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Dados do Projeto de Pesquisa

Título do Projeto de Natureza, Cultura e Matematização do Conhecimento


Pesquisa: em Ernst Cassirer

Grande área/área Humanas


segundo o CNPq
(https://goo.gl/JB3tAs):
Grupo de Pesquisa Filosofia da Cultura - FILCUL
vinculado ao projeto:
Linha de pesquisa do Éticas e Epistemologias da Cultura
grupo de pesquisa
vinculado ao projeto:
Categoria do projeto: ( ) projeto em andamento, já cadastrado na PRPI
( ) projeto não iniciado, mas aprovado previamente
( x ) projeto novo, ainda não avaliado
Palavras-chave: Natureza; Cultura; Matematização; Cassirer

1. INTRODUÇÃO

A pesquisa que aqui propomos abordará, a partir de uma releitura do pensamento


de Ernst Cassirer, algumas implicações e repercussões filosóficas de um dos principais
legados do pensamento moderno, a saber: o processo de matematização do conhecimento.
Nosso problema central é o de saber se o procedimento de matematização se limita aos
objetos circunscritos à natureza ou se seu modus operandi pode se constituir também
como modelo de valoração epistêmica para aquilo que o próprio Cassirer chama de
Ciências da Cultura. Entendemos por valoração epistêmica a possibilidade de se emitir
juízos comparativos sobre a relação entre diferentes ciências ao ponto de se aferir que um
determinado modo de conhecer é mais avançado do que outro. Trata-se, portanto, de um
retorno, à luz da antropologia filosófica de Cassirer, à questão bastante presente no debate
intelectual europeu, ainda no século XIX, entre as distinções em torno das chamadas
Ciências da Natureza e das Ciências do Espírito.
Por mais que na primeira metade do século XX, época em que Cassirer desenvolve
seu pensamento, as humanidades estivessem com suas diferenças relativamente bem
demarcadas frente às ciências naturais, o problema se repõe na medida em que o próprio
Cassirer assume para si a tarefa de superar a fragmentação da razão que, desde Hegel, só
se aprofundou (VERENE, 2000, p. 8). Na década de 1920, seu programa, conhecido como
Filosofia das Formas Simbólicas, consistiu na tentativa de interpretar todos os esforços
teóricos da razão a partir de uma unidade sistemática que poderia ser demonstrada
enquanto condição transcendental de cada uma das formas simbólicas.
Ao considerarmos que a ciência matematizada, em especial a física, parece
avançar em uma velocidade ainda não alcançada pelas ciências da cultura, é necessário
investigar quais são as razões para tal descompasso. Nesse sentido, procuraremos analisar
como Cassirer entende a interferência do processo de matematização do conhecimento
nesta relação. Em um artigo intitulado As ciências naturais e as ciências humanas,
Thomas Kuhn, ao revisar a formação de seu pensamento, reconhece a influência de

1
Cassirer sobre a sua obra e, ao mesmo tempo, problematiza:

Em particular, se não me falha a memória, li alguns dos ensaios


metodológicos de Max Weber, então recentemente traduzidos por Talcott
Parsons e Edward Shils, bem como alguns capítulos relevantes de Essay on
Man [Ensaio sobre o homem], de Ernst Cassirer. Fiquei entusiasmado e
encorajado pelo que neles encontrei. Esses autores eminentes estavam
descrevendo as ciências sociais de modo estreitamente paralelo ao tipo de
descrição que eu esperava fornecer para as ciências físicas. Talvez eu
tivesse mesmo percebido algo valioso. Minha euforia, contudo, era
regularmente arrefecida pelos parágrafos finais dessas discussões, que
lembravam aos leitores que suas análises aplicavam-se somente às
Geisteswissenchaften, às ciências sociais. “Die Naturwissenchaften”,
proclamavam alto e bom som seus autores, “sind ganz anders”(“As
ciências naturais são inteiramente diferentes”). O que então se seguia era
uma explicação relativamente padrão, empirista e quase-positivista das
ciências naturais, a imagem mesma que eu esperava descartar (KUHN, p.
265-266, 2006).

Ernst Cassirer (1923), em Substância e Função, aponta uma transformação de


perspectiva teórica nas ciências naturais como expressão de um amadurecimento da razão
que começa a construir conceitos mais funcionais e menos substantivos. O que significa
dizer que o desenvolvimento do conhecimento científico se tornou mais autônomo frente
às especulações filosóficas pelo fato de ter se assentado em um modo de engendrar
conceitos mais formais e abstratos, com menores compromissos metafísicos e mais
autônomos frente à percepção sensível. O idealismo de Cassirer, assim, realiza uma
revisão do pensamento científico moderno a partir dessa chave de leitura: a história da
ciência empírica é a história de sua própria formalização e este processo, por sua vez,
consiste, noutras palavras, no desdobramento das determinações da razão matemática. O
conhecimento científico avança na medida exata de sua matematização. Os fenômenos
naturais, na modernidade, passam a ser explicados no interior de uma estrutura simbólica
que se constitui, ideal e historicamente, na medida em que a matemática se desenvolve,
ampliando assim sua capacidade de criar novas relações racionais, estritamente
funcionais.
O processo de racionalização moderna só foi possível em virtude do esforço
conceitual que o pensamento realizou durante o renascimento italiano que, por sua vez,
estabeleceu as bases da noção de uma subjetividade livre e ávida por descobrir as leis
necessárias que regem os fenômenos naturais, descolando assim a razão de uma
interpretação teológica, afastando-a do pensamento mágico. A filosofia do renascimento
entregou à modernidade as condições teóricas para que se enfrentasse o problema da
relação entre a liberdade do conhecimento e a necessidade das leis naturais. O sujeito
finito tinha diante de si, então, a tarefa de construir os meios teóricos que lhe dessem o
acesso à regularidade do mundo sem cair nas armadilhas do pensamento mágico que,
durante todo o período medieval, contaminou a astronomia e a química, por exemplo.
É fundamental ressaltar que, para Cassirer, este mesmo movimento de
amadurecimento da razão teórica, no âmbito da investigação da natureza, replicou-se
também na esfera da razão prática. Em seu último livro, O Mito do Estado, publicado
postumamente em 1946, Cassirer mostra que o pensamento político moderno passou pelo
seu momento de desmistificação a partir de Maquiavel “que culmina na doutrina do
direito natural e em sua luta contra o absolutismo político”. (FAVUZZI, p.192, 2017).
Chegando ao ponto alto da pretensão de racionalização com Grotius e Leibniz que teriam

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pretendido uma “matemática da política” cuja tarefa seria a de demonstrar que as normas
da vida social poderiam ser justificadas como o mesmo grau de rigor e objetividade
encontrada em qualquer proposição matemática (FAVUZZI, p.192-193, 2017).
Entretanto, a razão matemática, que opera a partir de relações formais e quantitativas,
parece ter se desenvolvido muito mais quando atua simbolicamente sobre a natureza do
que quando opera sobre o mundo político, na esfera da cultura.
No intuito de determinar melhor as mediações que compõem nosso problema de
pesquisa, fazem-se necessárias algumas observações gerais sobre o programa teórico de
Cassirer o qual se apresentou de forma mais acabada no final da década de 1920 com a
publicação dos três volumes de sua Filosofia das Formas Simbólicas. Por se tratar de um
pensador sistemático, é importante situarmos nossa questão de pesquisa no todo de sua
filosofia, evitando o risco de propor um percurso expositivo desviado e sem relação
orgânica com o programa de Cassirer. Pois bem, como é de se esperar de um pensador
cujas pretensões são sistemáticas, Cassirer propõe um novo ponto de Arquimedes para a
filosofia, qual seja: a noção de símbolo. Em seu entender, o homem é um animal
fundamentalmente simbólico, sendo este o traço distintivo que marca sua antropologia.
Diferentemente dos demais animais, somente ao homem é possível a expressão simbólica
de seu meio, sendo justamente mediante o simbolismo, função apriorística básica sobre a
qual se funda a subjetividade, que se pode demarcar o âmbito da experiência possível. A
razão humana, portanto, opera sempre simbolicamente, não sendo possível
conhecer/constituir o mundo fora do simbolismo (BRAGA, p. 47, 2012).
Ainda seguindo a orientação de Kant, mas consciente dos limites de seu mestre,
Cassirer defende que a crítica da razão deve se tornar uma crítica da cultura, a diferença
central entre a segunda e a primeira está no que ambas assumem como sendo os limites
da experiência, da esfera dos fenômenos. Enquanto para Kant a realidade fenomênica
estaria circunscrita à natureza, para Cassirer a experiência objetiva deveria ser alargada
na medida em que se reconhece que a razão se manifesta de diversos modos, constituindo
assim uma noção de objetividade relativa a cada uma das formas simbólicas. Ao Espírito
é possível construir versões objetivas daquilo que se concebe como realidade à luz de
uma experiência que é sempre relativa aos diferentes modos de simbolizar. Por isso, a
função simbólica vem se mostrando, historicamente, capaz de engendrar realidades
múltiplas, sobre aspectos diversos do real (CASSIRER, 2001, p.22).
Nesses termos, Cassirer desdobra a racionalidade moderna sobre dois aspectos:
em primeiro lugar, retira do conhecimento científico (forma simbólica particular) a
exclusividade da experiência objetiva; em segundo lugar, fornece uma solução epistêmica
para o problema “unidade-pluralidade do conhecimento”, pois, diante da necessidade e
do apriorismo da função simbólica originária, reconhece a liberdade da razão em poder
operar objetivamente nas formas da linguagem, do mito, da religião, da ciência e da arte,
por exemplo (CASSIRER, 2001, p.39).
A função simbólica seria o fundamento formal e ideal a partir do qual se explica
a origem das manifestações objetivas que compõem a totalidade da cultura. A consciência
subjetiva constrói simbolicamente o mundo, criando este mesmo mundo em diferentes
estruturas racionais. Não seria estranho a Cassirer, considerando algumas passagens de
suas obras, se afirmássemos que o processo de constituição da consciência, e do mundo
por ela criado, deu-se mediante estágios de desenvolvimento, entretanto, as formas
simbólicas que correspondem a esses estágios, contrário ao que pode parecer e ao que
sugere Thomas Kuhn, não se relacionam de forma linear e cumulativa, mantendo assim
uma espécie de simetria epistêmica entre as diferentes formas simbólicas, sejam elas as

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ciências naturais ou as ciências da cultura.
Quando a consciência passa de sua forma mítica a sua forma científica não
significa dizer que a ciência superou o mito. Ou, quando a ciência matematizada apresenta
relações racionais que extrapolam o limite da linguagem ordinária, não estaríamos
autorizados a concluir que o formalismo matemático superou a linguagem comum. O
simbolismo de Cassirer atua no humano como uma energia vital que se radia em muitas
direções que, em determinados momentos da história, amadurecem em formas racionais
constituídas e não excludentes, apesar de diversas. Assim, seria possível defender que não
há, em Cassirer, uma hierarquização das formas simbólicas, ou seja, o conhecimento
sobre a natureza não procede em um regime epistêmico privilegiado, por ser
matematizado, frente ao conhecimento dos objetos culturais. A tarefa teórica que ele nos
coloca parece não privilegiar uma forma simbólica supostamente mais avançada em
detrimento de uma menos desenvolvida (CASSIRER, p.34, 2011) e (CASSIRER, 2001,
p.64).
A passagem do simbolismo da linguagem comum ao simbolismo matemático,
quando do desenvolvimento da ciência empírica, deu-se pelo fato de que a razão se viu
diante das insuficiências das conceituações linguísticas incapazes de expressar a
complexidade dos fenômenos. Na modernidade, à razão não era mais suficiente apenas
nomear e classificar os objetos da percepção sensível, era preciso agora se desdobrar
numa forma de simbolismo que engendrasse explicações mais abstratas e complexas
acerca dos fenômenos da natureza. Por isso, a matemática se apresenta como um modo
diferente de simbolizar que, em virtude de seu funcionamento próprio, pode expressar a
necessidade das leis naturais, alcançado assim um nível de racionalidade impossível à
linguagem. Do mesmo modo, o simbolismo mítico é incapaz de construir relações que
são básicas ao conhecimento científico, restando à razão, por conseguinte, a tarefa de se
desdobrar numa forma simbólica mais sofisticada sob certos aspectos. Considerando que
o meio de expressão das ciências da cultura é basicamente o simbolismo da linguagem
comum, a questão que se impõe é de saber o conhecimento sobre os objetos culturais já
se mostraria, de saída, deficitário frente ao conhecimento da natureza.
Apesar de, como vimos, Cassirer resguardar as especificidades dos modos de
simbolizar da razão, evitando um tratamento hierárquico entre eles e sugerindo certa
incomensurabilidade na comparação entre tais formas simbólicas, tendo em vista que
cada uma constrói sua zona particular de significação, em Ensaio sobre o homem, obra
de maturidade e na qual Cassirer resume seu pensamento, encontramos afirmações
aparentemente divergentes a esta ideia de incomensurabilidade das formas simbólicas, as
quais supomos serem aquelas que incomodaram Thomas Kuhn:

