Você está na página 1de 13

(Des)subjetivação em dispositivos midiáticos online:

o (des)controle dos algoritmos e as subjetividades numéricas1

SALGADO, Tiago2
Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)/Minas Gerais

Resumo: Este trabalho investiga a produção de subjetividades numéricas por meio de


processos de dessubjetivação implicados nas relações entre as ações de algoritmos em
dispositivos midiáticos online e as pessoas que os utilizam. Entendemos que a produção
dessas subjetividades está atrelada ao controle algorítmico dos dispositivos em uso, os
quais evidenciam a lógica capitalista e digital atual que incide na apreensão dos sujeitos
como dados estatísticos que podem ser recuperados e armazenados em bancos de dados.
Trata-se, então, de uma reflexão de ordem teórica por meio de revisão de literatura
específica sobre esse tema das subjetividades numéricas e sua delimitação em
dispositivos midiáticos online.
Palavras-chave: algoritmo; dessubjetivação; dispositivos midiáticos online; processos
de subjetivação; subjetividades numéricas.

Introdução

Cada vez mais as mídias participam dos modos como nos relacionamos, não
apenas intermediando esses processos, mas também os constituindo e os moldando.
Quem somos ou o que vamos nos tornando (nosso devir) são questões que podem e devem
ser respondidas à luz do fenômeno de intensa preferência pelos meios de informação e
comunicação como modos privilegiados de interação, nomeado como midiatização
(BRAGA, 2006).
Nesse sentido, os diferentes modos de ser e estar no mundo, ou seja, os processos
de subjetivação, atrelam-se crescentemente às tecnologias infocomunicacionais,
sobretudo as digitais e online. O uso recorrente desses meios evidencia o intenso acesso
cotidiano a variadas produções textuais e imagéticas que se fazem presente e circulam em
diversos aparatos técnicos. Estes dispositivos midiáticos, como iremos compreender ao

1
Trabalho apresentado no GT Redes Sociais e Tecnologias, do III Simpósio ArTecnologia, 2016.
2
Doutorando em Comunicação pelo Programa de Pós-Graduação em Comunicação da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG). Bolsista pela CAPES. Doutorado sanduíche no GSPR da EHESS (Paris,
França). Pesquisador pelo Núcleo de Pesquisa em Conexões Intermidiáticas (NucCon/UFMG) vinculado
ao Centro de Convergência de Novas Mídias (CCNM/UFMG). E-mail: tigubarcelos@gmail.com.









longo deste trabalho, enredam seres vivos (humanos) e suas relações mútuas, bem como
entrelaçam relações entre humanos e não humanos. Estes últimos, de maneira gradual,
assumem o controle daquilo que visualizamos em nossas telas, sejam elas do computador,
do smartphone ou do tablet que utilizamos.
Dessa maneira, os conteúdos que a nós se apresentam não são aleatórios, mas
fortemente sugeridos por sistemas de recomendação algorítmica que se fundamentam nas
maneiras pelas quais agimos online e nos rastros digitais deixados por nossas ações.
Estocados em bancos de dados e novamente cruzados com um gigantesco volume de
informações arquivadas (Big Data), nossos dados pessoais servem para a confecção e
delimitação de perfis comerciais que visam nos sugerir aquilo que devemos consumir
(BRUNO, 2012, 2013, 2016).
Nesta lógica capitalista, intensamente vinculada à cálculos matemáticos, a
subjetividade deixaria de se produzir pela diferença e passaria a ser produzida pelo
achatamento de preferências, previstas por sistemas de recomendação algorítmica. Neste
controle algorítmico, o individual cederia lugar ao dividual, como destaca Deleuze
(1992), uma vez que o sujeito passa a ser fracionado em conjuntos de dados que servem
de amostra e manipulação (no sentido manual do termo) por empresas que visam um
consumo calculado e previsível, em que nada parece escapar à antecipação de condutas
em função do que se fez e do que se pode fazer online.
Em vista disso, este trabalho procura investigar como a ação algorítmica em
dispositivos midiáticos online conforma subjetividades numéricas por processos de
dessubjetivação. Assim sendo, buscamos caracterizar os meios de informação e
comunicação como dispositivos midiáticos, especificando a ação algorítmica nesses
dispositivos. Igualmente, intentamos atentar para as subjetividades numéricas, efeitos
decorrentes do tensionamento entre os processos de subjetivação e dessujetivação
implicados nas relações entre humanos e dispositivos.
Para tanto, organizamos este texto em mais quatro seções. A primeira delas se
dedica à conceituação de dispositivos midiáticos online, recorrendo principalmente aos
trabalhos desenvolvidos por Michel Foucault, Gilles Deleuze e Giorgio Agamben. A
segunda seção se volta para a definição do termo “algoritmo” e como os dispositivos
midiáticos online se orientam por uma lógica algorítmica, de controle dos corpos e das









