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A bela foto acima não representa este local mesmo, da maneira como ele é
vivenciado pelos transeuntes dessa região. Trata-se do chamado marco zero de
São Paulo - ao fundo se vê a Catedral da Sé. Em condições normais, esse local é
habitado, transladado muitas vezes à deriva dos que não sabem para onde vão nem
de seus porquês. Há moradores de ruas às centenas, há distribuição de sopas e
outros alimentos aos necessitados, há espécies de novos Qoheleths (ou
Eclesiastes, ou Aquele-que-sabe) bradando frases bíblicas ou verdades pessoais
com intenções universalizantes, aspirantes a novos deuses, todos ali, entretanto,
comandados por um único sopro-deus que perpassa a Praça da Sé como num leve
Leviatã.
Hoje, semblante aparece nos dicionários como: rosto, expressão, aparência, ar,
aspecto, figura, fisionomia. Seu semantismo próximo ao do feminino se desfez para
abrir lugar a tudo aquilo que parece mas não é, ao contrário da essência, ao modo
do aparecer, ao ser como fenômeno. Abertura de derivações semânticas que não
seriam jamais inesperadas na civilização de Eva.
Esse centro não é, devemos lembrar de seus aspectos, qualquer centro. Trata-se de
um centro velado. Talvez Lacan possa nos ajudar neste ponto: esse ponto central,
esse furo que cria as bordas de toda a exposição, é velado. O psicanalista francês
dizia que o lugar do psicanalista é o lugar desse centro, o lugar do pequeno outro.
Como ocupar esse lugar, de qual maneira? Freud dizia que a melhor maneira de
encontrar o sentido na rede significante (usando a expressão de Lacan) - visto que o
imaginário, o imagético que ocupa as paredes, foi subtraído pela centralidade da
perda especular, o espelho “entretecido” - seria “se entregar à sua própria atividade
mental inconsciente, quando evita, tanto quanto possível, refletir e elaborar as
expectativas conscientes, quando não pretende (...) fixar nada em particular em sua
memória e, dessa maneira, capta o inconsciente com seu próprio inconsciente”. A
atividade inconsciente será para nós, seguindo Lacan, a atividade dos símbolos, do
nível simbólico ao qual as obras expostas nas paredes foram submetidas, em um
movimento que parece querer se dinamizar metonimicamente.
Roupas imaginárias e brincantes, que usamos dentro de casa como quem brinca
carnaval nas ruas durante o período pandêmico, a cama sempre desarrumada e a
tevê conectada diretamente ao sem sentido, marcas das tradições de nossas
origens, que se aveludam em nossa memória assim como um aconchegante casaco
que tenta dizer que tudo não é tão mau, detentores imaginários de nossos
momentos de raiva, que apaziguam nosso gesto no macio, janelas que nos
guardam e nos prometem futuros em diferentes cores, ou até: