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.

OIJIIUl10

D~dqs Intefllacionais ·de Cat ~oga ção ,na Publicaç~o (CIP


)
- (Câm ~a Brasileira do· ~ivrQ, SP, Brasil)

História da Filosofia/ Jean-François Pradeau


[prefácio] ; tradução de James Bastos Arêas
e Noéli Correia de Melo Sobr inho . -
Petrópolis: Vozes; Rio de Jane iro ·: PUC -Rio ,
2011.

TítuJo original : Hist oire de la phil osop hie


Vários·autores
ISBN 978- 85-8 006- 041- 6 (Puc -Rio )
ISBN 978- 85-3 26-4 I 55-7 (Vozes)

1. Filosofia - Hist ória I. Prad eau,


Jean-Fran çois.

I. Títu lo.

11 OSI 16
20
RENÉ DE SC AR TE S

Emanuela Scribano *

mada hoje de
René Descartes nasceu em 31 de dezembro de 1596 em Haia (cha
em La Fleche entre
'Descarres") , em Touraine. Ele estudou no colégio dos jesuítas
4

ra em direito ca-
I 606 e, ao que parece, 1614; depois de ter obtido uma licenciatu
cito protestante de
nônico e civil na universidade de Poitiers, ele se engaja no exér
do duque Maximilia-
Maurício de Nassau ( 1604 -167 9), depois no exército católico
r de 1628 e começa a
no da Baviera (1573-1641). Ele se instala na Holanda a parti
e 1630 e 1633, redige
trabalhar num trata do metafísico que não chegou até nós. Entr
condenação de
Le Monde, texto que ele deci diu não torn ar público, assustado com a
Galileu ( 1564-1642). Em 163 7, ele publ ica o Discurso sobre o
método (Discours de la
ou Medita-
méthode), em 1641, as Meditações metafisicas (Méditations métaphysiques
fia (Príncipes
tiones de philosophia prima). Em 1644, vêm à luz os ·Princípios da filoso
m de manei-
de la philosophie ou Principia philosophiae), nos quais ele coloca em orde
ao círculo da rainha
ra sistemática o conj unto ·de suas ideias. Ele se junt a a Suede e
1 Stockholm em 11 de
Cristina em 1649, e pub lica Les Passions de l'âme • Morre em
ais.
fevereiro de 1650, de pneu mon ia, de acordo com as fontes ofici
rar firmemente a
A filosofia de René Descartes é dom inad a pelo projeto de anco
O 1:°~n~o
ame nto que pod eria legit imar a pretensão de co~h ecer
ciência num fund
cia, que pnvilegia
exterior em toda a sua verdade. Ele é um defensor da nova ciên
, · · d e con · ento dos fenômenos naturais. À
h ecim
as mate1nat1cas com o inst rum ento s
·c • fil, 1: d e sua ' ca , mas em concordância com Ga-
epo
dIrerença de outr os erud itos e osor os
, • descrevam ·-O mun do como ele é- -na -41 realidade
11·1 -·- ·--- ---· . .
cu, ele pretend e que as mat ema ttcas
História da f'il-Osojit'I
200
. --·nci
0 ou co mo a ciê
chega a
. a plex~
ríto h um an com
f
,, • uma mcrodolog,a
cnrc: mi como ele ap:artca aoJi ap
1 - - ,.,

e n4o ,om ~iua ia con.srru a elas um fun da me nto rne-


- - o". mnu ilo cc: __..uo a d.ar
int crprcr ~ Ni•so. DCKMre. nldcd co rpo constitue
- -=----"- ( lc: " ICíl
1
. I· 11 da aJnta co m o .
em honNa das d ~11d u. m.11
aJrn11 e " rc :aç ..o 111
. d D. • de sen vo lvi me nto s vindouros da filo.
• ·
ra/7s,co muJro daborA u: eu• , rca r,
0
nto sua concribuição cientific ·
a
um g Atu plia rd led o que ma
o objeto de e. dam
run · ente qua
sofia modem;. pelo mcn<>.t nto pro

. . b . 1
O ,,,JIOll_o
s d e 1'da dc ' sua pn me Jra
o ra, a mais cé ebrc
lica , com qu are nta ano
Dcsc~1rtcs pub va aprf,esen-
to do • M
· as nao_ era isro qu e De sca rte s esperafiló
. .runo sobre o mi
de cada.,: o Du so O não
1637, nu m mo me nto em qu e
O
nd o dos eru dit os. Esr am os em
rar ~o mu
rra ta o d e 1s1 ca,o m un do ou tra tad o sobre a luz (Le monde ou traité
· pu bl'•~ r
qu,s seu d fj1 •
lhe fez tem er um a so rte análo
ga, na medida
). A con den açã o de Ga lile u
ek la lumie~ que
ele con fer e um lug ar cen tra l à teoria do he lio ce ntr ism o,
cm que. nesta obra, se decidiu em
eru dit o ita lia no a ira da Igr eja . Foi po r isso qu e Descartes
valeu pára o A
rte de sua pro du ção cie ntí fica, sob a for ma de três ensaios:
somente editar uma pa etria (La géometríe). No
ros (Les mltéores) e A geom
dióptrica (La dioptrique), Os meteo ráfico
destes, ele deliberadamente co locou o Discurso, um ensaio autobiog
prc:imbulo uiu para "buscar a verdade nas
e ele próprio seg
que lhe permite ilustrar o método qu
inh o qu e co nd uz à ciê nc ia, ma is do que dos resultados desta,
ciências". Falar do cam a e os
jet o ini cia l de De sca rre s, ma s foi o viés que lhe impuseram a époc
não foi o pro
espalhafatos da censura.
qu e as rc~ ~ -d~ _": éto do de scr ev em o processo natural do esp/-
. Descartes julga tes tem unhalüf >Ciiicipalmentc
e co gn itiv a, ass im como
mo que e"'.'rce sua atividad estatuto de ciências ex -- - ·
: co mo ela s se ben efi cia m do atas, es~é!Q..1.Jn
as matemáucas e
• .
condi ões de era u ~ t erm i. e. d J~nçar .a.
. · ' " ·las ma á
. , como atestado pe

