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Roy Strong

BANQUETE
Uma história ilustrada da culinária,
dos costumes e da fartura à mesa

Tradução:
Sergio Goes de Paula
com a colaboração de Viviane De Lamare

Jorge Zahar Editor


Rio de Janeiro
Para David Hutt,
amigo, sacerdote, jardineiro e cozinheiro.

Título original:
Feast
(A history of grand eating)

Tradução autorizada da primeira edição inglesa


publicada em 2002 por Jonathan Cape,
de Londres, Inglaterra

Copyright © 2002, Oman Productions Ltd.


Copyright da edição brasileira © 2004:
Jorge Zahar Editor Ltda.
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Capa: Miriam Lerner


Imagem da capa: Detalhe de pintura anônima
do séc. XVIII, © Corbis

CIP-Brasil. Catalogação-na-fonte
Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

Strong, Roy C.
S916b Banquete: uma história ilustrada da culinária dos costumes e da
fartura à mesa / Roy Strong; tradução, Sergio Goes de Paula; com
a colaboração de Viviane De Lamare. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 2004
il.;
Tradução de: Feast: (a history of grand eating)
Apêndice
ISBN: 85-7110-818-8
1. Banquetes – História. 2. Hábitos alimentares – História. I. Título.
CDD 394.1
04-2325 CDU 394.1
Sumário

Prefácio 7

1. CONVIVIUM: EM ROMA... 11
A herança grega 15
A idade de Apício 23
Cena e convivium 28
Banquetes públicos e banquetes imperiais 38
Desintegração e sobrevivência 40

2. INTERLÚDIO: BANQUETE E JEJUM 45


Culinária: os séculos silenciosos 47
A mesa cristã e o nascimento das boas maneiras 48
O banquete como poder 53
Uma conciliação de opostos 65

3. AOS OLHOS DO ESPECTADOR 69


Cozinheiros, livros de receitas e a cozinha 72
O triunfo do consumo conspícuo 79
Os modos fazem o homem 90
Em cena o entremet 102

4. O RITUAL RENASCENTISTA 113


O requinte da culinária 120
Plínio revivido e a reinvenção da sala de jantar 128
O convivium revivido 136
O banquete do Renascimento 139
Da festa à fantasia 159
A refeição de açúcar e o banquete 167
Refeições e o mistério da monarquia 173
5. DA CORTE PARA A SALA PARTICULAR 181
O triunfo da ilusão 184
Uma revolução culinária 192
Service à la française e utensílios de mesa 198
A salle à manger e as salas de refeição 207
Das boas maneiras à etiqueta 210
Messieurs, au couvert du roi! 213
Comida e festival em Versalhes 220
A busca de informalidade 223

6. O JANTAR ESTÁ SERVIDO 229


Da revolução ao retorno do ritual 233
O século de Carême 238
A proliferação das salas de jantar e a mudança de horário das refeições 245
O jantar festivo 248
Do service à la française ao service à la russe 250
O ritual e a etiqueta do jantar 254
Onde estamos agora? 260

Pós-escrito: O eclipse da mesa? 263


Notas 267
Créditos das ilustrações 287
Índice remissivo 289
Prefácio

A comida sempre me interessou. Mas a quem não interessa? O que me atrai


sobretudo é a história da culinária e, claro, também seus aspectos práticos.
Quando aos vinte e tantos anos passei a dividir um apartamento com um colega,
decidi assumir a função de cozinheiro. Mantive-a quando me casei, e nos últimos
30 anos de vida (e depois da leitura atenta de centenas de livros de receitas)
venho cozinhando com prazer na maior parte do tempo, explorando a culiná-
ria de diversos países europeus. Também adoro arrumar a mesa e oferecer um
almoço ou um jantar de forma impecável — ou pelo menos o mais impecável
possível, numa época em que o cozinheiro é também o mordomo e o lavador
de pratos, além de anfitrião. Mesmo assim, nunca deixei de estar ciente de que
receber bem exige um senso de coreografia e de estética não apenas quanto à
decoração da mesa como um todo — mas também no que diz respeito à apre-
sentação dos pratos a serem servidos.
Meu interesse pela história da culinária remonta à época do meu curso de
pós-graduação com Frances Yates, já falecida, no final da década de 1950. Naquele
tempo, a questão do cerimonial e de todos os tipos de festejos estava começando
a se tornar tema de preocupação acadêmica. Mas creio que o momento crucial foi
uma visita ao Museu Nordiska, em Estocolmo, em 1966. Lembro-me claramente
de dobrar uma esquina e subitamente deparar com um longo corredor mal ilumi-
nado, apresentando uma história panorâmica das várias formas de se arrumar uma
mesa. Fiquei hipnotizado, fascinado ao ver como a cerâmica, o estanho e a madeira
foram substituídos por porcelana e prata; como a pobre cutelaria dos séculos mais
antigos dera lugar à intimidadora abundância que equipava o jantar do final do
século XIX; como as tábuas sobre cavalete se transformaram em sólidas mesas de
carvalho e depois de mogno polido; como os bancos toscos se metamorfosearam
em cadeiras estofadas e elegantes conjuntos de cadeiras de jantar.
Aquilo deve ter produzido em mim uma impressão muito forte, pois tratava-
se de um formato de exposição que em muitas ocasiões quis reproduzir, embora
sem êxito, quando fui diretor do Victoria & Albert Museum. Mas de tempos em

7
banquete

tempos esse tópico aparecia nas exposições. Em 1970 minha esposa, a designer
Julia Trevelyan Oman, projetou uma exposição sobre Samuel Pepys na National
Portrait Gallery, onde recriou a mesa de jantar completa de Pepys, inclusive com
uma torta de carne de caça. Em meu último ano como diretor do V&A pensei em
fazer uma grande exposição sobre o tema, e lembro-me de ter tido o privilégio
de discutir o assunto com Elizabeth David e Jane Grigson, também já falecidas.
Infelizmente após o meu afastamento o projeto foi esquecido.
Mas na década de 1990 comecei a perceber um interesse cada vez maior
pelo assunto. Houve uma esplêndida exposição em Versalhes sobre as mesas
reais da Europa no século XVIII, outra sobre tema semelhante dedicada à corte
dinamarquesa (que foi remontada em Kensington Palace), sem falar nas exposi-
ções inovadoras e pioneiras no Bowes Museum, no Barnard Castle e em Farfaix
House, em York. Nessa época comecei a escrever uma série de artigos a respeito
da história da culinária para a revista Country Life.
Tudo isso me traz a este livro, que nasceu da percepção de que não há qual-
quer literatura que resuma o enorme volume de trabalhos acadêmicos sobre comida
e festejos publicados nos últimos anos por dúzias de historiadores de diferentes
países. As informações reunidas nestas páginas estão contidas em centenas de
artigos especializados, principalmente em francês, italiano e inglês, apresentados
em conferências e colóquios nas duas últimas décadas. A probabilidade de que o
leitor comum pesquise e leia esse material é muito remota, e no entanto o tema
tem um apelo universal.
O problema básico é que os trabalhos acadêmicos tendem a ser comparti-
mentados, tratando de aspectos particulares do que ocorreu na história em torno
da mesa, e não do fenômeno como um todo. Afinal, o tema abarca não apenas
a culinária, mas também etiqueta, mobiliário, tecidos, cerâmica, vidro, metal, ar-
quitetura, decoração e música, para mencionar apenas uma parte. Tentei reunir
aqui informações sobre todos esses campos díspares — e muitas vezes obscuros.
É preciso admitir que alguns aspectos da pesquisa receberam maior atenção dos
estudiosos. O symposion grego, a festa medieval e o banquete renascentista, por
exemplo, deram origem a pequenas indústrias acadêmicas.
Comer é um tópico que com muita facilidade pode se fragmentar e seguir em
várias direções. Portanto vale a pena traçar os limites deste livro. Seu foco básico
é a mesa e a principal refeição do dia. Cada período apresenta o que podemos
considerar uma refeição arquetípica da época. Assim, os capítulos têm início com a
descrição dessa refeição e analisam as forças políticas, sociais e de outras naturezas
que a moldaram. Embora eu trate do desenvolvimento da culinária, em geral não
me refiro à produção e à oferta de alimentos, nem tampouco ao desenvolvimento
da cozinha e dos métodos de cozinhar, limitando-me ao necessário para explicar
a refeição apresentada à mesa. Hoje existem inúmeros livros sobre a história da
culinária, com reinterpretações de receitas de todos os períodos para os cozinheiros

8
prefácio

atuais. Não procure nada disso aqui. A escolha da palavra “banquete” no título
mostra que nosso interesse básico é a culinária das classes altas. Porém, como o
poder transita na sociedade, uma parte bastante representativa do povo aparece
exatamente na época em que o livro termina, em 1914. Trata-se portanto da
história vista de cima, um pouco fora de moda nos dias de hoje, mas central para
um dos temas deste livro: a interconexão entre o que ocorre na mesa e aquilo
que se transforma em termos de poder e classe.
Escrever este livro me trouxe de volta ao Warburg Institute, uma grande
instituição que me ensinou a pensar e a defender a idéia de que um espírito
educado pode voltar-se na direção que desejar. Como Frances Yates sempre me
dizia: “Você tem uma mente educada. Pegue o livro na estante e leia.” E foi exa-
tamente o que fiz. Em seguida vem o principal esteio de muitos de meus livros,
a Biblioteca de Londres. Sou mais do que grato a Guy Penman e a seus colegas,
que atenderam com prazer às minhas muitas requisições de empréstimos entre
bibliotecas. E também ao responsável pela edição de texto, Charles Elliott, capaz
de tolerar um autor com o hábito de começar pelo capítulo três e só escrever os
capítulos um e dois ao final. Quero expressar minha gratidão a Richard Barber
no que diz respeito ao período medieval, e ao professor Ken Albala, que leu todo
o texto e fez várias sugestões úteis. Quaisquer erros, claro, são meus. Mais uma
vez agradeço a Juliet Brightmore por reunir as ilustrações para o livro. Gostaria de
mencionar minha agente, Felicity Bryan, que tem uma noção muito clara da direção
que minha pena deve tomar. Finalmente agradeço a inspiração e o entusiasmo
de meus editores, Will Sulkin e seu colega Jörg Hensgen. A despeito de todas as
pressões que caracterizam seu campo de trabalho hoje, continuam lutando para
manter viva a tradição, muitas vezes ausente, de agradar aos criadores. Afinal de
contas, não haveria livros se não houvesse autores.
ROY STRONG
The Laskett, Much Birch, Herefordshire
setembro de 2001

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Banquete romano, de um afresco em Pompéia. Um escravo tira a sandália de um convidado
enquanto outro lhe oferece bebida. Um convidado, muito bêbado, é levado para fora.
1
Convivium: em Roma...

A mais famosa descrição que temos de um banquete aparece no que sobreviveu


de uma sátira do século I, Satyricon, de Petrônio.1 O anfitrião, Trimálquio, que
havia sido escravo, era um aproveitador, especulador de alimentos, fanfarrão, bêbado
e batia na mulher. O livro em si trata das aventuras de um par de homossexuais,
Encólpio, o narrador, e seu amigo, o jovem Gitão. No episódio conhecido como
Cena Trimalchionis está presente também um terceiro personagem sem escrúpulos,
Ascilto, que decide separar os amantes. Encólpio e Ascilto são convidados do
banquete de Trimálquio, e Gitão é levado junto, como servo dos dois.
O episódio começa com os três visitando os banhos. Os dois convidados já
estão vestidos com “roupas de festa” e mostram-lhe o anfitrião jogando bola com os
escravos. O que se segue prepara o cenário para uma extravagância de vulgaridade:
“Trimálquio estala os dedos e a este sinal, o eunuco apresenta-lhe o urinol, enquanto
ele continua jogando. O anfitrião esvazia a bexiga, pede água para lavar as mãos e,
depois de molhar levemente os dedos, enxuga-os nos cabelos do escravo.”
Ao chegar à casa de Trimálquio (provavelmente em Puteoli, não muito longe
de Nápoles), os hóspedes são recebidos por um porteiro e levados por uma galeria
cercada de colunas e decorada com cenas alegóricas glorificando o anfitrião. Na
entrada da sala de jantar um escravo exorta-os a entrar com o pé direito, o que eles
fazem, e logo encontram um servo despido, prestes a ser chicoteado, que se prostra
a seus pés implorando para que o salvem desse destino. Eles acedem.
Daí em diante o texto é um longo catálogo de surpresas. Na sala de jantar, o
escravo resgatado cobre-os de beijos e revela ser o mordomo, prometendo-lhes bons
vinhos. Encólpio e Ascilto instalam-se em almofadas e são servidos por escravos, que
parecem “um grupo de dançarinos”. Eles lhes oferecem água gelada (uma proeza
naqueles tempos anteriores à geladeira) para lavar as mãos e vinho. Surpreendente-
mente cortam-lhes as unhas dos pés, enquanto os escravos cantam em coro.
Depois que os hóspedes — são vários, inclusive (entrando e saindo) a esposa
de Trimálquio, Fortunata, e outra esposa, Cintila — tomam seus lugares, a refeição
tem início com um hors d’oeuvre (gustatio):

11
banquete

No prato de entrada havia um jumento de bronze corintiano, carregando uma cesta


dupla, com azeitonas verdes de um lado e azeitonas pretas do outro, ... pequenas
pontes soldadas atravessavam os pratos; continham arganazes [uma espécie de esquilo
pequeno] mergulhados em mel e polvilhados com sementes de papoula. Havia também
salsichas quentes numa grelha de prata e, por baixo, ameixas e sementes de romã.

Nesse momento, Trimálquio, enfeitado de púrpura e jóias, entra numa litei-


ra ao som de fanfarra. Sem se desculpar com os convidados por chegar após o
primeiro prato ter sido servido, instala-se no lugar habitualmente destinado ao
hóspede mais importante. Mesmo então continua ignorando os convidados, sem
interromper um jogo de tabuleiro. Escravos trazem uma grande travessa com uma
cesta contendo uma galinha de madeira com as asas estendidas, no ato de pôr
ovos. Ao “som ensurdecedor da música” os escravos pegam na palha, debaixo da
galinha, grandes ovos pesando 250 gramas, feitos de farinha de trigo e fritos em
óleo. Os ovos são distribuídos entre os convidados que, ao abri-los, encontram
passarinhos enrolados em gema de ovo temperada.
O texto indica que o primeiro prato era acompanhado de uma taça de vinho
adocicado (provavelmente do tipo chamado mulsum), pois Trimálquio oferece aos
convidados uma segunda taça “quando, a um súbito toque musical, os pratos de
hors d’oeuvre são retirados simultaneamente pelo grupo de cantores”. Uma das
travessas de prata cai, mas o escravo que a apanha leva um tapa na orelha e é
obrigado a deixá-la no chão para ser varrida com o resto do lixo.

Segue-se um novo excesso: as mãos dos convidados não são lavadas com água,
mas com vinho, por dois etíopes de cabelos compridos. Surgem jarras de vidro
com vinho de Falerno de “cem anos de idade”. Ocorre então uma coisa estranha:
um escravo traz um esqueleto de prata, e Trimálquio arruma-o à mesa numa
série de posições diferentes. O primeiro prato da cena propriamente dita é uma
travessa circular com iguarias para cada signo do Zodíaco — rins para Gêmeos,
carne para Touro, grão-de-bico para Capricórnio, e assim por diante. No centro,
um quadrado de turfa sustenta um favo de mel. Um escravo egípcio serve pão,
aparentemente ainda cantando, pois Trimálquio o acompanha “com uma canção
estridente”. Encólpio e Ascilto, que são aristocratas e todo o tempo zombam
da vulgaridade de tudo, lamentam a perspectiva de terem de se alimentar com
comida plebéia. Mas subitamente quatro escravos dão um salto e revelam que
o Zodíaco é apenas uma tampa, que eles abrem:

Vimos aí galinhas, úberes de porcas e no centro uma lebre com asas, um verdadeiro
Pégaso. Vimos também quatro representações de Marsias nos cantos do prato; de
seus odres perfurados jorrava vinho sobre os peixes que, por assim dizer, nadavam
num canal.

12
CONVIVIUM: em roma...

Todos, inclusive os servos, aplaudem e aparece um trinchante que corta a


carne ao ritmo da música.
Seguem-se comentários frívolos. Trimálquio, ostentando uma pretensa
erudição, anuncia que “mesmo quando jantamos devemos fazer avançar o co-
nhecimento”, e dá uma explicação sobre o simbolismo da tampa zodiacal. Todos
aplaudem com ar servil. Escravos trazem para o triclínio* colchas com cenas de caça
pintadas, enquanto cães de caça espartanos saltam para dentro da sala anunciando
a chegada do segundo prato:

... uma bandeja com um poderoso javali, usando o boné da liberdade. De seus dentes
pendiam duas pequenas cestas de folhas de palmeira, uma cheia de tâmaras frescas
e a outra com a variedade egípcia seca. O javali estava cercado de porquinhos feitos
de massa, amontoados em suas tetas...

Os porquinhos são dados de presente. Entra um trinchador vestido em roupas


de caça e enterra a faca nos flancos do javali, de onde voam tordos, que ficam
volteando pela sala até serem capturados. A carne é então servida junto com as
tâmaras, “ao ritmo da música”. Enquanto isso, um belo menino escravo vestido de
Baco canta poemas de Trimálquio, que logo depois se dirige ao lavatório.
A festa parece não ter fim. É servido um porco que ao ser trinchado despeja
salsichas e morcelas; surgem acrobatas, atores declamando em grego, coroas de
ouro e jarras de perfume descendo do teto, presentes para todos, bolos espirrando
açafrão nos convidados, e por fim vem a sobremesa (secundae mensae): “Consistia
de tordos de massa recheados de passas e nozes; havia também marmelos com
espinhos enfiados, parecendo ouriços-do-mar ... um ganso gordo cercado de todos
os tipos de pássaros.”
Escravos trazem ânforas de onde cascateiam ostras e vieiras. Chegam cogu-
melos numa rede de prata, e meninos de cabelos compridos lavam os pés dos
hóspedes com perfume e enfeitam suas pernas com guirlandas. A esta altura todos
estão bêbados, e a história termina com Trimálquio reclinado como um cadáver,
enquanto os músicos tocam uma marcha fúnebre e lêem seu testamento em voz
alta. Neste ponto, Encólpio, Ascilto e Gitão se retiram.
O que devemos apreender da Cena Trimalchionis? É um quadro preciso, afora
as distorções da pena de um satírico, de um convivium ou jantar festivo romano?
A resposta, surpreendentemente, é que a Cena Trimalchionis aproxima-se mais da
realidade do que uma primeira leitura pode sugerir. Ao que parece, o autor é
Petrônio Arbiter, político e arbiter elegantarium da corte de Nero, que foi obrigado
a cometer suicídio em 66 d.C.; assim, pode-se supor com bastante segurança que
o Satiricon tenha sido escrito entre 63 e 65. Qualquer pessoa que tenha familia-

* Sala de refeições com três leitos inclinados dispostos em redor de uma mesa. (N.T.)

13
banquete

ridade com os relatos de Suetônio sobre os excessos de Nero encontrará muitas


características daquele notório imperador incorporadas em Trimálquio. E mesmo
considerando a sátira, um convivium daquele período podia muito bem ser uma
questão de extremos.
O jantar de gala era um acontecimento determinante na sociedade romana
do primeiro século. Trimálquio pertencia às classes emergentes, um liberto decidido
a impressionar seus convivas pela opulência explícita de sua hospitalidade. Em
meados do primeiro século essa refeição já havia alcançado o alto nível de rituais
e artifícios. Era preciso vestir roupas especiais. A visita aos banhos como prelúdio
estabelecia que tal banquete ocorria na parte do dia dedicada ao otium (lazer) e
não ao negotium (negócio). Os convivas levavam servos e instalavam-se em sofás
(pois os romanos jantavam reclinados), numa certa ordem que denotava seu
status. (Petrônio chama a atenção para a maneira pela qual o anfitrião usurpou o
lugar — locus consularis — que deveria ter sido dado ao conviva mais importante.)
A refeição dividida em três partes parecia um espetáculo teatral, com músicos
e um grande elenco de servos cantando em coro enquanto serviam, lavando
mãos e pés, cortando as unhas dos pés dos convivas e distribuindo guirlandas. A
culinária era pródiga e elaborada, com comidas esculpidas como lebre com asas
e marmelos disfarçados de ouriço. Era também programada para espantar os
convivas com surpresas constantes, como o porco recheado de salsichas e mor-
celas. Além dos espetáculos de cantores, dançarinos, acrobatas e atores, algum
tipo de diálogo erudito também tinha papel importante. Em suma, essa refeição
era a epítome das aspirações de uma época e um alvo perfeito para a sátira, ao
expor sua vacuidade.
Mas a zombaria da tolice significa, é claro, que existia o tipo oposto de convivia,
reuniões que refletiam a essência da sociedade ordenada, como os romanos a
definiam. Como mostrarei, cada época produziu seu próprio festejo arquetípico.
O convivium era tão determinante para os romanos quanto o jantar de gala para os
vitorianos. Desde o início, o ato de comer em conjunto transformou uma função
corporal necessária em algo muito mais significativo, um evento social. Supunha
a aceitação de normas sobre o desenrolar da reunião. No mundo da Antigüidade
clássica, esta foi uma das primeiras ações que distinguiu homens civilizados dos
semi-selvagens. O convívio, tanto para gregos como para romanos, era visto como
uma das pedras angulares da civilização, embora ambígua e complexa. A mesa e
os convidados que se reuniam em torno dela para partilhar seus prazeres podiam
ser um veículo de agregação e unidade social; mas podiam também encorajar
distinções sociais, separando as pessoas em categorias pela colocação dos lugares,
ou, pior ainda, pela exclusão. Para os poucos escolhidos, comer em conjunto era
uma expressão do princípio da oligarquia; uma refeição para as massas da demo-
cracia. A comida oferecida a um superior expressava humildade e subserviência
por parte do anfitrião. A reunião de iguais demonstrava a comunhão do grupo. A

14
CONVIVIUM: em roma...

refeição e tudo o que a ela se ligava era, e em larga medida ainda é, um veículo
determinante de status e hierarquia — e também aspiração —, qualquer que seja
o padrão dominante da sociedade. Isso era bem claro na época da Cena Trimal-
chionis, quando já tinha alcançado uma forma de expressão muito sofisticada. No
entanto, constituía uma tradição que os romanos haviam tomado dos gregos e,
antes deles, das antigas civilizações do Oriente Próximo. É com estas culturas mais
antigas que devemos começar.

A HERANÇA GREGA

Já no segundo milênio antes de Cristo, partilhar comida e vinho como contraponto


social para um contrato escrito — como ocorre num casamento ou num tratado
— era costume estabelecido entre os babilônios. Os monarcas mesopotâmicos
produziam banquetes estupendos para acontecimentos importantes, como uma
vitória militar, a chegada de uma embaixada, a inauguração de um novo palácio
ou templo. A etiqueta nessas ocasiões era sofisticada: o rei sentava-se à parte, re-
clinado num divã, com a rainha por perto e os convidados colocados em grupos,
segundo seu status. Servir o vinho envolvia um grande cerimonial. Havia o ritual
de lavagem das mãos — os convidados recebiam um frasco de óleo perfumado
com cedro, gengibre e murta, com o qual se untavam no começo e no fim da
refeição. Carnes cozidas e grelhadas eram servidas em fatias de pão, seguidas por
uma sobremesa de frutas e tortas adoçadas com mel. Havia também música, canto,
malabaristas, palhaços, lutadores e atores.
Tais festividades se realizavam em grande escala. Assurnasirpal II (883-859
a.C.) inaugurou seu novo palácio com uma festa que durou dez dias, para nada
menos que 69.574 convidados. Eventos desse tipo tinham um papel da maior
importância na política dinástica. As provisões consumidas mostravam claramente
a todos os presentes que o soberano poderia dispor de tributos de todo o vasto
domínio persa. A comida e a bebida trazidas de regiões remotas enfatizavam a
prepotência do governo, e a própria refeição deixava manifesta a aliança da monar-
quia com as grandes famílias aristocráticas. Um aspecto desse grande espetáculo é
especialmente significativo para a história da mesa. Os representantes dos domínios
reais que desejavam bajular o rei enviavam deliberadamente iguarias para tentar
o paladar real e o apetite dos convidados poderosos. Desde essa época, bem no
início de nossa pesquisa, um fenômeno é evidente: o uso de ingredientes raros e
o desenvolvimento da haute cuisine como decorrência da hierarquia ligavam-se cla-
ramente à manipulação de um grupo por outro com finalidades sociopolíticas.
De maneira semelhante, no Antigo Egito o banquete era um importante
ritual social. As pinturas nas paredes dos túmulos provam isso. Vemos convida-
das oferecendo flores, provavelmente ao chegar, a comida servida em procissão,

15
banquete

inúmeros servos, música e dança. O banquete, mesmo naqueles tempos remotos,


já era uma experiência estética que ia muito além do mero consumo da comida,
abarcando a elegância da roupa, tipos de condutas, cerimonial e todas as formas
de entretenimento teatral.2
Tudo isso teria uma profunda influência sobre a Grécia, que se tornou uma
importante civilização a partir de unidades agrícolas isoladas e de pequenas ci-
dades muradas, como é relatado na Ilíada e na Odisséia. Contudo, até mesmo na
sociedade homérica o banquete era lugar de ostentação e prestígio. Nas palavras
do herói Odisseu:

Quanto a mim, digo que não existe alegria mais completa do que o povo tomado de
contentamento, e os comensais nos salões, sentados na ordem estabelecida, escutando
um menestrel, à sua frente as mesas supridas com pão e carne, o vinho despejado
dos vasos e servido nos copos em várias rodadas. Isso parece, para meu espírito, a
mais bela coisa que existe.3

Temos aí, já presentes, todos os elementos do banquete cerimonial: música


e canto, lugares distribuídos de acordo com o status e o papel simbólico dos
escanções.* Mas a Grécia antiga iria ainda mais longe e desenvolveu uma cultura
culinária muito mais complexa, deixada como legado para Roma.
A cozinha da Grécia era baseada no mar.4 A variedade de peixes em suas
águas era imensa: atum, peixe-sapo, salmonete, tainha, enchova, lúcio, bagre,
congro, arraia, esturjão, carpa, peixe-espada, brema, cação. A esses acrescentem-
se polvo, lula, siba, ostra, caranguejo e lagosta. A carne era muito valorizada,
mas relativamente rara. Em todas as sociedades primitivas os animais domésticos
tornavam-se muito mais necessários pelo leite, pela lã e para o trabalho na terra
do que para consumo. Mas os gregos comiam carneiros, porcos, bodes e caça, e
também animais menos atraentes para as sensibilidades modernas, como cachor-
ros e cavalos. A caça incluía lebres, javalis, cabras, asnos, raposas, veados e leões,
bem como presas de penas, como tordos, tentilhões, cotovias, codornas, galinhas-
d’água, gansos, pombos, patos-selvagens e faisões. Havia aves domésticas. Quanto
aos vegetais, a variedade era também considerável, à medida que a horticultura
evoluía: aipo, agrião, aspargo, beterraba, repolho, alcaparra, couve, alcachofra,
chicória, endívia e funcho. Quanto aos frutos, havia azeitonas, marmelos, ameixas,
cerejas, melões, maçãs, figos, pepinos, pêras e uvas, assim como diversas nozes.
As uvas forneciam vinho, e as azeitonas azeite. Ambos os produtos foram básicos
para a evolução da gastronomia grega. A todos esses ingredientes adicionemos
os prestigiosos temperos importados, especialmente a pimenta vinda da China,
Índia, Arábia e África.

* O escanção era o criado encarregado de servir o vinho. (N.T.)

16
CONVIVIUM: em roma...

O pouco que sabemos sobre a culinária grega vem de uma obra de Ateneu de
Naucratis, no Egito, intitulada Os Deipnosofistas (O banquete dos sofistas). Foi
provavelmente concluída no ano seguinte à morte do imperador Cômodo, em
192 d.C. Inclui 15 livros e tem a forma de uma série de conversas ficcionais que
aconteciam durante os jantares em Roma, onde eram discutidos inúmeros tópicos,
inclusive gastronomia na Grécia Antiga. Graças ao hábito do autor de incorporar
grandes trechos dos escritos de outras pessoas, Os Deipnosofistas nos dá muitas
informações sobre uma época que de outro modo estaria envolta em obscuridade.
Em particular, incorpora passagens do mais antigo autor que se conhece sobre
comida e culinária, Arquestrato, um grego nascido na Sicília no século IV a.C.
A gastronomia grega desenvolveu-se a partir da prática do sacrifício. A carne,
como já observei, era relativamente escassa e disponível principalmente após o
sacrifício de um animal doméstico aos deuses. Em tais ocasiões, era dividida em
porções iguais e assada. (O fato de ser dividida em porções iguais e distribuída
por sorteio significava que não existia a profissão de açougueiro. Mas a paixão dos
gregos, certamente a dos atenienses, eram os frutos do mar, que, como não faziam
parte do ritual religioso, eram uma comida totalmente profana.) Com a invenção
do fundamento da gastronomia — o caldeirão —, a carne ou o peixe podiam ser
cozidos ou guisados. Então os mais sofisticados começaram a adicionar outros
ingredientes à panela, como sal para intensificar o gosto, ou mel para adoçar, ou
a fragrância de ervas e especiarias. Desta maneira nasceu a arte culinária, que, no
caso dos gregos, rapidamente se tornou bastante sofisticada. O texto de Ateneu
contém nada menos que 30 referências a livros de cozinha gregos, sendo que o
primeiro pode ser datado do século V a.C. Grande parte das habilidades culinárias
que registra parece ter chegado à Grécia com cozinheiros da Sicília, nos séculos IV
e III. Também nesse período o comércio de vinho havia se desenvolvido comple-
tamente, com diferenças geográficas já reconhecidas. A culinária de então incluía
um grande número de pratos de carne e de peixe bastante complexos, bem como
um repertório de biscoitos, pães e bolos.
O objetivo era alcançar um equilíbrio entre o doce e o amargo, entre o ácido
e os sabores bastante fora do comum. Isso envolvia o uso de um vasto conjunto
de ervas e especiarias frescas ou desidratadas, juntamente com mel e vinagre, e
um ingrediente que também seria básico nas cozinhas subseqüentes de Roma e
de Bizâncio — o molho de peixe chamado garos em grego, e garum em latim.5 No
garos o peixe era misturado com sal, fermentava por até três meses, depois era
coado, e o líquido engarrafado. Desde tempos remotos sua produção já era feita
segundo uma linha de montagem.
Apenas alguns fragmentos desses livros de culinária do século V e IV sobre-
viveram, mas eles deixam claro que ao final do século V a.C. a civilização grega
havia dado nascimento a uma literatura completa e interconectada, englobando
dieta, saúde, exercício e higiene, bem como culinária. Além do mais, os gregos

17
banquete

foram os primeiros a reconhecer a culinária como uma das habilidades e artes


básicas da vida humana.6 A dieta no mundo antigo era vista sobretudo como um
meio de prevenir e curar doenças. Baseava-se numa visão quase universal de que
o corpo humano era composto por quatro humores: sangue, fleuma, bílis amarela
e bílis negra, cada qual com sua característica própria: quente e seco (sangue), frio
e seco (fleuma), quente e úmido (bílis amarela) e frio e úmido (bílis negra). Todos
os alimentos incorporavam um ou mais desses atributos. O equilíbrio perfeito,
essencial para manter o corpo saudável e livre de doenças, dependia de uma
alimentação capaz de corrigir qualquer desequilíbrio no sistema.
Esse desequilíbrio não era apenas uma característica inata do ser humano
individual, também variava com a idade e as estações do ano. Assim, por exemplo,
homens idosos deviam evitar amido, queijo ou ovos cozidos. E as comidas con-
sumidas no inverno deveriam ser mais quentes, fortes e secas que as do verão. O
conjunto desta teoria foi mais tarde compilado na obra de Galeno (129-199/216?
d.C.), médico da corte do imperador Marco Aurélio, cujos trabalhos sobre medi-
cina, dieta e higiene especificavam o que exatamente cada pessoa deveria comer,
segundo sua disposição humoral. Galeno foi a autoridade máxima sobre dieta
desde o fim da Antigüidade, ao longo da Idade Média e até o Renascimento.

Como eu disse antes, em Os Deipnosofistas há muitas passagens de escritos ante-


riores. Duas delas nos dão vislumbres preciosos e detalhados sobre os banquetes
na Grécia. Um poema intitulado “O banquete”, de Filoxeno de Leucas, descreve
uma festa que pode ser datada do final do século V ou começo do século IV a.C.7
Trata-se de uma produção muito elaborada, que poderia ter ocorrido numa cidade
como Atenas no início do século IV. Havia apenas homens presentes, reclinados em
divãs, com uma pequena mesa à mão. A festa começava com a ablução das mãos
e a distribuição de grinaldas de murta. Chegavam então “cestas de pães de cevada
brancos como a neve”, seguidas por uma sucessão de belos pratos de peixe: enguia,
cação, arraia, lula, siba e camarões glaçados com mel. Havia também “passarinhos
de massa folheada”. Em seguida vinha a carne: porco, cabrito e carneiro, tanto
cozida como assada, salsichas, frangos, pombos e perdizes. “Croissants”, escreve
ele, “fofos e macios, eram servidos com coalhada.” Depois de tudo isso, escravos
lavavam de novo as mãos dos convidados e os presenteavam com grinaldas de
violetas. Vinha então mais bebida e o que era chamado pelos romanos de “segun-
das mesas” (secundae mensae): “conchas de massa doce”, panquecas, bolos, queijo
e gergelim, doces, amêndoas e nozes.
O segundo texto é uma longa citação de uma carta escrita por um certo
Hipóloco descrevendo a festa de casamento de Carano, rei da Macedônia, em
275 a.C.8 Aproximadamente um século havia transcorrido desde Filoxeno, e o

18
CONVIVIUM: em roma...

crescimento da opulência e do espetáculo sob a influência do Oriente é quase


espantosa. Esse banquete era para 20 homens, cada um com seu escravo. Havia
uma abundância de utensílios de mesa em ouro e prata, e por duas vezes os
convidados foram presenteados com argolas de ouro. Após os pratos de abertura,
partilhados com os escravos acompanhantes, foram distribuídas grinaldas de flores.
Então, uma surpresa: “De repente irromperam moças cantando e tocando flauta
e algumas harpistas de Rodes; penso que estavam nuas, mas alguns dizem que
vestiam túnicas...”. Após este frisson, apareceram mais moças, desta vez carregando
frascos de ouro e prata com perfumes para os convidados. A refeição foi reiniciada
com a chegada de um porco assado numa grande travessa de prata, que, como
a do banquete de Trimálquio, vomitava “tordos, úberes e um número infinito de
beccafici [literalmente papa-figos, isto é, passarinhos minúsculos], com gemas de
ovo derramadas por cima”. O cardápio incluía ostras grelhadas e vieiras, cabritos
inteiros (junto com recipientes individuais, para que os convidados empanturra-
dos pudessem levar comida para casa, se quisessem), peixe grelhado e um javali
assado num espeto. Era servido vinho quente em grandes taças de ouro e havia
muitas abluções entre as seqüências de pratos, terminando o evento inteiro com
as habituais “segundas mesas” de frutas, nozes e bolos. Acompanhando essa ma-
ratona culinária havia o que era considerado uma produção teatral, que incluía

Jantar na Grécia Antiga. A comida está na mesa do comensal, e ele pede bebida.
Pintura de vaso, c.480 a.C.

19
banquete

“dançarinos fálicos”, bufões, mulheres acrobatas nuas e um coro de cem vozes


masculinas fortes cantando um hino nupcial, seguido por dançarinas fantasiadas
de ninfas e nereidas. Por esse relato vemos que o banquete como teatro já havia
desabrochado plenamente na segunda metade do século III a.C.
Os gregos ricos faziam uma refeição principal por dia, no início da noite.9
Qualquer tipo de alimentação formal era exclusividade dos homens; mulheres
e crianças ficavam excluídas. Meninos mais velhos podiam estar presentes, mas
sentavam-se no divã do pai ou de um amigo. Antes de tudo, a sociedade era
patriarcal. Essa refeição, conhecida como deipnon, era separada do symposion, des-
tinado exclusivamente à bebida comunal que se seguia. A sala iluminava-se por
lâmpadas suspensas, perfumadas com óleo e folhas de cheiro suave. A refeição
era servida por escravos, que começavam oferecendo pães de trigo e de cevada
em cestas. Vinha então uma espécie de hors d’oeuvre — frutas frescas, mariscos,
passarinhos assados, esturjão e atum salgado, além de acepipes de carne com
molhos extremamente temperados. Seguia-se peixe fresco, e a refeição culminava
com carneiro cozido ou assado no espeto. Então tudo era limpo para as “segundas
mesas”: bolos, doces, nozes, frutas secas e queijos. A mistura ritual do vinho com
água assinalava o começo do symposion.

Até aqui apenas esbocei o papel da refeição na sociedade grega. Seu significado
interno era profundo e fundamental para a operação da pólis.10 Na Grécia antiga,
comer e beber em conjunto eram expressões de igualdade — igualdade entre
membros de um grupo distinto que partilhava os mesmos valores e também o
poder político. Tanto na fase oligárquica como na democrática, as cidades gregas
eram governadas por círculos maiores ou menores, compostos exclusivamente
por cidadãos masculinos. Mulheres, crianças, estrangeiros e escravos não tinham
lugar nesse esquema. Dentro da estrutura de poder, o banquete cívico surgiu
numa data remota, como uma forte expressão comunitária da unidade entre os
cidadãos da pólis. Esse acontecimento tinha como elemento central um sacrifício
sangrento feito para os deuses, após o qual a carne era dividida igualmente entre
os cidadãos, cozida e comida em conjunto. A admissão no banquete garantia a
cidadania, e embora a festividade assumisse a natureza de uma liturgia de Estado,
era extremamente agradável para os que nela tomavam parte. Realmente ninguém,
até o advento dos moralistas clássicos e mais tarde dos primeiros pais da Igreja,
escreveu uma única palavra de condenação. Os banquetes cívicos eram vistos
como uma necessidade, um meio de sustentação da ordem política da cidade-
estado. Portanto, comer em conjunto tornou-se uma atividade tão importante das
classes governantes que em Atenas, c.480-460 a.C., foi construído um edifício
especial onde a comissão formada pelos 58 governantes da cidade comia junto
todos os dias.

20
CONVIVIUM: em roma...

É claro que a forma dessas festividades comunitárias mudou ao longo dos


séculos. No entanto elas sempre se realizavam nos feriados públicos que home-
nageavam um deus, ou junto, por exemplo, com jogos. Eurípides, em Íon, faz
uma descrição muito rica de tal celebração, um verdadeiro retrato em palavras. O
banquete realizou-se numa tenda cuja decoração, incorporando temas dos mitos
atenienses, sugeria que a descrição talvez refletisse bastante bem a realidade:

E logo o jovem em pé, pano por pano,


Sua tenda levantou, com cuidado para não encontrar
Os raios ardentes do meio-dia ou do entardecer;
Um quadrado de alguns metros ele fez para receber
Como convidado, se fosse preciso, todo o povo de Delfos.
Então tecidos da reserva sagrada ele tirou
Para revestir o arcabouço, coisas maravilhosas para os olhos.
Primeiro, para o teto, uma ala de bordados
Estendeu....
Nos lados, também havia outros bordados
De arte oriental, navios de guerra com proas que corriam
Para afundar navios gregos e formas metade animal, metade homem,
E veados perseguidos a cavalo, e a caça
De leões preando na floresta.
Então, no meio da tenda
Colocou grandes vasilhas para misturar, e adiante mandou
Um arauto que, na ponta dos pés, gritou
Que todos os delfianos que quisessem podiam entrar
E partilhar do banquete. Quando a sala estava cheia,
Todos foram coroados com flores, e
Abundante era a festa.11

Havia na verdade muitas formas de jantares comunitários na Grécia antiga,


mas todos começavam por um sacrifício de sangue, seguido de comida e finalmen-
te de bebida. A divisão entre os dois últimos elementos, entre a refeição e a festa
da bebida, talvez fosse a mais marcante. Era um arranjo herdado pelos romanos
e que persiste até hoje na Inglaterra, onde em algumas casas as mulheres deixam
a sala de jantar, enquanto os homens lá ficam, entregando-se a muita bebida e
muita conversa. Na Grécia Antiga essa parte da ação, o symposion, era de longe
a mais importante, exigindo a observância de regras e rituais elaborados.
A palavra symposion aparece pela primeira vez no século VII a.C.12 Lá pelo
século V construíam-se salas específicas para festas ou salas de jantar quadradas
e projetadas inicialmente para sete divãs, e mais tarde para 11. Cada um deles
acomodava dois homens. Normalmente a sala tinha três divãs por parede,
sendo que a parede da frente tinha um a menos, para caber uma porta fora de
centro. Os divãs podiam ser de pedra ou madeira. É crucial lembrar que tais
ambientes eram prerrogativas de uma elite. Existem alguns conjuntos deles em

21
banquete

Cena de symposion com meninos escravos servindo os convidados. Pintura de vaso, c.420 a.C.

santuários onde o sacrifício de sangue era feito antes do deipnon e do symposion.


Os que se situavam abaixo na escala social faziam piqueniques do lado de fora.
O symposion era uma festa na qual se bebia, mas não constituía de maneira
alguma uma orgia. O vinho ocupava um lugar central na Grécia Antiga. Era tido
como um presente divino e uma bênção dos deuses, com poder para curar tristezas,
induzir o sono, diminuir as preocupações e aliviar as misérias. Portanto atribuía-se
muito poder ao deus do vinho, Dioniso. Mas nunca se bebia vinho sem misturá-lo com
água. Tal prática era uma característica que distinguia o homem civilizado do bárbaro.
A separação entre o symposion e a refeição era enfatizada pela limpeza do
chão, a ablução das mãos e a presença de taças e guirlandas de flores. Os homens
reclinavam-se nos divãs, os jovens sentavam-se; a passagem para a idade adulta
eventualmente dava-lhes o direito de se reclinarem. Os divãs eram posicionados
na sala de modo que cada conviva pudesse ver os demais. O primeiro ato era
a escolha de um symposiarca, cujo dever era definir a ordem do dia e — mais
importante — decidir a mistura entre água e vinho na krater que ficava no meio.
Vinha depois uma libação dedicando a krater a Zeus e aos deuses olímpicos,
enquanto, acompanhados por uma flauta dupla, os presentes cantavam em coro
dois hinos em homenagem aos heróis e mais três em homenagem a Zeus Soter
(Zeus salvador, nos momentos de necessidade).
Aquele era um pequeno mundo à parte, um universo masculino. O symposiar-
ca definia o que ia acontecer: o tema dos discursos, as músicas a serem tocadas, o

22
CONVIVIUM: em roma...

tipo de mímica e de dança a serem apresentadas ou as competições que se dariam


entre os participantes. Também podia ser um ponto para encontros homosse-
xuais. Platão, em Symposium (c.385 a.C.) descreve como Alcibíades tentou seduzir
Sócrates durante um evento desses. Às vezes a festa era animada pela incursão
dos akletoi, pessoas famintas que eram alimentadas e obrigadas a “representar”,
revelando assim (ou melhor, sendo forçadas a revelar) sua inferioridade social. O
desfecho podia muito bem ser uma procissão com os participantes embriagados
cantando pelas ruas.
O Banquete de Xenofonte (430 a.C.) é de longe a mais viva evocação de uma
dessas ocasiões. O jantar e o symposion são dados por Calio em homenagem ao
herói dos jogos pan-atenienses, Autólico. Sócrates é um dos convidados. A con-
versa é inteligente, flui com vivacidade, e a noite é animada pelos gracejos de um
bufão profissional, um flautista, uma dançarina e prestidigitadora, e um menino
que tocava lira, cantava e dançava, trazido por um convidado de Siracusa. No
meio das brincadeiras, com os excessos homoeróticos, é proposto um jogo cujo
prêmio é beijar Autólico, e o evento termina com um intervalo dramático em que
Ariadne e Dioniso, ao som da música, são proclamados amantes.13
O symposion tinha sempre como motivo algum acontecimento — jogos públi-
cos, um festival, boas-vindas a visitantes. O que torna tais reuniões tão significativas
para nós hoje em dia é que então os grandes épicos eram cantados ao som da lira
pelos bardos profissionais. No século VI isso deu lugar a coros e novos gêneros
poéticos, poesia lírica, elegíaca e canções populares. Mais tarde essa prática seria
substituída por discussões intelectuais e filosóficas do tipo platônico. Em suma, o
symposion funcionava como uma expressão ritualizada das paixões, um microuniver-
so psicológico e cultural, um mundo à parte em que o vinho relaxava as inibições
e liberava a imaginação para preservar antigas formas poéticas e criar novas.
Esse foi o legado da Grécia para Roma: uma estrutura dual de festejo, domi-
nada pelos homens, na qual comer e beber eram dois momentos bem separados,
embora conectados. Porém havia mais. Qualquer tipo de refeição formal já envolvia
cerimonial, hierarquia e espetáculo, para não falar das artes — não apenas as artes
culinárias, mas aquelas associadas ao teatro: música, dança e canto. Até mesmo as
artes intelectuais expressas nas reuniões para debates eruditos encontraram ali o seu
lugar. Os romanos iriam preservar a estrutura essencial da festa grega, mas o que ocor-
ria em seu interior era, como já vimos no banquete de Trimálquio, de outra ordem.

A IDADE DE APÍCIO

A dieta romana também era mediterrânea, mas com uma diferença.14 Enquanto a
base da culinária grega havia sido o mar, os romanos olhavam para a terra, e sua
atitude em relação à comida e ao ato de comer era dominada por uma dualidade.

23
banquete

Os alimentos eram divididos entre fruges, produtos do solo (e portanto basicamente


vegetarianos) e percudes, comidas derivadas de animais ligados — como no caso dos
gregos — ao sacrifício ritual. Bois, carneiros e porcos eram usados para sacrifícios
públicos, enquanto ovelhas, leitões e frangos empregavam-se privadamente. Tam-
bém em comum com os gregos, o consumo da carne do sacrifício — confinado às
classes superiores — identificava os membros civilizados de uma comunidade. Os
que se comportavam como as tribos germânicas, cuja dieta consistia em grande
parte de qualquer tipo de carne, eram considerados bárbaros.
A dualidade romana a respeito dos alimentos manifestava-se de várias outras
maneiras; talvez a mais marcante seja o contraste entre os dois ideais de frugalida-
de pessoal e hospitalidade pródiga. Esse contraste é perfeitamente sintetizado na
natureza das duas principais refeições de um dia romano qualquer. O prandium,
espécie de lanche ao meio-dia, muitas vezes era pouco mais que as sobras do dia
anterior, comidas de pé. A cena, por outro lado, ou sua forma mais grandiosa, o
convivium, era uma refeição substancial e podia implicar uma copiosa série de pratos
cozidos, comidos numa posição reclinada, junto com os convidados. O prandium
tinha o mero propósito de encher o estômago para que se pudesse continuar com
os afazeres do dia, o negotium. O tempo da cena era o do otium, o período de
lazer que se seguia à atividade, quando a pessoa podia legitimamente encontrar
satisfação em entreter a “goela” com ricas iguarias, ingeridas por puro prazer.
À medida que Roma passou de república a capital de um vasto império, o
contraste entre essas duas abordagens da culinária foi percebido pelos moralistas, que
viam nos luxos modernos um sinal de decadência comparado à nobre frugalidade
dos tempos passados. Na verdade as satisfações complacentes estavam à disposi-
ção de quem podia pagar por elas. À medida que o Império crescia, as iguarias do
mundo conhecido fluíam para Roma. Aulos Gellius, em seu Noctes atticae, descreve
uma sátira de Marcos Varro (116-27 a.C.) que mostra até que ponto esse tipo de
gulodice imperial podia chegar. O poeta em sua sátira “trata da elegância sofisticada
nos banquetes” e lista as iguarias que os glutões buscavam:

... estas são as variedades e os nomes das iguarias que ultrapassam todas as outras,
que uma goela sem fundo caçou e que Varro analisou em sua sátira, com os lugares
onde são encontradas: pavão de Samos, pica-pau da Frígia, garças de Média, cabritos
de Ambrácia, ostras de Tarento, amêijoas da Sicília, peixe-espada de Rodes, lúcio de
Cilícia, nozes de Tassos, tâmaras do Egito, bolotas de carvalho da Espanha.15

Tais refinamentos culinários refletiam a realidade, e sabemos isso pelos relatos


dos banquetes dados por Licínio Lúculo (morto em 57/56 a.C.), cujo nome passou
para a história como sinônimo das mais extremas formas de repastos sibaritas.16 No
seu caso, os petiscos podiam incluir ouriços-do-mar de Capo Miseno, caramujos
de Taranto, atum da Calcedônia, ostras de Locrino, prosciutto da Gália, esturjão

24
CONVIVIUM: em roma...

de Rodes, camarões de Formia, avelãs de Nola, amêndoas de Agrigento, uvas


sicilianas e tâmaras egípcias.
Essa apreciação da qualidade também se estendia ao vinho.17 O interesse
pelo bom vinho começou no último século da República, e em 121 a.C., no con-
sulado de Opimius, ocorreu a primeira vindima famosa. Os vinhos falernianos e
de Nomentanum eram os mais valorizados. Os conhecedores gradualmente se
deram conta de que os melhores vinhos ficavam ainda melhores se guardados
por cinco ou 15 anos, e impôs-se o conceito de vindimas datadas. O vinho de
cem anos de Trimálquio era uma crítica a isso. Como no caso dos gregos, bebia-se
muito pouco vinho durante as refeições; as bebedeiras sérias começavam depois
que acabava a comida.
Os romanos, da mesma maneira que os gregos, associavam alimentos parti-
culares aos humores. Mas eles eram também condicionados por outra crença, a
de que apenas os ingredientes frescos eram absolutamente puros e incorruptos.18
Em sua forma mais elementar, essa teoria julgava, por exemplo, que a azeitona era
mais pura que o azeite, porque a pressão necessária para produzir o óleo era um
passo no sentido da corrupção e da podridão. A idéia aplicava-se especialmente
à carne, que nunca era seca; qualquer coisa que remotamente se assemelhasse
à decadência da carne era vista como causa de mau hálito, vômitos e disenteria.
Aqui chegamos mais uma vez à dualidade romana. A refeição frugal de vegetais
crus, pão e um pedaço de toucinho cozido era vista como ideal em termos de
saúde. A cena, em contraste, com seus elaborados pratos cozidos, era encarada
como potencialmente perigosa. Expunha o sistema orgânico a comidas deliciosas
e macias, obtidas com métodos análogos ao que acontecia no estômago, conside-
rado um caldeirão. Assim, as partes mais macias, que exigiam menos cozimento,
como miúdos e órgãos sexuais, e que apenas exigiam uma rápida grelha, eram
muito mais valorizadas que a carne com cartilagem, que exigia longos cozimentos
— outro passo no caminho da podridão.
Assim, em termos de dieta, todo romano tinha duas caras. Para o soldado,
orador ou homem de negócios havia o repasto frugal do prandium. Para o ca-
valheiro, cidadão que se reclinava numa túnica folgada no divã e comia pratos
potencialmente perigosos para seu sistema, havia a cena. No entanto, o mesmo
homem — ou mulher — podia envolver-se em ambos.
A segurança sutilmente dúbia da cena explica a razão pela qual mulheres
e crianças, vistas como mais fracas, não tinham permissão para se reclinar e
eram obrigadas a permanecer sentadas. Reclinar-se relaxava o sistema, o que
apenas os homens adultos podiam suportar. Isso também ajuda a explicar por
que, de tempos em tempos, as autoridades insistiam em tentar controlar a
cena e o que nela se comia.
Da lex Orchia de 182 a.C. em diante ocorreu um fluxo constante de normas
que tentavam regular o número de pessoas convidadas e o que lhes podia ser

25
banquete

servido.19 O decreto senatorial de 161 a.C., por exemplo, estabelecia a quantia


que podia ser gasta num jantar, limitava o número de convidados de fora da
família a cinco e bania o consumo de galinhas gordas. A legislação de 115 a.C.
proibia comer arganazes, mariscos e pássaros importados. Tudo isso, no entanto,
não tinha muito efeito. O que se comia e quantas pessoas eram convidadas para
jantar mantinham-se fora do controle do Estado. A opulência crescia cada vez mais,
juntamente com os horrorizados lamentos dos moralistas, que pregavam restrição
e frugalidade republicanas como modelo da vida pública e familiar.
No entanto, embora não fosse seguida, havia uma crença genuína e geral de
que a grandeza de Roma havia sido construída sobre o cultivo de uma austera
frugalidade. Além do mais, essas tentativas de controlar estilos ricos de vida du-
rante o período imperial destinavam-se a tentar fazer com que não se ampliasse
o hiato entre os ricos e os despossuídos, o que poderia ameaçar a estabilidade
social. A verdade é que para a maioria da população a comida consistia de uma
sopa grossa de aveia e carne com pão, suplementada por nabos, azeitonas, feijão,
figos, queijo e, de vez em quando, porco.
A capacidade de usufruir a riqueza de um poderoso império deixou sua
marca na culinária romana. O livro de Apício, De re coquinaria,20 faz referência
a galinhas da Numídia, inclui um molho alexandrino para peixe e até mesmo
oferece ervilhas ao modo indiano. No apogeu, a culinária romana foi a primeira
cozinha internacional na história da Europa Ocidental e era praticada, com va-
riações regionais, de um lado a outro do Império, das areias da África do Norte
às fortalezas da ilha bretãs. O que começou como culinária rústica e vegetariana
no tempo da República tornou-se, sob o Império, cada vez mais sofisticado, em
resposta primeiro às influências etruscas e depois às gregas. Estas últimas filtra-
ram-se através da Sicília e do sul da Itália. Depois, através de Cartago, veio o
impacto do Oriente. No final da República e no começo do Império Romano a
gastronomia alcançou riqueza e refinamento, e isso foi felizmente registrado por
Apício. O Alto Império iria seguir essa tradição que, apesar de toda sua elegância,
ainda apresentava um certo grau de restrição e levou-o na direção da decadência
e do excesso. Finalmente, com a desintegração do Império nos séculos V e VI
d.C., a gastronomia romana gradualmente fragmentou-se e desapareceu, junto
com a civilização que a fizera brotar.

De re coquinaria (Sobre a culinária), de Apício, é o mais antigo livro de cozinha que


resta. Quem era ele? Conhecemos três romanos com este nome, mas sem dúvida
o Apício do livro é M. Gabio Apício, um gourmet rico que ensinava haute cuisine
na primeira metade do século I d.C., nos reinados dos imperadores Augusto e
Tibério. Muitas de suas receitas tornaram-se famosas, e pratos que não eram dele

26
CONVIVIUM: em roma...

receberam seu nome, em sua homenagem. Sabemos que Apício escreveu dois
livros de receitas que não sobreviveram e que fundou uma escola de culinária. É
compreensível, portanto, que seu nome seja ligado ao De re coquinaria.
Essa coleção de receitas chegou até nós, em sua maior parte através de dois
manuscritos do século IX, um deles escrito em Tours, entre 844 e 851, e o outro
em Fulda, no mesmo século. Ambos remontam a outros anteriores, perdidos, e o
que restou está longe de ser completo. Há pouquíssimas receitas de pratos doces
e nenhuma de pastelaria, e ambos são aspectos essenciais da cozinha romana.
Aos dois manuscritos deve-se acrescentar um terceiro, com muito menos receitas,
compilado por um certo Vinidário, um ostrogodo que viveu no norte da Itália no
começo do século V. A cópia existente desta versão foi escrita no século VIII. O
latim de Apício sugere que o original data de uma fonte do final do século IV ou V,
embora já tenha sido situado até no século III.
De re coquinaria contém 470 receitas no total, divididas em 11 livros com
títulos como “O jardineiro”, “Sobre os pássaros” e “O mar”. Como a maioria dos
livros de receitas, é uma compilação e recorre a uma tradição que se estende
por séculos, até a culinária da Grécia clássica. O livro 10, “O pescador”, que fala
principalmente de molhos de peixe, é tão diferente dos livros de 1 a 8 que pare-
ce constituir uma versão romana para um tratado grego sobre molhos de peixe
(Ateneu informa que havia muitos). Certas receitas tinham claramente em vista
um grupo específico de usuários, como fazendeiros que desejavam aprender como
conservar alimentos. Havia também um núcleo de receitas derivadas de fontes
médicas. No geral, o quadro apresentado não é, de maneira alguma, de excessos,
embora inclua o infame arganaz recheado. Até hoje Apício continua sendo um
documento confiante e alegre, de leitura agradável.
O livro parte do pressuposto de que tudo dava uma enorme trabalheira.
Galinhas, caças e animais domésticos eram principalmente recheados e semi-co-
zidos, e então mergulhados em molho, para serem lentamente impregnados por
ele. Os sucos da carne cozida eram engrossados com amido ou farinha de trigo,
ragu com ovo, miolo de pão ou farelo de pastéis. O que Apício revela é que, a
despeito de sua preferência teórica pela simplicidade, os romanos não gostavam
de ingrediente algum em sua forma pura. Não há quase receita sem um molho
que mude de modo radical o gosto dos principais ingredientes.
O objetivo dos molhos variava. Podiam disfarçar ou aumentar o sabor, colorir
ou descolorir, adoçar ou azedar, engrossar ou afinar a mistura. Molhos doces predo-
minavam nos pratos de carne; agridoces nos de peixe. Um único prato podia exigir
até dez ervas e temperos diferentes, enquanto 90% das receitas pediam caras espe-
ciarias importadas. Como no caso dos gregos, a pimenta encabeçava a lista, seguida
de canela, gengibre, noz-moscada e cravo vindos da Índia, Ceilão, baía de Bengala
e China. Essa obsessão por especiarias importadas seria na verdade o maior legado
romano à Idade Média. Sabe-se que Apício era lido na corte de Carlos Magno.

27
banquete

O garum mantinha seu lugar, juntamente com dois outros condimentos


populares — silphium, um tempero da Líbia que se extinguiu no século I d.C., e
asafoetida, a resina da planta Ferula asafoetida, um parente da erva-doce e que a
substituiu. Quanto às ervas, ligústica e arruda encabeçavam a lista, ambas preferidas
pelo sabor acre e amargo. Vinha a seguir coentro, cominho, orégano, sementes de
aipo, de salsa, louro, sementes de aniz, funcho, hortelã, cariz, sementes de mostarda,
losna, cerefólio, rúcula, tomilho, sálvia, piretro, ínula, açafrão e almécega.
Embora Apício inclua muito do que hoje em dia encaramos como alimentos
em desuso, como língua de garças, papagaios e flamingos, sua cozinha é refinada,
saborosa, e reflete plenamente uma classe alta sofisticada e culta. O que esse corpus
de receitas ilustra é como os romanos, que descobriram a cozinha grega ao final
do século III a.C., adotaram-na e mudaram-na, aumentando em muito o uso de
temperos e ervas exóticas. O que não nos diz e que jamais saberemos, apesar de
possuirmos esse documento impressionante, é qual era o sabor da comida romana
e qual exatamente o seu aspecto.