subjetividades. Em seguida, a terceira parte especifica o que entendemos por
subjetividades numéricas e como a produção delas está atrelada ao tensionamento entre
processos de subjetivação e dessubjetivação operados pelos dispositivos midiáticos
online. Por fim, apresentamos algumas considerações finais que retomam o que
desenvolvemos neste artigo e alguns breves apontamentos para investigações futuras.

Dispositivos midiáticos online

As mídias digitais com acesso à internet podem ser compreendidas como


dispositivos midiáticos online. Compreendê-las desta maneira implica em considerarmos
a multidimensionalidade delas (Klein, 2007). A diversidade de dimensões dos meios de
informação e comunicação se refere aos enredamentos discursivos que ultrapassam a
mera e simples compreensão deles como suportes ou aparatos técnicos (Bruck, 2012).
Esse entendimento se fundamenta nas proposições de Michel Foucault acerca da
noção de dispositivo (objeto da descrição genealógica), disseminadas a partir dos anos
1970 em várias áreas do conhecimento. Essa noção foi elaborada por este pensador
francês no intuito de incluir o não discursivo em suas análises acerca das relações de
poder implicadas nas diferentes epistemes (objeto da descrição arqueológica) (Castro,
2016). Segundo Foucault (1996, p. 244-245), o dispositivo é

[...] um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos,


instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis,
medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas,
morais, filantrópicas. Em suma, o dito e o não dito são os elementos do
dispositivo. O dispositivo é a rede que se pode estabelecer entre estes
elementos... [e entre estes] existe um tipo de jogo, ou seja, mudanças de
posição, modificações de funções, que também podem ser muito diferentes,
[cuja finalidade] é responder a uma urgência. O dispositivo tem, portanto, uma
função estratégica dominante.

Essa noção sintetiza, conforme destaca Castro (2016), o nexo entre esses
elementos heterogêneos mencionados por Foucault (1996), os quais se inscrevem nas
articulações entre poder e saber. Esse enredamento de linhas, as quais compõem o
dispositivo, é especificado por Deleuze (2003), quem aponta quatro dimensões distintas
que o integram, como sistematizam Alzamora e Silva (2014): a) Linhas ou curvas de