1
", 1 g me10
.c;;
, yerdade, O conhec1mento verdade.1ro deduz· d J,· ,
de premi·ssas ev1'dentes por si me
.
· de procedimentos
' mencos de cerrez
.
a pró pr,
qu
·
e
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de
os as emonstraC7'õe
as,
co
e
ntr ol
ar
. •r
pe
· em ttc. as, eve parm
e as as consequências corretas por
rmanáen•temente. A estes doi.9 mo
tem ttcasd correspondem as duas

. . ,., s ma
n _. .. Lntuiçao, graças à qual se compreen e as verdades evidentes
.
por si mesmas, e a dedução ' q ue permne avançar das - . as para as consequên-
. premiss
cias, progressivamente, de acordo com uma succs ,,., d
.
r si me sm a. Na •
- d'd sao e passagens nas quais ad a
uma é evidente po me , a cm que a deduçao ..
se refere a uma sequên-
. d s, é afi na l d
eia e passagens intuitiva e contas sobre a,, int · · ...
d · f · uiçao que repousa a jwrcza
o racioc nio.
rtes resume as'i'·rêi~·i'~ras~~ ~.,....,.....,........, •
No Discurso, Desca rn .. to O >J •
trarado inacal d0 b. , ~ Já enum er~daa cm seu
.
. · cai
· 'ª so re as Re gra spa ra a
do esp frito (/ll:Jlk r /Jour la dim lion
or1n11,1ção
,..
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201
~ . ou
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Rtpl at a lrttt1
1 onn it1genii) - cm quatro preceitos. O primeiro prin-
t nda dl(l;a ,1 ;(lfP" nda que se previn:a de coda preci pituç io e de toda reven
• p13 ~ i:.:..- -=--,---r:-: --:--- -:--_ .;;--; --=-- o e que some nte
giu C'Ollll>lc--~t& ~ ;,,:,u,~tre ~ o ver _ ª e o que ,n"~'! e._o_dc ser !'I_--~ ;::;.;;:..i:.:.::.:.:::.:~ ~
Osto cm dili · , A cxclusfio de
lamen to me-. ~ que~ somC'nte pnwdvcl se manifesta claramente: ou conh
cdmc ntO é
Jd "qu. C. 1
O
l'OJtsti tuc 01 ttlrd~1d ro ou d e é ,1 .uo. A ~cgun d. a regra ~ comenda rccondu1.ir os problemas co1n-
1ros da filo .. 1'f J " ~cus elementos simples e conststc: em
0 resolver um problema tratando-o
d~nrlfic:u , 11~" ~ d d · . ·
;ª'
\~u,1Jr11ct1tc- e . e ac~r o com~~nd1 modv11~c1dltO q_ue · para cima, volta
fté aringlr um c:ermo 1mpossívÇJ e re u.1.1r cpo1s. e sobre a anttlisc que Desca
ndo a subir
rtes
;uuda su;a convicç{{o de que é possível ~~ab~ rar uma mttthtsis ,mivtnaLis
(matcm~tic~,
ti,., c<'lch""
;ipresc:-n- "'"
't/C I _ ea :1 outras a avras uma c1 n
- d<t P~~slv l
uantida • .
c . rerce,ro preceito preconiza
l'
das relaçges .5}\!Ç lidam. . &QJJl .SlU?lqu~
. const .
•sofu rufo ruir s~ries dcdutiv-,u cm que
ualquer proposição é precedida pela proposição que é necessária e
ou tmirt suficiente para
•nt--di Ja q~rmitir deduzi-la. A quarta regra. exige verificar que a divisão em eleme
ntos simples
10, que ~ scque;1cin de deduções são completas, quer dizer, que nenhum elo da dcmonstra-
diu en, ç5o seja ,squecido. Ela tem como fim anular os erros da memória e domi
nar todo o
i1ios; A cnc,idcamento do raciocínio. Trata-se de dar a um conju nto de conh
ecimentos com-
"). No plc.xos csra evidência imediata que só pertence à intuição e que, do
ponto de vista
rtUico do mérodo, é a única garantia de verdade. Veremos que esta garan
tia metodológica
e nas revelará suas insuficiências do ponto de vista da metafísica.
!esta,
e os A "º"" cihcim do mundo ao homnn
Descai tes expõe sua concepção da física, como radicalmente oposr
fpf.. o uqueln de
Aristóteles, três vezes: uma primeira vez em O mundo, depois na quint
a p~utc do
Discurso sobre o método, finalm ente, nos Princípios da filosofia, publi cados
em 1644.
Ele :1 cha que a física aristotélica descreve o mundo tnl como uma crinll
a çn o furin,
convencido de que seus sentidos expressam a realidade exarn das coisa
ir s. Parn afastJr
,r esta visão ingênua e antropomórfica do mundo, é necessário qucstionur
a teori~,
do conhecimento sobre a qual ela se apoia, caracterizada pela confi
ança no conhc-
cimcnro sensível e pela convicção de que os objetos exteriores sfio seme
lhantes n
perccpç5o que nossos sentidos nos dão. 12. por isso que O mimda comc
çi, refurando
ª tese segundo a qual a_s perccpções só podem representar o mundo exterior, porqu
e
d.,s são scmdhanres às características gerais reais dos corpos. A~sim como
os sons dn
linguage m não têm nada cm comum com os conceitos que eles expre
ssam e só se en•
con 11 .un ligados pela escolha arbitrária dos ho1n ens, tttmbé1n n 1rntu
reit\ esu1bd~cu
unia r,.:b,·:io entre os movimentos que afcrun\ o corpo quando d e
é ruodific~do pelos
~·orpo ~ t·x tcriorts e as idcins que n!'io cêm qualquer semdhanç
~, nC'm ~om t\S modih•
~ • ~·,,ç-, nem eom os corpos exteriores que os suscirnrum .
1
.Q,c~lpr. a.,íçio4 3S l'.o«·~ , os
)! Hh, ils s.d l()1'EL~ ão Sôt11t! IHC flll csptr iro do suidro QUÇ os nvrce hE; Pnt:l ~\k31lcfllr
JdZ d _d 0 5 transmitidos pela sensibilidad
aros a e
. nn.., devemos abandon. Elas nos revelam que nada pertence
"°""'
-~-Anela dos corr--'
'd • . ,..las das 01.itcrn - .
fcri-lo.s às a euas '""
. da, d'iv1sível
;{uca.s. . ·d·rnensional , 1·1·imita
tensão tfl •
.
ao
t ~
.
. r ,.., ,n ei:ceçio da ex
0
nacéria só é definida pela extensã
mundo cxccrao , .. . Como a r . o
~o . d nwida de movimento, - . - d"r4io e não pode ser concebida: ela seria
,nfinuo e esp . .1. ui·n ,.. conrro ly••
'd1'1ncnsionaJ. a ·d ·
a eia e
d wzao
~
\; ..
m · .. •invada de extensn·o• . a gênese de um mun do ·imaginá.ri ·
t1ma e.xtensao r de ara seguir• . . o,
•; O ,nu,ul.o. Descartes nos pe P . fi .to, No prime1.ro instante da criação
r.. m . . rensa ao 111 na . ,
,. do a p· anir de umà mattrta ex J coloca diversos movimentos, que obe-
ct1à _ . arces e ne as
Dt,us divide :\ maréria em várias P. . corpo permanece fixo ou conserva seu
. d a pnmeira, urn ... . d'fi
deccm '1 leas. De acor o com obJ. eto qualquer niao vier mo 1 car seu
h ue de um outro .
movimento, enquanto o e oq . ·mento total de dois corpos se conserva
da lei o movi
esr.ido; de acordo com a segun .' ente; enfim, a terceira lei estabelece que
. ,., . d se reparta diferencem
nesta co1asao, attl a que
. d or o rende a ser reu neo.
o
'lí universo, tal como nós o vemos
o movunento e um e P . aos choques entre corpos que obedecem às
agora, pôde se formar graças umcamente
leis do movimento.
. ..
,., l · d císica pela imutabilidade · 1· ·d d d
e s1mp 1c1 a e e Deus:
Descartes exp11ca as tres ·eis a ri
,., · · á l ·mples se lhe fosse dada uma direção diferente da linha
e1e nao sena 1mut ve nem 51
·cação das leis da natureza é totalmente a priori. A ex-
reca. eomo se po de Ver, a expll
perimentação e, de maneira geral, a experiência têm como função permitir escolher