CENA E CONVIVIUM

Os romanos dividiam o dia em duas partes — 12 horas de dia e 12 horas de noite


—, pontuadas por três refeições. A primeira, jentaculum (desjejum), imediatamente
após o despertar, consistia de pouco mais que um lanche de pão e frutas. A segun-
da, prandium (almoço), não tinha hora nem lugar fixos e consistia, como vimos,
de alimentos simples, destinados a manter a pessoa durante o dia de trabalho.21
Sua frugalidade era vista como exemplo das virtudes romanas.22
A única refeição propriamente dita em todo o dia era a cena ou fercula (ceia
ou jantar), normalmente na nona hora. No verão, isso significava entre 14h30min
e 15h45min, e no inverno entre 13h30min e 15h. No passado, a cena era ainda
mais cedo, seguida por um segundo repasto frugal chamado vesperna, à noite. Com
o advento da luz artificial ela passou a ser realizada cada vez mais tarde — como
o jantar no século XIX — e se tornou o mais importante evento social e culinário
do dia. Quando a cena era farta e incluía convidados, era um convivium, a versão
romana do jantar de gala. O orador Cícero acreditava que esses eventos eram o
coração da vida civilizada romana: “Pois foi uma boa idéia de nossos ancestrais a
presença de convidados numa mesa de jantar — pois isto implicava uma comuni-
dade de prazeres — de convivium, ‘viver em conjunto’”.23
Graças à influência etrusca, o convivium romano diferia de seu predecessor
grego no sentido de poder incluir mulheres entre os participantes. Sua centrali-
dade na vida romana decorria da complexa tentativa de alcançar um equilíbrio
perfeito.24 Quem não oferecia convivia era chamado de avarus, enquanto quem
comparecia a muitos era castigado como parasitus. Para o anfitrião, o objetivo era

28
CONVIVIUM: em roma...

evitar uma aparência de sovinice e uma ostentação desnecessária. Os escritos de


Cícero, Sêneca, Tácito e Plínio o Moço estão cheios de relatos de membros das
classes altas jantando juntos, na cidade ou nas vilas, no campo ou no litoral. Para
tais pessoas, o convivium era uma elegante cerimônia de civilidade, ocasião em
que o homem privado saboreava suas realizações e, em certa medida, exibia-as
a seus pares no cenário de sua própria casa ou família. Como mecanismo social,
o convivium era tão importante para os romanos como o salon para a França do
século XVIII, ou o jantar de gala para a Inglaterra vitoriana.25
Na verdade, ao final do período republicano, o convivium exigia roupas espe-
ciais.26 A synthesis combinava uma túnica com um casaco diminuto (pallium), ambos
feitos do mesmo material, com coloridos brilhantes e elaboradamente bordados.
O pallium podia ser leve ou pesado, dependendo de estação e temperatura. O
tamanho e a maneira como era dobrado variava de acordo com as preferências
pessoais e a ocasião. A synthesis também era usada pelas mulheres. Diferente da
familiar toga, só era usada privadamente, jamais em público. Os vaidosos às vezes
trocavam diversas vezes de synthesis durante um único jantar. Marcial zombava
de Zólio por trocar de roupa nada menos que 11 vezes.27
Na Roma de meados do século IV, Amiano Marcelino, o último grande his-
toriador latino, lamentando a indulgência e a decadência dos nobres, escreveu:
“Suas idéias de civilidade são tais que é preferível um estranho matar o irmão de
um homem que não comparecer a um jantar ao qual tenha sido convidado.”28 O
jantar de gala romano começou como a pura expressão de uma elite da sociedade
republicana, essencial para sua coesão social. Na ausência de uma corte imperial,
servia para reunir pessoas poderosas e iguais, embora, naturalmente, muitas vezes
incluíssem dependentes e penetras. No entanto, durante o período imperial o jantar
de gala passou a ser visto como sobrevivência de uma era extinta, a ocasião em
que anfitrião e convidados de vários níveis podiam se comportar como iguais em
torno de uma mesa. Esta ao menos era a maneira como se viam os velhos convivia
republicanos em retrospecto — ocasiões agradáveis e sem distinção de classe, em
que as barreiras sociais eram suspensas, as convenções normais relaxadas, e os
“inferiores” tinham permissão de fazer livremente observações audaciosas sem
temor de recriminação. “Sirvo o mesmo para todos, pois quando chamo meus
convidados é para uma refeição, não para fazer distinções de classe”, escreveu Plínio
o Moço. “Trouxe-os como iguais para a mesma mesa, portanto dou-lhes o mesmo
tratamento em tudo”.29 A realidade tornava-se muito diferente. Os jantares festivos
em Roma eram como os de hoje, na base de quem é convidado e quem não é.
Como sempre havia os convidados para serem julgados quanto à adequação, e
muitas vezes não eram chamados de novo. Um conhecido graffito dos muros de
Pompéia resumia isso: “O homem com quem não janto é um bárbaro para mim.”30
A verdade é que, embora a pretensa noção de igualdade continuasse ao longo
do período imperial, tais eventos eram exercícios hierárquicos de precedência, e

29
banquete

quem tinha uma posição senatorial ou militar, ou quem era conselheiro local ou
magistrado, desfrutava uma posição que os que eram apenas ricos não alcançavam.31
O imperador Augusto oferecia os chamados cenae rectae (jantares formais) “com
atenção estrita à posição social e aos indivíduos”. Os romanos eram obcecados por
hierarquia, profundamente preocupados com conceitos como dignitas e existimatio,
liberalitas e munificentia, todos virtudes patrícias. O imperador Domiciano pode ter
convidado diferentes ordines (categorias) a seus cenae rectae e até a seus cenae publicae
(banquetes oficiais), mas é claro que havia uma rígida segregação de convidados em
termos de posição, e também uma distinção no que era servido à mesa. Mesmo
antes do final da era republicana ofereciam-se pratos diversificados a convidados de
diferentes categorias.32 Quando Cícero recebeu Júlio César em Puteoli durante a
Saturnália de 45 a.C., os convivas jantaram em três mesas separadas. Todos comeram
bem, mas os convivas da segunda e da terceira mesas não tão bem como os da pri-
meira.33 Plínio é mordaz quanto a esse comportamento e envia uma descrição de um
jantar como um “exemplo de alerta” a um jovem amigo: “Os melhores pratos eram
postos diante dele mesmo e de alguns escolhidos, e comida barata diante do resto
do grupo. Até mesmo pôs vinho em garrafas pequenas, divididas em três categorias.
... Um lote destinado a ele e a nós, outro aos menos amigos (todos os seus amigos
são classificados em categorias) e um terceiro aos seus e aos nossos libertos.”34
A organização de uma festa era calculada, mas ainda assim o resultado tor-
nava-se imprevisível. Homens de posição superior, por exemplo, não hesitavam
em aparecer com um amigo que não estava na lista de convidados. Também
havia sempre um punhado de pessoas convidadas para preencher as ausências,
as chamadas umbrae (sombras). Dependentes ou clientes, como eram chamados,
compareciam como hóspedes pagos.
Em jantares opulentos a diferença de alimentos de uma mesa para outra podia
ser bem considerável. Marcial fala da angústia de um convidado rebaixado:

Já que não sou mais convidado a jantar por um preço, como antes [isto é, como con-
vidado pago], por que não ganho o mesmo que você? Você ganha ostras engordadas
no poço de Lucrine, eu corto a boca chupando um marisco. Você ganha cogumelos
frescos, eu ganho cogumelos de porcos. Você se serve de linguado, eu de brema.
Uma rola dourada enche o seu prato com seu traseiro descomunal, e a mim servem
uma pega que morreu na gaiola.35

O advento do cristianismo com suas festas comunitárias trouxe outra luz à


questão da hierarquia da comida. O apóstolo Paulo teve de encontrar uma forma
de evitar reuniões onde os ricos e seus amigos recebiam comida e bebida melhores
que outros de status mais baixo. Resolveu a questão, afinal, decidindo que era
melhor que os ricos comessem privadamente.
Essa reunião de convidados podia levar a uma certa irritação, o que nada era
comparado à tensão existente entre o anfitrião e seus convidados e o pequeno

30
CONVIVIUM: em roma...

exército de escravos à disposição de cada um. Uma única casa chegava a ter 400
escravos, e um convivium podia exigir os serviços de cada um deles.36 O cardápio
muitas vezes era escolhido por um escravo liberto, um obsonator, que conhecia
tanto o gosto de seu senhor como o dos convidados. Escravos conhecidos como
nomenclatores organizavam e entregavam presentes aos convidados quando eles
partiam. O vocator ficava de olho na equipe durante o evento e provavelmente
também supervisionava os escravos da sala de jantar. A equipe incluía os ministri
ou pueri a cyatho, escolhidos por sua bela aparência, que tinham permissão de
manter os cabelos compridos. Esplendidamente vestidos, sua tarefa era servir vinho
e cortar a comida em pedaços que coubessem na boca. (Criados particularmente
bonitos também podiam ser empregados para satisfazer as necessidades sexuais
dos comensais.) Um escravo especialmente treinado atuava como trinchante ou
structor. Numa posição inferior vinham os scoparii, de cabeça raspada e roupa
grosseira, que limpavam o chão.
Os escravos viam tudo, mas exigia-se deles que se mantivessem em silêncio.
Eram subalimentados, reprimidos e sujeitos à mais brutal repressão pela mais leve
falta. Por duas vezes no banquete de Trimálquio ocorreram ameaças de castigos
selvagens. Esta era a norma. Se o assado estava malpassado ou se o peixe estava
mal temperado, o cozinheiro (que na verdade tinha uma posição bastante alta na
hierarquia dos escravos) podia ser despido e espancado. Qualquer escravo que
roubasse ou destruísse um objeto de valor era morto, mutilado ou acorrentado.
A crueldade da época é exemplificada no famoso caso de uma cena dada por
P. Vedio Pólio, amigo do imperador Augusto, durante a qual um escanção que
quebrou uma taça de cristal teve as mãos cortadas e penduradas no pescoço.
Depois foi obrigado a desfilar entre os comensais antes de ser jogado para as
lampreias num poço.
O cenário da cena ou convivium era o triclinium.37 No início do período
romano as refeições eram servidas no atrium, e mais tarde numa sala chamada
cenaculum; mas quando veio a moda de comer reclinado, foi desenvolvida essa
sala especial. Muitos triclinia sobrevivem nas ruínas de Pompéia e Herculano. As
salas eram projetadas para três divãs, cada um deles acomodando três comensais
em volta de uma mesa central redonda ou retangular. Nas grandes casas e vilas
podia haver vários triclinia, uns mais quentes para o inverno e outros situados de
maneira a aproveitar as frescas brisas e a sombra do verão. Alguns eram feitos
para jantares ao ar livre nos jardins.

Os assentos freqüentemente levavam em conta as belas vistas do campo ou do


mar. Nos triclinia os divãs podiam ser de madeira ou pedra, com todos os tipos
de decorações luxuosas. Alguns triclinia em Pompéia tinham um jato de água
jorrando da mesa central e pequenos regatos refrescantes gotejando diante de

31
banquete

cada comensal. Na chamada casa de Loreius Tiburtinus, os pratos boiavam numa


grande bacia em frente a cada conviva. Enquanto a maioria dos triclinia eram salas
essencialmente pequenas, os ricos também tinham salões de banquete com grupos
de divãs que acomodavam muitos hóspedes.
A arrumação da sala de jantar iria mudar mais tarde, no século II e no co-
meço do século III d.C. Em vez de três divãs retangulares havia um grande, em
semicírculo, chamado stibadium, sigma ou accubitum, onde sete ou oito convidados
podiam reclinar-se. Há evidências de que esta forma foi desenvolvida primeiro
para jantares ao ar livre e mais tarde adaptada para dentro de casa, em resposta
a entretenimentos mais elaborados introduzidos pelo anfitrião nos convivia. O
próprio triclinium mudou de formato, transformando-se numa sala com até três
alcovas, cada qual com um divã diante de um espaço vazio no meio. Na verdade
a sala de jantar foi transformada em teatro de arena.
Mesmo na sua forma mais primitiva, o triclinium era repleto de tons simbólicos.38
O teto podia ser equiparado aos céus, a mesa e seus conteúdos à Terra, e o chão à
morada dos mortos, Hades. Tal visão do triclinium como uma espécie de microcosmo
do universo era reforçada pelo tema dos pavimentos de mosaico, que sobreviveram.
Por exemplo, na entrada da sala, Cérbero, o cão que guarda o mundo inferior, está
muitas vezes representado. Na famosa Domus Aurea de Nero, recentemente escavada
em Roma, o teto retratava os céus e até mesmo podia se abrir. Suetônio registra que
o telhado girava dia e noite, de acordo com o céu. Outras salas de jantar na Domus
“tinham tetos com relevos de marfim, com painéis deslizantes que permitiam que
uma chuva de flores ou perfumes caísse sobre os convidados”.39

Planta de um triclinium

32
CONVIVIUM: em roma...

Cena de banquete, século IV ou V d.C., com os convivas reclinados num stibadium.


Um servo verte vinho de um jarro, o outro carrega um vaso de água e uma bacia
para lavar as mãos. Iluminura.

No atrium de toda casa romana havia um altar para os deuses, os lares; num
determinado momento da cena os deuses eram carregados e colocados na mesa.
As naturezas-mortas que aparecem com destaque nas paredes de tantos triclinia
em Pompéia e Herculano são na verdade alimentos para os mortos. Não que isso
fosse uma barreira para as festividades. Ali também se encontram conselhos fran-
cos e diretos que sugerem tudo, menos melancolia: “Poupe a mulher do vizinho
de olhares lascivos e requebros amorosos, e deixe que a modéstia viva em sua
boca”; “Seja amigável e evite bravatas raivosas, se puder. Se não, deixe que seus
passos o levem de volta para casa”.40
Ao chegar a um jantar, o conviva tirava as sandálias ou os sapatos de andar
na rua, passava-os para o escravo que o servia e calçava chinelos fornecidos pelo
anfitrião. Então se juntava aos outros no atrium ou em alguma outra sala próxima à
sala de jantar. Era uma ocasião de conversa; só no período de Tibério, no começo do

33
banquete

século I d.C., é que beber antes do jantar tornou-se norma. Casas opulentas tinham
um mestre-de-cerimônias que controlava a coreografia desse entretenimento.
A um sinal todos entravam no triclinium e tomavam seus lugares nos divãs,
tirando os chinelos. Nesse momento os escravos lavavam os pés dos convidados,
ritual expresso em outra inscrição em Pompéia: “Deixe que o escravo lave e seque
os pés dos convidados, e faça com que tenha o cuidado de estender uma toalha
de linho nas almofadas dos divãs”.41 No período pré-stibadium os três divãs eram
chamados de lectus summus, lectus medius e lectus imus. O anfitrião reclinava-se no
último, geralmente com membros da família. O lugar de honra, ou consularis locus,
podia variar, mas em geral situava-se no meio do lectus medius — imus in medio —,
aparentemente indicado para falar de negócios, caso necessário. No stibadium o
lugar de honra era no centro, mas ao final do Império passou a ser à esquerda. Os
divãs eram inclinados, com a cabeceira mais alta, e os comensais ficavam separados
uns dos outros por muros de almofadas. Todos tinham uma coberta.
O direito de um homem a reclinar-se vinha com o uso da toga virilis, aos 17
anos.42 Com os direitos, é claro, surgiam os perigos. Aos olhos dos moralistas pagãos
e cristãos, essa passagem à idade adulta abria para os jovens uma trindade de vícios:
comida, bebida e sexo. O perigo da sedução homossexual era particularmente
grave. Quintiliano, uma autoridade em retórica, levantava as mãos em horror. O
que se poderia esperar, escreveu, diante de tudo a que os jovens estavam expostos
antes mesmo de ter idade para se reclinar ao jantar? “Nós ensinamos: eles nos
ouvem usar tais palavras, vêem nossas amantes e nossos concubinos; em todos
os jantares ouvem-se canções indecentes e apresentam-se a seus olhos coisas das
quais deveríamos corar simplesmente ao falar delas.”
Basta isso para as tentações não palatáveis do divã. À mesa, diante de cada
comensal ficava um saleiro, salinum, e uma garrafa de vinagre, acetabulum. Perto
havia dois aparadores, um para vinho, o cilibantium, e outro para comida e para
as travessas, o repositorium. Havia jarras para vinho, o oenophorus, vasos para água
quente, caldarium, e vasilhas para misturar, cratera — os romanos bebiam vinho
misturado com água quente. A sala era iluminada por candelabros e lâmpadas
penduradas do teto em correntes. A fumaça de óleos aromáticos desprendia-se
de turíbulos, pois parte do prazer do jantar estava no olfato. O chão de mosaico
era coberto de folhagens aromáticas — ancusa, verbena e avenca — e vasos de
flores, especialmente rosas, decoravam a sala. Os convivas recebiam guirlandas
de flores e óleos perfumados para o corpo e o cabelo.
O comensal ficava reclinado de lado, com o braço esquerdo apoiado numa
almofada e os pés virados para a direita. Qualquer refeição começava com a ablução
das mãos, e o ritual repetia-se a intervalos regulares. A todo momento os escravos
traziam água perfumada e toalhas para os convivas. No século I um guardanapo,
mappa, era oferecido pelo anfitrião, embora alguns convidados trouxessem os seus,
que eram grandes o suficiente para levar para casa qualquer iguaria não consumida.

34
CONVIVIUM: em roma...

Os alimentos eram comidos num prato (patina, patella ou, se fundo, catinus) que
o comensal segurava com a mão esquerda. Os escravos cortavam os alimentos
maiores em pedaços pequenos para facilitar. Em geral os convivas comiam com
a ponta dos dedos, tomando muito cuidado para não sujar as mãos ou o rosto. A
comida também podia ser levada à boca na ponta de uma faca, e havia colheres,
de várias formas, desde a concha, trulla, à cochlea ou ligula, para alimentos pequenos
como ovos ou mariscos. Só no fim da era imperial surgiram os garfos. Distribuíam-
se palitos. Os pratos individuais e as travessas em que os alimentos eram servidos
podiam ser incrivelmente ricos e luxuosos, como testemunham as numerosas
pratarias desenterradas por toda a Europa. As taças eram de cristal, ouro, eletro
(uma liga de ouro e prata) e murra, uma rica pedra opaca que melhorava o buquê
do vinho, ou pelo menos assim se pensava. Podiam ser de vários formatos, com
ou sem asas, estampadas ou incrustadas com pedras preciosas.
A refeição começava com o gustus ou gustatio, uma espécie de hors d’oeuvre
que consistia principalmente de vegetais e ervas, azeitonas, fatias de ovos cozidos,
caramujos e mariscos, tudo regado a vinho adoçado com mel, conhecido como
mulsum.43 Nas refeições mais opulentas podia haver outros pratos, como ostras,
tordos e arganazes recheados. Seguia-se então a cena propriamente dita, em geral
com três serviços — cena prima ou ferculum, secunda e tertia —, mas podia haver

Mosaico romano com o lixo típico do chão de um triclinium, antes de ser varrido.

35
banquete

muitos outros. O prato mais importante era sempre feito com carne de sacrifí-
cio, possivelmente de porco ou vaca prenha. Cabritos novos eram considerados
uma grande iguaria. Podia haver faisão ou ganso, presunto ou lebre, junto com
uma variedade de peixes, sendo os preferidos o linguado e a lampreia. Os convi-
dados escolhiam o que queriam dentre o que lhes era oferecido. Após o último
serviço limpava-se a mesa e varria-se o chão. (Nas casas mais importantes esse
processo podia envolver serragem colorida.) Vinha então a sobremesa, secundae
mensae ou bellaria, que consistia de maçãs, pêras, nozes, uvas e figos, algumas
vezes acompanhados de mariscos e passarinhos.
Sobreviveram muito poucos cardápios de uma refeição romana. Macróbio,
em Saturnalia, nos dá o relato de uma cena opulenta oferecida entre 74 e 69 a.C.
pelo colégio de pontifices (“sacerdotes”) de Roma, na estréia de um flamen martialis.
Havia 11 sacerdotes presentes, inclusive Júlio César, bem como a esposa e a sogra
do novo flamen e quatro virgens vestais. Os homens foram distribuídos em dois
grupos, as mulheres em um, e o jantar deu-se como se segue:

Foram servidos, para o serviço preliminar, ouriços-do-mar, um número sem limites


de ostras cruas, vieiras e amêijoas, tordos com aspargos, galinhas gordas, um prato de
ostras e vieiras, e então outro serviço de amêijoas, mariscos, passarinhos, pernil de
veado e de javali, empadões de galinhas gordas, mais passarinhos e múrices. Como
pratos principais foram servidos úbere de porca, pato, marreco cozido, lebre, galinhas
gordas assadas, trigo com creme e rolinhos de Picenum.44

No caso dos romanos, a bebida que se seguia à cena, a comissatio, não tinha
as complexas ressonâncias da época grega, mas envolvia um certo grau de forma-
lidade ritual. Antes que ela começasse, os lares eram trazidos e postos na mesa.
Vertiam-se as libações e pronunciavam-se as palavras de bom agouro. O grupo
escolhia um rex convivii, ou magister ou arbiter para decidir, como fazia seu protótipo
grego, a proporção de água e vinho. Durante a comissatio os convivas punham
guirlandas de flores e se perfumavam. A principal atividade era oferecer brindes
— aos ausentes, às mulheres, aos exércitos imperiais. A maneira mais comum de
brindar um outro convidado era encher o copo, esvaziá-lo, enchê-lo de novo e
passá-lo para que ele bebesse.
Macróbio fala, sobre esta parte da noite, que “a conversa à mesa vai natural-
mente assumir um aspecto mais jovial, buscando o prazer pelo prazer, e não um
outro propósito mais sério”.45 Cícero, em seu De officis, aconselha o convidado a
não falar muito de si mesmo e a não passar adiante os tipos errados de mexericos,
mas concentrar-se em questões domésticas, política, artes e ciências, e nunca se
entregar à paixão ou à raiva.46 “O imperador nos convidava para jantar todos os
dias”, escreve Plínio o Moço numa carta, “e era tudo muito simples, consideran-
do a posição dele. Algumas vezes recitavam-se poesias, e em outras a noite se
prolongava com conversas agradáveis”.47 Os jantares romanos envolviam tanto

36
CONVIVIUM: em roma...

leitores como cantores, numa continuação da crença grega de que os prazeres de


alimentar o corpo não deviam separar-se dos prazeres mais elevados de alimentar o
espírito. Cícero, tentando convencer um amigo que não queria voltar a freqüentar
jantares, argumenta: “Você se privou de muita diversão e prazer. ... a conversa é
muito mais agradável nos jantares. Sob este aspecto nossos patrícios são bem mais
sábios que os gregos. Eles usam palavras que literalmente significam ‘co-beber’ ou
‘co-jantar’, mas nós dizemos ‘co-viver’, porque nos jantares, mais que em qualquer
outro lugar, a vida é vivida em companhia.”48 Este era o ideal. As reuniões podiam
naturalmente desviar-se para outra direção muito diferente, passando a orgias de
mau gosto, onde as pessoas se empanturravam, se entregavam a licenciosidades
sexuais, vomitavam e se embriagavam.
Em qualquer casa havia um ou mais leitores, lector ou anagnostes, escravos ou
libertos. Geralmente os trechos lidos eram escolhidos por seu valor educacional
ou por serem divertidos — passagens da história grega e romana, poemas líricos
em latim e grego, em particular as obras de Virgílio e de Homero.49 A pior coisa
que um anfitrião podia fazer era infligir suas próprias composições aos convidados.
Sobre este ponto, passemos a palavra a Marcial:

Esta, e nenhuma outra, é a razão pela qual você me convidou para jantar, Ligurino:
para recitar seus versos. Eu tiro meus chinelos e imediatamente um enorme volume é
trazido entre as alfaces e o molho picante. Outro é lido durante o primeiro serviço. Vem
um terceiro e a sobremesa ainda não chegou. E você recita um quarto e finalmente um
quinto rolo. Se você não me servir javali tantas vezes, ele vai cheirar mal. Mas se não
limitar seus detestáveis poemas à cavala, Ligurino, no futuro vai jantar sozinho.50

À medida que crescia a opulência do Império durante o século I d.C., os


ricos cada vez mais contratavam artistas profissionais de todos os tipos, entre eles
tocadores de lira, cantores, atores, bufões e cômicos, para não falar de travestis,
dançarinas, gladiadores e anões meio idiotas.51 Suetônio registra que até mesmo
o frugal Augusto dava jantares que incluíam pantomimas, artistas do circo e, fre-
qüentemente, contadores de histórias. O gosto dos imperadores percorria toda a
gama do inofensivo ao profundamente horrível. Calígula gostava que seus jantares
fossem animados com tortura ou decapitações. A tendência de Adriano era teatral,
tragédias, comédias e farsas, tocadores de sambuca, bem como leitores, poetas e
especialistas em mímica. Lúcio Vero preferia assistir a lutas de gladiadores.52
O que mais chama a atenção do observador contemporâneo no convivium
na forma mais restrita, sem os excessos decadentes do período final, é sua
modernidade — ordem, excelência culinária, sentido de estilo e de cerimonial,
assim como gosto por todos os complementos da vida civilizada, como conversa
e música, leitura de prosa e de poesia, que na verdade muitas vezes resultavam
num cabaré ligado a uma refeição, o que hoje chamaríamos de café-teatro. Mas
tal modernidade era sustentada por uma vasta infra-estrutura de escravidão, que

37
banquete

por sua vez se baseava em brutalidade, violência e todas as formas de sujeição


cruel. Em nenhum outro período da história da alimentação ocorreu uma pola-
ridade tão espantosa e assustadora.

BANQUETES PÚBLICOS E BANQUETES IMPERIAIS

Os banquetes públicos eram quase tão importantes para os romanos quanto para
os gregos. Em ambos os casos aconteciam numa estrutura de referência profana e
sagrada.53 Em Roma, o patrocínio privado de tais acontecimentos começou durante
as festas públicas no século II a.C., quando os ricos, aflitos com possíveis inquietações
populares, passaram a achar que os banquetes seriam uma maneira de aplacar e
pacificar as massas. As festas públicas pontuavam o ano romano. Dezessete de março,
por exemplo, era a festa do pai Liber (equivalente a Baco ou Dioniso), quando toda
a população se banqueteava nas ruas. Outras festas celebravam o nascimento de uma
criança, o aniversário de 17 anos de um jovem, um matrimônio. O casamento na
verdade envolvia duas festas — uma cena no dia das núpcias, que acontecia na casa da
noiva, e a chamada repotia, no dia seguinte, já na nova casa conjugal. A cena funebris
era consumida no túmulo dos mortos antes dos últimos ritos de purificação.
Tais refeições faziam parte da própria tessitura social da vida romana. Mas nada
se comparava aos espetaculares banquetes realizados pelos imperadores, que se
tornaram uma parte da lenda culinária. Esses convivia publica reuniam pessoas-chave
de todos os níveis da sociedade romana. O imperador Cláudio chegou a convidar
600 pessoas de uma só vez, e em outro de seus jantares havia mil mesas.54 No
entanto, não foi apenas a escala imperial que deixou uma impressão indelével na
imaginação das eras subseqüentes, mas os freqüentes excessos.
No caso do imperador Heliogábalo, por exemplo, os banquetes realizados
no verão tinham de mudar de cor em cada ocasião. Ele foi o primeiro a realizar
exibições maciças de pratarias, a mandar fazer salsichas de peixe e de moluscos,
ostras, polvo e caranguejo. Seus convidados jantavam iguarias exóticas, como pés
de camelo, cristas de galinhas, pavões vivos e línguas de rouxinóis. Vastas travessas
cheias de fígados de tainha, miolos de tordos e de flamingos, cabeças de papa-
gaio, faisões e pavões podiam enriquecer um banquete; nos divãs espalhavam-se
violetas, lírios, jacintos e narcisos, enquanto mecanismos suspensos despejavam
sobre os comensais violetas e outras flores, em tal quantidade que algumas vezes
os convidados ficavam sufocados.55
A ambição do imperador Vitélio era alcançar proporções épicas, como
conta Suetônio:

Ele banqueteava-se três ou quatro vezes por dia, ou seja, de manhã, ao meio-dia, de
tarde e à noite — a última refeição era principalmente uma bebedeira —, e sobrevivia

38
CONVIVIUM: em roma...

a este ordálio tomando eméticos com freqüência. O pior é que costumava se convi-
dar para esses banquetes nas casas de várias pessoas diferentes no mesmo dia; e eles
nunca custavam a seus vários anfitriões menos que quatro mil peças de ouro cada. A
festa mais famosa da série lhe foi oferecida pelo irmão, quando ele entrou em Roma;
diz-se que foram servidos dois mil peixes magníficos e sete mil pássaros selvagens. No
entanto, mesmo isto dificilmente se compara em matéria de luxo a um único prato
imenso que Vitélio dedicou à deusa Minerva e que chamou de “Escudo de Minerva,
a Protetora da Cidade”. A receita incluía fígado de lúcio, miolo de pavão, língua de
flamingo e vesícula de lampreia; e os ingredientes, reunidos de todos os cantos do
Império, da fronteira de Pártia aos estreitos da Espanha, foram levados a Roma por
capitães das trirremes.56

A extravagância dos banquetes imperiais não conhecia limites. Tigelino, co-


mandante da guarda pretoriana, organizou um jantar para Nero, provavelmente
no verão de 64, encenado no meio de um lago artificial. O imperador e seus
camaradas reclinavam-se sobre tapetes e almofadas numa grande jangada rebocada
por barcas enfeitadas de ouro e marfim e tripulada por exoleti [“meninos alegres”],
escolhidos deliberadamente por suas habilidades lascivas. Povoou-se o bosque que
cercava o lago de pássaros e animais exóticos, e na beira d’água havia pavilhões e
bordéis. O historiador Dio Cássio descreve os acontecimentos:

Nero, Tigelino e os companheiros ocuparam o centro, onde festejaram em tapetes


cor púrpura e almofadas macias, enquanto todos os outros se alegravam nas tavernas.
Eles também entravam nos bordéis, e sem qualquer restrição tinham relações com
qualquer uma das mulheres que lá estavam sentadas, entre as quais se encontravam
as mais belas e distintas da cidade. ... Todo homem tinha o privilégio de se aproveitar
de qualquer uma que quisesse, pois as mulheres não podiam recusar ninguém.57

Nero foi o mais teatral de todos os imperadores romanos, e por isso a plebe o
adorava. Seu comportamento era muito menos admirável. Em 54, num banquete por
ocasião de seus 17 anos, tentou gracejar com Britânico, filho natural do imperador
Tibério, pedindo-lhe que cantasse para as pessoas reunidas. Britânico, no entanto, não
apenas cantou bem como escolheu uma canção que falava de sua própria expulsão
da casa do pai e do trono. Na festa seguinte Nero envenenou-o à mesa.
Talvez o mais estranho de todos os banquetes imperiais tenha sido encenado
pelo imperador Domiciano, com o tema do inferno. Pediu-se aos convidados que
não se fizessem acompanhar pelo habitual escravo. Ao lado de cada comensal
havia uma pedra tumular com o nome do convidado. O banquete era iluminado
por lâmpadas votivas, do tipo que se pendurava nos túmulos, e a comida, toda
preta, assemelhava-se aos pratos sacrificais oferecidos aos manes dos mortos nos
funerais. Os escravos serviam e dançavam pintados de preto, e durante todo o
macabro evento apenas Domiciano tinha permissão de falar. Seu tema era a morte.
Em certo momento do jantar os convivas foram subitamente mandados embora

39
banquete

e escoltados para casa por escravos desconhecidos, o que os fez suspeitar que
haviam sido escolhidos para se tornarem as novas vítimas da sede de sangue do
imperador. Em vez disso, no entanto, foram chamados de volta para um segundo
banquete, ao término do qual receberam presentes caros.58
O esplendor dos banquetes imperiais de Roma seriam lembrados. Fica-se
tentado a sugerir que, quando os textos que os descreviam foram descobertos e
passaram a ser conhecidos, nos séculos XV e XVI, aquela extravagância e senso de
espetáculo tiveram alguma influência nas refeições festivas das cortes renascentis-
tas. Porém, por incrível que pareça, iriam se passar mil anos antes que qualquer
coisa remotamente parecida aos espetáculos romanos fosse reencenada nas cortes
humanistas de Mântua e Ferrara.

DESINTEGRAÇÃO E SOBREVIVÊNCIA

O império romano provou que era mortal. Átila, o Huno, saqueou Roma em 410 e
após essa catástrofe a sede do poder mudou-se para a capital do Império Oriental,
Constantinopla. O último soberano no Ocidente, Rômulo Augusto, foi deposto
em 476 pelo alemão Odoacer, que então se proclamou rei da Itália.
Tal acontecimento é geralmente tomado como o fim do Império Romano na
Europa Ocidental, mas na verdade a estrutura diária da vida romana, inclusive a
que cercava cena e convivium, iriam continuar até o século XV e, de maneira mais
tênue, até o século VIII.59 Nas pequenas aldeias gaulesas a vida continuava mais ou
menos como antes. Em meados da década de 460, por exemplo, o patrício Sidônio
Apolinário, mais tarde bispo de Avernus, visitou o amigo Tonantio Ferreolo em
sua villa perto de Nîmes, ao sul da Gália. Sidônio descreve que os convidados se
reuniram na biblioteca, com as mulheres sentadas de um lado e os homens em pé
do outro, todos posicionados ao alcance de livros cujos assuntos eram considerados
apropriados: as mulheres, dos livros religiosos, e os homens, “de obras conhecidas
pela grandeza da eloqüência latina”. Passaram o tempo conversando e jogando até
que um escravo entrou e anunciou o almoço. Em outro lugar Sidônio descreve a
sala de jantar na vila de um amigo chamado Leôncio. As portas eram dobráveis
e se abriam para uma vista do pátio emoldurada por colunatas e para um sorti-
do lago de peixes. A distância, os comensais podiam contemplar um panorama
do vale do Garona. Assim, pelo menos em algumas partes do velho Império, a
vida civilizada continuava. No geral, entretanto, os escritos de Sidônio refletem o
conflito entre o tradicional modo de vida romano e as novas realidades impostas
pela presença das tribos germânicas.
Quando Sidônio visitou Teodorico, o Ostrogodo (morto em 466), observou
com surpresa que seu anfitrião sentava-se à mesa, mas não se reclinava. Era um
símbolo de mudança — e de resistência à mudança. No final do século VI, outro

40
CONVIVIUM: em roma...

aristocrata romano, Gregório de Tours, descreve um jantar privado onde os comen-


sais se reclinavam, exceto a esposa do anfitrião, que permanecia sentada. Ainda
no final do mesmo século o bispo Venâncio Fortunato referiu-se ao amigo bispo
Leôncio reclinando-se para comer numa villa romana.Vemos assim que o antigo
modo de vida romano sobrevivia naquelas edificações em ruínas. Mas depois do
século VI o ato de reclinar-se sobreviveu apenas nos contextos mais exclusivos,
nos grandes palácios imperiais e papais do começo da Idade Média, revivido, ao
que se diz, pelo papa Leão III ao final do século VIII.
Da mesma forma a tradição culinária se desintegrou e fragmentou. Com o
colapso do Império deixaram de estar disponíveis os ingredientes de que depen-
diam os cozinheiros criados na tradição de Apício. No entanto, as rotas comerciais
não foram inteiramente abandonadas. Mesmo depois do século VI, quando a
Gália se estilhaçou num quebra-cabeça de reinos bárbaros, o porto de Marselha
continuou mantendo o comércio com o Egito, a África do Norte e a Espanha,
importando especiarias, sal e garum. Mas a tradição culinária inevitavelmente se
rompia, à medida que o contexto social da vida na villa romana dava lugar ao
das novas cortes bárbaras e a educação clássica ruía. A gastronomia clássica iria
sobreviver principalmente por meio da tradição médica, pois as cortes bárbaras
recrutavam médicos treinados no sistema de Galeno. Entre eles, um médico grego
chamado Antimo, que estudou em Constantinopla. Mas no começo do século VI
foi condenado a exilar-se na corte de Teodorico, o Ostrogodo, rei da Itália. Teo-
dorico, enviou-o como embaixador a Teuderico, rei dos francos, que reinou na
área em torno de Metz entre 511 e 534. Para Teuderico, Antimo escreveu Sobre
a observância dos alimentos, a principal fonte documental para a transição entre a
tradição culinária clássica e a da Idade Média.60
Embora não mencione, Antimo trabalhava com os princípios galênicos dos
humores e estava claramente a par das prescrições tradicionais da culinária como
meio de garantir uma boa saúde; no Ocidente, a tradição galênica estava quase
perdida por essa época, e só retornaria na Idade Média, por influência dos estu-
diosos árabes na Espanha. Ele se refere a temperos exóticos e ingredientes pouco
comuns, como pavão, embora à época essas coisas fossem muito raras. O mais
notável é que Antimo percebe um deslocamento para os ingredientes nativos
— manteiga em vez de óleo de oliva, salmão em vez de tainha vermelha —, ao
mesmo tempo que se preservavam certas predileções romanas — o gosto pelo
agridoce (misturar vinagre com mel, por exemplo), ou por ovos moles. Por todo
o texto fica claro que está escrevendo sobre e para bárbaros comedores de carne;
constantemente usa frases como “os francos têm o hábito de comer...”.
O Império Bizantino iria herdar a tradição culinária greco-romana. Isso fica
claro pelos raros relances da corte imperial registrados por visitantes do Ocidente.
Em 968 o bispo Luitprand de Cremona chefiou uma embaixada enviada por Oto
III ao imperador Nicéforas Focas.61 Os alimentos, escreve ele, eram bem sórdidos

41
banquete

e asquerosos, encharcados de óleo, à maneira dos bêbados, e além disso também


umedecidos com um licor de peixe muito ruim ...”. (Deve ter sido o outrora
indispensável garum, que, como vimos, ainda era conhecido e usado na Gália
do século VI, mas três séculos depois havia se tornado repugnante ao paladar
ocidental.) Antimo escreve mais adiante: “O imperador sagrado enviou-me um de
seus pratos mais delicados, um ganso gordo, ... ricamente recheado com cebola,
alho e alho-poró, nadando em molho de peixe”. Embora na época da visita de
Luitprand, na maioria das refeições, o imperador e sua corte se sentassem sem
se reclinar, em certas importantes ocasiões cerimoniais as velhas tradições eram
observadas. Uma delas era a grande festa do dia de Natal:

Existe um salão próximo ao Hipódromo que dá para o Norte, maravilhosamente amplo


e bonito, chamado Decanneacubita, a Casa dos Dezenove Divãs. A razão para o nome é
óbvia: deca é “dez” em grego, ennea é “nove”, e cubita são divãs com espaldares curvos.
No dia em que Nosso Senhor Jesus Cristo nasceu, 19 pratos são sempre colocados ali
na mesa. Nesta ocasião o imperador e seus convidados não se sentam à mesa, como
normalmente fazem, mas reclinam-se em divãs; e tudo é servido em vasilhas, não de
prata, mas de ouro. Após os alimentos sólidos são trazidas frutas em três vasilhas de ouro,
tão pesadas que não podem ser carregadas por um homem sozinho; vêm em carros
cobertos com panos de cor púrpura. Duas são postas na mesa da seguinte maneira:
de orifícios no teto estão penduradas três cordas cobertas de couro dourado e com
argolas de ouro nas pontas; as argolas são presas nas asas que se projetam dos vasos,
e com quatro a cinco homens puxando de baixo, são elevados para a mesa com a
ajuda de um aparelho móvel no teto (e removidos da mesma maneira).
... Quanto aos vários entretenimentos que ali presenciei, seria uma tarefa demasia-
damente longa descrever a todos, e assim, por enquanto, passarei adiante.62

O mundo de Nero e Trimálquio estava claramente vivo e próspero na Bi-


zâncio do século X, fato corroborado por um segundo relato de um prisioneiro
de guerra sírio cativo em Bizâncio em 911-12. Ele também dá uma descrição da
festa do imperador no Natal:

Ao levantar uma cortina e entrar no palácio, vê-se um vasto pátio quadrado, com
400 passos de lado, pavimentado de mármore verde. As paredes são decoradas
com vários mosaicos e pinturas. ... À esquerda da entrada há uma sala com 200
passos de comprimento e 50 de largura. Nessa sala há uma mesa de madeira, uma
de mármore e, em frente à porta, uma de ouro. Após as festividades, quando sai
da igreja, o imperador entra ali e senta-se à mesa de ouro. É isto o que acontece
no Natal. Manda buscar os cativos muçulmanos e eles sentam-se a essas mesas.
Quando o imperador se acomoda na mesa de ouro, eles lhe trazem quatro pratos
de ouro, cada um em seu próprio carro.
Um desses pratos, incrustado de pérolas e rubis, dizem que pertenceu a Salomão.
... o segundo, também incrustado, a Davi. ... o terceiro, a Alexandre; e o quarto a
Constantino. Os pratos são colocados diante do imperador, e pode-se comer neles.
Ali permanecem enquanto o imperador estiver à mesa: quando ele se levanta, são

42
CONVIVIUM: em roma...

levados embora. Então, para os muçulmanos, são colocados muitos pratos quentes e
frios nas outras mesas, e o arauto imperial anuncia: “Juro pela cabeça do imperador
que não há porco em nenhum destes alimentos!” Os pratos, sobre grandes travessas
de prata e ouro, são então servidos aos convidados do imperador.
Eles então trazem um órgão. É um notável objeto de madeira como uma prensa
de azeite, coberto de couro sólido. Nele estão colocados 60 tubos de cobre, ... e cada
tubo, segundo o tom e o desempenho do mestre, soa louvores ao imperador. Enquanto
isso os convidados estão sentados às suas mesas, e 20 homens entram com címbalos
nas mãos, A música continua enquanto os convidados aproveitam a refeição.63

De muitas maneiras não estamos muito longe de onde começamos; a Roma


Imperial vivia no Oriente. Mas na Europa Ocidental toda uma nova civilização
estava prestes a surgir.

43
Freiras jantando num refeitório de convento enquanto uma delas lê ao púlpito.
Cena de Beata umilitas, Pietro Lorenzetti, 1380.
2
Interlúdio: Banquete e Jejum

N o domingo da Trindade de 1180, o monge e estudioso galês Giraldo


Cambrensis, em sua viagem de volta do continente europeu, deteve-se na
grande abadia beneditina de Santo Agostinho em Canterbury, Kent. Na ocasião
foi convidado à mesa do prior e depois escreveu (na terceira pessoa) um relato
vívido da principal refeição do dia no mosteiro:

Ele notou duas coisas: a multidão de pratos e a excessiva superfluidade de sinais que
os monges faziam uns para os outros. Havia o prior, que passava os pratos aos monges
que serviam, e estes, por sua vez, levavam-nos como presentes às mesas mais baixas; e
havia aqueles para quem esses presentes eram dados, que faziam seus agradecimentos, e
todos gesticulavam com dedos, mãos e braços, e assobiavam uns para os outros em vez
de falar, comportando-se de maneira extravagante, com modos mais liberais e frívolos
do que decorosos; de modo que Giraldo parecia estar sentado num palco ou entre
atores e bufões. ... E quanto ao número de pratos, devo dizer apenas que muitas vezes
ouvi o próprio Giraldo declarar que 16 ou mais, muito caros, tinham sido postos à mesa
em ordem, para não dizer de modo contrário a toda ordem [isto é, à regra monástica].
Finalmente foram levadas verduras a todas as mesas, embora pouco provadas. Havia
muitos tipos de peixes, assados e cozidos, recheados e fritos, muitos pratos feitos com
ovos e pimenta por hábeis cozinheiros, diversos temperos e condimentos compostos
com a mesma habilidade para estimular a gula e despertar o apetite. Além disso podia-se
ver em meio àquela abundância “vinhos e bebidas fortes”, hidromel e clarete, mosto e
suco de amoras, e tudo que pode embebedar, bebidas tão finas que a cerveja, tal como
é feita na Inglaterra e acima de tudo em Kent, não tinha lugar entre elas.1

Neste relato estamos a seis séculos da Gália de Sidônio Apolinário, bem no


período em geral conhecido como Baixa Idade Média. A chamada Idade das Trevas,
que se estende dos séculos V ao IX, já passara havia muito, e a Alta Idade Média
ainda estava por chegar. Mas, em termos da história da mesa, todo esse período
que vai da queda do Império Romano até o século XIV é em grande parte um
mistério, um imenso hiato nos registros. É isso que dá importância tão extraordi-
nária ao testemunho ocular de Giraldo a respeito de um jantar na segunda maior
abadia beneditina da Europa.

45
banquete

Ele falava de um novo tipo de refeição comunitária. Aí estavam monges


cristãos reunidos num refeitório, não mais reclinados, porém sentados. Haviam
se estabelecido novos padrões de comportamento; a despeito de Giraldo pintar
o que claramente considerava um quadro de decadência, as normas são percep-
tíveis sob a primeira camada de tinta. Essa refeição deveria certamente ser feita
em silêncio, enquanto um monge lia alto palavras enaltecedoras. Tal prática havia
sido contornada pela exploração ultrajante de uma linguagem de sinais e assovios.
A refeição também deveria ser frugal. Porém na verdade estava longe disso, dada
a abundância de pratos, o que realça o fato de que as habilidades culinárias da
Antigüidade clássica não haviam sido totalmente perdidas. Apenas peixes e vegetais
eram servidos — a carne de quadrúpedes estava proibida — , mas isso aparentemente
não desencorajava a preparação pelos cozinheiros de um repertório de finos pratos
de frutos do mar. Pela descrição de Giraldo percebemos que o prior sentava-se em
separado, portanto podemos supor que os lugares eram hierarquizados.
Giraldo nos conta uma segunda anedota para melhor demonstrar a falta de
disciplina em que a ordem havia mergulhado. Dessa vez envolvia os monges de
St. Swithun, em Winchester. Eles haviam se prostrado diante de Henrique II, relata
Giraldo, queixando-se de que o abade, que era também o bispo, os havia privado
de três pratos. “E quando o rei perguntou quantos pratos haviam sido deixados,
eles responderam ‘dez’. ‘E eu’, disse o rei, ‘estou contente em minha corte com
três. Que seu bispo pereça, se não reduzir seus pratos a três.’”2 Os monges, que
não parecem ter se intimidado com essa explosão da raiva do Plantageneta, de-
fenderam-se dizendo que todos aqueles pratos tornavam-se necessários porque
na verdade eram distribuídos como esmola entre os necessitados.
“O que teria Paulo, o Ermitão, a dizer sobre isso?”, pergunta Giraldo. “E
Antônio, e Bento, o pai e o fundador da vida monástica?”. No entanto a refeição
em comum num refeitório de monges era, em seu original formato austero, uma
das duas experiências arquetípicas de jantar naqueles séculos obscuros. A outra
era o festejo profano, muito diferente do convivium romano. Ambas constituíam
expressões quintessenciais das duas grandes forças que formavam a civilização
ocidental durante aqueles séculos: as instituições da cristandade e as tradições
das tribos que despedaçaram e substituíram o Império Romano. Pela primeira
vez temos duas visões conflitantes sobre a mesa: a sagrada, no refeitório, cujo
propósito era menos alimentar o corpo do que o espírito, e a profana, nos salões,
centrada na demonstração de poder.
Durante aqueles séculos, as duas abordagens seguiram mais ou menos atreladas,
mas apenas uma delas tinha verdadeiro potencial de desenvolvimento. A mesa mo-
nástica era em essência um fenômeno estático e imutável, limitado por regras exatas
que, embora infringidas de vez em quando, mais cedo ou mais tarde se reafirmavam.
Em contraste, a mesa profana tinha um potencial quase ilimitado como veículo de
exibição de pompa, poder e magnificência. Tudo isso seria realizado até mesmo

46
interlúdio: banquete e jejum

entre as tribos bárbaras, embora se passassem sete séculos antes que reaparecesse
algo remotamente parecido com os excessos descritos por Petrônio.

CULINÁRIA: OS SÉCULOS SILENCIOSOS

Existem poucos livros de receitas entre os de Apício e os do século XIV, mas a


descrição de Giraldo do jantar em Santo Agostinho mostra que no final do século
XII estavam em ação cozinheiros treinados, capazes de produzir pratos interessantes.
Eles trabalhavam com a tradição oral, pois é claro que as primeiras coleções de
receitas, o Viandier de Taillevent e Le ménagier de Paris, aos quais voltarei no próximo
capítulo, apresentam receitas que remontam a um tempo bem distante.
Aqueles séculos obscuros viveram mudanças nos hábitos alimentares que
afetam profundamente a história da mesa.3 A cultura bárbara não se baseava como
a romana na agricultura, mas na exploração de recursos naturais — gado criado
solto e caça. A trindade mediterrânea de pão, óleo e vinho tinha sua contrapar-
tida bárbara em carne, leite e manteiga. No entanto, a longo prazo, o colapso
do Império Romano e a ascensão dos reinos bárbaros resultaram não tanto num
confronto culinário, mas numa síntese. A passagem para alimentos derivados de
florestas, pastos, riachos, lagos e rios era compensada pelo fascínio bárbaro diante
das tradições romanas que sobreviveram nos territórios conquistados. Tal fascínio
seria reforçado pela progressiva conversão ao cristianismo, uma fé enraizada na
tradição clássica, com pão, óleo e vinho utilizados em seus sacramentos mais
importantes — acima de tudo a reencenação da Última Ceia na missa.
Ao mesmo tempo, a comida tornou-se cada vez mais ligada à hierarquia.4 Tal
diferenciação já existia na Antigüidade, mas iria continuar e até mesmo aumentar
à medida que a sociedade feudal gradualmente assumia sua estrutura piramidal. A
ciência dietética exposta por Antimo já havia recomendado a carne, produto básico
da dieta bárbara, como essencial para a força física. E esta era a força que preocu-
pava diretamente a nova nobreza feudal, cujo papel na sociedade limitava-se a lutar
e caçar como um treinamento para a guerra. Inevitavelmente, portanto, a carne,
sendo a fonte das proezas físicas, passou a ser encarada como um atributo de poder
e comando. Nesse contexto devemos colocar, por exemplo, o elogio a Henrique I
da Inglaterra como “grande devorador de carne”. Da mesma forma, a interdição de
carne para malfeitores de alta estirpe no período carolíngeo enfatizava seu significado
como fonte de força e poder aristocráticos. Essa equação entre carne e poder explica
também as quantidades imensamente pródigas consumidas pelas classes dominantes.
Comer bastante era literalmente um sinal de verdadeira nobreza.
A divisão entre uma classe alta que comia carne e uma classe de camponeses
a quem a carne era negada tornou-se ainda mais marcante nos séculos X e XI,
quando os proprietários de terras conquistaram novos poderes administrativos e

47
banquete

judiciais. Eles usaram essas prerrogativas para promulgar legislações que excluíam
cada vez mais as classes camponesas de qualquer acesso à carne selvagem, por
meio da imposição de leis restritivas de caça. À medida que passava o tempo,
as economias auto-suficientes dos séculos IX e X davam lugar a uma economia
orientada para o mercado, com o cultivo de terras voltado para a oferta de ali-
mentos a um número cada vez maior de moradores das cidades. Assim, no pe-
ríodo aproximadamente entre 1050 e 1280, a dieta real e aristocrática tornou-se
firmemente baseada em carne de boi e aves domésticas. A carne era cozida com
temperos, ervas aromáticas e outros condimentos para tornar-se macia e saborosa.
Era também feita na brasa, frita e acima de tudo assada no espeto. A bebida das
classes altas eram o vinho e seus derivados.
A mais antiga evidência do surgimento de uma culinária sofisticada ocorreu
no século XIII.5 As rotas de comércio pelo Mediterrâneo ficaram mais uma vez
ativas. As Cruzadas haviam feito contato direto com a culinária do islã. No século
VIII os árabes estavam estabelecidos na Sicília, e no século IX tinham um pé no
sul da Itália. Além disso ocupavam a maior parte da península Ibérica. Eles não
apenas tinham sua própria cozinha altamente elaborada, com uso abundante de
especiarias, como também serviam de transmissores, por meio dos escritos do
filósofo árabe Avicena (Ibn Sina), do final do século X, das tradições médicas e
dietéticas greco-romanas de Galeno e Hipócrates. Nessas tradições, açúcar, pimenta
e açafrão eram tidos como possuidores de virtudes médicas fundamentais, dando
alívio à melancolia e outros males. Um dos mais curtos tratados de Avicena, De
viribus cordis (Poderes do coração), por exemplo, prescrevia cordiais exóticos para
fortalecer o coração e gerar alimento para o spiritus, evitando assim a melancolia.
Nesses cordiais entravam não apenas pimenta, romã, água de rosas, gema de ovo,
açafrão, sândalo, casca de limão e vinho, mas também ouro, prata, pedras preciosas,
corais, pérolas e até mesmo seda. O açúcar era particularmente louvado por seus
efeitos salutares, um prenúncio de muito do que estava por vir.
Tais considerações precipitaram uma revolução culinária com base apenas na
saúde. Outra influência era a vinculação entre alimentos, alquimia e magia astral.
Segundo um tratado árabe do século XII, Picatrix, cada substância terrestre estava
ligada a alguma divindade planetária. Esses princípios e crenças criaram o cenário
para a comida de cores brilhantes e docemente aromática que encontramos nos
primeiros livros de receitas surgidos no século XIV.

A MESA CRISTÃ E O NASCIMENTO DAS BOAS MANEIRAS

Embora os alimentos estivessem intimamente conectados à crença religiosa nas


culturas grega e romana, em caso algum a religião tentou controlar quando e o
que as pessoas comiam. Do tempo de Homero até a supressão cristã do sacrifício

48
interlúdio: banquete e jejum

pagão no final do Império, o papel da comida na adoração e nos festejos a ela


associados permaneceu basicamente o mesmo: o sacrifício solene de um animal,
seguido pela divisão da carne, com uma porção para a divindade colocada no
altar e o resto partilhado igualmente, cozido e consumido numa festa — na qual
se considerava a divindade presente como convidada de honra. Com a conversão
do imperador Constantino em 312, quando o cristianismo tornou-se a religião
oficial do Império Romano, tudo isso foi condenado a mudar.
O cristianismo herdou da tradição judaica a prática de regular o que e quan-
do as pessoas comiam.6 Juntamente com o sexo, a comida tornou-se sujeita a
regras determinadas por Deus e, portanto, uma questão de conduta ética. Mas
isso evoluiu ao longo do tempo. Os evangelhos, bem como as epístolas paulinas,
não demonstram qualquer preocupação especial com a comida. Sua abordagem
é natural e casual, encoraja o bem-estar entre os convivas, considerando as nume-
rosas ocasiões para comerem juntos como meio de engendrar o sentimento de
irmandade e convivência. Embora o jejum tivesse lugar tanto na tradição religio-
sa greco-romana como na judaica, não havia qualquer tentativa no cristianismo
primitivo de promovê-lo, visto apenas como um piedoso suplemento à oração.
A mais antiga evidência de exortação aos cristãos para que jejuassem aparece no
final do século II e no começo do século III. Nesse caso o jejum era um “martírio”
auto-imposto durante um período de perseguição. Seu desenvolvimento como
sinal de santidade decorre tanto da tradição judaica quanto dos escritos dos filóso-
fos pagãos, defensores da temperança e da austeridade sexual. Envolvia também
um certo repúdio ao culto professado na Antigüidade pelo corpo saudável, forte
e bonito, o que poderia ser em parte conseguido pela observação cuidadosa de
certas regras dietéticas. Tertuliano, pai da Igreja Africana, que viveu no final do
século II e começo do III, colocava o jejum como uma das marcas de uma elite
cristã, prática que destacava os eleitos. O efeito a longo prazo dessa prática foi
uma forma de ascetismo cristão no qual a fome voluntária se transformou num
aspecto do caminho para a perfeição.
No século VI, o ato de comer era visto como uma tentação que levava ao
pecado da gula. Aos poucos, sob a égide da Igreja Católica, o jejum sistematizou-se.
Na Igreja ocidental, quartas-feiras e sextas-feiras tornaram-se dias de jejum, que
também precedia o batismo e acompanhava qualquer penitência prolongada.
Inicialmente praticado apenas da Sexta-Feira Santa à manhã da Páscoa, estendeu-
se de início por toda a Semana Santa, e depois, no século IV, pelos 40 dias que
vieram a ser chamados de Quaresma. Para os leigos, jejuar não significava uma
redução global da quantidade de comida, mas sim uma total abstinência de carne,
aqui apresentada em seu papel de símbolo de violência, morte e todas as formas de
corporeidade e sexualidade. Outra conseqüência dessa atitude com relação à carne
foi o desenvolvimento — como já vimos na abadia de Santo Agostinho — de uma
culinária não-carnívora, similar em todos os aspectos à culinária baseada na carne.

49
banquete

O documento determinante da dieta nas instituições religiosas cristãs é a Regra


de São Bento (480-543), que dominou o monasticismo ocidental do século IX
ao XII.7 Este é um documento notável, inclusive pelas informações que contém
a respeito das refeições e de como os monges nelas deveriam se comportar. Na
Regra XLIII testemunhamos a circunscrição que guiava um monge à mesa:

Aquele que não vier à mesa antes do verso [ou seja, das Graças], de modo que todos
possam dizê-lo, que possam rezar juntos e sentar-se à mesa ao mesmo tempo, deve
ser corrigido uma ou duas vezes, se isso decorrer de sua própria falta ou de um mau
hábito. Se ele, após isto, não se emendar, não lhe será permitido partilhar a mesa
comum; deve ser separado da companhia e de todo o resto e comer sozinho. Até ele
dar satisfação e consertar seus modos, sua porção de vinho deve ser retirada.

O que temos aqui é a construção das boas maneiras à mesa. A Regra definia
um certo número de coisas permitidas e proibidas. O monge não devia ser um
“bebedor de vinho” nem “um grande comedor”. Cabia que fizesse as refeições em
silêncio para ouvir o que estava sendo lido, e aqueles que se encarregavam da mesa
deviam cuidar para que nada faltasse a cada monge; se precisasse se comunicar,
que fosse apenas por sinais. Deveriam ser servidas duas refeições por dia: “Em
todas as estações do ano haverá dois pratos cozidos, de modo que aquele que
não puder comer um, possa fazer a refeição com o outro. ... se houver frutas ou
vegetais frescos, podem ser acrescentados como terceiro prato.” Cada monge tinha
uma ração diária de meio quilo de pão e um quartilho de vinho. Todos, exceto
os fracos e doentes, deveriam abster-se totalmente da carne de quadrúpedes. Da
Páscoa ao Pentecostes, a primeira refeição deveria ser servida na sexta hora (a
contar do nascer do sol), portanto, cerca de meio-dia; a segunda, a ceia, pouco
antes do cair da noite, pois não se deveriam acender velas. De 13 de setembro
até a Quaresma a refeição principal era feita na nona hora após o nascer do sol,
e da Quaresma até a Páscoa, ao anoitecer.
Os registros monásticos são os únicos relatos detalhados sobre a comida e
a mesa nesses séculos. De certa forma vemos o mosteiro continuar o que a vila
interrompera. O famoso projeto de um complexo ideal em Santo Galo, de cerca
de 820, assemelha-se ao de uma vila antiga, com o pátio interno confinando
com a igreja e os lados acomodando uma adega, armazéns de alimentos, padaria,
cozinha e refeitório. Mais adiante passou a haver uma série de outras edificações
necessárias para o sustento dos monges e as atividades agrícolas de que dependiam.
Esse arranjo foi adotado nos mosteiros carolíngios durante os séculos VIII e IX.
Chama a atenção o fato de que o mosteiro preservou, na Idade Média e na Idade
das Trevas, uma característica que só deveria reaparecer com a vila renascentista:
uma sala usada apenas para as refeições.8
De muitas maneiras o grande mosteiro beneditino de Cluny, na Borgonha,
sob o comando de Odilo (abade de 994 a 1048), assemelhava-se a uma casa

50
interlúdio: banquete e jejum

Abade jantando. Diante dele, peixe, pão, uma faca, uma jarra de vinho e um copo.
Detalhe de A ceia de são Guido, 1318.