A ciência é a última etapa do desenvolvimento mental o homem,


e pode ser vista como a mais alta e mais característica façanha da cultura
humana. É um produto recente e requintado, que só se pôde se desenvolver
sob condições especiais (...) não existe nenhum segundo poder no nosso
mundo moderno que possa ser comparado ao do pensamento científico.
Este é proclamado como o ápice e a consumação de todas as nossas
atividades humanas, o último capítulo da história do gênero humano e o
tema mais importante de uma filosofia do homem (CASSIRER, p.337,
1994).

Destarte, chegamos a um conjunto de questões propedêuticas ao nosso problema


de pesquisa, a saber: é possível, a partir de Cassirer, valorar uma forma simbólica diante
de uma outra? A matematização do conhecimento significaria uma evolução epistêmica

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diante das realidades expressas pela razão em suas formas mítica, linguística e histórica,
por exemplo? Assim como o conhecimento científico opera na direção da construção de
leis naturais, as ciências da cultura deveriam ensejar leis espirituais? Não poderíamos
dizer que a própria antropologia filosófica, defendida por Cassirer, o todo de seu
programa, já não seria uma ciência da cultura manifesta, na medida em que expressa a
unidade sintética, funcional e simbólica, de todas as formas de expressão da razão?
A questão que aqui se coloca é a de saber se há algum tipo de comensurabilidade
entre as diferentes formas simbólicas que, ao serem comparadas, justificar-se-ia a
primazia do conhecimento científico matematizado, tal qual Cassirer sugere em Ensaio
sobre o Homem. Se a ciência, por sua vez, atuaria como uma espécie de ideal simbólico
da razão em geral, servindo de modelo de valoração epistêmica às ciências da cultura e a
todas as demais formas simbólicas, contrariando assim, as expectativas de Thomas Kuhn.
Pois, ao que nos parece, Kuhn esperava que Cassirer explicasse o funcionamento das
ciências naturais sem postular nenhuma assimetria diante das ciências culturais.
Ao respondermos essas perguntas, teremos pistas importantes para a solução do
nosso problema de pesquisa. Caso Cassirer reconheça que o limite de sua filosofia está
apenas na explicitação das condições de possibilidade das formas simbólicas particulares,
dentre as quais estaria a ciência natural e a história, por exemplo, não havendo como
julgá-las com o intuito de apontar qual delas seria a mais ou menos desenvolvida em
termos evolutivos e cumulativos, neste caso, a matematização não poderia ser assumida
como procedimento modelo de valoração epistêmica das formas simbólicas. Por outro
lado, se se reconhece que somente à matemática foi possível aprofundar os conceitos em
termos funcionais, libertando a razão da percepção sensível e de compromissos
metafísicos, um tratamento teórico simétrico das formas simbólicas estaria
comprometido. Tentando resolver a questão, Donald Verene afirma:

Na visão de Cassirer, uma área da experiência humana não é mais


simbólica do que outra. Toda experiência humana depende da distinta
capacidade humana de formar o mundo através da mediação dos mitos e
das imagens estéticas, as palavras das linguagens naturais e os sistemas de
notações e números como os encontrados na matemática e ciências. [...] A
tarefa da filosofia da cultura, para Cassirer, é entender e articular um
sentido do todo, preservando a integridade de cada forma simbólica.
(VERENE, p. 8, 2000).

Mesmo concordando com a impressão geral de Verene sobre o pensamento de


Cassirer, o problema persiste porque o que questionamos não é exatamente se uma forma
é mais simbólica do que a outra, mas se é possível comparar tais formas simbólicas e
valorá-las a partir de algum tipo de hierarquização epistêmica, ao ponto de afirmar que a
ciência natural matematizada é uma forma de simbolização mais avançada do que as
ciências da cultura. Que ambas só são o que são em virtude do fato de serem expressões
simbólicas, isso não se questiona. O que não nos parece claro é se os tipos de
funcionamento que as marcam, cada um operando no interior de sua zona particular de
sentido, revela alguma espécie de vantagem epistêmica de uma diante da outra. Seria
possível dizer, sob algum aspecto, que o simbolismo matemático da ciência natural gera
uma versão do mundo mais madura e mais acabada do que o mundo das ciências do
espírito?

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2. OBJETIVOS

2.1 Objetivo Geral: Investigar o problema da distinção entre Ciências Naturais e


Ciências da Cultura no pensamento de Ernst Cassirer à luz do processo de matematização
do conhecimento, visando esclarecer a relação epistêmica das formas simbólicas no
interior de sua antropologia filosófica.

2.2 Objetivos Específicos:

• Reconstruir as condições teóricas que possibilitaram a matematização do conheci-


mento na modernidade;
• Mostrar como o processo de matematização do conhecimento perpassou, na moder-
nidade, tanto a razão teórica quanto a razão prática;
• Evidenciar a centralidade da noção de função simbólica na filosofia de Cassirer;
• Analisar qual a repercussão da distinção entre conceito-substância e conceito-função,
proposta por Cassirer para a Filosofia das Formas Simbólicas;
• Analisar como a noção de percepção em Cassirer é central para que se compreenda a
diferença entre Ciências Naturais e Ciências da Cultura.

