Fausto Cardoso.
***
285
TOBIAS BARRETO,
UM AGITADOR SOCIAL
286
Dialético, Tobias Barreto era liberal contra os
conservadores, sem abdicar do direito de crítica aos
liberais, como fizera da tribuna da Assembléia, quando
deputado, eleito em 1878, contra o Presidente da
Província. Na Assembléia, Tobias Barreto tratou do
direito de crítica propondo alterar o Regimento da Casa
para justificar os apupos ao seu correligionário Adolfo
de Barros, mas também para elogiar a José Mariano. E
mais: combateu os privilégios e defendeu, em sessões
memoráveis, a educação da mulher, em favor de moças
pernambucanas que pretendiam estudar fora do Brasil.
Depois de cumprir mandato de deputado à
Assembléia Legislativa Provincial de Pernambuco,
Tobias Barreto elegeu-se vereador à Câmara Municipal
de Escada, para o período de 1881 a 1884. Ao tomar
posse, em 1881, prefere optar pelo cargo de Juiz
Municipal Substituto, conforme ofício do Barão de
Frexeiras – Antônio dos Santos Pontual – de 13 de
janeiro, endereçado ao Presidente da Província Franklin
Américo de Menezes Dória. Os dois fatos a eleição de
vereador e a opção deliberada para ser Juiz Municipal
Substituto acrescentam informações novas e preciosas à
biografia de Tobias Barreto de Menezes, ajudando a
compreender a sua luta como teórico da organização da
sociedade, e como agitador, na imprensa e no Fórum no
pequeno município de Escada predominantemente con-
trolado pelos muitos senhores dos 120 engenhos que
circundavam e sitiavam a cidade.
Dos 9 vereadores eleitos, Tobias Barreto al-
cançara a 6ª votação, o que indica prestígio entre os
287
eleitores escadenses. Preferia, no entanto, trocar o
mandato de vereador pela 1ª Suplência do Juiz
Municipal, cargo que, de algum modo, escutava sua
pessoa nos constantes embates com a própria justiça
escadense, manipulada, segundo sua opinião, pelos
interesses de algum integrante da classe dominante,
muito especialmente a família Pontual. Na verdade, a
suplência não tinha início ali, na opção que o tirou da
Câmara, mas sim em 18 de março de 1880, quando
prestou juramento perante o Presidente da Província. No
cargo, ficou até que, em 26 de março de 1881, alegando
“um conjunto de circunstâncias” e por achar -se “gra-
vemente enfermo”, pediu demissão.
Ele enfrentara forte campanha da parte do Juiz
Municipal titular, Jerônimo Materno Pereira de Carvalho,
e tivera, pelo mesmo Juiz, contestado o seu juramento
como Suplente, enquanto fora denunciado, pelo
Promotor, por “uso indevido da imprensa.” Em Escada,
Tobias Barreto de Menezes foi Curador dos Órfãos,
Advogado e Juiz Municipal do Comércio Substituto,
servindo ainda de Avaliador e, em alguns casos, de
Redator Testamenteiro. Sua condição de suplente de Juiz
Municipal era, para o Juiz titular, um impedimento à sua
função de advogado. Evidentemente ele não comungava
das idéias de Jerônimo Materno, pedindo esclarecimento
superior ao Presidente da Província e ao Tribunal de
Relação, argumentado que “a cooperação nos feitos
crimes pertencentes aos Suplentes é uma cooperação
possível e não real nos processos que possam aparecer e
uma vez prevenida a jurisdição do doutor Juiz Municipal
288
efetivo, por queixa de denúncia dada perante ele, nenhum
motivo parece existir para que o seu Suplente fique
prevenido igualmente e como que a espera de qualquer
emergência possível, Isto é tanto mais absurdo quanto se
vê que por semelhança lógica chegar-se-ia até de excluir-
se o advogado de ser vereador da Comarca, ou vice-
versa, porque como vereador corre a possibilidade de
funcionar no crime, como suplente do Juiz Municipal, em
circunstâncias que não são raras.”
A discussão apenas encobria divergência mais
forte e mais profunda entre Tobias Barreto e a Justiça da
Comarca de Escada. Tobias exercia, pela imprensa,
liderança social e sua presença no Fórum, quase sempre,
era uma festa. Em ofício de 24 de novembro de 1880 o
Juiz titular reclama ao Presidente da Província que
“aquele bacharel, confiado no grupo de adeptos que o
cerca, leva o tumulto e a desordem às audiências,
procurando convertê-las em praças públicas.” O
escrivão Antônio Joaquim Machado, em informação
prestada ao Juiz diz, em 12 de abril de 1880, que na
ocasião da defesa de um seu constituinte Manoel
Francisco de Barros – Tobias Barreto “foi caloro-
samente aplaudido por muita gente que se achava
presente.” O escrivão disse ainda que “seguiram-se mais
duas audiências, com grande número de pessoas, na
ocasião em que o doutor Tobias censurava o pro -
cedimento do Juiz e da parte, apareceram alguns
murmúrio aprobatórios.” Quem dá mais outro de-
poimento sobre as audiências nas quais Tobias Barreto
participava como advogado é o oficial e porteiro do
289
Juiz, Manuel Thomaz de Albuquerque. Diz ele, em
Certidão de 12 de abril de 1880, que “as audiê ncias do
Juiz Municipal têm sido mais ou menos tumultuadas,
isto porque o senhor doutor Tobias Barreto de Menezes,
tendo de estabelecer sua defesa em processo que por uso
indevido da imprensa está sendo instaurado por
denúncia do doutor Promotor Público, t em sido acom-
panhado à Casa das audiências por crescido número de
pessoas que por gestos, palavras e aplausos, tem
interrompido as audiências.”
É longa a lista dos registros que apontam a
popularidade de Tobias Barreto como advogado em
Escada, principalmente quando em sua própria defesa ou
na daqueles cujo direito patrocinava. Uma popularidade
incômoda para o Juiz Municipal que chega ao extremo
de requerer força policial para garantir o funcionamento
da Justiça, no que foi atendido com 24 praças do 14º
Batalhão de Linha, comandados por um oficial.
A vida forense de Tobias Barreto foi marcada,
toda ela, pelo tom polêmico de suas participações e pelo
sentido social dado ao direito e à administração da
Justiça. Toda a ação de Tobias Barreto nos Fóruns
pernambucanos está sendo objeto de levantamentos pelo
Instituto de Documentação da Fundação Joaquim
Nabuco, com o concurso colaborador do tobiático
Jackson da Silva Lima, autor da História da Literatura
Sergipana, e das pesquisadoras Tânia Amorim e Betty
Malta, já com vistas ao duplo evento de 1989, o
Sesquicentenário de Nascimento e o Centenário da
Morte do mestre da Escola do Recife.
290
TOBIAS E A IDEOLOGIA
DO PROGRESSO
291
Atualizar as forças de trabalho com os últimos
progressos da ciência e da técnica, nos domínios
superiores da atividade industrial; esclarecer que a
riqueza privada de quem quer que seja não fica exposta
a perigo algum pelo fato de procurar-se aperfeiçoar a
indústria existente, criar novas e contribuir para a
consecução de todos os melhoramentos necessários à
felicidade e bem-estar social; garantir o direito de
informação sobre qualquer processo industrial e
artístico; prestar assessoria jurídica em negócios
industriais e artísticos; fundar e manter Asilos
Agrícolas; Bancos Populares para os operários; bancos
Provinciais com juros moderados e pagamentos a longo
prazo; habilitar os industriais e artistas aos grandes
recursos que a adoção de máquinas pode proporcionar -
lhes; renovar o pensamento de tudo depender -se dos
Governos, como erro que os bons princípios econômicos
fulminam e condenam; e transformar e modificar o País
de acordo com as tendências e leis do progresso, eis, em
síntese, o enunciado de um compromisso, de caráter
ideológico, proclamado de janeiro a dezembro de 1883,
no Recife, através de O Industrial, revista de indústrias
e artes, de propriedade da Fábrica Apolo, de Antônio
Pereira da Cunha. Na redação, José Higino Duarte
Pereira, Tobias Barreto de Menezes, Barros Guimarães e
Graciliano Baptista, professores da Faculdade de
Direito, intelectuais, homens públicos.
O que é mutável caminha em direção do
progresso, ensinara Darwin, enquanto Spencer afirmava
292
que a evolução era um progresso, um progresso que só
terminará com a maior perfeição e a mais completa
felicidade. Tais conceitos vigoravam e empolgavam o
tempo de Tobias Barreto, um dos redatores e a quem se
atribui grande parte do que está publicado nos 12
números de O Industrial. O Positivismo de Comte, o
Evolucionismo de Spencer, pareciam abrir caminho à
dialética materialista que afirmava a política, o direito,
a religião, a cultura científica e artística como
fenômenos de super-estrutura, variáveis segundo as
modificações da infra-estrutura econômica, pelos seus
teóricos Marx e Engels.
Sintônico com uma nova ordem de idéia s, Tobias
Barreto e seus companheiros de redação faziam de O
Industrial porta-voz de novos tempos, reabilitando a
dignidade do trabalho, libertando o homem do papel de
motor, apresentando-o como condutor de forças. É de
Tobias Barreto a afirmação, bem a propósito, de que
“Não somos nós que temos tudo a esperar do futuro; é o
futuro que tem tudo a esperar de nós.” Mais do que
defender um ideário progressista, O Industrial assumir a
propaganda de maquinários, tanto aqueles oriundos de
várias partes, estampado s nas páginas da revista, como
aparelhos fabricados nas oficinas da Fábrica Apolo ,
pensados e planejados para ajudar na agricultura e na
indústria.
O Industrial era o único no seu gênero e nasceu,
como disse Tobias Barreto no editorial de nº 1, de 15 de
janeiro de 1883, aceitando a missão que foi confiada, a
de buscar uma linguagem nova, atualizada pela ciência e
293
pela técnica, para encarar e enfrentar velhos problemas,
como o da mão-de-obra escrava, responsável pela
exploração do campo, tanto em Portugal co mo no Brasil,
que limitava a indústria dos antigos. Enquanto o Brasil
seguia atrasado, aceleravam-se as descobertas e com
elas aceleravam-se, também, o progresso industrial. A
sensibilidade de Tobias Barreto diante da realidade do
seu tempo, que o fez inovador no campo da filosofia, do
direito, da crítica e da literatura, o levou também a
professar o progresso como base de uma evolução de
alterar, profundamente, a face de Pernambuco e do
Brasil.
A crença inspirou a muitas idéias, todas elas
enfeixadas numa única diretriz, a de organizar a
economia para a produção industrial. Amparado pela
ciência Tobias trouxe a idéia, o método, o modelo, na
tentativa de realizá-lo. No entanto, depois de um ano de
pregação progressista, O Industrial deixa de circular,
perguntando e concluindo: “Quem se importa com os
processos industriais e seus progressos O Industrial,
como se vê não pode viver no meio social existente, é
forçado a desaparecer: a atmosfera que o rodeia, não é
favorável à sua existência.” Assim, vencido pela
realidade, o jornal progressista de Tobias Barreto e de
outros circulava pela última vez no dia 15 de dezembro
de 1883, deixando para a posteridade o exemplo e o
testemunho de luta em favor do trabalho livre, em favor
do progresso, da industrialização do Brasil e da
organização social e cultural decorrente dessa faceta
ideológica.
294
O Industrial era um instrumento revolucionário,
manejado por um pensador que dizia ser o “cidadão a
forma social do homem, como o Estado é a forma social
do povo.” A biografia de Tobias Barreto de Menezes
fica, pois, enriquecida pela sua participação como o
redator de O Industrial, ângulo diferenciado do seu
talento e da sua responsabilidade de intelectual
múltiplo.