51
banquete

aristocrática. Isso não é de surpreender, já que a ordem reformada de Cluny


buscava muitos de seus monges entre a nobreza.9 Embora o abade vivesse,
dormisse e jantasse com seus irmãos, fazia jus a um grau de deferência suficien-
temente grande para afetar o ritual básico do refeitório. Com duas velas acesas
à sua frente, comia sozinho e era servido de pratos mais sofisticados e vinho de
melhor qualidade. As refeições em Cluny eram ocasiões cerimoniais. Os monges
lavavam-se quando entravam no refeitório e sentavam-se segundo uma ordem
prescrita. As toalhas de mesa eram trocadas quinzenalmente, e diante de cada
monge colocavam-se uma faca e uma fatia de pão. As terrinas que vinham da
cozinha continham uma porção para dois, assim como o vinho trazido da adega.
Ninguém começava a comer antes de dizer as graças e de o abade dar o sinal.
Tratava-se de uma refeição como forma de comunhão espiritual, com a mente
elevada pelo texto lido em voz alta, longe de qualquer consideração sobre o que
estava sendo comido. Deferência, cortesia e consideração pelos companheiros,
atributos essenciais para a evolução das boas maneiras à mesa, já estavam na
verdade presentes no refeitório de Cluny.
A abadia de Fountains, no remoto vale do rio Skell, em Yorkshire, era uma
casa cisterciense construída ao final do século XII.10 Os cistercienses eram uma
ordem reformada e viviam sob uma interpretação estrita da Regra beneditina;
uma seção desta, intitulada De refectione, nos dá informações detalhadas sobre
a comida e seu consumo. O refeitório ficava na ala sul do claustro, com a im-
ponente entrada flanqueada por uma série de arcos cegos abrigando bacias ou
pias de estanho, onde os monges lavavam as mãos antes de comer. O refeitório
era amplo, com duas alas dominadas pelo pulpitum, o balcão de pedra para o
leitor. Havia cinco mesas compridas, com pés de pedra e tampos de madeira,
uma encostada na parede sul e duas de cada lado. Todas eram colocadas so-
bre plataformas, sendo a mesa do sul mais elevada que as outras quatro. As
paredes eram caiadas de branco e pintadas com uma imitação de pedra, e nas
largas janelas havia vitrais não-figurativos. A arrumação em ferradura, com os
comensais voltados para uma arena central, viria a ser o formato consagrado da
festa medieval secular.
Tocava-se um sino para chamar à refeição. Os monges juntavam-se, lavavam
as mãos e entravam no refeitório, curvavam-se na direção da mesa alta e tomavam
seus lugares em ordem de precedência, ficando de pé diante das mesas. O prior
então entrava, dirigia-se à mesa alta e curvava-se antes de chegar a ela; tocava-
se um sino e recitavam-se orações e um salmo, seguidos pelas graças. Todos se
sentavam. Diante de cada monge havia uma faca, um copo e um pedaço de
pão coberto por um pano. Dependendo do desejo do abade, a comida poderia
já estar na mesa ou ser trazida nesse momento. A leitura começava, e a refeição

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interlúdio: banquete e jejum

se fazia em total silêncio. O serviço era simples, já que os monges se sentavam


de costas para a parede, deixando livre a frente da mesa. Ninguém começava a
comer antes do sinal dado pelo prior. A etiqueta era rígida, e qualquer infração
obrigava o monge culpado a prostrar-se no degrau da mesa alta até que o prior
batesse com a faca, permitindo que ele ficasse de pé. Os copos eram seguros com
as duas mãos e não deviam ser limpos com os dedos, mas com um pano. Os dedos
e a faca deveriam ser limpos antes com um pedaço de pão, depois esfregados
na toalha de mesa; pegava-se sal com a ponta da faca; nada deveria ser passado
ao monge vizinho sem uma mútua e respeitosa inclinação de cabeça. Os pratos
eram retirados segundo uma estrita ordem de precedência, e assinalava-se o fim
da refeição com um toque de sino que dava a todos permissão para se erguer.
Havia um segundo toque de sino, e então, com o chantre cantando, os monges
seguiam ordenadamente em direção à igreja, os mais jovens primeiro. No cerimonial
coreografado e ordenado das refeições monásticas podemos ver muito do que o
mundo profano iria tomar emprestado e desenvolver.
Por volta de 1300, a arte ocidental começou a figurar o mundo natural com
observação precisa; conseqüentemente, temos representações de monges e freiras
à mesa. Possuímos também a longa série de pinturas da Última Ceia que começa-
vam a adornar, sob a forma de afrescos, as paredes dos refeitórios, conjunto que
iria culminar no afresco de Leonardo da Vinci, em Santa Maria delle Grazie, em
Milão. A cena que apresentam é imutável. Como o refeitório só era usado para
comer, as mesas eram permanentes, não sendo necessários os cavaletes removíveis.
Sobre cada uma delas havia uma toalha branca adornada com naturezas-mortas
esparsas: fatias de pão, pequenos pratos para sal, jarros cheios de vinho, vasilhas
para beber, facas, um ou mais pratos grandes com peixe e fatias de pão. Se trans-
portarmos o evento alguns séculos para frente ou para trás, teremos um quadro
similar. O mesmo, no entanto, não aconteceria com a mesa secular, que iria tomar
um rumo muito diferente.

O BANQUETE COMO PODER

O cristianismo afetou a mesa profana de outra maneira. A Bíblia oferece uma


grande quantidade de exemplos, das bodas de Caná ao milagre dos peixes, em
que comer em conjunto constitui uma profunda expressão de amor, comunhão
e companheirismo.11 Esses textos sancionam a tradição bárbara de celebrar qual-
quer grande acontecimento — um tratado de paz, um casamento — com uma
festa. Durante a Idade das Trevas, em resposta aos ritos tribais dos bárbaros, o
convivium romano gradualmente mudou sua forma até emergir como o apogeu
da cerimônia medieval.

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banquete

A Última Ceia era muitas vezes pintada nas paredes dos refeitórios. Esta é de Domenico Ghirlandaio,
datada de 1480; encontra-se no refeitório da igreja dos Umiliati, em Florença.

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interlúdio: banquete e jejum

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banquete

A Última Ceia, com o Cristo no tradicional lugar de honra romano no stibadium, à esquerda.
Mosaico, século VI.

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interlúdio: banquete e jejum

Tanto na literatura nórdica como na anglo-saxônica da Idade das Trevas, o


salão de festas era o coração da sociedade, o lugar onde se celebravam as vitórias
comunitariamente e formavam os laços sociais.12 Os anglo-saxões tinham um exten-
so vocabulário de termos para designar o salão de festas e seu mobiliário. O senhor
[lorde] era hlaford (guardião do pão), e seus dependentes hlafaeta (comedores de
pão). Nem o pão nem qualquer outra forma de alimento, é preciso que se
diga desde logo, constituía o foco central da festa. O propósito principal do
festejo bárbaro era a embriaguez, daí as expressões beorsele (sala da cerveja),
ealusele (sala da ale) e winsele (sala do vinho). O dever fundamental do rei e
da rainha, ou do senhor e da senhora, era fornecer bebida. A sala, para os
anglo-saxões, era o cenário em que se forjavam os vínculos entre um senhor e
seus seguidores, por meio da distribuição de bebidas, presentes e compromis-
sos. Também deveria ser, por alguns séculos, um espaço compartilhado para
uma vida comunitária mais ou menos primitiva, muito distante dos requintes
de uma típica vila romana das classes altas, com salas dedicadas a atividades
específicas, como comer. Simultaneamente, como sabemos pelo grande épico
Beowulf, essas reuniões festejadas no salão eram ocasião para se ouvir música
e poesia, celebrando os feitos dos heróis.
A bebida também estava no centro dos festejos vikings.13 Em suas sagas,
os relatos de banquetes jamais descrevem a comida, apenas a bebida. Oferecer
bebida sempre foi uma parte integrante do sacrifício no paganismo escandinavo.
Mesmo após a conversão dos vikings ao cristianismo, o objetivo de qualquer ban-
quete continuava sendo embriagar-se. Em tais ocasiões, a bebida era servida logo
que anfitrião e convidados tomavam lugar
à mesa. O anfitrião iniciava a refeição com
um brinde que nos tempos pré-cristãos seria
uma libação aos deuses pagãos, mas que sob
a nova religião era uma homenagem a Cristo,
à Virgem e aos santos. Uma vez ofertada,
a bebida não podia ser recusada; qualquer
homem que valesse alguma coisa deveria
ser capaz de beber um oceano. Além disso
esperava-se que os convidados respondessem
a tais brindes com um pequeno recitativo ou
com estrofes poéticas. A mesa era redonda,
com todos voltados para o interior, e o chifre
de onde se bebia passava de mão em mão.
Uma grande diferença ocorrida durante
aqueles séculos foi a mudança de posição na Sobrevivência da mesa curva da Antigüidade
mesa, de reclinada para sentada.14 É possível no final do século XII. Iluminura de uma
datar essa transformação com referência às Vida de Cristo francesa.

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banquete

Um banquete tal como aparece na tapeçaria de Bayeux, do século XI. Um servo ajoelha-se oferecendo água
e uma toalha para as abluções do bispo Odo e de Guilherme, o Conquistador, sentados à mesa redonda.

pinturas da Última Ceia. Num mosaico do século VI em São Apolinário Novo,


Ravena, o stibadium ainda está firme no lugar ― Cristo senta-se no lugar de honra,
e os apóstolos estão reclinados num círculo em torno da mesa e de um prato
contendo dois grandes peixes. No entanto, já no século IV, Martinho, bispo de
Tours, lembrava um banquete imperial em que o sacerdote estava reclinado e
seus superiores sentados retos, invertendo a prática romana. A nova preferência
por sentar à mesa provavelmente tinha alguma conexão com as cerimônias de
investidura, nas quais o sucessor, rei, senhor ou chefe era cerimonialmente co-
locado em algum tipo de cadeira ou trono de espaldar reto no salão de festas.
Com a cristianização, esse rito foi transferido para a igreja e, acrescentando-se
a unção e a entronização, tornou-se uma coroação. Decerto no período caro-
língio a imagem de um monarca sentado ereto num trono tornou-se símbolo
de seu governo. Inevitavelmente sentar e exercer poder tornaram-se práticas
inextricavelmente ligadas.

58
interlúdio: banquete e jejum

Se a posição do comensal mudou, o mesmo aconteceu com o formato da


mesa, embora com esta o processo tenha sido mais lento. A mesa redonda ainda
pode ser vista na tapeçaria de Bayeux do final do século XI. O bispo Odo, levan-
tando a mão numa bênção, está dando graças, enquanto um servo se ajoelha do
outro lado da mesa, com uma toalha nas mãos, ofertando água para as abluções.
A mesa redonda ainda está lá — numa iluminura francesa sobre a Última Ceia do
final do século XII, por exemplo —, mas já era excepcional. Por volta de 1100 a
mesa retangular tornou-se universal. Uma miniatura datada de algum momento
entre os anos 1285 e 1291 mostra o arranjo que, seguindo o costume do refeitório
monástico, viria a ser a norma na festa medieval: uma longa mesa sobre cavaletes
atrás da qual os convidados sentam-se num banco. As vantagens da mesa sobre
os cavaletes eram óbvias — podia ser armada ou desmontada e guardada com
facilidade, deixando lugar para outras atividades no grande salão, que era o centro
da vida cortesã medieval.
Outra mudança aconteceu por volta de 1300 e refere-se ao lugar de honra.15
Na Antigüidade essa posição no stibadium era inicialmente no centro, mas ao final

O advento da mesa retangular sobre cavaletes. Iluminura numa romança francesa.

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banquete

O lugar de honra, à esquerda, transferido do stibadium da Antigüidade para a mesa medie-


val, retangular e sobre cavaletes. As bodas de Caná, por Duccio di Buoninsegna, 1308-11.

do período imperial deslocou-se para a extremidade esquerda do divã, como


no mosaico de São Apolinário Novo. As representações medievais de cenas de
festa oscilam entre as duas posições. Em As bodas de Caná, de Duccio, pintada
no começo do século XIV, o Cristo e a Virgem estão sentados à esquerda, de
acordo com a prática antiga. Já na Última Ceia o Cristo está no centro. Ambas
as posições manteriam sua dignidade até o século XVI, e isso só foi resolvido
quando o centro finalmente venceu, com a adoção universal da perspectiva
como meio de ordenar o espaço.
Os padrões estabelecidos na corte carolíngia dos séculos VIII e IX iriam de-
terminar a maneira medieval de comer. Carlos Magno criou a primeira grande
concentração de poder na Europa Ocidental desde a queda do Império Romano,
impondo estilos comuns de pensamento e comportamento na maior parte da
Europa continental. Na era carolíngia, três atividades eram tidas como capazes
de unir um rei e seus nobres: a adoração cristã conjunta, a caça e a festa. Desta
forma, o banquete tornou-se um dos principais meios pelos quais reis e nobres
mantinham e expressavam seus laços feudais. Em lugar nenhum isso é melhor

60
interlúdio: banquete e jejum

Lugar de honra no centro da mesa. Última Ceia, de Duccio di Buoninsegna, 1308-11.

demonstrado que na evolução do banquete de coroação.16 Nas duas grandes


festas realizadas para as coroações de membros da dinastia otoniana, em 936 e
986, os duques germânicos assumiram o papel de copeiro, mordomo e mestre-
de-cerimônias, dando uma demonstração explícita de que a mais alta expressão
de vassalagem feudal era assumir o papel de servo do imperador em sua festa de
posse. Tais funções seriam desempenhadas muitas vezes em coroações imperiais
e reais por toda a Europa. Não se tratava de algo que se aceitasse prontamente.
Quando em 1290 Alberto I da Áustria convocou Venceslau, rei da Boêmia, para
servir como seu copeiro cerimonial como reconhecimento público à posição
superior de Alberto, Venceslau a princípio recusou. Mais tarde, na companhia de
mil de seus cavaleiros, desempenhou o papel — a cavalo!
São tão raras as descrições detalhadas dos hábitos alimentares nesses séculos
que vale a pena citar o biógrafo de Carlos Magno, Einhard, a respeito dos hábitos
do imperador:

Ele era moderado no comer e no beber, mas especialmente no beber; pois tinha um
ódio feroz à embriaguez em qualquer homem, especialmente em si mesmo e seus

61
banquete

amigos. Não conseguia abster-se tão facilmente da comida e costumava se queixar


de que os jejuns eram prejudiciais à sua saúde. Raramente dava grandes banquetes,
apenas nos importantes festivais, mas então convidava um grande número de pes-
soas. Suas refeições diárias constavam de apenas quatro pratos, afora o assado, que
os caçadores costumavam trazer em espetos e que ele comia com mais prazer que
qualquer outra coisa. Durante a refeição havia cantos ou leituras. Eram lidas histórias
dos grandes feitos de homens de antigamente. Também se deliciava com os livros de
santo Agostinho, sobretudo aquele intitulado Cidade de Deus. Era tão moderado que
raramente bebia mais de três vezes durante o jantar.17

Nessa narrativa parece que estamos presenciando uma síntese cultural: leitura
durante as refeições, como num refeitório monástico e na Antigüidade clássica, e can-
ções ou histórias de feitos heróicos, como nas sagas cantadas nas festas bárbaras.
A dinastia carolíngia multiplicou os dias de festa nos mosteiros e catedrais
em homenagem aos membros da família reinante.18 Menção alguma a festas no
sentido de consumo lascivo de comida e bebida ocorria na Regra de São Bento,
mas uma corrente contínua de decretos reais da metade do século VIII à metade
do século X registra uma longa série de tais festas em memória aos membros da
dinastia. Às festas da Igreja, como Natal e Páscoa, agregaram-se a comemoração de
um abade importante e os aniversários de membros da família real. Cinco gerações
de imperadores e reis acumularam dias de festa com tamanho zelo que, no caso
de um grande mosteiro, como Saint-Denis, havia 88 no total. Comemorações
desse tipo constituíam uma tradição originada do costume germânico pré-cristão
e transferida para a nova estrutura cristã. Seriam eliminadas na maré da reforma
monástica emanada de Cluny no século X. Mais notável é a premissa subjacente
a esses banquetes de monges: festejar sob a égide do rei significava a vitória dos
exércitos reais e o bem do reino. Assim, o estômago cheio do monge tornou-se
uma forma de oração.
Por todos os séculos XI e XII a festa foi parte essencial da tessitura social, um
importante evento culinário periódico que celebrava a relação entre um senhor e
seus vassalos — e o poder que esta relação engendrava. Mas à medida que o século
XII dava lugar ao XIII, aconteceu uma mudança de ambiente. A embriaguez deixou
de ser o principal objetivo das reuniões. Pressentimos os primeiros movimentos
da cortesia que iria transformar um ritual de dependência feudal em manifestação
de amizade. A estrutura senhorial que havia começado sua existência na corte
carolíngia encontrava imitadores em toda a classe aristocrática. Na corte de Carlos
Magno havia três grandes oficiais: o senescal-mor, o mordomo-mor e o camarista-
mor. Os dois primeiros serviam no salão, o terceiro, nos aposentos privados. Tais
arranjos obviamente afetavam a maneira pela qual as refeições eram organizadas;
existem documentos que tornam possível, em duas instâncias, acompanhar até
que ponto eles haviam evoluído no século XIII. O primeiro descreve a prática na

62
interlúdio: banquete e jejum

casa do conde de Hainault, em 1210; o segundo consiste num conjunto de regras


estabelecidas por Robert Grosseteste, bispo de Lincoln, para a viúva do conde de
Lincoln, compiladas em 1240 ou 1241.
O conde de Hainault, assim como todos os outros aristocratas, movia-se
entre várias residências — no seu caso, três. Em cada uma delas era servido no
salão por um senescal e um mordomo, e nos seus aposentos particulares, por um
camarista.19 Subordinados ao senescal havia um comprador de alimentos; três
cozinheiros; um zelador, que tomava conta do fogo na cozinha e no salão; um
cuteleiro, encarregado do sal e da cutelaria; um mordomo, com uma equipe que
cuidava do vinho; e um pasteleiro que, com uma equipe de quatro ajudantes,
produzia o pão necessário para cada refeição. Comer era um ato solene, em que
toda a casa tomava parte. Um camarista subordinado cuidava das velas e também
providenciava a água e as toalhas para as abluções do conde e da condessa antes de
todas as refeições. Esse camarista também trazia água para os clérigos e cavaleiros
que compunham os escalões superiores da hierarquia doméstica. Velas enfiadas
em fatias de pão iluminavam a mesa alta, servida por cavaleiros, onde se sentavam
o conde e a condessa. O senescal acomodava-se próximo a eles e escolhia o pão
salgado a ser comido com a carne.
Os arranjos não eram muito diferentes no caso da condessa de Lincoln, a
julgar pelos conselhos dados por Grosseteste sobre como conduzir sua casa.20 Eles
mostram que as refeições se tornaram acontecimentos cada vez mais ritualizados,
lembrando os atuais jantares nos colleges ingleses. “Ordenai a vossos cavaleiros e a
todos os gentis-homens que usam vossa libré que a mesma libré que usam a cada
dia, especialmente nas refeições e em vossa presença, seja envergada com honra”,
começa ele de maneira um tanto imponente. Homens livres e convidados não
deveriam se espalhar em grupos inconstantes em qualquer lugar, porém sentar-se
juntos. Os criados deveriam entrar e sair en masse. “E quanto a vós”, continua ele,
“devei sempre sentar no meio da mesa alta, de modo que vossa presença como
senhor ou senhora apareça abertamente a todos e que vós possais ver facilmente
de ambos os lados todo o serviço e todas as falhas.” A condessa — que parecia
uma irritada diretora de escola falando com meninas desordeiras — deveria ter
dois vigias colocados no corpo principal do salão, responsáveis pela boa ordem
local. O resultado: “Sereis muito temida e reverenciada.”
O serviço no salão ficava sob a supervisão de um mestre-de-cerimônias, e os
servos carregavam os alimentos da cozinha em procissão, seguidos pelo senescal.
A comida era levada primeiro para a mesa alta e depois para o corpo principal
do salão. A cada dia, no jantar, deveriam ser servidos dois tipos de carne “abun-
dantes e plenas, para fazer crescer as esmolas” (o que não era consumido seria
distribuído entre os pobres), e dois pratos mais leves para todos os homens livres

63
banquete

presentes. Na ceia havia um prato substancial, juntamente com outros mais leves,
seguidos por queijos. Grosseteste insiste no papel crucial desempenhado pela
refeição pública, muitas vezes encenada para manter a harmonia e a ordem da
casa: “Tantas vezes quantas forem permitidas pela doença ou fadiga, obrigai-vos
a comer diante de vossa gente, pois isto trar-vos-á grande benefício e honra.” O
fato de enfatizar tanto a questão da presença da condessa sugere fortemente que
os senhores e senhoras deviam estar se retirando para fazer as refeições em seus
próprios aposentos.
À medida que a encenação e a estrutura das refeições medievais profanas
tomavam forma, as maneiras à mesa começaram a aparecer.21 As raízes do bom
comportamento à mesa estavam, como vimos, no refeitório monacal, mas seu
surgimento no mundo profano muito deveu à tradição cortesã. Esta compreendia
uma série de ideais baseados na religião, incluindo o cavalheirismo e sua expressão
em termos de amor cortês, benevolência, gentileza e alegria de disposição. No
século XII deve ter existido algum tipo de etiqueta, mas até que alguém colocasse
as regras no papel não tínhamos qualquer maneira de conhecê-las. No entanto,
o fato de terem sido escritas demonstra sua importância e a demanda por tais
orientações. O mais antigo tratado sobre as maneiras à mesa data de cerca de
1215 e é chamado Der Wälsche Gast (O convidado italiano). Tem a forma de um
poema didático com cerca de 15 mil linhas, da autoria de Tomasino de Zerclaere
(Tommasino di Circlaria), um italiano de Trieste que escreveu para os germânicos.
Sobrevivem muitos manuscritos desse tipo redigidos nos anos seguintes, testemu-
nhando a demanda por eles.
Tomasino dirige-se a jovens cavalheiros, e em seus versos vemos a fonte de
uma tradição que percorre os séculos até nossa época:

Quando ele começa a comer,


Com a mão nada toca
além da comida: isto é fazer bem as coisas.
Não se deve comer o pão
Antes de serem trazidos os primeiros pratos.
O homem deve ter muito cuidado
De não pôr [comida]
Nos dois lados da boca.
Neste momento deve ficar em guarda
Para não beber ou falar
Enquanto tiver alguma coisa na boca.
Aqueles que se viram com o copo para os companheiros,
Como se estivessem prestes a entregá-lo,
Antes de afastá-lo dos lábios,
Que balançam o vinho de dentro,
Que, bebendo, olham sobre o copo
[Fazem o que] não é adequado a homens corteses.22

64
interlúdio: banquete e jejum

E assim vai. Mas Tomasino não foi o único. Outro autor, desta vez de meados
do século XIII, também apresenta regras em seu tratado sobre Courtly Breeding. O
que Tannhäuser escreve lança alguma luz sobre o que o novo comportamento
cortês pretendia substituir:

Aqueles que gostam de comer mostarda e molhos,


Que tomem muito cuidado
Para não se sujar,
E não enfiar os dedos neles.
Aquele que arrota quando come,
E assoa o nariz na toalha da mesa,
As duas coisas não são adequadas,
Até onde posso entender ...
Não se devem limpar os dentes
Com a faca, como alguns fazem,
E como ainda acontece aqui e ali:
Aquele que faz isto, não está certo.23

A uma hierarquia da comida acrescentava-se um novo elemento. Ao adotar


o código cortês à mesa, os comensais tinham outra forma de se colocar à parte
— e acima. Começara a ascensão das boas maneiras.

UMA CONCILIAÇÃO DE OPOSTOS

Abri este capítulo com uma visão de duas mesas e de duas maneiras de comer, uma
dentro do refeitório de um mosteiro, outra na sala de um castelo ou grande casa.
Em termos morais, o primeiro era claramente mais aceitável, enquanto o consumo
profano estava longe do ideal — podia levar ao pecado, inicialmente à gula e depois
a quem sabe onde. Será que as duas maneiras de viver poderiam se conciliar? Uma
pessoa tentou fazer isto, Luís IX da França, são Luís, canonizado pelo papa Bonifácio
VIII em 1297. A vida de Luís IX abarcou grande parte do século XIII. Ele subiu ao
trono aos 12 anos, em 1226, e morreu 44 anos depois, em 1270. Foi o rei medieval
arquetípico. Teve uma vida privada exemplar, de austeridade e orações, chefiou uma
cruzada à Terra Santa em 1248 e construiu a Sainte-Chapelle para abrigar a coroa
de espinhos que adquiriu do imperador Balduíno II, em 1239.
A mesa real francesa era limitada por regras, tanto as da abstinência, ditadas
pela Igreja, como as das convenções do cerimonial.24 Luís abstinha-se de carne
às quartas e sextas-feiras, e depois, ainda, às segundas-feiras. Limitava-se a pão e
água nas principais vigílias da Virgem e também na Sexta-Feira Santa, na véspera
de Todos os Santos e em outros dias santos. Nas sextas-feiras do Advento e da
Quaresma, abria mão tanto de peixe como de frutas, até que sua saúde piorou e

65
banquete

seu confessor foi obrigado a intervir, convencendo-o a comer apenas um pedaço


de peixe e frutas daí por diante. Após voltar da cruzada, em 1254, sua devoção
intensificou-se. Recusou os peixes grandes que anteriormente lhe davam prazer,
comendo apenas os pequenos, com um molho tão aguado que pareciam estraga-
dos. Em geral escolhia comidas e bebidas inferiores. Além disso, sempre que
visitava um mosteiro servia os monges, cujo modo de vida, é claro, tornara-se
a fonte dessa abnegação real. Temos aí o quadro de um asceta exibicionista.
No entanto a mesa secular em meio a toda essa austeridade real conti-
nuava intacta. As refeições ainda se faziam com aquela magnificência exigida
tanto pela tradição quanto pela opinião popular de um senhor feudal. Luís
bebia cerveja comum, como prova de sua alta humildade, mas numa taça
incrustada de pedras preciosas. O biógrafo real, Joinville, que viveu próximo
dele a maior parte de sua vida, deixa claro que o esplendor real era mantido,
quaisquer que fossem as idiossincráticas privações de seu senhor. Em 1241,
quando o rei tinha 27 anos, uma grande corte foi realizada em Saumur. Join-
ville foi testemunha ocular:

Eu estava presente e posso testemunhar que os arranjos foram os mais finos que jamais
vi. ... Diante do rei, seu irmão, o conde de Artois, servia-o de carne, e o bom conde
João de Soissons trinchava com a faca. Como guarda da mesa real estavam meu senhor
Humbert de Beaujeu, mais tarde condestável de França, meu senhor Enguerrand de
Coucy e meu senhor Archambaud de Bourbon. Atrás desses três barões havia pelo
menos 30 cavaleiros vestidos de túnicas de veludo, assim como os guardas que os
assistiam; e atrás deles estava um grande número de homens de armas usando o
brasão do conde de Poitiers bordado em cetim. O rei vestia uma túnica de cetim azul
escuro, uma capa de veludo escarlate com franja de arminho e um gorro de algodão
que não lhe ia nada bem, pois na época era um homem jovem.25

A festa era um grande espetáculo, com mesas à volta do claustro, uma para a
rainha mãe e outra em que se sentavam 20 arcebispos e bispos. “Muitas pessoas”,
escreve Joinville, “disseram nunca ter visto tantas capas e roupas de seda e ouro
numa festa; havia pelo menos três mil cavaleiros presentes.”

Talvez a chave para interpretar esse acontecimento esteja no pequeno gorro de


algodão que Joinville achou inadequado para um homem tão jovem. Seria um
solitário gesto de humildade em meio ao esplendor? Se assim fosse, se enquadra-
ria na natureza das normas do rei, que se refletiam na forma como ele tratava a
comida na mesa real. Por um lado ele era devoto e manifestava grande respeito
pela Igreja e pelo clero, mas por outro resistia firmemente a qualquer usurpação
do poder real por parte do papado ou dos bispos.

66
interlúdio: banquete e jejum

O esplendor formal diminuiu em certo grau após seu retorno da cruzada


em 1254. Joinville lembra que daí em diante a roupa de Luís era apenas “de lã
não tingida ou azul-escuro” e que “ele era tão moderado à mesa que não pedia
prato algum além dos que seu cozinheiro preparava; os pratos eram colocados
à sua frente e ele comia. Misturava água ao vinho numa taça...”. Não obstante, o
cerimonial real de tradição permaneceu imutável, e Luís não era nenhum desman-
cha-prazeres, pois quando jantava “nas casas dos grandes” ouvia os menestréis que
vinham após o jantar, antes de se erguer e dar graças. Em outro raro relance da
vida na mesa real, escreveu Joinville: “Quando qualquer grande homem estrangeiro
jantava com ele, era boa companhia.”26
Nos hábitos culinários de são Luís conciliavam-se na mesa duas atitudes
opostas, mas a síntese não iria se repetir. O futuro estava na festa secular, que daí
em diante tomaria um caminho muito diferente.

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A escalada do esplendor ao jantar. João, duque de Berry, à mesa. Acima do duque flutua um dossel,
e à sua frente são colocados pratos de comida mordiscados por cachorros de estimação e uma naveta
cerimonial. Um criado trincha, outro corta a comida, enquanto um terceiro, perto de uma mesa
carregada de pratos, cuida do vinho. Tudo acontece sob a direção de um homem com uma vara de
comando, à esquerda do duque. Iluminura de Les très riches heures, 1416.
3
Aos Olhos do Espectador

P rovavelmente o melhor e mais completo relato que temos de um banquete


do final da época medieval é o jantar oferecido por Gastão IV, conde de
Foix, em Tours, no ano de 1457.1 Foi realizado em homenagem a uma embaixada
do rei da Hungria, missão que incluía não só húngaros, mas também alemães,
boêmios e luxemburgueses. A essa cosmopolita lista de 150 convidados deve ser
acrescentada toda a corte francesa. Os convivas sentaram-se, em estrita ordem
de precedência, em 12 grandes mesas. O anfitrião, juntamente com os chefes
da embaixada e os notáveis franceses, foram servidos separadamente, como de
costume, sentados a uma mesa alta.
A festa foi excepcional não apenas pelo número de serviços — nada menos
que sete —, mas também pelo que foi oferecido. Até então tais detalhes normal-
mente passavam em silêncio ou, quando mencionados, simplesmente mereciam
uma observação quanto ao esplendor e abundância. A refeição foi iniciada mo-
destamente, com torradas que o comensal mergulhava no vinho condimentado
chamado hipocraz, mas rapidamente passou a grands pates de chapons (pernas de
capão), jambons de sanglier (presunto de javali) e sete diferentes tipos de sopas,
todas servidas em pratos de prata. Cada mesa tinha 140 pratos de prata, ostenta-
ção que seria repetida nos serviços subseqüentes. Em seguida vieram guisados de
caça: faisões, perdizes, coelhos, pavões, abetardas, gansos selvagens, cisnes e vários
pássaros de rio, além de carne de veado. Esses guisados eram acompanhados por
vários outros tipos de pratos e sopas. Fez-se então uma pausa.
Embora em nosso relato não haja referência à distribuição das mesas, elas
devem ter sido organizadas como ferradura, com uma arena no centro. Nesse
espaço ocorreu o que era chamado entremet, o primeiro de uma série. Doze ho-
mens entraram empurrando um carro no qual fora montado um castelo sobre
uma rocha. Não sabemos se os homens estavam escondidos no interior da rocha
ou não, mas o castelo tinha quatro torres nos cantos, uma torre de menagem ao
centro, com quatro janelas, e em cada uma delas uma dama ricamente vestida.
A torre principal era enfeitada com bandeiras heráldicas com as armas do rei da

69
banquete

Hungria e dos outros grandes senhores que compunham a embaixada. No topo


de cada uma das quatro torres uma criança cantava acompanhada por um anjo
(embora não saibamos o que cantavam).
Após essa apresentação a festa recomeçou com um prato chamado oiseaux
armés, que jamais pôde ser definido pelos historiadores culinários, servido com
mais sopas. Mas o que realmente distinguiu essa seqüência de pratos foi que “tout
ce service fut doré”* — tudo era de ouro, ou pelo menos tinha a aparência. Veio
então o segundo entremet: seis homens, vestidos com as roupas típicas do Béarn,
carregando um homem fantasiado de tigre, com uma coleira da qual pendiam
as armas do rei da Hungria. O tigre cuspia fogo, e os bearneses dançavam, sob
grande aplauso dos espectadores.
Após um quinto serviço, que incluía tortas, darioles (pequenos pratos en-
formados, neste caso doces) e laranjas fritas, outro entremet foi apresentado. Em
termos de espetáculo este deve ter eclipsado todos os anteriores. Para trazê-lo
para a sala foram necessários 24 homens, uma indicação de seu peso e tamanho.
Era uma montanha com duas fontes, uma espirrando água de rosas e a outra
eau de muscade. De repente esse promontório rochoso abriu-se; de dentro dele
lebres dispararam e pássaros vivos voaram à volta da sala. Quatro meninos e uma
menina vestidos como selvagens desceram para dançar uma mourisca. Então o
conde distribuiu dádivas aos vários arautos, sendo que o húngaro recebeu, além
dos 200 écus dados aos outros, uma bela peça de veludo.
O sexto serviço consistiu de sobremesa, acompanhada de hipocraz tinto
servido com um tipo de biscoito chamado oublies ou roles, e então veio o entremet
final. Um homem vestido de cetim cor de carmim e bordado apareceu num cavalo
igualmente engalanado. Levava nas mãos um modelo de jardim feito de cera, cheio
de rosas e diversas outras flores, que colocou diante das damas (uma indicação
de que elas estavam sentadas à parte). Este foi o mais admirado de todos os en-
tremets, embora o grande final que se seguiu também tenha sido extraordinário.
Tratava-se de um jardim zoológico heráldico esculpido em açúcar: leões, veados,
macacos e vários outros pássaros e animais, cada um carregando na pata ou no
bico as armas do rei da Hungria.
Por incrível que pareça, o banquete ainda não havia terminado. Adentrou um
pavão vivo com as armas da rainha da França no pescoço e as armas das damas
da corte francesa enfeitando o corpo. Em resposta, todos os cavalheiros presentes
se adiantaram e comprometeram a apoiar a causa do rei da Hungria (era costume
usar pássaros para fazer votos cavalheirescos). Nosso relato termina com outro
detalhe importante. No meio da sala havia aparentemente uma plataforma, um
estrade, de onde cantores e um órgão tocaram música durante o jantar.

* São do original as citações em língua estrangeira. (N.T.)

70
aos olhos do espectador

Uma descrição desse tipo subitamente nos coloca pela primeira vez diante
da extrema complexidade da mesa no final do período medieval, pelo menos nas
grandes ocasiões. Certos aspectos já são familiares: o cenário, o arranjo das mesas, a
ênfase na hierarquia, a presença da música e a associação entre festa e acontecimento
político. Mas pouca coisa no final do século XIII parecia assinalar uma escalada sem
precedentes em termos de comida, riqueza de apresentação e espetáculo dramá-
tico. Assim, essa festa em Tours constitui um inestimável ponto de partida para os
acontecimentos que, por vezes, deixarão o leitor quase perplexo.
Em primeiro lugar a comida certamente era muito mais elaborada do que
antes. Uma das seqüências de pratos era toda dourada, enquanto outra tinha a
forma de um jardim zoológico feito de açúcar, indicadores decisivos de um inte-
resse cada vez maior na aparência, cor e apresentação figurativa dos alimentos.
E a prata era usada em grande quantidade, numa escala que deixava a louça e
os talheres dos séculos anteriores positivamente mesquinhos. Comer tornara-se
parte de uma vasta apresentação teatral. As simples chansons, os prestidigitadores
e os acrobatas que animavam os festejos de antes parecem primitivos quando

Um banquete real. O rei e seus convidados principais estão situados na extrema esquerda,
e os demais se apinham no resto da mesa, coberta de pratos, copos e jarros. Trata-se de
um intervalo entre os serviços durante o qual um anão e músicos entretêm os convivas.
Iluminura, Alemanha, final do século XIV.

71
banquete

comparados ao cenário móvel, aos atores caracterizados, cantores, músicos e dan-


çarinos que faziam parte dos entremets. E embora não saibamos o que era cantado,
a descrição deixa claro que tais irrupções no salão tinham a intenção não apenas
de surpreender e agradar, mas também de transmitir uma mensagem política. Se
não, por que as armas da Hungria no topo da torre de menagem do castelo? No
entanto, aparentemente encontramos uma linha que vai da festa medieval ao
nascimento da ópera e do balé.
Mas estou me antecipando. Do ponto de vista do historiador, a maior mudança
é a inusitada abundância de material. Os séculos XIV e XV nos deixaram cardápios,
relatos de festejos, regulamentos de casas reais e da nobreza que apresentam o
ritual da mesa, os primeiros livros de cozinha (com receitas que, embora reinter-
pretadas, podem ser feitas hoje), além de uma proliferação de evidências visuais.
Estas últimas, graças à crescente obsessão realista da arte holandesa, nos dão uma
grande quantidade de informações sobre os jantares no final do período medieval,
embora na maior parte limitadas às classes altas.
Nesse momento é necessário chamar a atenção para um aspecto. O que é
confuso — e até certo ponto complexo — é que as evidências documentais de
1300 a 1500 muitas vezes referem-se ao que foi a prática-padrão até dois séculos
antes. Muito da comida e de seus rituais descritos no século XV devia estar pre-
sente no século XIII, mas sem registro. Em conseqüência, este capítulo tem uma
dupla face. Algumas vezes o material nos permite descrever pela primeira vez o
que aconteceu antes, enquanto em outras aponta para o que foi um turbilhão de
mudanças, particularmente do final do século XIV em diante. Nosso melhor ponto
de partida são dois fenômenos muito novos — cozinheiros identificáveis e livros
de receita e a culinária que eles registram.

COZINHEIROS, LIVROS DE RECEITAS E A COZINHA

O próprio surgimento de um livro de receitas pressupõe uma classe alta consciente


do que comia.2 Para o cozinheiro medieval, suando na cozinha e provavelmente
analfabeto, as receitas escritas eram desnecessárias; sua arte se transmitia oralmente.
Manuscritos laboriosamente escritos um a um eram caros por sua própria natureza,
e os que sobreviveram certamente não pertenciam a cozinheiros profissionais, mas
àqueles para quem eles trabalhavam. Os primeiros datam do final do século XIII,
e sua preocupação com a dieta colocam-nos mais no campo da medicina que no
da culinária. Não obstante, a simples multiplicação de manuscritos é evidência de
um genuíno interesse leigo pela culinária. Os estudiosos reuniram o que só pode
ser descrito como grandes árvores genealógicas de manuscritos, cujos conteúdos se
sobrepõem e inter-relacionam de tal maneira que estabelecem a existência, apesar
das variações regionais, de uma arte culinária medieval em toda a Europa.

72
aos olhos do espectador

Dentre as cem coleções de receitas manuscritas que sobreviveram, a conhecida


como Viandier de Taillevent foi o best-seller medieval.3 Taillevent era Guillaume de Tirel
(c.1310-95), cozinheiro de Carlos V e Carlos VI da França. Provavelmente nascido
numa família burguesa abastada, Taillevent realizou uma grande escalada social, che-
gando à pequena nobreza e ganhando uma cota de armas, à qual apropriadamente
incorporou três panelas. Embora anunciado como autor do Viandier, sabe-se agora
que uma versão do livro data de cerca de 1300, pelo menos dez anos antes de seu
nascimento. Isso demonstra que o que se apresenta com o nome de Taillevent é na
verdade a reelaboração de uma coleção de receitas já existente. Na época em que o
Viandier foi impresso pela primeira vez, por volta de 1486, cem anos após a morte de
Taillevent, a coleção já havia mudado muito em relação ao original. E iria continuar
se alterando por nada menos de 15 edições ao longo do século XVI, sendo ainda
modificada e utilizada no início do XVII. O segundo grande corpus de receitas do final
do período medieval, Le ménagier de Paris, também fez grande uso dessa coleção.
As receitas de Le ménagier apareciam num livro sobre administração doméstica
compilado por volta de 1393-4, outrora atribuído a um burguês parisiense rico e
maduro para sua nova noiva de 15 anos, mas que recentemente passou a ser tido
como um certo Guy de Montigny, a serviço do duque de Berry.4 Seu compilador,
embora instruído, não pertencia à corte real; na verdade ele referia-se especifica-
mente a algumas modas alimentares consideradas próprias apenas à casa real, e
censurava tais excessos. Oitenta e cinco de suas 350 receitas — de sopas, assados,
patês, peixes (tanto de água doce como de mar), ovos, entremets (aqui significando
sobremesas) e molhos, bem como comida e bebidas para os doentes — eram tiradas
do Viandier. Do mesmo período é outra grande coleção englobando a tradição
inglesa, The Forme of Cury (isto é, o método correto de cozinhar), “compilação
dos mestres-cucas do rei Ricardo II da Inglaterra, ... à qual foram acrescentadas as
melhores e mais finas ‘vyaundier’ de todos os reis cristãos”. Foram reunidas com o
conselho dos “mestres de física e filosofia que freqüentavam a corte”.5 Este livro
seria o centro da proliferação das coleções de receitas inglesas no século XV.
A súbita pletora de manuscritos de receitas sugere um crescente interesse pela
comida por volta de 1400 nas cortes da Europa, ao final do período medieval.
Isso se reflete pouco mais tarde num volume compilado por volta de 1420 por
mestre Chiquart, que durante 25 anos foi cozinheiro da família ducal de Sabóia.6
Du fait de cuisine foi escrito a pedido do duque Amadeu VIII, e nele podemos ver
a atitude de Chiquart em relação a seu trabalho, pois descreve a culinária como
arte e ciência. Os duques de Sabóia eram ligados diretamente, por laços de ca-
samento, aos duques de Borgonha, e o livro é cheio de receitas de um tipo que
impressionaria as cortes mais ricas e ostentatórias do final do período medieval.
(Estranhamente não parece haver qualquer grande manuscrito ou grande cozi-
nheiro associado diretamente à Borgonha no século XV. À época em que Gaston
de Foix ofereceu o banquete aos húngaros, a corte da Borgonha encenava festejos

73
banquete

numa escala e com uma magnificência inovadoras, estabelecendo o padrão para


o resto da Europa. Pode ser que a ausência de um chef e de um livro de receitas
borgonhesas reflita o fato de que a ênfase não estava na verdade no gosto da
comida, mas em sua aparência.)
Os especialistas em culinária medieval argumentaram que esses livros — in-
corporando tantas receitas anteriores e que eram então escritas pela primeira vez
— mostram como grande parte da atitude medieval com respeito à alimentação se
baseava em teorias antigas sobre a dieta saudável. Essas teorias decorriam das idéias
greco-romanas a respeito da fisiologia e o efeito dos quatro humores sobre o cor-
po. O objetivo era corrigir por meio de dietas qualquer desequilíbrio nos humores
(sanguíneo, quente e úmido; colérico, quente e seco; fleumático, frio e úmido; e
melancólico, frio e seco). Acreditava-se que todas as pessoas tinham uma predispo-
sição para um ou outro humor, embora os efeitos malignos pudessem ser reduzidos
pelo consumo apropriado de alimentos. Não por acaso uma junta de seis médicos
ficava ao lado do duque de Borgonha à mesa, aconselhando-o sobre o que comer.
Mas equilibrar o fator humoral era mais complicado do que simplesmente
escolher o que comer. Cada tipo de alimento era classificado segundo sua qualidade
humoral e tinha de ser balanceado pelo método empregado para cozinhá-lo. Isso
explica por que a carne (úmida) era assada (seca) ou por que o peixe (frio e úmido)
geralmente era frito. Os infindáveis processos de triturar, moer, coar, peneirar e filtrar
estavam destinados a retificar desequilíbrios humorais (como também, provavelmen-
te, a dar comidas moles a quem tivesse os dentes em mau estado). Os molhos eram
outro capítulo. O baseado em canela e vinagre dava um efeito quente e seco à truta
ou ao salmão assados, ambos úmidos. O molho verde, cujo principal ingrediente era
a salsa (quente e seca), era tido como apropriado para um lúcio ou um linguado,
frios e úmidos. Considerações humorais também desempenhavam um papel na
decisão sobre quais as comidas apropriadas a cada estação do ano. Comidas úmidas,
como pepino ou tutano, eram tidas como corretas para se comer no verão, que é
quente e seco. Sempre o mais importante era combinar as qualidades elementares
do alimento com a disposição humoral de quem o consumia.7
Esses manuscritos com receitas, juntamente com os cardápios que chegaram
até nossos dias, nos dão a primeira idéia clara da variação da dieta medieval.8 É
preciso acrescentar que não se trata de toda a gama de alimentos: vegetais e frutas
só apareciam quando cozidos. A carne, claro, era central — essa categoria abrangia
carne de porco, vitela, carneiro, boi e também de caça, como veado e javali. Às vezes
era apenas assada ou fervida, cortada em pedaços e servida, mas em geral cozida
numa complexa mistura de vinho, vinagre e mostarda, juntamente com condimentos
e ervas, além de gema de ovo, farelo de pão e fígado para engrossar o molho. Das
aves constam não apenas as domésticas, como galinhas, gansos, patos e pombos, mas
também caça — cisnes, mergulhões, garças, faisões, abetardas, pavões e maçaricos.
A galinha era servida de todas as maneiras — assada, recheada ou transformada em

74
aos olhos do espectador

patês. Assava-se a hétoudeau, galinha de um ano, e servia-se com o famoso sauce


jaune, feito de amêndoas moídas, gengibre, vinho e leite engrossados com pão. Esse
molho também servia para acompanhar o ganso assado, assim como o sauce poivre
noire, baseado em pimenta, gengibre, pedaços de pão torrado, vinagre ou agraço.*
Faisão e perdiz eram normalmente assados e depois picados, e o bouillon resultante
engrossava-se com migalhas de pão ou queijo ralado, adicionando-se à última hora
ovos batidos e perfumados com gengibre amassado no agraço. A litania de peque-
nos pássaros sacrificados à mesa é infindável: cotovias, codornas, pardais, melros,
estorninhos, tordos e muitos mais. Nada escapava.9
O peixe, essencial pelo grande número de dias de abstinência estabelecidos
pelo calendário da Igreja, podia ser fresco, do mar ou de água doce, seco, salgado
ou defumado. Os peixes de água doce geralmente eram cozidos num court bouillon,
embora as percas pudessem ser assadas. Mais uma vez os molhos eram variados
e precisos. As lampreias, por exemplo, serviam-se com um molho feito do sangue
do peixe, condimentos, agraço e pão torrado.10
Além dos eternos assados, os pratos cujas receitas sobreviveram enquadram-
se em alguns conjuntos típicos.11 Havia o prato branco universal, blanc mangier,
que começava com galinha, fécula de arroz e açúcar (e ocasionalmente leite de
amêndoas), que na origem talvez não fosse branco (blanc), mas blant (suave) man-
gier. Também todo o conjunto de pratos de ovos fervidos, assados ou feitos em
omeletes. Havia os brouets e os civets, caldos dos quais nem peixe nem carne eram
os ingredientes principais, e as várias sopas, caldos em que o comensal mergulhava
pedaços de pão. Tortas de todos os tipos também tinham ampla aceitação, com
vários recheios, e também os patês de carne. Galantinas e gelatinas com pedaços
de carne ou peixe incrustados eram pratos imensamente populares. E também
as crepes ou crespelli de massa comum ou mole, para não mencionar a infindável
variedade de wafers e biscoitos que acompanhavam o vinho condimentado com
que terminava qualquer grande refeição.
No que toca à bebida, o vinho era universal, e só a água de fonte era consi-
derada segura. Embora sua disponibilidade geral possa soar democrática, o vinho
tinha sua própria hierarquia de qualidade, indo até o vinagre. Desde a queda do
Império Romano os vinhos franceses dominavam o mercado vinícola. Por volta
do século XIV, os de Bordeaux e de Borgonha eram tidos como os melhores, de
rigueur em todas as mesas aristocráticas e de burgueses ricos. Incluíam os brancos,
clairet (na verdade vermelho claro ou rosa) e tintos, tomados ainda jovens e com
baixo teor alcoólico. Os italianos bebiam seus próprios vinhos regionais. Não havia
qualquer noção de que o vinho devesse combinar com cada prato em particular.
Em vez disso servia para reforçar a estrutura de classe, e sua escolha refletia a

* Suco de frutas verdes, em geral de uvas. (N.T.)

75
banquete

posição social, o temperamento e a ocupação de quem o bebia. Isso determinava


os vinhos brancos e os clairets como apropriados às classes altas, mais cerebrais,
enquanto o tinto era mais adequado aos trabalhadores.
Colônia e Bruges tornaram-se os eixos do mercado alemão de vinhos, até que
a Antuérpia assumiu este lugar no final do século XV. A Inglaterra continuou sendo o
mercado dos vinhos de Bordeaux. O negócio de vinhos já era então extremamente
complexo, e os preços dependiam muito da qualidade. Cerveja e cidra eram favoritas
no norte da Europa. E entre as classes superiores havia um crescente interesse pelos
vinhos doces da Grécia, bem como pelos importados de Creta, Tiro e Chipre. Estes
últimos eram caros, mas vinhos doces mais baratos também se faziam com as uvas Mal-
vasia plantadas no sul da Itália, Sicília e Sardenha. Havia também uma preferência por
vinhos condimentados. O famoso hipocraz, normalmente tinto, era adoçado com mel
ou açúcar, fortemente condimentado e consumido com vários tipos de biscoito.12
Foram tão intensos os estudos sobre comida e culinária medievais nos últi-
mos 20 anos que hoje é possível traçar a história e a evolução de certos pratos.
Para citar um único exemplo, vamos examinar o prato de origem árabe chamado
mawmene. Ele foi registrado pela primeira vez no século XII, numa versão anglo-
normanda, consistindo então de carne de boi ou de carneiro cozida com cebolas
fritas num molho de vinho com leite de amêndoas, engrossado com capão moído
e temperado com cravo e um pouco de açúcar. Três séculos depois evoluiu para
algo muito diferente — galinha desfiada em molho de passas moídas temperada
com vários condimentos, adoçada com tâmaras e açúcar e enfeitada com açúcar
de confeiteiro.13 Essa oportunidade de analisar detalhadamente uma receita signi-
fica que podemos pela primeira vez mapear as mudanças de gosto e de moda na
alimentação, no fim do período medieval. Quais eram essas mudanças?
A principal foi a maior complexidade. A existência de livros de receitas por
si só reflete o fato de que cozinhar estava ficando tão sofisticado que exigia uma
transmissão escrita. A enorme elaboração na culinária registrada nas coleções de
receitas é um indício do crescente interesse pela comida como aspecto importante
da cultura da corte e da emergência de uma classe de nouveaux riches — que enca-
rava as artes da mesa como parte de uma nova arte de viver. O fato de Carlos V e
Carlos VI da França terem mais cozinheiros que Luís XIV, três séculos depois (48
no total), ilustra como era grande o significado da alimentação na corte medieval.14
As receitas revelam três sabores fundamentais para o paladar medieval: forte, que
dependia do uso de condimentos; doce, refletindo o uso crescente do açúcar; e
acre, uma queda pelo picante e azedo na comida. Este último sabor era obtido
no norte da Europa com vinagre e agraço, e no sul com o limão. O Viandier fala
de elementos acres em 70% das receitas e do mesmo elemento combinado com
condimentos em 50%. Isso revela a forte predileção dos franceses pelos alimentos
picantes, pois eles usavam também muito gengibre. Em contraste, a preferência
italiana e inglesa era pelo agridoce, ou apenas pelo puramente doce.

76
aos olhos do espectador

A cozinha do período medieval posterior também incorporou consideráveis


variações regionais que se desenvolveram não apenas pelo uso de ingredientes
locais, mas como resultado das influências de países vizinhos.15 Os franceses e
italianos, por exemplo, dependiam de óleo de oliva, enquanto os alemães cozi-
nhavam com óleo de papoula; a produção local decidia a questão. Os laticínios
eram outra divisão clara. A região da manteiga fazia fronteira com o mar do Norte
e o Canal da Mancha, indo da Normandia à Dinamarca. Só depois do século XV
é que o uso da manteiga começou a se espalhar para o sul, primeiro de Flandres
até a França e depois, graças aos reis angevinos de Nápoles, para a cozinha italiana.
Além disso havia variações regionais na técnica culinária. Isso pode ser percebido
numa passagem da Chronicle, de Hall, na qual ele descreve Francisco I ceando com
Henrique VIII, em 1520, no Campo do Tecido de Ouro: “O rei francês serviu-se
de três pratos, e sua carne era preparada à maneira francesa, e o rei da Inglaterra
comeu carne segundo a moda inglesa...”16
O pleno impacto da cozinha árabe — que chegou ao norte através da Sicília
e da Espanha cristã e também pelas Cruzadas — continua pouco compreendido.
Essa culinária tem suas próprias e múltiplas tradições. A única coisa certa é que
as influências árabes da Catalunha já alcançavam o sul da Itália no começo do
século XIV e deslocaram-se na direção norte ao longo da península, com impor-
tantes conseqüências. O efeito já podia ser percebido nas receitas daquele que é
considerado o primeiro cozinheiro do Renascimento, mestre Martino, de Roma,
na década de 1450 (a quem voltaremos no próximo capítulo). O impacto mais
profundo foi mais ao sul, na cozinha da corte napolitana, pois ali a síntese das
tradições catalã e italiana daria nascimento à gastronomia renascentista.17
A essas correntes culinárias que atravessaram a Europa devemos acrescentar os
grandes desenvolvimentos na técnica. Mestre Martino está associado a dois avanços
muito significativos: a clarificação da gelatina com claras batidas, o que melhorou a
aparência do que já era considerado um prato de prestígio, e o desenvolvimento
da massa comestível. Até então a massa era simplesmente um recipiente em que
os alimentos eram cozidos, não se destinava a ser comida. O aparecimento da
massa quebradiça possibilitou toda uma variação de tourtes e tortes que seriam o
pináculo da sofisticação culinária no século XVI.18
Outra mudança notável aconteceu no uso dos temperos. Pimenta, o con-
dimento mais comum e mais amplamente usado até o século XV, deu lugar aos
“grãos do paraíso” (pimenta malagueta), muito mais caros e exóticos, adotados
entusiasticamente pelas classes altas.19 A isso devemos acrescentar o crescente gosto
pelo açúcar. Até o final do século XIV o açúcar em geral era usado medicinalmente
e de modo esparso na cozinha, mais como tempero do que como ingrediente.
Como tinha de ser importado do Oriente e do sul da Espanha, era caro, mas pas-
sou a ser muito valorizado na Itália, Inglaterra e Holanda, e gradualmente invadiu
a cozinha francesa ao longo do século XV. A moda do açúcar na comida refletia
a voga dos vinhos doces, levando a um grande mercado de malvasia.20

77
banquete

Ainda mais impressionante que isso tudo foi o desejo de dotar os alimen-
tos de forma e cor. De repente passou-se a exigir que a comida assumisse uma
forma que não apenas valorizasse o status do comensal, mas o afirmasse. Os
cozinheiros passaram a transformar os alimentos que cozinhavam num espelho
de tudo o que era mais admirado na sociedade do final do período medieval,
convertendo-os por meio de forma, cor e padrão numa visão de superabundante
riqueza, beleza e aristocracia. Tal aspiração está contida no Ménagier. Sempre
que qualifica um prato como bonne ou belle, refere-se não a seu gosto, mas à
aparência. Testemunhamos aqui uma das maiores revoluções na história da
alimentação, na qual o lado físico do comer é deslocado pelo prazer estético do
olhar. Em suma, a ênfase desloca-se da boca para os olhos.21
A cor assim fez sua entrada espetacular.22 Na versão mais antiga do Viandier,
de cerca de 1300, há 40 referências a cores, entre as quais 14 ao amarelo, quatro
ao branco, duas ao verde e três ao dourado. A versão do começo do século XV que
se encontra na biblioteca do Vaticano tem nada menos que 97 referências a cores,
sendo 22 apenas ao dourado. O amarelo foi a cor mais favorecida no século XIV,
e o dourado no século que se seguiu, ambas refletindo a mesma busca: a comida
como indicação de status social, pois, de acordo com a legislação suntuária, o ouro
era reservado às classes superiores. O ouro era igualmente a cor do paraíso, refletido
em todos os aspectos da arte religiosa gótica. No século XIV o verde vinha a seguir
em popularidade, e em terceiro lugar — de maneira surpreendente — o marrom
ou castanho, cor associada ao campesinato (e, simbolicamente, à duplicidade). O
amarelo era obtido do açafrão ou da gema de ovo; o verde, de ervas como salsa;
e o castanho, de brotos de uva ou de groselha. Apenas os ingleses tinham paixão
pelo vermelho, extraído do sândalo, que eles juntavam ao amarelo, combinando
na mesa as duas cores dominantes na heráldica do fim do período medieval. A
apresentação de cores nos alimentos remonta à cozinha árabe, originando-se na
tradição médica e alquímica. De acordo com o costume médico árabe, o ouro
prolongava a vida; portanto, era desejável comer o próprio ouro ou seu equiva-
lente visual mais próximo, o açafrão amarelo. Vermelho e branco estavam ligados
ao cinábrio, sulfeto de mercúrio e ao próprio mercúrio. Esses elementos, aliás,
tinham associações alquímicas, sendo o cinábrio o material primitivo na busca de
produzir ouro. O mercúrio era primeiro extraído do cinábrio, depois, com a ajuda
do enxofre, transformado em ouro — pelo menos teoricamente.
Na verdade a cozinha do fim do período medieval tinha, como se nota, fortes
vínculos com a medicina alquímica e astral, que derivava de fontes árabes. Os cordiais,
seu foco principal, empregavam uma extraordinária variedade de ingredientes pouco
usuais e muitas vezes caros para fortalecer o coração e evitar a melancolia saturnina,
entre outros males corporais. Da mesma forma, consumir alimentos coloridos ou de
fragrâncias doces tinha valor medicinal. Colorir a comida de amarelo tornava-a tão
“nobre” quanto o ouro, e quem a comia tinha a esperança de evitar a decadência

78
aos olhos do espectador

física, como se estivesse comendo ouro de verdade. Alimentos dourados e com ouro
tornaram-se uma obsessão medieval, por razões de saúde e para atrair as influên-
cias astrais corretas em grandes ocasiões, tais como um banquete de casamento.
Assim, as iguarias douradas servidas por Gaston de Foix à embaixada húngara
não foram uma manifestação isolada. A 15 de junho de 1368, por exemplo, Ga-
leazzo II Visconti ofereceu um jantar por ocasião do casamento da sua filha, Violante.
Começava com dois leitões dourados cuspindo fogo e seguia com lebres, um bezerro
e uma carpa, todos dourados.23 No banquete de coroação de Henrique VI, em 1429,
havia uma Viaunde Royal decorada com losangos dourados, um “creme real” com
um leopardo dourado sentado em cima, cabeças de javali em castelos de ouro e
uma carne ao forno cortada em forma de escudo dividido em campos vermelhos e
brancos e decorado com losangos dourados. O segundo serviço incluía “um cervo
branco plantado [sic] com um antílope vermelho; uma coroa na cabeça, com uma
corrente de ouro, polvilhada [decorada] com leopardos e flores de lis de ouro. Filhós
guarnecidos com uma cabeça de leopardo e três penas de avestruz”. Como estes
pratos devem ter brilhado e cintilado na mesa à luz das tochas e das velas!24
Tais pratos apontam para outro deslocamento significativo, a passagem para a
escultura dos alimentos. O banquete de Gaston de Foix terminou com uma revoada
de pássaros heráldicos e animais esculpidos em açúcar. Como veremos, essa forma
de alimento logo se transformaria no serviço doce. Mas em todos os lugares, à pro-
porção que o século XV avançava, multiplicava-se a comida representativa. No início
do século seguinte ela já dominava os banquetes. Era uma obsessão que se impunha,
como mostra o inesquecível relato de George Cavendish sobre a festa oferecida pelo
cardeal Wosley em outubro de 1527 aos embaixadores franceses em Hampton Court:

Logo veio o segundo serviço, com mais de cem pratos, sutilezas e artifícios curiosos,
de tão grandes proporções e tão custosos que creio que os franceses jamais tinham
visto nada parecido. O espanto era grande e realmente merecido. Havia castelos
com imagens; a igreja de Paulo e o campanário. ... animais, pássaros, ovos de diversos
tipos e personagens muito bem-feitos e imitados nos pratos; alguns lutavam como se
tivessem espadas, outros empunhavam pistolas e adagas, alguns saltavam e pulavam,
outros dançavam com as damas, alguns completamente vestidos, até mesmo com
esporas, com muito mais coisas do que sou capaz de descrever.25

No entanto àquela época a comida figurativa era apenas um aspecto da ten-


dência irresistível à ostentação e elaboração em tudo que fosse ligado à mesa.