·I
entre hipóteses igualmente compatíveis com os primeiros princípios da ciência da
•/
natureza. Em oposição ao modelo aristotélico, a física se funda em bases contrárias
1
ao empirismo: a epistemologia cartesiana se funda na recusa do valor cognitivo da
percepção sensível. Descartes se opõe também a Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.) por
sua rejeição do finalismo, por sua concepção de um mundo indefinido, por sua re-
cu~ ~as_formas substanciais e, finalmente, pela explicação do movimento graças à lei
da merc1a, que contradita o princípio aristotélico segundo O qual os corpos tendem
ao repouso.
Na quinta parte do Discurso D ..
. .d . . ' escartes expoe sua concepção da fisiologia. Para
exp licar a v1 a e a muluphcidade d . .
zem os aristotélicos lm os organismos, não é necessário apelar, como o fa-
, para uma a a vegetati . . ,.,
e a reprodução, e para um , va que governa o crescimento, a nutnçao
. 1 sensivel que
ªama l .
suais e o movimento anim 't d contra ana a percepção, os apetites sen-
. a1. o os os fenôme . .
mecanismos corporais; a alma ... , nos vitais podem ser explicados pelos
, nao e, portanto , . ' .
°
quan d e1a esta presente , .
' e a consciê ·
'necessana a vida O que a alma traz,
··
Assim co - O ·
mo mstrumento musical ...
ncia que aco h
mpan a certos fenômenos físicos.
o corpo não h nao conhece e --
d fi . . con ece e não percebe seus ó . nao ouve os sons que ele produz,
a s10log1a dos • pr pnos m ·
organismos vivos dá ta b ovunentos. Esta análise cotnplexa
· fu
m .érn seus , ndamentos à teoria segundo ª
f/tnl D11c11r111 203

uai 05 animais poderiam não possuir alma e fazer tudo O que fazem, sem jamais ter
: nsciência dis.'io. Em suma, eles poderi am ser somente máquinas .

.A ,,,, 111ftsic11
O método cartesiano most ra o caminho que co nduz às ideias "claras e distintas";
"doras", pois elas estão presentes num espírito que reAete com atenção, e "distintas",
pois d as só atri_bu~m ao objeto conhecido o que lhe é próprio. O espírito humano
considera estas 1de1as como certas. No entanto, referir-se às ideias desta maneira não
basra para legitimar a pretensão da ciência física de descrever O real. Esta legitimi-
dade só pode encontrar um fundamen to seguro numa outra ciência, a metafísica. A
tradução francesa dos Princípios da filosofia , de 1647, é acompanh ada de uma longa
qual Descartes retoma a velha
carta ao autor da tradução, o Abade Claude Picot, na-....!.--
----:--~ ---;----: -:--:---- -:---~-- -:---:-:- - - ~~
metáfo ra da árvore das ciências; na árvore imaginada por Descartes, as raízes são a
ç,-afísica, o tronco a física e os galhos a medicina,·, -a mec~ ca e a moral. A meta-
.- - - - - -- -
flsica desempenha, então, um papel fundador para a física, que pode ser remetido
a duas doutrinas essenciais: por um lado, a existência e a veracidade de Deus; por
outro lado, a distinção do éorpo e do espírito. A primeira doutrina é necessária para
garantir a verdade das ideias claras e distintas e, por conseguinte, para assegurar que
a ciência matemáti ca e a física descrevem verdadeir amente a realidade do mundo;
a segunda doutrina permite justificar a teoria do conhecim ento, graças à qual a es-
sência das coisas é conhecida independ entement e da experiência, a partir das ideias
inatas do espírito.
Descartes apresenta sua metafísica em quatro obras diferentes e num período de
mais ou menos quinze anos: uma primeira vez, num tratado, redigido em latim em
1629, que não chegou até nós; em seguida, na quarta parte do Discurso sobre o mé-
todo, depois nas Meditações metafisicas que apareceram em 1641; enfim, na primeira
parte dos Princípios da filosofia. Mas foi em sua correspon dência que ele forneceu
uma de suas concepçõ es metafísicas mais originais: a concepçã o que se chama a
teoria da livre criação de verdades eternas, segundo a qual as verdades necessárias
concernentes às matemáti cas e à essência das coisas dependem da livre decisão divi-
na, e onde é afirmado que Deus, caso tivesse querido, poderia instaurar uma lógica
na qual estas verdades não seriam assim. A tese é formulad a pela primeira vez numa
cana de 15 de abril de 1630 dirigida a Marin Mersenne , um frade da Ordem dos
Menores (franciscanos), relaciona do a quase todos os eruditos de sua época, com
quem Descartes se correspon deu regularm ente depois de sua instalação na Holanda .
Ele continuar á a desenvolv er esta tese em cartas enviadas posterior mente, dirigidas
ª Mersenne e a outros interlocut ores. Todavia, nas obras publicada s, esta doutrina
só aparece casualme nte, em resposta às objeções dirigidas contra as Meditaçõts, e
204 História da Filosofia