visibilidade e de enunciação: produzem formas de ver e de se falar a respeito de algo; b)
Linhas de forças: referem-se à dimensão assimétrica do poder e estabelecem jogos
estratégicos de poder; c) Linhas de subjetivação: remetem à subjetividade e à abertura de
dinâmicas criativas e ao potencial de modificação e rompimento com o dispositivo de
origem; e d) Linhas de brecha, fissura ou fratura: oriundas das linhas de subjetivação e
concorrem para a transformação do dispositivo.
Esses fios explicitados por Deleuze (2003) reforçam a dimensão multidimensional
abordada por Foucault (1996) e revelam a articulação entre o visível e o não visível ou
pouco visível, bem como entre o dito e o não dito. Nas palavras do primeiro, o dispositivo
diz respeito a uma meada, a um conjunto de múltiplas linhas de natureza distintas. Estas
linhas revelam ainda o cruzamento entre elementos materiais (suportes) e imateriais
(sentidos e discursos). Nesse tensionamento de pares complementares (visível/não
visível, dito/não dito, material/não material), estão implicados jogos de poder, os quais
remetem à dimensão assimétrica própria às linhas de força que conformam o dispositivo,
as quais, igualmente, atuam na produção de subjetividades.
As subjetividades são produzidas, nesse sentido, no entrelaçamento entre seres
vivos (humanos) e dispositivos (não humanos), como defende Agamben (2005). Segundo
ele, o dispositivo é “qualquer coisa que tenha de algum modo a capacidade de capturar,
determinar, interceptar, modelar e assegurar os gestos, as condutas, as opiniões e os
discursos dos seres viventes” (Agamben, 2005, p. 13). Ao ordenar e dispor os elementos
que o tecem, o dispositivo modela as experiências, operando como máquina de produzir
subjetivações. Contudo, na atual fase do capitalismo, tal como sublinha este pensador, os
dispositivos não agem mais pela produção de um sujeito, mas por processos que podem
ser nomeados como de dessubjetivação.
Agamben (2005) exemplifica esses processos de dessubjetivação, que conferem
abstração às relações pessoas, com dispositivos midiáticos, sobretudo, ao mencionar o
uso do celular. Ao usá-lo, o sujeito se torna um número por meio do qual ele pode ser
controlado, assim como o telespectador passa a ser índice de audiência. Retomaremos
este aspecto e o aprofundaremos na terceira seção deste trabalho, quando atentaremos
para as sociedades de controle descritas por Deleuze (1992).









Por ora, cabe completarmos, de acordo com essas perspectivas que temos
abordado, que as mídias podem ser consideradas como dispositivos por operarem como
matrizes que ordenam sentidos. Conforme indica Mouillaud (2002), o dispositivo
distribui e organiza elementos materiais e imateriais visando constituir uma rede de
relações que orientam o sentido. Como ele elucida, “os dispositivos estão encaixados uns
nos outros” (Mouillaud, 2002, p. 32) e “não impõe ao mundo apenas uma interpretação
hegemônica dos acontecimentos, mas a própria forma do acontecimento” (Mouillaud,
2002, p. 32).
Os dispositivos midiáticos são, dessa maneira, matrizes que impõem formas aos
textos, apresentando elementos estáveis que possibilitam a ordenação do sentido e a
estruturação do tempo e do espaço, bem como pertencem a lugares institucionalizados,
ou seja, a instituições de poder e saber (Mouillaud, 2002; Alzamora; Silva, 2014). De
modo mais claro, os dispositivos midiáticos são um meio em que relações de
agendamento são construídas, de modo a realizar a gestão da dimensão comunicacional
das práticas coletivas (Antunes; Vaz, 2006).
A fim de clarear este argumento, pensemos em um aplicativo de leitura pelo
celular (smartphone). Ao abrirmos esse aplicativo, podemos identificar um livro ou um
jornal em função de elementos estáveis que eles apresentam. O livro se ordena por
capítulos, por uma capa. O jornal se organiza, por sua vez, por títulos, colunas, imagens,
entre outros itens que concorrem para a sua identificação. O celular, por seu turno – e
podemos incluir os computadores (desktops, laptops e notebooks) e os tablets – tomado
como dispositivo, refere-se aos vários fios que o enredam, como sua materialidade
(elementos físicos que o compõem) e as imaterialidades (sinais luminosos, rede de
telefonia, frequências, luminosidade etc.). Além disso, o celular é composto pelos
discursos que o atravessam, como as produções textuais e imagéticas que por ele circulam
e a tematização desses conteúdos nos aplicativos de “redes sociais” nele instalados, que
reconfiguram os sentidos de origem das mensagens e produzem outros à medida que as
conversações pessoais acontecem.
Ademais, cada vez mais digitais e com acesso à internet, os dispositivos
midiáticos online, operam por cálculos matemáticos que atuam na recomendação,
classificação, seleção, filtragem e visibilização de conteúdos em nossas telas. Os