O TRIUNFO DO CONSUMO CONSPÍCUO26

Ao final do século XIV a corte francesa empregava entre 700 e 800 pessoas na tarefa
de alimentar os membros de sua vasta casa.27 À mesma época Ricardo II alimentava

79
banquete

cerca de mil pessoas por dia com uma equipe de 300 criados.28 As casas nobres
quase rivalizavam com as casas reais em termos de números. O duque de Guyenne,
por exemplo, alimentava 250 pessoas por dia. As ordenanças de Eduardo IV em
1470 apresentavam o número de bocas que deveriam ser alimentadas pelas diversas
casas: cerca de 250 para um duque, 200 para um conde, 70 para um barão e 23
para um cavaleiro. Comparados a estes, temos os dados reais — 299 para o duque
de Clarence em 1468, mas apenas cem para o duque de Norfolk, 15 anos depois.29
Fazer comida em tal escala exigia quase um pequeno exército para garantir quanti-
dades suficientes de alimentos e bebidas, sem mencionar a tarefa de cozinhar e servir.
O que isso significava para os vários departamentos de uma casa da nobreza
pode ser claramente captado nos relatos de grandes festas, embora se deva ter
em mente que estes eram acontecimentos excepcionais. Chiquart, o mestre-cuca
saboiano, apresentava as espantosas quantidades exigidas para uma festa de dois
dias realizada em 1420. Para cada dia foram necessários cem bois gordos, 130
carneiros, 120 porcos, 200 leitões, 60 porcos gordos (para lardear), 200 cabri-
tos e duas mil galinhas. Tudo era produzido localmente. Quanto à caça, foram
necessários 400 cavalos para o transporte pelos domínios ducais. Foram usados
seis mil ovos. As encomendas de gengibre, grãos do paraíso, canela e pimenta
eram imensas. Mesmo no caso dos chamados temperos menores, a encomenda
tornava-se enorme: três quilos de noz-moscada, cravo e macis, e pantagruélicos
12 quilos de açafrão. Refletindo plenamente a obsessão do século de tudo dourar,
Chiquart, além do açafrão, pediu nove quilos de folhas de ouro. Foram usados
1.800 quilos de trigo e queijo, sem mencionar 200 caixas de amêndoas modeladas
(dragées) para enfeite. O equipamento de cozinha utilizado ia de duas grandes
chaleiras e pás de forno até mil carregamentos de madeira e um celeiro cheio de
carvão. Nada menos que quatro mil pratos em ouro, prata, estanho e madeira
foram necessários para servir a mesa.30
Relatos desse tipo tendem a deixar o leitor com uma sensação de fadiga
numérica. Devem ser citados, contudo, para que se visualize a escala grandiosa de
tais espetáculos. Voltando no tempo até na festa de coroação do papa Clemente
VI em Avignon, a 19 de maio de 1344, os dados são igualmente de tirar o fôle-
go. Desta feita incluíam 80 saumées (conjunto de 500 fatias) de pão, 180 vacas,
1.023 carneiros, 914 cabritos, 60 porcos, 68 barris de toicinho e carne salgada, 15
esturjões, 300 lúcios, 1.500 capões, 3.043 galinhas (poulets), 7.428 frangos, 1.446
gansos e 50 mil tortas que usaram 3.250 ovos. Para o mesmo acontecimento, 300
jarros, 5.500 canecas, 2.500 garrafas de vidro, 5 mil copos e 2.600 écuelles (tigelas
para beber) foram alugados. Além disso o papa requisitou todos os cozinheiros
dos cardeais e 80 meninos para pegar água e servir.31
A festa de Chiquart tomou-lhe seis semanas de trabalho. Tratava-se, é claro, de
um acontecimento excepcional, mas mesmo em dias comuns o fornecimento e a
preparação da comida eram uma preocupação em qualquer casa importante. Todos
os grandes estabelecimentos tinham seções dedicadas à produção ou aquisição de

80
aos olhos do espectador

pão e ao suprimento e manutenção dos utensílios de mesa e dos tecidos correlatos


(a copa), à compra, produção e serviço de vinhos, cervejas e outras bebidas (a
despensa), à aquisição, preparo e cozimento dos alimentos (a cozinha). Estes, por
sua vez, necessitavam do apoio de outros departamentos da casa, tais como os
estábulos para o transporte, ou o celeiro para o armazenamento. Nas casas mais
importantes os números podiam ser substanciais. Os funcionários que chefiavam
a despensa e a cozinha na corte da Borgonha, por exemplo, tinham cada um 50
auxiliares, enquanto os 50 ligados à copa — chefiados pelo copeiro-mor — incluíam
um especialista em molhos, oito padeiros, dois valetes, um confeiteiro, um paste-
leiro, um encarregado de passar e outro de lavar as toalhas de mesa.32
Toda a maquinaria doméstica devia entrar em ação antes de começar a servir.
E esse ato diário, em qualquer palácio ou grande casa, exigia um departamento
próprio. Com pequenas diferenças, o procedimento era o mesmo ou muito se-
melhante em toda a Europa. Já que acabamos de ter conhecimento da plenitude
gastronômica do cardeal Wosley, podemos começar nossa pesquisa do consumo
em si com o relato de George Cavendish sobre um jantar na casa do cardeal.

Para falar do ordenamento de sua casa e de seus ofícios, é preciso lembrar primeiro
que o cardeal tinha em seu salão diariamente três mesas especiais guarnecidas pelos
três funcionários principais. Ou seja, o despenseiro, que era sempre um doutor ou um
sacerdote; o tesoureiro, um cavaleiro; e o mordomo, um escudeiro. Tinha também
um contador, dois porteiros, três mestres-de-cerimônias, dois valetes e um esmoler.
Na despensa, dois encarregados, um apontador, um responsável pelo aparador, um
encarregado dos temperos. E na cozinha do salão, dois mestres-cucas e mais 12
trabalhadores e crianças, como eram chamados; um oficial da lavanderia, com dois
outros encarregados de polir a prataria; dois oficiais da copa e dois criados.
Em sua cozinha particular ele tinha um mestre-cuca, que todo dia se vestia em
damasco, cetim ou veludo, com uma corrente de ouro ao pescoço; dois criados com
seis empregados e crianças para servir; na despensa, um oficial e criados; na lavanderia,
duas pessoas; na garrafeira, dois oficiais e dois criados, além de dois pajens; na despen-
sa, dois oficiais, dois criados e dois pajens; e na aguada [departamento encarregado
de apresentar água para as abluções] o mesmo; na adega, três oficiais, dois criados e
dois pajens — além de um cavalheiro a cada mês; na sala das velas, três pessoas; na
biscoitaria [onde se faziam bolos e biscoitos], duas.
Em seus aposentos, as seguintes pessoas: o camareiro-mor; o vice-camareiro; 12
cavaleiros-escudeiros, porteiros de dia — além de dois em seu quarto privado; e quanto
a cavaleiros-porteiros, em seu quarto privado ele tinha seis; tinha nove ou dez mo-
res... E entre os cavaleiros, como copeiros, trinchantes, mordomos [encarregados de
indicar os lugares aos convidados] e criados de mesa, tinha 40 pessoas; entre oficiais
escudeiros tinha seis; entre valetes em seus aposentos, oito; entre oficiais em seus
aposentos, 46 diariamente para atender a sua pessoa; e também um sacerdote, que
era seu esmoler, para sentar à sua mesa para jantar...33

Cavendish descreve aqui os arranjos na primeira e segunda décadas do século


XVI. É o registro de um sistema doméstico do final do período medieval, porém

81
banquete

suplementado por funções decorrentes da nova divisão entre o salão e os aposentos


privados. Wolsey fazia as refeições em seus próprios aposentos, o que exigia não
apenas uma equipe própria, mas também uma cozinha própria.
The Boke of Curtaysye, escrito por volta de 1460, descreve com mais detalhes
o âmbito em que operavam os vários funcionários ligados ao serviço de mesa. No
topo da pirâmide, na maioria das casas, vinha o mestre-de-cerimônias, a quem todos
os outros respondiam, encarregado de indicar os lugares aos convidados. Isso exigia
uma pessoa com conhecimento enciclopédico a respeito de precedência. Abaixo
do mestre-de-cerimônias vinha o escudeiro, cuja tarefa era comandar os criados na
montagem e desmontagem das mesas de cavaletes, cadeiras e bancos a cada refeição.
Normalmente o escudeiro era encarregado do guarda-roupa, portanto tinha acesso às
tapeçarias que deveriam ser penduradas nas paredes, tarefa que cabia aos criados. A
função do mordomo era organizar os cardápios junto à equipe de cozinha. Seguido
pelos aguadeiros, encabeçava a procissão que trazia cada seqüência de pratos ao
salão. (Em algumas casas era o mestre-de-cerimônias que ia à frente dessa procissão
que, nas situações mais grandiosas, podia incluir escudeiros e maceiros.) A tarefa do
aguadeiro era organizar os pratos na mesa, cuidando para que cada grupo de duas
ou três pessoas recebessem as porções devidas. Em alguns casos eram os aguadeiros
que montavam e desmontavam os cavaletes. O papel do esmoler era fixo: entregar
todas as sobras aos pobres depois que terminava a refeição.34
Parece óbvio que as tarefas eram todas semelhantes, mas os encarregados
delas e o grau de elaboração com que eram feitas variavam de acordo com a casa
e sua opulência. No entanto, quaisquer que sejam as variações, a tendência geral
é clara: à medida que o século XIV se aproximava do fim, nas classes superiores o
ato de comer passava a ser cada vez mais ritualizado. O simples fato de sabermos
tanto a esse respeito reflete a necessidade de registrar os detalhes, pois era tudo
muito complicado. Um número cada vez maior de pessoas desejava — e necessitava
— saber a maneira “certa” de fazer as coisas. Seu interesse se manifestava numa
florescente literatura, tanto sob forma de regulações domésticas como de livros de
instrução. Estes livros começaram a proliferar no século XV, e um exemplo é o relato
de Olivier de La Marche sobre a etiqueta na corte borgonhesa de Carlos, o Audaz.
O livro é da mais extremada elaboração e constitui um dos limites máximos das
obras do gênero. The Boke of Nurture, de Hugh Rhodes, descreve toda essa prática
na casa de um cavaleiro ou gentil-homem comum. Vamos examinar os dois para
perceber o sabor do ritual da comida no final do período medieval.
Na corte borgonhesa todas as refeições eram espetáculos cuja semelhança com
a liturgia da missa não podia ser coincidência (muitos dos cerimoniais seculares
do final do período medieval — como o pálio colocado sobre reis ou príncipes
— tinham origem no ritual eclesiástico). Em ambos os casos havia uma grandiosi-
dade ritual. A seqüência de abertura era suficiente para sugerir como seria todo
o procedimento. Começava com a entrada de uma procissão encabeçada pelo

82
aos olhos do espectador

Festejo na corte da Borgonha. A mesa em “L” reserva o lugar de honra para a noiva na extrema
esquerda; entre os hóspedes é possível reconhecer vários membros da família ducal. A humilde
fatia de pão foi aqui promovida ao formato de pequenos pratos retangulares, decorados com bordas
de prata dourada. Detalhe de As bodas de Caná, c.1500.

83
banquete

escudeiro do salão, seguido pelo despenseiro carregando a grande naveta de sal,


por sua vez seguido pelo porteiro do salão. Este orientava o despenseiro quanto
ao lugar onde a naveta deveria ser colocada na mesa ducal. A posição escolhida
era num dos cantos, de modo a não esconder o duque, pois assistir ao seu jantar
havia se tornado um acontecimento público a ser testemunhado por embaixa-
dores e outros dignatários. Vinha então o primeiro dos muitos testes de veneno.
O despenseiro dava ao porteiro um pouco do sal para provar, depois colocava
o saleiro pessoal do duque no lugar e enchia-o de sal. Um chifre de unicórnio já
havia sido usado para verificar a segurança das toalhas de mesa e as ricas tape-
çarias que cobriam o banco onde o duque se sentava. A essa altura um criado
levava o pedaço de chifre de unicórnio, guardado num pequeno recipiente, para
o porteiro do salão. Este derramava água numa bacia, sobre o chifre e as mãos.
A toalha em que o duque iria enxugar as mãos também era testada. O porteiro
da despensa beijava-a e dava-a ao despenseiro, que a colocava sobre o ombro es-
querdo, de maneira que um pedaço encostasse em sua pele para mostrar que não
estava contaminada. Depois dobrava-a sobre um prato com o chifre de unicórnio
usado para o teste de veneno de bebidas. Quando chegava o momento em que
o duque iria enxugar as mãos, o despenseiro passava a toalha para o mordomo,
que a entregava ao camareiro-mor, que por sua vez a passava para alguém de
posição mais elevada, que finalmente a entregava ao duque! E tudo isso era um
ato preliminar, antes mesmo da chegada do duque à mesa. O que se seguia era
uma multiplicação desses rituais que se estendiam por toda a refeição e mais
além. Não é de espantar que aqueles que a assistiam ficassem intimidados. Esse
era precisamente o efeito pretendido com a demonstração.35 Afinal, os duques
da Borgonha eram aspirantes a uma coroa.
O Boke of Nurture, de Rhodes, é muito mais prosaico. Ele não descreve a inflada
etiqueta cortesã, mas a rotina de uma casa nos condados ingleses. Começa dizendo
que, nas casas de alguns cavaleiros e gentis-homens, o mordomo e o despenseiro
podiam ser a mesma pessoa. A tarefa do despenseiro era verificar se o pão estava
“cortado e arrumado” em fatias (que deveriam servir de “pratos” comestíveis) e se
as toalhas e guardanapos estavam limpos. Ele então preparava o aparador do salão
para as abluções do senhor, estendendo um pano sobre o móvel e colocando em
ordem bacia, jarro e toalha. A seguir guarnecia a mesa alta com sal, pão e fatias de
pão, cuidando para que todos que ali se sentassem tivessem um guardanapo e uma
colher. Essas seqüências iniciais são simples questões práticas, muito distantes da
coreografia da corte de Borgonha. Dá para perceber que muitas dessas coisas vinham
acontecendo por mais de um século. Evidentemente havia infinitas gradações que se
estendiam por toda a hierarquia social e afetavam a maneira pela qual as refeições
eram servidas. No entanto, os procedimentos tinham importância central. Quanto
mais alta fosse a posição do personagem, tornava-se maior a probabilidade de que
até mesmo a mais mundana das ações fosse ritualizada.36

84
aos olhos do espectador

Há, no entanto, uma diferença significativa entre os dois relatos. No caso


do duque de Borgonha, a descrição é de uma refeição servida apenas a ele, mas
na presença de espectadores. Wolsey também comia sozinho ou no máximo
com alguns convidados de honra. Rhodes descreve, ao contrário, uma refeição
consumida por toda a casa, como era a prática antes na Idade Média. O gosto
por uma maior privacidade ficou mais pronunciado ao final do século XIV, e é
descrito numa passagem muito citada de Vision of Piers Plowman, de Langland,
escrita por volta de 1362:

Desgraçado é o salão ... a cada dia na semana.


Ali o senhor e a senhora não gostam de se sentar.
Agora os ricos têm uma regra de comerem sozinhos
Numa sala particular ... por causa dos homens pobres,
Ou num quarto com chaminé, e abandonam o salão principal,
Que foi feito para as refeições, para os homens comerem nele.37

Cada vez mais a realeza e os grandes senhores só comiam em público em


algumas ocasiões — nos grandes dias de festa da Igreja, por exemplo, ou nos
banquetes que marcavam um casamento ou uma embaixada, como a dos hún-
garos na França, em 1457. Na França isso se revela na multiplicação de aposentos
particulares. No primeiro destes, chamado chambre de parement, havia uma cama
ricamente decorada e não-funcional, um símbolo de importância. Era ali que o
senhor muitas vezes comia, e não na grande salle.38
Festas importantes muitas vezes exigiam que as mesas se multiplicassem em
outras salas, mais uma vez reforçando pouco a pouco a tendência à separação.
Quando George Neville foi entronizado como arcebispo de York, em 1467, os
2.500 convidados espalharam-se pela grande sala, pela grande câmara e pela
galeria.39 A decisão sobre o lugar em que cada pessoa se sentaria era tomada es-
tritamente em função de sua posição na hierarquia social. Na verdade, a migração
dos grandes para os aposentos em separado é menos uma mostra de desejo de
privacidade do que uma tática para reforçar a distinção num período em que as
classes altas sentiam-se ameaçadas — tanto pelos recém-enobrecidos quanto pela
burguesia enriquecida. A realeza e a alta aristocracia gradualmente reduziram
suas refeições em público. Assim, quando elas ocorriam, era como uma grande
epifania a ser contemplada com temor pelos mortais inferiores. Ao se manterem
fora de vista eles agiam de acordo com o velho adágio de que a familiaridade
alimentava o desprezo.
Podemos ver a mudança, por exemplo, nos complicados arranjos realizados
entre franceses e ingleses no Campo do Tecido de Ouro, em 1520. No primeiro
intercâmbio de festas entre as duas cortes, Henrique VIII foi ao castelo de Ardres,
onde se sentou com a rainha da França e a rainha-mãe, a irmã do rei, a duquesa de
Alençon e a duquesa de Vendôme de um lado da mesa. Em outra sala os “príncipes”

85
banquete

da Inglaterra eram festejados pelo duque de Alençon, e numa terceira, bem maior,
onde mais tarde deveria acontecer música e dança, havia um banquete público.
Enquanto isso, Francisco I jantava no palácio temporário erigido pelos ingleses em
Guisnes. Sentou-se diante da rainha inglesa, enquanto o cardeal Wolsey e a irmã de
Henrique VIII, Mary, duquesa de Suffolk, sentava-se na ponta da mesa. No salão 20
cavalheiros faziam companhia a 130 damas, e em outro salão na cidade de Guisnes,
200 cavalheiros festejavam.40 Em todos estes arranjos a principal preocupação era
a afirmação visual da hierarquia por meio de atos de separação.
O palácio temporário erigido pelos ingleses em 1520 é um lembrete de ou-
tro desenvolvimento, a criação de elaborados e efêmeros cenários para grandes
banquetes. Isso podia se dar como uma mise-en-scène sobreposta a um salão já
existente, ou num salão especial construído para a ocasião. Quando Filipe, o Bom,
casou-se com Isabel de Portugal, em 1430, o pátio foi transformado num salão de
banquetes completo, com uma galeria de menestréis para 60 pessoas, hipocraz e
água de rosas saindo da boca de um veado e de um unicórnio, e árvores douradas
com os escudos das terras dominadas pelo duque.41 Quase quatro décadas depois,
em 1468, essa mesma arrumação foi repetida quando Carlos, o Audaz, se casou
com Margarida de York, acrescentando-se uma galeria de onde as senhoras podiam
observar a festa. O teto era de seda azul, e das paredes pendiam tapeçarias com
a história de Jasão e o velocino de ouro, e tanto acima como atrás da mesa alta
havia um rico tecido em ouro bordado com as armas ducais.42
Os adornos das paredes eram um cenário para exibições mais pomposas e
ricas. O século XIV viu o surgimento dos dressoirs de parement — aparadores cujo
único propósito era a exibição de pratos — que já haviam se tornado uma carac-
terística na França no segundo quarto de século.43 Esses aparadores — que inicial-
mente tinham o simples propósito de servir de lugar para as bebidas colocadas em
grandes jarros, para a comida antes de ir para a mesa e para guardar os utensílios
— começou a ter vida própria. Em casas menos luxuosas, o aparador continuou
sendo funcional. Le ménagier de Paris recomendava que os escuiers ficassem no
dessouer de sale, de onde iam e voltavam as colheres, hanaps (taças enfeitadas) e
outros pratos. Ao mesmo tempo o vinho deveria ser despejado e servido ali. Mas
no palácio o aparador realmente tinha se tornado uma coisa muito diferente,
basicamente um veículo para exibir a prataria. No banquete que Carlos V ofe-
receu ao imperador Carlos IV, em 1378, havia nada menos que três aparadores
carregados de baixelas. Cada um deles tinha uma barreira em volta e uma guarda
protegendo a exposição. No século seguinte essa tendência à exibição ofuscante
continuou irrefreada. No casamento borgonhês de 1429 havia um aparador de
cada lado da sala, todos com seis metros de comprimento e as baixelas expostas
em cinco prateleiras.44 No casamento de 1468, o aparador tinha a forma de um
losango erguendo-se em diversos níveis; as prateleiras mais baixas, carregadas de
grandes peças de ouro e prata, subiam gradualmente e culminavam com peças

86
aos olhos do espectador

menores repletas de pedras preciosas. Os convidados comiam em pratos de prata,


e nenhum deles vinha do aparador.45
A corte borgonhesa codificou o sistema de exibição, especificando exatamente
quantas prateleiras as pessoas de cada nível poderiam mostrar. Um soberano, ou
sua consorte, tinha direito a cinco, um príncipe a quatro, uma condessa a três, a
esposa de um baronete a duas ou uma, e os que não tivessem títulos não podiam
expor nem mesmo um único gradin.46 As regras na Inglaterra, se existiram, devem
ter sido diferentes, pois Henrique VIII tinha direito a oito, e o cardeal Wosley a
seis. Na verdade a cintilante exibição de pratarias para os embaixadores franceses,
em 1518, provocou comentários ácidos do embaixador veneziano, observando
que aquilo seria mais apropriado para um banquete oferecido por “Cleópatra ou
Calígula; o salão de banquetes estava tão decorado com imensos vasos de ouro
e prata que acreditei estar na torre de Khosro, onde aquele grande monarca fez
com que lhe fossem concedidas honras divinas”.47
Tal ostentação pode ser comparada à exibição da conta bancária em público,
pois a prata desse tipo era a primeira a ser derretida em épocas de necessidade
financeira. E a obsessão pela prataria não se limitou ao dressoir. Os séculos XIV e
XV testemunharam o renascimento no Ocidente da prataria profana em grande
escala desde o colapso do Império Romano.48 O contraste com a austeridade da
mesa dificilmente poderia ser mais chocante; o móvel continuou sendo nada mais
que tábuas coladas juntas e apoiadas em cavaletes. Era estreita, porque geralmente
os comensais sentavam-se apenas de um lado e eram servidos do outro. Quando
se montava uma mesa nos aposentos do senhor, ela era muitas vezes — como na
famosa iluminura referente ao mês de janeiro nas Très riches heures, que mostra
o duque de Berry jantando — colocada diante de uma lareira, em busca de calor,
e com uma tela protegendo o comensal do fogo. No salão o arranjo continuava
o mesmo de antes, com uma mesa alta sobre um estrado elevado e duas outras
em ângulos retos, formando uma ferradura que limitava a arena. Como já era de
costume anteriormente, a mesa era coberta com até três panos.
O banquete húngaro, servido em centenas de pratos de prata — 40 por
serviço em cada mesa, uma quantidade impensável no começo da Idade Média
—, constituiu um espelho preciso da imensa expansão das coleções reais e aristo-
cráticas de baixelas naquela época. Já em 1364, Luís d’Anjou, rei de Nápoles e
de Jerusalém, tinha mil peças, nove décimos das quais eram novas. Carlos V da
França tinha 2.500 peças, inclusive dez taças de ouro com pedras preciosas. Na
mesma época vários burgueses ricos de Paris jactavam-se de ter grandes coleções,
provando que o decreto suntuário de Felipe, o Belo, em 1294 — estabelecendo
que aqueles cuja renda fosse inferior a seis mil livres tournois “não poderiam usar,
dentro ou fora de casa, vasilhas de ouro ou de prata para beber ou comer” — não
surtira efeito.49 Os inventários revelam que de longe o maior número de itens era
de copos para beber, hanaps ou taças de pé. Estas eram consideradas símbolos de

87
banquete

status e podiam ser simples malgas de madeira, feitas do cecídio do bordo, com
engastes de prata ou prata dourada. Eram usadas em grandes ocasiões, enquanto
copos baixos e largos eram empregados nas refeições comuns. De todas as vasilhas
de beber a sobrevivência mais espetacular é o Copo Real de Ouro, enfeitado com
um desenho em esmalte com a história de santa Agnes e sua irmã postiça, santa
Emerenciana. Registrado num inventário da prataria de Carlos VI, em 1391, é
pesado demais para ter servido a outros propósitos que não os cerimoniais.50
Ao final do século XIII surgiram outros itens na baixela — o pot à vin e o pot à
eau, que ficavam na mesa ou no aparador. Aos poucos tais recipientes passaram a
ser feitos de prata ou de ouro, particularmente no caso conhecido como temprier
(isto é, temperança). Na verdade, para aqueles que podiam pagar, muitos pertences
de mesa anteriormente de madeira ou argila serviram de transição para os metais
preciosos. No século XV a fatia de pão universal começou a ser feita de ouro e prata
nas mesas reais e principescas. Com isso já estamos muito perto dos pratos de comer.
Até mesmo o oveiro já existia em 1363, pois o inventário de Carlos V, então ainda
duque da Normandia, registra “uma pequena vasilha de prata para comer ovos”. Em
1403 essas peças haviam adquirido tampas para manter quente o conteúdo.51
A baixela do fim do período medieval era uma orgia de imagens, muitas de-
las humorísticas e espirituosas, destinadas a divertir e ensinar: pássaros e animais,
figuras de romanças e de lendas, camponeses e sereias, flores e escudos de armas
— e toda a gama do simbolismo cristão. Usavam-se jaspe, calcedônia, vidro e cristal,
bem como conchas exóticas, cascas de nozes e de ovos de avestruz, enfeitados de
ouro, prata, esmalte e pedras preciosas.
Na Europa continental o elemento mais importante entre todas essas peças
novas era a naveta — recipiente associado apenas a reis, cardeais e grandes se-
nhores.52 Assim como a tendência a comer em lugar separado, seu surgimento
reforçou a nova ênfase na gradação hierárquica, pois na mesa a naveta era sempre
colocada na vizinhança de seu proprietário. Sua forma (cujo nome, como a palavra
nave, vem do equivalente francês para “navio”) origina-se do recipiente usado para
guardar incenso. Era em geral empregada apenas com propósitos ostentatórios,
mas às vezes continha elementos necessários. A naveta de Carlos V guardava
uma língua de serpente (usada para detectar veneno), uma colher, uma faquinha
e — coisa muito rara — um garfo pequeno. Algumas vezes as placas de cortar
carne, feitas de metal, eram guardadas nela; em 1484, na festa de coroação de
Carlos VIII, a naveta continha guardanapos. Um século antes, em 1395, a naveta
de ouro de Luís de Orléans mostrava um quadro da Anunciação no castelo de
proa, com os 12 apóstolos no convés e os quatro evangelistas na ponte. Uma
vela tinha uma cruz de esmalte azul com flores-de-lis douradas cercadas por oito
anjos, com Deus Pai adejando acima. Nas águas salpicadas de jóias que cercavam
o navio, estavam mais duas figuras de Deus Pai e oito de Adão e Eva, bem como
o papa e o imperador! Havia navetas em todas as partes, não apenas na França,

88
aos olhos do espectador

mas também na Espanha, Alemanha, Itália e Países Baixos. Apesar disso, poucas
restaram — como a naveta que pertenceu a Ana da Bretanha, que foi dada por
Henrique II à cidade de Rheims e transformada em relicário.
Na Inglaterra, o papel que a naveta desempenhara no continente europeu
foi assumido pelo grande saleiro.53 Este também era um elemento de fantasia dis-
pendioso, mas raramente usava imagens marítimas (embora se afirme que Eduar-
do II possuía um saleiro com o formato de um navio sobre quatro rodas). Um
dos saleiros de Ricardo II tinha a forma de um falcão coroado e ao pescoço uma
corrente com elos em forma de “s”; outro representava um dragão saindo de um
búzio. Henrique VI possuía um na forma de castelo, com recipientes para sal em
cada uma das quatro torres, e outro representando um homem com um gorro de
lã. Tratava-se de saleiros grandiosos, atributos de soberania e poder, marcadores
do lugar à mesa indicando que a pessoa ali sentada estava no ápice da hierarquia
do jantar. Provavelmente esses saleiros grandiosos não eram muito usados, pois
crescia o número deles feito em ouro ou prata, menores e obviamente mais prá-
ticos. Piers Gaveston, notório favorito de Eduardo II, tinha nada menos que 30 na
bagagem quando foi capturado em 1313.
Ironicamente, a maior de todas as peças de exibição não era o saleiro, mas a
fonte de mesa.54 Constituíam não apenas chefs d’oeuvre da ourivesaria, mas também
elementos de extrema engenhosidade, com líquidos, vinho e água perfumada
espirrando e borrifando, e, quando pressionados, mostravam figuras movendo-se
e sinos tocando. Sabemos que essas fontes já existiam no século XIII e começaram
a aparecer nos inventários durante o século XIV. Em 1311, Luís, conde de Flandres,
tinha várias, e também a rainha Jeanne de Borgonha. Ela morreu em 1348, legando
diversas fontes, inclusive uma “na forma de um castelo, com pilares de alvenaria
e homens de armas em torno...”. Dezessete anos depois Luís d’Anjou também
tinha uma fonte em forma de castelo, desta vez um Château d’Amour apoiado
nos ombros de 12 homenzinhos. A fortaleza era atacada por seis cavaleiros e
defendida por senhoras que guarneciam as ameias, enquanto menestréis trombe-
teavam nos portões. O exemplar sobrevivente no museu de Cleveland (Ohio),
embora sem o reservatório e os pés, mostra bem a magnificência dessas peças,
cujo único propósito era provocar espanto. Neste exemplar, oito colunas servem
de apoio a muros de ameias das quais se projetam gárgulas, onde se encontram
quatro homens nus carregando esferas enfeitadas com sinos e esguichos. Acima,
numa segunda fileira, dois dragões empurram uma roda enfeitada com sinos,
tendo no cume um grupo de dragões e leões deitados. Embora os estudiosos não
estejam certos da data exata no século XIV em que este extraordinário brinquedo
aristocrático foi feito, não há dúvida sobre sua capacidade de impressionar num
banquete, borbulhando e brilhando.
Este tour de force resume os novos extremos de luxo sofisticado que estratifi-
cava as classes, pois mesmo bem abaixo na escala social a mesa era abarrotada de

89
banquete

artefatos como nunca acontecera antes. Nos níveis mais inferiores, as vasilhas eram
de estanho, cobre, ferro ou madeira. Porém, cada vez mais qualquer pessoa com
pretensões a status devia ter algumas colheres de prata ou uma taça de prata. E a
exibição não se fazia apenas com objetos de metal, pois à medida que a produção
de cerâmica na Europa se desenvolvia no século XIII, surgiram pela primeira vez
vasilhas de luxe, peças dignas de serem exibidas no aparador.55 Como no caso da
baixela, novas formas foram criadas em resposta à crescente elaboração do ato
de comer. Surgiram os esmaltes, refletindo não apenas as variações regionais,
mas também as funções. No Franco-Condado ou no Nord-de-Pas-de-Calais, por
exemplo, o cinzento era para a cozinha e vermelho ou branco para a mesa. Mas
a cerâmica iria perder prestígio quando a faience de cores brilhantes, originalmente
de origem espanhola, se impôs a partir de 1450. Eram peças de luxe, para exibição,
e não para uso. As vasilhas de beber e os jarros continuaram sendo feitos de vidro,
é claro. Na base da pirâmide social os camponeses descobriram que objetos de
madeira torneada lhes ofereciam tudo o que precisavam no que dizia respeito a
pratos, tigelas, colheres e facas. No entanto, mesmo isso representava um avanço
em relação ao que usavam antes.
Juntos, todos esses artefatos significaram uma revolução no consumo, desti-
nada a definir a posição do comensal na escala social. Isso ocorria até mesmo no
caso da realeza. Quando Francisco I foi pela primeira vez festejado no Campo do
Tecido de Ouro, serviram-lhe num prato de ouro. Catarina de Aragão, a duquesa
de Suffolk — respectivamente mulher e irmã do rei da Inglaterra — e o cardeal
Wosley tiveram de se satisfazer com prata dourada.56 Isso pode parecer uma dis-
tinção clara para os olhos modernos, mas não para os da época.

OS MODOS FAZEM O HOMEM57

O festejo iria crescer de importância nos dois séculos anteriores a 1500, no papel
de imagem ideal da sociedade, ampliado pelo cerimonial ainda mais elaborado
que isso implicava. Nas romanças cavalheirescas do final do período medieval o
festejo sempre figura como símbolo de alegria e harmonia, ocasião para exibição das
virtudes decorrentes do bom nascimento e do exercício da cortesia. Pela primeira
vez temos abundância de descrições visuais das refeições seculares baseadas em
protótipos bíblicos, como o banquete de Herodes, as bodas de Caná e a Última
Ceia. Tais associações sagradas serviam para aumentar o poder de outros simbo-
lismos não-religiosos ligados ao jantar. A ofensa mais séria que se podia infligir a
um cavaleiro, por exemplo, era cortar a toalha de mesa à sua esquerda e à sua
direita, querendo com isso dizer que ele fora falso com a honra e, portanto, estava
apartado da sociedade. Esse tratamento foi instituído por aquele que foi a flor da
cavalaria do final do período medieval, Bertrand du Guesclin, no reino de Carlos V.58

90
aos olhos do espectador

Podemos ver tal ignomínia em ação numa iluminura de Os estatutos da ordem


napolitana do Espírito Santo, de 1353. Diante de um grupo de cavaleiros festivos e
suas damas, senta-se um solitário cavaleiro vestido de negro, numa mesa preta,
comendo o equivalente a uma humilde torta.59 Que humilhação deve ter sido!
Mais uma vez, assim como com tantos outros aspectos da mesa à medida
que passamos do século XIV ao XV, há uma nova ênfase na etiqueta e na prece-
dência, ambas reflexos de um profundo desejo de ordem.60 Na França isso foi
uma resposta à Guerra dos Cem Anos e a uma monarquia fraca. Na Inglaterra a
monarquia também estava enfraquecida em meados do século, e o país entrava
na Guerra das Rosas. Como se observou, a velha aristocracia sentia-se ameaçada
tanto pelas famílias recém-enobrecidas quanto pela proliferação de uma burguesia
rica. A resposta foi aumentar a pompa como meio de preservar a casta. O exem-
plo básico dessa tática era a corte de Borgonha, cujo estilo seria exportado para a
Inglaterra, primeiro sob a égide de Eduardo IV e depois de Henrique VII. Por meio
da herança borgonhesa dos Habsburgo, alcançaria o resto da Europa no século
seguinte. Foi a era que deu nascimento a expressões que sobrevivem até hoje,
como “abaixo do sal”, “a camada superior”, e “nascer em berço de ouro”.
Os banquetes de coroação são reveladores dessa obsessão com a precedência.
Os grandes aristocratas assumiram o papel de serviçais — mestre-de-cerimônia,
despenseiro, trinchador, mordomo ou esmoler. No banquete de coroação de
Henrique IV, em 1399, o conde de Warwick serviu de despenseiro, o conde de
Westmoreland de mestre-de-cerimônias, o conde de Somerset de trinchador, o
conde de Arundel de mordomo-chefe, e lorde Latimer de esmoler. Embora neste
caso o monarca estivesse à mesa com dois arcebispos e 17 bispos, cada vez mais,
nessas ocasiões maiores, o monarca sentava-se sozinho.61 Assim aconteceu no
banquete realizado pela consagração de um papa em Roma. O novo pontífice foi
levado à mesa por dois cardeais e ali se sentou sozinho. À sua direita havia uma
mesa para os cardeais-arcebispos, à esquerda para os cardeais-diáconos, e mais
adiante para o resto do clero e a nobreza.62
A desgraça abatia-se sobre qualquer um que violasse a precedência numa ma-
nifestação pública. Em 1464 o prefeito de Londres chegou a uma festa dada em sua
homenagem pelos Sargeants of Coif e encontrou o marquês de Worcester sentado
em seu lugar: “Pois dentro de Londres ele [o prefeito] vem logo depois do rei em
todas as situações.” Vendo a usurpação do lugar que era dele por direito, o prefeito
e seus acompanhantes prontamente foram para casa e fizeram sua própria festa.
Envergonhados, os anfitriões rapidamente enviaram uma oferenda apaziguadora de
“carne, pão, vinho e muitas outras sutilezas”. E assim a crônica da cidade termina
com satisfação: “o respeito da cidade por ele foi mantido, e não perdido.”63
Iluminuras de manuscritos e outros quadros de festas profanas nos fornecem
mais informações do que antes a respeito dos arranjos quanto aos lugares. Sempre
que aparece um casal, a mulher está sentada à esquerda. Se há três homens e duas

91
banquete

Jantar cotidiano num salão da Inglaterra no século XV. No centro está sentado o senhor da casa e sua
mulher, à direita dois sacerdotes, à esquerda dois filhos e uma filha. Um criado ajoelha-se para servir.
Iluminura de Luttrell Psalter, c.1420-40.

mulheres, eles não se sentam alternadamente; primeiro vêm os três homens, um


depois do outro, e a seguir as duas mulheres. Quando o número de comensais é
maior que seis ou sete, às vezes homens e mulheres se intercalam, mas também
podem ficar separados, especialmente em festas de casamento. Neste caso a noiva
preside. Representações das bodas de Caná muitas vezes mostram a noiva presidindo,
sentada sob um pálio, com duas acompanhantes do sexo feminino ao lado.64
A hierarquia não apenas determinava onde o comensal se sentava, mas
também sua porção de comida. Uma disposição do delfim Humberto II de Valois
(que reinou entre 1333 e 1349) dividia sua casa em cinco categorias: o próprio
delfim, barões e cavaleiros mais importantes, cavaleiros menos importantes,
proprietários de terra junto com capelães e empregados da capela e finalmente
servos e valetes. Estipulava-se o que cada grupo deveria receber como ração diária,
partindo da premissa de que quanto mais alto na escala social, maior a porção.
(O corolário disto era o princípio de que quem recebia mais deveria dar mais em
esmolas para os pobres que ficavam no portão.) Os convidados mais humildes e
os servos jamais recebiam ave; os capões e as galinhas eram reservados para as
ordens superiores. Carneiro e carne fresca de porco também eram considerados
apropriados apenas para as classes mais altas, enquanto carne de boi e carne
salgada eram julgadas suficientemente boas para os servos. No entanto todos
ganhavam legumes frescos.65
Essa associação entre alimento e posição social estava presente em toda parte.
Os registros da Confraria de Todos os Santos em Sevilha, detalhando os festejos

92
aos olhos do espectador

para os anos 1438-69, mostram que os membros da entidade e seus convidados


pobres, embora se sentassem à mesma mesa, recebiam alimentos diferentes.66 As
regras da casa do quinto conde de Nothumberland também deixavam claro que
capões e carneiro, nas estações em que se tornavam produtos mais caros, deviam
ser servidos apenas em sua mesa. Nos dias de festa era a mesa do conde que con-
sumia os maçaricos, adens, garças e faisões.67 Uma análise dos cardápios ingleses
do século XV mostra isso. Aves de caça, como faisões, garças, cisnes e pavões, eram
reservadas estritamente à mesa alta. A legislação suntuária na verdade reconhecia
uma correlação direta entre comida e status social. Em 1363, por exemplo, uma
lei inglesa especificava uma refeição diária de carne para os “servos dos senhores,
e também os dos misteres e artífices”; a outra refeição devia consistir de manteiga,
queijo ou o que quer que fosse, de acordo com a posição.68 A legislação do século
XV nas cidades do norte da Alemanha determinava não apenas o número de pratos
como também o número de convidados permitidos num banquete.69
Um senso de hierarquia permeava o jantar. Na festa de coroação de Ricardo
III apenas a mesa do rei tinha três serviços; os senhores e senhoras tinham dois, e
as pessoas comuns apenas um. Menor número de iguarias foi servido aos senhores
e às senhoras; só o rei comeu pavão.70 Numa festa dada por Henrique V para a
Ordem da Jarreteira, em Windsor, em 1416, à qual o imperador Sigismundo estava
presente, os três pratos pictóricos ou “sutilezas” foram servidos apenas na mesa alta:
“E todas estas sutilezas foram servidas ao imperador e ao rei, e a ninguém mais; os
outros senhores foram servidos de sutilezas conforme sua importância e grau”.71
Por volta de 1517, o excesso de comida em banquetes na Inglaterra tinha ficado

Cerimonial de ablução das mãos. Os convivas entram pela direita, e um servo derrama água
em suas mãos. À mesa a mesma ação acontece com um personagem real servido de joelhos.
Iluminura italiana, c.1320-50.

93
banquete

tão fora de controle que uma proclamação tentou dar ordem à situação. Decretava
que o número de serviços deveria “ser regulado segundo a posição da pessoa mais
importante entre os presentes”: nove serviços para um cardeal, seis para um lorde
do Parlamento e três para um cidadão com uma renda anual de 500 libras.72
Em qualquer casa, a norma continuava sendo de duas refeições por dia — jantar e
ceia, uma refeição mais leve, logo após o crepúsculo. No entanto, ao longo do século
XV começaram a acontecer pequenas mudanças. A ceia passou para mais tarde, às
sete ou oito horas, e apareceu o desjejum, ainda raro.73 No Black Book de 1478, da
casa de Eduardo IV, o desjejum era permitido apenas aos proprietários de terra ou
superiores. A mesma fonte também informa que o jantar era às dez da manhã e a
ceia às quatro da tarde, caso o rei e a rainha fizessem as refeições no salão; quando
eles comiam privadamente em seus aposentos — o que ia se tornando cada vez mais
comum — ambas as refeições eram servidas uma hora mais tarde.74
O ritual do comer era mais ou menos o mesmo por toda a Europa, depen-
dendo da posição hierárquica dos comensais e da grandeza da ocasião. Todas as
refeições começavam com a ablução das mãos (embora em geral com muito menos
formalidades que as abluções de Carlos, o Audaz, descritas anteriormente). O rito
da prova — testar praticamente tudo para verificar a presença de veneno — era
padrão apenas para monarcas e outros nobres, até os que tinham o título de conde
(pelo menos na Inglaterra).75 Vários funcionários domésticos eram encarregados
de realizar essa tarefa, mas quase sempre o mordomo testava a bebida, e o des-
penseiro a comida.76 Chifres de unicórnio (normalmente dentes de narval) tinham
sua função em tais testes, mas eram muito mais comuns os dentes fossilizados de
tubarão — que se acreditava ser “línguas de serpente” — que muitas vezes vinham
amarrados com pequenas correntes à taça ou ao saleiro. Pedras de bezoar, um
nódulo calcáreo que se forma no estômago ou intestinos de certos animais, também
eram usadas como antídoto contra veneno. Tais objetos eram raros e altamente
valorizados, portanto tidos como bons presentes. Em 1318 Felipe, o Longo, deu
ao papa João XXII um “belo languier de ouro, entremeado de rubis, esmeraldas e
belas pérolas, contendo seis línguas de serpente”.77
Nos grandes banquetes, os pratos entravam em procissão. Em 1490, nas festas
de casamento de Afonso, filho de João II de Portugal, um toque de trombetas,
tambores, charamelas e sacabuxas assinalou a entrada dos reis de armas, arautos e
passavantes, todos de cabeças descobertas, exceto o principal membro da procissão,
o camareiro-mor. Ao chegar ao centro do salão, todos se curvaram profundamente
em frente à mesa do rei. Assim cada serviço era trazido, inclusive um que consistia
de um carro dourado com um boi e carneiros assados, ambos com chifres e cascos
dourados.78 Numa festa dada na Bastilha, em 1518, a procissão começou com oito
trombeteiros, seguidos por 12 arqueiros e seu capitão, cinco arautos, oito oficiais
e finalmente o grande mestre. Vinte e quatro pajens de honra levaram os pratos
para a mesa alta, enquanto os arqueiros carregavam o resto.79 A comida, como
revela as iluminuras dos manuscritos, era servida de joelhos.

94
aos olhos do espectador

Um despenseiro em ação numa festa de casamento, com a noiva entronizada sob um pálio
e suas damas de honra ao lado. Terminado seu trabalho, ele entrega um prato ao trinchante.
À sua frente estão as três facas que usou para cortar os pães em fatias, algumas diante dos
comensais e outras arrumadas à esquerda. Iluminura flamenga, final do século XV.

95
banquete

O século XV também viu a ascensão do trinchante, um funcionário cujos


deveres limitavam-se à mesa alta.80 Sua tarefa básica continuava sendo cortar para
cada um dos comensais fatias dos pães colocados na mesa pelo despenseiro. Até
mesmo o pão era controlado pela hierarquia; os melhores e mais frescos cabiam ao
anfitrião e seus convidados. Era o que se chamava de pain de maine, e sua melhor
parte, sem a casca, sempre ia para o senhor. Os que se sentavam mais abaixo no
salão recebiam pão de três dias. As fatias eram substituídas ao longo da refeição
e apareciam ao final para a distribuição entre os pobres.81 O trinchante também
cuidava de outras iguarias. Vemo-lo ao trabalho, por exemplo, na miniatura de
janeiro nas Très riches heures, com as facas ordenadamente colocadas à frente,
enquanto exercita sua destreza num prato de aves. Seu papel incluía cortar a co-
mida e entregar os pedaços para os comensais, mergulhando-os antes no molho
apropriado. No caso das tortas, tinha de abrir a tampa e tirar o que havia dentro.
Apenas a carne de veado era deixada dentro da crosta. O trinchante também
tirava as espinhas dos peixes. Regras estritas definiam como ele deveria fazer o
trabalho. Nenhuma comida podia ser tocada com a mão direita, usavam-se ape-
nas o polegar e dois dedos da esquerda. Cada comida devia ser cortada de uma
maneira específica. No entanto, apesar de tais restrições, os peritos trinchantes
desenvolveram estilo e graça que se tornavam quase um bailado.
O cardápio do final do período medieval continuava sendo ditado pelo calen-
dário da Igreja. Quatro dias na semana eram sem carne, e também todo período
de penitência do Advento e da Quaresma. Um cozinheiro como mestre Chiquart
elaborava os cardápios dos dias de carne e dos dias sem carne lado a lado, mas a
estrutura da refeição era a mesma, não importando o que fosse servido. Sabemos
disso porque a quantidade de evidências escritas nos permite pela primeira vez
imaginar uma refeição medieval em detalhes.
O banquete para a embaixada húngara já nos mostrou o formato, que era de
serviços sucessivos. Le ménagier de Paris apresenta 24 tipos de cardápios divididos
entre os pratos com carne e os programados para dias de peixe, alguns consistindo
em apenas dois serviços (ou, como o Ménagier os chama, mets ou assiettes), outros
em três ou quatro. Mas mesmo um cardápio de dois serviços poderia ter um
primeiro serviço de 24 pratos e um segundo de 31.82 A comida era servida em
messes — quer dizer, quantidades a serem partilhadas por duas ou três pessoas, da
mesma forma que utensílios, como copos e taças. Muitos pratos de cada serviços
podiam ser colocados na mesa ao mesmo tempo, e o anfitrião e seus hóspedes se
serviam. Essa prática tornou-se conhecida mais tarde como service à la française.
Embora o número de pratos e serviços variasse, a seqüência-padrão era fixa,
por basear-se em teorias estabelecidas sobre o corpo humano. O homem medie-
val via o seu estômago como uma panela que precisava de calor para funcionar
e que, ao final da refeição, precisava ser “fechada”.83 Tudo se enquadrava nesse
regime. Os assados, por exemplo, exigiam que o estômago estivesse em plena

96
aos olhos do espectador

Jantando ao ar livre numa caçada. O senhor e seus convidados estão sentados a uma mesa alta,
e o resto come em toalhas estendidas na grama. Iluminura francesa, começo do século XV.

operação, de modo que se situavam no centro da seqüência. Um jantar podia


abrir com frutas frescas, ou saladas temperadas com sal, óleo e vinagre, junto
com confeitos contendo anis ou sementes de cominho com mel ou açúcar. A
bebida seria vinho condimentado. Tais alimentos preparavam o estômago para os
caldos ou sopas que se seguiam (embora estes, como fossem “quentes e úmidos”,
portanto facilmente digeríveis, muitas vezes iniciassem uma refeição comum).
Com o estômago bem aquecido, chegava a hora dos assados e seus vários mo-
lhos. Vinha então uma interrupção, o entremet, ocasião para a apresentação das
comidas espetaculares, como pavão cozido e montado com suas próprias penas,
ou as pompas apresentadas no banquete húngaro. O objetivo, qualquer que
fosse a escala do acontecimento, era fazer uma pausa antes da sobremesa. Esta
consistia de tortas doces ou filhoses, seguidos pelo que os franceses chamavam
de issue de table — queijos, frutas cristalizadas e bolos ou biscoitos leves servidos

97
banquete

com hipocraz ou vinho da Malvasia. Com isso se “fechava” o estômago. Qualquer


que fosse o número de serviços, esta era a ordem geral seguida, de acordo com
os historiadores. No entanto, talvez nem sempre isso acontecesse, pois entre os
médicos medievais grassava um debate feroz sobre a seqüência exata em que
a comida devia ser servida, se primeiro deveria vir o sólido ou o líquido. Daí se
originou uma litania de queixas de que a seqüência que eles encaravam como
melhor estava sendo ignorada na prática.
Vamos examinar dois pequenos cardápios ingleses do século XIV, que deixarão
mais claro que qualquer generalidade como o sistema funcionava.
Em dias de carne:

Cabeça de javali armada, caldo de Almain como sopa, depois marreco assado e galinhola,
faisão e maçarico. O segundo, perdiz, coelho, pato selvagem [todos presumivelmente
assados] com blandesire [um manjar branco com pedaços de galinha], caudel ferre [vinho
adocicado e engrossado, aquecido com gema de ovo batida] com flampoyntes [empadão
com recheio de carne de porco decorado com massa frita] de creme e tortas. A terceira
rodada, calhandra, tarambola e galinha recheada, depois mawmene [neste caso, um prato
de carne ou galinha picada num molho de vinho e amêndoas moídas].

Nos dias de peixe:

A primeira rodada, ostras ao molho, lúcio e arenque assado [defumado?], bacalhau e


pescada frita. A segunda rodada, galantina de toninha, depois congro e salmão fresco
dourados, assados e flampoyntes. A terceira rodada, sopa rosada [colorida de maneira
a parecer pétalas de rosa] e creme de amêndoas, e então esturjão, lampreia, dariole
[torta de creme], lech frys de fruta [torta com frutas picadas e condimentadas ao leite
de amêndoa] e nyrsebake [um filhó].84

Outro fato marcante a respeito dessa época é o surgimento de livros de instru-


ções sobre etiqueta, em grande parte referentes às maneiras à mesa.85 Pode parecer
que comer numa mesa medieval nada mais exigisse além de saber como usar a
faca, a colher e os dedos (os garfos ainda não haviam aparecido). Mas na verdade
o processo era tão prenhe de questões a respeito do comportamento adequado
quanto qualquer jantar vitoriano. Muito mais que hoje em dia, comer e beber davam
uma estrutura primária à conversa e ao convívio, e aumentava a importância de
qualquer gesto à mesa. Muito diferente dos grandes festejos, a mesa do jantar diário
era um instrumento a ser usado para os negócios do senhor, até mesmo num nível
baixo. Temos um desenho feito num camafeu que retrata a viúva Alice de Breyne
recebendo em seus domínios de Acton, 32 quilômetros ao norte de Colchester,
em Essex. Entre a primavera de 1412 e a primavera de 1413 serviu mais de 16 mil
refeições, uma média de 45 por dia, das quais apenas 24 eram para seu próprio
pessoal. As demais eram para convidados. Ela dava uma festa de Ano-Novo para
500 pessoas todos os anos, um grande acontecimento no qual era contratado um

98
aos olhos do espectador

harpista; mas a grande maioria de seus convidados diários vinha para negócios
— eram equipes de outros domínios, bailios, auditores, arrendatários.86 O almoço
de negócios certamente não é uma invenção do século XX.
Os tratados sobre boas maneiras multiplicaram-se nesse período, demonstrando
não só o crescimento do número de leigos alfabetizados como também o agudo
desejo de ascender socialmente. Um dos mais influentes livros de etiqueta do século
XIV foi Cinque volgari, de Bonvesin de la Riva. Não era dirigido a um público aristo-
crata, mas à emergente burguesia italiana. Cinque volgari trata de tudo. O comensal
devia entrar no salão bem-vestido, alerta, alegre e afável o tempo todo. Cumpria ser
gracioso em sua conversa tanto antes como durante a refeição. À mesa, não devia
ficar relaxado, nem se torcer, nem apoiar-se nos cotovelos, cruzar as pernas, encher
demais a boca, criticar a comida ou a bebida, ou molhar o pão no vinho. Cabia
lembrar-se de virar para o lado quando espirrasse ou tossisse e de cortar a carne para
as senhoras. Tais regras estritas — e estas são apenas algumas delas — apareciam pela
primeira vez e seriam reiteradas durante os séculos até os nossos tempos.
Livros e versos sobre o tema apareceram mais cedo na Itália e na França do
que na Inglaterra. Na Inglaterra e no norte da Europa havia muito mais ênfase na
hierarquia, um aspecto resumido no título de um livro inglês do século XV: “Para
ensinar todos homens que desejarem servir um senhor ou mestre em tudo o que lhe
agrade.” Era de se esperar que a maioria dos jovens de classe alta, como o proprie-
tário de terras de Chaucer, que fazia as vezes de trinchante para o pai, aprendesse a
etiqueta cortesã. Na corte de Eduardo IV era tarefa do mestre de Henchmen ensinar
aos jovens uma ampla gama de habilidades sociais, inclusive “a maneira masculina
de comer e beber”. The Babes Boke, escrito por volta de 1475, é típico no gênero.
Começa com a chegada do senhor, ao meio-dia. Esteja pronto, diz o livro, com a
água para ele se lavar e uma toalha. Espere que sejam dadas graças, mas não se sente
até que o senhor permita. Então fique quieto e não conte histórias.

Corte com a faca o pão e não o quebre;


Uma fatia limpa está diante de você,
E quando sua sopa lhe for trazida,
Pegue a colher e não se permita soprar,
E no prato não a deixe, eu lhe peço
Nem em cima da mesa,
Sujando a toalha, que deve ficar limpa.87

O poema continua com uma longa lista. Não inclinar a cabeça para a mesa,
não beber com a boca cheia, não mexer no nariz, nos dentes ou nas unhas, não
encher demais a boca, não pegar na parte superior do copo (eles eram partilhados),
não passar a carne no sal, não colocar carne na boca com a faca e, mais importante,
não comer feito um camponês. Falar apenas quando lhe dirigirem a palavra, limpar a

99
banquete

boca antes de beber, dividir qualquer pedaço bom com os outros convivas, manter-se
sentado até a ablução final das mãos e ajudar as senhoras que estiverem perto.
No relato de Gentile Sermini, de Siena, a respeito de um cozinheiro urbano
que se queixava da conduta nada refinada de uma pessoa do campo, podemos
ver quanto os bons modos acentuam a divisão social:

Ele enche a tigela com pedaços compridos de pão, que corta segurando-o contra o
peito. ... Quando as mãos estão engorduradas, não sabe o que fazer, pois está acos-
tumado a limpá-las no peito ou nos lados, para não sujar a roupa ou a toalha branca.
Qualquer um que não fosse um aldeão ficaria desgostoso com seus modos.
É costume seu devorar tudo em sua grande tigela, antes mesmo de comer o
primeiro bocado de carne; então ele mistura tudo: carne e molho e grandes pedaços
de pão. Não lambe os dedos, simplesmente, parece que está chupando fiedoni [uma
massa com recheio mole].88

Algumas refeições não eram apropriadas para conversas, em especial quando


feitas privadamente nos aposentos particulares. Christine de Pisan conta que Jeanne
de Bourbon, esposa de Carlos V, “segundo um antigo costume real”, tinha ao pé da
mesa um homem letrado para ler, durante as refeições, livros sobre feitos virtuosos
dos tempos passados.89 Nisso vemos a prática da corte de Carlos Magno ainda com
força seis séculos depois. Da mesma forma, Froissart registra que costumava ler sua
romança Méliador para Gaston de Foix, intercalando canções compostas por Ven-
ceslau da Boêmia: “Tais coisas, graças à habilidade com que eu as inseria no livro,
agradavam muito ao conde, ... enquanto eu lia ninguém podia dizer uma palavra...”90
Esse senso de crescente divisão social, já sugerido pelo hábito de jantar nos apo-
sentos privados, era também expresso em ocasiões mais sociais. Ao final de uma festa
no salão, o anfitrião escolhia alguns convivas para acompanhá-lo a seus aposentos,
onde, nas palavras de To Serve a Lord, “eles se alegravam com as novidades, confor-
me exigido pela época do ano”, servindo-se de vinhos doces ou condimentados.91
Nas casas aristocráticas, este era o sinal para apresentar a drageoir, uma caixa com
condimentos açucarados ou confeitos, passada de mão em mão, com cerimônia. Na
corte papal em Avignon, no século XIV, desenvolveu-se um ritual segundo o qual o
próprio papa distribuía pessoalmente delicadas iguarias para seus capelães, após os
banquetes de Natal ou de Páscoa.92 Na corte da Borgonha, o épicier, ou alguém de
sua equipe, entrava nos aposentos ducais levando o drageoir com seus temperos. O
duque e a duquesa eram então servidos pelos sobrinhos e todos os outros príncipes e
condes da família. Depois disso o camarista-mor ou o chevalier d’honneur da duquesa
tomava o drageoir e servia os sobrinhos e sobrinhas dos duques.93
Nem todos os jantares reais e principescos eram tão decorosos. Carlos VI da
França gostava de mulheres e da boa vida, e suas festas com os camaradas cau-
saram, por volta do ano 1400, uma enxurrada de literatura moralizadora que
lança muita luz sobre a importância das refeições reais no período medieval.94
Como regra, Carlos jamais se levantava antes do meio-dia, muitas vezes deixando

100
aos olhos do espectador

de ir à missa; jantava em seguida e ceava às seis. Além disso, as ceias reais não se
realizavam no palácio, mas no Hôtel St. Paul, para onde Carlos convidava seus
favoritos. Esperava-se que cada um fosse mais extravagante que o outro, no que
dizia respeito à indumentária. Ali a hierarquia à mesa era ignorada, a conversa era
leviana e educada, os folguedos corteses entre os sexos muitas vezes iam longe
demais e comia-se e bebia-se muito. O que é pior, ao pecado da gula acrescentava-
se o do jogo, estritamente proibido pela Igreja, com o luxo e a luxúria espreitando.
Um comportamento desses num monarca provocava críticas acerbas, e a culpa
caía sobre os cortesãos malvados, parvenus que haviam levado o rei para o mau
caminho. Os protestos, no entanto, decorriam de algo mais profundo que a mera
repulsa ao pecado. O rei era visto como a cabeça do corpo político, os camponeses
eram seus pés. Constituía dever do rei desempenhar o papel de governante, dei-
xando-se ver comendo, sentado de maneira a refletir seu significado hierárquico,
a comida que os “pés” haviam produzido. Ao deixar de fazer isso, Carlos estava
violando a ordem estabelecida e abdicava de sua responsabilidade.

Jantar burguês. Um mercador e sua mulher comendo no quarto de dormir, com um banco e
uma mesa de cavaletes montados em frente ao fogo. Iluminura flamenga, c.1440.

101
banquete

As festas do rei à meia-noite eram sintomáticas de outro desvio histórico.