Descartes não a utili1..ará ex plicitamen te na exposição das doutr


inas que ocup am seus
tratad os metafísicos.

Da dúvi da ao eu
A inves tigação metafísica cartesiana começa pela vontade de colocar em
dúvida sis-
tematicam ente todas as certezas aceitas até então; por outro lado, t
esta inveS igação con-
vida a não considerar como verdadeiro senão aquilo que resiste
ao exercício exaustivo
da dúvida. A dúvida cartesiana, ao contrário da dúvida cética,
tem como finalidade a
conquista da verdade ou da certeza. O que Descartes coloca em
quest ão é toda a baga-
gem teórica do homem de cultura média, impregnado de noçõe
s clássicas e de filosofia
aristotélica. Tal como ele declara no resumo que precede as Medi
tações, a dúvida tem
como objeto principalmente as coisas materiais. São elas que deve
m ser objet o de um
saber perfeito. Os conhecimentos vulgares que lhes dizem respe
ito deriv am todos de
um princípio empírico, de acordo com o qual todos os nossos conh
ecim entos provêm'
dos sentidos. A validade desta opinião é colocada em questão por
inter médi o de duas
espécies de argumentos: a infidelidade dos sentidos, que leva a
duvid ar da correspon-
dência entre imagens mentais e mundo exterior, e a impossibilidade
de distin guir com
certeza a vigília do sono, que torna incerta a existência inclusive
do mun do exterior e
de seu próprio corpo. Porém, as operações matemáticas resistem
à dúvid a, sendo dado
que a verdade matemática não depende desta existência. Coloca-se
, então , a questão
de saber se este privilégio permite alguma dúvida racional das
mate mátic as, como as
Regras parecem .mostrar, . e justifica dar a elas um papel fund d
a or para a c1enc .,.. 1a,
· sem
qualquer outra .mvesngação. A esse respeito é certo que
, as mate mauc , · as apres entam
uma carac terísnca, .promissora: é impossível pensar o contra'r· d
~ . 10 o res ulta d o d e uma
operaçao matematica simples. Porém, é possível procu rar
, . um argum ento suscetível de
ameaçar as propnas matemáticas: de fato, se De , d d
tradição cristã, Ele pode ter dotado o ho .
dus e to o-po eroso, tal como Julga a
. . mem e uma natur eza tal
mdus1ve sobre as verdad . . l . . l
,. es mais simp es e mais que e a se engane
mancas pareceriam necessar· evide ntes fu . ~
d d . · sim, as operaçoes mate -
tamente ver a eiras P ,.
que seriam falsas para Deus E h' , ara um espin to huma no, ao passo
natureza incapaz de alcan . se ad dtpotese de que D eus d orou
çar a ver a e pode suas criaturas de uma
. d'
substituí-la pela figura de u ~ . a1· parecer m igno da sua bond ade, pode-se
m gemo m igno mu't d
para ele, levasse o homem ao erro. to po eroso que, arma ndo cilad as
A filosofia escolástica quan d
' o
quentemente colocado a questão d se btratava d e an al'isar a potên 1
. cia divin a, rinha fre-
e sa er se De • faze
~ce1tasse como verdadeira uma proposi ~ fal us po d e_na r que o espírito humano
'
interpretar a dúvida cartesiana: o ob·et iv:o sa. É, aliás, nesse
conte xto que se d eve
que o conhecimento humano pode ~reten1~: ~v: : ~es busca alcan~r é o de garantir
e, apesar da oni potência divina.
,,,I Otscartts
11 205
f:le se opõe, n~c . sentido, a todos os reólogos que ,u1~
. vam •A - • h .
·a ou hi pocénca, argumentando t . o- a c1cnc1a umana prov1-
SÓ r1 . es es com a d1stilncia e . .
,-ar.{ccr finito e, portanto, imperfeito d h . ntre a mfimdade de Deus e
o- os omens; somcn D .
coisas, o homem ~ó pode compreend . te cus conhece a realidade
das er sua nparenc,a Ao •
Galileu - con ta com a ciênci d · contrário, Descartes - tal
con1 0 a para escrever a nature"Ul d d .
< pó isso que é necessário se com ver a eira do mundo.
E r . prometer com o estudo das - ~- c1 _•
· · ê · di · questoes mctaJI5tcas e
exammar se a ompot nc1a vma e a verdade da c1'ê nc1a • podem coe:xtstir.
. .

O cogito e a natura:a do eu
Nesse vazio
- de. certeza
. que .a dúvida cria , D escartes co 1oca a pnme1ra
• . pedra da
reconsrruçao
. da c1ênc1a:
. ,., a .dúvida não pode dizer· 1 o à con d'1çao
respe't - que. permite

duvidar,
.
a saber,
• •
a ex1stenc1a do eu que duvida • EfJ"o6'
cooit,
6
( 1
• o, ergo sum eu penso, ogo

existo) é a pnmeua certeza que Descanes adquire; ela servirá como fundamento da
construção teórica que virá depois. O caráter de primeiro princípio que Descartes
pretende reservar ao cogito é também estabelecido pela técnica argumentativa que
permite colocá-lo como certo: tal como era o caso dos primeiros princípios aristoté-
licos, é impossível ser demonstrado, mas sua verdade é estabelecida pelo fato de que
qualquer tentativa de refutá-lo acaba de fato por reafirmá-lo: se eu penso que eu não
existo, eu existo; se sou enganado por um ser muito poderoso e astuto, eu existo.
Apoiando-se na certeza adquirida da existência do eu, Descartes se compromete
em seguida na investigação de sua natureza. A certeza de existir só depende do pen-
samento. Se eu deixasse de pensar, não poderia mais estar certo de existir. Somente
o pensamento (com suas diferentes modalidades: duvidar, conceber, afirmar, querer,
imaginar, sentir) é inseparável do eu. A segurança de que o pensamento pertence à
minha natureza é tão indubitável quanto a existência do eu: a própria hipótese de
que meu criador emprega toda a sua força para me enganar confirma isto, ao invés
de destruí-la. Por conseguinte, o pensamento constitui o atributo essencial do eu, o
único que permite conhecê-lo como uma coisa existente. O eu, conclui Descartes, é,
portanto, uma substância cuja natureza é constituída pelo pensamento.
Mais uma vez, encontramo-nos diante de uma tomada de posição oposta à dou-
trina de Aristóteles. De acordo com este filósofo, tudo aquilo que sabemos do espí-
rito é resultado da reflexão sobre os atos pelos quais o espírito conhece o corpo. Ao
contrário, Descartes sustenta que o conhecimento que o espírito tem de si mesmo é
independente daquele do mundo exterior. Ele sustenta inclusive que os corpos so-
mente são conhecidos pelas ideias que não provêm dos corpos. Descartes d emonstra
isto por intermédio de uma experiência teórica que tem como objeto o conhecimen -
to de um pedaço de cera: as características percebidas pelos sentidos n ão permitem
conhece r a natureza verdadeira deste corpo, na medida em que elas po d em mudar,
História da
206 Fif.osoficz

como quan d o ocorre que a cera se funde sob o efeito do calor e então jul gamos n-
obstante, que nos encontram os em presença do_ mesm~ _pedaço de cera, Per~bi:o
agora como rno e d u ro. Como este J'ulgamen.to nao
. e.. é legmmad o pela exper·~ . o
- . tenc1a do
nossos senti"d os, de só pode resultar da intervenç
. ao do espírito que conhece
o cor s
. d ma ideia de origem não empírica e o descreve por suas propriedad Po
a partir e u . . d . . es ge _
. .
mérncas e c1 ·néticas , que se conservam mclus1ve na mu ança. Assim, as ideias•· 10
nte ec.
ruais tornam possíveis até mesmo os julgamen tos fundad~s na experiência. Trata-se
de uma verdadeira subversão do empirism ~: m~s~o os Ju~gamentos fundados na
experiência seriam impossíveis sem referência às 1de1as de ongem não empírica.

A existência de Deus
A afirmação indiscutível do cogfro não é suficiente para estabelec er os fundamen-
tos da ciência: todas as outras ideias claras e distintas e, em primeiro lugar, as ideias
matemáticas permanec em sob a ameaça de um Deus enganado r. Todavia, na medida
em que a existência do sujeito que pensa é a única verdade que escapa à hipótese do
Deus enganador, é no interior mesmo do pensame nto e a partir dele que se deveria
procurar a verdade e tentar retomar a posse do mundo. Assim, a demonstr ação da
existência de Deus e do fato de que Ele não poderia ser enganado r, premissas in-
dispensáveis à confiabili dade do saber humano, deveria partir da existência do eu
pensante e dos conteúdo s do pensame nto, quer dizer, das ideias. As três provas da
existência de Deus estabelecidas por Descartes supõem, de fato, como premissa, a
ideia de Deus.
Na primeira prova, Descartes distingue , na ideia, o ato do pensame nto do qual o
espírito é consciente e aquilo que a ideia represent a, que ele chama de "realidade ob-
jetivá' da ideia. Ele emprega aqui uma expressão escolástic a, por oposição à realidade
que as coisas possuem em si mesmas, independ entemen te do fato de serem objeto do
pensame~to, realidade que ele qualifica como "formal" . Em seguida, Descartes supõe
que a realidade obJ. etiv d · al D
. . a eve possuir uma causa que possui· uma realidade ·
forro . e
fato, a ideia, definida co . 1 d'fi - . . .
d mo simp es mo i caçao do pensame nto não podena Jamais
ar coma da diversidade d ,d d '
b os conteu os e suas represent ações e, portanto , deve-se
uscar a causa da realidade ob. . d , . . . .
represent d A , Jettva ª propna ideia na realidade formal dos objetos
, a os. te agora, não est d .
unica coisa ist , d amos certos a realidade formal, a não ser de uma
fi . ' o e, o eu, quer dizer d b
' ª su stancia pensante . Enquant o substancia
A •
nua, o eu pod · ,. •

id . ena ser a causa da realid d bº . d


eia de Deus, a ideia de A ª e O Jetiva de qualquer ideia, à exceção a
realid d O b. . uma substanci a infi · · fi • .
ª e Jet1va da ideia de D · ntta e in n1tatnen te perfeita. De fato, a
iue o princípio de causalidad eus extrapola a realidade formal do eu· resulra disso
e o que a causa . e, segundo o qual O 6 . - - , . "d d
' sena transgred ido s e eito nao pode ter mais reah a e
e o eu fosse a ca
usa d a .1f"lr .
... ,,, Ã
207

«>mente De usdpod e ter cau sad o a ide·ia d e D cus e, desde 0


. . d . . . momento em que O espí-
ver a car am ent e a ide ia de D D
rito pos sui eus, cus existe
ó m qua ndo s ,.. · .
_Esta pro vas se ma nté e sup oe que se tem a 'd I
eia de Deus positiva
nad a. Se pen sam d ~ um
e que não dec orr e de O ent o e 1 omás de A ,
do inf init o sen ão wn 'd . . · quino (1225-1274) é
·usco - não se pod e ter a l eia neg ativ a q •d d
J . ,.. . . pod d . . uc cco rre a negação
do fin1to ., cnt ao, a 1de1a de De us e ecorrer da ideia d a1
não hes it d. . e qu quer ser finito e
ser pro ida pel o eu. De sca rtes . d l .
duz a em est ruu os
. essupostos
pr
a teo og1a

