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Hamilton Luiz Correa, Flávio Hourneaux Junior, Francisco Sobreira Netto e Antonia Egídia de Souza

A EVOLUÇÃO DA APLICAÇÃO DO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO


SITUACIONAL NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL BRASILEIRA:
O CASO SANTO ANDRÉ
THE EVOLUTION OF THE APPLICATION OF THE SITUATIONAL STRATEGIC PLANNING
IN THE BRAZILIAN MUNICIPAL PUBLIC MANAGEMENT: THE CASE OF SANTO ANDRÉ
Hamilton Luiz Correa Recebido em: 05/06/2007
Professor Doutor em Administração - Universidade de São Paulo - FEA/USP Aprovado em: 10/09/2007

Flávio Hourneaux Junior


Mestre em Administração - Universidade de São Paulo - FEA/USP
Francisco Sobreira Netto
Doutor em Administração - Universidade de São Paulo - FEA/USP
Antonia Egídia de Souza
Professora em Administração - Universidade do Vale do Itajaí - UFSC

RESUMO ABSTRACT
O artigo apresenta a evolução do processo de ges- The paper presents the evolution occurred in the
tão estratégica com a aplicação da metodologia strategic management process in the City of
do Planejamento Estratégico Situacional – PES na Santo André, Brazil, due to the application of
Prefeitura Municipal de Santo André, considerando Situational Strategic Planning – PES, in two diffe-
dois períodos distintos: inicialmente, de 1990 a 1996, rent moments: first, from 1990 to 1996, and later,
e no período seguinte, que vai de 1997 a 2004. from 1997 to 2004. It consists in a both descriptive
Trata-se de uma pesquisa exploratório-descritiva, and exploratory research, using a case study,
com a utilização do método do estudo de caso, introducing a unique experience in the Brazilian
apresentando uma experiência de destaque na public management, searching for more familia-
Administração Pública direta brasileira. Apresenta, rity and new perceptions on the issue. The study
ainda, alguns dos conceitos básicos da administra- displays some of the basic concepts on public
ção estratégica na Administração Pública; arrola strategic management; enlists the main charac-
as principais características da metodologia do PES, teristics of PES methodology, created by Carlos
criado por Carlos Matus, a partir de suas experiên- Matus, from his experiences in Chilean Govern-
cias no governo chileno; expõe os avanços e as ment; shows the progresses and difficulties
dificuldades obtidas pelo Executivo municipal com brought by the PES implementation in two distinct
a implementação do PES, em duas fases distintas; moments; and, finally, presents the conclusions
e, finalmente, apresenta algumas conclusões, com and recommendations that come from the
destaque para a proposta de adoção de um modelo analysis, emphasizing a proposal of an hybrid
híbrido, no qual o PES e o Balanced Scorecard po- model, in which both PES and Balanced Sco-
dem ser complementares. recard may be complementary.

Palavras-chave: administração estratégica, Ad- Keywords: Strategic Management, Public Mana-


ministração Pública, planejamento estratégico gement, Situational Strategic Planning, Balanced
situacional, balanced ccorecard. Scorecard.

Endereços dos autores:

Hamilton Luiz Correa


Av. Prof. Luciano Gualberto, 908 - sala G107 - Cidade Universitária - 05508-900 - São Paulo - SP - Brasil - e-mail: hamillco@usp.br
Flávio Hourneaux Junior
Av. Prof. Luciano Gualberto, 908 - sala G107 - Cidade Universitária - 05508-900 - São Paulo - SP - Brasil - e-mail: flaviohjr@uol.com.br
Francisco Sobreira Netto
Av. Rangel Pestana, 300 - Centro - 01091-900 - São Paulo - SP - Brasil - e-mail: fsnetto@usp.br
Antonia Egídia de Souza
R. Pará, 315 - Bairro Universitário - 88200-000 - Tijucas - SC - Brasil - e-mail: asouza@univali.br

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A EVOLUÇÃO DA APLICAÇÃO DO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO SITUACIONAL NA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL BRASILEIRA: O CASO SANTO ANDRÉ