algoritmos, essas fórmulas matemáticas que seguem protocolos para a execução de uma
tarefa específica (Gillespie, 2014a, 2014b; Manovich, 2015a, 2015b), agem na
configuração de condutas e preferências e na antecipação delas. Tudo isso se dá em
função da manipulação e cruzamento de dados pessoais estocados em imensos e
complexos bancos de dados que traçam perfis que permitem a sugestão de conteúdos
“adequados” e “adaptados” a cada pessoa (Manovich, 2015a, 2015b; Bruno, 2012, 2013,
2016; Jurno, 2016) que utiliza as plataformas midiáticas online (Gillespie, 2010), como o
YouTube, o Facebook, o Twitter, entre outras.
O fato de um conteúdo estar visível ou pouco visível nesses dispositivos
midiáticos online se relaciona às maneiras como agimos neles, seja acessando conteúdos
por tais ou tais aplicativos, inscrevendo-nos em canais no YouTube, criando um perfil no
Twitter, comentando ou curtindo postagens no Facebook, entre tantas outras
possibilidades. Desse modo, conteúdos com os quais nos associamos tendem a ser mais
recomendados a nós, pois as contas feitas pelos algoritmos se baseiam diretamente nos
rastros dessas ações. Esclareceremos este ponto a seguir.
Assim, nessa interseção entre dispositivos midiáticos online e pessoas que os
utilizam, conjugada com ações algorítmicas, as subjetividades são produzidas, como
vimos segundo Agamben (2005), não mais simplesmente por processo de subjetivação,
mas por processos de dessubjetivação. Antes, entretanto, de adentramos neste ponto de
produção de subjetividades numéricas, compete-nos clarearmos a lógica algorítmica dos
dispositivos midiáticos online e seu atrelamento à condição capitalista que é condição
para o que Deleuze (1992) nomeia como “sociedades de controle”, em que a vida é
reduzida à sua dimensão numérica.

O (des)controle dos algoritmos

Nas sociedades de controle, que sucedem as sociedades de soberania e as


sociedades disciplinares, o indivíduo é cindido. Seu fracionamento em números (registros
de identificação como RG e CPF), senhas, cifras, dígitos e transações econômicas,
conforme alega Deleuze (1992), configura-o como ser dividual, ou seja, divisível. Essa
qualidade divisora é operada por um poder exercido sobre as populações e o seu









atrelamento ao conhecimento sobre essas populações por meio de dados estatísticos sobre
elas. A esse poder sobre os corpos e seus fluxos territoriais, Foucault (1988) atribui o
nome de biopoder. Nesse poder, exercido hoje sobre as vidas, o saber (conhecimento
sobre as pessoas por meio de seus dados arquivados em bancos de dados) se atrela ao
poder (regência das condutas, uma ação sobre a ação de outrem). Assim, quanto mais
saber, mais poder. Quanto mais informações a respeito das pessoas, mais se pode agir
sobre suas condutas. Essa relação direta entre poder e saber se fazia presente nas
sociedades anteriores, mas é adaptada, atualizada, intensificada e potencializada na
dinâmica infocomunicacional que vivemos por meio do desenvolvimento das máquinas
computacionais, como nos alerta Deleuze (1992).
O que observamos hoje é um saber oriundo de fontes computacionais, que operam
por cálculos matemáticos. Outrossim, o poder praticado sobre este saber se configura em
territórios não apenas físicos, mas, sobretudo, informacionais (digitais). Nesses territórios
numéricos, os algoritmos regem as condutas, pois se fundamentam nos rastros digitais de
ações efetuadas online com o uso de dispositivos midiáticos (Bruno, 2012, 2013, 2016).
Valendo-se desse estoque de informações sobre as condutas das pessoas que
utilizam os dispositivos e as plataformas midiáticas, os algoritmos são ajustados e
refinados a fim de recomendarem conteúdos específicos para quem utiliza os serviços
dessas plataformas. Nessa lógica, ações de visualizar, curtir, comentar e compartilhar
conteúdos de pessoas conhecidas ou não incidem nas maneiras pelas quais novas
mensagens serão oferecidas em nossas telas e contas no YouTube, Facebook, Twitter e
outros. Nestas duas últimas plataformas, o quanto interagimos com outros perfis
(conversar pelo chat do Facebook ou o quanto curtimos um tweet ou mencionamos algum
perfil) dita aquilo que iremos receber como recomendação pelos algoritmos das
plataformas em uso (Jurno, 2016). Do mesmo modo, se não interagimos com outros perfis
e conteúdos, eles não são por nós visualizados. Ocorre, dessa maneira, um processo de
invisibilização, em que tendemos a ver apenas aquilo que “gostamos” (curtidas, likes), o
que Pariser (2012) denomina “filtro bolha”.
Dessa maneira, aquilo que somos ou nos tornamos, ou seja, a “nossa
subjetividade”, produzida na confluência entre instâncias individuais (nós, pessoas, seres
vivos), coletivas (relações e associações com outros humanos e mesmo com algoritmos)