Em 1400 os aristocratas estavam cada vez mais sem função, com alguns de seus
deveres militares e administrativos desempenhados por profissionais. Eles tinham
dinheiro e tempo, e estavam aborrecidos. Alimentos mais complexos e novas
maneiras de comê-los, como todas as formas de extravagância, das roupas outrées
às coleções obsessivas, davam um propósito às horas ociosas.
Isso era viver em grande estilo, e inevitavelmente é sobre esse tema que mais
sabemos. Por que não descer a escala social? Pela primeira vez, graças às ilumi-
nuras dos manuscritos, somos capazes de ter uma idéia das famílias burguesas e
camponesas à mesa. Aqueles que estavam na faixa média, tinham um cozinheiro e
talvez um servo ou dois, comiam num dos aposentos da casa. Muitas vezes a mesa
era redonda e normalmente coberta com um pano. A atmosfera era claramente
caseira. Havia facas para cortar o pão e os assados, colheres para comer e uma
jarra e copos para beber, embora muitas vezes estes fossem partilhados.
Mais abaixo na escala social, a despeito da explosão culinária que acontecia
mais acima, os camponeses jantavam como sempre o fizeram. Cozinhar e comer
acontecia no mesmo aposento; um único prato, do qual todos os comensais se
serviam (muitas vezes com os dedos), ficava no centro da mesa. As refeições
consistiam de pão, uma simples sopa seguida por peixe ou carne, se a sorte lhes
sorria, um pedaço de queijo comido com cerveja, cidra ou vinho. Só nos dias
festivos — e nem sempre — tinham acesso a aves, coelho ou lebre.95

EM CENA O ENTREMET

Poucas áreas de estudo na história da alimentação são mais surpreendentes do que


o intervalo que precedia a apresentação da sobremesa e era chamado de entremet.96
Hoje em dia entremet, em francês, significa nada mais nada menos que sobremesa,
ou o próprio serviço de doces. Mas nos tempos medievais a coisa era muito mais
complicada. Em 1457, data de nosso banquete para os húngaros, entremet, que ba-
sicamente significa “entre os pratos”, referia-se ao que era na verdade uma série de
espetáculos que pontuavam uma festa. Isso podia envolver carros alegóricos, músicos,
cantores, atores, dançarinos — em suma, qualquer tipo de efeito visual. No entanto,
a primeira vez que a palavra aparece é no final do século XII, quando o cronista
Servion descreve uma festa dada por Humberto, duque de Sabóia: “... grande festa,
tanto de serviços, de entremet, de mímicas, de danças.” Ou seja, a festa incluiu danças
e mímicas, consistiu em vários pratos e apresentou entremets. E quais eram eles?
O consenso geral é que a palavra entremet inicialmente designava certos pra-
tos coloridos, tais como brouets. Isso ao menos a vincula ao advento de comidas
exóticas e à ascensão do culto da cor. Também sugere uma associação com outro
desenvolvimento culinário do século XIV, o gosto por moldar os alimentos em
estranhas formas figurativas. Um livro de receitas anglo-normando do final do sé-

102
aos olhos do espectador

culo XII inclui um prato de carne bem temperada, adoçada com mel e misturada
a queijo e amêndoas, chamada teste de tourk. Seria feita à feição de uma cabeça
[tête] de turco? A primeira versão do Viandier, de cerca de 1300, apresenta vários
pratos que nas versões posteriores do manuscrito são chamados de entrèmes.
Um deles é bastante elementar, feito de carne moída com especiarias, cozida e
engrossada com pão e misturada com açafrão, para ganhar tom amarelo. Depois
polvilhava-se a carne com canela e adicionava-se agraço, para ficar com um sabor
ácido. Exceto pela cor, no entanto, é difícil ver esse tipo de prato como ancestral
do que veio a se tornar uma grande produção teatral.
No começo do século XIV, os entremets começaram a se transformar em algo
muito mais exótico. O Liber de coquina daquela data dá a receita de um capite mona-
chi (cabeça de monge) feito de massa, frutas e especiarias que tinha uma coroa em
forma de ameias; o livro também fornece receitas das estatuetas de um músico e de
um prestidigitador feitas em massa. Para o mesmo período, as receitas mais antigas
ensinavam como cozinhar um pavão e servi-lo recomposto com as penas. No final do
século, no Viandier, o pássaro era dourado e servido com a cauda aberta. No entanto,
quando cruzamos o século XV, no manuscrito do Vaticano do Viandier aparece um

Pratos figurativos como entremet. Um pavão com as penas abertas é servido num banquete.
Iluminura francesa, século XV.

103
banquete

novo tipo de entremet que em tese nada tem a ver com o cozinheiro e tudo a ver
com o equivalente medieval do aderecista e pintor de cenários. Incluí um castelo,
são Jorge, santa Marta e um cavaleiro montando um cisne. Trata-se, aparentemente,
de uma série de préstitos que deveriam entrar na arena do jantar.
Com isso fica claro que por volta de 1400 a palavra entremet referia-se a vá-
rias manifestações que tinham lugar nos intervalos entre os serviços nos grandes
banquetes. Havia, por exemplo, o prato solitário trazido em triunfo, e também
coleções de pratos, reunidos como parte de um carro triunfal sobre rodas que às
vezes incluía cantores e atores. E finalmente um evento puramente teatral, em
que a comida desempenhava um papel pequeno, ou mesmo papel algum. E esses
tipos de entremets se misturavam e sobrepunham.
Em setembro de 1317, o papa João XXII deu uma festa em Avignon para o
sobrinho. Nela aconteceu um entremet feito com 20 capões e outras aves misturadas
com farinha de trigo, açúcar, confeitos e mel, no formato de um castelo.97 A obra
claramente destinava-se a ser comida. Quase 30 anos depois, em 1343, o cardeal
Annibale de Ceccano deu uma recepção para o papa Clemente VI, também em
Avignon. Desta vez o castelo não se destinava a ser comido, mas era muito maior,
suficientemente grande para conter um veado adulto, um javali, algumas corças,
lebres e coelhos (que devem ter sido comidos). Após o quinto serviço apareceu
uma fonte, acima da qual havia uma torre e uma coluna. Delas jorravam cinco
tipos de vinho, e, assim como o castelo, o conjunto era enfeitado com esculturas
comestíveis: pavões, faisões, perdizes, garças e outras aves de caça. Entre o sétimo
e o oitavo serviços foram trazidas duas árvores, uma delas prateada, com maçãs,
pêras, figos e ameixas douradas, e outra verde e cintilante, com doces de frutas
multicoloridas. Eram claramente sobremesas.98
Na corte papal em Avignon, o entremet já havia percorrido um longo caminho
desde o simples prato com um cisne ou um faisão em suas próprias penas, ou —
outro favorito — o javali cuspindo fogo. Mas uma corte longínqua como a escocesa
estava bem atrasada. O javali era ainda visto como o máximo da sofisticação em
1449, quando uma filha do duque de Guelders casou-se com Jaime II: “O primeiro
prato a ser trazido e apresentado a eles [ao rei e à rainha] foi uma cabeça de javali
num prato imenso. Em volta da cabeça havia bem umas 32 bandeiras com as armas
do rei e de outros senhores do país. Então o recheio foi consumido em chamas,
para grande alegria de todos na sala.”99 Em outros lugares, como por exemplo a
corte da Sabóia, tais coisas eram estritamente passées. Vinte anos antes mestre Chi-
quart havia descrito como fazer uma cabeça flamejante de javali, antes de passar
rapidamente para uma construção muito mais interessante e complicada, à maneira
de Avignon: “um castelo, no meio do qual havia uma Fonte do Amor”, carregado
numa liteira por quatro homens. De acordo com a sua descrição, as muralhas do
castelo eram de massa feita de carne pintada, rodeadas por ondas; galeras e navios
cheios de soldados aproximavam-se para atacar a fortaleza. Dentro dele, três ou
quatro jovens deviam estar sentados, “tocando muito bem uma rabeca, um alaúde,

104
aos olhos do espectador

um saltério e uma harpa; e eles deveriam ter boas vozes e cantar canções suaves
e agradáveis”. O interior do castelo deveria ter quatro torres repletas de modelos
de arqueiros e balesteiros. Em cada torre haveria uma árvore com flores, frutos e
pássaros. E então vinha o que mostra claramente a ligação entre os elementos: ao
pé das torres viria um verdadeiro zoológico de animais comestíveis — a cabeça de
javali cuspindo fogo, um lúcio grande cozido de três maneiras diferentes, um leitão
confeitado e um cisne com suas penas (também cuspindo fogo). Antes (e mesmo
então nas lonjuras como a Escócia) cada um destes últimos itens teria aparecido
separadamente. E havia mais: da Fonte do Amor, no interior do castelo, deveria
jorrar água de rosas e vinho quente, e gaiolas de pombos e outros pássaros vivos
ficavam penduradas acima dela; um pavão com a cauda aberta e recheado com
carne de ganso assada (possivelmente uma prova de como era ruim a carne de
pavão) ficava perto da fonte; o pátio do castelo deveria estar cheio de bonecos
feitos de pasta de carne — lebres, cachorros, veados, porcos selvagens e caçadores
—, bem como de itens comestíveis, como perdizes, galinhas disfarçadas de ouriços,
lagostas e bolas de carne com geléia espalhada em cima. No ponto mais alto do
castelo, uma floresta de bandeiras heráldicas, galhardetes e flâmulas. Um peso
considerável para quatro homens e uma liteira.100
A corte borgonhesa iria levar tudo isso ainda mais longe, coreografando os
alimentos num espetáculo esmagador, destinado a exaltar a dinastia ducal. Quando
em 1435 o duque promoveu uma festa, pouco depois do tratado de Arras, para
o rei René de Anjou, a decoração consistia de duas grandes mesas; em cada uma
delas foi colocado um pilriteiro coberto de flores de ouro e prata, com a folhagem
enriquecida com ouropel e adornada com as armas heráldicas da França e dos ou-
tros convidados. Dezoito árvores menores tinham as armas ducais. Essa decoração
compunha a entrada do entremet, em que havia um pavão cercado por dez leões
dourados, cada qual com uma bandeira figurando as armas de todas as terras du-
cais.101 Tal composição é o exemplo máximo da superimposição da heráldica sobre os
alimentos com propósitos políticos, um leitmotiv de todos os banquetes borgonheses
— e que as outras cortes logo iriam copiar. Na realidade os duques não governavam
reino algum, mas um grupo de domínios espalhados; ao ostentar as cotas d’armas
assim reunidas, tentavam forjar uma unidade que nunca existiu.
O movimento de transformar o banquete de Estado num cenário político deve
ter atingido seu apogeu nos festivais que marcaram o casamento de Carlos, o Audaz,
com a princesa Margaret de York, em 1468. Nessa ocasião, duas festas tentaram
alcançar a apoteose dinástica por meio da comida metamorfoseada. Na primeira
ocasião, os convivas encontraram, ao entrar, 15 cisnes dourados e seis prateados,
cada um com o colar da Ordem do Velocino de Ouro e as armas de cada cavaleiro.
A mesa estava abarrotada de elefantes carregando castelos, camelos com cestas,
veados e unicórnios em ouro, prata e azul, cheios de confeitos. Cada figura levava
uma bandeira com as armas de uma província do duque.102 Poucos dias depois houve
uma reprise no banquete final. Desta vez havia 30 pratos nas mesas, cada um com

105
banquete

jardins em miniatura cercados por sebes douradas. No meio do salão, uma árvore
dourada tinha carnes empilhadas à sua volta; a árvore propriamente dita era ornada
com frutos, flores e as armas das 30 abadias dos domínios ducais. Perto do lugar do
duque, um modelo de palácio exibia figuras mecânicas e uma fonte jorrava água de
rosas, como se estivesse regando os jardins em miniatura.103
Na Inglaterra do século XV, a comida como alegoria seguiu uma direção
muito diferente daquela da Europa continental. O fenômeno, aí, veio a ser
conhecido como sutileza.104 É difícil saber se as sutilezas eram comestíveis, mas
certamente eram feitas para se colocar à mesa de jantar. Já as vimos menciona-
das no relato de George Cavendish sobre os alimentos figurativos apresentados
pelo cardeal Wosley aos embaixadores franceses em Hampton Court, em 1527.
Porém a referência mais antiga às sutilezas aparece na descrição de um banquete
dado pelo bispo de Durham a 23 de setembro de 1387. Ao final de cada servi-
ço, aparecia a frase “E uma sutileza”. Mas só em 1417 encontramos a descrição
de uma delas, numa festa celebrando a entronização de John Chaundler como
bispo de Salisbury. Na ocasião, foi apresentada ao bispo uma série de sutilezas
— um Agnus Dei, um leopardo e uma águia. Quatro anos depois temos uma
descrição levemente ampliada no banquete de coroação da noiva de Henrique
V, Catarina de Valois. A primeira sutileza era um pelicano alimentando os filhos
com o sangue do peito, uma figura heráldica clássica; a segunda era a homônima
da rainha, santa Catarina, padroeira do conhecimento, discutindo com doutores
letrados; e a terceira figurava novamente santa Catarina, desta vez com sua
roca. A sutileza final representava um tigre heráldico segurando um espelho e
um homem fugindo a cavalo, carregando os filhotes do animal e jogando pelo
chão outros espelhos. Acreditava-se que um tigre não resistia ao olhar o próprio
reflexo no espelho, de modo que certamente tratava-se de uma alegoria para
Henrique V carregando sua noiva Valois.105
Tudo isso pretendia ser mais que uma mera adulação cortesã. Eram declara-
ções profundas, expressas nos termos do final do período medieval. As sutilezas
que foram criadas para a coroação da filha do rei Henrique VI em 1432 tentavam
estabelecer uma iconografia real inteiramente nova para a esperada monarquia
dual de França e Inglaterra. Cada sutileza tinha seu significado expresso em versos
de John Lydgate. A série culminava com os santos patronos dos dois países, são
Jorge e são Denis, apresentando o jovem monarca à Virgem, que lhe oferecia uma
coroa. Os versos eram como uma invocação:

Ó senhora abençoada, santa mãe de Cristo


E vós, são Jorge, chamado de seu cavaleiro;
Ajudem são Denis. Ó, mártir por completo,
O sexto Henrique aqui presente à sua vista...
Tanto por descendência e por título com direito
De com justiça reinar sobre a Inglaterra e a França.106

106
aos olhos do espectador

A tradição britânica da sutileza permaneceu vigorosa por todo o século seguinte.


O hábito não se limitava aos círculos real e episcopal. As sutilezas podem ser vistas
nos registros sobreviventes de uma série do século XV descrita como apropriada
para uma cerimônia de casamento. A festa deveria consistir de quatro rodadas, e a
sutileza final representava uma esposa deitada em sua cama, após o parto, com uma
legenda em que se lia: “Estou indo ver sua noiva, se você me olhar de frente, como
imagino que deva fazer.”107 É de se imaginar a reação da pobre noiva.

O entremet como espetáculo era apenas um aspecto da enorme expansão de


todos os tipos de entretenimentos associados aos jantares de gala. Havia muito
que música e canções faziam parte de qualquer banquete, mas por volta de 1300
elas passaram a ter um papel muito mais destacado e complexo. Em 1306, na
investidura como cavaleiro do filho mais velho de Eduardo I, os convivas levaram
seus próprios menestréis para cantar chansons de geste, histórias da antiga cava-
laria sobre o rei Artur, Alexandre, o Grande, a Guerra de Tróia, Godofredo de
Bouillon, Jasão e o Velocino de Ouro. Eduardo I tinha 27 menestréis, Eduardo III,
16.108 Eles devem ter tocado harpa, saltério e alaúde, bem como instrumentos de
sopro e percussão. À medida que o século avançava, a música tornou-se muito
mais desenvolvida e internacional, com trupes de músicos indo de uma corte a
outra, e escolas de menestréis reunidas durante a Quaresma. Passou-se também
a distinguir a música apropriada para o salão da música para os quartos. No salão
era a haute musique, ela própria dividida em musica alta para instrumentos de sopro
e basse musique para instrumentos em surdina, acompanhados de voz. Pesquisas
recentes sugerem que algumas das chansons polifônicas francesas com textos sim-
bólicos que chegaram até nós eram, na verdade, feitas para entremets. Pelo que se
sabe da corte borgonhesa, tal sugestão parece correta: os grandes entremets exigiam
não apenas os serviços dos músicos e chantres do próprio duque, mas também
os talentos locais nas cidades em que o duque estivesse.109
O mais extraordinário de todos os processos relacionados ao comer no final da
Idade Média é o surgimento do entremet teatral. Representa um salto imaginativo
de simples recital dos eventos dramáticos descritos nas romanças a uma encenação
real na arena do salão. O primeiro registro que temos de tal tentativa é de 1378,
num banquete oferecido por Carlos V ao imperador Carlos IV. Para nossa sorte,
existe uma iluminura desse espetáculo impressionante, que representava a história
do cruzado Godofredo de Bouillon tomando Jerusalém. Christine de Pisan descreve
a cena da seguinte maneira: “A cidade, grande e esplêndida, feita de madeira e
pintada com os escudos e as armas dos sarracenos (tudo muito bem executado),
foi trazida para diante do estrado. A seguir veio o navio com Godfredo a bordo:
e então o assalto começou, e a cidade foi tomada, o que foi agradável de ver.”110
Quatorze anos depois, na festa que celebrava a entrada de Isabel da Bavária em

107
banquete

Paris, o assunto foi o cerco de Tróia. Esse entremet incluía um castelo em miniatura,
Tróia, um pavilhão para os gregos e um navio, mas tudo terminou em desastre,
porque a pressão das pessoas foi tão grande que uma mesa virou, e o grupo real
teve de se retirar para seus aposentos.111
Esses intervalos dramáticos logo se tornaram padrão, pois a idéia se espalhou
com notável rapidez. Já havia alcançado Barcelona em 1399, quando uma série
deles foi encenada na coroação da esposa de Pedro IV de Aragão. Dessa vez cada
serviço era precedido por um pequeno drama — soldados matando um dragão,
músicos numa rocha sustentando um leão ferido, atores aprisionados num castelo.112
Em 1434, no casamento do filho do duque de Sabóia, em Cambéry, um navio
com velas abertas e cercado de sereias cantando avançou até a mesa alta, onde
descarregou os pratos de peixe. Na ceia, um cavalo disfarçado de elefante carre-
gando um castelo entrou a passo marcado. Cupido, vestido com penas de pavão,
surgiu do castelo e atirou rosas brancas e vermelhas para os convivas. Em outra
festa, uma grande torta foi levada num carro e dela saltou um homem fantasiado
de águia, batendo as asas e soltando um bando de pombos brancos.113
Embora Lydgate escrevesse cenários para mímicas modestas no começo do
século XV,114 só em 1502 os espetáculos do tipo borgonhês enfeitaram os salões
de banquetes dos reis da Inglaterra. As fêtes encenadas em novembro daquele
ano duraram uma semana e marcaram um triunfo político do início da era Tudor,
o casamento do filho de Henrique VII com Catarina de Aragão. Foi usado todo
o repertório do entremet: castelos, montanhas e fontes. Mas o que mais chama
a atenção é a participação de membros da corte. Músicos profissionais, atores e
cantores tocaram, declamaram e cantaram, mas os papéis centrais nos interlúdios
dramáticos couberam aos senhores e senhoras. Num entremet, dois montes, um
verde, simbolizando a Inglaterra, o outro crestado pelo sol, simbolizando a Espa-
nha, eram ligados por uma corrente dourada. No monte inglês sentavam-se 12
cavalheiros, no espanhol, 12 damas — uma delas vestida como a infanta —, que
desceram e dançaram o que deve ter sido uma coreografia especial.115 Tal espetá-
culo levaria, no devido tempo, às mascaradas da corte dos Stuart.
Nenhuma discussão sobre os banquetes do final do período medieval esta-
ria completa sem o relato do mais famoso de todos, a Festa do Faisão, realizada
pelo duque Felipe, o Bom, em 17 de fevereiro de 1454, em seu castelo de Lille.
Aconteceu um ano depois da tomada de Constantinopla pelos turcos, sendo seu
propósito lançar uma cruzada européia. Reunidos no salão para testemunhar o
acontecimento estavam não apenas 500 convivas, inclusive membros da família
ducal, a aristocracia e representantes do comércio e dos negócios, mas também
espectadores acomodados em cinco plataformas especialmente construídas, co-
nhecidas como estrades. Era uma exibição de hierarquia em grande escala, com o
duque vestido de negro e prata, adornado com jóias no valor de um milhão de
écus d’or, e os criados vestidos de maneira a combinar com seu senhor. A festa
durou até as quatro horas da manhã do dia seguinte, e toda a casa colaborou com

108
aos olhos do espectador

Entremet realizado num banquete dado por Carlos V da França em honra ao imperador Carlos IV,
1378. Um navio sobre rodas entra pela esquerda, enquanto, à direita, cruzados liderados por
Godofredo de Bouillon atacam e capturam Jerusalém. Iluminura francesa, final do século XIV.

109
banquete

ela — poetas, artistas, músicos e artesãos, para não falar dos cozinheiros ducais, já
que cada serviço tinha nada menos que 48 pratos.116
O efeito avassalador do acontecimento é resumido numa carta escrita por
um dos participantes:

Os pratos eram tais que precisavam ser servidos em carrinhos e pareciam infinitos
em número. Havia tantos e tão curiosos que é difícil descrevê-los. Havia até mesmo
uma capela na mesa, e nela um coro, um pastel de carne cheio de flautistas e um
torreão emitindo o som de órgão e outras músicas. Encostada a um pilar, a figura de
uma moça bastante despida. Hipocraz jorrava de seu seio direito, e guardava-a um
leão vivo, sentado perto dela, numa mesa diante do duque meu senhor. A história
de Jasão foi representada, num palco elevado, por atores que não falavam. Meu se-
nhor o duque foi servido por um cavalo de duas cabeças montado por dois homens
sentados de costas um para o outro, cada qual com uma trombeta tocada o mais
alto possível, e depois por um monstro, consistindo de um homem montado num
elefante, com outro homem nos ombros e os pés escondidos. Em seguida veio um vea-
do branco montado por um menino que cantava maravilhosamente, enquanto o veado
acompanhava-o com a parte do tenor. Em seguida surgiu um elefante ... carregando
um castelo no qual estava a Santa Igreja, que fazia piedosos lamentos pelos cristãos

O jantar real torna-se ritual. A mesa real é elevada, e a ela se chega subindo alguns degraus.
O rei está em solitário esplendor sob um pálio. Os criados sobem e o trinchante serve o rei.
Iluminura francesa, século XV.

110
aos olhos do espectador

perseguidos pelos turcos e pedia ajuda. Então dois cavaleiros da Ordem do Velocino
de Ouro trouxeram duas damas, junto com um faisão que tinha no pescoço um colar
de ouro cravejado de rubis e grandes pérolas. Essas senhoras pediram ao meu senhor
o duque que fizesse o voto ... de que, se o rei [da França] partisse numa cruzada, o
duque em pessoa iria segui-lo ... Todos ficaram espantados com isso, mas a Santa Igreja
ficou extremamente feliz e convidou os outros príncipes e cavaleiros a fazerem o voto
... Não creio que nada tão sublime e esplêndido tenha sido feito antes.117

A isso só se pode acrescentar amém.


O deliberado aumento de status do portador da coroa foi central para o
que iria acontecer nos dois séculos seguintes. O processo já estava em anda-
mento no final do século XV. Na Borgonha, ligava-se à esperança de recriar
o antigo reino, mas em outros lugares destinava-se simplesmente a ampliar a
distância entre o monarca e os magnatas situados logo abaixo dele. Cerimônias
e festivais, nos quais os jantares eram parte fundamental, constituíam um meio
de alcançar esse objetivo. “[A mesa do] rei no extremo do salão e em quase
toda a sua largura”, escreveu alguém em 1428, observando uma festa dada
pelo rei de Portugal, “era num estrado de madeira com vários pés de altura.
O lugar do rei, no centro da mesa, ficava 20 centímetros acima do resto, e
estendido sobre ele havia um pálio de tecido de ouro.”118 No Roman de Jehan
de Paris, do final do século XV, o herói baseava-se em Carlos VII da França:
“Ele sentava-se sozinho à mesa, as pessoas que o serviam ficavam em silêncio,
e aquelas com quem ele falava se ajoelhavam.”119
Porém, mais uma vez, foi a corte de Borgonha que levou o cerimonial ao
apogeu durante o ritual da festa. “Fomos ver meu senhor o duque de Borgonha
jantar”, escreve um dos embaixadores de Metz em 1473, “e vimos a pompa e
o aparato que são exigidos em seus jantares.”120
Tratava-se claramente do lugar em que pela primeira vez a comida assumiu
o papel importante que desempenharia nas monarquias renascentistas e barrocas
por vir. O duque, em sua mesa, já tinha uma aura quase de culto. Cada refeição
se parecia mais com uma versão leiga da missa. A mesa ficava como num altar,
consumia-se pão e vinho, a cena era o foco de processos cerimoniais e lavagens
rituais; beijavam-se objetos como se fossem relíquias, faziam-se genuflexões como
antes do sacramento. Até mesmo a taça ducal era elevada quando carregada em
procissão, num gesto que evocava a elevação do cálice consagrado.121 Tudo estava
em seu devido lugar. O jantar real atingia a dimensão de um ato de Estado.

111
Um novo ideal de jantar. O criado põe a mesa sob uma pérgola sombreada nos jardins
de elegante vila paladínica. Pintura de Benedetto Caliari, final do século XVI.
4
O Ritual Renascentista

A 20 de maio de 1529, o futuro cardeal Ippolito d’Este recebeu o irmão


Ercole II, futuro duque de Ferrara, juntamente com a duquesa, no palácio
dos Este em Belfiore.1 Ippolito viria a ser um dos mais ricos e pródigos cardeais
do Renascimento, criador da legendária Villa d’Este, em Tivoli, com sua orgia de
esculturas e fontes borbulhantes. Em 1529, no entanto, ele ainda era arcebispo de
Milão, cargo que lhe foi concedido aos dez anos de idade, uma década antes. Belfiore
ficava no chamado “acréscimo herculano”, um vasto bairro construído na década
de 1490 e que na verdade triplicou o tamanho da cidade. O palácio, cercado por
jardins maravilhosos e um parque, era um dos mais magníficos das delizie dos Este,
com as paredes adornadas de afrescos retratando a vida elegante daquela corte
maravilhosamente sofisticada. Na ocasião havia 54 convidados no total. O aconte-
cimento teve início no começo da noite, com o exercício cavalheiresco de corrida
do anel, em que ginetes buscavam acertar um alvo com suas lanças e que foi até as
nove horas. Em seguida o grupo se reuniu num dos grandes salões do palácio para
assistir a uma farsa e depois a um concerto descrito como “una divina musica di diversi
voci e vari strumenti”. Isso terminou às dez horas. Então veio a ceia.
Uma mesa foi montada nos jardins, tendo à direita duas credenze ou me-
sas de serviço, uma para a comida e outra para os vinhos. Do outro lado foi
construído um caramanchão enfeitado de folhagens, flores e cotas de armas.
Nele sentaram-se os músicos, pois a música deveria ser o tema de união entre
as refeições. As mesas tinham quatro toalhas, uma por cima da outra, porque
a ceia seria pontuada de tempos em tempos pela remoção de uma toalha, re-
velando-se outra por baixo. Normalmente usavam-se duas toalhas, uma para
a refeição principal e outra para o serviço final, de frutas. Mas o cardeal havia
planejado uma surpresa para seus convivas, dobrando o número de toalhas — e
de serviços. Quando terminou o nono, eles se viram, de repente, começando
tudo de novo, com outros nove, somando 18 ao todo.
Os guardanapos estavam “distribuídos em vários lugares e dobrados de
maneira divina”, sobre mesas “maravilhosamente decoradas com diferentes flores

113
banquete

e brasões, com saleiros e facas” e 15 esculturas de açúcar representando Vênus,


Cupido e Baco, deuses que simbolizavam a vegetação, o amor e o vinho. “Acima”,
continua a descrição, “havia belas folhagens com guirlandas e troféus montados
de diversas maneiras.” Os convivas foram levados do palácio até a mesa por
músicos, rapazes e moças dançando uma animada galharda que continuou
enquanto os comensais lavavam as mãos em água perfumada. Na mesa, como
primeiro serviço à espera, havia não apenas a costumeira fatia de pão à frente
de cada comensal, mas também antipasti — pratos frios e saladas na credenza.
Cada serviço era constituído de oito pratos diferentes. Bastaria o segundo serviço
para se perceber o sabor da cozinha da corte. Consistia de pastéis de truta, ovos
cozidos condimentados e partidos ao meio, ovas de esturjão, fígado de lúcio e
miúdos de outros peixes fritos com laranja, canela e açúcar, um esturjão cozido
com molho de alho enfeitado com a divisa do cardeal, brema frita, sopa de
fécula de trigo, pizza com pastéis folhados ao estilo catalão e pequeninos peixes
do rio Pó, fritos. Nada de carne, pois estavam em dia de abstinência. Mas se a
comida e a decoração eram notáveis, foi a música e o acompanhamento que
tornaram a festa realmente extraordinária. O esturjão para o cardeal chegou à
mesa ao som de três trombetas e três cornetins. Cada serviço tinha sua própria
música ou tipo de espetáculo, tudo perfeitamente integrado com a maneira
de servir, numa forma que na linguagem moderna poderia ser chamada de
happening. Um cortesão tocou um solo do alaúde, uma moça cantou madrigais,
“canções alla Pavana in villanesco que eram uma coisa maravilhosa de se ouvir”.
Camponeses executaram um morisco, bufões representaram alla Bergamasca e
alla Veneziana, um homem vestido de Orfeu cantou, acompanhado por uma
lira, uma sonata alla alemanna, e quatro moças francesas entoaram canzoni di
gorga (a duquesa era francesa). Assim, todos os recursos musicais da corte de
Este foram exibidos, sendo as apresentações vocais e instrumentais intercaladas
com danças coreografadas. A festa chegou ao final às cinco da manhã. Distri-
buíram-se presentes, luvas perfumadas, brincos, bússolas e anéis. Num grand
finale, 20 rapazes vestidos de libré e carregando tochas irromperam vindos do
caramanchão e dançaram um último morisco.
Este é apenas o relato de uma ceia numa corte privada, muito embora
esplêndida. Seria possível escolher diversas outras.2 Mas é um perfeito ponto de
partida para nossa pesquisa sobre o estilo de comer no Renascimento italiano,
quando não apenas a culinária, mas a maneira de apresentá-la, iria significar um
requinte e uma elegância ainda desconhecidos no norte medieval. Significativa-
mente, o fato de conhecermos a festa em detalhes tão extraordinários reflete o
amplo interesse daquela época por tais eventos na sofisticada e elegante corte dos
Este. Banchetti, composizioni di vivende e apparecchio, o livro capital de Cristoforo
da Messisbugo, escrito em 1549, de onde tiramos a descrição acima, teve nada
menos que 13 edições até 1626.

114
o ritual renascentista

O que coloca essa ceia à parte é o fato de que se tratava de uma ocasião
privada, informal. Encontramos preocupações semelhantes com a decoração e as
iguarias esculpidas na corte borgonhesa, mas apenas em festas de grande significado
político. E tais acontecimentos eram realizados no interior do palácio. Ali, no calor
do sul, com o tempo tão favorável e previsível, um jantar podia ser realizado num
pavilhão ao ar livre. Já tínhamos encontrado esculturas de açúcar antes, mas não
como enfeites de mesa na abertura de um banquete. Além disso, tratava-se aqui
de figuras da mitologia clássica esculpidas, sem dúvida em imitação às antigas. Os
guardanapos dobrados com grande cuidado também eram novidade, e a descri-
ção da entrada e do primeiro serviço sugere que estamos diante de uma cozinha
muito mais refinada. Acima de tudo, fica claro que testemunhamos um banquete
concebido como uma experiência a ser desfrutada por todos os sentidos, sem
qualquer sentimento de culpa. O olhar fica maravilhado com todos os aspectos,
da decoração ao arranjo dos pratos. O olfato pode apreciar o delicado odor da
água perfumada oferecida para as abluções, bem como o aroma dos alimentos
que, ao serem comidos com a mão, também satisfazem o sentido do tato. E todo
o tempo a audição se delicia com os doces sons da música. Em suma, o simples
ato de comer transformou-se numa expressão de arte sensual.
O ducado de Ferrara iria desempenhar um papel-chave nessa transmutação.3
Os Este haviam se estabelecido como governantes desta cidade-estado no século
XIII, mas apenas na primeira metade do Quattrocento é que começaram a assumir
pretensões dinásticas e a desenvolver o aparato de uma corte. Isso se acelerou
durante os reinados sucessivos de três irmãos, Borso, Lionello e Ercole I d’Este, e
o domínio da família iria continuar até 1598, quando, com a morte de Afonso II
sem deixar herdeiros masculinos diretos, a cidade reverteu para o papado. Mas
durante dois séculos, até essa catástrofe, Ferrara seria um importante e inovador
centro da civilização renascentista, uma corte cujos artistas incluíam Francesco Cossa
e Ercole Roberti, juntamente com o arquiteto Biagio Rossetti. A estes podemos
acrescentar, como visitantes que lá trabalharam, Pisanello, Mantegna, Jacopo Bellini
e Roger van der Weyden. Estava também na linha de frente da inovação musical,
importando dos Países Baixos, como músico da corte, o famoso Josquin Du Prez.
A essa corte deve-se o renascimento da comédia clássica e algumas das primeiras
tentativas de recriar o palco da Antigüidade. A cultura de Ferrara era única, ao
fundir o humanismo greco-romano antigas ao culto dos valores cavalheirescos do
norte, que deu nascimento às suas duas grandes obras-primas literárias, Orlando
furioso, de Ariosto, e Jerusalém libertada, de Tasso.
A corte de Este tinha como modelo a de Borgonha. Ambas se constituíam
de dinastias novas que lutavam para provar sua importância e empenharam-se
em fazê-lo por meio do esplendor e do cerimonial de suas cortes. Comer era um
aspecto central desse empreendimento, e foi na corte de Ferrara que a forma
mais característica do consumo renascentista de alimentos — o banquete — se

115
banquete

desenvolveu e refinou. Já no tempo de Borso d’Este os funcionários da mesa ducal


começaram a se multiplicar. Com o seu sucessor, Lionello, a tradição borgonhesa
do entremet firmou-se e assumiu um aspecto clássico. Outra fonte de influência
foi a corte napolitana. Ercole I não só foi educado em Nápoles, como, em 1473,
casou-se com a irmã do rei, Eleonora de Aragão. A corte napolitana iria desempe-
nhar um papel crucial na inovação gastronômica. Foi igualmente importante com
respeito à orquestração das refeições, pois em Nápoles o trinchante — o trinciante
— já se estabelecera como principal responsável pela ordem e apresentação dos
banquetes. Eleonora trouxe consigo para Ferrara um certo Iohn da Napoli, cuja
influência sobre a corte de Este deve ter sido considerável, embora ali fosse o
scalco, ou mordomo, e não o trinciante, quem se destacava.
Uma descrição do que se tornou um evento anual em Ferrara a cada Quinta-
Feira Santa nos dá uma medida da elaboração alcançada em 1491:

Na extremidade do grande salão situava-se a principal mesa, onde estavam 13 cidadãos


pobres que haviam sido reduzidos ao estado de miseráveis. Um deles era um padre
que se sentava no meio, na mais santa e divina memória de Cristo na Última Ceia; e
os outros eram no mesmo número que os apóstolos. As outras mesas dispunham-se
ao longo das paredes do salão, e nelas sentavam-se todos os outros pobres. Na pri-
meira mesa [sentava-se] sua excelência [o duque]; e nas outras seus filhos e irmãos;
de acordo com a ordem estabelecida de sua religião, eles serviam os pobres.4

A refeição era magnífica, servida em pratos de prata sobre as mais finas toalhas.
Incluía esturjão preparado de diferentes maneiras, bem como outros peixes, acom-
panhados de vinhos brancos. Havia uma seqüência de assados, inclusive porco-
do-mato e outras carnes servidas com vinho tinto. Após a festa todos se dirigiram
para outro salão, onde a família Este, encabeçada pelo duque, no papel de Cristo,
lavou os pés dos pobres. O público foi admitido para assistir ao espetáculo.
Essa crescente ritualização também pode ser observada nos festejos de
casamento dos Este no final do Quattrocento, que serviam, em escala ainda mais
grandiosa, para exaltar a dinastia por meio de uma exibição ostentatória. Em 1472,
por exemplo, depois de um torneio comemorativo do casamento de Ercole com
Eleonora, uma procissão levou à duquesa e às suas damas “cem pratos muito
grandes cheios de confeitos de açúcar, todos diferentes, na forma de castelos,
colunas de Hércules, pássaros, animais de quatro patas, os emblemas do senhor
e outros artefatos...”.5 Nesse caso, as esculturas de açúcar não faziam parte de
um banquete e antecipavam o que viria a ser uma importante característica do
século XVI, o banquete só de açúcar.
Num casamento posterior na família Este, em 1491, o efeito foi repetido
com uma procissão de 103 homens carregando “tigres, unicórnios, bucentau-
ros, raposas, leões ... montanhas, dromedários, lagostas [?], castelos, sarracenos,
crianças, as colunas de Hércules, este mesmo herói matando o dragão, linces,

116
o ritual renascentista

ovelhas, cervos, elefantes, homens em armas, grandes lírios, águias, cães acor-
rentados, vasos e muitas outras coisas ... todas pintadas e feitas de açúcar sólido,
em tamanho real”.6 Dessa vez cada confecção destinava-se a uma pessoa em
particular, e o tema era tanto heráldico como emblemático. As esculturas não
se destinavam à boca, ou, pelo menos, apenas em parte; além de açúcar, os
ingredientes incluíam goma arábica, laca, cera branca, incenso, terebentina e
cinábrio. Na verdade o cronista faz uma clara distinção entre essas peças para
exibição e as salvas de prata carregadas de doces para serem consumidos. Vieram
escultores de Mântua, Pádua e Veneza para fazê-los, a partir de desenhos dos
pintores da corte. Para coroar o evento, o próprio duque, de bastão na mão,
se pôs no topo da escadaria que levava ao salão de banquete “para que tudo
corresse na devida ordem”. Desta vez, infelizmente, a audiência saiu do controle,
derrubando e quebrando as esculturas, para grande fúria do duque.
À medida que o Quattrocento se aproximava do Cinquecento, surgiam os ele-
mentos para que a corte de Este transformasse o banquete medieval no banquete
renascentista: o ritual altamente organizado, a exaltação do governante, o papel dos
músicos da corte e a presença do público como espectador. No entanto, a maior
inovação foi o aparecimento de um novo importante funcionário da corte para
supervisionar todos os aspectos de tais eventos — a escolha do lugar, a decoração
do salão e da mesa, o cardápio, a mecânica da apresentação das iguarias e a seleção
da música e outras formas de entretenimento para animar a refeição. Em Ferrara
esse homem era o scalco, ou mordomo. Seus olhos viam tudo, dos grandes efeitos
aos menores detalhes — os formatos em que os guardanapos eram dobrados, as
roupas dos criados, a escolha das travessas, os presentes para os convivas. Embora
a primeira obra curta sobre o papel do scalco — Opera nova che insegna apparechiar
uma mensa a uno convito, de Eustachio Celebrino da Udine — só tivesse aparecido
em 1526, em Veneza, Ferrara é reconhecida como talvez a primeira corte com
um funcionário dedicado à orquestração de grandes festejos. O scalco já estava
estabelecido como um dos três grandes funcionários domésticos ao tempo de
Ercole I, o primeiro duque a admitir o público para assistir aos banquetes. O scalco
de Ercole era Sotio Bonleo, e pouco sabemos a seu respeito. Mas o homem a
quem ele ensinou e que o sucedeu alcançou fama considerável.7 Cristoforo da
Messisbugo era de uma antiga e nobre família de Ferrara, com tal status que por
duas vezes recebeu o duque em sua própria casa. A serviço de Afonso I desde
1515, quatro anos depois Messisbugo tornou-se sottospenditore ducale, e em 1539,
provveditore ducale. Pode-se avaliar seu grau de confiança e de proximidade com
o duque pelo papel que desempenhou nas negociações com os franceses, os
venezianos e em particular com o imperador Carlos V, que visitou Ferrara em
1529. Em 1533 o imperador fez de Messisbugo conde palatino. Embora Ercole
morresse em 1534, nada afastaria Messisbugo de sua posição na corte dos Este
até sua morte, em novembro de 1548.

117
banquete

Seu livro, intitulado Banchetti, foi publicado postumamente. A segunda parte


é um volume de receitas com pratos para dias comuns e de resguardo que refle-
te plenamente a natureza internacional da cozinha da corte e a obsessão pelos
pratos figurativos, que vieram do final do período medieval e continuaram pelo
Renascimento. Aí encontram-se castelos e cotas de armas feitos de massa, bem
como a descrição de moldes de madeira e ferro capazes de produzir as águias e
flores-de-lis das armas da família Este. No entanto, a verdadeira originalidade do
livro reside na descrição de 14 banquetes e ceias, tanto de caráter público como
privado, chefiados por Messisbugo ao longo de sua carreira. Encenar seria o ver-
bo mais adequado — ele descreve os lugares, os convivas e todos os detalhes da
decoração e dos ornamentos de mesa, indica as iguarias servidas, especificando
as quantidades, e faz um relato da música e dos entretenimentos apresentados
enquanto os convivas comiam ou entre os serviços. Um primeiro capítulo extrema-
mente inovador relaciona absolutamente tudo o que era necessário para realizar
um desses eventos, das camas para os hóspedes à cutelaria, dos apetrechos de mesa
às cadeiras, dos utensílios de cozinha aos criados, sem falar da gigantesca lista de
comidas, englobando todos os tipos de carne, peixe, caça, laticínios, frutas, vegetais
e saladas. A refeição, Messisbugo deixa claro, era apenas um aspecto do que deveria
ser toda uma seqüência de experiências normalmente iniciadas com uma peça, a
leitura de poemas, um concerto ou jogos e, na maioria dos casos, concluída com a
remoção das mesas para que os convivas dançassem. O grande scalco surge, neste
livro, como um homem de vasta cultura, de olhar aguçado, considerável gosto
estético e uma paixão genuína pela música. À sua própria maneira, foi um gênio
menor do teatro, mas dotado de grande perícia organizacional.

Nem Messisbugo nem seu livro foram fenômenos isolados. Ele teve dois sucessores
notáveis. O primeiro foi Giacomo Grana, scalco de Luigi d’Este, cardeal de Ferrara.
Em 1565 Grana foi responsável pelo banquete que o cardeal deu em homenagem
ao casamento do irmão Afonso I com Bárbara da Áustria.8 Foi encenado no palácio
urbano do cardeal, o palácio Diamante, e é um marco de como, na segunda metade
do século XVI, os banquetes das cortes haviam se tornado produções ainda mais
complexas, destinadas a surpreender os convivas e a siderar os meros assistentes.
Para sua produção, o salão foi transformado em jardim, com galhos suspensos do
teto, luzes penduradas e paredes cobertas de tapeçarias com as armas das famílias
reais da Europa a quem os Este estavam ligados. Figuras de estuque portavam
tochas, e nas laterais do salão, fora da cena propriamente dita, havia camarotes
para espectadores. Sobre um estrado atapetado, a que se chegava por três degraus,
ficava uma mesa coberta com veludo carmesim franjada de dourado. Duas ricas
toalhas vinham por cima, e, nelas, um painel de guardanapos arranjados na forma

118
o ritual renascentista

de torres e das ameias de um castelo. A mesa na parte maior do salão tinha 30


metros de comprimento; nela sentavam-se 140 damas e cavalheiros que haviam
escoltado a noiva da Alemanha. Na mesa alta estavam a noiva e o noivo, ladeados
por príncipes, princesas e cardeais, em número de 22. Eles eram atendidos por
quatro mordomos, quatro trinchantes e quatro escanções, todos eles vestidos com
as cores da duquesa — carmesim escuro com franja ouro ou prata —, todos usan-
do chapéus húngaros. Cada seqüência de pratos era levada ao salão, ao som de
fanfarras de trombetas, por 24 cavalheiros divididos em grupos de seis, cada qual
respondendo a um mordomo. Os pratos, 400 no total, todos de prata, mudavam
a cada seqüência. Findo o jantar, os convivas retiravam-se enquanto o salão era
preparado para um concerto seguido por uma leve refeição de doces e águas
açucaradas servidos por pajens e outros jovens vestidos de pastores e ninfas.
Ainda mais importante que Grana foi o scalco do último duque, Giovan Bat-
tista Rossetti.9 Trabalhou para Afonso II de 1557 a 1576 e então serviu à irmã do
duque, Lucrezia d’Este, esposa repudiada do duque de Urbino. Em 1584 Rossetti
publicou Dello scalco, cuja descrição das funções desse profissional vai bem além
do que é relatado em Banchetti. Segundo ele, os atributos do scalco incluíam uma
bela presença, elegância no vestir, conhecimento, atenção e presteza na resposta
às demandas do empregador. À época, seu prestígio realmente era muito grande,
pois assumia o controle de todos os fornecimentos e da cozinha, a seleção de
cardápios e a localização das mesas e das credenze. Era atributo do scalco colocar
os convivas em ordem estritamente hierárquica, supervisionar as seqüências dos
pratos, as trocas de toalhas e guardanapos, na verdade, todos os detalhes de uma
ocasião que havia se tornado cada vez mais cerimoniosa. Seu domínio também
alcançava uma sala onde os cavaleiros que haviam servido a mesa comiam sepa-
rados dos serviçais comuns. Rossetti elogia os duques de Este por combinarem,
em sua corte, o posto de mordomo com o de scalco, garantindo assim obediência
ao princípio estabelecido na Ordini do duque, de que em todos os momentos
magnificência e dignidade deveriam ser preservadas.
As habilidades de Rossetti são mostradas também em outro banquete para
o casamento ducal de 1565.10 Neste, os convivas foram presenteados com a
ilusão de comer sob o mar. O teto foi pintado com ondas e monstros marinhos,
a toalha de mesa tinha ondas, os guardanapos eram dobrados como peixes, os
saleiros reproduziam animais marinhos e até mesmo os pratos de maiólica eram
conchas. O final foi um triunfo de Netuno com 90 esculturas de açúcar em volta
da divindade. Ninguém em 1565 acreditaria que tudo aquilo se desvaneceria com
a morte do último duque, 30 anos depois.
As inovações no ritual da comida em Ferrara definem a cena para o que,
primeiro e principalmente, foi a era das cortes. Fosse num pequeno Estado italiano,
como o grão-ducado da Toscana, dos Médici, fosse num poderoso império como o
dos Habsburgo, a corte, em sua forma plenamente desabrochada do Renascimento,

119
banquete

era um fenômeno novo. Constituía uma cidade dentro da cidade, articulada por
seus próprios rituais, cerimônias e etiquetas. Dependia de uma multidão de novos
funcionários — inclusive o scalco — para manter sua categoria e era habitada por
um novo personagem, o cortesão profissional. Todos os aspectos de tal instituição
desenvolveram-se com um único fim: exaltar o governante como um ser à parte,
o representante de Deus na Terra, presidindo um paraíso terreal, ou talvez um
Júpiter terrestre num Olimpo pagão. O ato de comer não poderia deixar de ser
incorporado a esse mundo de estupendo artifício. A comida de verdade às vezes
quase ficava ofuscada sob o peso da cerimônia. No entanto, é claro, isso jamais
acontecia. E é para uma reflexão sobre o que era a comida e como havia mudado
em relação à do século anterior que devemos voltar nossa atenção agora.

O REQUINTE DA CULINÁRIA

O Renascimento representou a redescoberta do mundo da Antigüidade clássica


combinada com o desejo de recriá-la, o que pode ser visto em qualquer aspecto
do Quattrocento e do Cinquecento italianos, seja no cultivo de um estilo cicero-
niano de literatura, na tentativa de fazer ressurgir o repertório da arquitetura
vitruviana ou na renovação das formas do teatro clássico. Mas como isto afetou
a comida e sua apresentação?11
O desejo que as cortes tinham de emular os banquetes da Antigüidade era
motivado em grande parte pela recuperação e impressão de textos diretamente
relacionados à culinária antiga ou às descrições gráficas das refeições. Os textos
clássicos previamente conhecidos na Idade Média limitavam-se às Geórgicas de
Virgílio e outros semelhantes, que falavam da dieta rústica daqueles que viviam
próximos ao solo — ervilhas e lentilhas, alho-poró e alface. Assim, pode-se ima-
ginar o impacto quando, em 1498, apareceu a primeira edição conhecida de De
re coquinaria, de Apício, tornando facilmente acessível um texto que até então só
existia sob a forma de manuscritos para estudiosos da cultura clássica. De repente
revelava-se uma culinária muito diferente, a de uma sociedade altamente sofisticada
que cultivara os prazeres da mesa e se entregara voluntariamente às tentações
do apetite sem qualquer sentimento de culpa. Apício estava a léguas de distância
dos séculos de jejum e de autoprivação institucionalizados pela Igreja. E mais, suas
receitas (arganaz cozido ao mel, por exemplo) eram estímulos aos cozinheiros para
compor pratos ainda mais ricos e recherchés. E havia também textos como o livro
XIII dos Epigramas de Marcial, cheios de referências a comida, e os Deipnosofistas
de Ateneu, publicado em 1514, e que falava de glutões e cozinheiros famosos, dos
costumes e maneiras dos convivas e da adequação dos vários alimentos.
Acima de tudo, essa abundância de textos clássicos alterou a culinária, ou
melhor, tornou-a mais eclética, pois os novos gostos nunca desalojaram comple-

120
o ritual renascentista

tamente a comida dourada, temperada e aromatizada do final da Idade Média.


Na verdade os dois estilos viveram lado a lado. No entanto, as introduções — ou
reintroduções — foram avassaladoras e numerosas. À revivescência humanista das
comidas da Antigüidade devemos o uso de trufas e cogumelos; a ascendência dos
peixes de mar sobre as variedades de água doce, junto com as ostras e o caviar;
pratos utilizando entranhas e partes cartilaginosas e ósseas, como miolo, timo,
orelha e pé; carnes picadas e salsichas; uma predileção por carne de porco e leitão;
e vegetais como alcachofras, alcaparras, aspargos e os pertencentes às famílias das
couves e cebolas. Claro, alguns já eram conhecidos na Idade Média, mas agora
estavam valorizados pela aura da Antigüidade. Junte-se a isso um enorme aumento
dos tipos de frutas. Houve também novo interesse por um sabor, o salgado-ácido,
já conhecido durante a Idade Média nos picles, cuja popularidade muito devia à
reverência pelo sal como substância sagrada na Antigüidade. O mesmo aconteceu
com o uso crescente do sal para cozinhar e a arrebatadora paixão por presuntos,
peixe salgado e caviar. Finalmente, a redescoberta dos textos clássicos acarretou
a recuperação de um personagem social há muito desaparecido, o gastrônomo,
uma pessoa cujo único objetivo na vida era deliciar-se com as alegrias da mesa.
Em meados do século XVI o mundo culto do Renascimento já adquirira um
notável conhecimento dos hábitos alimentares e culinários do mundo clássico.
Aparecem livros sobre o assunto — como Antiquitatem convivialium libri III (1582),
de Johann Wilhelm Stucki. Pela primeira vez em mais de um milênio a comida
era objeto da pena erudita. Não que a aprovação fosse universal; o Renascimento
era igualmente receptivo à posição alternativa, voltando ao Górgias de Platão, no
qual a arte da culinária é uma forma de ilusão, e a gastronomia leva ao pecado
da gula. Semelhante desconfiança a respeito dos alimentos encontra-se em Platão
e na tradição neoplatônica, cuja redescoberta também foi fundamental para a
cultura renascentista.
Mas as conversas acadêmicas e as realidades da corte e da cozinha eram coisas
muito diferentes, e não há dúvida de que a comida passou por uma transforma-
ção significativa durante o Renascimento. Além do mais, é claro que a mudança
começou no sul da Itália, na corte dos reis aragoneses de Nápoles.
Em 1443 Afonso V de Aragão dominou a Sardenha e a Sicília. Nápoles
tornou-se um reino separado, governado pelo filho de Afonso, Ferrante. O sul da
Itália já estava submetido à influência árabe e, sob os reis angevinos, à influência
francesa. A estas foram então acrescentadas as influências da península Ibérica,
ao mesmo tempo fortalecidas pelo advento de um papa espanhol, Afonso Bórgia
(Xisto III), que levou seu próprio cozinheiro para Roma. Em um século Roma
tornou-se universalmente reconhecida como il teatro del mondo no que se referia
às artes gastronômicas.
A grande transição de meados do século XV pode ser resumida nas obras
de duas pessoas, um cozinheiro chamado Martino de’ Rossi — maestro Martino

121
banquete

— e um bibliotecário humanista, Bartolomeo Platina. Maestro Martino, de origem


suíça, foi no começo da carreira cozinheiro dos duques de Milão, mas passou ao
serviço do cardeal veneziano Trevisan, patriarca de Aquiléia que vivia na corte
papal em Roma.12 Por volta de 1460, Martino compilou seu Libro de arte coquinaria,
que assinalou uma nova era na história da culinária. Foi um marco em termos da
forma clara, organizada e precisa pela qual as receitas eram apresentadas. Algumas
eram de origem espanhola. A seqüência de pratos proposta por Martino também
era nova; ele não abria a refeição com frutas e doces, mas ia direto ao que Platina
designava como pietanze: carnes de todos os tipos, assadas, guisadas, em tortas,
com geléia, feitas em salsichas ou em variedades de mortadelas. Chamam a aten-
ção os sinais de que as especiarias importadas eram relegadas em favor das ervas
aromáticas nativas, como hortelã, manjerona, salsa, alho, funcho, louro, sálvia e
alecrim. Ainda assim, as especiarias reinariam supremas até meados do século
XVII. As receitas usavam também mais açúcar, água de rosas, açafrão e amêndoas
moídas com açúcar para engrossar e adoçar os molhos. Nessa obra podemos
constatar os primeiros estágios de uma firme ascensão do açúcar.
A cozinha de Martino nunca teria tanto impacto na Europa sem o plágio
por atacado feito por Bartolomeu Platina, um estudioso dos clássicos.13 Em seu
livro De honesta voluptate, a nova cultura culinária, fruto da síntese das tradições
espanhola, árabe, francesa e italiana, encontra o novo impulso do humanismo
renascentista. Gregário, volúvel e impetuoso, Platina jamais foi uma personalidade
fácil. Suas origens estavam na corte dos Gonzaga, em Mântua, na escola criada
por Vittorino da Feltre. Mas a maior parte de sua carreira se fez em Roma, e em
1475 tornou-se bibliotecário papal. Escreveu De honesta provavelmente em 1465,
dois anos depois de adquirir um exemplar do Libro de arte coquinaria, de Martino,
dois quintos do qual reproduziu em sua própria publicação. (Com tato, referiu-
se a Martino como o “principal cozinheiro de nossos tempos”, numa espécie de
pedido de desculpas.) Em seu livro combinava aquela fonte contemporânea com
um sistema dietético mais tradicional, a teoria grega de humores, transmitida à
Idade Média pelos árabes, o regimen sanitatis da Escola de Salerno.
Mas não é o casamento da nova cozinha com a tradição médica medieval
que faz do livro de Platina um marco na história da gastronomia. A chave para
sua originalidade e influência está no título, “Sobre o prazer correto”. Voluptas,
em termos medievais, era o mesmo que pecado. Platina contraria essa concepção
ao promover a idéia de que o prazer físico de comer poderia, nas circunstâncias
corretas, ser honrado ou honesta, que numa tradução livre quer dizer virtuoso.
Desta forma, legitimava o consumo de comida e bebida além da necessidade
dietética, tanto pelo prazer físico como emocional. E, mais ainda, fez isso sem
qualquer alusão à tradição cristã. (Quanto a este ponto, é provável que refletisse
a posição de Giulio Pomponio Leto, humanista e seu amigo, cujos interesses
incluíam o cozinheiro romano Apício.) Como resultado, o livro é moderno e

122
o ritual renascentista

laico, dissertando sobre as bases da alimentação em termos de uma vida saudável,


mas também discutindo suas dimensões estéticas e psicológicas — por exemplo,
a importância de talheres limpos, toalhas impecáveis e decoração atraente. Ele
também se referia à seqüência dos pratos afirmando que tudo o que fosse leve
e delgado, inclusive alface, tudo o que fosse acompanhado de vinagre e azeite,
além de ovos e de certos doces, deveria ser servido primeiro. Assim Platina
transformava o que poderia ser apenas um manual prático de artesanato num
renascer pleno da culinária antiga, utilizando uma profusão de citações de Apício,
Varão, Catão, Virgílio e muitos outros.
De honesta influenciaria toda a Europa. Provavelmente foi publicado pela
primeira vez em Roma, em 1475 e teve uma segunda edição em Veneza no ano
seguinte. Repetiram-se então as edições na Alemanha, Suíça e França. Foi traduzido
do latim para o italiano (1487), o francês (1505) e o alemão (1530). Platina na
verdade enobreceu o livro de receitas e trouxe os escritos sobre comida para o
mundo das letras, fazendo das refeições um tema de debate aceito pelas classes
educadas. Mais do que isso, atendeu com precisão às necessidades da elite burguesa
requintada que despontava na Itália.
A publicação do livro desencadeou uma corrente de sucessores que colo-
caram a Itália à parte do resto da Europa como pioneira de uma nova literatura
gastronômica. Eles se viram estimulados não só pela atitude radicalmente nova
de Platina e pela crescente ostentação das cortes, mas também pela abundância
peninsular de ingredientes frescos. A estrutura da refeição em De honesta é tripartite:
um primeiro serviço de frutas, saladas e alimentos doces; um segundo, de carne,
peixe ou vegetais servidos com abundância de molhos aromáticos; e um terceiro,
de frutas, nozes, queijos e, em ocasiões mais grandiosas, confeitos e doces. Para
avaliar como era ampla a variedade de ingredientes usados num grande banquete
da corte organizado assim, basta observar o que foi oferecido pelo cardeal de
Ferrara no casamento de Afonso II.14 Além dos recursos provenientes de todos os
estados ducais, buscaram-se peixes de água doce em Garda, peixes de água salgada
e dez mil ostras em Veneza, alcachofras cultivadas e selvagens, favas, frutos, cravos
e rosas em Gênova (o evento aconteceu em dezembro), e confeitos, velas, açúcar,
especiarias e esculturas de açúcar também em Veneza.
Esse senso de plenitude, percebido em toda a literatura gastronômica na Itália
renascentista, deu surgimento ao primeiro livro que pode ser descrito como um
circuito gastronômico, Commentario delle piu notabili e mostruose cose d’Italia e altri
luoghi, de Ortensio Lando (1548).15 O autor descreve pratos como o macarrão
siciliano com queijo, cozido em caldo de galinha e temperado com açúcar e
canela, e as enguias de Sorrento, preparadas com tomilho, alecrim, manjerona,
hortelã e outras ervas. Canta louvores a Lucca pelas salsichas, a Como pelas
trutas e a Piacenza pelo nhoque (tão maravilhoso, escreve ele, que seria capaz
de reviver um cadáver).