295
TOBIAS BARRETO E O
PRECONCEITO RACIAL
296
Há quem acuse Tobias Barreto de “omisso” e de
“ausente” e até mesmo de “desafeto” da campanha
abolicionista, como o fez Evaristo de Morais Filho em
seu livro Medo à Utopia, de 1985. É mais que uma
injustiça, é uma inverdade. Tobias Barreto teve uma
participação insofismável na defesa da liberdade dos
negros, tanto pela poesia engajada na luta, como na
condição de advogado e de curador de escravos, em
Escada, como integrante da Sociedade Nova Eman -
cipadora, do Recife, como orador popular nos clubes
abolicionistas e nas festas em favor da libertação de
escravos, ou ainda com redator da revista de artes O
Industrial, que circulou no Recife de 15 de janeiro a 15
de dezembro de 883.
O que faltou dizer, a respeito de Tobias Barreto,
foi sobre o mais cruel preconceito racia l que marcou
suas relações em Pernambuco, tanto no Recife como em
Escada, com seus contendores. Mulato, que tantas vezes
exaltou a sua morenidade, Tobias Barreto recebeu, pela
imprensa, pelas cartas anônimas, insultos e apelidos que
diziam bem do clima ina mistoso provocado pela sua
inteligência inovadora. Turco do Inferno, Tobias dos
Diabos, assim gritaram contra ele os que participaram
do cerco à sua casa, em Escada, em agosto de 1881.
Dois termos, mais que outros, visavam Tobias
Barreto, para marcá-lo racialmente: Cabra e Bode.
Termos que segundo o Vocabulário Pernambucano de
Pereira da Costa eram pejorativos de mulato e mestiço.
Soavam como as mais duras ofensas, numa sociedade
297
escravocrata, formada por senhores de engenhos de
escravos, de cujo prestígio político ainda hoje se tem
notícia. Tobias Barreto conviveu, desde as primeiras
polêmicas que sustentou com os redatores de O Católico
e com alguns padres e seus defensores, com tais ofensas,
assumindo sua origem mestiça, sua mulatice sergipana.
Em Escada, no jornal O Desabuso, publica um
artigo intitulado “Fidalguias Pernambucanas”, no nº 4,
de 2 de outubro de 1875, ironizando com os seus
detratores. Diz ele: “O escritor destas linhas que não
tem outros títulos de nobreza, senão a honra dos seus
pais, está disposto a não apelar da sentença, com que
aqui se condenou a ser um cabra, no sentido
pernambucano da palavra. Assim fique assentado que eu
aceito o apelido.”
Em 1883, já no Recife, é chamado de “... animal,
ignorante, paquiderme, bode”, por Antônio de S iqueira
Carneiro da Cunha, encoberto pelo pseudônimo de
Hunger, que saiu em socorro dos padres maranhenses e
pernambucanos com os quais Tobias polemizava. Ao
responder Tobias Barreto dizia: “Deixe -se de tolices,
moço. S.S., não pode falar em bode, nem isto me
incomoda. Acho muito mais suave passar por cabra, do
que entrar em pesquisas genealógicas para saber quem
foram os meus vigésimos avós, que como o de qualquer
homem somam a bagatela de 2.097.155; e mostrar que
em todo este imenso batalhão de ascendentes não havia
macacos, nem bodes, nem perus, é um trabalho difícil.”
Na mesma polêmica com os padres do Maranhão
e de Pernambuco, Tobias desabafa: “Geralmente entre
298
nós, as pequeninas mediocridades, quando são forçadas
a uma discussão pela imprensa se não apuram
branquidades, vem logo apurar gramática. Uma tolice é
igual a outra; pois ambas só denunciam a pobreza
intelectual de quem as praticam.”
O preconceito racial contra Tobias Barreto pode
ser avaliado pelas inúmeras provocações contidas nos
jornais recifenses, que ainda hoje podem ser
consultadas, Suas respostas, estão dispersas pelos
jornais que editou em Escada e pelos vários artigos,
reunidos em livros. Uma testemunha acima das paixões
das contendas literárias, religiosas ou políticas, e que
viveu os memoráveis tempos da Academia de Direito –
José Joaquim Seabra – atestou a dificuldade de Tobias
Barreto diante da sociedade pernambucana do seu
tempo. Em entrevista ao jornal A Tarde, de Salvador, de
3 de maio de 1939, J. J. Seabra diz que Tobias Barreto
teria sido “Combatido mais porque era mulato”. Seabra,
que foi colega de cátedra de Tobias, e que falou, em
nome da Congregação, no enterro do mestre sergipano
disse também, na mesma entrevista, que “Tobias era
vítima de uma ditadura – a dos preconceitos raciais,
como se fosse possível admitir no Brasil semelhante
disparate.”
O preconceito alimentava o insulto e este não
tinha limites. Doente, várias vezes seus desafetos
espalharam boatos da sua morte, enquanto outros
exploravam a sua doença sem qualquer pie dade humana.
Tobias superou a tudo e a todos, pois sobreviveu ao
século e sua memória está vivíssima, provocando
299
estudos e celebrações para o duplo evento do próximo
ano: o Sesquicentenário do seu Nascimento e o
Centenário de sua Morte, 100 anos depois da Abolição,
embora não de todo livre dos preconceitos, Tobias
Barreto pode ser lembrado como a grande vítima do
preconceito racial.
300
TOBIAS BARRETO
E A REPÚBLICA
301
Tobias Barreto não foi, certamente, um
republicano engajado, do tipo Martins Júnior. A idéia
republicana não vicejava na cabeça revolucionária do
fundador da Escola do Recife que, como a República,
também inspira celebração centenária. Abolicionista ele
foi, conforme está na memória da imprensa
pernambucana na bibliografia mais especia lizada e na
farta documentação reunida em Tobias Barreto a
Abolição da Escravatura e a Organização da Sociedade
plaqueta publicada no ano do Centenário da Abolição,
como forma de repor mais um justo pedaço de dignidade
a biografia do gênio mulato de Sergip e. Alguns críticos
foram responsáveis pela errônea informação sobre a
“ausência e omissão” de Tobias diante da questão
abolicionista. No caso da República não há, felizmente,
a mesma pecha infame. E no entanto, sem querer tornar
maior aquele que já é, reco nhecidamente, grande, vale
reler, por oportuno, alguns escritos de Tobias Barreto,
muito especialmente seu ideário político – Os Homens e
os Princípios e Política Brasileira – de 1870 e as
Preleções de Direito Constitucional, de 1882, que
permaneceram inéditas por muito tempo, conservadas
por Gumercindo Bessa e Manoel dos Passos de Oliveira
Teles, discípulos que ouviram o mestre e anotaram em
aulas particulares.
Definindo-se contra a Monarquia, Tobias Barreto
não era, necessariamente, um republicano. Mas ni nguém
n Brasil, entre 1868 e 1889, foi mais duro crítico da
Monarquia brasileira do que o autor de Dias e Noites.
Num dos seus escritos de condenação a escravidão,
302
como instituição caduca, condenava pela mesma de -
crepitude a Monarquia. O combate ferrenho a o Império
foi permanente em seus poemas, discursos, artigos de
jornais, escritos vários, numa luta consequentemente
que ajudou, sem dúvida, a formar entre a mocidade uma
opinião nova, que fluiu para a pregação objetiva da
República. Seus grandes amigos e d iscípulos eram
republicanos, integravam clubes, dirigiam jornais e nas
ruas chamavam pela República, como Martins Júnior,
Graça Aranha, Sílvio Romero e muitos outros.
Compondo uma alegoria, para situar a forma de
governo, a partir da análise do artigo 3º d a Constituição
de 1824, Tobias Barreto diz: “A questão velha e muito
debatida sobre a melhor forma de Governo não é uma
questão de verdade, é uma questão de beleza. Não é um
assunto de Ciência Social, é um assunto de Estética.
Formas não são verdadeiras nem falsas, são o que
são. A República deveras e uma forma de governo mais
bonita do que a Monarquia, mas nenhuma é mais
verdadeira ou mais falsa do que outra. É mais bonita e
vou dar razão. Os organismos vivos: as plantas, os
animais, são estudados em sua morfologia, isto é nas
formas de seus órgãos, e em sua fisiologia, isto é, nas
funções desses órgãos. É uma lei fisiológica que a
morfologia do organismo influi em suas funções, de sorte
que organismos mais ou menos desenvolvidos produzem
funções mais ou menos completas. Uma morfologia
produz uma fisiologia. A função depende da capacidade
do órgão. Ora, já vimos que o Estado é um organismo,
sua morfologia vem a ser a sua forma de governo. Sua
303
fisiologia dependerá da capacidade da forma de seus
órgãos. Aplicando a Monarquia e a República, como
formas de governo, aqueles princípios, veremos que a
Monarquia, forma anacrônica, com seus apêndices
indispensáveis, dá como conseqüência funções morosas,
incompletas no organismo do Estado. A República, com
sua morfologia mais simples, mais desenvolvida, produz
incontestavelmente funções completas e rápidas. A
morfologia republicana é mais bela, esta razão. Acresce a
isto que a Monarquia, com seu estado perpétuo e
hereditário, é uma tutela política, desagrada ao povo,
porque ninguém quer ser dirigido pelos outros, e o
caráter da perpétua minoridade é ultrajante a nação. Por
isso a forma republicana é mais aplaudida, mas é sempre
uma forma, e não uma verdade.”
É de 1872, no entanto, sua frase mais incisiva,
tratado da República, retirada do seu caderno de apon-
tamentos – Notas a Lápis – inseridas em Vários
Escritos, edição do Governo de Sergipe, de 1926: “Um
dia virá que a escola dar-nos-á mães e esposas
republicanas e reanimara o vigor dos costumes, sem os
quais não pode existir um povo verdadeiramente
grande.” Tobias Barreto morreu no Recife, aos 50 anos,
no dia 26 de junho de 1889, cinco meses antes da
Proclamação da República, pelo Marechal Deodoro da
Fonseca de quem em 1887, ele disse:
“Vós sois do número desses
Que em prol da Pátria adorada
Abrem caminho as estrelas
Com a ponta da sua espada.”
304
A ESCOLA DO RECIFE E A
PROPAGANDA REPUBLICANA
305
A República deita raízes nos movimentos liber -
tários do Nordeste, sufocados pela repressão da Coroa
portuguesa e seus prepostos. Os primeiros líderes
republicanos são, também, os grandes mártires da pátria
nordestina. A partir de 1853 desponta, pela imprensa
alternativa, aquela das folhas distribuídas diretamente
ao povo, a figura de Romualdo Alves de Oliveira, com
seu O Artista Pernambucano, a informar O QUE É A
REPÚBLICA, artigo de fundo, dedicado à propaganda
de uma assembléia constituinte, chamado de Congresso
Republicano, para “Fazer as leis gerais para manter a
República; marcar os limites dos territórios dos Estad os;
fixar os gastos gerais de toda República; estabelecer as
contribuições; regular sua arrematação e tomar conta do
governo de sua inversão; contrair dívidas para o bem
público, e cuidar também de liquidá-las; determinar as
forças de mar e terra e a cota de homens que deve dar
cada Estado; criar e suprimir empregos; aumentar a
ciência, as artes, a agricultura; regular os pesos e
medidas sem prejuízo dos nacionais; promover a
ilustração geral; proteger a liberdade de imprensa;
dirigir a pública prosperidade; ditar as leis conducentes;
afirmar a independência da nação e sua segurança;
procurar conservar a paz, a boa ordem nas Províncias;
sustentar a igualdade proporcional dos direitos e
obrigações que todos têm perante a lei.”