i d 'd .
romisra: nao .é a 1de1a de. inf ini to que dcr va a a eia de finu
• •
,e
.
o, mas, ao con trán o, é
a ideia de fim to que den. va da ideia de infin. n 'd .
tto. ror tan to, deve-s cons1.d erar a i eia
. . l e
do infinito com o um a ide ia ori gin al e positi is e ara e mais distinta inclusive
.d . . va, ma
do que as out ras d i eias , am da que O inf init o n-ao possa ser compreendido (quer dizer
'd . . ,
o em to as as sua s 1m plic aç- ) as som ent e concebido (em outras pala-
co nhect . ,.. · oes 'm
com raz ao, com o sen do aqu ilo que na- o t em 1·1m1· te). por out ro 1ad o,
vras, defimd . o, . · s ens·ma m que
diz er a me sm a coi sa de tud o que é infinito , e as ma temá nca
pode-se . .
per ma neç a incompreensível na-o 1m · ped e seu con h ec1· mento.
o faro de que
. o inf ini to
e, · -
· preced e a r1s1
que , em sua filosofia , a m et ar1cIs1ca
Descartes unh a com pre end ido bem
me iro lugar,
seus princípios fundadores e, em pri
~; ~be mo s ago ra~ por q~ê : por que
hum a out ra coisa.
a ideia de De us, nao pro vem de nen segun-
nsc ien te do car áte r iné dit o da pri me ira prova, Descartes elabora um a
Co
hec em os a
sa do único efeito finito de que con
da logo dep ois , ond e ele bus ca a cau que carrega
De us. Est a causa só pod e ser um ser
existência: o eu dot ado da ide ia de
pio de sua exi stê nci a e, por esta razão, está em condições de atri bui r
consigo o pri ncí
bém
as qua lid ade s que a ide ia de De us con tém . Descartes sub linh a que tam
a si todas ado .
pro va tem com o cen tro a ide ia de De us de que o espírito finito é dot
esta perfeito;
ão de De us com o ser inf init am ent e
A terceira pro va dec orr e da def iniç uz dis-
existência é um a perfeição e ela ded
ela supõe com o pre mis sa me nor que a
que De us exi ste. Se alg uém neg asse a existência de De us, seria
so nec ess aria me nte e
tra diz er, poi s est aria neg and o me sm o a definição de De us. Trata-s
levado a se con
a pri ori , ao con trá rio das dua s provas anteriores que , am bas , par tiam
de um a pro va já que
. Ka nt ( 172 4-1 804 ) qua lifi car á este arg um ent o com o "ontológico,,,
dos efeitos
ior a def iniç ão da essência de De us.
Descanes sup õe com o pre mis sa ma óte se
da exi stê nci a de De us têm com o resultado tor nar possível a hip
As pro vas
. De us
De us que me ter ia dad o um a nat ure za dis pos ta irresistivelmente ao erro
de um
é ver az. A ciê nci a hum ana não está mais am eaç ada de falsidade.
existe e ele stência
m círc ulo vicioso ao dem ons tra r a exi
Ac uso u-s e De sca rte s de ter caí do nu
ras e dis tint as.
a existência, a ver dad e das ideias cla
de De us e ao asse urar, gra ças a est 1 D .
as
'd.
1 e1as
g ou par a eus par a gar ann r
ele ape
A acusação pod e ser for mu lad a assim:
dem ons tra ção da exi stên cia de De us se realiza por me io das
rla r"s d' ·mtas, ma s a
u e 1st
História da Filosofia

208 . ular' pois aquilo que


--o é circ
rcanto, to da a demonstraça s rcspon deu a esta crítica fazen-
'd . daras e distinw, e, po fu dado. Descarte l d vidar, e as demonstra-
i caas ver-se n . ossíve u d , .d
funda deveria, por sua vez, . dos quais é imp colocadas em uvi a,
· s axiomas, ... odem ser
do uma distinção entre o d onsrrações nao p í ·co Não obstante, os re-
d 1 . csras em no esp n .
çóes que decorrem e es, _ - mais presentes do se tem razões válidas
Pas nao estao dos quan
senão quando suas cca -
d st ções nao p odem ser contesta ...
h
n am si
·do eliminadas graças a
sultados das emon ra das esras razoes te . . mo quando se de-
d ·dar delas Supondo que to . 1 as e distintas, co .
para uv1 .
métodos adequados e con u d zidos com ~ ,
ideias e arador, entao, - não é mais possível
. JUS-
monstrou que Deus existe e que Ele nao ~ en~ nos parece evidente, e ainda menos
ti/icar racionalmente a dúvida s~bre aqwlo q ai uer tentativa para apresentar u_ma
b a prova mesma da existência de Deus. Qu q adquirida de que Deus existe
so re á a certeza agora b 1
razão válida de duvidar se chocar com . " ia é uma impostura a so uta
d A hi ótese de que cienc ....
e de que Ele não é engana or. P ,l m argumentos e suposiçoes
did e se possa sustenta- a co 'd .
só é inquietante na me a em qu d ... tinha chegado a uma i eia
caso quan o nao se
realmente concebíveis, como era o . ,1 um Deus enganador. Uma
. . d D ando se podia pensa- o como
dclara e d1stmta
, vida .e eeus
sem monvo e qu, · a todas as conv1cçoes
conuana . ... a dquiridas por meios de proce-
d:entos racionalmente controláveis seria simplesmente absurda.