1. INTRODUÇÃO no contexto do setor público, descrevendo alguns


conceitos e sua metodologia. Em seguida, faz-se
A pesquisa sobre administração estratégica em uma explanação do método de Planejamento Es-
organizações públicas e sem fins lucrativos de caráter tratégico Situacional – PES, que constitui a base
privado, em pleno início de século XXI, ainda se teórica utilizada do caso estudado: o processo de
ressente de mais e melhores estudos. Segundo Wort- planejamento estratégico realizado na Prefeitura
man (1979), teoria e pesquisa em organizações sem Municipal de Santo André. Finalmente, são apre-
fins lucrativos se constituíam, há pouco tempo, num sentadas as conclusões originadas com o estudo
território virtualmente pouco explorado pelos de caso, além de uma proposta de utilização de
estudiosos de administração estratégica. Hatten conceitos do PES, com a utilização complementar
(1982) foi um dos primeiros teóricos da administração do BSC – Balanced Scorecard.
estratégica que tentaram aplicar conceitos da
matéria às áreas públicas ou às organizações sem
fins lucrativos, porém com poucos casos práticos e 2. METODOLOGIA
resultados a serem discutidos. Montanari & Bracker
(1986) indicaram que a diversidade das premissas, A pesquisa tem como fontes primárias informa-
por vezes conflitantes, propostas sobre as metas na ções do programa de diretrizes e metas para a Pre-
organização sem fins lucrativos, torna essencial feitura de Santo André, a pesquisa desenvolvida
pensar-se sobre a real finalidade da organização, por Belchior (1999), bem como entrevistas pessoais
antes de se identificarem opções estratégicas. não-estruturadas e diretas com os principais diri-
gentes responsáveis pela implementação da meto-
A combinação entre competitividade de mer- dologia PES no referido Município. Trata-se de uma
cado e decisões empresariais direciona uma orga- pesquisa exploratória com a utilização do método
nização para alcançar seus objetivos, ponderou do estudo de caso, tendo sido selecionada uma
Ansoff (1979). Contudo, estes fatores são virtual- experiência de destaque na Administração Pública
mente inexistentes em entidades prestadoras de direta brasileira, atendendo às condições estabe-
serviços públicos sem objetivo de lucro. Segundo o lecidas por Green, Tull & Albaum (1988), como
autor, as organizações públicas têm um poder outor- pesquisa que visa a identificar problemas, realizar
gado pela sociedade para fornecer os serviços ne- um estudo mais aprofundado destes e formular
cessários à manutenção da infra-estrutura social, novas opções de cursos de ação.
que não são fornecidos pelo setor privado, tais co-
mo saneamento, assistência social e segurança Campomar (1991) observou que o método de
pública, entre outros. Eck & Tubaki (1994) enfati- estudo de casos implica uma análise profunda de
zaram que, ao contrário das organizações privadas, um número relativamente pequeno de situações,
que competem com base na atuação de conquista sendo o mais apropriado para a investigação da
dos mercados, as organizações públicas têm a sua complexidade dos fenômenos organizacionais, ao
atuação baseada no alcance dos objetivos sociais, identificar as características mais expressivas dos
o que justificaria a sua existência dentro da socie- fatos da vida real, incluindo processos gerenciais e
dade. Gaj (1986), em uma tentativa de sistema- organizacionais. Yin (1989) reiterou-o como cientifi-
tização do assunto, afirmou que os elementos da camente aceito e muito utilizado nos estudos
estratégica no setor público são os seguintes: a experimentais.
postura de mudança, o enfoque social, a revisão
contínua das finalidades dos órgãos, a eficácia do Selltiz et al. (1974) destacaram que, ao se tra-
sistema como exigência da comunidade, o desen- balhar em áreas relativamente não-exploradas, o
volvimento organizacional e a capacidade de estudo de exemplo selecionado é muito produtivo
administrar conflitos. para incentivar o entendimento e sugerir novas
intuições e novas hipóteses para outras pesquisas.
Dentro desta concepção, em termos de estra- Considerando que o trabalho está contextualizado
tégias e, também, em relação ao contexto público, nas condições e nos requisitos metodológicos
é que se encontra a abordagem deste artigo. Pri- definidos, o estudo visa, então, a buscar algumas
meiramente, trata-se do planejamento estratégico respostas para as questões a seguir formuladas.

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• Quais os principais resultados obtidos pela Há, portanto, significativas diferenças entre o
Prefeitura de Santo André com a adoção da planejamento estratégico tradicional e o PES. Trata-
metodologia PES? Que benefícios e dificul- se, como Huertas (1996) afirmou, de um novo enfo-
dades a adoção do PES trouxe? que, distinto do padrão vigente. O processo de
planejamento não é um ato isolado. Ele influencia
• A aplicação de conceitos e requisitos do PES o ambiente social e por este é influenciado, um
atende à Prefeitura de Santo André em suas ambiente em que a incerteza é uma constante e
necessidades de tratamento das questões es- no qual a ação do governo, enquanto ator prepon-
tratégicas? derante, não é tão livre e independente como se
poderia pensar. Além disso, as situações ou os
Não está no âmbito do estudo avaliar a meto- problemas que ocorrem ou possam vir a ocorrer
dologia do PES propriamente dita, nem compará- apresentam possibilidades quase infinitas de
la com outros métodos existentes. O estudo limita- combinações entre os diversos atores sociais, sendo
se à experiência de concepção, implantação e evo- que tais problemas geralmente possuem uma
lução de um modelo de planejamento estratégico grande complexidade e são apenas semi-estru-
na Administração Pública municipal direta brasileira, turados, com várias possibilidades de solução eficaz,
com destaque para os benefícios trazidos e as opor- dependendo do enfoque utilizado.
tunidades de melhoria identificadas, não permitindo
generalizações. Huertas (1996) considerou o planejamento como
uma ferramenta de governo, operando em sistemas
complexos, sendo assim possível conhecer a reali-
3. REFERENCIAL TEÓRICO: O PLANEJAMENTO dade e escolher como fazer planejamento por inter-
ESTRATÉGICO SITUACIONAL (PES) médio de alguns modelos. O PES permite situar o
sujeito que planeja dentro da realidade que vai
O modelo do PES, consolidado nos anos 70, foi receber os efeitos do planejamento, e não mais fora
criado por Carlos Matus, após anos de pesquisa e dela, como no caso do planejamento normativo. O
experiências efetuadas no governo do Chile, do qual ator que planeja possui uma visão particular da
foi ministro do Planejamento e presidente do Banco realidade e não tem controle sobre ela porque ou-
Central. A principal proposta do autor com relação tros atores também a vêem a seu modo, planejam
ao PES era a de causar uma ruptura com relação e estão competindo entre si, muitas vezes em
aos modelos usados tradicionalmente no planejamen- situação de confronto. A realidade que o planeja-
to, estratégico ou não, do setor público. Essa ruptu- mento pretende alcançar não possui comporta-
ra se daria se a questão fosse respondida: “é possível mento previsível, não se submetendo a uma lei
um planejamento onde as técnicas econômicas e de rígida, bem como o comportamento dos demais
investigação política se estruturem em uma nova atores geralmente muda de modo diferente da-
síntese metodológica que, ao mesmo tempo, amplie queles imaginados pela racionalidade do plano. Os
seu universo de ação e a faça mais eficaz como recursos são escassos, os valores são diversos, as
método de governo?” (BELCHIOR, 1999:28). formas de encarar os fatos são diferentes, os inte-
resses são muitos e os critérios de eficácia e efi-
O PES é uma metodologia recente e exclusiva ciência não são uniformes.
ao setor público, e não uma adaptação. Segundo
Huertas (1996:22-23), trata-se de: Há, então, a necessidade de sobrepujar a resis-
tência ao plano por parte dos outros atores. Em razão
(...) um método e uma teoria de Planejamento disso, a concepção normativa do “deve ser” fica
Estratégico Público (...) Foi concebido para deslocada, sendo necessário considerar o “pode ser”
servir aos dirigentes políticos, no governo ou e a vontade de fazer. Esse aspecto normativo ocorre
na oposição. Seus temas são os problemas somente num momento do estratégico e do
públicos e é também aplicável a qualquer operacional, pois tudo o mais está carregado de
órgão cujo centro do jogo não seja exclusi- incertezas, o que torna impossível enumerar todas
vamente o mercado, mas o jogo político, as possibilidades e atribuir as probabilidades. Por isso,
econômico e social. o PES considera que o planejador está frente a um