Antes de tornar-se pensador, Tobias Barreto foi,
no Recife, orador do povo, poeta das massas, de-
volvendo aos pernambucanos a capacidade de orga-
306
nização e de luta. O mote do poeta era a guerra contra o
Paraguai, recrutando voluntários, levantando a
mocidade, engajando a Faculdade de Direito, da qual
Tobias era, aquele tempo, aluno. Na mesma medida que
exalta a “cabocla civilizada”, evoca as personagens da
história, que ficaram no tempo como exemplo da
bravura pernambucana que o Recife sempre expressou.
Tobias Barreto deixa na alma do povo nas ruas do
Recife a chama revolucionária da democracia, e faz,
pela imprensa, a sua profissão de fé liberal, como
partidário e como teórico da organização política.
No jornal O Liberal, Tobias Barreto escreve uma
série de artigos sob o título de Os Homens e os
Princípios, no início de 1870. No mesmo ano, no jornal
O Americano, publica diversos editoriais, mais tarde
reunidos sob o título geral de Política Brasileira. Faz,
em notas soltas e em outros artigos de fundo, a
propaganda republicana e divulga, com exclusividade no
Recife, o Manifesto do Clube Republicano da Corte. Ao
mesmo tempo, abre espaço para a reprodução de
discursos e artigos do político espanhol Emílio Castelar.
Deixando o Recife para fixar residência em Escada,
Tobias Barreto inicia, daquele local do interior
pernambucano, a publicação de suas apreciações críticas
sobre o Poder Moderador, a partir da leitura de textos do
Conselheiro Zacarias de Goes e Vasconcelos e do doutor
Braz Florentino, falecido Presidente da Província do
Maranhão.
Em Escada, a partir de 1874, publica pequenos
jornais e funda o Clube Popular Escadense, no qual
307
pronuncia o célebre Um Discurso em Mangas de
Camisa, radiografando a realidade escadense e propondo
a organização do povo como forma possível de vencer a
adversidade econômica. Ao retornar ao Recife, em 1881,
encontra a cidade aberta às suas idéias filosóficas,
germânicas, científicas e jurídicas, consagradas no
Concurso para Lente Substituto da Faculdade de Direito,
onde firma com a mocidade a mais duradoura aliança
intelectual. Aqueles jovens enfeitiçados pela sabedoria
do mestre integram a geração dos abolicionistas e dos
republicanos, assumindo as duas campanhas nos velhos
corredores da Escola. Crescia, sob a liderança inte -
lectual de Tobias Barreto, dentro e fora da Faculdade de
Direito, a Escola do Recife, com seu caráter
emancipador.
Sílvio Romero, Fausto Cardoso, alunos e amigos
de Tobias Barreto, ao lado de outro sergipano, Felisbelo
Freire, ao lado de outros, fundaram em Laranjeiras,
pequena cidade sergipana, produtora de açúcar e onde
havia sido fundada a primeira Igrega protestante, em
1884, o Clube Republicano e um jornal dedicado à
propaganda. Os três tiveram, com a República, lugar
destacado no cenário nacional. Felisbelo Freire foi
Ministro da Fazenda e das Relações Exteriores do
Governo de Floriano Peixoto. E foi Governador de
Sergipe. Fausto Cardoso participou do Governo de
Felisbelo Freire, em Sergipe, e foi deputado federal.
Sílvio Romero também foi deputado federal por Sergipe.
No Recife, Martins Junior, Artur Orlando e outros
integrantes da Escola do Recife assumiram papéis
308
definidos na fase da propaganda e depois de proclamada
a República. Outros discípulos de Tobias Barreto, ao
voltarem para seus Estados, levaram a idéia republicana
e todo o múltiplo ideário da Escola do Recife.
A República resultara, assim, de longo processo
de luta, fermentado no tempo, e finalmente decidido
pela participação armada de figuras que ganharam a
honra nacional de combatentes na Guerra do Paraguai e
em outros episódios que mereceram cantos e louvores de
alguns dos poetas da Escola do Recife. Mais do que
combater a Monarquia, para Tobias Barreto uma
instituição caduca, a Escola do Recife alicerçou a
República, finalmente proclamada em 15 de novembro
de 1889, poucos meses depois da morte do fundador e
mestre Tobias Barreto de Menezes.
309
TOBIAS BARRETO E AS
CAUSAS DA LIBERDADE
310
Há, ainda, muito o que se aprender com Tobias
Barreto. Sua poética engajada, servindo de panfleto nas
ruas do Recife, nos anos 60 do século passado, tendo
como mote a ida dos batalhões de nordestinos para a
luta contra o Paraguai, reflete um momento peculiar da
vida pernambucana, devolvendo ao povo derrotado dos
movimentos de 1817, 1824, 1842 e 1848, a capacidade
de empreender uma nova luta. A guerra com o Paraguai
foi o canal, o dreno, o suspiro às aspirações de
liberdade, mais tarde novamente empunhadas em defesa
da libertação dos escravos, pela voz de Castro Alves,
Tobias Barreto, em crítica aberta ao clero e em favor da
Maçonaria envolvida com o Bispo Dom Vital na
Questão Religiosa, novamente com Tobias Barreto, e
com Vitoriano Palhares, ou na pregação contra a
Monarquia e em favor da República, mais uma vez com
Tobias Barreto, e com Martins Junior.
O jornalismo de Tobias Barreto tem, também,
forte apelo participativo e social. Em 1870, por exem-
plo, ao participar da redação dos jornais O Liberal, A
Crença e O Americano, não apenas faz sua profissão de
fé liberal, defendendo a liberdade como fundamento da
ordem, como abriga todo o ideário abolicionista e
republicano. Em defesa da libertação dos escravos. O
Americano publica, precedendo de elogiosos comentá-
rios, a brochura de 1825, de José Bonifácio de Andrada
e Silva, com projeto sobre a libertação da escravatura no
Brasil. Depois publica, em diversos números, a partir de
11 de setembro, o longo discurso pronunciado por
311
Emílio Castelar, em defesa da abolição imediata da
escravidão. Sempre noticiando o andamento da pregação
abolicionista, o jornal de Tobias Barreto publica,
comentando, projeto de A. Cochin – A Abolição da
Escravidão. Muitos outros informes, defesas e pro -
pagandas estão nos números de O Americano, entre
junho e dezembro de 1870, quando de propriedade e
redigido por Tobias e por Minervino A. de S. Leão.
A partir de 20 de novembro de 1870 abre espaço
para a propaganda republicana, tratando do Manifesto
do Clube Republicano da Corte, para o qual chama a
atenção dos leitores. A citação de Hegel e a linguagem
indicam, sem erro, que as notas editoriais, como outras
tantas que publicou e mais tarde organizou sob o título
de Política Brasileira, são da lavra de Tobias Barreto.
Até que seja encerrado o ano de 1870 os comentários
estão centrados na idéia da República. A partir do
afastamento de Tobias Barreto, que logo no início de
1871 transfere sua residência do Recife para Escada, no
interior pernambucano, o jornal perde sua clareza
combativa, seu engajamento objetivo em favor da
abolição e da República, duas causas abraçadas pelo
sergipano.
Em Escada, ainda como jornalista, To bias edita e
distribui com o povo, diretamente nas feiras, seus
pequenos jornais, defendendo o povo escadense, vítima
da açucarocracia, classificação dada aos 120 senhores
de engenho que dominavam o município, divididos em
conservadores e liberais. A ousad ia de alguns artigos,
como os publicados no jornal Contra a Hipocrisia, que
312
denunciam o conluio entre a justiça e os senhores de
terra e de escravos, leva Tobias Barreto a responder
processo por crime de imprensa. O alforriamento de
escravos do espólio do seu sogro contraria o poder local
e Tobias tem a sua casa cercada, sua integridade física
ameaçada, resistindo de arma na mão, até não mais
poder. De volta ao Recife, mais do que o jornalista
engajado, o político do Clube Popular Escadense, com
seu célebre Um Discurso em mangas de Camisa, de
1877, que tanto é um preciso diagnóstico da realidade
social escadense, como um libelo em favor da reação
popular à dominação, convive em Tobias o germanista,
disposto a abrir, com todo o vigor de sua competência
intelectual, novos caminhos ao entendimento do direito,
da filosofia, da religião, da cultura e da crítica.
Afinado com as mais revolucionárias e novas
idéias que dominam o mundo sábio de então, Tobias
Barreto empolga, em 1882, a mocidade nordestina que
cursava Direito na Faculdade do Recife, Derrubando
velhas teorias, fechando surrados compêndios, e
oferecendo o poder das novas idéias, Tobias Barreto
iniciou a mais profunda das transformações, a da
cultura, criando a Escola do Recife, desdobrando -a com
as gerações de abolicionistas, republicanos, federalistas,
socialistas, que tanto aplaudiram e deram quorum as
idéias de Tobias Barreto na Faculdade, como levaram
para as suas Províncias e Estados o que de mais novo e
revolucionário havia no Brasil. No Amazonas e no Pará,
no Maranhão, no Piauí, no Ceará, no Rio Grande do
Norte, na Paraíba, em Pernambuco, em Alagoas, em
313
Sergipe, na Bahia, e em outros lugares do País os
seguidores e descendentes de Tobias Barreto e da Escola
do Recife levantaram bem alto o estandarte das causas
libertárias e progressistas, com as quais a sociedade
brasileira tem procurado reagir a todas as formas, velhas
e novas, de dominação. Ninguém serviu mais que Tobias
Barreto às causas da liberdade no Brasil. O duplo evento
do Sesquicentenário de seu Nascimento e Centenário de
sua Morte – 7 de junho e 26 de junho – permite ao
Brasil de hoje conviver com o pensamento de Tobias
Barreto, conferindo a sua atualidade.
314
O POETA EM SALVADOR
315
São muitas as ligações de Tobias Barreto com a
Bahia. O genial mulato sergipano, nascido na então Vila
de Campos, nos sertões do Rio Real, em 7 de junho de
1839, teve parentes, mestres, amigos e seguidores
baianos. O condoreirismo poético, o germanismo, e a
pregação abolicionista são três vertentes da a ção
tobiática, que aproximam o pensador sergipano com a
Bahia. É quase ignorada a presença de Tobias, em 1861,
de março a dezembro, em Salvador, onde deveria tornar -
se aluno da Faculdade de Medicina da Bahia, como
querem alguns críticos de suas obras, entr e eles Aluízio
Bezerra Coutinho, no seu recente e notável A Filosofia
das Ciências Naturais na Escola do Recife. São poucas,
até agora, as informações sobre os quase dez meses
vividos por Tobias Barreto na capital baiana e nem ele
próprio, nas cartas auto-biográficas que dirigiu, em
1880, ao seu conterrâneo Carvalho Lima Júnior, ou
“Aos moços sergipanos, estudantes da Faculdade de
Medicina da Bahia”, em dezembro de 1882, a quem iria
dedicar seu livro Estudos Alemães, esclareceu sobre o
fazer cultural baiano.
Devem estar nos jornais baianos da época a
colaboração de Tobias Barreto em Salvador.