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3. METODOLOGIA

Investigar as diferenças e as aproximações entre ciências da natureza e ciências


da cultura, a partir da obra de Cassirer, tendo como fio condutor o problema da
matematização do conhecimento frente aos diversos modos de operação das formas
simbólicas, é recolocar a teoria do conhecimento diante da dificuldade filosófica de
conciliar o relativismo cultural, reconhecido como “fato” na contemporaneidade, e a
pretensão sistemática que herdamos da modernidade.
Esta pesquisa, ao tratar das tensões inerentes às formas de expressão simbólica,
portanto, de constituição do ser cultural e do ser natural, oferece uma oportunidade de
explicitarmos em que medida não é mais possível falar de ontologia sem assumir a
pluralidade significativa enquanto um aspecto que lhe é constitutivo. Como
evidenciaremos nesta seção, através do apontamento de parte da bibliografia com a qual
iremos trabalhar, bem como do percurso metodológico no qual apostaremos, ver-se-á que
todo o esforço filosófico engendrado pelo pensamento de Cassirer vai no sentido de
mediar noções-chave da tradição ocidental tais como: ciência, cultura, método, ser,
interdisciplinaridade, politica, dentre outras.
Para a consecução da pesquisa, realizamos um vasto levantamento bibliográfico,
entre fontes primárias e fontes secundárias, organizando-o de acordo com cada momento
que irá compor nosso percurso expositivo. Entretanto, para finalizamos então, indicamos
suscintamente, quais pistas bibliográficas, das fontes primárias, seguiremos ao longo do
trabalho propriamente dito. Inicialmente, iremos reconstruir a atmosfera conceitual na
qual a racionalidade científica moderna se desenvolveu, seguindo a leitura que Cassirer
propõe em torno do renascimento italiano em sua obra O indivíduo e o cosmos na
Filosofia do Renascimento. Neste primeiro momento, interessa compreender como a
ciência natural moderna se forma sobre o legado do pensamento renascentista que, após
todo o esforço em se distanciar do horizonte teológico do medievo, entrega a ideia de uma
subjetividade livre que tem diante de si a tarefa de desvelar as leis necessárias que
ordenam a natureza.
Na sequência, em diálogo direto com o volume III da Filosofia das Formas
Simbólicas e com a parte II do Ensaio sobre o Homem, justificaremos como o processo
de matematização do conhecimento se tornou a marca fundante da ciência natural na
modernidade em virtude seu funcionamento simbólico, o qual se caracterizou por um
modo particular de formar conceitos funcionais em detrimento da tradição metafísica que,
por sua vez, insistiu na formação de conceitos atrelados à noção de substância. Cassirer
assumiu a tese da distinção entre conceito-função e conceito-substância desde seus
escritos intermediários, datados da segunda década do século XX.
Após o desenvolvimento das mediações relativas ao que podemos chamar de
razão teórica, voltada para o âmbito da natureza, passamos ao O mito do Estado, obra
póstuma, com o objetivo de examinar quais foram as dificuldades enfrentadas pela razão
prática ao longo da modernidade que, de algum maneira, lhe impuseram, em seu processo
de racionalização, um caminho diferente do que fora traçado pela ciência natural
matematizada. Talvez encontremos os motivos históricos e conceituais que explicariam o
porquê da racionalização sobre as ações humanas não ter se matematizado. Por fim,

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retornamos ao Ensaio sobre o Homem, visando especificamente entender o
funcionamento da forma simbólica história, em articulação com os seus cinco estudos
que compõem uma outra obra de maturidade, a saber, A Lógica das Ciências Culturais.
Aqui, esperamos encontrar os elementos que nos ajudarão a construir uma distinção
precisa entre Ciências Naturais e Ciências da Cultura. Partimos da suspeita que a
diferença capital entre ambas se assenta na compreensão da noção de percepção.

4. PRINCIPAIS CONTRIBUIÇÕES CIENTÍFICAS, TECNOLÓGICAS OU DE


INOVAÇÃO DO PROJETO

Somando-se à preocupação exegética, comum a uma pesquisa filosófica, nossa


pretensão é também reunir elementos a partir dessa temática, e dada a atualidade do
problema, que possam subsidiar o desenvolvimento paralelo, a quem interessar, de uma
leitura conjuntural da questão em torno dos limites do conhecimento na
contemporaneidade. Vale dizer que ainda no século XXI, a pretensão de cientificidade
das ditas ciências humanas vem sendo sistematicamente questionada tanto por governos
de matriz autoritária quanto pelo senso comum menos ilustrado. Tal resistência tem
ganhado repercussões nos mais diversos continentes sob os mais diferentes argumentos,
seja no Japão1, com o fechamento de cursos de graduação que compõem as humanidades,
tendo em vista as necessidades da vida contemporânea, seja no Brasil, onde o ataque
direto às humanidades se dá por meio de posições institucionais que partem do próprio
governo federal, sob a alegação de que elas não passariam de mera ideologia de esquerda.
É importante destacar que, não por acaso, Cassirer, em 1940, exilado e no auge dos
regimes nazifascistas, apressa-se para terminar a redação de sua Lógica das Ciências
Culturais e do quarto volume de O Problema do Conhecimento no intuito de apresentar
uma saída sistemática para a crise2 do conhecimento, marca de seu tempo, a qual se
aprofundava justamente em um contexto de autoritarismo político (LOFTS, 2000, p. 8-
9).
É oportuno retomar o esforço de Cassirer para entender a relação entre ciências
naturais e ciências culturais e investigar se as especificidades do conhecimento sobre a
produção espiritual relevariam algum tipo de deficiência em seus resultados. Seria a
matematização o único caminho seguro para as ciências da cultura, assim como parece
ser o caso das ciências naturais?3 Se a matematização não for possível ao âmbito das
ciências culturais, estaria revelado algum tipo de limite estrutural interno a estas,
obliterando assim sua pretensa objetividade? Respondidas estas e outras questões que
serão colocadas ao longo da pesquisa, poderemos avaliar a possibilidade de um