As ideias e o mundo
As matemáticas são o exemplo, por excelência, dos conhecimentos claros e distin-
tos e são exclusivamente constituídas por ideias inatas. Descartes funda sua oposição
ao empirismo aristotélico quando retorna claramente ao platonismo e quando reto-
ma sua teoria das ideias. Para distinguir as ideias inatas, ele sublinha que estas ideias,
à diferença daquelas que provêm dos sentidos (ideias adventícias 2), apresentam-se ao
espírito de maneira voluntária e ele precisa que seu conteúdo, ao contrário das ideias
que resultam da imaginação deixada a seu livre curso (ideias artificiais), impõe-se ao
espírito de uma tal maneira que ele não pode ser modificado e é necessário. Descartes
insiste particularmente sobre a resistência do conteúdo das ideias inatas a qualquer
tentativa de maiúpulação que o espírito humano tenha querido realizar. A,; verdades
das matemáticas não são invenções, mas descobertas d h I do
o fato de que neste domínio o progresso se faça p o ornem; por b outro . a ,
.
isso. . .
A pass1v1dade . em relação ao cone asso
do espínto , d da passo . ém .comprova
'd . tam . cl
ramente que aquilo
. que lhes corresponde se e eu oe as 1 e1as inatas
• indica a-
d
,. . d as coisas,
a essenc1a . 1mutavel
. , e eterna Ei ncontra rora do espíruo e que se trata
clássica da verdade compreendi.d · ds por que Descartes retoma a dt6ni~o
a como a equa - d
çao o pe nsamento e da coisa.. De
2. As "ideias adventícias" são aquelas que não - ·
ªº inaras • ma:ia
5
, dqu1.r1,. 1.. 11-. ,,...,_
Rri1l DesCllrtes
· { · 209
fato, os raaoc n1os matemáti _
cos sao verdadcir
.
adequada os
. . . resultado
. s aos qu . eles se referem
ais os porque
. . eles descrevem d e maneira
t
e eternos das matemáti cas e ,dIS o é, os elementos constitutiv . . os
. 1mutáve1s
essenaais, . .
ª geometria 1
a veraadade d1vma, associada à t eona .
. d as ideias inat . . Assim , fi ca e aro que
va adequa~ ente a estrutura real do mundo. as, garante que a ciência descre-

Se as 1de1as
. advenúd as não possuem legitimidade al
sobre a própria natureza do mundo . guma para nos informar
. . . extenor, é nã0 0 bst
ambw a importan te função de de . ªnte a elas que Descartes
. . monstrar sua existên . D f: .
s1suvdmente a pensar que esse mu d . . eia. e ato, elas mcitam irre-
. . n o exterior as suscit p é
existissem, Deus seria enganado r n d'd ou. or m, se os corpos não
, a me l a em que El - . d
de nenhum instrume nto para . . e nao tena otado o homem
corng1r esta forte pro - É .
observar que Descartes não tentará d pensao. preciso, no entanto,
emonstra r a existência d 0 d -
va conhecida sua natureza graças às .d . . mun o, senao uma
i eias matas. Pode-se dizer · d
, l conh ecer a estrutura
opor ao empirism o está assim concluído ·. e, possive que o proJeto
do mundoe se

mesmo sem saber se este mundo existe verdadeiramente. ,

A ai.ma e o corpo
~ conhecim ento da natureza da alma, adquirida independe ntemente do co-
nheclffiento dos corpos (inclusive do corpo de cada um), é a premissa do dualismo
cartesiano. Visto que a alma e o corpo são concebidos independe ntemente um do
outro, eles constitue m duas substânci as distintas. Isto não exclui que Deus tenha
decidido uni-los de uma maneira tal que eles não podem jamais ser separados um do
outro; mas como Deus pode sempre realizar o que se concebe clara e distintamente,
a alma e o corpo podem sempre ser dissociados pela onipotênc ia divina. O fato de
que a alma e o corpo sejam duas substâncias distintas dá à doutrina das ideias inatas
seu fundamen to antropoló gico: visto que a alma é uma substância independe nte do
corpo, ela pode estar dotada de ideias que não passam pelo corpo.
Ainda que as duas entidades estejam separadas, uma ligação estreita as reúne e
faz delas uma combinaç ão única. Ao sentir prazer e dor, a alma percebe o corpo ao
qual ela está ligada como um corpo diferente de todos os outros, como o seu corpo.
Descartes abre assim wna nova via entre o modelo aristotélico e o modelo platônico.
Para Aristóteles, a alma e O corpo formam uma única substância, ao passo que, para
Platão (428-348 a.C.), elas são duas substância s distintas, o corpo abrigando a alma
t a ma d · · · Descartes procura elaborar uma teoria que concilie os dois
,. ,. .
~
nten o pns10ne1ra. . s
model f>l - uando indica que a alma e o corpo sao duas substancia
. . .
cht; n ~
os. ar.ao tem razao q ma união tal como Anst6tele s a 1magma, onde a alma e
d .
o' e,orp r- d u, suscetível de dar conta do fato de que a alma é o lugar
' t.t:,; to av ia, somente
1'
o 1orma1n um to o, e - - ....,. h.,'m o lu~ar das ideias confusas e obscuras, no
. 'd pelo corp o ex terio r é defol rmad ,.,
a pela
em que a mens agem mecânica cransm1t1. ª e não cem qual quer re açao com a
A

caso . . .
alma e enco ntra sua era d uçao_ em caracterísncas qu
- é desta natureza, s ome nte tería mos 1de1as
r ,. nao
d al d
realidade exterior. De fato, se a igaçao al um, Parece que a un1~ .,., 0 a ma e o
d aras e distintas e não com eteríamos erro g u· rui um inco nven iente grave para
COrpo J. ulgada com o essencial para D es cartes, cons . nto de vista cogn1t1v .. ,
' . o, mas e o
o hom em. Oco rre evide ntemente ass1·m .
de um Pº
. & sensações forn ecem tnro rma- - r
contrário que ocorre de um ponto d e vista .
pránco.
cedveis de sere m corr igi . 'd
as quan -
°
Ções defo rmad as sobre o mun d excen or, mas sus
. D rmaç ões
.
Justa
·1
bre O que é ut1 ou noci.vo a,
,
do normalmente, elas fornecem 10 0 s so
. .d de da união estre1 ta en tre corp o e alma só serve
, . para
totalidade alma-corpo. A finali ª .
d . . a para fins de conh ecim ento
0 dom ínio prático e ana quan o utl1iz
o homem se eng_ lh orie ntar sua vida (e elas não
h r◄ f◄ c1das para me or
as informações que l e oram orne . ) A d ' . ção real e a uniã o substancial
têm em si nenhuma fi n al 1.dªde esp eculanva · lStln
d to não se pod e descartar
do corpo e da alma são an~es ~ t~ses opo stas.d~ e no enta n ,
nem uma nem a outra, pois a pnm eira é garantl Pela. razão e a segu nda é um dado
D
indubitável da experiência . mten
. .or e, como tal ' gara nnda por eus.