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problema quase estruturado. Trata-se de um jogo tação dos atores envolvidos. De acordo com Matus
social, onde existem vários jogadores agindo, com a (1996), o planejador deve explicar a realidade a
situação em constante mudança. Um outro ponto partir da compreensão do processo de inter-relação
destacado por Matus (1993), e que o diferencia, é entre os problemas, para ter uma visão de síntese
como ele enxerga o próprio governo dentro do do sistema que os produz. O valor dos problemas
processo de planejamento público. Um conceito que para cada ator social que participa do processo será
permeia o PES em todos os seus momentos, e é geralmente diferenciado. Neste momento, são
fundamental para seu entendimento e eficácia, é o realizados o diagnóstico e a análise situacional.
chamado triângulo do governo. Este seria
composto de três vértices: o programa de governo, A realidade tem tantas explicações quanto o nú-
a capacidade do governo e a governabilidade mero de jogadores que participam do jogo social.
do sistema. De acordo com Belchior (1999), esses Contudo, as explicações que interessam são dadas
três vértices condicionam-se mutuamente e devem pelos atores que têm influência sobre o jogo consi-
ser equacionados de forma simultânea. derado, denominados atores sociais. Portanto, toda
explicação é situacional porque é feita a partir da
O programa de governo diz respeito às pro- visão particular de um determinado ator, o que
postas que o planejador – no caso, o governo – explica o nome do PES. Dentro dela, um problema
tem em mente com base nos seus objetivos, con- é o resultado insatisfatório do jogo social para um
siderando-se características e restrições relaciona- ator desde que este o declare e se proponha a
das aos objetivos propostos. A capacidade de atacá-lo. A descrição de um problema expressa os
governo é sua competência na condução dos pro- fatos que revelam sua existência e os sintomas que
cessos e “refere-se ao acervo de técnicas, méto- o manifestam, na percepção do ator que o declara.
dos, destrezas, habilidades e experiências de um Estes sintomas são enumerados como um conjunto
ator e sua equipe de governo, para conduzir o pro- de descritores do problema, que passa a ser chama-
cesso social a objetivos declarados, dados a gover- do de vetor de descrição do problema (VDP).
nabilidade do sistema e o conteúdo propositivo do
projeto de governo” (MATUS, 1993:61). A gover- Têm-se, conseqüentemente, os elementos da
nabilidade do sistema compreende aquelas explicação: as jogadas (fluxos); as capacidades
variáveis que farão parte do processo de planeja- (acumulações); e as regras do jogo (regras). As
mento e que, por sua vez, podem ser divididas em causas imediatas do placar do jogo são as jogadas
controladas (pelo ator do planejamento) e não-con- (fluxos). Para se produzirem jogadas, requerem-se
troladas. Ou seja, quanto mais variáveis decisivas capacidades de produção (acumulações). Mas as
um ator controla, maior sua liberdade de ação e, jogadas e as acumulações pertinentes e válidas são
por conseguinte, a governabilidade do sistema. A as permitidas pelas regras do jogo (regras). Todos
eficácia do planejamento estará diretamente ligada estes componentes formam o VDP.
à compreensão deste ponto.
Posteriormente, serão definidos os chamados
Matus (1996) afirmou, ainda, que o PES busca a nós críticos do problema, pontos cruciais para a
eficácia do processo do planejamento estratégico eficácia do processo. Um elemento é considerado
através das respostas a quatro questões, que ele nó crítico se atender a três requisitos:
denomina como âmbitos diferenciadores do PES,
a) tem alto impacto sobre o VDP do problema;
também chamados de quatro momentos do PES.
A seguir, são sucintamente descritos cada um destes b) é um centro prático de ação, ou seja, algum
momentos e os elementos que deles fazem parte. dos jogadores deve poder agir de modo
prático, efetivo e direto sobre a causa; e
a) Momento explicativo
c) é um centro oportuno de ação política durante
Diferentemente do que ocorre nos modelos utili- o período do plano.
zados por empresas, há inúmeras explicações para
os diversos fatos e elementos envolvidos no planeja- Ao conjunto dos nós críticos dá-se o nome de
mento, e cada explicação dependerá da interpre- árvore do problema. Ao conjunto formado pela

