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1669 5013 1 PB
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Marildo Menegat
Professor Adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ
“Ele [o valor] passa continuamente de uma ocidental, como por exemplo, as do jovem
forma para outra [D-M-D], sem perder-se
Lukács em História e consciência de classe. Elas
nesse movimento, e assim se transforma num
sujeito automático. [...] o valor se torna pressupõem que a lei do valor é a
aqui o sujeito de um processo em que ele [...]
intencionalidade determinante na
modifica a sua própria grandeza [...]”.
(Marx, O capital, op. cit. p. 130). organização e estruturação da tessitura do
real. Tal lei, cuja imposição e forma
O sujeito referido nesta passagem não
constitutiva do ordenamento da vida social
é um mero uso de uma figura de linguagem
é totalmente abstrata – isto é, vem de fora,
por parte de Marx, mas a clássica noção de
é externa, aparentando ser “sobre-natural”
que sujeito é um substrato que sustenta
etc. -, opera como um legítimo a priori.
algo. Este sentido se faz presente na
Esta afirmação pode soar contraditória
afirmação de que ele é o “sujeito de um
com uma abordagem materialista, mas
processo”. Portanto, este ponto de partida
deixa de ser quando lembramos que Marx,
parece ser apropriado, uma vez que o que
reiteradas vezes, ao explicar o fetichismo
Marx explica nesta passagem é justamente a
da mercadoria, observa que o valor é uma
constituição da forma social moderna
metafísica que se realiza efetivamente no
como produtora de mercadorias. Como é
cotidiano. A sociedade burguesa tem esta
sabido, no duplo caráter da mercadoria se
característica – ademais, presente também
faz presente tanto a necessidade humana,
nas formações sociais anteriores - de ser
seja ela “natural ou espiritual”, como a
governada por forças sociais alheias a livre
intencionalidade [forma] social que governa
escolha e ao conhecimento comum de seus
a produção e realização destas
membros. A subjetividade reificada, ou
necessidades. Deste modo, parece estar
seja, a coisificação das relações humanas,
fortemente sustentada na realidade a
como nos mostrou Lukács, na referida
reflexão de que o valor é o sujeito do
obra, é o resultado mais contundente desta
processo social neste modo de produção1.
situação. Ela indica que os seres humanos
Derivaram deste marco teórico
são apenas o suporte - a coisa (res) - por
análises importantes no marxismo
meio da qual as relações sociais se realizam,
1 O que se discute aqui é tão somente a dimensão e que o verdadeiro sujeito destas relações é
do sujeito no processo social, que tem implicações
nas diferentes ciências humanas e sociais, mas o valor que move o mundo das
não anula outras dimensões do sujeito estudadas mercadorias.
nestas mesmas disciplinas ou mesmo na
psicanálise. Em síntese, a preocupação é o estudo
da lógica da vida social na sua totalidade - em que
o entendimento dos indivíduos que nela tomam
lugar permanece alheio a sua dinâmica -, e não em
suas partes que, como sabemos, não são isoladas,
mas guardam suas especificidades.
mas de uma constatação. (Aqui se abre um capitalista como uma luta ao redor dos
limites da jornada de trabalho – uma
bom espaço para a polêmica acerca da
luta entre o capitalista coletivo, e o
dialética positiva. O capitalismo poderia se trabalhador coletivo, ou a classe
trabalhadora” (Marx, op. cit. p. 190).
auto-destruir sem que fosse substituído por
outra forma social superior? A teorização
da barbárie, quando este termo não é usado
FENOMENOLOGIA E HISTÓRIA
como mero adjetivo, concebe este
DA FORMAÇÃO DE UM SUJEITO
pressuposto como uma possibilidade em
DE NEGAÇÃO
curso no processo histórico). Tudo indica
que a Marx as enormes potencialidades da
Seria um empobrecimento
sociedade burguesa seriam aproveitadas
estruturalista da dialética em Marx tomar o
positivamente. Os sinais neste sentido eram
sujeito que viria a negar o capital como
razoavelmente promissores. É nesta
algo dedutível da lógica desta forma social
perspectiva que no capítulo VIII de O
e, por isso, dado aprioristicamente. Ele
capital ele se refere a uma importante
deve se formar no processo, e como tudo
transformação qualitativa da força de
que está em processo guarda sempre como
massas (trabalhador coletivo) que ocorreu
uma tensão interna a possibilidade do seu
na segunda metade do século XIX, que de
inverso. Na reconstrução da história que
uma força em si e para o capital, começava
vai da experiência de 1848 até às vésperas
a dar seguros sinais da sua formação numa
da grande crise de 1914-1945, a formação
força para si mesma:
deste sujeito pode ser constatada na
plenitude desta sua tensão, seja nos países
“[...] abstraindo limites extremamente
centrais, assim como em diversos países
elásticos, da natureza do próprio
intercâmbio de mercadorias não periféricos.