Dificilmente ele passaria por uma cidade como a capital
baiana sem deixar o fulgor de sua presença. Em Maceió,
quando em 1862 seguia de Sergipe para Pernambuco,
deixou pelo menos dois poemas: um, recitado em
improviso após uma apresentação teatral de homenagem
a Camões, outro – Veni de Libano, Sponsa Mea –
316
deixado no Diário do Comércio, de 28 de novembro de
1862. Na Bahia Elziário da Lapa Pinto (1839-1897),
poeta segipano, companheiro de José Maria Gomes de
Souza, outro vate patrício, (1839 -1892), a quem Jackson
da Silva Lima, em sua História da Literatura Sergipana,
atribui a sua condição de líder sergipano de uma escola
poética condoreira. Escola à qual estaria filiado o
Elziário da Lapa Pinto e o próprio Tobias Barreto, como
se verificará mais tarde, já no Recife, quando encanta as
ruas da “cabocla civilizada” com seus versos sociais e
engajados, tendo como parceiro o baiano Castro Alves.
Ao chegar ao Recife, portanto, Tobias levara uma poesia
nova, forte, capaz de estabelecer uma comunicação
direta, imediata, com o povo nas ruas, nos teatros,
clamando por liberdade, tendo como rotunda a guerra
contra o Paraguai. Em Sergipe como na Bahia, em
contato com José Maria Gomes de Souza e com Elziário
da Lapa Pinto, Tobias Barreto assume a influência que
Victor Hugo espalha pelo mundo.
Castro Alves seria seu parceiro, seu amigo, e
mais tarde seu rival. É de Castro Alves, em carta a
Augusto Álvares Guimar~\es, de 24 de fevereiro de
1868, a expressão “tubiático”. Diz Castro ao amigo
distante: “Escrevo-te para dizer que não te escrevo. Isto
está tubiático.” A aparente gozação remete a uma
constante do pensamento de Tobias Barreto, o raciocínio
dialético, com o qual cumpriu uma das ma is amplas e
ricas contribuições ao País, como líder da Escola do
Recife, berço do culturalismo e de outras tantas
317
novidades que serviram ao desenvolvimento da cultura e
da ciência no Brasil.
Outro traço característico da obra de Tobias
Barreto, o germanismo, parece ter raízes no seu
convívio baiano com o parente Francisco Moniz Barreto
de Aragão, que era diplomado em direito e em filosofia
pela Universidade de Heidelberg, e que propagou,
através de jornais como O Monitor, Diário da Baia,
Gazeta da Bahia, Diário de Notícias e Jornal de
Notícias, a cultura alemã, em artigos sobre filosofia,
crítica, política, finanças, economia política e literatura,
além de publicar Das Verfassungs – Wesen in Brasilien.
Francisco Moniz Barreto de Aragão era o pai de Egas
Moniz, o Phetion de Vilar, o grande poeta baiano,
professor de alemão do Ginásio da Bahia, redator da
Revista do Grêmio Literário e considerado o “único
escritor brasileiro que hoje (1903) estuda com
perseverança e entusiasmo o germanismo e continua a
obra de Tobias Barreto”,no dizer de Arno Philipp,
redator-chefe da Deutsche Zeitung. O germanismo de
Tobias chegou a Minas Gerais com Augusto Franco, ao
Ceará, com Virgílio Brígido e José Carlos Júnior, ou
ainda no Rio Grande do Sul, através do jornal Koseritz
Deutsche Zeitung, dirigindo por Carlos von Kosetitz.
Como Castro Alves, Tobias Barreto também
abraçou a causa abolicionista, tanto como poeta, quanto
como jornalista, redigindo o seu próprio jornal – O
Americano – em 1870, dedicado à propaganda da
libertação de escravos, ou como advogado e Curador de
Órfãos e também de escravos, em Escada, ou alforriando
318
escravos do espólio do seu sogro, ou, por fim, como
integrante da Sociedade Nova Emancipadora, en-
carregada da libertação dos negros no Recife, da qual
assina Manifesto, em 1883, não sem antes ser seu
orador, na recepção ao compositor Carlos Gomes, em
1882, ocasião em que foram libertados alguns escravos,
adquiridos pelos fundos levantados nas récitas dos
intelectuais pernambucanos e nordestinos. Os docu -
mentos que comprovam a participação de Tobias
Barreto, na campanha abolicionista estão em Tobias
Barreto, A Abolição da Escravatura e a Organização da
Sociedade, que publiquei no Recife, em outubro de
1988.
Em defesa de Tobias Barreto, de quem fez o
elogio à beira do túmulo, em nome próprio e em nome,
por sua conta e risco, da Congregação da Faculdade de
Direito, sai, em entrevista ao jornal A Tarde, em 3 de
maio de 1939, o velho colega da Faculdade, J.J. Seabra,
lembrando que o sergipano “era vítima de uma ditad ura
– a dos preconceitos raciais, como se fosse possível
admitir no Brasil semelhante disparate.” Ao teste -
munhar, 50 anos depois do desaparecimento do colega,
que Tobias foi “combatido mais porque era mulato”
Seabra repara a injusta pecha que pesava na biografia do
fundador da Escola do Recife. Outros baianos, como
Almáchio Diniz, Virgílio de Lemos, mantiveram vivo,
na Bahia, o nome de Tobias Barreto. Sua morte no
Recife, no dia 26 de junho de 1889, despertou a
sensibilidade baiana, como lembra Cid Teixeir a em
Bahia em Tempo de Província, ao tratar de espetáculo
319
do Circo Chileno, na Festa de Caridade em benefício da
viúva e dos filhos de Tobias Barreto, no dia 9 de julho
de 1889, no Polyteama Bahiano.
Muitos são, portanto, os laços de Tobias Barreto
com a Bahia, revividos agora quando o Brasil celebra o
duplo evento do Sesquicentenário do Nascimento e
Centenário de Morte do pensador sergipano, respon-
sável, segundo o insuspeito depoimento de Graça
Aranha, pela emancipação intelectual do País.
320
TOBIAS BARRETO E O BRASIL
321
A história do pensamento brasileiro remete, com
freqüência, Tobias Barreto, o sábio mulato sergipano,
nascido em 7 de junho de 1839 e que morreu no Recife,
na mais absoluta miséria, em 26 de junho de 1889. É
que Tobias teve a sensibilidade de distinguir na fonte do
pensamento mundial as águas mais novas, capazes de
causar maior impacto no contato com os brasileiros. A
Europa pensante alimentava o Novo Mundo através da
França, da Espanha e de Portugal. Coube a Tobias
Barreto, mais que a outros, e de forma sistemática,
trazer ao Brasil a Europa alemã, justamente aquela que
Emile Brehier, em sua Histoire de la Philosophie (1)
(Tomo II, página 573), interpreta os novos rumos do
pensamento, na marca da segunda metade do século
XIX.
Ao filiar-se ao germanismo Tobias Barreto
deslocou o Brasil do foco da influência ibérica e
francesa. E trouxe ao convívio acadêmico, dos jornais, o
pensamento renovado pelo tempo: o espírito crítico e de
análise, que se manifesta em honra de Kant e de
Condilac; a filosofia pura; a crítica em substituição a
metafísica; a física e a química substituindo a filosofia
da natureza; a política prática; econômica e social em
lugar do Profetismo e do Messianismo. É a época de
Renan e de Marx Müller, de Taine, de Renouvier, de
Cournet e dos Neokantianos, do Socialismo marxista, e
das favoritas doutrinas que dominaram a época: o
Darwinismo, e o Evolucionismo de Spencer.
322
As forças que controlavam a informação, a
educação e a cultura em Pernambuco, na se gunda
metade do século XIX, que tinham como cruzados os
professores Autran da Mata Albuquerque, Braz
Florentino, José Soriano de Souza, estavam filiadas ao
velho Tomismo, e, graças a presença de padres jesuítas,
ao Neotomismo de procedência francesa, que vivia
ancorado na Revista Contemporânea de Paris. Todos
esses religiosos, no dizer do próprio Tobias, tinham uma
“grave missão. É de fabricar no Recife o melhor
contraveneno das idéias perigosas.” (2) O livro síntese do
pensamento dominante em Pernambuco est á no livro do
professor José Soriano de Souza, Lições de Filosofia
Elementar, Racional e Moral, editado em Paris, em
1871, que mereceu de Tobias Barreto uma série de
artigos sob o título de O Atraso da Filosofia entre nós.
Depois de agitar, sob a emoção da guerra contra o
Paraguai, o povo nas ruas do Recife, alimentando -o de
novas idéias libertárias, com versos como estes:
“A Pátria somos nós”,
“... Para que tudo estremeça
Basta erguer-se uma cabeça
Cheia de revolução.
Ergueu-se: foi decepada
Ergueu-se outra: caiu
Mais outra: ainda calcada
Ao longe um brado se ouviu
Era o espírito das matas
Os turbilhões democratas
Que a liberdade produz
323
Fazendo os tronos vergarem
E os reis se descoroarem
Cortejando a nova luz.” (3 )
NOTAS
326
TOBIAS BARRETO E
O MARANHÃO
327
São muitos os laços de Tobias Barreto, o genial
mulato sergipano que renovou o pensamento nacional
com sua Escola do Recife, síntese de u ma vasta obra de
cultura e de crítica, nos campos da literatura, da reli-
gião, da filosofia, do direito, da arte, com o Maranhão.
Certamente aquela Província constava da poética en-
gajada, quando diante de jovens que formavam os
batalhões de guerra, Tobias exortava o amor à Pátria, na
peleja contra o Paraguai. Foi em 1868, no entanto, a sua
primeira relação com o Maranhão, através das anotações
que fez, quando ainda estudante, às Teses dissertadas,
naquele ano, pelo bacharel Luiz de Souza da Silveira,
tendo como tema o artigo 5º da Constituição do Império,
combinando o fato de uma religião de Estado com o
princípio de liberdade de consciência. Mais do que as
anotações, que não são poucas, Jackson da Silva Lima
sugere, no seu Esparsos e Inéditos de Tobias Barreto,
que também o texto da dissertação tem claramente, o
dedo de Tobias.
O ano de 1882 divide a história mental do Brasil.
Tobias Barreto, afamado como poeta, tendo já publicado
Dias e Noites, Ensaios e Estudos de Filosofia e Crítica,
um jornal em alemão, expandindo o germanismo que
abraçou e com o qual percorreu uma evolução constante
do pensamento universal, também se fazia mestre do
direito. Não apenas por ganhar o Concurso de Lente
Substituto da Faculdade do Recife, mas por levar para
aquela velha Casa as novas idéias do direito, no bojo
das novas idéias sobre a cultura e sobre as sociedades.
328
Ali, naquele cenário vestuto, entre lestes e catedráticos,
Tobias eletrizou o auditório de jovens nordestinos. Um
deles, meninote ainda, atira-se nos braços do mestre:
Graça Aranha, natural do Maranhão, a quem o Brasil
iria dever, mais tarde, a renovação de sua estética
literária. De Tobias, Graça Aranha diria, em 1931, no
seu O Meu Próprio Romance, que “emancipara
intelectualmente o Brasil.”
Um ano mais tarde, em 1883, o discurso de
paraninfia, numa Colação de Grau, pronunciado por
Tobias Barreto mereceu ser transcrito no jornal
maranhense O País, sob a direção do pai de Graça
Aranha. A concepção monística do direito fascinara a
muitos, mas provocara uma forte e desmedida reação
por parte do jornal Civilização, de São Luiz, do qual
eram redatores o padre Raimundo Fonseca, o Monsenhor
Guedelha Mourão, e o poeta Euclides Farias. O jornal
maranhense, encarnando o sentimento religioso mais
tradicional, irrompe contra Tobias, em série de artigos
que provocam a célebre polêmica, por todo o segundo
semestre de 1883, da qual tratou o também maranhense
Josué Montelo (A Polêmica de Tobias Barreto e os
Padres do Maranhão).