e institucionais (instituições de mídia, as empresas e os serviços), depende cada vez mais
de ações calculadas em rede, presentes em máquinas infocomunicacionais. Esse
entrelaçamento triplo é discutido por Guattari (2012) e assumido, segundo ele, pelos
“meios de comunicação de massa” (mass media). Contudo, como temos abordado, essa
articulação passa a ser assumida, principalmente, pelas mídias digitais ou dispositivos
midiáticos online.
A ação calculada por algoritmos, portanto, passa a reger nossas vidas,
paulatinamente vinculadas ao capitalismo algorítmico e à biopolítica algorítmica de nosso
tempo (Salgado, 2016a, 2016b). Nesse processo de produção de subjetividades ou
subjetivação, o sujeito nos parece perder seu devir outro, ou seja, sua condição
diferenciante e diferenciadora, uma vez que a diferença é ofuscada pela homogeneização
de escolhas e preferências, em que o novo e a novidade são suprimidas por
recomendações padronizadas e pasteurizadas. Isso se deve à condição programada de
nossas máquinas, condição esta, própria às sociedades de controle, conforme nos diz
Deleuze (1992), às quais operam numericamente.

Dessubjetivação e subjetividades numéricas

Nessa dinâmica de recomendação algorítmica, em que ações humanas se associam


a ações máquinas em agenciamentos híbridos, humanos e algoritmos aprendem
mutuamente (Alzamora; Cortez, 2015). Os primeiros se familiarizam com a interface dos
dispositivos midiáticos e das plataformas midiáticas e, os segundos, adequam-se e se
aprimoram segundo as ações realizadas pelos primeiros. É nesse sentido que as autoras
afirmam haver agenciamentos híbridos, ou seja, a mútua afetação entre entidades
diversas.
A recomendação dos algoritmos torna-se cada vez mais específica, posto que cada
perfil receberá sugestões de acordo com o modo como a pessoa que detém a conta agiu
na plataforma. Esses sistemas de recomendação algorítmica agem no sentido de
combinarem padrões de usuários/as e pela predição de conteúdos que possam interessá-
los/as (Alzamora; Cortez, 2015). A similaridade de gostos e preferências, como temos
ressaltado, acaba por planificar as possibilidades inventivas e tonais (tom, tonalidade –









