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Trechos do Timeu

Timeu é um dos personagens do livro escrito por Platão (sic). No livro, Timeu e
Sócrates dialogam sobre a criação e a existência do Universo. No diálogo existe a
descrição de um ser sobrenatural que cria tudo (o Demiurgo). Esse ser é racional e por
isso o universo é compreensível, obedecendo a leis geométricas e matemáticas.
Algumas ideias presentes nesse texto permearam toda a História da Ciência Ocidental.

Fonte: PLATÃO, Timeu-Crítias. Trad. Rodolfo Lopes. Coimbra: Centro de Estudos


Clássicos e Humanísticos, 2011.

pp. 93-96

Na minha opinião, temos primeiro que distinguir o seguinte: o que é aquilo que é
sempre e não devém, e o que é aquilo que devém, sem nunca ser? Um pode ser
apreendido pelo pensamento com o auxílio da razão, pois é imutável. Ao invés, o
segundo é objecto da opinião acompanhada da irracionalidade dos sentidos e, porque
devém e se corrompe, não pode ser nunca.
Ora, tudo aquilo que devém é inevitável que devenha por alguma causa, pois é
impossível que alguma coisa devenha sem o contributo duma causa. Deste modo, o
demiurgo põe os olhos no que é imutável e que utiliza como arquétipo, quando dá a
forma e as propriedades ao que cria. É inevitável que tudo aquilo que perfaz deste modo
seja belo. Se, pelo contrário, pusesse os olhos no que devém e tomasse como arquétipo
algo deveniente, a sua obra não seria bela.
Quanto ao conjunto do céu ou mundo – ou ainda, se preferirmos chamar-lhe outro nome
mais adequado, chamemos-lhe esse –, temos que apurar primeiro, no que lhe diz
respeito, aquilo que subjaz a todas as questões e deve ser apurado logo no princípio se
sempre foi, sem ter tido origem no devir, ou se deveio, originado a partir de algum
princípio. Deveio, pois é visível e tangível e tem corpo, assumindo todas as
propriedades do que é sensível; e o que é sensível, que pode ser compreendido por uma
opinião fundamentada na percepção dos sentidos, devém e é deveniente, como já foi
dito. Dissemos também que o que devém é inevitável que devenha por alguma causa.
Porém, descobrir o criador e pai do mundo é uma tarefa difícil e, a descobri-lo, é
impossível falar sobre ele a toda a gente. Mas ainda quanto ao mundo, temos que apurar
o seguinte: aquele que o fabricou produziu-o a partir de qual dos dois arquétipos:
daquele que é imutável e inalterável ou do que devém. Ora, se o mundo é belo e o
demiurgo é bom, é evidente que pôs os olhos que é eterno; se fosse ao contrário – o que
nem é correcto supor –, teria posto os olhos no que devém. Portanto, é evidente para
todos que pôs os olhos no que é eterno, pois o mundo é a mais bela das coisas
devenientes e o demiurgo é a mais perfeita das causas.

pp. 97-98
Digamos, pois, por que motivo aquele que constituiu o devir e o mundo os constituiu.
Ele era bom, e no que é bom jamais nasce inveja de qualquer espécie. Porque estava
livre de inveja, quis que tudo fosse o mais semelhante a si possível. Quem aceitar de
homens sensatos que esta é a origem mais válida do devir e do mundo estará a aceitar o
raciocínio mais acertado. Na verdade, o deus quis que todas as coisas fossem boas e
que, no que estivesse à medida do seu poder, não existisse nada imperfeito. Deste modo,
pegando em tudo quanto havia de visível, que não estava em repouso, mas se movia
irregular e desordenadamente, da desordem tudo conduziu a uma ordem por achar que
esta é sem dúvida melhor do que aquela. Com efeito, a ele, sendo supremo, foi e é de
justiça que outra coisa não faça senão o mais belo. Reflectindo, descobriu que, a partir
do que é visível por natureza, de forma alguma faria um todo privado de intelecto que
fosse mais belo do que um todo com intelecto, e que seria impossível que o intelecto se
gerasse em algum lugar fora da alma. Por meio deste raciocínio, fabricou o mundo,
estabelecendo o intelecto na alma e a alma no corpo, realizando deste modo a mais bela
e excelente obra por natureza. Assim, de acordo com um discurso verosímil, é
necessário dizer que este mundo, que é, na verdade, um ser dotado de alma e de
intelecto, foi gerado pela providência do deus.

pp. 99-101
Então, será correcto declarar que há um único céu ou será mais correcto dizer que há
vários ou até infinitos? Há um único, já que foi fabricado pelo demiurgo de acordo com
o arquétipo84. É que aquele que abrange todos os seres inteligíveis não pode, de modo
algum, vir em segundo lugar, a seguir a outro. Caso contrário, deveria haver um outro
ser que abrangesse aqueles dois, do qual esses dois seriam uma parte, e seria mais
correcto dizer que o mundo não se assemelharia a esses dois, mas sim àquele que os
abrangia. Portanto, foi para que se assemelhasse ao ser absoluto na sua singularidade,
que aquele que fez o mundo não fez dois nem uma infinidade de mundos; deste modo, o
céu foi gerado como unigénito – assim é e assim continuará a ser. É forçoso que aquilo
que deveio seja corpóreo, visível e tangível; mas, separado do fogo, sem dúvida que
nada pode ser visível, nem nada pode ser tangível sem qualquer coisa sólida e nada pode
ser sólido sem terra. Daí que o deus, quando começou a constituir o corpo do mundo, o
tenha feito a partir de fogo e de terra. Todavia, não é possível que somente duas coisas
sejam compostas de forma bela sem uma terceira, pois é necessário gerar entre ambas
um elo que as una. O mais belo dos elos será aquele que faça a melhor união entre si
mesmo e aquilo a que se liga, o que é, por natureza, alcançado da forma mais bela
através da proporção. Sempre que de três números, sejam eles inteiros ou em potência, o
do meio tenha um carácter tal que o primeiro está para ele como ele está para o último,
e, em sentido inverso, o último está para o do meio como o do meio está para o
primeiro; o do meio torna-se primeiro e último e o último e o primeiro passam ambos a
estar no meio, sendo deste modo obrigatório que se ajustem entre si e, tendo-se assim
ajustado uns aos outros entre si, serão todos um só. Ora, se o corpo do mundo tivesse
sido gerado como uma superfície plana, sem nenhuma profundidade, um só elemento
intermédio teria sido suficiente para o unir aos outros termos. Porém convinha que o
mundo fosse de natureza sólida, e, para harmonizar o que é sólido não basta um só
elemento intermédio mas sim sempre dois. Foi por isso que, tendo colocado a água e o
ar entre o fogo e a terra, e, na medida do possível, produzido entre eles a mesma
proporção, de modo a que o fogo estivesse para o ar como o ar estava para a água, e o ar
estivesse para a água como a água estava para a terra, o deus uniu estes elementos e
constituiu um céu visível e tangível. Foi por causa disto e a partir destes elementos –
elementos esses que são em número de quatro – que o corpo do mundo foi engendrado,
posto em concordância através de uma proporção; e a partir destes elementos obteve a
amizade89, de tal forma que, tornando-se idêntico a si mesmo, é indissolúvel por outra
entidade que não aquela que o uniu.

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