O Diário de Pernambuco, do Recife, republicou
os artigos da polêmica, transcrevendo A Civilização,
bem assim as críticas assinadas por Lourenço Gomes
Furtado, em versos, sob o título de Carta a Pai Tobias.
Soube-se, mais tarde, que aquele nome fictício encobria
a ação do poeta Euclides de Farias. Tobias usou d o
mesmo Diário para sustentar a disputa, respondendo aos
329
ataques, muitos dos quais grosseiros e preconceituosos.
Ao mesmo tempo, Tobias Barreto fazia publicar
diversos artigos, de fundo germânico, que enalteciam a
contribuição do e Lutero e da fé reformada para o
desenvolvimento da ciência e da cultura. Era sua forma,
muito pessoal, de polemizar, em duas frentes.
No final do século, já Tobias morto, Graça
Aranha presta-lhe uma grande homenagem, fundando na
Academia Brasileira de Letras a Cadeira de Tobias
Barreto. Aquele bravo maranhense guardava a memória
do pensador sergipano, dando-lhe a imortalidade do
sodalício nacional, ao lado das mais eminentes figuras
do País. De lá para cá a Cadeira de Tobias tem sido
ocupada por diversos brasileiros ilustres: Sant os
Dumont, Celso Vieira, Maurício de Medeiros, José
Américo de Almeida e José Sarney. Coube justamente a
este último, maranhense como Graça Aranha, ouvir do
Governador Antônio Carlos Valadares e dos senadores
Albano Franco, Francisco Rollemberg e Marco Mac iel,
o clamor de justiça, em nome das novas gerações de
brasileiros, em favor da edição das Obras Completas de
Tobias Barreto, comemorativas do Sesquicentenário de
Nascimento e Centenário de Morte, eventos de 1989.
O Presidente da República ouviu e atendeu,
determinando ao Ministério da Cultura, através do
Instituto Nacional do Livro, a edição das obras de
Tobias, cuja organização, para o INL, fora feita, na
década de 60, pelos críticos Antônio Paim e Paulo
Mercadante. Hoje, quando o sr. José Sarney vem a
Sergipe apresentar as suas despedidas, trás consigo os
330
primeiros exemplares dos volumes editados pelo
convênio INL/Editora Record. E os entrega, com a
emoção de um maranhense, com a alegria de ser ele o
ocupante da Cadeira de Tobias na ABL, e com a
responsabilidade de ser Presidente da República, dando
ao momento um caráter simbólico forte, que reata as
antigas relações de Tobias Barreto com o Maranhão.
331
TOBIAS BARRETO
NAS ALAGOAS
332
Em dois momentos especiais de sua vida –
quando viajava de sua terra natal, a Província de
Sergipe, para estudar no Recife, e quando viajava em
busca de cura para a sua doença, no ano de sua morte –
Tobias Barreto fez parada e demorou-se em Maceió, na
então Província das Alagoas. A primeira vez, em
novembro de 1862, era um jovem professor de Latim,
licenciado, que ia para o Recife matricular -se na
Faculdade de Direito. Na escala do Porto de Maceió
Tobias Barreto aproveita para freqüentar as rodas
intelectuais, colaborar na imprensa e publicar poesias. O
Diário do Comércio, de 28 de novembro, publica o
longo poema Veni de Libano, Sponsa Mea, de 15
estrofes, que não figura em Dias e Noites, livro que
reúne sua produção poética. No dia 29 de novembro, do
mesmo ano de 1862, assiste à exibição da Sociedade
Dramática Particular Maceioense, e ao fim do drama de
Burgian – Luiz de Camões – Tobias Barreto gritou:
“Camões à cena”, pedindo a presença no palco do ator
que representou o grande gênio poético português,
diante de quem recitou versos dedicados ao autor de Os
Lusíadas. O fato está registrado, na edição de 2 de
dezembro, pelo Diário das Alagoas.
Mesmo residindo no Recife e em Escada, em
Pernambuco, Tobias Barreto tem muitos dos seus
trabalhos, em verso e em prosa, publicados por jornais
alagoanos, de Maceió e de outros po ntos da Província.
Sua fama de poeta social, condoreiro, de jornalista
político, de profissão de fé liberal, de crítico da religião
333
e de germanista, chega às Alagoas e repercute nos meios
intelectuais e entre os jovens alagoanos, que mais tarde,
na Faculdade de Direito do Recife, travam contato
pessoal com o pensador sergipano, como foi o caso de
Ana Sampaio, que em 1889 era uma das poucas
mulheres cursando Direito na Faculdade do Recife, à
Casa de Tobias, de onde ele lançou as bases definitivas
para o movimento de renovação intelectual que ficou
conhecido como Escola do Recife.
No dia 18 de março de 1889, bem doente, Tobias
Barreto, acompanhado de um de seus filhos, embarca no
Porto do Recife, no paquete Alagoas, com destino ao
Rio de Janeiro, em busca de melhorar sua saúde. Já não
lia e nem escrevia, mas dirigiu, aos seus amigos que
compareceram ao embarque, estas palavras de des-
pedidas: “É preciso não deixar em silêncio até que me
seja permitido agradecer pessoalmente, a generosidade
da Província das Alagoas, da cidade do Recife, do povo
de Escada, da colônia alemã, o desvelo dos médicos, a
dedicação dos amigos, sobretudo aqueles amigos que
passaram as noites em claro, curando -me não tanto pelas
frias prescrições da ciência como pela poderosa força do
desejo de verem-me são.”
Em viagem, Tobias piora e desce na escala de
Maceió, no dia 19 de março. Forma -se uma junta
médica, formada pelos doutores Costa Leite, Antônio
Francisco Gouveia e Jambeiro. O jornal Orbe, de 22 de
março e de 24 de março, noticia a pre sença do ilustre
doente, registrando o zelo dos médicos e os carinhos de
amigos e admiradores que fazem visita ao mestre da
334
Escola do Recife, como a acadêmica Ana Sampaio e sua
irmã D. Maria Lúcia Duarte. Frustrada a viagem para o
Rio de Janeiro, a mais lo nga que empreenderia, Tobias
Barreto retorna ao Recife, no dia 26 de março,
acompanhado do advogado José Ferrão, redator da
Revista do Norte, da qual o sergipano era um dos
colaboradores. O vapor costeiro Sergipe zarpou de
Maceió levando de volta ao Recife o doente que teria
apenas mais três meses de vida. Em 26 de junho de
1889, às 10:30 horas, morreu Tobias Barreto, deixando
viúva e 9 filhos. As subscrições, que já existiam em
muitas Províncias em auxílio quando de sua prolongada
doença, eram novamente um mote que levava jovens e
intelectuais às ruas, levantando recursos para as
despesas com o funeral e com a sobrevivência da
família.
No dia 3 de julho de 1889, no jornal O
Movimento, da Matriz de Camaragibe, Fernandes Lima
desabafa emocionado: “Quem poderá crer que o astro
mais fulgurante, centro do sistema planetário do
desenvolvimento científico e literário do nosso País,
fosse buscar o seu ocaso na penumbra de uma cova
estreita. É sem dúvida uma aberração pensar -se que um
Himalaia de saber de desfizesse num momento para
circunscrever-se a sete palmos de terra. A imortalidade
de Tobias vai começar agora, porque os grandes
homens, di-lo Madame de Stael, são contemporâneos
dos séculos futuros, por seus pensamentos.” Finalizando
o seu artigo, que foi escrito no dia 29 de junho,
Fernandes Lima conclama: “Vingar -lhe a memória,
335
continuando a sua obra de reação poderosa dentro do
círculo de ferro das pequenas e doentias aspirações dos
nossos compatriotas, é o nosso dever. Moços, seja o
nome do Mestre Imortal a nossa bandeira de guerra.”
Alagoas continuo destacando a memória do poeta,
pensador do direito, da filosofia, da cultura e da
organização da sociedade, e numa pequena rua do bairro
Bebedouro, em Maceió, ainda está afixado o nome de
Tobias Barreto, invocado ho je em honra do
Sesquicentenário de seu Nascimento – 7 de junho – e do
Centenário de sua Morte – 26 de junho – como glória
intelectual do Brasil.
336
TOBIAS BARRETO E A
EDUCAÇÃO DA MULHER
337
Parte da vida cinqüentenária de Tobias Barreto
foi dedicada à educação. Ainda em Sergipe, em Lagarto
e Itabaiana, foi professor de Latim, com uma titulação
passada para toda a Província. No Recife dedicou -se ao
magistério particular e tentou, por três vezes, o ingresso
no ensino secundário: duas vezes concorreu à cadeira de
Latim, do Curso Preparatório da Faculdade de Direito,
perdendo para o seu conterrâneo e parente, o padre Félix
Vasconcelos Barreto, e uma vez à cadeira de Filosofia
do Ginásio Pernambucano, passando em primeiro lugar,
mas sendo preterido pelo Governo, que deu preferência
ao professor José Soriano de Souza, que obteve o
segundo lugar, pelo fato de ser casado e Tobias solteiro.
Nos seus jornais, dedicou atenção especial ao problema
da educação da mulher e, em geral, à condição feminina,
como um pioneiro ainda hoje atual com sua visão
inovadora e algumas vezes revolucionária. Seu trbalho
sobre A Alma da Mulher, de comentário a Die Psyche
des Weibes, de Adolpho Jellinek, judeu alemão,
pregador da sinagoga de Berlim, editado em 1873, é um
libelo em favor da educação feminina, tema familiar ao
autor do projeto nº 129, na Assembléia Provincial de
Pernambuco, criando o Partenogógio do Recife.
Quando deputado, representando o Partido
Liberal e o eleitorado de Escada, no biênio 1878/79,
Tobias Barreto se envolveu na discussão parlamentar,
principalmente com o médico Malaquias Antônio
Gonçalves, em defesa de um auxílio, a ser dado pelo
Governo da Província, no valor de cem mil réis, para
338
que Josefa Felisbela de Oliveira pudesse estudar
medicina nos Estados Unidos ou na Suíça. Além de
defender a concessão do auxílio, Tobias Barreto
apresentou uma emenda em favor de outra moça, Maria
Amélia Florentina, para o mesmo estudo no exterior. No
calor da discussão, Tobias Barreto refutou, um a um, os
argumentos utilizados pelo dr. Malaquias para vetar o
auxílio, todos eles inferiorizando a mulher.
Para realçar sua defesa, Tobias Barreto chama a
atenção do Plenário e especialmente do dr. Malaquias,
dizendo: “Nós sabemos da grande importância, do
grande desenvolvimento, que tem tido a doutrina da
Seleção Natural de Darwin, sobretudo reformada e
engrandecida em mais de um ponto por Ernest Haeckel.
Pois bem: entre as leis da conformação ou adaptação
indireta, de que fala Haeckel, está em primeiro lugar
aquela que ele chama da adaptação individual, segundo
a qual os indivíduos de uma mesma espécie nunca são
totalmente iguais.” E arremata: “E sendo assim, como,
querer-se, comparando a mulher com o homem, deduzir
de pequenas diferenças no órgão do pensamento uma
enorme distância entre um e outro na capacidade
intelectual? É inadmissível.” Tobias Barreto ganhara a
questão e sua emenda, aprovada, garantia a Maria
Amélia Florentina o direito ao auxílio da sua Província
para estudar medicina no exterior.
Enquanto discutia, em várias sessões legislativas,
o Projeto 61/79 dos auxílios, Tobias Barreto apresentou,
debaixo de longa justificativa, o seu Projeto de Lei, nº
129, criando o Partenogógio do Recife, estabelecimento
339
público, de cultura literária e profissional para as
moças, dividido em duas Escolas: Escola Média, ao
modelo alemão das Mittelschule, e a Escola Superior, a
Honore Schule. O Projeto foi lido na sessão de 28 de
março de 1879 e aprovado em primeira discussão no dia
2 de maio do mesmo ano. O que movia Tobias, segundo
ele próprio, era os ensinamentos de Frederico
Diesterweg, que com Pestalozzi e Froebel, integrava
uma tríade de pedagogos modernos, ao dizer que “A
liberdade do povo, e a felicidade do povo, pela cultura
do povo, não pode ser conseguida por meio de instrução
parcial, ministrada a um só sexo.”
A novidade não estava na criação de uma escola
feminina, pois já existia no Recife a Escola Normal,
atendendo, naquele ano de 1879, a 42 alunas. Mas, sim,
na criação de uma Escola Superior, ao lado de uma
Escola Média, po is equivaleria a libertar a mulher
daquela condição de portadora de uma certa cultura da
vaidade, formada por um pouco de música, um pouco de
desenho e pelo gaguejar de uma ou duas línguas
estrangeiras, como fixa, em sua justificativa, o próprio
Tobias, abonado por Eduardo von Hartmann.
Quando o Projeto voltou ao Plenário da Assem-
bléia para a segunda discussão, em 5 de março de 1880,
já Tobias Barreto não era deputado. A defesa coube ao
Barão de Nazaré, também signatário do Projeto, que
enfrentou a reação forte do deputado Ermírio Coutinho,
para quem o projeto não acautelava suficientemente a
moralidade do sexo feminino. O deputado baseava -se no
fato de que o Projeto autorizava, num dos seus artigos,
340
que o Governo da Província, enquanto não dispusesse de
condições para construir o Partenogógio, matriculasse as
suas alunos no prédio do Ginásio Pernambucano. A
proximidade das moças do Partenogógio do Recife com
os poucos alunos, crianças e rapazes, do Ginásio
Pernambucano representava, na visão do deputado
Ermírio Coutinho, uma promiscuidade. Utilizando -se de
teoria sobre a influência do clima no desenvolvimento
físico e nas paixões, o crítico demove o Plenário e faz
aprovar requerimento do deputado Ayres Gama,
remetendo o Projeto de Partenogógio do Recife para a
Comissão de Instrução Pública, de onde nunca mais
voltou.
Em 1881, quando escrevia sobre o rabino
Jellinek, Tobias Barreto evoca o seu Projeto, mas não
comenta as razões da rejeição à sua idéia de uma Escola
Superior para o sexo feminino. A hegemonia do homem
sobre a mulher, os preconceitos, e as formas dominantes
de cultura abordaram a criação do Partenogógio do
Recife, muito embora não tenham arrefecido a
disposição do pensador sergipano em continuar
defendendo a mulher, sua cultura elevada, sua condiç ão
social. No jornal-revista O Industrial, em 1883, Tobias
Barreto volta a dedicar-se à causa da educação da
mulher e a sua preparação para o trabalho,
emancipando-a economicamente. No conjunto de sua
obra, Tobias Barreto põe a mulher em lugar destacado,
tanto pela ótica da poética, como da filosofia, da
ciência, e do direito.
341
TOBIAS BARRETO E O
COMPROMISSO DEMOCRÁTICO
342
A biografia de Tobias Barreto de Menezes
(1839/1889) (1 ) é uma lição coerente de compromisso
democrático. Desde que chegou ao Recife, na segunda
metade do século XIX, para estudar direito, que
assumiu, nas ruas da capital pernambucana, a
paternidade panfletária, restaurando a coragem de lutar
das gentes frustradas com as seguintes derrotas de 1817,
1824, 1842 e 1848. A guerra do Paraguai serviu de mote
para que Tobias Barreto revelasse o poeta social,
condoreiro, inflamando a massa com versos como estes:
NOTAS
346
(3) Em Escada, Tobias Barreto editou e redigiu os seguintes
jornais: Um Signal dos Tempos, A Comarca de Escada, Devaneio
Literário, O Desabuso, O Povo de Escada, O Escadense, Aqui pra
Nós,A Igualdade, Contra a Hipocrisia, O Martelo e a Revista
Estudos Alemães.
347
A EDIÇÃO DOS LIVROS
DE TOBIAS BARRETO
348
Em vida, de 1875 a 1889, Tobias Barreto
publicou 13 obras, desde livros fundamentais, como os
“Ensaios e Estudos de Filosofia e Crítica”, “Menores e
Loucos”, “Dias e Noites”, “Questões Vigentes de
Filosofia e de Direito”, até suas Teses, Dissertações,
Monografias em alemão, Comentários mais tarde
incorporados a outros volumes. Em maior volume do
que fizera publicar, Tobias deixou esparsos e dispersos
pelos jornais e revistas, dezenas de ensaios, críticas,
poesias, reflexões, e muitos inéditos, manuscritos, parte
dos quais fora inteiramente perdida. Sílvio Romero,
amigo fraterno e discípulo, tentou ordenar as Obras de
Tobias Barreto, publicando alguns volumes, su -
bordinados a um Plano extenso, que tem servido, até
hoje, de base para a visão crítica da obra do pensador
sergipano.
Os volumes publicados por Sílvio Romero foram:
Estudos de Direito, em 1892, Dias e Noites, 1893,
Vários Escritos, 1900, Polêmicas, 1901. Enfrentando
muitas dificuldades, Sílvio desistiu de levar adiante seu
Plano, morrendo em 1914, antes de Graccho Cardoso,
simpatizante da Escola do Recife, desde os tempos de
aluno da Escola Militar do Ceará, de orientação
positivista, eleito Presidente de Sergipe, encarregar
Manoel dos Passos de Oliveira Teles de organizar a
Obra tobiática. Um trabalho penitente, minucioso,
seguindo o Plano de Sílvio Romero, foi executado no
Recife pelo antigo aluno, resultando na preparação de
349
10 volumes, editados pelo Governo de Sergipe, com a
casa Editora Pongetti, em 1926.
As obras completas organizadas por Manoel dos
Passos de Oliveira Teles tem os seguintes volumes:
Estudos de Direito, I e II, Filosofia e Crítica, Estudos
Alemães, Vários Escritos, Polêmicas, Discursos,
Menores e Loucos, Questões Vigentes e Dias e Noites.
Foi a primeira tentativa de sistematização da obra do
fundador da Escola do Recife, que contou com a
colaboração de João Barreto de Menezes, filho de
Tobias, Arquivista da Faculdade de Direito e grande
intelectual em Pernambuco. As falhas e omissões,
compreensíveis e perdoáveis, não invalidam o esforço
de Oliveira Teles em reunir parte do farto trabalho
intelectual de Tobias Barreto.
A edição de 1926 foi a mais durável, a mais
conhecida e citada, sendo responsável, por isso mesmo,
pela permanência de Tobias Barreto. Desde aquela
época e até a década de 60, quase nada houve de edição
nova, salvo os honrosos encômios de Antônio Simões
dos Reis, o velho bibliógrafo sergipano, doublé de
editor no Rio de Janeiro. Ou ainda a investida da
Editora Progresso, da Bahia. Coube ao Instituto Na -
cional do Livro, desde os anos 60, retomar o assunto da
obra de Tobias Barreto. Possivelmente Hermes Lima,
que obteve projeção política e espaço no Poder, influiu
para que o INL editasse alguns volumes, soltos, em
formato de bolso, enquanto encarregava a Paulo Merca -
dante e Antônio Paim a elaboração de um novo Plano
editorial para as obras do mestre sergipano.
350
Em 1968 os dois eminentes pesquisadores e
críticos do pensamento brasileiro fizeram entrega de um
Plano. Aliás, mais do que um Plano, eles conceberam e
planejaram minuciosamente, volume por volume, a nova
versão das Obras Completas de Tobias Barreto, em 12
volumes, a saber: Introdução Geral, por Hermes Lima,
Estudos de Filosofia, I e II, Estudos de Direito, I e II,
Estudos Alemães, Monografias em Alemão, Crítica de
Religião, Crítica de Literatura, Crítica Político -Social,
Depoimentos, Dias e Noites, Destes, apenas foram
editados a Introdução Geral e os Estudos de Filosofia.
Dez anos depois, graças a sensibilidade do Governador
José Rollemberg Leite, houve uma tentativa de edição,
pelo Governo de Sergipe, das Obras Completas, se-
gundo o Plano de Paim e Mercadante, cujos originais
estavam em poder do Instituto Nacional do Livro.
A edição de 1978, de 9 volumes, ficou abaixo da
expectativa, porque não teve qualidade gráfica, não
circulou, e não foi completa. Saíram os seguintes vo -
lumes: Depoimentos, Estudos Alemães, Monografias
(apenas uma apesar do título plural) em Alemão, Dias e
Noites, Estudos de Direito, I e II, (edição separada),
Crítica de Literatura e Crítica de Religião, 7 editados
em Brasília e 2 em Aracaju. Ficava faltando do volume
de Crítica Político-Social, os Estudos de Filosofia e a
Introdução, de Hermes Lima. Novamente o INL, ao
ensejo do Sesquicentenário de Nascimento e Centenário
de Morte de Tobias Barreto, tomou a frente na
organização de uma nova edição, esta comemorativa,
351
das Obras Completas, partindo do Plano de Paulo
mercadante e Antônio Paim.
A Edição Comemorativa, que tem Direção -Geral de
Luiz Antônio Barreto, tem os seguintes volumes: Estudos
de Filosofia, Estudos de Direito, I, II e III, (Tobias no
Foro), Crítica Política e Social, Crítica de Religião, Crí-
tica de Literatura e Arte, Estudos Alemães, Monografias
em Alemão e Dias e Noites. 10 volumes, cada um deles
com apresentação do Ministro da Cultura, José
Aparecido de Oliveira, do Presidente da República , José
Sarney que ocupa a Cadeira 38 da Academia Brasileira
de Letras, cujo Patrono é Tobias Barreto, uma
Biobibliografia por Luiz Antônio Barreto, uma
Introdução e uma Fortuna Crítica, reunindo avaliações
criticas de várias épocas, sobre os diversos aspectos da
obra tobiática.
A Edição Comemorativa das Obras Completas de
Tobias Barreto inova em termos de acréscimos de textos
até então inéditos e esparsos, muitos dos quais foram
recentemente publicados por Jackson da Silva Lima, que
é colaborador da Educação. Eis, volume por volume o
que há de novo: Em Estudos de Filosofia, o
reordenamento cronológico dos textos e a atualização
das Notas, sobre a origem dos textos. Em Estudos de
Direito, I e II, o acréscimo de textos que estavam em
outros volumes, e o comple mento de ensaios publicados
de forma incompleta. O volume III de Direito é
inteiramente inédito, e reúne os Escritos Forenses e os
artigos em defesa do direito, publicados nos jornais
recifenses. Dos Estudos Alemães foram retirados os
352
artigos de crítica musical, acrescidos outros, niti-
damente germânicos, além da correspondência com
intelectuais da Alemanha. O volume de Crítica Político-
Social passou a ser de Crítica Política e Social, abrindo-
se para inéditos de Tobias sobre a vida brasileira, sobre
os movimentos sociais do seu tempo, como a libertação
dos escravos, e a organização da sociedade, a partir da
sua experiência e participação em Escada. No volume de
Crítica de Religião são restauradas as duas grandes
polêmicas, sobre religião, de Tobias. Uma, co m o dr.