sentido musical) dos sujeitos que, como afirmamos outrora, deixam de ser produzidos
pelo coeficiente de variação e diferença e passam a ser fabricados por achatamentos de
escolhas via previsibilidade calculada.
É esse processo e processamento de dados que conforma a dessubjetivação.
Dessubjetivar é, segundo nosso entendimento, ancorado nas referências que debatemos,
produzir formas pré-moldadas e efeitos antecipados por cálculos. Não se trata de não
produzir um sujeito, mas de se produzir um sujeito previsível, cujo devir é antecipado
pela previsibilidade e a antecipação calculada, cuja intervenção passa a ser não mais a
posteriori e necessariamente in loco pelo uso da força física, mas em tempo real e à
distância (Bruno, 2013).
Se o sujeito para Foucault (2012, p. 268) “não é uma substância. É uma forma, e
esta forma não é, sobretudo nem sempre, idêntica a si mesma”, esse sujeito é um sujeito
subjetivado, ou seja, produzido na relação com outros seres vivos (humanos) em arranjos
de poder e saber. Os modos de subjetivação em Foucault, portanto, são precisamente as
práticas de constituição do sujeito (Castro, 2016). Essa forma modulável e mutante
mencionada por Foucault (2012), o sujeito, só é possível pelo encontro ente diferenças e
pelos agenciamentos coletivos, segundo a visada de Deleuze e Guattari (1995).
Uma vez que tenhamos agenciamentos maquínicos (Guattari, 2012), cada vez
mais regulados por algoritmos, a forma foucaultiana se torna pré-moldável. O molde dos
confinamentos (prisões, fábricas, escolas etc.) das sociedades disciplinares, ou seja, os
corpos dóceis moldados à serviço do poder industrial e urbano se atualizam para aquilo
que Deleuze (1992) chama de modulação, operada pela linguagem numérica. Com suas
máquinas próprias, computacionais e algorítmicas, a sociedade atual modula os corpos e
as vidas tornando-os corpos-dígitos (Salgado, 2016b), bios-algoritmo e vidas-número.
Trata-se, então, da produção de subjetividades numéricas, calculadas, previstas e semi-
automatizadas, reguladas algoritmicamente.
A tentativa de produzir subjetividades (ao modo clássico), acaba por dessubjetivá-
las, visto que as relações se tornam abstratas, econômicas, lucrativas, estatísticas,
manipuláveis e moldáveis. A tônica (tonalidade) dos sujeitos é digital e digitalizada,
binária e numérica. O que importa é ser produzido digitalmente, pelo encontro com
dispositivos midiáticos online que, enquanto máquinas de fazer ver e fazer falar, fazem









ver vidas tornadas perfis e registros (logins e senhas) e falar, em sua maioria, conteúdos
comuns e massificados (leia-se massa, pasta, consistência homogênea).
Ao nutrirmos nossas máquinas com dados de nós mesmos, inflamos a biopolítica
e o capitalismo algorítmico de nossa época. Encontramo-nos imersos naquilo que Lévy
(2015) intitula como meio algorítmico (le medium algorithmique), um ambiente coletivo
centrado em dados digitais automaticamente manipulados e na difusão massiva (global e
por praticamente todos) deles por meio de trocas informacionais via redes. Trata-se de
um diagnóstico mais amplo que constata uma condição existencial gerida pela análise de
enormes conjuntos de dados digitais.
A existência numérica das subjetividades, nomeadas como subjetividades
computacionais (subjectivités computationneles) por Berry (2015) e retomadas por
Masure (2016), evidencia uma condição de vida que adere sem reservas a todos os
dispositivos de assujeitamento e submissão de programas, ainda que esse processo não
seja ainda de todo evidente nos agrupamentos coletivos de hoje. As subjetividades
numéricas, termo que escolhemos, destacam a dimensão programada dos sujeitos. Em
outros termos, a produção das subjetividades ou subjetivação acontece seguindo scripts
escritos previamente. Há um roteiro comercial e capitalista que escreve a vida e se
inscreve nos corpos-dígito de maneira a manipulá-las, tratá-las, classificá-las e visualizá-
las, enquanto dados e amostras, de maneira rápida e eficaz (Bruno, 2013, 2016; Masure,
2016).
Logo, vivemos e existimos em uma sociedade da antecipação, conforme pensa
Sadin citado por Masure (2016), em que nossos desejos e decisões são inteiramente
delegadas às máquinas. Há uma racionalidade algorítmica, ou seja, todo um modo de
pensar e produzir pensamentos que se vinculam diretamente aos algoritmos, em que o
pensar é feito por máquinas e o consumir é feito pelos humanos. A subjetivação, então, é
produzida maquinicamente. Cada vez mais dessubjetivadas, as subjetividades (o
processo) perdem suas singularidades e a sua condição diferenciante, a qual as torna
sujeitos (efeito do processo). A condição dividual dos seres em associação direta aos
dispositivos midiáticos é a própria dimensão sociotécnica (humana e não humana) e
agenciada desses dispositivos. Não sabemos ao certo, como ensaia Maruse (2016), se de