1
https://oglobo.globo.com/sociedade/governo-japones-pede-cancelamento-de-cursos-de-humanas-
em-universidades-17506865 (acesso em: 16/03/2020).
2
Esta crise não é apenas teórica, mas também ética e cultural.
3
Sob a influência de Natorp, Cassirer estende o escopo do método transcendental para a pluralidade das
ciências culturais, distanciando-se assim do neokantismo da Escola de Marbugo, mas, diferente do pri-
meiro, como pretendo mostrar, não assume o primado da física-matemática enquanto modelo ideal de ci-
ência. “Assim, apesar do pluralismo que Natorp introduz com sua nova perspectiva transcendental, o mo-
nismo hierárquico, próprio do cientificismo fisicalista neokantiano, segue mantendo o primado. Neste
ponto, Cassirer introduzirá uma modificação decisiva” (PORTA, 2011, p.52).

8
tratamento sistemático que reúna as ciências naturais e as ciências culturais dentro de uma
concepção não fragmentada do conhecimento.
Assim, as principais contribuições do presente esforço de pesquisa giram em torno
da própria relação conceitual e metodológica que permeia esses dois grandes campos
científicos. Ao fim da pesquisa, será possível um exame mais acurado dos diversos
sentidos de objetividade que marcam as ciências, além de viabilizar a compreensão
histórica de formação de seus conceitos fundantes. Demonstraremos que o retorno aos
textos de Cassirer se justifica por sua atualidade e pertinência filosófica.

5. CRONOGRAMA DE EXECUÇÃO DO PROJETO

As atividades a serem realizadas pelo estudante são:

AT1. Reuniões Semanais;


AT2. Grupo de Estudos;
AT3. Levantamento bibliográfico;
AT4. Revisão bibliográfica (fichamentos, resenhas e análise de textos);
AT5. Preparação/Publicações;
AT6. Elaboração e envio do relatório final individual.

Nº 2020 2021
08 09 10 11 12 01 02 03 04 05 06 07
AT1 X X X X X X X X X X X X
AT2 X X X X X X X X X X X X
AT3 X X X X X
AT4 X X X X X X X
AT5 X X
AT6 X

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6. REFERÊNCIAS

AMARAL, Lucas Alessandro Duarte. Ernst Cassirer e o caráter sui generis de sua
abordagem metodológica em torno a um aspecto do Faktum da ciência: um estudo
sobre a recepção do logicismo em Substanzbegriff und Funktionbefriff. 2018. 126 f. Tese
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conceito de forma simbólica. DEDiCA. REVISTA DE EDUCAÇÃO E
HUMANIDADES, 3 (2012) março, 43-60.
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CASSIRER, Ernst. A Filosofia das formas simbólicas vol. I – A linguagem. Tradução:
Marion Fleischer. Editora Martins Fontes, São Paulo, 2001.
CASSIRER, Ernst. A Filosofia das formas simbólicas vol. II – O Pensamento Mítico.
Tradução: Flávia Cavalcanti, Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2004
CASSIRER, Ernst. A Filosofia das formas simbólicas vol. III - Fenomenologia do
conhecimento, trad. Eurides Avance de Souza, ed. Martins Fontes, São Paulo, 2011.
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Symbolic Forms , trad. John Michael Krois, ed. Yale University Press, Pennsylvania,
1996.
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Chicago, 1953.
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10
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