123
banquete

Esse deliciar-se na variedade foi também captado no começo do século XVII,


na obra de um protestante italiano exilado na Inglaterra, Giacomo Castelvetro.16
Este pobre homem sentia uma falta desesperada das frutas e dos legumes de sua
terra natal! Na Inglaterra encontrou, como outros contemporâneos disseram, “co-
midas desconhecidas ou tidas como comidas, mais adequadas a porcos e animais
selvagens do que a alimentar a humanidade”. A Itália, escreveu Castelvetro em
seu Breve racconto di tutte le radici, di tutte l’herbe ... che in Itália si mangiano (1614),
é “la patria di tutte le gentilezze”. Nenhum outro país valorizava tanto as frutas
e os vegetais ou cultivava-os tão bem. Lirismo e nostalgia estavam em todo o
seu catálogo de delícias mediterrâneas, e é impossível não simpatizar com um
homem que escrevia, no final de uma receita de como comer alcachofras cruas:
“Amamos os pedaços suculentos; basta escrever sobre eles para minha boca se
encher de água.” Infelizmente seus conselhos caíram em ouvidos jacobinos, mas
o texto reflete exatamente o espírito que impulsionou as mudanças na gastro-
nomia da Itália do Cinquecento.
Simultaneamente o vinho começou a ser apreciado a sério. Sante Lancerio,
bottigliere do papa Paulo III (1534-50), fez um registro dos melhores vinhos italianos
e estrangeiros consumidos em Roma, cabendo a palma ao Malvaglia de Candia.17
Em seu texto presenciamos o surgimento do vocabulário do sommelier, com termos
como tondo, asciutto, fumoso, odorifero, crudo e delicato. Igual consideração é dada
às cores, em palavras tais como verdeggiante, colore incolorato e dorato. Os vinhos
passaram a ser cuidadosamente combinados com os pratos: vinhos brancos e
leves para os antipasti, tintos para os assados, e vinhos fortes ou inebriantes para
as sobremesas, terminando com hipocraz.
Mas o que diferenciava a comida renascentista?18 O velho núcleo medieval
permaneceu basicamente intacto, mas foi ampliado, refinado e enriquecido à
medida que avançava o século XVI. As mesmas especiarias continuaram sendo
usadas, embora em menor variedade. Sua presença, indicando despesa, era central
para a demonstração de riqueza, essência da culinária cortesã. Da mesma forma
mantiveram-se inabaláveis os velhos molhos medievais e a paixão por assados,
tortas e as iguarias esculpidas. Porém, havia agora muitas novas maneiras de cozi-
nhar. Um livro de culinária, por exemplo, dava 227 receitas de carne de boi, 47 de
língua e 147 de esturjão. Nenhum volume medieval poderia competir com esses
números. Já mencionamos de passagem o renovado interesse em frutas e vegetais,
mas o século XVI também testemunhou a chegada de novos ingredientes vindos
da América: abóbora, tomate (que só foi usado na cozinha muito mais tarde),
milho e feijão, para não mencionar o peru. Houve também deslocamentos de
paladar no caso de alguns dos ingredientes tradicionais. Carne de boi, por exemplo,
que na Idade Média era vista como apropriada para os serviçais, mas não para a
mesa alta, agora, juntamente com a carne de vitela, passou a gozar de status mais
elevado. Sob a influência das fontes clássicas, partes dos animais que hoje em dia

124
o ritual renascentista

achamos repugnantes eram encaradas como o máximo da delícia epicurista: nariz,


olho, focinho, fígado, bexiga, miolo, rins, tripa, língua, timo, crista, testículos, ao
lado de uma lista similar de partes de peixes. E, anunciando o que estava por vir,
a manteiga era cada vez mais usada na cozinha, embora ainda não o creme.
Os cardápios continuavam dominados pelo ano litúrgico, mesmo em países
protestantes como a Inglaterra, onde a legislação determinava a observância dos
dias de peixe no interesse do setor pesqueiro. Na verdade em países católicos, na
segunda metade do século XVI, à medida que a maré da Contra-Reforma crescia,
houve uma ênfase renovada no cumprimento de dias de abstinência que levaria
ao excesso de jejuns. É irônico que a mais importante obra gastronômica do sé-
culo, Opera, de Bartolomeo Scappi (1570) tenha sido dedicada a um papa, Pio V,
famoso pela extrema parcimônia na dieta.
Scappi foi o mais influente cozinheiro do Renascimento.19 De origem prova-
velmente bolonhesa ou veneziana, começou a carreira a serviço de um veneziano,
o cardeal Marin-Grimano, membro da cúria papal em Roma. Depois trabalhou
para os papas Paulo III e Pio V. Administrou o banquete de coroação deste último
e tornou-se seu “cozinheiro secreto” [isto é, pessoal] —, cargo que devia ser uma
sinecura. Sua obra-prima, a Opera, surgiu em 1570, provavelmente após sua morte.
É uma publicação lapidar, resumo dos 40 anos que Scappi passou cozinhando para
a mais prestigiosa corte da Europa. Nunca se havia escrito nada parecido, pois na
Opera encontramos pela primeira vez um verdadeiro teórico da culinária. É um
livro de cozinha que parte de uma noção da centralidade do paladar e, acima de
tudo, a primeira obra que estabelece firmemente a culinária como ciência. Com
900 páginas divididas em seis livros, é ilustrado com 28 gravuras que dão um
repertório visual muito maior que o Banchetti de Messisbugo; elas cobrem tudo,
desde os utensílios de cozinha até um arranjo de mesa na forma de poço de peixes,
composto inteiramente de elementos comestíveis. Scappi começa pelo exame da
cozinha e de como ela opera, e depois descreve os ingredientes. Explica como
tratar a carne e o peixe, os ovos e molhos, e apresenta 113 cardápios sazonais,
cobrindo ceias, pequenas refeições, jantares e banquetes. Um dos livros é dedicado
ao trabalho do pasteleiro, outro às comidas para os doentes. Tudo o que escreve
é lúcido e preciso, vivenciando sua própria definição do cozinheiro como “um
arquiteto criterioso que, ao construir seu desenho exato, deixa um alicerce forte
sobre o qual apresenta ao mundo coisas práticas e maravilhosas”. O que Scappi
registra são as iguarias das cortes internacionais, pratos que podem ser descritos
como alla francese, alla tedesca ou alla spagnola, embora no final do século XVI ainda
não existissem culinárias nacionais enquanto tal. Sua influência seria considerável,
particularmente nas áreas sujeitas ao domínio dos Habsburgo, como a Espanha e
o Sacro Império Germânico. Na Espanha, mais de metade do livro foi apropriada
por Diego Granado em Libro del arte cozina (1599). Na Alemanha, a Opera foi
também plagiada, por Max Rumpolt em Ein neues Kuchbuch (1581).

125
banquete

Com seu livro, Scappi buscava status social para o cozinheiro, mas a obsessão
pelo cerimonial faria com que, no Renascimento, o scalco e o trinciante fossem mais
prestigiados. Pouco menor que o livro de Scappi, com cerca de 800 páginas, La
singolare dottrina dell’ufficio dello scalco (1560) é obra de um mordomo florentino,20
Domenico Romoli, ou Il Pununto, como era conhecido. Romoli também havia
sido “cozinheiro secreto” a serviço de aristocratas e cardeais. Seu livro registra a
cozinha da cúria romana em meados do século XVI, com centenas de receitas e
uma parte dedicada às dietas. Também descreve os papéis do scalco, do trinciante
e do credenziere (o encarregado da credenza). Dos dois últimos, o trinciante, ou
trinchante, era de longe o mais importante e buscava ultrapassar o scalco como
funcionário que controlava a comida cerimonial da classe alta.
As origens do aparecimento do trinciante estão na Espanha, numa obra sobre
a arte de trinchar, por don Enrique de Aragão, marquês de Villena, compilada em
1423. Sua premissa de que trinchar era uma arte à altura dos nascidos com sangue
nobre foi exportada para a corte napolitana, onde o trinciante do rei sempre era
selecionado na aristocracia. Na Itália o trinciante fez o seu début no Libro de cocina,
de Roberto di Nola, que foi cozinheiro de Fernando I de Aragão, rei de Nápoles.
Em seu livro, compilado na década de 1490,21 descreve os papéis do cozinheiro,
do despenseiro e do trinciante. Este último iria se transformar, de um homem que
simplesmente servia e punha comida no prato das pessoas, num alto funcionário
da corte, responsável pela transformação do que era uma operação comum num
ritual elaborado, uma exposição pirotécnica de força e destreza. Roberto di Nola
faz do trinciante uma espécie de scalco, um coreógrafo de banquetes. A descrição
de uma festa promovida em Nápoles em 1517, pela coroação de Bona de Sabóia
como rainha da Polônia, presta tributo à precisa e delicada arte de trinchar a carne
“por um trinchante cheio de destreza e pose”. Surgia em cena o trinciante.
Não é de surpreender que em seguida ele tenha aparecido na corte dos Este,
como mostra um livro de Francesco Colle intitulado Refugio del povero gentilhuomo
(1520) e dedicado ao duque Afonso I.22 É um tratado que exalta o trabalho do
trinchante à mesa como um aspecto da magnificência principesca, atividade que só
poderia ser exercida por um homem que, embora empobrecido, fosse de nascimento
nobre. Uma abordagem muito mais importante seria Il trinciante (1581), de Vincenzo
Cervio. Ele esteve a serviço de Guidobaldo II, duque de Urbino, e, após 1540, do
cardeal Farnese, em Roma.23 Também viajou bastante pelo norte da Europa, onde
não se impressionou com a habilidade dos trinchantes. Seus modelos estavam na
Espanha, em Nápoles e, mais do que em qualquer outro lugar, em Roma (embora,
é preciso que se diga, alguns deles estivessem ficando sem trabalho, graças ao asce-
tismo renovado pela Contra-Reforma). Como em Scappi e Colle, trata-se de uma
busca de status social numa sociedade hierarquizada e também de uma tentativa
de assumir o papel do scalco, ou pelo menos de desafiá-lo. A preocupação do livro
com as classes sociais reflete-se na descrição do estilo do cavalheiro trinciante, que

126
o ritual renascentista

retira seu chapéu antes de iniciar os trabalhos, mas depois o coloca novamente na
cabeça, para demonstrar sua igualdade com relação aos que estão à mesa.
O trinchante, segundo Cervio, deveria ser um cavalheiro de bela presença,
bem vestido (surpreendentemente, de branco), pronto a agradar seu senhor, mas
cuidadoso em distinguir-se, por seu comportamento, dos criados circundantes. O
catálogo sobre trinchamento é intimidador, abrangendo tudo, da caça ao melão,
e todos os gestos a serem executados no processo. Depois vem a distribuição,
que deve obedecer estritamente à ordem hierárquica, tanto no que diz respeito
à prioridade como no que se refere à parte servida. Todo o exercício de destreza
manual é deliberadamente destinado a divertir e a surpreender os comensais.
“Trinchar o ar”, dizia-se.
Em 1593 houve outra edição do livro de Cervio atualizado por Fusorito da
Narni. A ascensão do trinciante com relação ao scalco já estava então estabelecida,
pois o livro inclui descrições da decoração e dos pratos de uma série de banque-
tes elaborados. É desnecessário dizer que o trinchamento, ao norte dos Alpes,
manteve-se pouco sofisticado. Na Inglaterra, em 1508, Wynken de Worde publi-
cou o velho The Boke of Kervynge, dos tempos medievais, que continuou sendo
reimpresso até 1613. A revolução da imprensa permitiu a publicação de antigos
livros de receitas que já existiam em manuscrito.24 O resultado foi que a culinária
do fim do período medieval tornou-se acessível a uma burguesia crescente. Em-
bora o primeiro livro de receitas impresso depois do de Platina tenha aparecido
em 1485, o verdadeiro aumento de produção se deu apenas após 1530, numa
clara resposta a um mercado muito mais vasto e ansioso para aprender os modos
aristocráticos. O primeiro livro foi Kuchenmeisterei, publicado em Nuremberg e
que teria 56 edições. Na França, o Viandier teve 15 edições entre 1490 e 1520. O
livro de Roberto di Nola foi traduzido para o catalão em 1520, teve sete edições
e depois foi traduzido para o castelhano, com mais 12. Na Inglaterra, cerca de 20
livros de culinária foram publicados entre 1500 e 1620.
O que fica claro é que os progressos na culinária e nos grandes jantares
que já haviam ocorrido na Itália renascentista se infiltraram lentamente rumo ao
norte, onde seus efeitos se fizeram sentir apenas na segunda metade do século.
Certamente este é o caso da França. A história ali é de estagnação, e a única
mudança foi o aumento no número de pratos doces e o uso de laticínios.25
O livro de Platina foi traduzido para o francês em 1505, passando por muitas
edições e transmitindo aquilo que na verdade era a cozinha italiana meio século
antes. Em 1542 apareceu o que mais tarde seria chamado de Le grand cuisinier
de toute cuisine, no qual apenas um terço era de receitas medievais. Tratava-se
de um livro de receitas bem estruturado, com um capítulo para cada serviço e
uma seção separada para banquetes.
Há muito é vista com reservas a antiga concepção de que a cozinha fran-
cesa ganhou vida quando Catarina de Médici levou cozinheiros italianos para

127
banquete

a corte de Valois em seu casamento com Henrique II, em 1533. A única indi-
cação de que o novo estilo cortesão a la Scappi havia chegado ali só apareceu
mais tarde, em 1604, com Ouverture de cuisine, de Lancelot de Casteau.26 Mas é
preciso considerar que o autor era cozinheiro do bispo de Liège, cuja sé ficava
na jurisdição do império dos Habsburgo. Na obra figuram todos os velhos pra-
tos favoritos da época medieval, como cisne assado e pavão, junto com coisas
que certamente faziam parte do novo repertório cortesão internacional, como
salsichas de Bolonha e queijo parmesão, gelatinas multicoloridas e esculturas
de açúcar. No geral havia o que só pode ser descrito como um abismo norte-
sul. No entanto, deve-se dar um desconto aos fatores climáticos, pois mesmo
hoje eles continuam a influenciar o que é consumido no ensolarado sul e no
gelado norte. E tais fatores também iriam desempenhar um papel importante
na determinação de onde cada povo comeria.

PLÍNIO REVIVIDO E A REINVENÇÃO DA SALA DE JANTAR

As cartas de Plínio o Moço (61-c.112 d.C.) desenham um quadro nítido de um


estilo de vida que o Renascimento buscou reviver e emular, o da propriedade rural.
Plínio tinha duas vilas, uma próxima ao mar, em Laurentium, e a outra na Toscana.
Nas cartas ele não só descreve a situação de cada uma delas na paisagem, sua
arquitetura e jardins, mas também evoca a vida prazerosa que nelas passava, em
que os rigores do intelecto eram equilibrados por uma resposta intensa às delícias
dos sentidos. O impacto de tais cartas na culinária promoveria uma revolução.
Uma das alas da vila na costa tinha algo desconhecido para a Idade Média,
uma sala de jantar: “... é extremamente aquecida e iluminada, tanto pelos raios
diretos do sol, como por seu reflexo no mar”. Havia ainda duas outras salas de
jantar, de uma das quais se tinha “uma extensa perspectiva do mar e também
das lindas vilas que se espalhavam ao longo da costa”; da outra, de um torreão,
vislumbravam-se os jardins e a gestatio [terreno para exercícios].27 A vila toscana
também dispunha de uma série de lugares para refeições e ficava numa elevação
que proporcionava vistas panorâmicas. A que Plínio chamava de “sala de jantar
imponente” possuía uma perspectiva muito ampla dos prados. Estava posicionada
de modo a receber os raios de sol e portanto era muito usada no inverno. Em seu
próprio conjunto de apartamentos havia uma sala de jantar que, dizia Plínio, “uso
quando recebo os amigos íntimos”. A terceira ficava perto do pórtico de verão e
portanto destinava-se aos meses quentes do ano; situava-se de modo a receber
“as brisas salutares dos vales apeninos”, tinha vista para os vinhedos e era aberta
em pelo menos um lado. Finalmente, ao final de uma calçada coberta de árvores
emaranhadas, havia uma alcova de mármore sombreada por parreiras e um pe-
queno lago artificial onde a água borbulhava. “Quando ceio ali”, escreveu Plínio,

128
o ritual renascentista

“o lago serve de mesa, com os pratos maiores colocados nas bordas, enquanto os
menores flutuam como pequenos barcos ou plantas aquáticas.”28
Os arqueólogos renascentistas tiveram mais informações por intermédio
de Vitrúvio, que viveu no século I e escreveu sobre arquitetura. Este dizia que o
comprimento da sala de jantar deveria ter o dobro da largura; que deveria haver
duas salas, uma para a primavera e outra para o outono, a primeira voltada para
o leste, a última para o norte, de acordo com o movimento do sol. Vitrúvio acon-
selhava que não se decorasse a abóbada da sala de jantar do inverno, porque
ficaria enegrecida com a fumaça da lareira.29
Com tais fontes a que recorrer, o desejo de recriar a vila antiga e seu modo de
viver deve ter sido acentuado. Ela evocava um mundo diferente, agradavelmente
distante do castelo com ameias ou da claustrofóbica casa de cidade da Idade Média,
com sua grande sala comunal e salões senhoriais. Nas vilas, em vez disso, havia
salas dedicadas apenas às alegrias do jantar, concebidas para serem confortáveis
no verão e no inverno, ou situadas em jardins, salas com lindas vistas que ligavam
a vida civilizada às belezas naturais. Elas podiam ser fechadas para aquecer no
inverno ou ficar abertas à brisas refrescantes — afinal de contas, era a Itália.
Assim, o que ocorreu durante os séculos XV e XVI, graças em parte à inspiração
dos textos antigos, mas também pelo desejo de espaço privado, em oposição ao
espaço comunal, foi o aparecimento da sala de jantar usada pela família e pelos
amigos. Era chamada de saletta ou salotto, ou mais raramente triclinio, e representou
o primeiro passo para o abandono de um estilo de vida que garantia privacidade
apenas no quarto ou camera, sendo o outro aposento a sala pública, um espaço
compartilhado de estar e de jantar. Foi também o passo inicial na direção do
sistema de apartamentos que está no centro do planejamento arquitetônico para
interiores domésticos no Renascimento. Passava a existir uma nova seqüência de
aposentos: a sala, que deveria acomodar a família e seus convidados em recepções,
jantares e entretenimentos; a saletta abrindo-se para ela, de uso privado; e, para
cada membro da família, uma camera, precedida por uma antecâmara.30
O livro De re aedificatoria, do grande arquiteto renascentista Alberti, foi escrito
por volta de 1450. É o primeiro tratado sobre arquitetura desde a Antigüidade e foi
publicado em 1486, traduzido para o italiano em 1546 e para o francês em 1553.
O estabelecimento da vila como novo tipo arquitetônico durante o Quattrocento
pode em grande parte ser atribuído à sua influência. Nele a sala de jantar fez seu
début na seguinte passagem:

O acesso à sala de jantar deve ser pelo interior da casa. Como exige o uso, cumpre
haver uma para o verão, outra para o inverno e uma para as estações intermediárias,
digamos assim. As principais exigências de uma sala de jantar de verão são água e
vegetação; de uma sala de inverno, o calor de uma lareira. Ambas devem, preferen-
cialmente, ser espaçosas, alegres e esplêndidas.31

129
banquete

A isso ele acrescentava a advertência de Vitrúvio contra a decoração do teto


da sala de jantar de inverno, para evitar os estragos da fumaça.
Embora Platina, escrevendo logo depois da década de 1460, não recomendas-
se uma série de salas separadas, ele claramente tinha esta idéia na cabeça ao sugerir
que as refeições se realizassem em lugares diferentes segundo as estações:

Deve-se pôr a mesa de acordo com a época do ano: no inverno, em lugares fechados
e quentes; no verão, em lugares frescos e abertos. Na primavera, devem-se arrumar
flores na sala de jantar e na mesa; no inverno, o ar deve estar impregnado de perfumes;
no verão, o chão deve estar coberto de brotos perfumados de árvores, de parreiras
e de salgueiros, que refrescam a sala de jantar; no outono, deve-se ter uvas, pêras e
maçãs maduras penduradas ao teto.32

Já vimos a resposta a esta recomendação nos banquetes encenados na corte


dos Este, mas ao final do século XV, novas vilas com lugares especiais para jantar
começaram a ser construídas no campo italiano.
Reviver o estilo das vilas da Roma Antiga exigia não apenas conhecimento
arquitetônico, mas uma atitude diferente em relação ao campo, simbolizada pelos
termos humanistas negotium e otium. O primeiro representava a vida agitada da
cidade, o segundo a vida no campo, para aonde os tensos moradores da cidade
podiam se retirar e se permitir a contemplação filosófica e a busca do lazer. Era
possível construir vilas no campo para satisfazer esse novo ideal graças à estabilidade
na península. Esse clima estável chegou ao fim em 1494, quando começaram as
longas guerras italianas. Mas nem mesmo os conflitos restringiram seriamente o
novo estilo de vida, exceto durante um período após o saque de Roma, em 1527.
Com o tratado de Cateau-Cambrésis, em 1559, a paz voltou, e a península, não
mais perturbada pelas batalhas, assistiu à proliferação das vilas.
Uma das primeiras delas gabava-se dos mais extraordinários arranjos no que
dizia respeito aos jantares. Em 1487 o arquiteto florentino Giuliano da Maiano
desenhou-a para Afonso II de Aragão, em Poggio Reale, nas proximidades de
Nápoles.33 Vamos dar a palavra a Sebastiano Serlio, que descreve este palazzo
de prazeres:

... no ponto situado bem ao meio, ... os homens descem por um par de escadas para
um lugar de comer muito belo, no qual o rei e seus senhores costumavam banquetear-
se e comer agradavelmente; ali ele fazia com que certos lugares secretos se abrissem,
e assim, num piscar de olhos, o lugar se enchia de água: e também, ao prazer do rei,
toda a água era esvaziada da sala, mas não havia mudas de roupas para serem usadas,
nem ricas e custosas camas para deitar-se, onde pudessem descansar.34

Só mais tarde, no Cinquecento, é que esta combinação de jantar e giochi d’acqua


(jogos d’água) iria se transformar numa característica essencial de todas as vilas.
Primeiro foi desenvolvida a loggia, ou varanda.

130
o ritual renascentista

Embora as primeiras vilas suburbanas, elaboradas a partir de casas de


fazenda, já apresentassem tipos primitivos de loggia, foi a Vila Belvedere, do
arquiteto Lazzari Bramanti, que recriou pela primeira vez o espaço para o jan-
tar de verão na Antigüidade clássica.35 A Vila Belvedere, erguida por volta de
1485, foi no começo um pavilhão de recuperação para o papa Inocêncio VIII.
Aos poucos, no entanto, passou a incorporar muitas das delícias da antiga vila
romana. Sua situação geográfica, no cume do monte Santo Egídio, por trás do
Vaticano, parecia uma réplica dos textos clássicos e proporcionava uma vista
magnífica. A estrutura primitiva — um pavilhão com varandas — destinava-se
a repastos à tarde ou no começo da noite. Vasari relata que fora decorada por
Pintoricchio: “cheia de paisagens, ali eram retratadas, à maneira dos flamengos,
Roma, Milão, Gênova, Florença, Veneza e Nápoles”. Desta forma, estabeleceu-se
um precedente para a decoração da varanda de jantar na vila renascentista. Suas
paredes deveriam ser pintadas com afrescos de paisagens e vistas topográficas,
numa ilusão complementar aos panoramas das paisagens naturais vistas do lado
da loggia aberto para o campo. A escolha dos temas era uma resposta direta
aos livros de Vitrúvio e Alberti, publicados havia pouco. O primeiro, publicado
em Veneza no ano de 1486, registra que as alamedas cobertas nas vilas eram
adornadas com paisagens, “copiando as características de locais definidos. Nessas
pinturas há portos, promontórios, praias, rios, fontes, estreitos, templos, arvoredos,
montanhas, rebanhos, pastores ...”. Alberti endossava o repertório.36
Há uma boa descrição das refeições na varanda de Vila Belvedere numa
carta a Isabella d’Este, duquesa de Mântua. Em 1510 seu jovem filho, Federico
Gonzaga, refém na corte papal, ficou hospedado na vila. O agente mantuano em
Roma escreveu para a mãe de Federico relatando como Federico vivia ali, dizendo
que “ele comia numa bela loggia dando para toda a planície, um lugar que pode
ser chamado verdadeiramente de Belvedere...”. Mais tarde, em junho de 1511,
descreveu um banquete na vila:

Todos os tipos de iguarias foram levados à mesa. Um jovem se adiantou e foi apre-
sentado ao senhor Federico, ... e recitou alguns versos para todos os serviços. ... Após
o jantar apresentou-se outro, que tocou o monocórdio muito bem; veio então um
músico, e tocaram violino e cantaram. Após essa adorável diversão ergueram-se da
mesa — e foram para fora, para aproveitar os agradáveis gramados.37

Ainda mais impressionante que a Vila Belvedere foi sua sucessora, a Vila
Farnesina, construída pelo banqueiro papal Agostino Chigi a partir de desenhos
de Baldassare Peruzzi.38 Ficava às margens do Tigre, e sua construção se deu entre
1505-8 e 1510. Dinheiro não era problema. Também ali havia uma varanda para
jantar, desta vez no lado nordeste do jardim e separada da casa. Em alguns aspectos,
lembrava uma varanda construída nas proximidades pelo cardeal Farnese uma
década antes, também um pavilhão em arcos e aberto. Mas havia uma diferença.

131
banquete

Agora o cenário antigo destinado aos jantares situava-se no topo de outra recriação
do passado clássico, uma gruta. Em 1520 Chigi recebeu nela o papa Leão X e os
cardeais, exibindo sua riqueza de maneira ostensiva. Ao fim de cada serviço as
travessas de prata eram jogadas no rio. (Ele não revelou que debaixo d’água havia
redes escondidas para recolhê-las.)
A vila, propriamente, tinha uma varanda que era parte da entrada principal,
muitas vezes também usada para jantares — sua decoração conta a história de
Cupido e Psiché, culminando no banquete nupcial. A Vila Farnesina foi cenário de
muitos dos mais extravagantes festejos de Roma nos anos que precederam o saque
de 1527. Em agosto de 1512, por exemplo, Leão X e 12 cardeais foram recebidos
na Sala delle Prospettive, e ao final o papa casou o anfitrião com sua amante. Em
outra ocasião o papa e sua comitiva foram recebidos num salão coberto de tape-
çarias que, ao final do evento, soube-se que eram os novos estábulos desenhados
por Rafael. (Nessa ocasião, algumas travessas de prata desapareceram durante a
festa. Chigi deu ordens para que não se mencionasse o assunto.)
Em meados do Cinquecento, a varanda de jantar havia se tornado parte essen-
cial de todas as vilas. Está presente, por exemplo, em edificações notáveis tanto
em Roma como no norte da Itália, como a Vila Madama (1516-27), desenhada
por Rafael e Giulio Romano, no Palazzo del Tè, em Mântua (1525-32), também
desenhado por Giulio Romano, e na Vila Giulia (1550-9), construída por Vignola
e Ammanati para o papa Júlio II.39 Em alguns casos, no entanto, as instalações para
o jantar eram tão mais elaboradas que merecem consideração em separado.
A Vila Farnese, em Caprarola, é um desses casos.40 Em 1556, o cardeal
Alessandro III Farnese encarregou Vignola de retomar os trabalhos no palazzo.
Profusamente decorado com afrescos pela família Zuccari, ele foi terminado
em 1573. Aqui, o que era especificamente uma varanda de jantar ocupava o
centro da fachada no primeiro andar — o piano nobile —, de onde os comensais
podiam avistar abaixo, através de cinco grandes arcos, a pequena cidade e o
campo até o horizonte. A parede interna tinha um conjunto de arcos pintados
que emolduravam as paisagens das quatro estações; as outras paredes, mais
uma vez seguindo o Belvedere de Bramanti, mostravam vistas topográficas dos
territórios dos Farnese, com as cidades de Parma e Piacenza como pontos focais.
Numa das extremidades da varanda havia um elemento tirado inspirado nos
refeitórios de mosteiro, o lavabo ou pia de água, mas este era cercado por crianças
e um Cupido adormecido. Acima dele, um relevo de estuque retratava Enéas
e Roma, através da qual corria o rio Tibre. É interessante observar que, quando
visitou a vila em setembro de 1578, o papa Gregório XIII jantou na Salla della
Cosmografia imediatamente adjacente, e não na varanda. Sem dúvida o tempo
não era favorável — o dia foi marcado por pancadas de chuva.
O formato decorativo de Caprarola foi repetido pouco depois, na década de
1560, na Vila Lante, em Bagnaia, também desenhada por Vignola. O proprietário

132
o ritual renascentista

era o cardeal Francesco Gambara, bispo de Viterbo e parente do cardeal Farnese.41


Lante tinha uma varanda de jantar num pavilhão ao rés do chão, mas as paredes,
como as da Vila Fornese, eram decoradas com vistas topográficas. Era, porém, uma
propriedade modesta. Muito mais interessantes eram as grandiosidades da Vila
d’Este, em Tivoli,42 um estupendo bloco de edifícios desenhado pelo arqueólogo
Pirro Ligorio para o cardeal Ippolito d’Este II, patrono das artes e ávido colecionador
de antigüidades. Os trabalhos começaram ali em 1565 e prosseguiram por duas
décadas, incorporando instalações para jantar em grande escala. Iniciada naquele
mesmo ano na parte sudoeste do terraço em frente ao palácio, a varanda de jantar
consistia de três grandes arcos, cada um voltado para uma paisagem estupenda,
fosse a do famoso jardim, com suas fontes incríveis, fosse a do campo. Do lado do
terraço uma porta se abria para um corredor que dava diretamente nas cozinhas.
Na Vila d’Este, as pinturas ilusionistas limitavam-se ao salotto interior, decorado
segundo um esquema que repetia exatamente o de Caprarola. Também tinha
um lavabo. Colunas jônicas retorcidas, frutas e guirlandas de flores emolduravam
paisagens das várias vilas do cardeal, enquanto no teto se via uma festa dos deuses.
Destinava-se a ser usada no verão, portanto não havia lareira.
A multiplicação de aposentos para as refeições, associada ao novo estilo de
vida, não tinha equivalente no resto da Europa. Incluía casas em árvores, em grutas
e pavilhões espalhados pelos terrenos e bosques que cercavam a vila. O arquiteto
da Vila d’Este, por exemplo, desenhou um pavilhão para o papa Paulo IV incorpo-
rando elementos da coleção papal de antigüidades. Retratava uma gruta de ninfas,
um pátio oval com uma fonte ao centro, ladeada por dois pavilhões menores, com
varandas onde o papa, seus amigos e família podiam jantar à sombra das árvores,
refrescados pelas leves brisas.43 Os jardins da Vila Lante também possuíam insta-
lações para jantar, entre elas duas varandas equipadas com mesas de pedra. Mais
espetacular era a fonte da mesa, construída num terceiro terraço. Essa mesa, que
se estendia por todo o terraço e tinha uma calha no centro por onde corria água,
inspirava-se diretamente na descrição de Plínio dos pratos flutuantes em sua vila
toscana. Também em Caprarola os cenários de jantar multiplicavam-se. O chamado
barchetto, construído em 1584 entre as árvores de uma colina e ao qual se chegava
por uma gruta, uma catena d’acqua e jardins, proporcionava uma maneira alternativa
de jantar, a uma distância confortável das pompas do palazzo.44
Uma construção como o barchetto captava exatamente o espírito da fantasia
maneirista comum nos locais onde se jantava na segunda metade do século, e
eventualmente se torna para nós um exemplo permanente do que foi criado apenas
como decoração temporária para os banquetes. Não muito longe da Vila Lante
está o mais bizarro de todos os jardins maneiristas, o Sacro Bosco, em Bomarzo. A
entrada era pela boca do inferno, que levava a uma câmara.45 Do lado de fora, a
ameaça de narinas de onde saía fogo e de olhos arregalados e enlouquecidos, com
uma inscrição que nos desafia: “Deixai todas as preocupações, vós que entrais.” No

133
banquete

entanto, um desenho datado de 1604 mostra uma mesa dentro desta sala, com
um homem comendo, enquanto a um canto um músico toca alaúde. Trata-se,
na verdade, de um lugar para jantar que deve ter oferecido uma extraordinária
combinação de estímulos psicológicos contrastantes, horror externo com delícias
sensuais internas. Havia uma gruta de jantar semelhante na vila florentina de Pra-
tolino, criada por Bernardo Buontalenti para o grão-duque Francesco na década
de 1570.46 Nela, uma mesa octogonal tinha orifícios por onde copos e garrafas
eram mergulhados na água fria da fonte que borbulhava por baixo. (Infelizmente
para os comensais, o borbulhar não parava aí. Enquanto estavam distraídos com
uma apresentação de autômatos, jatos ocultos vindos de baixo os encharcavam
com a mesma água da fonte.)
Plínio o Velho, em sua Historia naturalis, descreve o nidium, ou ninho do
imperador Calígula, construído nos galhos de um plátano, que podia acomodar
15 convidados e os servos necessários. Na Vila di Castello dos Médici, na década
de 1540, o arquiteto Niccolò Tribolo duplicou essa maravilha num carvalho ao
qual se chegava por uma escada coberta de hera. Os assentos no interior eram
feitos de folhagens vivas. Mais tarde, em 1570, Buontalenti criou outro nidium em
Pratolino, desta vez equipado com uma escada dupla que levava a um aposento
com uma mesa de jantar, bancos e “brincadeiras aquáticas”.47
As vilas de Andrea Palladio no Vêneto não ofereciam tais excessos fantás-
ticos.48 Na verdade refletiam a preocupação dominante com a hierarquia e os
postos. Isso se representava no salão central, ou sala, um grande espaço concebido
para entretenimentos como casamentos e banquetes. Não faltavam varandas nas
vilas de Palladio, mas o ambiente de jantar assumia outras formas, uma das quais
foi evocada num óleo de Benedetto Caliari, da década de 1570 ou 1580. No
primeiro plano vê-se um ancoradouro num canal. Nele uma senhora está prestes
a entrar numa gôndola. Outra está sentada num banco, pescando. O ancoradouro
fecha uma perspectiva que se estende por uma pérgola enfeitada com folhagens
a um jardim, e daí a uma vila clássica. A pérgola destinada aos jantares é aberta
dos lados para atrair as mais leves brisas e protegida do calor do sol por um teto
coberto de plantas e uma cortina num dos lados, que pode ser erguida ou abai-
xada, conforme a hora do dia. Nela vê-se uma mesa coberta com uma toalha
branca e um servo arrumando-a. Nenhum outro quadro condensa tão vivamente
a revolução no jantar provocada pela vila renascentista.
Infelizmente ao norte dos Alpes a história era muito diferente. Afinal, o clima ali
não favorecia tais delícias ao ar livre. Além disso, países como a Holanda e a França,
devastados pelas guerras religiosas no final do século XVI, dificilmente teriam condições
para uma vida à maneira das vilas italianas. Os castelos franceses do Renascimen-
to foram construídos com uma salle haute, na qual só as pessoas do mesmo nível
aristocrático tinham permissão para comer. Chegava-se a ela diretamente por uma
escada externa. Embaixo havia uma copa, onde os criados comiam, a salle basse.49

134
o ritual renascentista

Porém, nos séculos XVI e XVII, os servos de nascimento nobre — o maître


d’hôtel e os écuyers — passaram cada vez mais a se opor a comer na salle basse com
os outros criados. Por conseguinte ganharam uma mesa na salle haute ou numa
sala separada. Olivier de Serres, em Le théâtre d’agriculture et mesnage des champs
(1601), recomenda outro arranjo, colocando a cozinha no primeiro andar, perto
da entrada, e depois “uma pequena sala de jantar pela qual todos eles tivessem
de passar quando fossem à cozinha; desta maneira [o mestre seria] nobremente
servido, sem se misturar com o resto da criadagem, e [manteria] todos eles traba-
lhando”.50 No final de século XVI, muitas famílias nobres preferiam jantar numa
sala separada de seu próprio chambre, chamada sallette; em poucas décadas esse
costume havia se espalhado bem longe na escala social, e logo a expressão salle à
manger ou sallette à manger começou a circular.
A Inglaterra dos Tudor, que não fora devastada por guerras internas, oferece
um material muito mais interessante sobre o desenvolvimento dos arranjos de
jantar.51 No século XVI a copa, embora ainda lugar de refeição dos servos, tornou-se
passagem para um novo aposento, a great chamber, ou, como algumas vezes era
chamado, a great dining chamber. Esta, como o salone central de uma vila paladia-
na, era um espaço multifuncional, mas manteve até o começo do século XVII sua
posição de cenário dos jantares cerimoniais do proprietário. Ali o lorde e sua lady
sentavam-se pomposamente sob um pálio, atendidos pelo mordomo (encarregado
de conduzir os convivas a seus assentos), o trinchante e o escanção.
À medida que o século avançava, isso acontecia apenas em ocasiões espe-
ciais, embora essas ocasiões às vezes fossem realmente cerimoniosas. “Em grandes
festas”, diz um documento intitulado Algumas regras e ordens para o governo da
casa de um conde, do reinado de Jaime I, “quando o serviço do conde se dirigir
para a mesa, eles [os músicos] devem tocar cornetins, trombetas, sacabuxas e
outros instrumentos de sopro. Na hora das refeições devem tocar violinos, vio-
las e músicas lentas.” A comida seria levada em procissão pela copa (os que ali
estavam deveriam se erguer quando ela passasse) e depois seguir pela escada
principal até a great chamber.
No entanto, no final do século XVI as coisas tinham mudado. Na década de
1590 William Cecil, visconde de Wimbledon, comia em seu parlour [sala de visitas].
Este aposento — e a casa poderia ter mais de um — situava-se no andar térreo.
Passou a ser a sala de estar e de jantar da família e o lugar onde os convidados
mais importantes eram recebidos. Em meados do século XVI as camas já haviam
desaparecido desse aposento familiar. Foi quando surgiu o termo dining parlour. A
casa de sir Thomas Lovell, em Londres, já tinha um em 1524. Mais tarde, ainda no
mesmo século, encontramos parlours especiais para o inverno perto da cozinha por
causa do aquecimento. No começo comiam ali a família e os criados graduados.
Mais tarde, quando estes se tornaram muito numerosos, a família migrou para sua
própria sala de jantar privada. Isso não significa que fossem aposentos menores

135
banquete

ou com maior privacidade. No que diz respeito a banquetes, a Inglaterra ainda


daria uma notável contribuição à arquitetura de jantar do Renascimento. Mas essa
discussão deve esperar por nossa exposição sobre a resposta única do país a um
novo fenômeno — o banquete de açúcar.

O CONVIVIUM REVIVIDO

Já vimos como Platina argumentava que o prazer sensual decorrente do consumo


de alimento poderia, nas circunstâncias corretas, ser visto como honesta, ou seja,
honrado. Os humanistas — entre os quais, é claro, se incluía Platina — muito fizeram
para trazer o banquete ao palco central.52 O grande humanista florentino Marsílio
Ficino chegou a compor um pequeno tratado, De sufficientia, onde o celebrava
como uma das mais completas e equilibradas formas de experiência humana, em
que as funções do corpo e da mente se uniam: “Apenas a refeição em comum
[convivium] alcança todas as partes do homem, pois ... restaura os músculos, renova
os humores, revive a mente, refresca os sentidos, sustenta e aguça a razão”.53 As-
sim, o jantar à mesa era concebido como um microcosmo da boa sociedade, em
que as relações sociais eram forjadas, trocavam-se idéias de maneira civilizada e
estabelecia-se o respeito mútuo. Convivium, como os humanistas constantemente
lembravam ao leitor, era uma palavra derivada do verbo convivere, viver junto.
O fundamento para tal elogio se encontrava naturalmente nos clássicos. Ho-
mero, por exemplo, dá testemunho sobre o valor simbólico do banquete grego em
termos políticos, sociais e culturais. Platão, nas Leis, atribui ao banquete um papel
importante como parte da educação de qualquer cidadão. Para os atenienses, era
um modo de controlar o prazer, pois à mesa o homem estaria a meio caminho entre
dois extremos, a razão e o delírio. Encorajado por esses textos, o banquete passou
a representar um ideal filosófico da Renascença, o equilíbrio entre opostos.
Michel Jeanneret, autor do único estudo importante sobre o papel do banquete
no pensamento renascentista, resume:

... a festa como lugar de prazer e de plenitude tem uma multidão de ressonâncias
no simbolismo da Renascença. Pela festa se expressa a confiança de uma época na
qual se acreditava que, com a graça de Deus, era possível para as pessoas crescer em
harmonia com a natureza, mesmo vivendo no coração da sociedade.54

Em termos renascentistas, o banquete era um modelo pelo qual a sociedade


ligava os homens aos deuses, demonstrava seu lugar no mundo natural e refor-
çava a interdependência social. Montaigne cita O jantar dos sete homens sábios, de
Plutarco, onde está escrito que remover a mesa da casa é causar sua destruição,
condenando os moradores à solidão, acabando a hospitalidade e ameaçando “o
primeiro ato e o mais humano de comunhão entre homem e homem”.55

136
o ritual renascentista

A ressonância simbólica da mesa de jantar se deslocou durante o Renasci-


mento. Até a Idade Média, a principal referência era sempre e fundamentalmente
a Última Ceia e sua reencenação no sacrifício da missa. Com a Reforma no século
XVI, protestantes e católicos travaram um feroz debate sobre a natureza da euca-
ristia.56 Uma das conseqüências foi a diminuição do número de representações
visuais e simbólicas da Última Ceia. Em seu lugar aparecem os banquetes dos
deuses pagãos ou as festas nupciais mitológicas, como as de Cupido e Psiché e
de Peleu e Tétis. A natureza das imagens também se tornou muito diferente e
passou a apresentar espetáculos culinários não de restrição, mas de abundância,
com cornucópias de frutos, flores, baixela esplêndida e comida rica, que pareciam
incorporar todas as formas de prazeres sensuais.
Outra coisa que distingue a mesa do Renascimento de sua predecessora
medieval é a conversa.57 Em seu comentário sobre o Simpósio de Platão, Ficino
relembra como, provavelmente em 1478, a Academia platônica revivida na Vila
Médici, em Careggi, promovia um banquete para celebrar o nascimento e a
morte de Platão no dia 7 de novembro.58 Durante o evento, os comensais liam
e encenavam textos de Platão que forneciam evidências clássicas sobre o papel
central da refeição como arena do intelecto e ocasião para discursos e discussões
cultas. Em um trabalho acadêmico sobre a vida na Vila d’Este vemos, por exemplo,
como no jantar, quase certamente no salotto coberto de afrescos do andar térreo,
o cardeal Ippolito d’Este conduziria uma conversa erudita. Em dias muito quentes,
após a refeição, liam-se as Odes de Horácio “até que o calor diminuísse”.59 Um
exemplo ainda mais antigo dessa prática vem da corte de outro humanista, o rei
da Hungria, Matias Corvinus (c.1443-90):

Sempre há debates durante esses banquetes, ou são proferidos discursos sobre assuntos
honrados ou prazerosos, ou cantam-se poemas. Há também tocadores de cítara (citho-
roedi) que narram em sua língua nativa os feitos dos heróis, cantando à lira na mesa de
jantar. Este era o costume dos romanos, que de nós se propagou até os húngaros.60

Essa nova ênfase na arte da conversa inevitavelmente fez com que a comida
passasse a segundo plano. O extenso relato sobre as maneiras clássicas à mesa
apresentado por Plutarco em Conversa à mesa e O jantar dos sete homens sábios
insistia em que o prazer dos comensais não deveria derivar do comer e do beber,
mas apenas da conversa séria e do cerimonial da festa. Em Conversa à mesa, por
exemplo, Plutarco se concentra em tópicos como “os tipos de entretenimento mais
apropriados” para banquetes.61 Esses precedentes antigos podem explicar por que
os relatos das festas renascentistas raramente descrevem a comida. É uma atitude
que já podemos perceber em 1539, na festa nupcial de Cosimo I de Médici com
Eleonora de Toledo: “O número de pratos no banquete foi infinito, assim como
muitos tipos de iguarias em cada serviço. Não descrevo os particulares para não
perder tempo com uma coisa tão sem importância...”62

137
banquete

Ao tomar conhecimento de todo um grupo de autores clássicos, incluindo


não apenas Plutarco, mas outros como Cícero e Macróbio, os renascentistas ele-
varam o nível do jantar que, de uma satisfação puramente sensual, se transformou
em arena na qual a razão podia ser exercida pelo diálogo. Claro, isso acontecia
apenas nas mesas de humanistas e estudiosos, mas refletiu-se também nos hábitos
das classes estabelecidas e das emergentes. E também foi introduzido o cultivo da
conversa fútil e elegante. Aos antigos valores medievais de cavalheirismo heróico
juntaram-se então as exigências de educação e boas maneiras. A arte de falar como
concretização da arte de viver era o centro do programa educacional humanista.
A conversa bem informada à mesa era considerada um veículo para apagar as
diferenças e dissolver a hierarquia por meio de respostas leves e espirituosas.
Surgiram assim as regras de conversação. Escolhiam-se apenas os assuntos para
os quais todos poderiam contribuir. As duas faltas condenáveis num jantar eram
garrulitas e taciturnitas — garrulice e taciturnidade.63
Mais adiante, no século XVI, Montaigne escreveria: “Nenhum preparo é tão
doce para mim, nenhum molho é tão apetitoso quanto aquele que deriva da socie-
dade. ... Alcebíades, um conhecedor no que se refere à alegria, baniu até mesmo a
música da mesa, para que ela não perturbasse os prazeres da conversa.”64 Embora
Montaigne falasse para homens cultos, que encaravam a conversação à mesa como
meio de trazer a filosofia para a terra, em roupagens cortesãs ela rapidamente
descambou para a vacuidade polida. Num incidente descrito no quarto livro de
Stefano Guazzo, La civil conversazione (1574), um manual de comportamento cor-
tesão, a nobreza provinciana se reúne para um festejo em homenagem ao duque
Vespasiano Gonzaga. Nenhuma referência há à comida, pois seria vista como
algo vulgar. Em vez disso, toda a atenção se volta para o exercício extremamente
artificial de maneiras sofisticadas à mesa e as conversas fúteis.
O humanismo e o renascimento do classicismo também teriam um grande
impacto sobre as maneiras.65 No que se refere ao comportamento à mesa, a pu-
blicação mais importante foi De civilitate morum puerilium, de Erasmo, livro no qual,
entre outras coisas, o maior humanista da Renascença ao norte da Europa indica
o que é e o que não é aceitável à mesa no fim do período medieval, conforme
a perspectiva filosófica mais ampla do conceito renascentista de homem.66 As
boas maneiras, afinal de contas, colocam os seres humanos civilizados acima do
mundo animal e dos camponeses. Desta forma, elas podiam ser vistas como uma
base de retidão moral, substituindo o código da cortesia cavalheiresca. Erasmo
argumenta em favor do novo conceito de civilitas, as boas maneiras como um as-
pecto da boa cidadania. A prática dos modos corretos poderia elevar socialmente
uma pessoa. Assim, é fácil ver o apelo da civilitas para o que naquele período era
uma classe média que se expandia rapidamente. Embora Erasmo tivesse uma
predileção por comida e bebida, pregou moderação em ambas, bem como na
fala e nos gestos.

138
o ritual renascentista

Durante três séculos De civilitate morum puerilium reinou como manual clás-
sico. No ano em que apareceu em separado pela primeira vez, em 1530, teve
12 edições. Sua influência por toda a Europa pode ser avaliada pelas traduções:
inglês (1532), alemão (1536), francês e checo (1537), neerlandês (1559), sueco
(1620), holandês (1660) e finlandês (1670). O imenso sucesso dessa obra menor
mostra como as boas maneiras eram uma preocupação urgente não apenas para
Erasmo, mas para a sociedade contemporânea. Seu capítulo mais longo é dedicado
ao comportamento adequado ao comer.
Junto com muitos outros, o livro de Erasmo chegou num momento que
testemunhou a dissolução da velha sociedade feudal e o surgimento das cortes
absolutistas.67 Assim, essas cortes tornaram-se os berçários das boas maneiras. Numa
visão mais ampla, o refinamento ali promulgado era um aspecto do surgimento
de uma nova figura, o cortesão, ele também filho do movimento humanista na
Itália.68 Esse fenômeno foi institucionalizado num livro famoso, O cortesão (1528),
de Castiglione, que estabelece os atributos esperados em tal personagem: urbani-
dade, cultura, versatilidade, destreza na arte da conversa e prática inconsciente de
todas as graças sociais, inclusive maneiras impecáveis à mesa. As boas maneiras
também aparecem em outro manual famoso, Galateo (1555), de Giovanni della
Casa. Neste livro descreve-se como o bispo de Verona entreteve um certo conde
Ricciardo, “gentilissime cavaliere e di bellissime maniere” que — coitado! — mostrara-se
inadequado à mesa. (Estalava os lábios ruidosamente.) O bom bispo, ansioso em
corrigir a falha social, enviou Galateo para instruir o conde.
Tais publicações eram devoradas por toda a Europa, pois incentivavam o pro-
gresso pessoal por meio da prática do auto-aprimoramento. De repente despertou
uma consciência aguda de que as boas maneiras realmente tinham importância.
Ao mesmo tempo tornou-se cada vez mais difícil saber o que desagradava, ou o
que fazer e o que não fazer, à medida que a corte desenvolvia formas de etiqueta
cada vez mais complexas. Podemos ver tal processo de auto-aprimoramento numa
descrição de Cosimo, o primeiro duque de Florença, comendo em público. Sentado
sob um pálio à cabeceira da mesa, ele comia pouquíssimo, mas exibia ao mesmo
tempo as mais sofisticadas maneiras.69 Os Médici eram banqueiros, mas em seu
novo papel como governantes autocráticos da Toscana cultivavam ansiosamente
qualquer coisa que os colocasse à parte dos meros mortais.

O BANQUETE DO RENASCIMENTO

A partir da herança borgonhesa do final da era medieval, o banquete do século


XVI iria se transformar num evento altamente elaborado.70 Comida e sabor não
tinham qualquer importância naquela demonstração de superabundância e luxo,
os únicos indicadores de poder e status político na nova era das cortes. O hóspe-

139
banquete

de devia ser ator-espectador num tipo particular de ritual, governado por regras
específicas e com um único propósito: glorificar o anfitrião. Grandes acontecimen-
tos, como a visita de um governante a outro ou um casamento dinástico, eram
marcados primeiro pelo espetáculo público de uma parada triunfal, e depois pelo
espetáculo privado de um banquete no palácio, programa que ainda sobrevive na
Grã-Bretanha de hoje. Inicialmente mantinha-se a privacidade do banquete, mas
aos poucos, à medida que se evidenciou o seu poder de impressionar, tornou-se
costume admitir espectadores.
Em meados do século XVII, Giacomo Colorsi, mordomo do cardeal degli Al-
bizi, escreveu que “o homem que prepara um banquete tem tanto a fazer quanto
aquele que comanda um exército...”.71 Práticas que já vimos surgir na corte de
Este espalharam-se não apenas para outras cortes italianas, mas também para o
norte dos Alpes. Cada corte agora devia ter algum tipo de mestre-de-cerimônias,
responsável (como Messisbugo em Ferrara) por todos os aspectos da festa, da
decoração ao cardápio. Tal funcionário variava — podia ser o mordomo, o maestro
della casa, o scalco ou mesmo o trinciante. Em qualquer dos casos ele era como
o maestro de uma orquestra, com autoridade sobre todos, dos fornecedores de
ingredientes à equipe da cozinha e aos moços que levavam os pratos — os scu-
dieri ou camarieri, ajudados pelos incontri e paggi. O acontecimento final era uma
coreografia em grande estilo.
Independentemente do revestimento alegórico superposto à festa, suas
partes componentes permaneciam constantes. Agora é tempo de analisá-las.
Elas começavam com a seleção de um local e sua decoração. Os materiais sobre
esse assunto são abundantes nos arquivos da corte de Gonzaga, que, como a de
Este, mais do que tudo desejava impressionar.72 Quem visita o palácio ducal em
Mântua logo percebe que não se tratava apenas de decorar um único grande
salão para a ocasião; havia um conjunto bastante extraordinário de salas capazes
de acomodar acontecimentos importantes. A família interessava-se vivamente
por todos os detalhes, afinal, era com tais ostentações que ela apresentava uma
imagem de si própria aos convivas. Francisco II, por exemplo, escolheu tapeçarias
com a história de Tróia para a sala que abrigou o banquete nupcial para o casa-
mento da irmã Elizabeth com Guidobaldo di Montefeltro, duque de Urbino. A
mulher de Francisco, Isabella d’Este, que poderia ser apropriadamente definida
como uma vítima da moda renascentista, era obcecada pelos menores detalhes de
todas as festas. Por ocasião de uma homenagem à duquesa de Ferrara e Prospero
Colonna, em 1513, ela não só quis ver a descrição completa da decoração, mas
também uma demonstração do que seria tocado e cantado, a exata distribuição
dos lugares e o cardápio. Para os Gonzaga, tratava-se de ocasiões de prestígio,
administradas, no caso, pelo maestro della casa. A maior de todas foi o banquete
dado pelo marquês Federico em 1530, pouco depois de ter sido feito duque
por Carlos V. A morada clássica dos Gonzaga, o palácio do Tè, concebida e

140
o ritual renascentista

construída como um grande cenário dinástico, foi palco de uma opulência tão
esplêndida que deixou sem fôlego os que dela tomaram parte.
Naquele período, ainda mais do que no final da Idade Média, as festas eram
pretexto para uma exposição estonteante de objetos valiosos, expostos no que,
dependendo do país, era chamado de credenza — aparador — ou dressoir.73 Esse
tipo de decoração já altamente desenvolvido na corte borgonhesa seria adotado
e adaptado em termos de sua própria arte pela Itália renascentista. O historiador
Vasari descreve a credenza no afresco de Giulio Romano no palácio do Tè, retra-
tando o banquete de Cupido e Psiché, como carregada de “bizarros vasos, bacias,
jarras, taças ... em várias formas e estilos fantásticos”. A pintura de fato transmite
uma viva impressão de como eram arrumados aqueles aparadores para uma
festa ao ar livre. Uma mesa com prateleiras, coberta por toalha de linho branco,
aparece emoldurada por uma latada com folhagens artificiais. Os elementos sobre
a mesa são combinações extremamente exóticas de motivos clássicos, vegetação
e monstros fantásticos. Sabemos que os objetos não são puramente imaginários,
porque sobreviveram desenhos de Giulio Romano para a família Gonzaga, e eles
são exatamente do mesmo tipo.74
Um exemplo extremo de tal exibição foi o casamento de Maria de Médici,
sobrinha do grão-duque da Toscana, com Henrique IV, em 1600. O banquete
foi encenado na Sala del Cinquecento do antigo palácio da Signoria. Uma vasta
credenza na forma de um lírio carregado de jóias —referência tanto ao lírio da
cidade de Florença como à flor-de-lis francesa — tinha por cima um pálio de
tecido de prata, coroando uma exibição de cerca de dois mil pratos de ouro,
prata e prata dourada. Havia também pratos de pietre dure, bem como parte da
coleção ducal de peças em bronze, em particular o conjunto de Giambologna
dos 12 trabalhos de Hércules.75
Tais exibições nunca tinham função utilitária, embora isso seja difícil de pro-
var. Benvenuto Cellini lembra em sua autobiografia uma encomenda do cardeal
de Salamanca, um jarro para água, descrevendo-o como do tipo usado apenas
para decoração em aparadores.76 O fato de que conjuntos de pratos fossem feitos
especialmente para exibição, e não simples conjuntos desencontrados de peças
valiosas, sustenta tal afirmativa. A cidade de Paris presenteou duas rainhas da
França, Catarina de Médici, em 1549, e Elizabeth da Áustria, em 1571, com tais
conjuntos por ocasião de sua chegada triunfal. O de Catarina consistia de 27
peças de prata dourada salpicada de flores-de-lis.77 Um inventário dos pratos de
Felipe II de Espanha feito em 1554 traça uma clara distinção entre peças para
uso e peças para exibição.
A moda dos conjuntos combinados de pratos para exibição refletiu-se em
outra novidade revolucionária, a introdução de novas e muito mais luxuosas
formas de cerâmica. Elas não apenas mudaram radicalmente a aparência da
mesa, mas também implicaram a produção de serviços feitos apenas para se-

141
banquete

rem exibidos. O mais antigo foi encomendado por Isabella d’Este, duquesa de
Mântua, em 1524: um imenso serviço de faiança pintado por Nicolò da Urbino
com as armas e divisas da duquesa e outros temas escolhidos por ela.78 Um
serviço desses era muito mais caro que os de prata e destinava-se a ser exposto
no aparador, de maneira a ser visto pelos convivas como quadros numa galeria.
Os temas de tais conjuntos eram quase sempre pictóricos e geralmente tirados
de textos clássicos, particularmente as Metamorfoses, de Ovídio.
Isabella ditou a moda. À medida que o século avançava, serviços desse tipo
passaram a ser um dos presentes mais requintados que um príncipe italiano podia
dar a um estrangeiro importante. Um serviço — do qual ainda sobrevivem várias
peças — parece ter sido encomendado pelo papa Paulo III como presente para Anne
de Montmorency em 1553, em gratidão pela ajuda na eleição papal. Decorado
com cenas das Metamorfoses, incluía pratos, travessas, castiçais e jarras, e era uma
obra importante da oficina de Guido Durantini de Urbino. Outro serviço do mesmo
artista foi para o chanceler da França, cardeal Antoine Duprat. Mais tarde Felipe
II foi presenteado com um serviço ainda mais grandioso, adornado com cenas da
vida de Júlio César desenhadas pelo pintor Taddeo Zuccaro. Na França, ao final
do século XVI, Bernard Palissy produzia elaboradas peças de cerâmica apenas para
serem exibidas no aparador. E serviços semelhantes eram feitos em vidro.
A produção italiana de cerâmica iria mudar a aparência da mesa, e a traves-
sa substituiu o prato de trinchar como recipiente para a comida no jantar. Isso
aconteceu primeiro na Itália, onde, durante o século XV, a técnica da faiança
decorada de azul cobalto e com brilho metálico foi importada da Espanha. Essa
técnica foi transmitida pelos árabes durante a ocupação do sul da península
Ibérica e difundiu-se para o norte até alcançar a ilha de Majorca (daí o outro
nome comum para a cerâmica, maiólica).79 Os italianos rapidamente aprenderam
a produzi-la, e por volta de 1480 haviam criado um estilo próprio. Este incluía
tanto os serviços suntuosamente decorados, para serem exibidos, como cerâmicas
para uso comum. Sua maior disponibilidade na Itália fez com que a prática de
partilhar vasilhas à mesa desaparecesse gradualmente; quando viajavam para os
territórios ao norte dos Alpes, os italianos mostravam-se horrorizados ao deparar
com o que passaram a encarar como uma barbárie social.
No final do Quattrocento, Lorenzo de Médici tinha um serviço de viagem
com cerca de 40 peças em sua vila de Correggio. Em 1518 Clarissa Strozzi en-
comendou um serviço de 48 peças alla porcellana. Os dois casos nos indicam a
multiplicação das vasilhas à mesa. Faenza, que iria se tornar um grande centro de
produção, desempenhou papel fundamental na constante elaboração de objetos
de mesa promovida pela corte de Este. Em uma das festas de casamento de
1565, por exemplo, foram usados 12 mil pratos de maiólica decorados com as
cores da duquesa.80 Um inventário do palácio paladiano de Montano Barbaran,
em 1592, mostra que a coleção de maiólica desse aristocrata veneziano incluía

142
o ritual renascentista

Uma credenza ao ar livre, carregada de pratos. Detalhe de um afresco de Giulio Romano,


palácio do Tè, Mântua, c.1524-35.