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árvore do problema mais os fatores descritores do c) Momento estratégico


problema, que não são críticos, dá-se o nome de
fluxograma situacional. Há três possibilidades de Neste momento, identificam-se as diversas inte-
classificação das causas de um problema, de acordo rações entre os atores e as oportunidades e restri-
com a influência do ator governo: ções que daí decorrem. Segundo Belchior (1999), o
plano direcional, definido anteriormente, será
(a) dentro da governabilidade: sob controle submetido à análise estratégica, decorrente dos
total do ator (governo), que explica e planeja; seguintes aspectos:

(b) fora da governabilidade: fora do controle • definição dos atores envolvidos e montagem
do ator, mas com alguma ou nenhuma da matriz de afinidades e motivações;
influência sobre as causas; e
• identificação dos recursos que são críticos para
(c) fora do jogo: causas provenientes de outros a viabilização do plano;
problemas, que têm outras regras, outros
jogadores e outros objetivos. • construção da matriz de peso dos atores;

b) Momento normativo • realização da avaliação estratégica.

O momento normativo trata da formulação do Tais ferramentas possibilitariam ao planejador


plano, com objetivo de se produzirem as respostas “obter um plano direcional que não seja apenas
de ação em um contexto de incertezas e surpresas eficaz para alcançar a situação-objetivo, mas tam-
(HUERTAS, 1996). Ele apresenta um direcionamen- bém viável do ponto de vista político, econômico e
to que reúne a situação inicial analisada e a situação institucional-organizativo” (BELCHIOR, 1999:39). Se-
à qual se quer chegar (situação-objetivo). O VDP gundo Huertas (1996:69), este é o momento mais
se torna, agora, vetor de resultados (VDR), e irá complexo do processo, porque “aponta para o pro-
refletir a proposta do direcionamento dado a cada blema político de analisar e construir a viabilidade
problema. O desenho da situação-objetivo iden- do plano”. Se não houver uma interação entre os
tificará os nós críticos da rede sobre os quais atuará aspectos técnicos e a viabilidade política do plano,
o planejador, e que se tornarão os pontos de ação certamente todo o processo tornar-se-á impraticável.
futura. Neste momento, também se constroem os
d) Momento tático-operacional
cenários, situações em que se imaginam diferentes
possibilidades de ação, a partir de condições e pre- É o momento em que o plano se converte em ação.
missas variadas, considerando-se as contingências De Toni (2004) destacou esta importância, ao dizer
e surpresas que possam ocorrer durante o processo. que “não podemos esquecer que o planejamento
estratégico só termina quando é executado, é o
A síntese de todas estas possibilidades é feita
oposto à visão tradicional do plano-livro que,
pela árvore de apostas de cada problema, com
separando planejadores dos executores, estabelecia
as respectivas operações descritas também no cha-
uma dicotomia insuperável entre o conhecer e o agir”.
mado banco de operações, um conjunto de conhe-
Torna-se, portanto, imprescindível um monitoramento
cimentos adquiridos que servem de orientação para
constante das ações e dos resultados que delas advêm.
a ação em cada situação. O resultado será o de-
Do ponto de vista da administração estratégica, talvez
senho prévio das operações para montagem do
seja este o momento mais complexo do processo
plano direcional. No entanto, é necessário que se
(BELCHIOR, 1999). Considerando esta dificuldade,
verifique a viabilidade das situações propostas,
Matus (1993) propôs a divisão do direcionamento
baseada em dois aspectos: a eficácia das opera-
estratégico em cinco mecanismos distintos:
ções para atingir a situação-objetivo, mais o balan-
ço entre os recursos requeridos para o seu desen- • gerência por operações: implementação de
volvimento e os disponíveis. Para Huertas (1996), o uma administração por objetivos, descentra-
plano a ser formulado no momento normativo é lizando a execução do plano e transferindo-se
modular e dinâmico. as responsabilidades aos respectivos órgãos;