Pedro Autran da Mata Albuquerque, do jornal O
Católico, a outra, com os padres e agregados do jornal
maranhense Civilização. A primeira, em 1870, a se-
gunda, em 1883, transcrita pelo diário de Pernambuco,
do Recife. O volume de Crítica de Literatura e Arte,
ampliado com a parte de crítica, musical. As mono-
grafias em Alemão, desta vez as duas – O Brasil, como
ele é, considerado do ponto de vista literário, e Carta
Aberta à Imprensa Alemã – traduzidas por Vamireh
Chacon. E finalmente Dias e Noites, em edição crítica,
cotejada verso a verso pela maestria de Jackson da Silva
Lima, além de consideravelmente aumentada.
A Edição Comemorativa, sob a Direção Geral de
Luiz Antônio Barreto, pretende ser a mais completa das
Obras Completas de Tobias Barreto. Os primeiros
volumes, editados pelo INL, pela Editora Record, do
Rio de Janeiro, já estão prontos para lançamento,
cumprindo-se, a mercê do atendimento que deu o
Presidente da República ao pleito do Governador An -
tônio Carlos Valadares e dos senadores Albano Franco e
353
Francisco Rollemberg, a mais importante e definit iva
homenagem ao gênio mestiço que Sergipe deu ao Brasil
nos meados do século passado e que ainda é hoje, como
bem o disse Mário Cabral, “um farol de brasilidade.”
354
AS OBRAS COMPLETAS
DE TOBIAS BARRETO
355
A publicação de Obras Completas de Tobias
Barreto (10 volumes, Editora Record/INL/Governo de
Sergipe) dá ao mundo intelectual brasileiro uma
oportunidade de travar contato com a visão plural,
interdisciplinar e inovadora do poeta, jor nalista, crítico
e pensador sergipano, que alvoroçou a segunda metade
do século passado com sua presença inquieta no Recife,
capital intelectual do Nordeste e do Norte do Brasil.
Mesmo tendo sido um autor festejado, que publicou
parte de sua obra em vida, e que teve edições póstumas
organizadas por eminentes figuras como Sílvio Romero,
Hermes Lima, Paulo Mercadante e Antônio Paim, e
ainda como o sergipano Manoel dos Passos de Oliveira
Teles, Tobias Barreto não penetrou na Universidade
brasileira.
A Universidade brasileira, a rigor, é posterior a
Tobias. E as Universidades Católicas foram criadas com
o sentido de combate às idéias novas, as quais os nomes
de Tobias Barreto esteve sempre associado. Sergipe tem
essa particularidade interessante, a de dar ao Bra sil a
tese e a antítese, na figura de Tobias, o monista, forma
de materialismo haeckeliano, aperfeiçoado por Ludwig
Noiré, e de Jackson de Figueiredo, cujo projeto prin -
cipal de sua atuação cultural foi o de recristianizar a
literatura brasileira, ou, mais adequadamente, reca-
tolicizar os escritores do Brasil, que estavam afastados
do seio da Igreja, atraídos pelas novidades que a ciência
e a filosofia traziam continuamente, pondo o conhe -
cimento em permanente ebulição.
356
Tobias, foi, a princípio, professor d e Latim em
algumas vilas de Sergipe. No Recife montou cursos
particulares de diversas matérias e fez nome de pro -
fessor. Em 1882 ingressou no magistério superior, ao
ser aprovado no concurso para a Faculdade de Direito
do Recife, de onde elevou ao mais alt o grau de sua
competência a revolução mental empreendida com suas
observações críticas sobre a literatura, a religião, o
direito, a filosofia e a ciência política. Para tanto, To -
bias contou com dois aliados: o germanismo, ferramenta
de trabalho crítico, e a mocidade da Faculdade de Di-
reito do Recife, que representava a ânsia pela novidade
que o mestre, pela palavra, colocava ao alcance de
todos.
Longe de ser uma forma pedante de expressão, o
germanismo de Tobias Barreto tinha uma nítida intenção
de superar o tempo que empoeirava as estantes da
Faculdade e das bibliotecas. O germanismo não apenas
permitiu a Tobias trazer para o Brasil o século XIX, ou
a contemporaneidade da cultura, como deu os novos
parâmetros para a compreensão de todo o espectro
cultural. Subsidiariamente, escrever em alemão signi-
ficava pular a fogueira das nulidades, para travar um
contato direto com quem produzia a reflexão mais nova,
no mundo. Assim, norteando a sua própria reflexão,
Tobias elegeu seus guias intelectuais, estudando e
divulgando obras e tomando por empréstimos métodos e
atitudes, para ser, de viva voz, na cátedra do Recife,
portador das novidades que, no dizer de Graça Aranha,
emanciparam intelectualmente o Brasil.
357
Georges Brandes, crítico dinamarquês, inspirou
Tobias no estudo da Literatura Comparada, como Rudolf
von Jhering foi mentor no campo do Direito, Ernest
Haeckel, Ludwig Noiré e Emanuel Kant foram, no
campo da Filosofia, as mais permanentes inspirações de
Tobias, Hermam Post, na Antropologia Jurídica, e
Ewald, no âmbito da Crítica Religiosa. Tobias teve
outros mestres, porque percorreu, como poucos no seu
tempo, um percurso enorme de contato com o que de
mais expressivo e novo existia no mundo, naquela
quadra especial da vida econômica e social dos povos,
quando Karl Marx, uma de suas leituras de economia
política, revolucionou a concepção do Estado, criando
outra vertente do materialismo, engrossando a fileira das
referências que mudaram o mundo.
Como poeta, Tobias ocupa lugar especial na
história literária, co m seus poemas de guerra, ao tom
condoreiro, sob inspiração clara de Victor Hugo, onde
bebeu igualmente Castro Alves. Como jornalista, Tobias
foi um historiador das idéias. Como crítico, função
permanente, atendeu ao método e ao interesse da
história, da ciência e da evolução da sociedade,
construindo uma obra que é repositório de muitos
saberes, e referência especial na bibliografia da
organização da sociedade e da cultura. Para Tobias a
cultura era um compromisso, não no sentido beletrista,
mas naquele sentido transformador, que modifica a
natureza, para o bom e para o belo, o que não deixou de
ser maus uma das antecipações, que deram ao pensador
sergipano lugar destacado.
358
Em vida, ele teve como ser, perante os moços da
Faculdade de Direito do Recife, um fa rol, cobrindo de
luz os caminhos que sua palavra nova desbravava.
Morto, ele teve os seus seguidores, nos mesmos moços
da velha escola. As gerações da Escola do Recife se
sucederam e realizaram, tanto em Pernambuco, como na
Paraíba, como no Ceará, no Maranhão, no Rio Grande
do Norte, em Alagoas, na Bahia, em Sergipe, no Piauí,
transformações que dão ao mestre a glória da imor -
talidade. Cada Estado tem, no registro da história,
guardado os nomes que honraram o mestre. Não é
preciso citá-los, por enquanto.
Com a edição especial das Obras Completas Tobias
renasce para o ingresso, ainda que tardio, no ambiente
universitário brasileiro, onde no mínimo causará espanto,
pela atualidade de seus escritos, pela potência de sua
palavra profética, pela condição de intelectual, em rebite a
um ambiente impróprio à semeadura das idéias, porque
dominado pela boçalidade dos senhores de terra, de
escravos e de poderes, como foram os senhores dos 120
engenhos de açúcar de Escada, que formavam, na sábia
denominação cunhada por Tobias, a açucarocracia.
Estudos de Direito, I, II e III, Estudos Alemães,
Crítica Política e Social, Crítica de Religião Crítica de
Literatura e Arte, Monografias em Alemã, Estudos de
Filosofia e Dias e Noites (poesia) formam os 10
volumes das Obras Completas, todos eles anotados,
acrescidos de inéditos e esparsos, com introduções e
estudos críticos que ampliam a avaliação de toda a
produção tobiática.
359
TOBIAS BARRETO
E A IMPRENSA ALEMÃ
360
Tobias Barreto teve a acuidade intelectual de
perceber que a Alemanha produzia uma cultura nova e
inovadora, diversa do repertório difundido ao Novo
Mundo, da Inglaterra. Desde1870 que Tobias deu-se de
amores ao pensamento alemão, reformando, ele próprio,
o conhecimento eclético e positivista próprio da
formação e do seu tempo. Na crítica de religião já se
vale do livro de Heinrich Ewald – História do Povo de
Israel – edição em 8 volumes, de 1864, refutando a
posição dogmática do jornal O Católico, redigido pelo
conselheiro Pedro Autran da Mata Albuquerque.
Durante o período de Escada, de 1871 a 1881, o
germanismo foi permanente na leitura e da divulgação
de obras de Eduard von Hartmann, e de outros autores
de filosofia, de Rudolf von Jhering, no âmbito do
direito, e ainda Kant, Noiré, Lange, Haeckel, e mais
muitos outros autores, no casto campo da preocupação
intelectual do pensador sergipano.
Em 1875 editou seu próprio jornal em língua
alemã – Dier Deutsche Kaempfer – como órgão de
propagação do germanismo no Norte do Brasil. No ano
seguinte escreve, em alemão, uma monografia sobre o
Brasil, sob o ponto de vista literário e em 1878 faz a
Carta Aberta à Imprensa Alemã, traçando um perfil
sócio-econômico e cultural do Brasil, desmistificando a
imagem que o Império, pela figura bonachona de Pedro
II, difundia na Europa. Também no ano de 875 publica o
seu livro de Ensaios e Estudos de Filosofia e Crítica, de
tendência, nitidamente alemã, citando diversos autores,
361
inclusive o então desconhecido Karl Marx. Em 1880
edita a Revista de Estudos Alemães, da qual retira o
prólogo e alguns artigos para o livro Estudos Alemães,
publicado em 1883, ano particularmente feliz para
Tobias Barreto, pelo seu encontro com o Príncipe
Henrique, em visita ao Brasil.
O germanismo rendeu glórias e tristezas a Tobias
Barreto. A glória de ser reconhecido por diversas
personalidades alemãs, que destacaram a personalidade
e o labor mental do sergipano, com citações altamente
elogiosas e lisonjeiras, como a do célebre Ernest
Haeckel ao dizer que Tobias parecia pertencer à raça
dos grandes pensadores. E também a glória de ser, no
Brasil, mentor de uma revolução cultural que abalou os
alicerces da vida nacional, dando um novo rumo ao
processo do conhecimento. As tristezas decorreram,
certamente, da inveja, e do sectarismo de muitos
professores, padres, jornalistas, políticos, inconfor-
mados com os desdobramentos culturais da ação da
Escola do Recife, mesmo porque a orientação germânica
carregava os vetores condenáveis àquele tempo, o do
conhecimento científico, que desbancava a hegemonia
da educação religiosa, e o do racionalismo atribuído aos
protestantes, especialmente os luteranos.
Nos momentos mais críticos das refregas cul-
turais, Tobias recorria ao manancial das citações, notas
e correspondências de autores alemães, refreando a
sanha dos seus adversários. Em 1883 fez publicar, no
Diário de Pernambuco, cartas de autores alemães, todas
muito favoráveis ao seu labor intelectual. Nos jornais
362
saíram pequenas notas e comentários sobre a mani-
festação da imprensa alemã a respeito de Tobias Bar -
reto. Não apenas a imprensa alemã das províncias do
Sul do Brasil, com especial destaque para a Koseritz
Deutsche Zeitung, de Porto Alegre, dirigida, até 1881,
por Karl von Koseritz, e depois por Hermann von
Jhering, mas também jornais e revistas editados em
cidades alemãs, que sempre manifestaram curiosidade
sobre a vida e a obra de Tobias Barreto.