143
banquete

18 candelabros e 181 peças grandes e pequenas, todas decoradas com as armas


de Barbaran. E era muito bonita — num diário há o registro de um jantar na
vila “com muitos outros nobres e oficiais; o serviço de jantar era da mais bela
maiólica...”81 Tais pratos tinham em geral uma borda larga para a comida e uma
concavidade no centro para o molho. Esses serviços devem ter contribuído muito
para a unidade visual da mesa, algo desconhecido na Idade Média. Não que
o uso da maiólica escapasse à preocupação dominante com a hierarquia. Nos
acontecimentos mais importantes, travessas de ouro e prata continuariam a ser
usadas na mesa alta, com a maiólica presente nas mesas baixas. A multiplicação
dos objetos de mesa também significava que cada comensal tinha seu próprio
recipiente de bebida; já não se dividia o mesmo copo.
No meio de toda esta mudança surgiu o garfo.82 O viajante elisabetano Thomas
Coryat fala desses implementos na década de 1590 com um certo espanto:

Aqui mencionarei uma coisa ... que não é usada em qualquer outro país que eu
tenha conhecido em minhas viagens, nem creio que em qualquer outra nação da
cristandade se use, mas apenas na Itália. Os italianos, e também a maioria dos es-
trangeiros que estão na Itália, sempre, em suas refeições, usam um pequeno forcado
quando cortam a carne. Pois enquanto com a faca, que seguram com uma mão,
eles cortam a carne no prato, enfiam o forcado que seguram com a outra mão no
mesmo prato, de modo que qualquer um que, sentado na companhia de outros na
refeição, toque com os dedos a carne, de que toda a mesa vai cortar, dará motivo
de ofensa à companhia, por ter transgredido as leis das boas maneiras, de tal forma
que, por seu erro, todos farão caras feias, se não o repreenderem com palavras.
Essa forma de comer eu entendo que é geralmente usada em todos os lugares
da Itália. ... A razão para isso é sua curiosidade, porque o italiano não suporta de
maneira alguma que seu prato seja tocado com os dedos, posto que os dedos dos
homens não são todos igualmente limpos. Dessa forma julguei de minha parte que
seria bom imitar a moda desta maneira de cortar a carne com a ajuda do forcado,
não apenas quando estava na Itália, mas também na Alemanha, e muitas vezes na
Inglaterra, desde que vim para casa... 83

A associação do advento do garfo com uma súbita consciência de higiene ali-


mentar feita por Coryat é na verdade equivocada, pois a adoção do garfo tem
mais a ver com a hierarquia. Ele oferecia mais uma oportunidade para as classes
altas se distinguirem do campesinato. Na verdade, comer com os dedos sempre
foi perfeitamente higiênico. O comensal segurava o seu próprio pedaço de carne
firmemente com dois dedos da mão esquerda enquanto o cortava com a faca
segura pela mão direita. A técnica era muito prática, e isso explica por que levou
tanto tempo para que os garfos fossem adotados ao norte dos Alpes. Membros
da corte de Luís XIV ainda usavam os dedos na década de 1660.
Na verdade os garfos não eram muito difundidos na Itália durante o Quat-
trocento, embora se saiba que já existiam — em 1492 Lorenzo de Médici possuía
18 deles.84 As evidências sugerem que inicialmente eram usados apenas para

144
o ritual renascentista

iguarias especiais, como saladas e doces, em particular para frutas em calda. Seu
aparecimento mais espetacular num quadro foi registrado numa pintura feita por
Botticelli de um banquete nupcial, num dos painéis casone para o casamento de
um parente da família Médici, Giannozzo Pucci, com Lucrezia Piero di Giovanni
Bini, em 1483. Baseada numa história de Boccaccio, a cena mostra duas mesas,
uma para as damas, outra para os cavalheiros. São as mulheres que elegantemente
têm garfos entre os dedos. Uma referência explícita a seu uso aparece em 1536, no
grande banquete de boas-vindas para o imperador Carlos V. Cada conviva — está
registrado — tinha faca, colher e garfo. Só em 1563 os garfos aparecem de novo,
desta vez na grande tela de Veronese, Bodas de Caná (no Louvre). Representa uma
grande e principesca festa renascentista no estágio da sobremesa. À esquerda, a um
canto da mesa, uma senhora chupa o garfo pensativamente. No entanto, em 1549,
Messisbugo, no Banchetti, já falava deles como se fossem comuns. Tal aumento
de uso talvez tenha um pouco a ver com o aparecimento da massa como parte
da culinária italiana durante o Cinquecento. Henrique III descobriu o garfo quando
voltava da Polônia para a França pela Itália, e introduziu-o na corte francesa; mais
tarde os garfos seriam citados como símbolo da decadência dos Valois.85
Outra inovação italiana foi a cadena de prata. Michel de Montaigne, em
seu diário italiano, afirma haver visto cadenas num jantar dado pelo cardeal de
Sens, em Roma, em 1580:

... em frente àqueles a quem se desejava prestar honras especiais, e que estavam sen-
tados diante do senhor, colocam-se grandes quadrados [isto é, cadenas] de prata, nos
quais ficavam seus saleiros, do mesmo tipo dos que são postos diante dos grandes na
França. Por cima coloca-se um guardanapo dobrado em quatro, e sobre este guardana-
po, pão, faca, garfo e colher. No topo há outro guardanapo, que é para seu uso.86

Como conseqüência dessa mudança, aquela glória da festa medieval, a naveta,


foi reduzida a mero objeto de exibição.
As mesas sobre cavaletes continuaram em uso por todo o Renascimento
italiano.87 Os cavaletes eram em forma de “V” invertido na frente, mas tinham
apenas uma perna vertical atrás, facilitando o sentar-se daquele lado. Tais mesas
tinham a grande vantagem da flexibilidade — podiam ser montadas rapidamente
em qualquer lugar. No entanto, à medida que a sala de jantar privada ia ficando
corriqueira, as mesas permanentes passaram a ser mais comuns. O primeiro dese-
nho publicado de uma mesa dobrável apareceu em 1550, em Orléans, e sugere
que esse tipo de móvel já existia havia algum tempo, mas não esclarece se foi
inventado na Itália ou ao norte dos Alpes.
Um dos maiores rituais de qualquer grande festa era pôr as toalhas de mesa.88
Platina escreveu que elas deviam ser brancas. Caso contrário, acreditava ele, o
apetite diminuiria. Já no banquete nupcial de Costanzo Sforza com Camilla de
Aragão, em 1475, as toalhas foram trocadas várias vezes na mesa alta e duas vezes

145
banquete

A chegada do garfo. As damas da mesa à esquerda estão usando garfos de sobremesa. Banquete
nupcial de Storia de Nastagio degli Onesti, celebrando o casamento de Giannozzo Pucci com
Lucrezia Piero di Giovanni Bini em 1483. Pintura atribuída a Sandro Botticelli.

146
o ritual renascentista

147
banquete

Uma senhora chupa o garfo ao canto da mesa, durante a sobremesa.


Detalhe de Bodas de Caná, 1562-3, de Paolo Veronese.

148
o ritual renascentista

nas demais. Em geral os tratados do século XVI especificam três cobertas de mesa
sobrepostas: uma que se encontrava ao chegar, a segunda revelada no meio da
refeição e uma terceira para a sobremesa. Na edição de Fusoritto de Il trinciante
(1593), aprendemos que havia uma camada de couro entre as toalhas para evitar
que qualquer líquido as atravessasse e manchasse. No relato da festa de casamento
de Giulio Thiene, conde de Scandiano, há uma referência à troca de toalhas: “Logo
que as pessoas lavaram as mãos, e a toalha de cima, que era bordada de flores, foi
retirada, revelou-se outra toalha, trabalhada com flores e pássaros”.89
Se as toalhas de mesa tiveram um papel no espetáculo visual e na surpresa,
maior ainda foi o dos guardanapos. Eles passaram a ser engomados e exibidos
como uma forma de arte próxima à escultura de papel. Uma referência antiga a
essa prática aparece na descrição de um banquete dado em Roma em 1513, em
honra de Giuliano e Lorenzo de Médici, em que os guardanapos foram dobrados
de maneira a engaiolar um passarinho. Quando a peça era aberta pelo conviva, o
pássaro saía voando. Messisbugo sempre se refere aos guardanapos “divinamente
feitos” (divinamente fatte), em formatos variados, como chamas e pássaros. Fusoritto
descreve um banquete em 1581, pelo casamento de Guglielmo Gonzaga, duque
de Mântua, e Margherita Farnese, em que “os guardanapos ... eram deliciosamente
esculpidos, dobrando-se em colunas, arcos e troféus muito belos de se ver, assim
como a multidão de bandeiras com as armas de todos os senhores presentes à
festa”.90 Em 1639, Mattia Giegher estava em condições de publicar um Trattato
ilustrado sobre a arte.
Os guardanapos acabaram por se tornar puramente decorativos e não eram
usados de modo algum, mas durante o Renascimento passaram a ser constan-
temente empregados para limpar colher, garfo ou taça. Em geral os cavalheiros
colocavam o guardanapo sobre o ombro esquerdo. Um retrato que hoje está na
National Portrait Gallery, em Londres — celebrando a vida de sir Henry Unton,
diplomata elisabetano e pintado em data próxima à sua morte, em 1596 —, mostra
uma festa em que alguns dos comensais do sexo masculino (todos de chapéu) têm
guardanapos jogados no ombro esquerdo. Muitas outras fontes visuais comprovam
esse costume. Não obstante, tanto no quadro de Unton como nos demais, não há
sinal de guardanapo em muitos outros comensais masculinos. Devemos concluir
que em tais casos estava posto no colo, como acontecia com as senhoras.
Aparadores, utensílios de mesa, toalhas e guardanapos definem a cena para a
ação da festa, que não devia variar muito de corte para corte, embora os italianos
estivessem na vanguarda de qualquer apresentação nova. Na verdade o ritual era
padronizado. Para ilustrar esse fato não conheço descrições mais informativas dos
banquetes de corte em ação que os desenhos feitos por ocasião do casamento
de Alexandre, duque de Parma, filho da filha do imperador Carlos V, Margaret,
regente da Holanda, com Maria de Portugal.91 A regente promoveu as núpcias
em Bruxelas, no ano de 1565, numa escala magnífica, e a revivescência dos

149
banquete

A arte de dobrar guardanapos. Duas gravuras do Trattato de


Mattia Giegher, de 1639, registrando um vasto repertório de
formatos possíveis.

esplendores da Borgonha do século XV era uma tentativa de reforçar a lealdade


por parte de uma aristocracia inquieta com as políticas repressivas de Felipe II da
Espanha. É interessante ver até que ponto o estilo de festa da Itália havia avançado
para o norte. Quase todas as damas de companhia de Margaret de Parma eram
italianas, bem como um de seus três mordomos. A encenação dos festejos foi feita
como teria sido em Ferrara, pelo mordomo, o escanção e o trinchante. Havia três
banquetes no total, um no dia do matrimônio, o segundo, a própria festa nupcial,
uma semana depois, e o terceiro, oferecido pela cidade de Bruxelas ao casal, no
encerramento de um grande torneio em honra do evento. Destes, o mais esplên-
dido foi o segundo, realizado no grande salão do palácio, a 18 de novembro.
Por sorte, além dos desenhos existentes, um bolonhês chamado De Marchi
escreveu um relato detalhado do acontecimento. A sala foi coberta de tapeçarias,

150
o ritual renascentista

e num dos lados ficava a mesa alta sobre uma plataforma a que se chegava por
três degraus. Ali, sob um pálio, ao centro, sentaram-se a noiva e o noivo, ladeados
pela mãe do noivo, a regente e, do outro lado, o embaixador espanhol, represen-
tando Felipe II. O elevado status de cada figurante daquela mesa é confirmado
pelo fato de que estavam sentados em cadeiras. Três mordomos, junto com 30
cavaleiros e muitos outros mais, atendem às necessidades dos comensais da mesa
alta. Embaixo, no corpo do salão e no nível do chão, sentaram-se 112 senhoras e
40 cavalheiros. A ilustração mostra uma mesa em forma de “L” ocupada apenas
por homens, de modo que, nesse sentido, seu registro do festejo deve ser consi-
derado apenas aproximado. Mas eles são mostrados — com precisão, percebe-se
— sentados em bancos, indicação de sua inferioridade social. Perto da mesa alta,
à esquerda, há um cercado onde foram colocados os músicos da corte para tocar
durante o banquete. No primeiro plano vê-se um mordomo segurando o bastão
de ofício e supervisionando a entrada do serviço, precedido por trombetas e
tambores, num cortejo que passa ao lado do aparador, colocado sob um pálio e
carregado de travessas.
Nosso observador italiano anotou vários detalhes interessantes não captados
pelo desenho. Um deles foi a presença do que estimou em pelo menos dois mil
espectadores. Outro foi o fato de que os guardanapos haviam sido dobrados pelo
“maestro Giovanni Milanese”, prova da migração desse requinte italiano para o norte
da Europa. Giovanni dobrou os guardanapos da mesa alta de maneira a formar
dois castelos completos, com artilharia, infantaria e fogos de artifício (o noivo
era um importante comandante militar), e desfraldando as costumeiras flâmulas
heráldicas. Finalmente De Marchi observa que cada um dos oito serviços consistia
de pratos vindos de províncias específicas dos Países Baixos, como Flandres ou
Brabante, o que dava ao banquete uma conotação política, além de culinária. Antes
de deixarem a mesa, os convivas assistiram a uma mascarada com oito crianças
da nobreza escoltadas por músicos e tocheiros. A apresentação terminou com a
distribuição de ramalhetes de flores artificiais contendo sonetos em várias línguas
para os personagens mais importantes. Depois o salão foi esvaziado e seguiu-se
o costumeiro baile da corte.
Nesse relato podemos reconhecer elementos familiares das fêtes dos duques
de Borgonha no século anterior, mas eles estão fundidos sob uma nova feição
italiana. Além disso há uma deliberada ênfase na internacionalidade da ocasião,
em termos da comida e das línguas usadas. Espanhóis, italianos, flamengos e por-
tugueses estão lado a lado. É evidente nesse banquete a maneira como as modas
na culinária e no estilo cerimonial migraram de corte para corte, particularmente
as direta ou indiretamente ligadas aos Habsburgo.
Tais banquetes eram claramente o microcosmo da sociedade. O governante
e os principais convidados ficavam em estrados elevados. O assento de honra
podia ficar no centro da mesa alta ou numa extremidade (como no desenho da

151
banquete

Um grande banquete da corte, por ocasião do casamento de Alexandre, duque de Parma,


com Maria de Portugal. O cenário é o grande salão do palácio real em Bruxelas,
a 18 de novembro de 1565. Iluminura flamenga, final do século XVI.

primeira das três festas de Bruxelas), mas a hierarquia sempre era observada tanto
nos lugares como nas diferenças de nível. Algumas vezes havia uma sala separa-
da. Na Itália empregava-se uma sala chamada tinello para acomodar aqueles cuja
posição era considerada muito inferior na escala social para estarem presentes na
reunião principal. Ser indicado para essa sala podia ser considerado uma afronta
séria. Quando alguns dos franceses que acompanhavam Henrique III em Ferrara,
em 1574, foram rebaixados ao tinello, reclamaram amargamente. Foram obrigados
a comer em serviços rústicos de cerâmica, sem facas ou garfos, “servidos por vilões
que puxavam e jogavam os pratos, e não por criados”.92
O status também se refletia no assento destinado ao conviva. Cadeiras estofa-
das e de braços eram reservadas aos príncipes, grandes senhores e, ocasionalmente,
às senhoras. A seqüência descia a uma cadeira com encosto mas sem braços, ao
tamborete e finalmente ao banco, muito inferior. As sutilezas dos assentos e as gra-
dações da hierarquia se tornaram cada vez mais complexas. Bastam dois exemplos.

152
o ritual renascentista

Na série de festejos encenados para o grande casamento dos Médici em 1600,


em Florença, quando Henrique IV casou-se por procuração com Maria de Médici,
imediatamente após a cerimônia no Duomo seguiu-se um jantar. A noiva do grão-
duque, que até então jamais recebera um lugar importante na mesa, tornou-se
rainha da França. Como num passe de mágica a metamorfose foi imediata. A
nova rainha foi escoltada até seu lugar na Salla delle Statue do palácio da Signoria
pelo embaixador francês, que, de acordo com a praxe, lhe entregou o guardanapo
(uma honra que seria contestada em outras cortes). Ela sentou-se sozinha sob um
pálio no que, embora grandioso, não passava de um jantar em família:

O grão-duque [seu tio] sentou-se a dois braços de distâncias da rainha, à sua direita,
com a grão-duquesa do outro lado; abaixo dele vinha a duquesa de Bracciano, numa
cadeira, depois o marido desta, signor don Virgínio. Em frente a eles estavam o exce-
lentíssimo signor Giovanni e o signor Antonio de Médici, tio e irmão, respectivamente,
da rainha. Mas eles sentavam-se em tamboretes e eram servidos em pratos abertos
[diferente dos pratos cobertos para os de posição mais elevada, uma proteção contra
a contaminação] e suas taças não estavam em sotto coppe [nas bandejas que os outros
tinham]. Como na França, ninguém bebia se a rainha não o fizesse...93

Quase 30 anos depois, Henrietta Maria, esposa de Carlos I e filha de Maria


de Médici, celebrou o aniversário em sua residência de Londres, Somerset House,
com a apresentação de uma peça teatral seguida por uma ceia. A ocasião não
era pública, mas certamente constituía um acontecimento da corte. Vemos aqui
mais uma vez que se fazia de tudo para preservar as distinções sociais. Uma sala
separada servia de tinello, onde “as senhoras inferiores e as damas de honra”
sentavam-se a uma mesa comprida com os servidores do embaixador francês. Na
sala principal, o rei e a rainha, junto com o embaixador, sentavam-se à mesma
mesa com vários senhores e senhoras. Desta vez o que chama a atenção é a
posição dos convivas em torno da mesa:

O rei e a rainha no meio, e à esquerda deles (com a distância de um assento) sentou-se


o embaixador, e à sua mão direita (com a mesma distância), a senhora marquesa de Ha-
milton, e assim o resto dos senhores e senhoras em volta da mesa, exceto apenas do lado
oposto de suas majestades (onde foi deixado lugar) para seu trinchante, escanção etc.94

Desta maneira, Carlos I e Henrietta Maria ficaram isolados do resto do grupo, de tal
maneira que a conversação, na melhor das hipóteses, deve ter sido bastante difícil.
O surgimento do scalco e do trinciante apenas serviu para acentuar todas as nuances
da gradação social. O papel do mordomo era manter olho vivo sobre os pratos que
chegavam e garantir que sua quantidade fosse adequada à posição dos comensais. A
função do trinchante era trinchar e servir a carne também de acordo com a hierar-
quia, sendo que as partes melhores deveriam ser reservadas para os que estivessem
na mesa alta, enquanto pedaços como miúdos eram encaminhados para as de baixo.

153
banquete

Banquete dado em honra de Cristiano III, rei da Dinamarca, por Bartolomeo Colleoni. O rei está
sentado sozinho à cabeceira da mesa, com seu trinchante servindo-o. Em deferência à sua posição,
está isolado dos outros comensais pela distância. Pintura de Marcello Fogolino, década de 1530.

Todas essas minúcias de etiqueta eram elaboradas a partir de aspectos já


presentes no final da Idade Média. O que havia de novo na Itália renascentista
era a mudança na estrutura efetiva da refeição. No Quattrocento, a seqüência
seguida era a do norte da Europa, que se abria com sopas de vegetais ou de
carne, lasanha, tortellini in brodo, todos os tipos de carnes guisadas e recheadas
servidas com molho; em seguida vinha o serviço de carnes assadas ao forno
ou ao fogo, com molhos picantes; depois um outro de alimentos fritos, mor-
tadela, tortas e empadões servidos com os clássicos molhos branco, verde e
de mostarda; finalmente uma sobremesa, consistindo de frutas cozidas ou
açucaradas, doces, nozes com anis.95 Durante o Cinquecento ocorreram duas
grandes mudanças. A primeira, como veremos, foi que o último serviço em
qualquer ocasião aparatosa se separou e passou a ser um grande conjunto
apresentado numa sala separada.

154
o ritual renascentista

A outra grande mudança envolveu a própria comida e a seqüência em que


era servida.96 A refeição do Renascimento italiano passou a usar muito mais hor-
taliças, enquanto a nova seqüência de serviços se relacionava com a credenza, a
mesa lateral em que se expunham e serviam pratos frios. A preferência deslocou-se
para as carnes brancas, como vitela e caça, indicadoras de status aristocrático; os
comensais podiam se imaginar como um grupo de nobres caçadores consumindo
o que haviam matado. A estrutura da refeição tal como surgiu no Cinquecento
desenvolveu-se no que se tornou o muito admirado servizio all’italiana, no qual
os pratos frios — servizi di credenza — eram apresentados em seqüências variadas,
alternando-se com pratos quentes — servizio di cucina. Por exemplo, uma refeição
poderia começar com antipasti da credenza, com iguarias como saladas e carnes frias,
tortas de frutas frescas, gelatinas, melão, uvas e biscoitos especiais mergulhados em
vinho Malvasia ou Trebbiano. Seguiam-se um ou mais serviços de carnes assadas,
fritas ou recheadas (em dias de jejum, peixes e crustáceos) preparados na cozinha.
Essa parte da refeição podia incluir rissoles, fricassês, empadões de carne, crostate
(uma espécie de torta), salsichas, ravióli, lasanha, macarrão, nhoque, pappardelle

155
banquete

(uma forma de macarrão), ganso e capão recheado. Era nessa estrutura que se
encontrava a enorme elaboração da culinária registrada em Opera, de Bartolomeo
Scappi. Ela é muitas vezes quase opressiva por sua riqueza e pela tendência para
coisas que hoje acharíamos profundamente repugnantes, como crostate de olhos
e orelhas de cabrito ou testículos assados de carneiro. Depois disso vinha outro
serviço da credenza, com legumes crus ou cozidos, tortas e pastéis, queijos, ostras
e cremes à base de leite. Finalmente (se eram servidos na mesa, e não em outro
lugar) candite confettioni, coisas doces como frutas em calda e sementes açucaradas.
A seqüência não era imutável. Romoli, Il Pununto, por exemplo, não alternava se-
qüências quentes e frias, mas organizava a refeição — como uma que ele preparou
para dias de peixe — com duas seqüências frias e duas quentes entre elas.
De maneira geral, o que era visto como servizio al’italiana alternava serviços
quentes e frios — frios da credenza, quentes da cucina. É uma seqüência que já
está clara em Platina, em meados do século XV. Mesmo quando os serviços se
multiplicavam, como ocorria nas grandes ocasiões, o ritmo era mantido. Basta
um único exemplo como ilustração. Em maio de 1583 o papa Clemente VII deu
uma festa em honra aos três filhos de Guilherme V, duque da Bavária, no castelo
de Santo Ângelo.97 Com muito destaque, o cardápio incorporou todas as fixa-
ções alimentares do banquete renascentista. Entre os pratos que consideraríamos
repugnantes estava o segundo serviço, que tinha um pintinho para cada conviva
acompanhado por um pastel com recheio de crista de galo, testículos e groselha,
grandes tortas recheadas com olhos, orelhas e testículos de cabritos, e cabeças de
bezerro desossadas e recheadas. No quarto serviço, os maiores destaques eram
um prato de testículos de capão e uma salada de pés de cabra.
Ainda mais típica era a maneira como se exibiam todas essas iguarias. A qua-
lidade dos ingredientes e o gosto cediam lugar à necessidade de ostentação como
parte da infindável ladainha de homenagens à coroa. (A procissão de apresentação
dos pratos num desfile deslumbrante tinha como resultado, é claro, que eles in-
variavelmente estavam tépidos ou frios ao chegar à mesa.) As mais espetaculares
peças de exibição, no caso do banquete papal para os bávaros, incluíam “pavões
brancos em suas penas, adornados com pérolas, corais e folhas de ouro e prata,
com brincos nas orelhas e perfume no bico”, um Hércules de marzipã brandindo
sua clava contra uma hidra de massa recheada de vitela picada, gemas de ovos
cozidas, pinhões, e “leões compostos de carne de lebre em grandes tortas”. O finale
foi um modelo do próprio castelo de Santo Ângelo, de onde saíam “faisões com
o bico vermelho, vestidos de roupas de ouro e prata, pequenas lebres e coelhos
brancos com colares de pequenos sinos em volta do pescoço e corais nas patas
perfumadas”. Havia um rei mouro montado num elefante com um castelo nas
costas cheio de pássaros vivos, uma hidra que vomitava arganazes e toupeiras
vermelhas, um cavalo de cuja boca voavam pintassilgos em tranças de prata, um
touro enfeitado de flores que era um autômato e andava pela mesa, e um navio de

156
o ritual renascentista

velas abertas, cheio de doces de Bérgamo. A culinária da festa era internacional, à


maneira de Scappi. Havia biscoitos de Pisa, tortas da Inglaterra, carnes cozidas à moda
florentina e francesa, tortellini recheados de queijo e presunto ao estilo alemão e
marmelada de Portugal.
Podemos ver como era uma destas mesas em dois quadros de Brueghel de
Veludo* que estão no museu do Prado, datados das primeiras décadas do século
XVII. Ambos pretendem louvar os sentidos: um celebra o paladar, e outro o pala-
dar, a audição e o tato. Brueghel é um brilhante pintor de naturezas-mortas que
transmite plenamente o luxo da mesa de banquete renascentista, seus atrativos em
termos de textura e cor, suas formas contrastantes. Há uma torta com penas das
quais se projeta uma cabeça de pavão, e outra com as asas, a cabeça e o pescoço
dourado de um cisne. Vemos lagostas, cascatas de ostras, a pele untada e brilhante
de aves assadas em pratos de estanho e, num dos quadros, um espantoso prato
composto com flâmulas heráldicas flutuando sobre um ramo de folhagens. Mais
do que qualquer outra fonte, exceto Bodas de Caná, de Veronese, estas pinturas
captam a essência do banquete renascentista como espetáculo.
No quadro dedicado aos três sentidos, uma mulher toca alaúde, evocando
um elemento que já vimos ser central em qualquer grande banquete na corte
de Este, a música. Ficino acreditava que a música era importante num banquete
por sua maneira de combinar os opostos, num apelo direto aos sentidos simul-
taneamente ligado à harmonia sobrenatural do cosmo.98 A integração entre
comida e música em Ferrara era imitada por outras cortes européias amantes
da música. Uma delas era a corte do pai dos jovens príncipes bávaros festejados
em Roma em 1583, Guilherme V da Bavária. Em 1568 o duque casou-se com
Renée de Lorraine, em Munique. A festa teve lugar no castelo e foi notável
pela integração do jantar com a música. As celebrações foram abertas com um
concerto de instrumentos de sopro que durou uma hora. Então os convidados
começaram a comer os antipasti ao som de uma obra em oito partes composta
pelo organista da corte e um moteto em seis partes de Orlando di Lasso, tocado
por um conjunto de cornetins e trombones:

Imediatamente [depois] foi trazido da cozinha o segundo serviço, ao som de


trombetas e tímpanos. ... Os músicos ducais tocaram várias composições de seis
partes. ... Durante o quarto serviço ouviu-se uma excelente peça a 12 vozes, ... com
seis instrumentos de corda, cinco sacabuxas, um cornetim e um órgão, ... com o
quinto serviço, ... o conjunto acompanhou seis cantores tocando viola da gamba

* Pieter Brueghel III (1568-1625), conhecido como Brueghel de Veludo, era o segundo filho de
Brueghel, o Velho.

157
banquete

num tom abaixo do normal, [junto com] seis flautas e um instrumento de teclado.
Com o sexto serviço ... os instrumentos, que soavam da maneira mais agradável,
eram um clavicêmbalo, uma sacabuxa, uma flauta, um alaúde — tocado magistral-
mente por um virtuoso, ... uma gaita de foles, um cornetim, uma viola da gamba,
e um pífano. ... O sétimo serviço: o conjunto consistia de 12 músicos, divididos
em três coros, ou seja, quatro violas da gamba no primeiro, quatro grandes flautas
no segundo [e] um dulzino, uma gaita de foles, um pífano e uma trompa doce
[em surdina] no terceiro.99

Deve ter sido uma noitada esplêndida.

Os sentidos do paladar, audição e tato evocados pelo banquete.


Detalhe de um quadro de Brueghel de Veludo, começo do século XVII.

158
o ritual renascentista

DA FESTA À FANTASIA

Um dos mais influentes livros de todo o Renascimento apareceu em Veneza em


1499. Hypnerotomachia poliphili, de Francesco Colonna, é uma romança alegórica
com uma diferença, pois o herói buscava sua amada Polia em viagem por uma
clássica e humanista terra dos sonhos. Um dos incidentes nesta fantasmagoria era
um banquete de sete serviços dado por uma rainha.100 Não apenas os convivas
trocavam de roupa para cada serviço, como os criados também trocavam de
libré. Cada serviço era prenunciado pela entrada de um estupendo bufê sobre
rodas, “cuja frente tinha a forma de barco ou taça, e a parte de trás a forma de
uma carruagem triunfal”. Todo novo estágio do banquete era acompanhado por
música. “Desta maneira”, diz o texto, “sempre se estava ouvindo música adorável,
escutando gentis harmonias, dando ouvidos a deliciosas melodias, respirando
deleitáveis perfumes e recebendo as mais prazerosas satisfações do apetite.”
Assim, por exemplo, uma roupa de seda púrpura (que Platina certamente não
aprovaria) salpicada de rosas era seguida por uma veste amarela mosqueada de
lírios do vale e narcisos. As iguarias variavam de pastéis coloridos com açafrão
e imersos em água almiscarada a peito de pavão com molho agridoce. O finale
envolvia cinco criados vestidos de seda azul pontilhada de ouro, distribuindo
frutas tiradas de um arbusto de coral, seguidos por uma fonte móvel salpicada de
jóias que girava e molhava os convivas. Finalmente vinha um balé interpretado
por 32 dançarinos vestidos como reis e rainhas.
O que Colonna invocava em sua imaginação estava na verdade muito pouco
distante da realidade. Festejos com nível de complexidade próximo a este eram
um fato na vida das cortes italianas ao final do
Quattrocento. O Hypnerotomachia poliphili foi
imensamente popular em outros lugares, tendo
sido elegantemente traduzido para o francês
por Jean Martin em 1546 (embora reduzido
a um quarto), e para o inglês por sir Robert
Dallington, em 1592 (que parou bruscamente
nos dois quintos do caminho). Mas o estilo de
banquete que descreve deve ter impressionado
seus leitores do norte da Europa pelo estilo
muito diferente a que estavam habituados. O
efeito seria reforçado pelo fato de que o livro
era cheio de ilustrações que deviam muito aos
trabalhos da arqueologia renascentista e aos
estudos clássicos. No caso da festa, estamos mais Bufê em forma de carruagem triunfal,
uma vez imersos numa recriação imaginativa do livro Hypnerotomachia poliphili,
dos banquetes da Antigüidade. Já encontramos de Francesco Colonna, 1499.

159
banquete

esse tipo de festa — com sua preocupação com a cenografia e a coreografia de


tipo extremamente complexo — organizada por Messisbugo e seus sucessores
na corte de Ferrara. É nada menos que o banquete como uma produção teatral
unificada, de um tipo jamais alcançado no sinuoso vaudeville da corte borgo-
nhesa, em que se fixa um tema único, e tudo, da decoração e librés às iguarias
figurativas e ao entretenimento, está submetido a ele.
O primeiro banquete com uma mise-en-scène elaborada e coordenada desta
forma deve ter sido o que celebrou o casamento de Eleonora de Aragão, filha
de Ferdinando I de Nápoles, com Ercole I, duque de Ferrara.101 As festividades
que marcaram o enlace se estenderam por três meses no verão de 1473. Ercole
e a corte de Este viajaram para Nápoles para buscar a noiva, que fez então uma
viagem triunfal até seus novos domínios, parando pelo caminho em vários lugares,
particularmente Roma. Ali foi-lhe oferecido um estupendo banquete por um dos
“sobrinhos” (muitas vezes um eufemismo para filhos ilegítimos) de Xisto IV, o
cardeal Pietro Riario, a principal força nos círculos humanistas romanos por trás
da revivescência do teatro e do drama antigos. Foi realizado diante do palácio
cardinalício, na praça dos Santos Apóstolos. Uma varanda temporária foi erguida
e dividida em três aposentos cobertos de tapeçarias, ricos tecidos e engalanados
com flores e folhagens. A própria praça foi protegida do sol por um teto de
tecido, um valerium, e no centro uma fonte jorrava água perfumada, cuidada por
um jovem vestido de folhas douradas. Duas mesas com dez convidados cada
uma ocupavam a maior das varandas, e num palco à sua frente encenava-se
uma série de entreatos nos intervalos dos serviços do jantar.
O que coloca esse acontecimento à parte é que, em lugar dos disparatados
carros alegóricos e dos acidentes que podiam ocorrer nos jantares de uma festa
medieval, temos pela primeira vez um cenário que abarcava todo o aconteci-
mento, que durou cerca de sete horas. Os quatro entreatos no palco estavam
relacionados aos quatro serviços. Após cada um deles as mesas eram limpas e a
toalha era retirada, revelando outra de diferente cor, combinando com as librés,
também trocadas, dos servos. O faqueiro mudava de um serviço para outro, de
prata para ouro. As iguarias eram típicas do final do período medieval, com uma
luxuosa abundância de dourados, mesmo no pão, e o costumeiro desfile de pás-
saros e animais reconstituídos. Na dinâmica do banquete integrava-se uma série
de entreatos mitológicos que se referiam à noiva e ao noivo — Atlanta e Hipo-
menes, Jasão e Medéia, Hércules e Dejanira, Baco e Ariadne. Os cumprimentos
corteses feitos no palco sob a forma de diálogos, mímicas e canções ecoavam
na mesa no serviço final de sobremesa, um banquete de açúcar representando
três dos trabalhos de Hércules (numa referência ao noivo, Ercole) e castelos
cujos pedaços eram jogados para a multidão que a tudo assistia. Depois uma

160
o ritual renascentista

montanha sobre rodas entrou em cena, e dela surgiu um homem que se dirigiu
aos espectadores, seguido por Vênus, deusa do amor, num carro puxado por
dois cisnes. Isso levou a uma reencenação da história de Hércules e o dragão no
Jardim das Hespérides. O finale foi uma dança por oito casais mitológicos rude-
mente interrompida por centauros carregando escudos e clavas. Foi o pretexto
(mais uma vez em homenagem ao duque) para uma encenação da batalha entre
Hércules e os centauros — que, é claro, Hércules venceu.
Essa festa parece ter estabelecido o estilo para toda uma série de outras
similares no final do Quattrocento, criando assim o que só pode ser descrito como
um novo gênero, o banquete alegórico. Dois anos mais tarde, no casamento
de Costanzo Sforza com Camila de Aragão, em Pesaro, o banquete nupcial foi
supervisionado pelos habitantes do Olimpo, e os serviços quentes foram servi-
dos sob a égide do deus do sol, Apolo, e os frios sob a deusa da lua, Diana.102
Em 1489, no casamento de Isabel de Aragão com Gian Galeazao Sforza, Jasão
estendeu seu velocino de ouro sobre a mesa nupcial, Mercúrio apresentou um
bezerro e Diana, um veado.103
Um manuscrito na Pierpont Morgan Library, em Nova York, compilado por
um cozinheiro napolitano em algum momento da última década do século XV,
registra em detalhes toda uma série de banquetes. De longe o mais importante
foi o dado por Ascanio Sforza, nomeado cardeal em 1484, em honra ao príncipe
de Cápua.104 Consistiu de oito serviços, cada um dos quais apresentado por um
membro da hierarquia do Olimpo: Vênus, Júpiter e Juno trouxeram o serviço dos
assados; Diana e suas ninfas, o da caça; Netuno, num carro marinho, o dos peixes;
Jasão e três sereias, as geléias; Pan, o de coalhadas e laticínios, em cestas douradas;
e Pomona, o de frutas e doces com hipocraz. Vassouras douradas limpavam o que
havia sido jogado aos cães.
Há uma clara ligação entre essas festas tão extremamente organizadas e o tipo
de ceia imaginada por Messisbugo e seus sucessores com que abri este capítulo.
Já vimos como, ao longo do século, aquele formato passou a ser o padrão para as
grandes ocasiões na corte de Este. Mas tais espetáculos não se limitavam a Ferra-
ra. Dois outros exemplos mostram como a festa alegórica difundiu-se nas cortes
italianas à medida que a era renascentista dava lugar ao barroco. O primeiro foi
talvez o banquete mais espetacular desse tipo jamais dado. Realizou-se em 1600,
por ocasião das núpcias de Maria de Médici e Henrique IV.105 A festa marcou
um triunfo diplomático da mais alta ordem, o casamento do rei da França com a
jovem de uma família que, um século antes, formava um mero clã de banqueiros.
A máquina publicitária sempre funcionou nos festivais dos Médici, produzindo
livros e gravuras comemorativos. O ano de 1600 não foi exceção. Já descrevi a
gigantesca credenza, mas na ocasião foi criada em torno dela, na Sala del Cinquecento,

161
banquete

uma decoração arquitetônica. Era composta por estátuas douradas e exibia retratos
da noiva e do noivo, bem como de seus predecessores e protótipos, Henrique II
e Catarina de Médici. Duas grutas também tiveram seu lugar. A nova rainha e a
família, juntamente com os principais hóspedes, sentavam-se no alto, numa das
extremidades da sala; abaixo deles, três mesas, cada uma com cem damas, eram
servidas por cavaleiros. Os alimentos abarcavam todas as fantasias maneiristas. Na
mesa alta havia dois carvalhos aparentemente feitos de neve com folhas brancas e
guirlandas prateadas. Sob seus ramos acontecia uma caçada. Na mesa central das
damas, um leão rampante arrancava lírios do peito, enquanto, simultaneamente,
se metamorfoseava em águia imperial. Em certo momento da festa a mesa alta
dividiu-se em duas, que se separaram e transformaram em vasos. Enquanto isso,
do chão emergiu uma mesa com a sobremesa sob a forma de uma paisagem de
inverno. Um conviva deixou registrado que, nesse ponto, a iluminação diminuiu,
enfatizando dramaticamente o efeito do que estava por acontecer. Duas nuvens
brotaram lentamente das grutas laterais, pairando sobre a cabeça dos comensais, e
ao se abrirem revelaram os carros dourados e cravejados de jóias das deusas Juno
e Minerva, que compareceram para agraciar aquele “sobre-humano banquete dos
deuses”. Essas aparições aéreas debateram então sobre qual seria a presença mais
representativa, resolvendo-se finalmente a contenda com a eleição do próprio
casamento, quando um imenso arco-íris arqueou-se na sala. Depois disso a rainha
e suas damas dirigiram-se para a mesa do centro, que mais uma vez foi objeto de
uma transformação milagrosa. Usando horizontalmente e com destreza o periaktoi
(molduras giratórias empregadas verticalmente no palco para mudanças de cena), a
superfície da mesa girou, revelando primeiro espelhos que refletiam as pinturas do
teto glorificando os Médici, e depois um jardim de açúcar com pássaros canoros e
outras criaturas. A rainha presenteou suas damas com eles, enquanto os cavaleiros
ofereciam-lhes frutas e flores do jardim de açúcar.
A festa utilizou todos os recursos da corte dos Médici. Giovan Battista Guarino
escreveu os poemas para o debate das deusas, Emilio Cavalieri, a música. O resto
coube aos talentos combinados do multifacetado arquiteto e desenhista Bernardo
Buontalenti, o pintor Jacopo Ligozzi e o escultor Giambologna. Este último, junto
com seus assistentes, até mesmo desenhou a escultura de açúcar para as mesas
O segundo exemplo é bem mais tardio, de 1645. A 10 de fevereiro daque-
le ano, madame Reali, filha de Henrique IV e duquesa de Sabóia, celebrou seu
aniversário no castelo de Rivoli com um banquete alegórico.106 O acontecimento
também estava carregado de significado político: celebrava a restauração do equi-
líbrio político do ducado após anos de dissensão interna. Como todos os festivais
da corte de Sabóia, foi dirigido por um homem, um cortesão e conselheiro de
Estado chamado Filippo d’Aglié, que por 30 anos projetou os cenários para torneios,
balés e festejos. O banquete foi oferecido pelo filho da duquesa Cristina, o jovem
duque Carlos Emanuel, em honra à mãe e encenado em quatro salas diferentes,

162
o ritual renascentista

A festa como teatro. A duquesa de Sabóia e família presidem um banquete alegórico,


de um camarote situado acima, 1645. Iluminura italiana, século XVII.

uma após a outra. Cada sala representava uma diferente província do ducado,
com as paredes adornadas com painéis e os tetos com os brasões pertinentes. Para
enfatizar a natureza patriótica da festa, como no caso da festa de casamento de
Alexandre Farnese em Bruxelas, em cada uma das salas foram servidas iguarias
associadas à respectiva província.
Para nossa sorte, um notável registro visual de todas as festas de Sabóia
sobreviveu nas pinturas de um certo Tommaso Borgonio. Basta olhar para a que
descreve a província de Sabóia para sentir todo o sabor do acontecimento. A
duquesa, com seus véus negros de viúva, está sentada entre as duas filhas, Ade-
laide e Margherita. Elas ocupam um camarote ou pavilhão elevado ao qual se
chega por uma escada dupla. São servidas, entre outros, pelo scalco, o trinciante e
o coppiere (escanção) da duquesa. Abaixo 20 convidados sentam-se a uma mesa
que se estende até a credenza, com sua exibição de pratarias. Há dois conjuntos
de servos, um de libré marrom escuro e carmesim com franjas douradas, e um se-
gundo de preto com meias vermelhas. O primeiro parece tratar da bebida, e o
segundo, da comida. Atrás do bufê ergue-se uma decoração em forma de mon-
tanha, encimada por uma estátua de Sabóia, enquanto na parede mais comprida
há uma vista da fortaleza de Mommeliano. Esta, é claro, é apenas a primeira
sala; seguem-se mais três, dedicadas sucessivamente a Turim e Piemonte, Nice e

163
banquete

finalmente Monferrato. Após a refeição, todos foram para a sala del balletto, onde
dançarinos vestidos com as roupas típicas das diferentes províncias apresentaram
uma dança. No texto que acompanha suas pinturas, Borgonio enfatiza o tema da
festa — que os presentes se unam em defesa do ducado com suas armas e suas
artes, e também com devoção de mente e espírito.
Os festejos alegóricos eram em geral mais característicos das cortes italianas
do que da aristocracia do norte dos Alpes. Ali as tradições da Borgonha con-
tinuaram sendo observadas por todo o século XVI, e os festejos eram seguidos
por uma invasão de mascarados, como os presentes no banquete nupcial de
Alexandre Farnese em 1565. Um raro registro inglês desse tipo de acontecimento
aparece no retrato de sir Henry Unton, na National Portrait Gallery, em Lon-
dres. Sir Henry, a mulher e convidados estão sentados em volta de uma mesa,
enquanto no primeiro plano vemos avançarem a deusa Diana e um grupo de
ninfas. Mercúrio, o mensageiro dos deuses, parece estar declamando para lady
Unton, a uma extremidade da mesa. Esse tipo de conjunção íntima entre festejo
e entretenimento de corte deveria ser rompido no século seguinte, quando a
mascarada precisou dispor de uma sala própria e um palco. Comida e fête, tão
intimamente aliadas por toda a Idade Média, finalmente se separaram.
Há uma exceção. Não é de surpreender que tenha sido francesa e ocorri-
do sob a égide de uma Médici, Catarina. Aconteceu em Bayonne, na fronteira
franco-espanhola, a 24 de junho de 1565,107 como parte de uma estonteante
série de festividades envolvendo membros de ambas as cortes. No caso, era a
rainha quem convidava. Os convivas embarcaram num navio construído como
um castelo e desceram o rio Adour, onde passaram por várias deidades mari-
nhas, até desembarcar numa ilha. Ali foram saudados por dois músicos vestidos
como Lino e Orfeu. Três ninfas cantaram a paz entre os reinos, enquanto o
grupo caminhava por uma aléa verde até um pavilhão de banquetes octogonal,
construído em torno de um carvalho. Ao pé do carvalho, uma fonte borbulhava
numa gruta. O pavilhão era dividido em oito alcovas, cada uma com uma mesa
para oito pessoas. Uma mesa oval elevada destinava-se ao grupo real. Seguiu-se
a festa, exatamente à maneira italiana, acompanhada por músicos colocados nas
entradas do serviço. Cinco pastores e dez pastoras vestidos com roupas de ouro
e prata serviam os comensais. Uma vez terminada a festa, nove ninfas dançaram
ao som de música tocada por sátiros mascarados.
A filha de Catarina, Margarida de Valois, futura primeira esposa de Henrique IV,
descreve a ocasião em suas memórias. Ela se refere a detalhes não registrados
em outras partes, como por exemplo o fato de que os pastores estavam vestidos
com roupas das diferentes províncias da França — uma alusão política — e que
caiu uma tempestade. Mas mencionar o acontecimento em suas memórias sugere
exatamente que o considerou incomum. E na verdade era. Uma manifestação tão
rigorosamente coordenada não era típica do Renascimento no norte da Europa.

164
o ritual renascentista

Uma majestosa mascarada encabeçada por Mercúrio e Diana faz sua entrada num banquete
do final da era elisabetana. Detalhe de Memorial Picture of sir Henry Unton, c.1596.

165
banquete

Existem evidências de que nem todos eram tão facilmente seduzidos pelo
dramático crescimento de prodigalidade em tais espetáculos culinários. Na penín-
sula Ibérica ocorreu uma forte reação contra a adesão do imperador Carlos V aos
excessos e espetáculos borgonheses. O grande inquisidor Torquemada, em seus
Coloquios satiricos (1553), elogia a “antiga frugalidade e a simplicidade espanhola”,
em contraste com as mesas servidas à la flamande. Quando estava na Espanha, o
imperador tinha o cuidado de não exibir qualquer ostentação.108
Giorgio Vasari, em sua biografia do escultor florentino Giovan Francesco
Rustico, nos apresenta um outro ponto de vista crítico.109 Rustico formou um
grupo que se autodenominava Companhia do Caldeirão e que encenava ban-
quetes. Cada membro podia convidar quatro pessoas e deveria levar um prato.
O resultado parece ser uma paródia deliberada da decoração e da comida de
um grande banquete da corte dos Médici. Numa dessas reuniões, os comensais
foram colocados em volta do que parecia ser um enorme caldeirão, de tal maneira
que pareciam estar sobre a água fervendo. Os pratos eram versões infames das
comidas figurativas da corte:

Na sua vez, Rustico apresentou um caldeirão feito de massa, em que Ulisses assava o
pai para rejuvenescê-lo, sendo que as duas figuras eram capões em forma de gente.
... Andrea del Sarto [o pintor] apresentou uma igreja octogonal como a de são João,
mas apoiada em colunas. O pavimento era feito de gelatina, parecendo um mosaico
multicolorido; as colunas, que pareciam de porfírio, eram salsichões; as bases e capitéis,
queijo parmesão; as cornijas eram de massa e açúcar, e os aposentos, de marzipã.
No meio havia uma estante de música feita de vitela fria, com um livro de massa,
sendo as letras constituídas de grãos de pimenta. Os cantores eram tordos assados
com os bicos abertos, usando sobrepelizes de redanho de porco, e atrás deles havia
dois grandes pombos como base e seis cotovias como soprano...

Rustico era membro de outra companhia, a da Desempenadeira, que também


encenava festas desse tipo durante a segunda década do Cinquecento. Cada jantar
tinha um tema. Um deles era arquitetônico, e os convivas, vestidos de pedreiros e
trabalhadores, deviam construir um edifício com a comida, que ao final era devora-
da. O jantar mais memorável da Desempenadeira foi uma versão minuciosamente
invertida da festa alegórica típica das cortes italianas ao final do Quattrocento. O
tema era Ceres procurando a filha Proserpina no Mundo Inferior, e embora Plutão
se recusasse a abrir mão dela, convidava a todos para o banquete nupcial. Os
convidados entraram por uma porta com forma de boca de serpente:

... e se encontraram numa sala redonda iluminada por uma luz fraca ao meio, de modo
que mal podiam reconhecer um ao outro. Um demônio horrível com um tridente
levou-os a seus lugares na mesa coberta de negro, e Plutão ordenou que, em honra ao
casamento, os sofrimentos do inferno cessassem enquanto eles estivessem ali. Havia
pinturas descrevendo os defeitos dos condenados e seus tormentos; quando uma luz

166
o ritual renascentista

lhes era dirigida, surgiam chamas que mostravam a natureza do tormento. As viandas
tinham a forma de animais com a mais repulsiva aparência, mas por debaixo eram
feitas de carnes delicadas de vários tipos. Os exteriores eram serpentes, sapos, lagartos,
aranhas, rãs, escorpiões, morcegos e coisas assim, com as mais deliciosas viandas por
dentro. Eram colocadas diante de cada conviva com uma pá, e um demônio servia
vinhos escolhidos, mas de um feio chifre feito de vidro. ... Em vez de frutas, seguiram-
se ossos de gente, ... mas eram de açúcar.

E assim continuou a encenação até que, em certo momento, tudo isso foi
levado: “Foram trazidas luzes, e uma cena régia tomou o lugar, com servos de-
centes trazendo o restante de um banquete magnífico.” É difícil não acreditar
que os artistas responsáveis por essas paródias eram os mesmos que criaram os
maravilhosos eventos cortesãos ali caricaturados. Poderiam eles ignorar à custa de
quem estavam tendo noitadas tão agradáveis?

A REFEIÇÃO DE AÇÚCAR E O BANQUETE

Ainda não falei das conseqüências da introdução de um ingrediente, o açúcar,


que daria nascimento a um gênero próprio de refeição, em que coisas doces e
açucaradas eram servidas à parte o banquete. A devastadora paixão pelo açúcar
que varreu toda a sociedade mudou a composição da comida e deu um novo
ímpeto à prática de modelar ingredientes naturais em formas figurativas. Nada
o eclipsaria com esta finalidade.
O açúcar era pouco conhecido ou usado na Grécia e na Roma antigas.110 No
século VI, os árabes o levaram da Índia para o Oriente Médio, e de lá ele penetrou
o Mediterrâneo via Chipre, Creta, Sicília e Espanha. No final da Idade Média o
açúcar chegou ao norte da Europa vindo do leste por Veneza, mas era ainda uma
mercadoria relativamente rara. Tudo isso iria mudar subitamente em meados do
século XV, quando o cultivo da cana-de-açúcar, sob a égide dos portugueses, foi da
Espanha e da Sicília para a ilha da Madeira e as Canárias, em cujo clima floresceu.
No século seguinte foi introduzido no Novo Mundo — no Brasil e no Caribe —, e a
Europa passou a dispor de uma oferta abundante do produto. Os portos principais
de tal comércio foram inicialmente Gênova e Veneza, o primeiro desenvolvendo
a especialidade de frutas cristalizadas, e o segundo, todos os tipos de confeitos e
pastelarias, inclusive esculturas de açúcar. Mas Gênova e Veneza logo seriam eclip-
sadas por Lisboa e Antuérpia. O açúcar conquistou as cortes renascentistas graças
a propriedades tidas como de grande valor terapêutico. Considerado “quente”
em primeiro grau, supunha-se que, entre outras qualidades, auxiliava o estômago,
curava “doenças frias” e aplacava queixas pulmonares.
Já encontramos esculturas de açúcar, primeiro na festa dada em 1457 por
Gaston de Foix, e depois nos dois casamentos de Ercole I d’Este, em 1473 e 1491.

167
banquete

Em ambos os casos, carregadas em procissão, elas encerravam os festejos. Seu


propósito era não apenas proporcionar um espetáculo, mas prestar tributo tanto
aos anfitriões como aos convidados, numa bajulação simbólica. As peças eram
feitas de duas maneiras. O açúcar podia ficar maleável como cera e modelado, ou,
quando derretido, podia ser posto em moldes, e, depois que endurecia, trabalhado
com goivas. Daí o envolvimento dos grandes escultores do Renascimento. Em si
mesmo o açúcar tinha cor marrom, por não ser refinado, e os objetos feitos com
ele — conhecidos como trionfi — muitas vezes eram pintados e dourados.
O exemplo da corte dos Este foi rapidamente imitado.111 No casamento de
Costanzo Sforza com Camila de Aragão, em Pesaro, em 1488, foram apresen-
tados castelos de açúcar aos embaixadores. No mesmo ano, no casamento de
Guidobaldo da Montefeltro com Elisabetta Gonzaga, em Urbino, as esculturas
de açúcar incluíam não apenas castelos, mas cidades, fontes, pássaros e animais,
bem como dez árvores em tamanho natural. Nas núpcias de Cosimo I, duque
de Florença, em 1539, os festejos terminaram com a deusa Flora cercada por
cinco ninfas carregando presentes para os convivas, “feitos de açúcar e pintados
com uma cor natural. Também de açúcar eram as travessas, bacias e outros
recipientes com os presentes. Cada um era colorido de prata, ouro ou de outro
tom, conforme apropriado”.112
Gradualmente a seqüência de açúcar separou-se e tornou-se um aconteci-
mento particular, encenado numa sala à qual os convivas eram levados após o
banquete e o baile. Há um registro notável de um desses eventos, parte da grande
seqüência de festejos encenados em Binche por Maria da Hungria, regente dos
Países Baixos, no ano de 1549.113 As festividades tinham como propósito dar as
boas-vindas ao futuro Felipe II, herdeiro de Carlos V, que também estava presen-
te, junto com a rainha da França. À meia-noite, após o baile na corte, a regente
conduziu o grupo real ao que foi chamado de a salle enchantée, uma câmara cujo
teto era um céu artificial através do qual se moviam nuvens ao vento, revelando
estrelas sob a forma de lâmpadas que queimavam óleo perfumado. De um lado
da sala jorravam diferentes tipos de vinho de uma rocha, enquanto no centro
erguiam-se quatro pilares de jaspe maciço. Um desenho da cena mostra as três
seqüências da refeição descendo simultaneamente entre os pilares. Na verdade
elas chegavam uma de cada vez; à medida que uma tocava o chão, a seguinte era
baixada entre raios, trovões e chuva de granizo feita de dragées delicieuses de açúcar
cândi. A primeira mesa a descer era de porcelana, e nela havia todos os tipos de
conserva de tous les fruits imaginables. O que não se consumiu foi pilhado pelos
espectadores assim que o grupo real se retirou. A mesa seguinte era de cristal e
vidro, com doces de diferentes cores e cem tipos de conservas, todas brancas. A
última mesa a baixar estava coberta apenas de esculturas de açúcar: um veado,

168
o ritual renascentista

O banquete de açúcar na salle enchantée, em Binche, 1549. Desenho, meados do século XVI.

169
banquete

um javali, pássaros, peixes e, no meio, uma rocha de açúcar vermelho, tendo em


cima cinco loureiros com folhas douradas e prateadas e frutos de açúcar. Eram
enfeitados com as armas dos domínios da antiga herança borgonhesa e a eles
amarrou-se um esquilo com uma corrente de prata.
Dezesseis anos depois, no casamento de Alexander Farnese, houve duas
dessas refeições após o banquete nupcial.114 A primeira, parte da celebração da
corte, oferecia todas as formas imagináveis de confeitos (como em Florença em
1539). Era ainda mais notável pelo fato de que não apenas todos os pratos,
travessas e copos eram de açúcar, mas também facas, garfos, candelabros e até
mesmo o pão. Só a toalha de mesa não era. Diz-se que os convivas cercavam a
mesa apontando para as coisas e rindo. No entanto, tratava-se apenas de uma
preliminar ao principal acontecimento, um presente da cidade de Antuérpia. O
observador italiano Marchi escreve que só no casamento de Alessandro de Mé-
dici em 1536, em Nápoles, tinha visto esculturas comparáveis. Nada menos que
três mil esculturas descreviam a jornada da noiva de Lisboa até os Países Baixos
e sua recepção ali. Na representação, a viagem fora pontuada por tempestades,
baleias e monstros marinhos. Uma efígie de Alessandro esperava o desembarque
da noiva em Middelburg. A descrição registrava ainda o desfile triunfal do cortejo
por várias cidades antes de chegar a Bruxelas. Cada convidado pegou um pedaço
de escultura como lembrança.
Basta mais um exemplo. Em 1571 a cidade de Paris deu um banquete seguido
por um espetáculo de açúcar por ocasião da chegada de Elizabeth da Áustria.115
A festa aconteceu no salão do palácio episcopal, em meio a uma extraordinária
decoração esotérica imaginada pelo humanista Jean Dorat e executada pelo pintor
Niccolo dell’Abate. Dorat foi também quem concebeu as seis grandes esculturas
de açúcar desenhadas pelo escultor da corte, Germain Pilon. Elas ocupavam lugar
de honra entre cerca de 300 esculturas menores imitando cristal veneziano. Des-
critas como “grandes pièces de relief ... du sucre dorée et enrichy”, as grandes esculturas
tinham como tema a história da deusa Minerva, comparada à formidável figura da
rainha-mãe, Catarina de Médici, e se relacionavam ao que Elizabeth da Áustria vira
nos arcos triunfais que em sua honra haviam se erigido nas ruas. Elas profetizavam
um poderoso império ocidental para seu marido Carlos IX.
Um único desenho mostrando uma dessas refeições de açúcar do final do
século XVI sobrevive. É uma gravura que representa a encenação preparada para
o casamento de Johann Wilhelm, herdeiro do duque de Jülich-Cleve, com Jakobea
de Baden, em 1587. A escala não está certa: as figuras que passeiam no primeiro
plano fazem com que os elementos da mesa pareçam enormes. Os pratos colocados
na beira da mesa dão uma noção mais verdadeira. Mas a representação é, apesar
de tudo, grandiosa e imponente — as árvores, os animais heráldicos, um elefante

170
o ritual renascentista

com um castelo no dorso, um unicórnio, um urso, um pavão, um camelo, uma


girafa, um caçador, um pelicano rasgando o peito para alimentar os filhos e, no
meio de tudo isso, o castelo ducal com suas bandeiras ao vento e a figura do
duque no interior.
Na história dos jantares, a refeição de açúcar representa um exemplo de
algo novo e único imaginado na Inglaterra pela primeira vez.116 Ali o costume
do fim do período medieval de passar para outra sala onde os convivas se rega-
lavam com vinho e especiarias após o jantar evoluiu para algo mais complicado.
Durante o século XVI, como vimos, os servos comiam na copa, e a família e seus
convidados, na great chamber, nas ocasiões mais formais, ou numa sala de jantar,
nas menos formais. Mudar de cenário tornou-se costume para aumentar as de-
lícias do que, na Inglaterra, passou a ser chamado de banquet. E isso precipitou
a invenção da casa de banquetes.117

Refeição de açúcar por ocasião do casamento de Johann Wilhelm, herdeiro do duque de Jülich-Cleve,
1587. As pessoas no primeiro plano foram reduzidas ao tamanho de pigmeus.
Gravura, final do século XVI.

171
banquete

Entre 1549 e 1553, sir William Sharington construiu uma torre com duas
salas de banquetes, cada qual com uma mesa para sete pessoas, em Lacock Abbey,
Wiltshire. Perto dali, em Longleat House, no começo do período elizabetiano, sir
John Thynne pontilhou o telhado de sua mansão com pequenos quartos como
vasos de pimenta. Ali os hóspedes podiam combinar os prazeres do próprio
banquete com os do ar fresco e a paisagem do campo.
No reinado de Elisabeth essas características arquitetônicas eram de dois
tipos: salas de perspectiva, como as contruídas em Hardwick Hall, Derbyshire,
pela condessa de Shrewsbury na década de 1590, ou edifícios completamente
separados no terreno da propriedade, como a casa de banquetes desenhada por
Robert Lyminge para Blicking Hall, Norfolk, no período jacobiano. Francis Bacon,
filósofo e chanceler, tinha “uma curiosa casa de banquetes em arquitetura romana,
com chão de mármore preto e branco”, numa ilha. Como uma edícula comum às
grandes mansões, tais casas de banquetes deveriam durar até o século XVIII.
A palavra banquet passou a ser usada na Inglaterra na década de 1530,
para estabelecer a diferença com o termo feast.118 Ela conota também o desejo
humanista de reviver a arte da conversação. Em 1539 sir Thomas Elyot publicou
The Bankette of Sapience, um compêndio de ditos espirituosos e aforismos que
associava a forma de banquetear entre os Tudor com a arte revivida do discur-
so. Quanto às iguarias, embora o banquete tenha se iniciado com elementos
importados, como cascas de frutas cítricas em conserva, geléias de marmelo
e conservas de frutas macias, logo seriam acrescentadas, como era típico do
norte da Europa com seus laticínios, alimentos como leite com canela, gelatinas
cremosas e água de rosas com queijo. Eram servidos com vinhos doces do sul
da Europa e uma elaborada variedade de biscoitos. Gervase Markham, em seu
The English Huswife (1615), explica como preparar uma dessas refeições com
“um prato de exibição apenas”, de tipo figurativo, e todos os outros pratos
arranjados em volta.
O mais completo relato de um banquete de açúcar elizabetiano, capaz
de rivalizar com os das cortes italianas, descreve a recepção oferecida à rainha
Elizabeth I em Elvetham, em 1591, pelo conde de Hertford, que estava ansioso
por cair em suas graças.119 Enquanto a rainha e seu séquito, ocultos numa galeria
construída para a ocasião numa colina, admiravam um lago artificial iluminado
por fogos de artifício, 200 cavalheiros escoltados por cem tocheiros lentamente
encaminhavam-se em procissão, colina acima, levando o banquete. A procissão
tinha à frente as armas da rainha e da nobreza e era seguida por uma variedade
de objetos associados com a guerra — castelos, canhões e soldados. (Naquele
momento os ingleses estavam em guerra com a França.) Depois vinham “qua-
drúpedes”, “tudo o que pode voar”, “todos os tipos de vermes” e “todos os tipos

172
o ritual renascentista

de peixes”. O marzipã era apresentado em todos os formatos, e depois vinham


frutas frescas e uma variedade de gelatinas, conservas, confeitos e balas.
Durante o período jacobiano o banquete se tornou indispensável nas noites
em que se realizavam mascarada.120 Após a ceia e a mascarada, o rei Jaime I levava
os convidados a uma sala no palácio Whitehall para o banquete. O que acontecia
depois nem sempre era edificante. Em 1605 o ataque às mesas foi tão feroz que
elas desabaram sob o massacre. Em 1613, por ocasião do casamento da filha única
do rei, Elizabeth, com o eleitor Palatino, havia “mesas compridas com milhares de
confeitos”. Não obstante, “num minuto tudo foi vorazmente devorado”.
Ben Jonson escreveu mais de um roteiro para os banquetes de seu patrono
William Cavendish, conde de Devonshire e mais tarde duque de Newcastle.121 O
mais delicioso é o que está ligado aos dois acontecimentos ocorridos no castelo
de Bolsover em 30 de julho de 1633, na presença do rei Carlos I e Henrietta
Maria em sua viagem para o sul após a coroação na Escócia. O elegante roteiro de
Jonson celebrava a bênção nupcial do par real, ligando-o à harmonia do reinado
e do cosmo:

Quando os sentidos estão em tão boa ordem


Colocados?
A Vista, o Ouvido, o Olfato,
o Tato e o Paladar,
Todos num mesmo Banquete.