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• orçamento por programas: destinação dos Assim, a partir de 1990, o PES foi incorporado à
recursos necessários previstos nos vários cultura organizacional e implementado a partir de
módulos do plano; cinco ações que mereceram destaque: o seminário
para todos os atores do processo de planejamento;
• petição e prestação de contas: estabeleci-
o detalhamento do triângulo de governo, já referen-
mento dos procedimentos e critérios de ava-
ciado; o primeiro exercício de equilíbrio deste triân-
liação para os recursos e as responsabilidades
gulo; a montagem da sala de situações; e os su-
destinados a cada órgão;
cessivos ajustes do triângulo após o equilíbrio inicial.
• planejamento de conjuntura: mediação A implantação propriamente dita do PES na
entre o plano e as ações relativas às questões prefeitura foi precedida pelo estabelecimento de um
que possam surgir no dia-a-dia da imple- amplo fórum de debates entre o Executivo maior e
mentação do plano; as diversas secretarias que compunham a estrutura
• sala de situações: monitoramento intenso dos organizacional da organização, culminando com a
problemas de maior relevância, para dar su- escolha de agentes de planejamento das áreas.
porte às decisões dos dirigentes.
Estes agentes, afastados de suas funções por
Matus apud Belchior (1999:37) resumiu bem a três meses, foram fundamentais no detalhamento
compreensão sistêmica dos quatro momentos do triângulo de governo, agindo, desde então, co-
citados, e sua relação direta com o resultado do mo atores do processo, e, posteriormente, no tra-
processo de planejamento: balho de ajustes do plano e criação de mecanismos
de controle e acompanhamento de projetos e
(...) cada momento, se é dominante, articula ações, nos dois anos subseqüentes. Belchior (1999),
os outros, como apoio a seu cálculo; repetem- em resumo, revelou as motivações que originaram
se constantemente, porém, com distinto con- a adoção do PES no Executivo municipal:
teúdo, tempo e situação; nunca esgotam sua
tarefa, sempre se regressa a eles; em uma • dificuldade do governo em concretizar ações
data concreta, os problemas do plano se previamente definidas (crise de realização);
encontram em distintos momentos domi-
nantes e, por fim, cada momento requer fer- • deficiências relativas à capacidade financeira
ramentas metodológicas particulares. e à governabilidade, inicialmente desaper-
cebidas;
Desta maneira, foram comentados sucintamente
os principais elementos do PES. • expectativa de o método se constituir numa
ferramenta na condução do processo de deci-
são de um governo em torno de suas prio-
4. O PES NA PREFEITURA DE SANTO ANDRÉ – ridades, e gerar coesão na equipe gestora;
PERÍODO 1990-1996
• expectativa de incorporação do instrumento
Segundo Belchior (1999), a administração supe- gerencial pela hierarquia da organização, e não
rior do Município identificou nove grandes limita- apenas a constituição de um instrumento geral
ções na abordagem de gestão estratégica até en- de controle de projetos e ações;
tão adotada. Entre elas, indefinições quanto às res- • necessidade de um instrumento de sistema-
ponsabilidades e competências dos setores, proces- tização das informações para maior trans-
sos obsoletos, política de comunicação desarticu- parência ao processo de participação popular,
lada, estrutura organizacional inadequada, geren- e segurança em relação aos compromissos fir-
ciamento sem foco para objetivos, e iniciativas de mados com a comunidade;
planejamento desintegradas e informais. Na busca
de uma solução abrangente que pudesse atender • necessidade de instrumento de prestação de
a todas as demandas, a equipe de governo co- contas e acompanhamento de projetos à socie-
nheceu a metodologia do PES, e o adotou como dade local, para redução do conflito dotação
linha mestra de gestão estratégica. orçamentária versus ações prioritárias.

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1o vértice do triângulo: o programa de governo maior sintonia entre os setores. Alguns entrevis-
tados viram nesta ação características de sinergia
Ficou explicitamente evidenciado, durante o pro- não encontradas antes da implantação e da
cesso de detalhamento dos projetos e identificação discussão dos conceitos do PES. O que se pode
dos problemas da área de planejamento, que um constatar também é que o grau de coesão é in-
aspecto não estava claro, qual seja, o programa de fluenciado pela escolha dos membros que irão
governo. Segundo os entrevistados, acreditava-se compor a equipe dos agentes de planejamento, e
inicialmente que o motor do processo de gestão é inversamente proporcional à respectiva auto-
estratégica encontrava-se no vértice capacidade nomia de decisões. Isto é facilmente explicável, uma
de governo. Contudo, somente com uma carta de vez que, sendo um agente mais político do que
intenções ou um programa de governo distante da técnico, sua autonomia e sua representatividade
clareza dos propósitos e visando a uma quantidade são maiores, podendo gerar menos coesão. Se o
grande de projetos sem o estabelecimento de cri- funcionário for escolhido por critérios de capacidade
térios de prioridade, a gestão estratégica da pre- técnica e confiança, a coesão acontece com maior
feitura não alcança eficiência e eficácia. Durante o freqüência; contudo, a autonomia para a condução
processo de detalhamento de projetos e problemas, do processo e a tomada de decisão é menor.
e, por conseguinte, de implantação do PES, com- Unânime é a visão de que o agente de planeja-
plementou Belchior (1999), constatou-se que a mento precisa de um perfil predeterminado para
capacidade econômica da organização se constituía ocupar a função. Os entrevistados confirmaram que,
de fato numa limitação, mas se encontrava apenas com a aplicação do método PES, tanto os funcio-
obscurecida pelos problemas técnico-adminis- nários das áreas-fim quanto os das áreas-meio da
trativos mais visíveis, como previsões de receitas prefeitura se sentiram um pouco incomodados com
superestimadas e necessidades de recursos econô- a obrigação de prestarem conta de suas atividades
micos insuficientes diante do detalhamento e da com maior freqüência e riqueza de detalhes, que-
especificação dos projetos prometidos, bem como brando, ainda, o aspecto cultural de que determi-
no estabelecimento de objetivos comuns e eficácia nado problema era sempre de responsabilidade de
na priorização dos projetos de governo. outra área, consolidando a visão de que a solução
era tarefa de todos os setores.
2o vértice do triângulo: a capacidade de governo
No que se refere à competência do ator e sua 3o vértice do triângulo: a governabilidade do
equipe de governo na condução das ações da sistema
prefeitura, os entrevistados deram maior destaque Segundo Belchior (1999), um dos motivos pre-
à criação da figura do agente de planejamento das ponderantes que geraram a opção pelo PES foi a
áreas. Funcionários-chave de todas as secretarias existência do vértice da governabilidade do sistema,
da administração municipal foram convidados a característica não encontrada nas demais meto-
desempenhar o papel de planejadores setoriais, dologias de gestão estratégica, estudadas pela alta
trabalhando de maneira integrada com os demais, administração municipal. Paradoxalmente, após a
trazendo o conhecimento específico de suas áreas implantação parcial do PES, este vértice foi o menos
e, por sua vez, tomando conhecimento do todo da trabalhado e o que provocou, segundo os entre-
organização. Treinados na metodologia e afastados vistados, o desequilíbrio do triângulo. Alguns en-
de suas funções corriqueiras por três meses, estes trevistados acusaram até a falta de entendimento
agentes puderam detalhar os principais problemas da teoria PES neste quesito como causa de sua não-
de capacidade apontados preliminarmente pela alta implementação. Outros afirmaram que as variáveis
administração da prefeitura, indicando possíveis dentro da governabilidade da prefeitura, conhecidas
ações para resolvê-los. Em que pese não ser tarefa como controladas, foram devidamente trabalhadas,
fácil juntar interesses de áreas, às vezes difusos ou, havendo o consenso, entretanto, de que as não-
até mesmo, conflitantes entre si, Belchior (1999) controladas sequer foram elencadas. No que se
destacou que este movimento dos agentes de refere às variáveis controladas, a utilização da
planejamento proporcionou uma maior coesão metodologia se restringiu aos projetos ditos
entre equipes de trabalho e, por conseqüência, uma prioritários e de natureza mais geral de governo.