resulta nenhum limite a jornada de
Talvez tenha sido Karl Korsch, no seu
trabalho, portanto, nenhuma limitação
ao mais trabalho. [Quando o vendedor Marxismo e filosofia4, o primeiro a teorizar o
da mercadoria força de trabalho impõe
significado da passagem das formas
limites ao comprador] Ocorre aqui,
portanto, uma antinomia, direito espontâneas de rebelião, que foram
contra direito, ambos apoiados na lei
comuns durante o largo período da
de intercâmbio de mercadorias. Entre
direitos iguais decide a força. E assim a acumulação primitiva de capital, para as
regulamentação da jornada de trabalho
novas formas de luta social, iniciadas com
apresenta-se na história da produção
o novo regime da acumulação nascido da
Sobre este tema ver Menegat, M Depois do fim do
mundo: a crise da modernidade e a barbárie. Rio
de Janeiro: Relume Dumará, 2003; e O olho da 4 Cf. KORSCH, K. Marxismo e filosofia. Rio de
barbárie. São Paulo: Expressão Popular, 2006. Janeiro: EDUFRJ, 2008.
problema de eficiência dentro desta mesma lógica desiguais. Restou aos países periféricos se
social.
13
Como e o que unirá estas massas encontram-se integrados e impotentes.
díspares, com questões distintas, é um Ele pretende também dar conta do modo
desafio teórico e uma equação prática da em que este processo se realiza, que é a
maior importância para o futuro. imensa violência cotidiana. Tal violência
Propomos aqui, a título provisório, o consiste numa cifra da desagregação dos
conceito de formação de massas12 para se laços sociais e da complexificação da
pensar alguns aspectos desse processo. Na construção de processos coletivos para
atual situação histórica em que o uma ação anticapitalista.
capitalismo maduro tornou plenas “as A falência e desmonte de parte do
potências da riqueza” e inutiliza boa parte aparelho de Estado, aquela responsável
das massas que outrora proletarizou à pelas funções sociais, e o enfraquecimento
força, cuja existência agora não requer mais da política parlamentar, onde se faziam as
como força de trabalho, estas massas mediações racionais do confronto entre as
apenas sobreviverão se vierem a se classes, reduzem o horizonte de ações que
constituir em formas de ação política de possam dar alguma satisfação às demandas
novo tipo. Este é o objetivo com o uso dessas massas. Se não existirem estas novas
deste conceito de formação de massas em formas de organização social que aqui nos
tempo de barbárie: o de pretender indicar referimos, que possam dar um outro
as bases sociais para a constituição de um encaminhamento para a saída da crise, esta
possível caminho para um processo de tende a se produzir como o declínio de
transformação no momento em que o toda a sociedade, até um ponto em que a
capitalismo começa a desmoronar e a se própria saída será impossível14.
tornar uma ameaça iminente para a
existência da humanidade e do planeta.
Este conceito abarca o fato de que uma 13 “[...] a lei que mantém a superpopulação
relativa ou exército industrial de reserva sempre
parcela cada vez mais significativa da em equilíbrio com o volume e a energia da
população seguirá existindo na condição de acumulação prende o trabalhador mais
firmemente ao capital do que as correntes de
exército industrial de reserva (isto é, Hefaísto agrilhoaram Prometeu ao rochedo”.
MARX, K. O capital, t. I, vol. 2, p. 210.
excedente, sobra), portanto, à margem do 14 Cf. MARX, K. e ENGELS, F. “Manifesto do
partido comunista”, in: Obras Escolhidas, Tomo
mundo do trabalho; e os coveiros I. Lisboa: Edições Avante, 1982, pp. 106-7: “A
“naturais” da sociedade burguesa história de toda sociedade até hoje é a história de
luta de classes. [...] em suma, opressores e
oprimidos, estiveram em constante antagonismo
entre si, travaram uma luta ininterrupta, umas
vezes oculta, aberta outras, uma luta que acabou
12 Para uma exposição mais aprofundada deste sempre com uma transformação revolucionária de
tema ver MENEGAT, M “Sem lenço nem aceno toda a sociedade ou com o declínio comum das
de adeus”. classes em luta”.
15 Cf. PAIXÃO, M.; CARVANO, L.M. et. all. Ao exigir do Estado os recursos para a
“Contando Vencidos: diferenciais de esperança de sobrevivência dos desempregados, o
vida e de anos de vida perdidos segundo os grupos
de raça/cor e sexo na Brasil e grandes regiões”; in:
Saúde da população negra no Brasil. Brasília:
Funasa, 2005, pp. 49-189. 17 Cf. MARRO, K. De luchas, movimientos y
16 Cf. MENEGAT, E., op. cit. Em especial conquistas sociales: reflexiones a partir de la
“Sobre a formação dos sem propriedade na experiência del MTD de Solano. Rosário:
periferia do ocidente”, pp.175 e ss. Universidad Nacional de Rosário, 2006.