fato se trata de uma subjetividade sem sujeito. Como dissemos acima, defendemos que o
sujeito produzido é um sujeito calculado e fracionado, divisível em dados e amostras.

Considerações

Para responder a esta incerteza, referente aos efeitos de processos de subjetivação


e dessubjetivação atuais, talvez valha a revisão da noção de individuação proposta por
Gilbert Simondon, bem como um aprofundamento nos modos de existência dos objetos
técnicos discutidos por este autor. Igualmente, valeria ainda uma discussão mais densa a
respeito da técnica a partir de Heidegger e outros teóricos que trabalham sobre a mesma
temática, como Bruno Latour e Jacques Ellul.
Em síntese, pudemos discutir neste artigo o processo de dessubjetivação pelo qual
passam os seres vivos (humanos) em contágio com os dispositivos. Delimitamos nossa
investigação aos dispositivos midiáticos online, sobretudos as mídias digitais com acesso
à internet e as plataformas midiáticas online, fortemente regidas por algoritmos. Frisamos
que a subjetivação, ou produção de subjetividade, é cada vez mais numérica, aspecto este
que reforça a tese de que o sujeito passa a ser dessubjetivado. Isso, por sua vez, não
significa assumirmos que há subjetividades sem sujeito, mas sujeitos calculados,
previsíveis, moldáveis e moduláveis por contas matemáticas que, ao anteciparem
preferências, tonar homogêneas as escolhas e planificam as singularidades.
Trata-se de subjetividades numéricas, binárias e digitais que se produzem de modo
controlado pelo capital que, no exercício de seu biopoder algorítmico, rege condutas e
comportamentos por meio de uma intervenção antecipada. A vidência das máquinas,
alimentadas por dados pessoas e por seus rastros deixados conscientemente ou não nas
plataformas em uso, é cada vez mais atualizada e ajustada a fim de que a própria vida seja
consumida, esgarçada e deteriorada em relações infocomunicacionais que encobrem as
vidas em bolhas de sabão que estouram em discursos de ódio em rede e sufocam
liberdades e pensamentos que almejam pela desconexão. Cabe à nós, viventes,
convivermos de outra maneira com nossas máquinas, que certamente nos moldam e nos
produzem.









Referências

AGAMBEN, Giorgio. O que é um dispositivo? Outra Travessia, Florianópolis, n. 5,


p. 9-16, 2005.

ALZAMORA, Geane; SILVA, Teresinha. Dispositivo. In: FRANÇA, Vera V.;


MARTINS, Bruno G.; MENDES, André M. Grupo de Pesquisa em Imagem e
Sociabilidade (GRIS): trajetória, conceitos e pesquisa em comunicação. Belo Horizonte:
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas – PPGCom - UFMG, 2014. p. 126-133.
Disponível em:
<http://www.seloppgcom.fafich.ufmg.br/index.php/seloppgcom/catalog/view/7/2/45-
1>. Último acesso em: 05 dez. 2016.

ANTUNES, Elton; VAZ, Paulo B. Mídia: um aro, um halo e um elo. In: GUIMARÃES,
César; FRANÇA, Vera. Na mídia, na rua: narrativas do cotidiano. Belo Horizonte:
Autêntica, 2006. p. 43-60.

BRUNO, Fernanda. Máquinas de ver, modos de ser: vigilância, tecnologia e


subjetividade. Porto Alegre: Sulina, 2013.