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A EVOLUÇÃO DA APLICAÇÃO DO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO SITUACIONAL NA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL BRASILEIRA: O CASO SANTO ANDRÉ

Nos demais projetos e, mesmo, no universo das de consecução de importantes requisitos constantes
secretarias e nos escalões inferiores, a cultura do dos momentos anteriores. Não se tem registro ape-
PES não foi eficientemente disseminada ou nas do planejamento de conjuntura, conforme
incorporada pela máquina de governo. descrito no referencial teórico. Entre a gerência por
operações, o orçamento por programas, a petição
e a prestação de contas, e a sala de situações,
Momento explicativo Belchior (1999) destacou esta última como a mais
controversa e complexa. No que se refere à sala
Segundo os entrevistados, foram elencados os
de situações, algumas críticas quanto à sua atuação
vários atores, conforme estabelecido na teoria da
foram mencionadas pelos entrevistados. Dentre as
metodologia, sendo o principal deles a própria alta
principais, encontra-se a de ter assumido funções
administração do Município. É o ator que vem
operacionais que não lhe cabiam e ter desempe-
declarar os problemas de gestão estratégica da pre-
nhado tarefas de assessoria política que não eram
feitura. Contudo, os vetores de descrição de pro-
de sua competência, como também ter deixado de
blema, a divisão em fluxos, regras e acumulações,
lado responsabilidades próprias, como as de se
a definição dos nós críticos, o desenho da árvore
relacionar com os agentes de planejamento; esta-
de problemas, e o fluxograma de análise situacional
belecer um sistema de controle de ações, e não só
não foram detalhados. O que se pôde verificar é
controle sobre projetos mais visíveis; e propor a
que os principais conceitos do método foram apro-
revisão do triângulo de governo, entre outras. Entre
veitados pela organização, mas o desenvolvimento
as virtudes, a de ter garantido que as ações de
dos instrumentos de planejamento e a sua
acompanhamento de projetos de fato se concre-
formalização não foram executados.
tizassem ou que não ficassem paralisadas.

Momento normativo
5. O PES NA PREFEITURA DE SANTO ANDRÉ –
Este item foi prejudicado pela falta de formali- PERÍODO 1997-2004
zação do anterior, principalmente no que se refere
A partir das experiências aprendidas no primeiro
ao vetor de descrição de problema, que aqui iria se
período, durante o qual se iniciou a adoção da me-
transformar no vetor de resultados. De acordo com
todologia pelo Executivo municipal, observou-se a
os entrevistados, não foi executado.
manutenção do PES como instrumento básico de
todo o processo de planejamento e administração
Momento estratégico estratégica do órgão. No entanto, algumas de modi-
ficações foram introduzidas em relação ao primeiro
Conforme explicou Belchior (1999), este momen- período, conforme descrição a seguir.
to foi parcialmente implantado. Foi efetuada a
definição dos atores envolvidos, como descrito no mo- 1o vértice do triângulo: o programa de governo
mento explicativo. Realizou-se também a identifica-
A primeira grande mudança foi a criação do con-
ção dos recursos críticos para a viabilização do plano.
ceito de “marcas” do governo, ou seja, desafios
Em contrapartida, não foi desenhada a matriz de
que pudessem destacar a administração municipal,
afinidades e motivações, bem como a construção da
do ponto de vista de grandes realizações, que
matriz de peso dos atores e a avaliação estratégica.
seriam percebidas pela população e teriam grande
efeito sobre ela, possibilitando, dessa forma, uma
Momento tático-operacional continuidade do processo político da cidade. As
cinco “marcas” ou desafios definidos foram os se-
Na teoria, este seria o momento subseqüente guintes: modernização, participação do cidadão,
aos demais, e dependente da sua concretização. inclusão social, desenvolvimento econômico e cida-
A prática mostrou que quatro dos cinco mecanismos de agradável. Com estes programas como priori-
para o direcionamento estratégico, descritos por tários para a administração, o que se viu foi uma
Matus, foram contemplados, mesmo com a falta modificação na estrutura do governo, ou seja, mu-