A mora/, e as paix ões


.
A intenção cartesiana de elaborar uma moral científica tinh
a sido enunc1ad~ d~d e
0 Discurso. Todavia, nesse momento, a tarefa
parecia difícil e Descartes se restn ngm a
indicar uma moral "provisórià', que podia servir de guia na
vida, na expectativa de ela-
boração da moral definitiva. A moral provisória envolve três
máx imas e uma regra de
vida: a primeira máxima prescreve obedecer as leis e os costu
mes do seu país, observar a
religião e contentar-se em relação a tudo mais com as opiniões
com uns mais moderadas;
a segunda prescreve ter opiniões pessoais enérgicas e firme
s, a parti r do mom ento em
que se.decidiu assumi-las; a terceira propõe adaptar nossos dese
jos ao que está realmente
em nosso poder, e somente nossos pensamentos se inserem
nesse caso, tudo mais escapa
enormemente ao nosso controle. &ta última máxima mos tra
clara men te a influência do
estoicismo em Descartes. A estas três máximas, Descartes acres
centa a decisão de confir-
mar sua escolha de vida, quer dizer, cultivar sua razão seguindo
as regras de seu método.
Descartes escreveu suas cartas sobre a moral entre 1643
e 1649; os destinatários
principais delas são a princesa Palatine Elisabeth, Pierre Cha
nut, emb aixa dor na casa
real de Suede, e Christine de Suede. O objetivo do hom em
. . _ . é b ue
consiste num a sat1sfaçao mten . a em-a vent uran ça, q
or em distinguir claram fc 1· ·dad ·
soas bem servidas pelo acaso ou pela sorte pode m tam ente b,
a . e 1c1 . e, pots as pes-
, ·e 1· 'd d
Ao contrário, alcança-se a bem-aventurança quan do r ·em a1 enco ntra r a re 1c1 a e.
, tais
. com .
. •
que dependem de nos, 1mu
o a virtude e a sab d · N amo s noss o deseJo às coisas
. .
de Julho de 1645, Descartes explica que seria pos · 'e .ona. a carta a Elisabeth de 21
l ai . . .. . •
Sive cançar esta sat1.sfaçao 1nter1or
observando os três prec eitos já indic ados no Discu .
... . rso aos .
_J ! e ele acrescenta algu-
Con rrar· ' quais
rnas mow ucaç oes tmpo rtan tes.
iame nte ao que D .
. d b r _ é ora enun ciado no Discurso, 0
conhecimento o em cond uzid o pela
azao agora evo d D
ou poss ível pelo conh eci d ca º· e fato, o exercício da
virtude se torn men to e algum as 1'd .
eias: nesse caso, a ideia da
aistê ncia de Deu s de quem tudo depe nd e, transrormação . ... d e
.
. . d crtsta o desu no estoico, a
noção de d1stmção do corp o e da alma qu e impe . d .
e e teme r a 'd .
. mort e, a 1 eia da imen -
sidade do univ erso que relativiza a impo rt"anci.a d o h ome m em .
. . seu seio e, enfim, o sen-
cimento de fazer part e da com unid ade em que se vive, assim e dO d . .
,.. omo mun o mteiro.
Os últim os traba lhos de Desc artes sao consagrados ao estudo d . ,.,
as péllXoes. A obra
As paixões da alma foi publ icad a em l64 9 ·' D escarres quer estudar cientificamente as
. ,.. d í . . .
ou moralistas , p roJet · d •
paixoes, sem . ,. , ,.. es gn1o s retór icos o que epois Spmoza (1632-1677)
sao as. emo ções que O mov imen to d os esp1n , •tos amm . ais . susci. ta na
retomará. As paix. oes ,..
si mesmas são boas e uteis , · ,. pod e-se mesmo dizer •
alma; todas. as paixoes .cons ,.. idera . das em
prazeres. De fato, nada está
qu~ ~a vida sem ~aix oes sena uma vida miserável e sem
estoico de eliminar as paixões.
mais dista nte da atitu de de Desc artes do que o projeto
olados. Todavia, opondo-se
No_entanto, e~as dev~ m ser dom inad as e seus excessos contr
o controle dos excessos de emo-
ma.1s uma vez a dou tnna estoica, Descartes sustenta que
e as paixões, porq ue 0
ção não pode resu ltar de um enfr enta men to direto entre a razão
combatido por um mov imen to
movimento fisiológico de que elas deco rrem só pode ser
as paixões com argumentos
idêntico e cont rário . E, port anto , se a razão quer dom inar
àquelas que não se quer ex-
sólidos e certos, ela deve rá susc itar as paixões contrárias
que estão geralmente ligados à
perimentar, com uma reflexão sobre os pensamentos
explorar o caráter arbitrário da
paixão que se dese ja sentir. A razão pode , além disso,
tos do espírito estão ligados aos
relação entre a alma e o corp o. Em geral, os pensamen
e feita por Deus, da mesma
movimentos corp orais por caus a de uma escolha livrement
suas significações. É explorando
maneira que as palavras estão ligadas arbit raria men te às
pelo hábito e pela experiência,
o caráter arbit rário dest a relação que o espírito, guiado
tos diferentes daq~eles que
poderá tenta r religar os mov imen tos corporais a pensamen
exemplo, que se reagisse com
a natureza havi a junt ado orig inari ame nte e obter, por
educação das paixões, seme-
ousadia dian te de um inim igo em vez de ter medo. Esta
' 1 ·ite cnar· uma segunda natureza num cão. de caça,,.. faz do hom-em
lhante aque a que perm
o art - d , • Descartes deixa aparecer aqm a relaçao prof unda que
esao e sua prop na natu reza .
o J'g , 1 d n • e sua adesão à ideia de que o melh or do hom em está
1 a a cu tura o 1'.en asc1 ment o z de
lig d , . d l'b dad que faz dele um ser cheio de qualidades e capa
e,
ª o ao exerc1c10 e sual i er, · decide atribuir a si. Por outr o lado, para Descartes, o
as · . , . . .
sumi r a natu reza que e e prop no paixão que é tamb em uma virtu de, a gene rosid ade:
h . .d .
ornem virtu oso é guia o por uma um valor verd adeiro, o que, para ele,
ti . . . . quilo que tem
.
ª co nsist e em Julgar por s1 mes maªarbít rio, sendo o resto obra do desuno.
( , • d .
0 un1co emp rego corr eto o 1IVre~

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