BRUNO, Fernanda. Rastrear, classificar, performar. Ciência e Cultura, São Paulo,


v. 68, n. 1, mar. 2016. Disponível em:
<http://cienciaecultura.bvs.br/pdf/cic/v68n1/v68n1a12.pdf>. Último acesso em: 05 dez.
2016.

BRUNO, Fernanda. Rastros digitais sob a perspectiva da teoria ator-rede. Famecos,


Porto Alegre, v. 19, n. 3, p. 681-704, set./dez. 2012.

CASTRO, Edgardo. Vocabulário de Foucault: um percurso pelos seus temas, conceitos


e autores. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2016.

CORTEZ, N.; ALZAMORA, G. Agenciamento semiósico e intersubjetividade: perfil do


gosto e gênero musical nos ambientes de streaming de músicas online. Eco-Pós, Rio de
Janeiro, v. 18, n. 1, p. 205-213, 2015.

DELEUZE, Gilles. Post-scriptum sobre as sociedades de controle. In: DELEUZE, G.


Conversações. São Paulo: Ed. 34, 1992. p. 219-226.

DELEUZE, Gilles. Qu’est-ce q’un dispositf ? In: DELEUZE, Gilles. Deux régimes de
fous: textes et entretiens 1975-1995. Paris: Les Éditions de Minuit, 2003. Cap. 50,
p. 316-325.

DELEUZE, G.; GUATTARI, F. Mil platôs: capitalismo e esquizofrenia 2. Vol. 1. São


Paulo: Editora 24, 2011.









FOUCAULT, M. A ética do cuidado de si como prática da liberdade. In: FOUCAULT,
M. Ética, sexualidade, política (Ditos & Escritos V). Rio de Janeiro, Forense
Universitária, 2012. p. 258-280.

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro:


Edições Graal, 1988.

FOUCAULT, Michel. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal, 1996.

GILLESPIE, Tarleton. Facebook’s algorithm – why our assumptions are wrong, and our
concerns are right. Culture Digitally. 04 de julho de 2014. 2014a. Disponível em:
<http://culturedigitally.org/2014/07/facebooks-algorithm-why-our-assumptions-are-
wrong-and-our-concerns-are-right/>. Último acesso em: 15 nov. 2016.

GILLESPIE, Tartelon. The Relevance of Algorithms. In: GILLESPIE, T.;


BOCZKOWSKI, P. J.; FOOT, K. A. (Eds.). Media technologies: essays on
Communication, Materiality, and Society. Cambridge, MA; London, England: The MIT
Press, 2014b. Cap. 9, p. 167-193.

GILLESPIE, Tarleton. The politics of ‘platforms’. New Media & Society, v. 12, n. 3,
p. 347-364, mai. 2010.

GUATTARI, Félix. Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo: Editora 34,
2012.

JURNO, Amanda C. Agenciamentos coletivos e textualidades em rede no Facebook:


uma exploração cartográfica. 22 fev. 2016. 1371f. Dissertação (Mestrado) –
Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2016.

MANOVICH, L. 2015a. A Ciência da Cultura? Computação Social, Humanidades


Digitais e Analítica Cultural. Matrizes, São Paulo, 9(2): 67-83.

MANOVICH, L. 2015b. O Banco de Dados. EcoPós, Rio de Janeiro, 18(1): 07-26.

PARISER, E. O filtro invisível: o que a internet está escondendo de você. Rio de


Janeiro: Zahar, 2012.

SALGADO, T. B. P. Públicos algorítmicos: relevância e recomendação no YouTube. In:


ENCONTRO DOS PROGRAMAS DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO
DE MINAS GERAUS, IX, Mariana-MG, 2016a. Anais...

SALGADO, T. B. P. Regência de ações comunicacionais online: biopolítica e


performance dos algoritmos. In: SEMINÁRIO DE ALUNOS DE PÓS-GRADUAÇÃO
EM COMUNICAÇÃO, XIII, Rio de Janeiro-RJ, 2016b. Anais...

Você também pode gostar