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Hamilton Luiz Correa, Flávio Hourneaux Junior, Francisco Sobreira Netto e Antonia Egídia de Souza

danças nas secretarias e nos departamentos, em temente políticos, isto é, o vértice do triângulo re-
que as novas estratégias definiriam como seriam ferente à governabilidade. Além disso, com a im-
alocados os recursos e as pessoas para atender a plementação dos conceitos de gestão de projetos,
esses programas (melhorando, conseqüentemente, o monitoramento da situação, por si só, já caracte-
também o vértice de capacidade de governo). As- rizava uma tentativa de se diminuírem os recorren-
sim, o programa do governo passou a ser traduzido tes problemas de governabilidade.
em uma lista de projetos, que, dentro do conceito
estabelecido de “marcas”, seria a expressão da
linha ideológica do governo e passaria a nortear a Momento explicativo
ação de uma forma mais coesa. O momento explicativo trata da tentativa de ex-
plicação da realidade, através do processo de de-
2o vértice do triângulo: a capacidade de governo
finição do vetor de descrição do problema e, conse-
A partir de 2000, a Secretaria de Planejamento qüentemente, a árvore do problema e o fluxograma
Estratégico passou a trabalhar em conjunto com a situacional. O que se percebe é que há somente
coordenação de indicadores socioeconômicos, vi- uma análise primária dos atores sociais, que seria a
sando a monitorar melhor os efeitos das ações im- base para o desenvolvimento das ferramentas cita-
plantadas no Município. Desse momento em diante, das. Tal ocorrência é explicada devido à complexi-
o orçamento do Município tornou-se um importante dade e à abrangência do conceito, pela demora do
instrumento de coordenação por parte da Secre- processo e pela falta de recursos para realizá-lo.
taria do Governo. Dessa forma, com um controle
financeiro centralizado, ampliou-se a capacidade Momento normativo
de controle dos programas que se pretendia rea-
lizar, o que propiciou um maior alinhamento às Como conseqüência do item anterior, sem o
estratégias previstas pelo plano de governo. Em vetor de descrição dos problemas estruturado, não
2002, esse conceito foi ampliado ainda mais. Criou- é possível transformar o vetor de descrição do pro-
se a Secretaria do Orçamento e Planejamento Par- blema em vetor de resultados (VDR) nem propor
ticipativo, órgão que passou a controlar o processo direcionamento aos problemas analisados e atuação
orçamentário, dentro da perspectiva de participação futura junto aos nós críticos da rede. Apesar disso,
da comunidade na definição dos programas e dos são construídos vários cenários para os problemas
respectivos recursos alocados. Esse enfoque possi- analisados. No entanto, a proposta de Matus de
bilitou que a Secretaria de Participação do Cidadão um plano modular e dinâmico é respeitada, devido
também fizesse parte do processo orçamentário. às revisões e atualizações constantes.

3o vértice do triângulo: a governabilidade do


sistema Momento estratégico

Outro ponto importante trata do monitoramento Como citado no momento explicativo, é reali-
do vértice de governabilidade do triângulo de go- zada a análise dos atores sociais, um dos conceitos
verno, considerado como o mais problemático e básicos defendidos por Matus na proposta do PES.
complexo. Quando do primeiro período, a sala de A importância deste fator tem sido percebida pelo
situações, instrumento criado para monitorar o pro- governo municipal de Santo André com a explora-
cesso, era um staff subordinado diretamente ao ção do conceito em termos de identificação dos
prefeito. Já em 1997, foram criados dois outros ins- atores, sua importância e a sua posição em termos
trumentos, em substituição à sala de situações: a estratégicos, se favorável ou desfavorável, muito
sala do plano, que desenvolvia assuntos relativos embora a viabilização das recomendações seja ex-
aos dois outros vértices do triângulo do governo: o tremamente complexa. Esta análise tem sido feita
programa e a capacidade do governo, ou seja, te- para os problemas mais impactantes e que reque-
mas mais ideológicos e técnicos, respectivamente; rem maiores cuidados, e não de uma forma mais
enquanto que a sala da governabilidade era criada abrangente e completa, como se refere o criador
para lidar exclusivamente com assuntos eminen- do PES, devido à sua complexidade inerente.

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A EVOLUÇÃO DA APLICAÇÃO DO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO SITUACIONAL NA
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA MUNICIPAL BRASILEIRA: O CASO SANTO ANDRÉ