Tobias não guardou esses exemplares da imprensa
alemã a seu respeito. Não há, no Recife, qualquer sinal
das publicações citadas pelo próprio Tobias e pelos seus
biógrafos. Vamireh Chacon não localizou na Alemanha
qualquer evidência sobre o pensador sergipano, achando
que o País, passando por duas grandes guerras, viu
destruído parte do seu acervo cultural. Agora, no
entanto, graças aos esforços do professor e pesquisador
italiano Mário G. Losano, autor de um trabalho sobre o
germanismo de Tobias Barreto – La Scuola di Recife e
l’Influenza Tedesca Sul Diritto Brasileiro – foi
localizada a revista Gartenlaube e produzida a página
70, do ano de 1879, dedicada a Tobias Barreto . Trata-se,
na verdade, de um artigo de Alfred Waldler – este era o
pseudônimo de Albert Willhelm Sellin – sobre Tobias
Barreto e seu jornal Deutsche Kaempfer.
Na sua segunda visita a Sergipe (a primeira foi
em junho de 1990) Mário G. Losano trouxe, para o
acervo do Memorial Tobias Barreto, cópia, em papel
fotográfico, da matéria sobre Tobias Barreto publicada
na Gartenlaube. A ilustração central da matéria é uma
363
xilogravura, por Adolf Neumann, a partir de fotografia
tirada pela casa alemã que atendia à família imperial
brasileira, cujo original está em álbum, no Museu
Imperial de Petrópolis, do qual foram tiradas cópias
para o instituto Histórico e Geográfico do Brasil, no Rio
de Janeiro, e o Memorial Tobias Barreto em Aracaju.
A parte referente à pessoa de Tobias Barreto,
escrita por Albert Sellin, está vazada nos seguintes
termos, de acordo com a tradução de Marcela Varejão, a
partir do texto italiano do próprio Mário Losano:
365
O JORNAL ALEMÃO
DE TOBIAS BARRETO
366
Foram poucos os contemporâneos de Tobias
Barreto que tiveram a honra da leitura do seu jornal
alemão Deutscher Kaempfer, editado no Recife pela
Tipografia Mercantil, de Carl Eduard Muhlert & Cia, a
partir de 2 de agosto de 1875. Sílvio Romero,
companheiro e amigo, genial divulgador do mestre, foi
um dos privilegiados, tendo citado dois dos cinco
exemplares que circularam. As notícias sobre o pequeno
jornal foram dadas pela imprensa alemã, pelos jornais
das colônias tedescas do Rio Grande do Sul, e pelo
próprio Tobias que vez por outra evoca, em alguns
trabalhos, os escritos do Lutador Alemão. Nos três anos
de pesquisa em Pernambuco e em outros estados não
consegui localizar qualquer exemplar do jornal alemão.
Localizei quase todos os jornais escadenses, a começar
elo raríssimo Um Signal dos Tempos, de 1874, e a
terminar com a revista Estudos Alemães, de 1880, e
aproveitei os artigos inéditos em livros nos volumes das
Obras Completas, que acabam de sair.
Por conduto de um pesquisador de São Paulo –
Israel Souza Lima – consegui uma cópia do nº 1 do
Deutscher Kaempfer, que imediatamente distribuí com
entidades e pessoas que em várias partes do País se
interessam pelos estudos tobiáticos. Pois ainda que não
tenha em seu conteúdo uma notável contribuição ao
conjunto da obra, o exemplar vale como curiosidade, na
afirmação intelectual de um homem que fez a opção pela
cultura germânica como forma de penetrar no que havia
367
de mais novo no campo das idéias, fazendo com que o
Brasil penetrasse na vivência cultural do sécu lo.
O nº 1 do Deutscher Kaempfer tem o seguinte
conteúdo: Prefácio, repetindo, de algum modo, o ideário
do jornal, como havia sido feito com a edição, em julho
de 1875, do Prospecto anunciando o jornal; um artigo,
inédito em livro, intitulado Estado e Igreja; um artigo –
Deve a metafísica ser considerada morta? – em parte
divulgado por Sílvio Romero e por Jackson da Silva
Lima: uma adaptação, de autoria de Georges Brandes,
do conto do Chapeuzinho Vermelho, comparando a
menina ao pensamento livre, e o lobo mau aos críticos
do pensamento livre; um poema – Der Jesuit – de
autoria de Hermann Gilm; e uma Miscelania com
transcrições e pequenas notas, destacando -se o anúncio
do livro Ensaios e Estudos de Filosofia e Crítica, que
seria editado no mesmo ano de 1875, e uma carta de
Dom Pedro II, dirigida ao professor Virchow, de Berlim.
A intenção de Tobias Barreto, ao lançar o seu
jornal em alemão, era a de contribuir para a propagação
do germanismo no Norte do Brasil. O jornal era uma
“Folha literária e acidentalment e política”, que
mantinha a linha editorial de outros periódicos de
Tobias, como O Americano, de 1870, e Um Signal dos
Tempos, de 1874. A crítica religiosa, a discussão
filosófica, a insatisfação com o atraso cultural e com o
estágio da literatura nacional, foram temas constantes do
trabalho jornalístico de Tobias Barreto. E o primeiro
número do Deutscher Kaempfer reflete isso em seus
368
artigos e notas, mais tarde seqüenciados, na trilha
coerente do pensador.
A transcrição da carta de Pedro II, com pitada de
crítica, é também o início de uma posição que Tobias
defendeu nas duas monografias em alemão – O Brasil
como ele é considerado do ponto de vista literário, de
1876, e Carta aberta à imprensa alemã, de 1878 – nas
quais desmistifica o conceito que o monarca brasileiro
gozava nas rodas intelectuais da Europa, merecendo
encômios dos jornais alemães. Tobias aproveita o
gancho para revelar aos europeus, especialmente os
alemães, o Brasil real, com uma economia que
repousava no braço escravo, uma situação de penúr ia
social, e mais completa ausência de espírito de união
nacional.
O seu artigo sobre a metafísica, provocado pelo
concurso de Sílvio Romero na Faculdade de Direito do
Recife, em 1875, e pela afirmação do seu dileto amigo
de que a metafísica estava morta. O artigo de Tobias é
uma reação contundente ao Positivismo e o estabe-
lecimento de uma relação definit iva, permanente, com
Kant e com a filosofia kanteana. O jornal alemão de
Tobias Barreto, em seu primeiro número, é um espelho
de parte fundamental de sua obra, realizada a partir
exatamente do ano de 1875.
369
TOBIAS, JHERING
E LOSANO
370
O próximo dia 7 de junho, segunda-feira, marca a
data natalícia de Tobias Barreto de Menezes, o genial
sergipano nascido na Vila de Campos, no sertão do Rio
Real, em 1839. 104 anos depois de morto, Tobias
continua despertando vivo interesse nos centros de
pesquisa do Brasil e do exterior, surpreendendo aos
pesquisadores com a coerência e a atualidade de sua
vasta obra de pensador múltiplo. Nas Universidades do
Rio de Janeiro, de Minas Gerais, no Brasil, e de Milão,
na Itália alguns estudiosos procuram, nas páginas dos
dez volumes das Obras Completas de Tobias Barreto,
edição comemorativa (1990/1991), Editora Record/
INL/Governo de Sergipe, os temas referenciais, co m os
quais fazem a reflexão esclarecedora, sempre atribuindo
ao mestre o encanto de sua visão contemporânea e, em
alguns casos, inovadora.
Mário G. Losano é um pesquisador italiano,
especialista em estudos germânicos, que descobriu
Tobias Barreto ao participar, com outros, da elaboração
do “Materiali per uma storia della cultura giuridica”,
concorrendo com o capítulo La Scuola di Recife e
l’Influenza Tedesca sul Diritto Brasiliano, em 1974. De
lá para cá cresceu o interesse e o entusiasmo de Losano
sobre Tobias Barreto e sua obra jurídica, onde há, mais
explicitada, a contribuição alemã. A partir de 1989,
quando das celebrações do Sesquicentenário de
Nascimento e Centenário de Morte de Tobias Barreto,
Mário Losano empreendeu uma hercúlea tarefa de
refazer a biblioteca alemã existente na Faculdade de
371
Direito do Recife, identificando livros e autores que
foram lidos pelo pensador e intelectual sergipano.
Semelhante encargo teve Vamireh Chacon, listando
quase uma centena de títulos alemães do acervo pessoal
de Tobias, adquiridos, quando de sua morte, pela
Faculdade.
Além dos livros, Losano cuidou dos corres -
pondentes alemães de Tobias, dos escritos germânicos,
do jornal DeutscherKaempfer, sempre com uma aguda
interpretação do valor da obra tobiática. Os estudos d e
Mário Losano são publicados, inicialmente, em revistas
de direito e de sociologia da Itália e da Alemanha,
estando em preparo um livro reunindo os pequenos
ensaios – seis ao todo – para edição no Brasil. O
professor italiano é, atualmente, o mais dedicad o e
profundo estudioso da obra de Tobias Barreto, como
demonstram os seus trabalhos, prometendo continuar no
esforço de cotejar e interpretar textos, com rigor
metodológico de um mestre na pesquisa bibliográfica.
Há uma outra face do trabalho de Mário Losa no
que deve ser ainda mais realçada, porque original e
única, que é a da pesquisa tobiática na Alemanha. Já foi
possível encontrar, por exemplo, o exemplar da revista
Gartenlaube, de 1879, estampando uma biografia, com
excelente e, ... grande retrato, de Tobias Barreto, de
autoria de Richard Lesser, que mais tarde dirigiu e
redigiu o Welipost e no qual tratou, igualmente, do
fundador da Escola do Recife. A comunidade intelectual
brasileira pode, agora, entender melhor o germanismo
de Tobias Barreto, na dimensão dos contatos e da
372
receptividade alemã, como atestam os registros en -
contrados e comentados por Mário Losano, prin ci-
palmente no seu I Corrispondenti tedeschi di Tobias
Barreto (revista Sociolgia del Diritto, 1992) e Tobias
Barreto e Richard Lesser: alle origini dell antropologia
giuridica (na mesma revista italiana).
Outra descoberta losaniana une, ainda mais,
Tobias Barreto a Rudolf von Jhering. Tobias traduziu e
comentou, em artigo publicado no jornal A Província,
do Recife, em 13 de julho de 1878, o pequeno livro de
Jhering, Jurisprudência da Vida Diária, valendo-se da
edição de 1877, a terceira, publicada em Jena. O artigo
de Tobias Barreto saiu no Rio de Janeiro, no jornal O
Repórter, no ano seguinte. Um ou outro, contudo,
chegou ao conhecimento do autor da Luta pelo Direito,
que em 1891, numa nova edição ampliada do seu
Jurisprudência da Vida Diária, a oitava, não apenas
comenta como incorpora as observações feitas, no
Brasil, por Tobias Barreto de Menezes. Diz Rudolf con
Jhering, citado por Mário Losano em Tobias Barreto e
la Recezione di Jhering en Brasile: referindo-se à
tradução de Tobias: ein Auszug in portugiesischer
Sprache in de Menezes.” Pena que Tobias Barreto,
morto dois anos antes, não tenha podido colher esta
glória de ser considerado pelo grande Jhering, numa
troca de referências, numa afinidade de visão do mundo
do direito e especialmente da luta pela sua afirmação no
corpo das sociedades.
A memória de Tobias Barreto passa a dever a
Mário Losano mais essa contribuição, trazida pessoal-
373
mente a Sergipe no final da última semana, repetindo,
pela segunda vez, as viagens de trabalho em Aracaju,
junto ao acervo do Memorial Tobias Barreto, organizado
e mantido pelo PESQUISE.
374