Momento tático-operacional tação do PES pela falta de formalização dos vetores


de descrição de problemas, da divisão em fluxos,
Como se viu acima, há uma preocupação com o regras e acumulações, da definição dos nós críticos,
eficiente monitoramento do ambiente, que justifica da definição do vetor de resultados e, principalmen-
a implementação de um programa de gestão de te, do detalhamento do fluxo de análise situacional;
projetos. A visualização e a ação corretiva, bem co- a falta de implantação dos instrumentos do momen-
mo a prestação de contas relativas à sua participação to estratégico; a falta de clareza na atribuição da
no orçamento, caracterizam o recomendado a ser competência da sala de situações e do limite de
feito no momento tático-operacional do PES. As atuação dos agentes de planejamento; a falta de
mudanças de estrutura – novas secretarias e trans- revisão continuada do triângulo de governo.
formação da sala de situações em sala do plano e
sala da governabilidade – também se inserem nas No caso específico de Santo André, pôde-se
medidas recomendadas por Matus. Finalmente, constatar, pelo exposto nos itens 4 e 5, que o PES
conforme os entrevistados, três pontos são chaves se constituiu num mecanismo de modernização da
para que se obtenha a eficácia desejada do governo: gestão pública, trazendo significativo avanço na
área de planejamento e gestão estratégica do Mu-
• a qualidade do processo de planejamento es-
nicípio. Considere-se, ainda, que este avanço foi
tratégico;
alavancado pela inexistência de iniciativa sedimen-
• o acompanhamento dos projetos em anda- tada de planejamento estratégico anterior a 1990.
mento; No entanto, a falta de implementação de conceitos
básicos do método, como o desenho do fluxograma
• a verificação do desempenho do governo.
de análise situacional, da definição dos nós críticos,
No entender deles, os dois primeiros itens são dos vetores de descrição dos problemas e dos
satisfatórios e caminham para uma melhoria, en- vetores de resultados, compromete a análise mais
quanto que o terceiro ainda é uma nova frente a profunda da eficiência e a eficácia da metodologia.
ser encarada pelos governantes. Desde sua implantação, há 14 anos, até os dias de
hoje, a administração municipal ainda se ressente
de uma maior maturidade do processo de plane-
6. CONCLUSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS jamento e gestão, e de um engajamento maior nos
instrumentos do PES.
Dentre os principais benefícios obtidos com a
implantação do PES na administração municipal de Belchior (1999), em sua pesquisa, sugeriu uma
Santo André, podem-se destacar alguns: o detalha- incursão maior do método nas áreas ditas tático-
mento do programa de governo, suas ações e res- operacionais, de tal forma que todos os setores da
pectivas repercussões nas áreas financeira, admi- administração possam utilizá-lo efetivamente como
nistrativa e política da Prefeitura; o planejamento instrumento gerencial. Sugeriu, ainda, a necessi-
compartilhado por todas as áreas da organização, dade urgente da definição das variáveis do proces-
com a criação da figura do agente de planejamento; so de planejamento, divididas em controladas e
a coesão e a sinergia de equipes, verificadas após não-controladas, a fim de que competências e
a aplicação da metodologia; a possibilidade de a ações dentro da governabilidade da organização
organização definir critérios de prioridades e o rumo sejam efetivamente cobradas de seus respectivos
de governo em função delas; o acompanhamento atores, bem como sejam disparados mecanismos
efetivo e a concretização de projetos prioritários de acionamento de atores fora da governabilidade
de governo; o monitoramento das ações de go- municipal.
verno com a associação da secretaria de planeja-
mento estratégico e da coordenação de indicadores Entre os entrevistados, houve consenso num as-
socioeconômicos. pecto fundamental da gestão estratégica pública,
qual seja, o da definição de medidas de desempenho.
As dificuldades consideradas mais relevantes fo- Não foi encontrado, no referencial teórico do PES,
ram as seguintes: a dificuldade de trabalhar o vér- um instrumento explícito para criação e
tice da governabilidade; o viés trazido à implemen- acompanhamento de indicadores de desempenho.

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Hamilton Luiz Correa, Flávio Hourneaux Junior, Francisco Sobreira Netto e Antonia Egídia de Souza

Conforme os entrevistados, apenas um dos 38 pro- res, o BSC pode ser utilizado simultaneamente a
jetos em andamento, no ano de 2004, possuía al- outras ferramentas e técnicas, com benefícios que
gum tipo de indicador de desempenho, criado inde- podem advir da sua utilização integrada (KAPLAN
pendentemente dos instrumentos propostos pela me- & NORTON, 2001:156).
todologia. Esta ausência de indicadores se constitui
na principal crítica apontada pelos entrevistados para Avocando o entendimento de Selltiz et al. (1974),
a evolução e consolidação do PES em Santo André. descrito no item 2, de que um exemplo selecionado
pode sugerir novas intuições e novas hipóteses de
Para Corrêa (1986), as organizações públicas pesquisa, é que os autores formularam a seguinte
não realizam a mensuração e a avaliação de seu questão: sendo o PES uma metodologia de plane-
desempenho de forma adequada, para o que pro- jamento e gestão estratégica de órgãos de governo,
pôs uma metodologia específica. Esta afirmação cuja base teórica não contempla com clareza a for-
também encontra suporte em Kiesling (1967), Poole mulação de medidas de desempenho, mas dispõe
et al. (2000), Kaplan & Norton (2001) e Robinson de instrumentos eficientes de diagnóstico de pro-
(2003). Kaplan & Norton (2001) propuseram o blemas, formulação e implementação de estraté-
Balanced Scorecard – BSC como uma ferramenta gias, planejamento e gestão de projetos, entre
capaz de traduzir a visão e a estratégia das organi- outros; e o BSC, um método conhecido e bastante
zações no desenvolvimento de medidas de desem- estudado na iniciativa privada, de criação e
penho organizacional, em suas diversas divisões, acompanhamento de indicadores de desempenho
para a constituição de um painel de controle onde organizacional, por que não associá-los naquilo que
a organização possa ser monitorada e acompanha- cada um tem de mais positivo? Poderia o método
da segundo critérios financeiros e não-financeiros. do BSC ser complementar ao método do PES, em
Como colocaram Kaplan & Norton apud Nørreklit órgãos do setor público?
(1999:68), outra vantagem da utilização do BSC se-
ria o seu uso como sistema de controle estratégico, A hipótese de uma solução híbrida PES-BSC não
além do natural emprego como sistema de mensu- pôde ser confirmada com o estudo de caso da
ração, sendo que, dentre outros, obter-se-ia como Prefeitura Municipal de Santo André, mas não in-
benefício adicional, além daqueles citados anterior- valida novas pesquisas em outros órgãos da Ad-
mente, o estabelecimento de uma relação entre ministração Pública, que façam a opção por uma
objetivos estratégicos e metas de longo prazo e os metodologia de planejamento e gestão estratégica
orçamentos anuais. Assim, a implantação do BSC voltada para as especificidades do setor de
poderia ser utilizada, também, para o controle es- governo, associada à outra metodologia, esta vol-
tratégico do processo orçamentário (KAPLAN & tada ao desenvolvimento de medidas de desem-
NORTON, 2001:152). Além disso, segundo os auto- penho organizacional.

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A EVOLUÇÃO DA APLICAÇÃO DO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO SITUACIONAL NA
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