A resposta é que o amor havia realizado esse banquete: “o Amor vai festejar
o Amor!”, num verdadeiro banquete para os sentidos, lembrando os quadros
de Brueghel de Veludo que evocavam a opulência das iguarias renascentistas.
Depois, terminado o primeiro banquete, o rei e a rainha retiravam-se, para ainda
serem entretidos com um diálogo irônico que satirizava o arquiteto da corte,
Inigo Jones, como coronel Vitruvius, e uma dança de autômatos. Em seguida
vinha o segundo banquete, muito mais ambicioso, pois era “trazido das Nuvens,
por dois Amores”.

REFEIÇÕES E O MISTÉRIO DA MONARQUIA

Loue’s Welcome to Bolsover usa uma refeição como veículo para celebrar a divindade
da realeza numa época em que se acreditava no direito divino dos reis. Durante a
Idade Média e o Renascimento, os monarcas raramente apareciam em público e
menos ainda comiam em público. Quando o faziam, num banquete de coroação,
por exemplo, aquele era um acontecimento tão importante para os que tinham o
privilégio de presenciá-lo quanto uma liturgia esotérica, embora ainda mais raro.

173
banquete

No século XVI, por toda a Europa o culto às dinastias ditou um movimento na


direção do absolutismo. Isso teve inevitavelmente grande impacto sobre a tradição
herdada das refeições reais e contribuiu para aumentar os rituais que enfatizavam a
divindade daquele que usava a coroa.122 Num banquete oficial na corte papal, por
exemplo, o papa comia sozinho no centro do salão, sobre um estrado quadrangular
com algumas polegadas de altura. Se o imperador estava presente, também comia
sozinho, em outro estrado, localizado num dos lados. De lá ele descia para oferecer
ao papa a bacia para lavar as mãos, como um símbolo explícito da subordinação
do regnum ao sacerdotium. Durante esse ritual todos ficavam ajoelhados. Cada
vez que o papa bebia, todos também tinham de se ajoelhar, como se estivessem
honrando a elevação do cálice na missa.123
Não há estudos sobre o desenvolvimento desse fenômeno, mas é claro que
a freqüência com que os governantes jantavam em público variava de corte para
corte, e que o costume se espalhou durante o século XVI. Na década de 1560,
havia alcançado as cortes bávaras, e na década de 1580, a Toscana, onde assumiu
um aspecto fortemente religioso. Sua introdução, na verdade, avançou junto com
a tendência crescente para que a corte tivesse um local fixo no palácio, aprofun-
dando sua definição como um mundo à parte, um recinto sagrado em que as
regras preservavam e incrementavam a distância social.
A vinculação entre o jantar do rei em público e a cerimônia da missa, já
muito desenvolvida na corte borgonhesa, foi construída pelos descendentes line-
ares daquela corte, os imperadores e reis Habsburgo. Inicialmente o imperador
Carlos V só cumpria o ritual borgonhês quando jantava em público. Ele entrava à
frente de uma procissão. As facas eram arrumadas na mesa com a forma da cruz
borgonhesa. Suas mãos eram lavadas enquanto os pratos eram descobertos para
que os escolhesse. Depois que o mais alto prelado presente abençoava a comida,
o imperador sentava-se sozinho à mesa, tendo um pálio sobre si. O espetáculo
era encenado apenas quatro vezes por ano, nas quatro grandes festas litúrgicas
de Natal, Páscoa, Pentecostes e Todos os Santos.
Em 1548 tudo isso mudou quando Carlos V introduziu a etiqueta borgonhesa
completa na casa do filho, o futuro Felipe II.124 Em conseqüência disso, o número
de serviçais na casa dobrou, e depois de semanas de ensaio com toda a panóplia
da velha corte borgonhesa Felipe jantou em público no estilo que seria mantido
até o final do domínio dos Habsburgo. Como antes, a cerimônia acontecia apenas
quatro vezes por ano, mas a Epifania — a Festa dos Reis — substituiu o dia de Todos
os Santos. Em Etiquetas de corte (1561), o cortesão espanhol Sebastian Gutierrez de
Parrega descreve o novo ritual. Começava com a mesa sob o pálio sendo posta
pelo ugier de sala na antecâmara da sala do trono. A mesa era colocada sobre um
estrado, de modo que os espectadores tivessem uma visão melhor. Um mordomo

174
o ritual renascentista

(um grande aristocrata) dirigia os trabalhos; seu privilégio mais zelosamente guar-
dado era apresentar o guardanapo ao rei. O principal mordomo de Felipe era um
grande soldado, o duque de Alba. Quando Felipe foi à Inglaterra em 1554 para
se casar com Mary Tudor, os ingleses rapidamente arranjaram uma festividade do
tipo borgonhês, mas cometeram o erro de designar outra pessoa para apresentar
o guardanapo ao rei. Alba ficou mortalmente ofendido. Os jarros de vinho e de
água assumiam um significado especial na cerimônia espanhola. O escanção devia
fazer uma genuflexão cada vez que punha vinho na taça do rei.
Os paralelos com a missa são muito claros aqui. Vistos no contexto da Ingla-
terra pós-Reforma, onde o cerimonial eclesiástico quase havia sido abolido, eles
ficam ainda mais evidente.125 A etiqueta estabelecida por Henrique VIII para o
jantar real sobreviveu até o século XVIII. No reino de Henrique, qualquer forma
de jantar público se dava na Câmara da Presença, também conhecida como a

Henrique VIII jantando em seu gabinete privado. Desenho atribuído a Hans Holbein, c.1540.

175
banquete

câmara de jantar ou câmara de honra. O rei em geral comia em seu gabinete


privado, onde o cerimonial também era elaborado. Ao final da refeição, por
exemplo, o rei ficava de pé, enquanto um criado de joelhos removia qualquer
migalha das dobras de sua roupa (o rei, é claro, jantava sozinho sob um pálio
e sobre um estrado). Então o mordomo e um cavaleiro levavam-lhe do local
da água uma toalha e a colocavam na extremidade da mesa, à direita do rei.
Um criado inseria uma vara sob a toalha e a desdobrava na mesa, fazendo
uma reverência ao passar pelo rei. No lado oposto, o mordomo, de joelhos,
esticava-a. Gestos semelhantes se seguiam enquanto eles faziam reverências e
se retiravam. Então dois nobres levavam a jarra e a bacia para o rei se lavar. Os
mesmos movimentos do mordomo e do criado eram feitos no sentido inverso,
para remover tudo — inclusive a mesa — e deixar o rei de pé sob o pálio. Temos
uma noção bastante precisa dessa seqüência graças a um desenho do final do
século XVI, no qual Henrique está sentado sozinho com uma multidão de criados
servindo-o, tendo um aparador ao lado.
Tudo isso fica ainda mais interessante no reinado de Elizabeth, sua filha.
Embora ela jamais comesse em público, o ritual do jantar diante dos cortesãos
era encenado todos os dias, como se eles lá estivessem. Visitantes estrangeiros
testemunharam e descreveram o acontecimento. Paul Hentzner, por exemplo, fez
em 1598 um relato de um acontecimento quase surrealista:

Um cavaleiro entrou na sala levando uma vara e junto com ele um outro, com uma
toalha de mesa; depois que os dois se ajoelharam três vezes com a mais profunda
veneração, a toalha foi estendida na mesa; ajoelhando-se outra vez, ambos se reti-
raram. Então vieram outros dois, um, mais uma vez, com a vara, o outro com um
saleiro, um prato e pão; e após se ajoelharem como os anteriores, e colocarem na
mesa o que traziam, também se retiraram com as mesmas cerimônias realizadas pelos
primeiros. Finalmente entrou uma dama solteira (disseram-nos que era uma condessa)
e junto com ela outra dama casada, trazendo uma faca de prova; a primeira estava
vestida de seda branca; depois de se prostrar três vezes da maneira mais graciosa,
aproximou-se da mesa e esfregou os pratos com pão e sal com tanto cuidado como
se a rainha estivesse presente. Após algum tempo de espera, o comandante da
guarda entrou, de cabeça descoberta, vestido de escarlate, com uma rosa dourada
nas costas, trazendo de cada vez um serviço de 24 pratos servidos em travessas em
sua maioria douradas; estes pratos foram descobertos por um cavaleiro na mesma
ordem em que foram trazidos e colocados na mesa, enquanto a dama encarregada
de provar dava a cada guarda um bocado do prato que ele havia trazido, por medo
de veneno. Enquanto estes guardas traziam o jantar, 12 trombetas e dois timbales
faziam o salão tremer por meia hora.126

Ao final de tudo, duas damas de honra apareceram, cerimoniosamente pegaram


os pratos da mesa, levaram-nos para a rainha no gabinete privado, “e, depois
que ela escolhia, o resto ia para as damas da corte”. Essa exibição extraordinária
deve ser considerada no contexto de um país onde não havia mais altares nem a

176
o ritual renascentista

Carlos I e a família jantando em público. Pintura de Gerrit Houckgeest, 1635.

presença de Cristo no pão e no vinho. O altar, em certo sentido, se transformou


na mesa real, e a missa, no jantar real.
Jaime I, que proclamou abertamente a divindade dos reis, voltou a jantar
em público todas as semanas. Existe também uma pintura em que Carlos I faz o
mesmo.127 O cenário é uma sala clássica imaginária, de um tipo que ele adoraria
ter possuído. De uma parte elevada, com balaustrada de colunas, as pessoas olham
a cena. A mesa real está posta diante da lareira, como na Idade Média, mas não
há pálio (provavelmente uma licença artística); a mesa, com uma toalha franjada
de ouro, está coberta de pratos. Nela sentam-se Carlos, Henrietta Maria e o jovem
príncipe de Gales. Diante do casal real, o trinchante, com o guardanapo ao ombro,
está em ação, enquanto o mordomo coloca uma travessa diante do rei. Atrás do
grupo real vê-se outro, formado de cortesãos e funcionários da casa, de cabeça
descoberta. Dois aparadores — um para comida e outro para bebida — ladeiam
um arco sob o qual recipientes cobertos são carregados em procissão. O escanção
com um jarro de vinho aparece no primeiro plano.
Se a relação entre esses procedimentos e a liturgia da pré-Reforma ainda
necessita de mais algum reforço, basta avançarmos um pouco no tempo até a

177
banquete

década de 1660 e observar a gravura de Wenceslas Hollar que representa a


grande festa da Ordem da Jarreteira no salão Saint George, em Windsor. Ali a
organização à maneira eclesiástica é enfatizada por uma divisão coberta de um
pano, parecendo um parapeito de comunhão e criando o que é na verdade
um “santuário”, com um “altar”, atrás do qual o rei está sentado, jantando. Sua
santidade é comprovada pela figura ajoelhada oferecendo-lhe vinho.
Ritual semelhante existia na corte francesa, como atesta uma gravura de
1633, de Abraham Bosse, sobre a festa da Ordem do Espírito Santo, em Fontai-
nebleau. Mas na França o serviço de jantar para o rex christianissimus iria tomar
um aspecto muito mais sobrenatural do que em qualquer outra parte. Ali, em
meados do século XVI, as refeições haviam se tornado parte integrante dos ritos
fúnebres reais, com serviço para o corpo do rei morto e sua efígie.128 As raízes
dessa prática singular remontam à Idade Média. Era costume nos mosteiros,
após a morte de um monge, continuar a servir seu prato por 30 dias em seu
lugar habitual à mesa, sendo a comida dada aos pobres. Algo parecido foi feito
nos funerais papais do começo do século XV, durante os quais era servida uma
refeição, depois distribuída aos penitentes. Mas os ritos fúnebres da monarquia
francesa iriam se tornar muito mais surpreendentes.
A primeira referência segura ao costume é de 1498, ano da morte de Carlos
VIII, quando foi servida uma refeição “como até então o fora para o rei quando
estava vivo”. Em 1547, no falecimento de Francisco I, a cerimônia foi elaborada
sob a influência das idéias humanistas e inspirada nos ritos mortuários da Roma
imperial. A descrição de Herodes dos ritos realizados para o imperador Septimus
Severus diz que sua efígie foi exibida e servida como se ele ainda estivesse vivo.
A cena prosseguiu até que, em certo momento, um médico declarou-o morto.
As cerimônias fúnebres de Francisco I começaram logo após sua morte com
uma refeição servida à urna funerária. Enquanto isso era feita uma efígie em
cera do rei, o que não representava uma novidade — durante a Idade Média
era comum fazer efígies e colocá-las sobre o féretro na procissão fúnebre. Mas
o que aconteceu em 1547 foi muito diferente. Tratava-se de uma efígie articu-
lada, que foi posta sentada numa salle d’honneur coberta de tapeçarias, para ser
ritualmente servida como se estivesse viva. Então de repente tudo foi retirado,
e a refeição terminou. O féretro do rei, sem efígie, foi exposto numa salle de
deuil coberta de tapetes negros.
Quando Carlos IX morreu, em 1574, por 40 dias deram de comer à efígie:
“na hora do jantar e da ceia, as formas e maneiras de serviço foram observadas
e cumpridas como era costume durante a vida do rei...”. Mas a prática não du-
rou. A última referência é de 1610, nos ritos pelo assassinado Henrique IV. Dela
restaram apenas vestígios. O caixão ficava na galeria do coro da igreja real de

178
o ritual renascentista

Saint-Denis. Numa sala contígua estava a mesa de jantar da garde du corps, na


qual era mantido um lugar de honra vago para o rei. Nas horas das refeições,
um arauto proclamava três vezes “Le roi est servi!”, seguido por um silêncio, e
depois “Le roi est mort!”. Essa prática continuou durante todo o Ancien Régime e
acabou, com muitas coisas mais, com a Revolução Francesa. Entre aquela época
e este último acontecimento, no entanto, estava por acontecer o ponto supremo
na aliança entre a comida e o poder, o reinado do Rei Sol.

179
As classes aristocráticas descobrem as alegrias da informalidade.
O jantar de ostras, de Jean-François de Troy, 1735.
5
Da Corte para a Sala Particular

A s três maiores paixões de Luís XV eram comida, caça e mulheres. Em Jeanne


Antoinette Poisson, marquesa de Pompadour, encontrou uma amante em
quem os três vícios coincidiam. Educada, preparada e bonita, tinha não apenas
inteligência, mas supremo bom gosto. Assim, foi capaz de criar e manter em torno
do rei um mundo privado no qual as aventuras da caça e do amor podiam florescer
— e também em que seu gosto pelas delícias da comida se realizava numa nova
forma de refeição, o souper intime.1
As memórias do duque de Croÿ descrevem várias dessas refeições, que em
geral aconteciam depois das caçadas do rei. Qualquer um dos cortesãos que o
acompanhasse podia solicitar um convite, embora não houvesse garantia alguma
de que seria admitido. Os solicitantes, muito nervosos, eram instruídos a esperar do
lado de fora dos aposentos reais, até um empregado trazer a lista com os nomes
dos cavalheiros que o rei desejava ver. Os não favorecidos simplesmente tinham
de suportar a humilhação. Muitas vezes de Croÿ saiu desapontado, mas na noite
de 30 de janeiro de 1747 ele foi um dos felizardos aos quais for permitido subir
as escadas de Versalhes até les petits cabinets.2
Aqueles eram os aposentos privados do rei, bem distantes dos apartamentos
grandiosos anteriormente ocupados por seu bisavô, Luís XIV, onde o ritual público
do jantar real continuava a ser encenado. Os convivas reuniam-se na galeria das
Chasses, para uma pausa antes de entrar na sala de jantar. Para de Croÿ, tudo “era
delicioso, e a ceia extremamente agradável e amena”. O rei apareceu assim que seus
convidados se reuniram, trazendo consigo as damas, sempre em número menor que
os homens. Daquela vez eram quatro, entre as quais madame de Pompadour. De
Croÿ observa que o rei estava fort amoureux dela. No total, 18 pessoas apertavam-se
em torno da mesa circular, mas o rei, a despeito da atmosfera espontânea, preservou
sua grandeur, colocando a Pompadour à sua direita, e a grande amiga dela, a condessa
d’Estrades, à esquerda. Os restantes sentaram-se desordenadamente, sem qualquer
preocupação de precedência. Havia apenas dois ou três criados que se retiraram
logo após servir, permitindo uma liberdade de conversação ainda maior.

181
banquete

Ficamos duas horas na ceia, tranqüilos e à vontade, mas sem qualquer excesso. Então
o rei se dirigiu para o petit salon, onde coou café; não havia criados, de modo que nós
mesmos nos servimos. Ele organizou uma mesa de comete [um jogo]. ... o rei gostava
bastante daquele joguinho, mas madame de Pompadour parecia odiar jogos, e tentou
afastá-lo da mesa. ... finalmente, às duas horas, ele se levantou e lhe disse, de maneira
um pouco disfarçada, e, me pareceu, bem alegre: “Venha, vamos para a cama.” As
mulheres fizeram uma reverência e saíram, ele cumprimentou e foi para seus petits
cabinets. O resto de nós saiu pela escada de madame de Pompadour e deu a volta pelos
salões para presenciar o coucher público do rei, que aconteceu imediatamente.

O relato feito por de Croÿ deixa claro que estamos a séculos de distância
da alegoria e da coreografia do banquete do Renascimento. A refeição ainda era
um exercício de discriminação social, mas de tipo muito diferente. Ter o nome
marcado pelo rei era o ápice da aspiração social, permitindo entrar em outro
mundo e deixar os que não eram premiados com inveja e possivelmente com
bastante ressentimento.
Mas entrar em outro mundo pressupõe um mundo existente. Percebemos
que a esfera pública permanecia intacta e funcionando quando somos informados
de que, depois da ceia, o rei dirigia-se a seu quarto de dormir oficial para o ritual
público do coucher. Os grands appartements não foram substituídos pelos aposen-
tos conhecidos como petits cabinets ou petits appartements, onde em geral tinham
lugar os soupers intimes; pelo contrário, estes foram deliberadamente construídos
para que o rei pudesse escapar ao rígido protocolo da vida em público. Ele se
mudara para lá em 1738. O formato das ceias não cerimoniosas fora introduzi-
do três anos antes sob a égide do cardeal Fleury, ministro do rei, que com elas
queria ajudar o monarca a vencer a timidez. Ceias semelhantes só haviam sido
dadas pelo tio de Luís, Felipe, duque d’Orléans, no Palais Royal em Paris. Neste
caso, o objetivo tinha sido em grande parte a gula (Orléans havia aprendido a
cozinhar na Espanha) e a sedução (apareceram os afrodisíacos). Esta também se
tornou parte do cenário de Luís XV quando duas de suas primas, mademoiselle
de Charolais e a condessa de Toulouse, promoveram petits soupers aos quais as
damas eram convidadas. Foi num destes eventos que o rei encontrou sua primeira
amante, madame de Mailly, uma ligação que precipitou diretamente a criação
dos petits appartements e também as petits voyages que começou a fazer para os
castelos de La Muette e Choisy, cenários dos outros jantares informais. Ali ele
podia deleitar-se na caça e depois entregar-se a festas íntimas com os camaradas
de caçada e um grupo seleto de mulheres encabeçadas pela Pompadour.
Estes soupers intimes não se pareciam nada com o que encontramos até agora.
São na verdade a refeição arquetípica do século XVIII, que buscava banir o ritual e
era destituída de mensagens simbólicas. Tratava-se de uma atmosfera de alta moda,
flertes, agudeza de espírito e mexerico. O uso da mesa redonda poupava os co-
mensais das complicações de precedência. A ausência de criados em grande parte
da refeição não apenas desinibia a conversa como também o livre fluxo de vinho;

182
da corte para a sala particular

este era colocado, junto com os copos, diretamente sobre a mesa. O jantar de ostras
(1735), de Jean François de Troy, que foi pintado para a première salle à manger de
Versalhes, embora desprovido do frisson da companhia feminina, sugere o ambiente
jovial de tais reuniões. Ali a mesa redonda está coberta com uma toalha branca.
Sobre ela podemos ver os pequenos seaux (potes) chineses ou japoneses cheios
de água, nos quais as taças estão emborcadas para serem lavadas. Um comensal se
inclina para pegar uma garrafa de vinho. Enormes guardanapos estão dobrados no
colo dos convidados. No primeiro plano há um esfriador de vinho com garrafas no
gelo e prateleiras para pratos. Todo mundo está se divertindo a valer.
Em Choisy a privacidade era levada ao extremo. Os criados podiam ser vir-
tualmente eliminados, porque um mecanismo especial fazia com que o centro da
mesa de jantar se abaixasse e depois subisse trazendo a nova seqüência.3 Na sala
propriamente dita, quatro aparadores permitiam que pratos e taças ficassem à mão,
e também tinham penas, tinta e papel para que os convivas escrevessem o que que-
riam beber. O toque de um sino minúsculo produzia as mudanças milagrosas.
A tendência à privacidade acarretou outra inovação, o cardápio, uma lista-
gem por escrito da seqüência dos pratos a serem servidos. Os únicos cardápios
do século XVIII que sobreviveram são de ceias acontecidas em Choisy, 67 no
total (32 em 1751 e 35 em 1757).4 Alguns são retangulares, outros redondos;
como existem duplicatas, pode ser que várias cópias fossem colocadas à mesa.
Descrevem pratos para algo como 31 ou 36 convivas, de espécies muito dife-
rentes daqueles da mesa renascentista. Em primeiro lugar havia menos serviços,
apenas quatro, mais a sobremesa. No entanto, é bem claro que tais cardápios
marcavam um intenso interesse dos convidados pelo que iam efetivamente
comendo. Estava começando a idade do gourmet. A refeição iniciava-se com
sopas e ragus ou oilles, passava para uma imensa variedade de entradas, depois
para os assados e finalmente para os petits entremets. Nessa estrutura havia uma
nova progressão, do picante ao doce. E também, o que é notável, incluíam-se
pratos atribuídos a certas pessoas, ou que lhes levavam o nome, como Dindon
du mareschal de Richelieu ou Pâté de madame la Marquise de Pompadour. O que isso
quer dizer? Será que esses importantes personagens realmente cozinhavam tais
pratos, ou eles eram a spécialité de suas maisons? O que certamente podemos ver
é que refletem uma culinária de complexidade até então desconhecida.
Um caminho extraordinário foi percorrido desde o início do século XVII. Chega-
mos a refeições nas quais a hierarquia era posta de lado, os convidados se serviam, o
foco estava nos discursos e nas inter-relações sociais descuidadas e elegantes. Nessas
refeições, a arte da culinária tornou-se um interesse tão central que os convidados
queriam saber por escrito o que lhes seria servido. Parece que estamos bem perto
de nossa própria experiência à mesa. Como isso aconteceu? O simples fato de ter
ocorrido sugere que foi meramente uma violenta reação ao sufocante e antigo estilo
de comer das classes altas, por parte daqueles aprisionados em suas formalidades.

183
banquete

Na verdade a mudança é um fenômeno muito mais complexo. Os soupers intimes


de Luís XV jamais poderiam ter acontecido sem novos fatores. Um deles foi a perda
de fé na antiga cosmologia renascentista das correspondências. Outro foi o apareci-
mento dos ideais sociais dos philosophes do Iluminismo. E outro, ainda, foi o eclipse
da crença inocente na verdade do que se vê, princípio subjacente à idéia da mesa
como veículo para o cerimonial e a alegoria.
Nada disso aconteceu do dia para a noite, nem simultaneamente em todos
os países da Europa Ocidental. Foi necessário que a maneira cerimonial de comer
alcançasse o ápice de uma grandeza tão opressora que era imperativo livrar-se dela.
Em termos estilísticos, o caminho é o que vai do barroco ao rococó. Mas devemos
começar pelo barroco. E mesmo ele tem suas ironias, pois — precisamente no
momento em que uma nova culinária aparecia na França — o aparato do banquete
na Itália em sua fase barroca estava desenvolvendo uma aberração estética ímpar:
a arte da comida figurativa, primeiro orquestrada na corte dos Este, em Ferrara, no
Quattrocento, e agora culminando na escultura culinária da Roma de Bernini.

O TRIUNFO DA ILUSÃO

Em janeiro de 1687, Roger Palmer, marquês de Castlemaine, embaixador do rei


Jaime II na Santa Sé, encenou um banquete espetacular no palácio Pamphili, em
Roma, para homenagear cerca de 80 cardeais e outros dignitários eclesiásticos.5 Fe-
lizmente conhecemos bem esse magnífico acontecimento; o camareiro do marquês,
o pintor John Michael Wright, que estudou em Roma, fez uma descrição detalhada
do banquete publicada em italiano e em inglês. A edição inglesa apareceu apenas
um mês antes de Jaime II ser forçado a fugir do reino, por isso existem poucas
cópias. A maioria foi destruída porque o volume belamente ilustrado registrava o
que a Inglaterra protestante considerava uma afronta mortal — uma embaixada
enviada para homenagear o papa.
Aquela foi uma comitiva oficial imensamente cara. Embora tivesse chegado
a Roma na Páscoa de 1686, passaram-se meses antes que Castlemaine fizesse sua
entrada ritual na cidade e prestasse homenagem ao papa. Tanto esta como a festa
que se seguiu, em janeiro, foram realizadas à maneira italiana, e em ambas Castle-
maine utilizou os serviços de dois dos maiores expoentes do estilo barroco, Ciro
Ferri e seu ajudante Lenardi. Na noite da festa, os convidados subiram as escadas
para o piano nobile do palácio e viram-se no primeiro dos três salões. Ali, na sala dos
Palafrenieri, havia duas mesas do comprimento do salão, onde as sobremesas haviam
sido arrumadas, “maravilhosas quantidades de frutas, doces, queijos parmesãos e
outras iguarias”. Nas paredes do salão seguinte havia também, uma diante da outra,
duas credenze sob pálios, uma delas carregada de pratos de prata, a outra com vasos
preciosos de cristal. Membros da guarda suíça e 20 infantes as protegiam.

184
da corte para a sala particular

O banquete propriamente dito acontecia no terceiro salão, uma gloriosa galeria


com afrescos de Pietro da Cortona no teto. As paredes eram enriquecidas com
tapeçarias trazidas da Inglaterra. Havia outra credenza com uma exposição de pratos
ingleses e, a meio caminho da mesa, sob um pálio, um retrato de corpo inteiro de
Jaime II no trono. Oitenta cadeiras douradas estavam arranjadas em volta da mesa,
em grupos de quatro, e um criado e um trinciante serviam cada grupo. Vinte e um
pratos foram apresentados antes que se trouxessem as sobremesas do primeiro
salão. O que mais impressiona na gravura é a decoração da mesa. Junto à borda
há guardanapos dobrados em forma de pedras e, no cercado central, uma varie-
dade de animais heráldicos, os leões e unicórnios das armas reais, feitos de açúcar.
Todas essas criaturas eram subsidiárias do maciço painel no centro da mesa, com
11 grandes esculturas de açúcar. O relato de Wright inclui gravuras dessas escul-
turas, ou trionfi, realmente impressionantes. Quatro mostravam os elementos em
disfarces mitológicos, outras quatro eram de grupos representando virtudes reais,
duas mostravam palmeiras (em referência ao nome de família de Castlemaine,
Palmer), e finalmente a mais alta — de quase dois metros — era uma alegoria
do retorno da Inglaterra à fé católica. Acima de uma auréola está a figura da
Santa Igreja vendo o Tempo revelar a verdade, enquanto um herói alado vence
a Fraude, a Discórdia e uma hidra “que representa o fim da Rebelião” (a rebelião
em questão é a do duque de Monmouth). O livro nos conta que todo o conjunto
foi montado e aberto à visitação pública por dois dias antes do evento, e que “os
curiosos puderam participar do entreteni-
mento”. Após a festa, essas belas e transitó-
rias obras-primas do barroco romano foram
presenteadas a grandes damas de Roma.
Não existe nada exatamente como
o banquete oficial do Seicento italiano, um
fim de linha culinário em que a cozinha
inovadora de Scappi foi substituída por
qualquer coisa que encantasse os olhos e
evocasse opulência, excesso e grandiosida-
de.6 As realizações da cozinha renascentis-
ta ficaram subordinadas às do scalco e do
trinciante. Onde Scappi, no final do século
XVI, havia mantido a integridade de cada
prato, os livros de cozinha escritos por seus
sucessores exploraram todas as formas de
efeitos visuais que pudessem ser alcançadas
com a manipulação da comida. Esse desejo
A Bretanha retorna à fé católica. Trionfo do
dominante de transformar tudo que fosse banquete encenado por lorde Castlemaine,
comestível em alguma outra coisa alcançou 1687. Gravura de 1688.

185
banquete

o clímax em Lo scalco moderno (1692), de Antonio Latini, com uma vasta seção
dedicada aos trionfi do tipo que encontramos no banquete de Castlemaine. Isso
incluía guardanapos dobrados em formatos ainda mais complexos, esculturas de
manteiga e composições arquitetônicas e figurativas feitas de marzipã, massa fo-
lheada e açúcar. No entanto, a despeito de sua perversão, a forma alcançava um
certo nível estético. Em nenhum outro momento da história da mesa a comida
foi capaz de assumir seu lugar, para pior ou para melhor, junto às grandes artes
decorativas de uma época, em particular pequenas composições esculturais em
bronze e prata.7 Os contemporâneos estavam bem cientes do fato; uma das crí-
ticas levantadas contra a grande estátua eqüestre do imperador Constantino, de
Bernini, era que “o cavalo parecia um trionfo de marzipã e merengue”. Tal acusação
é compreensível quando levamos em conta que a cozinha do Vaticano incluía
uma sala chamada stanza dei trionfi, dedicada exclusivamente à manufatura de tais
peças. Elas podiam muito bem ser desenhadas pelos principais artistas da época.
Sabemos com certeza que o próprio Giovanni Lorenzo Bernini desenhou uma
série de trionfi para um banquete dado pela princesa Aldobrandini em homenagem
ao cardeal de Médici em 1668.
Além das gravuras de Castlemaine, há dois outros conjuntos de desenhos
de Pierre Paul Sevin, um pensionista da Academia Francesa, reproduzindo me-
sas de banquetes em Roma ao final da década de 1660.8 Um grupo registra o
extraordinário quadro da Quinta-Feira Santa, montado todos os anos, em que
o papa lavava os pés de 12 padres pobres, imitando Cristo. Após esse ritual era
costume dar aos padres um jantar que, em 1675, nas palavras de um relato,
incluía “trionfi, esculturas de açúcar e guardanapos elegantemente dobrados”.9
O bizarro para os olhos modernos é ver mesas de jantar exibindo esculturas
de alimentos sob a forma de Cristo carregando a cruz, a agonia no Jardim de
Getsemani e anjos com os instrumentos da Paixão nas mãos. Entremeados a
isso há vasos de flores, árvores com frutos e um tempietto sustentando as armas
da família do papa. Criações como estas podem ser perturbadoras, mas não se
pode descartá-las; nelas grandes artistas experimentavam temas que jamais eram
encomendados de forma mais permanente.
Os desenhos de Sevin vão além e registram a notável aparência de diversas
festas mais seculares. Um em particular nos dá uma incomparável vista aérea de
uma dessas ocasiões. A festa não foi identificada, mas deve datar, como os outros
desenhos, do final da década de 1660. O anfitrião é um cardeal, e a figura à sua
esquerda deve ser a rainha Cristina da Suécia, com suas famosas roupas mas-
culinizadas. Num dos lados da sala, o anfitrião e os principais convidados estão
sentados a uma mesa semicircular sobre um estrado, e nas duas extremidades
há um trinciante ocupado em sua função, enquanto um criado, carregando um
prato, aproxima-se do centro. Por trás das cadeiras dos convidados estão o que
parecem ser criados pessoais. Abaixo, no corpo principal do salão, outros convivas

186
da corte para a sala particular

Festa na Quinta-Feira Santa no Vaticano, com trionfi figurativos. Desenho de Pierre Paul Sevin, 1668.

sentam-se em redor de mesas compridas, um diante do outro, e no centro há


uma série de credenze, uma para servir a mesa principal e duas com queimadores
de incenso para disfarçar o cheiro da comida, e assim por diante. Sobre elas há
uma quantidade de peças de prata e iguarias. No primeiro plano é trazida uma
seqüência de pratos liderada por um scalco ou maestro della casa, com o bastão
do ofício. Outros criados carregam os pratos de serviços anteriores em padiolas.
À esquerda um pequeno grupo de espectadores, inclusive uma mulher, observa
o espetáculo. O que não vemos deve estar na outra parede, alguma espécie de
bottigliera para servir bebidas.
A provável presença da rainha Cristina da Suécia é uma lembrança de que
em 1655 foram encenados alguns dos mais complexos de todos os banquetes
barrocos italianos, quando ela viajou pela Itália até Roma, em sua conversão.10
Quanto mais perto chegava da cidade, mais elaborados tornavam-se os aparatos
que celebravam o acontecimento. Tal era a importância atribuída a eles que o mais
famoso confeiteiro da época, Luigi Fedele — que aprendera o ofício na corte de
Gonzaga, em Mântua, antes de ser chamado a Roma por Inocêncio X —, viajava
na comitiva. Em Forli os trionfi eram tão espantosos que foram recebidos com
uma salva de palmas igual à que homenageou a rainha. Em Imola a decoração
da festa incluía, entre outras maravilhas feitas de marzipã, a religião calcando a
heresia, Palas Atena em seu carro e anjos carregando uma coroa acima das armas

187
banquete

da rainha. Em Mântua, a 27 de novembro, a rainha viu um “Monte Olimpo com o


altar da fé. No cume, dois putti seguravam uma coroa real acima da cota das armas
de sua majestade”. Em volta estavam agrupados quatro vasos de prata de onde
cresciam laranjeiras feitas de gelatina e galerias com arcadas em que guerreiros e
homens virtuosos se misturavam a animais fabulosos. Sabe-se que Cristina jamais
havia visto coisa igual, pois em Assis pediu que todos os trionfi fossem levados a
seu quarto para que ela pudesse estudá-los. Isso provocou uma grande confusão,
porque um deles já havia sido dado e teve de ser recuperado.
Mas nem mesmo os trionfi poderiam eclipsar os arranjos quase grotescos
precipitados pela decisão de Alexandre VII de conceder à rainha a honra de jantar
com ela em público. O evento teve lugar a 26 de dezembro, um dia depois que
a presença de Cristina foi confirmada, e fornece um surpreendente exemplo das
complexidades protocolares que poderiam surgir numa festa no século XVII. O papa
era a personificação terrena do poder espiritual. Sempre comia sozinho, e jamais
na presença de uma mulher. Uma complicação adicional era o status da rainha:
ela havia abdicado, de modo que não era mais soberana, o que significava que
não se qualificava para uma cadeira com braços. Bernini recebeu a encomenda de
projetar uma cadeira sem braços que ao mesmo tempo parecesse tê-los. O criador
das esculturas de açúcar foi Giovanni Paulo Schor, o mais importante desenhista
da arte decorativa da Roma barroca. Sobreviveram dois de seus desenhos para
os trionfi, um com uma fênix, emblema de Cristina. Eram fundidos em açúcar e
depois pintados e dourados. Outros artífices também trabalharam neles, inclusive
um certo Niccolò Perretti, que fez “um carro triunfal de cidra [cristalizada] repre-
sentando Aurora e o cavalo Licaseo”, e “uma árvore de marzipã com o pedestal de
madeira entalhada”. Para termos uma idéia da sua aparência devemos nos deslocar
13 anos adiante, para um segundo jantar dado em homenagem a Cristina, desta
vez por Clemente IX, a 9 de dezembro de 1668. O evento foi realizado no palácio
Quirinal e para todos os propósitos deve ter sido uma reencenação da ocasião
anterior. Sevin fez um desenho que nos dá uma impressão nítida do esplendor.
As duas mesas estão carregadas de trionfi, inclusive um para a mesa da rainha:
uma coroa no meio de espigas de trigo, alusão às armas dos Vasa. As duas mesas
e estrados estão colocados em níveis diferentes, mas cobertos por um gigantesco
pálio suspenso. Os espectadores, apenas homens, são mantidos atrás de uma ba-
laustrada, e as mulheres presentes estão escondidas pelas tapeçarias e espiam por
frestas. Todos os movimentos são coreografados. O papa entra por uma porta, a
rainha por outra, o mordomo oferece ao papa um guardanapo, que a rainha pega
e entrega a ele. Quando este faz um brinde à rainha, todos se ajoelham. A conversa
se dá por intermédio de um monsignore colocado entre os dois. Quando termina
o serviço principal, os trionfi são removidos e voltam cheios de doces.
Tais espetáculos continuaram na Itália no século XVIII, mas não por muito
tempo.11 O advento da porcelana vítrea decretou o fim dos trionfi. Porém, o mais

188
da corte para a sala particular

Banquete encenado para a rainha Cristina da Suécia. Desenho de Pierre Paul Sevin,
final da década de 1660.

189
banquete

A rainha Cristina janta com o papa Clemente IX. Desenho de Pierre Paul Sevin, 1668.

190
da corte para a sala particular

191
banquete

importante foi a mudança de espírito. A eleição do puritano Clemente XI em


1700 significou o fim da era de ouro do banquete barroco romano, inaugurando
o que se tornou conhecido como a “longa quaresma romana”. Já nessa época o
revolucionário livro Le cuisinier françois (1651) havia aparecido na Itália, sendo
publicado com o nome de Il cuoco francese em 1682. Por essa época o estilo da
mesa começava a ser estabelecido pela corte do Rei Sol.

UMA REVOLUÇÃO CULINÁRIA

O século XVII foi marcado por grandes transformações gastronômicas, refletidas


pela chegada de novos pratos e mudanças de gosto, mas acima de tudo por uma
revolução na própria culinária.12 Para a França, este representou le grand siècle, e
aquele país que por quase dois séculos contribuíra tão pouco para a culinária foi
subitamente responsável por desenvolvimentos radicais, tanto no estilo da cozinha
como na estrutura e apresentação das refeições — conhecida como service à la
française.* Nenhum país na Europa Ocidental ficou imune a tais progressos que se
deram entre 1650 e 1670 — precisamente o período em que a encenação da corte
francesa, tal como representada em Versalhes, tornou-se o modelo universal.
O gosto da comida se modificou. O consumo de pássaros exóticos, como
pavões e cisnes, grous e garças, saiu de moda, junto com lampreias e baleias. A
partir daí o porco só aparecia sob a forma de leitão ou presunto, e o restante foi
relegado aos recheios — como picadinho — e ao toucinho. As carnes preferidas eram
de boi, vitela e carneiro (cordeiro era considerado insípido), e no que diz respeito
às aves, galinhas em todas as variedades, patos, marrecos, pombos e pássaros de
caça. A caça em geral, até a Revolução Francesa, permaneceu uma prerrogativa
da aristocracia, portanto continuou a ser um símbolo de status. O peru era servido
apenas em festas. O peixe era consumido em imensas quantidades — nos países
católicos os velhos dias de jejum continuavam vigorando —, mas os preferidos
eram os peixes de água doce, como salmão e truta. (Peixes do mar, como linguado,
plaice e pescada, estiveram em grande moda no século XVIII.)
Aquela foi a era dos triunfos horticulturais em Versalhes, do grande jardineiro
de Luís XIV, Jean de la Quintinie. Ocorreu uma enorme multiplicação nas varie-
dades de frutas e vegetais; graças ao desenvolvimento das estufas, iguarias como
aspargos e cerejas já podiam ser cultivados nos rigores do inverno. Cogumelos de
todos os tipos, trufas, alcachofras cultivadas ou selvagens, alface e especialmente
ervilha passaram para a linha de frente da culinária. Receitas e cardápios indicam

* O service à la française não significa o nosso “servir à francesa”, mas, como se verá adiante, um
modo de se dispor a comida à mesa, bem como sua apresentação. (N.T.)

192
da corte para a sala particular

que os vegetais ocuparam o lugar de honra, como entremet. As saladas, que tiveram
seu epítome no ensaio de John Evelyn, Acetaria (1699), tornaram-se imensamente
populares, servidas simplesmente com um molho vinagrete, um pouco de ervas
aromáticas e algumas vezes violetas e borago.
Quanto ao vinho, no último quarto do século XVII foi inventado o méthode
champenoise, e o consumo de champanhe decolou. Por volta de 1784 eram for-
necidas anualmente a Luís XIV 1.735 garrafas de champanhe e 5.230 garrafas
de borgonha. Champanhe e borgonha, os vinhos preferidos pelas classes aristo-
cráticas, eram chamados vins de table (os consumidos pelas classes mais baixas
chamavam-se vins de suite). No século XVII também entraram em moda todos
os tipos de licores, águas perfumadas e bebidas geladas.
A isso podemos acrescentar três novidades de significado ainda maior: cho-
colate, chá e café.13 O chocolate vinha da América do Sul e já era uma bebida
popular na Espanha no século XVI. Tal popularidade espraiou-se no século seguinte,
chegando à corte francesa junto com a noiva espanhola de Luís XIV, cuja serviçal
tinha como tarefa mais importante preparar o chocolate da rainha. A bebida foi
adaptada ao gosto europeu, acrescentando-se um adoçante, mel ou açúcar, além
de baunilha, canela e algumas vezes pimenta-do-reino para realçar o sabor. Na
década de 1670 o cultivo do cacau foi introduzido na colônia francesa da Marti-
nica, o que fez seu preço cair; em 1682 o jornal Mercure Galant registrava que se
servira chocolate em todas as grandes festas de Versalhes.
Mas o chocolate jamais teve o mesmo impacto que o café, responsável até
pela criação de um novo cenário de convívio para a sociedade cortês emergente, a
casa de café. Os holandeses foram os primeiros a iniciar a exploração comercial do
produto, que chegou à Europa a partir de 1637. Na década de 1660 já havia um
grande comércio de grãos de café. Como o chá, a bebida “pegou” inicialmente por-
que se acreditava que ela tivesse propriedades medicinais. Em termos de alta moda,
o hábito foi estabelecido em Versalhes pela embaixada do sultão turco Maomé IV,
que serviu café à corte à maneira oriental. O fato de em meados do século seguinte
Luís XV preparar seu próprio café fala muito sobre o status desse produto.
O chá, que chegou à Europa também introduzido pelos holandeses, em 1610,
jamais alcançaria na França a popularidade que obteve na Inglaterra. Embora na
década de 1650 se tomasse chá em Londres, e na década de 1680 sua ampla
aceitação houvesse levado ao uso de mesas especiais, foi no século XVIII que tomar
chá iria se tornar um ritual das classes altas. Ele passou a simbolizar a sociedade
elegante, a família e os amigos reunidos em torno de uma mesa bem provida, com
um bule e uma vasilha de chá feitos de prata e xícaras de porcelana.
Todas essas novidades foram significativas, mas ficaram eclipsadas pelo que
representou uma reinvenção do método culinário na França durante a década de
1650.14 As raízes da mudança provavelmente se estendem muito mais longe no
passado, mas em meados do século apareceu subitamente uma variedade de livros

193
banquete

franceses de receitas. Introduziam um novo sistema de cozinhar que incorporava


um repertório integrado de técnicas usando certas misturas básicas e materiais
crus preparados de acordo com uma série de regras. Essa preocupação em siste-
matizar até mesmo a arte da culinária era mais uma expressão de uma sociedade
obcecada por descobrir e impor ordem em todas as esferas da atividade humana.
(O mesmo fenômeno pode ser visto na fundação da Académie de France em 1635,
que tinha a intenção de governar e purificar a língua.) A nova culinária, diga-se de
passagem, exigia alto grau de alfabetização: houve nada menos que 230 edições
de livros franceses de receita publicados entre 1651 e 1789.
Quais fatores convergiram para precipitar essa mudança tão profunda? Al-
gumas foram triviais, outras mais complexas. Entre as primeiras, a simples substi-
tuição da fatia de pão medieval por pratos sólidos, de cerâmica, estanho ou prata,
tornou possível servir misturas líquidas. Além disso, tais vasilhas ofereciam uma
superfície firme sobre a qual a faca podia cortar — e em que, mais tarde, o garfo
podia enfiar seus dentes. Artigos de cutelaria começaram a se tornar lugar-comum
entre as classes altas. Os convidados já não chegavam com suas facas — a mesa
encontrava-se completamente equipada. A maior variedade e a melhor qualidade
dos produtos certamente devem ter contribuído para as mudanças, inspirando os
cozinheiros a experimentarem. A isso devem ser acrescentadas as melhorias na
mecânica da própria cozinha, com o desenvolvimento de meios mais sofisticados
de controlar o calor.
Contudo houve também razões sociológicas. O fato de a nova culinária
difundir-se por intermédio de livros indica que qualquer cozinheiro importante
deveria saber ler. O número de volumes também reflete um novo interesse pela
cozinha e pela comida entre as classes altas — provavelmente o mais alfabetizado
segmento da sociedade. No entanto, mesmo esse interesse era complicado por
considerações sociais. Uma nova culinária só poderia dominar se satisfizesse uma
necessidade profunda. No caso da França, tratava-se de estabelecer a hierarquia
num período de aguda divisão social. A aristocracia buscava um estilo de cozinha
que a colocasse à parte das camadas inferiores, pois embora as condições dos
camponeses piorasse cada vez mais, havia um crescente número de burgueses
abrindo caminho. Graças à expansão do comércio e da indústria, e à ascensão das
profissões, a burguesia aproximou-se da aristocracia, decidida a imitá-la. A resposta
foi, como era de se esperar, tornar ainda mais elaborado o estilo de culinária e
mais uma vez cerrar fileiras contra os intrusos.
O que tornou o rompimento com a culinária renascentista e medieval tão
decisivo, contudo, foi o abandono do contexto cosmológico. Durante séculos os
alimentos estiveram indissoluvelmente ligados à astrologia, à alquimia e à medici-
na. O século XVII testemunhou a gradual dissolução do velho universo oculto em
favor de uma versão mecanicista do mundo. Libertada desse contexto, a culinária
aos poucos se tornou mais que uma arte. O processo deve ter começado muito

194
da corte para a sala particular

cedo na França. Embora a mania de colorir a comida de dourado — com suas


associações alquímicas e astrológicas — persistisse na Inglaterra até 1700 e durasse
ainda mais na Itália, Espanha e Alemanha, já havia desaparecido completamente
da França no século XVI. O movimento no sentido de um universo mecanicista
na segunda metade do século XVII, além disso, foi favorecido pelos seguidores
do atomismo de Epicuro, filósofo para quem a comida era um aspecto da vida
voluptuosa. Daí o termo epicurista. Isso não significa que a culinária renascentista
fosse desprovida de tons sensuais, mas a sensualidade era firmemente mantida
sob controle, e os antigos tons espirituais permaneciam inamovíveis. Assim que
eles se foram, a culinária ficou livre para ser não apenas sensual, mas também
profana, com o objetivo primário de estimular o desejo.
O novo estilo tomou o aspecto salgado e ácido da culinária renascentista e
adaptou-o, fundindo os vários ingredientes de modo a criar um todo. No novo es-
quema, o sal teve grande proeminência. Em meados do século XVIII era adicionado
a quase a todos os pratos. Ao mesmo tempo, o sabor adocicado — principalmente
obtido acrescentando-se açúcar e que antes era uma característica de quase todas
as seqüências numa refeição —, em 1700, limitou-se na França à seqüência da so-
bremesa. Em países como a Inglaterra, que até hoje se destaca por uma predileção
pelo açúcar, o antigo sistema predominou por mais tempo. Assim, em meados
do século XVIII, a progressão clássica do ácido para o doce, ainda fundamental na
culinária da Europa Ocidental, já estava estabelecida.
É claro que o açúcar ainda era consumido em grandes e crescentes quantida-
des. Na verdade seu consumo levou os departamentos da casa a se dividirem entre
cuisine, que preparava os principais pratos da refeição, e office, cuja responsabili-
dade era um império sempre em expansão de complexas iguarias e gelados para
a sobremesa, inclusive a preservação de frutos e flores. Suas atividades também
abarcavam a elaborada decoração das mesas com esculturas de açúcar.15
Outra grande mudança foi um deslocamento do foco primário, que passou
de agradar aos olhos para satisfazer o paladar. Os pratos figurativos aos poucos
desapareceram. No máximo encontraram uma vida residual nos formatos de caça,
peixe ou vegetais usados para decorar as novas vasilhas de porcelana e de prata
em que a comida era servida. Esta, em si, tinha gosto e aparência muito diferentes, em
parte pelo uso das novas técnicas, como a marinada, e a reinvenção de outras mais
antigas, como cozinhar no vapor e lardear a carne. E também pelo amplo uso de
laticínios típicos do norte da Europa, a manteiga e o creme. No coração do novo
sistema culinário estavam os bouillons básicos que, junto com certas liaisons, recheios,
ervas e misturas de temperos, eram aplicados a quaisquer ingredientes sazonais dis-
poníveis. A cozinha medieval e renascentista dependera do uso irrestrito de todo um
conjunto de temperos exóticos como indicadores da posição social. Esses temperos
foram abandonados em favor de ervas aromáticas, alho, cebola, salsa, hortelã, labaça
e alecrim. É claro que todas elas eram conhecidas e vinham sendo usadas desde a

195
banquete

Idade Média, mas nunca com tal destaque. Agora assumiam seu lugar numa culinária
cujo uso de ingredientes aparentemente simples era tão sofisticado que se tornava
inacessível fora de um espectro bastante restrito da sociedade. Outras ervas — como
cerefólio, estragão, manjericão, tomilho, louro, cebolinha — vinham na mistura, com
o objetivo de dar um sutil realce ao sabor. No geral o movimento era da quantidade
para a qualidade, como a nova expressão da hierarquia.
O livro que marcou a época foi Le cuisinier françois (1651), de François Pierre
La Varenne. Tornou-se o primeiro livro de cozinha a romper definitivamente com
a Idade Média, começando com receitas do bouillon, caldo de carne ou peixe que
servia como base ou fonds para o repertório de pratos que se seguiam e era o
alicerce do novo sistema. A publicação foi complementada por um segundo livro
que geralmente se atribui a La Varenne, Le pâtissier françois (1654), sobre pratos de
massa e ovos — para tortas, wafers, waffles, bolos, omeletes e biscoitos. Um terceiro
volume intitulado Le parfaict confiturier (1667) tratava dos trabalhos do office.
Le cuisinier françois foi reimpresso ao longo do século XVIII, mas na década de
1660 já se fazia acompanhar de outros livros de Nicolas Bonnefons — premier valet
du roi —, de Pierre de Lune e vários outros escritores anônimos. O movimento era
sempre em direção a uma complexidade maior. Após um intervalo apareceu um
livro de um autor não identificado L.S.R., L’Art de bien traiter, ouvrage nouveau, curieus
et fort galant (1674), especificamente dirigido à aristocracia. Inspirado pelas magníficas
fêtes em Versalhes, nas quais a comida desempenhava papel importante, ensinava o
leitor a se abastecer para as colations d’hyver, os bailes, as assemblées et galanteries de
Carnival, sociétés, régales e outras. A decoração era bem analisada, juntamente com
uma seleção sofisticada de pratos e sua elegante apresentação aos convidados.
Em 1691 La Varenne foi finalmente substituído por François Massialot, com
seu Le cuisinier roial et bourgeois (embora pouco houvesse sobre este último, apenas
algumas frases de desprezo). Era um livro escrito para os cozinheiros da aristocracia
e o primeiro a organizar as receitas em ordem alfabética. Foi reimpresso em nova
edição com dois volumes em 1712 e 1714, e a partir daí tornou-se o grande clássico
da culinária no século XVIII. Todos esses livros tinham como objetivo criar uma
culinária para os aristocratas, colocando-os em outro mundo em termos de deco-
ração, ambiente e serviço — e encorajando a pura extravagância na comida.
À medida que o século avançava, no entanto, essa prodigalidade passou a
contrariar o âmago do Iluminismo e levou a uma reação. Podemos ver isto na
atitude de Émile, no livro homônimo de Rousseau. Ele não apreciava pratos caros,
mas “gosta de boas frutas, bons legumes, bom creme e boas pessoas”. No entanto,
embora a nouvelle cuisine pregasse austeridade, a verdade era muito diferente. O
livro que resume a realidade contemporânea é Les dons de Comus ou les délices de
la table (1739 e 1740), de François Marin, que diferenciava a cuisine moderne da
cuisine ancienne. Para Marin, a moderna culinária era parente da química, mas uma
química que podia empregar, por exemplo, mais de dois quilos de vitela, um quarto

196
da corte para a sala particular

de presunto, mais uma galinha, tutano de boi, cebolas e cenouras brancas — sem
mencionar o trabalho de muitos cozinheiros — para produzir com precisão o supra-
sumo de quintessência. Dificilmente se pode dizer que isso é simplicidade.
Assim, não é de surpreender o sucesso instantâneo de um livro que respondia
ao desejo de simplicidade: La cuisine bourgeoise (1746), de Menon — era precisamente
o que o título diz, um livro de receitas para a esposa burguesa. Suas indicações, por
um lado, evitavam os excessos aristocráticos; por outro, iam além da rude vulgaridade
camponesa. Um de seus princípios básicos era a economia. Com efeito, a edição de
1774 afirmava que o livro se destinava àqueles d’une condition ou d’une fortune médio-
cre. Dessa forma, lá por 1789, os clássicos elementos centrais da culinária francesa
estavam firmemente no lugar: haute cuisine e cuisine bourgeoise.
Assim como na Renascença os cozinheiros e os livros de cozinha italianos
haviam sido responsáveis por divulgar o novo estilo, no final do século XVII e no
século XVIII foi a vez dos franceses.16 Na Inglaterra, que tinha uma culinária ba-
seada no campo, e não na corte, a tradição medieval continuava. La Varenne foi
traduzido para o inglês em 1653, e seguiram-se outras traduções, compensadas
por uma torrente constante de livros produzidos domesticamente. Começaram
com The Accomplisht Cook, or the Art and Mystery of Cooking (1660), de Robert
May, que resolutamente impulsionou a “boa comida do campo inglês” ao longo
do século XVIII. (Ela ainda estava sendo servida na corte de Jorge II em 1740.) Os
escritores ingleses recusaram-se firmemente a abrir mão de sua comida e apenas
assimilaram o que consideravam apropriado. Na verdade a existência de tal sen-
timento culinário antifrancês sugere que havia considerável interesse pela nova
culinária entre algumas parcelas da classe alta. Se não, por que a famosa diatribe
de Hannah Glasse em The Art of Cookery Made Plain and Easy (1747): “É tanta a
loucura desta era o fato de que as pessoas preferiam sofrer a imposição de um
palerma francês que encorajar um bom cozinheiro inglês!?”. Na Inglaterra, ao con-
trário da França, o estilo culinário não expressava uma casta. Era partilhado por
aristocracia, pequena nobreza e classe média, e baseava-se em ingredientes que a
propriedade rural média produzia. Mas apesar disso as idéias culinárias francesas
ganharam terreno. William Verrall, que aprendera seu ofício com o cozinheiro
francês do duque de Newscastle, “monsieur de St. Clouet”, baseava seu A Complete
System of Cookewry (1759) em princípios franceses.
O livro de Verrall revela o que acontecia em outros países onde a culinária
francesa fora modificada e introduzida no interior do que era consuetudinário.
Os cozinheiros franceses viajavam por todos os lugares. Há registros deles tra-
balhando nas cortes de Hanover, Prússia e Saxônia, na Alemanha e também na
Itália, onde a nova cozinha foi adotada pela aristocracia e pelas classes médias
no século XVIII. Em 1724 o livro de Massialot apareceu com o título Il cuoco reale
e cittadino; o famoso volume de Menon foi traduzido no primeiro ano de sua
publicação como Cuoco piemontese perfezionato a Parigi e teve 22 edições até o

197
banquete

começo do século XIX. Nenhuma cozinha da Europa escapou ao que acontecia


na França, como ninguém tampouco escaparia à mudança daí decorrente para
os arranjos da mesa e a apresentação da comida.

SERVICE À LA FRANÇAISE E UTENSÍLIOS DE MESA

Uma das conseqüências da revolução na culinária foi a nova seqüência e o novo


método de servir os pratos, num estilo conhecido como service à la française.17 A
moda refletia a preocupação do século XVII com a ordem, o equilíbrio, o bom
gosto e a elegância. O número de pratos para cada serviço era calculado segundo
uma relação fixa entre pratos e comensais. Uma refeição de quatro serviços para
25 pessoas, por exemplo, significava cem pratos. Podia-se multiplicar ou dividir
a partir daí. Aumentar o número de convivas não significava, como hoje em dia,
simplesmente produzir uma quantidade maior dos mesmos pratos. Pelo contrário,
exigia mais pratos diferentes. O resultado era que, embora os alimentos grandes
e robustos, como os assados, mantivessem seu lugar, eles tendiam a servir como
âncoras numa mesa, cercados por uma miríade de outras iguarias.
As refeições vinham em serviços — dois, três ou quatro, embora no caso da
ceia pudesse ser apenas um, mais a sobremesa. A produção de qualquer refeição
usava dois departamentos bem separados na casa: a cuisine, para a maioria dos
pratos, e o office, para a sobremesa. La Chapelle apresenta tanto um plano para a
mesa como um cardápio para uma ceia de dois serviços na edição de 1742 de Le
cuisinier moderne. Um exame dos dois será útil para nos orientar.18 Dezesseis pratos
de prata estão arranjados em torno de uma mesa retangular, e todos os recipientes
para os alimentos também são de prata. (Na década de 1770 seriam de porcelana.)
No centro há uma travessa oval para um quarto de vitela, ladeada por um par de
esplêndidas sopeiras e um par de terrinas. Nos quatro cantos da mesa há quatro
entrées de galinha e, entre elas, mais uma vez arranjados simetricamente, mais
seis pratos, dois pequenos e quatro grandes, com vários hors d’oeuvres, costeletas
de carneiro com chicória, um prato de peito de frango e enguias glaçadas com
molho italiano. Durante esse serviço as duas sopeiras eram removidas e substituídas
por dois relevés, um linguado e um salmão, exatamente na mesma posição, para
manter o equilíbrio estético da composição. O segundo serviço repete o padrão,
mas com novos pratos, incluindo um presunto como peça central e bolos, onde
anteriormente estavam o linguado e o salmão. A mesa era então limpa para o
serviço preparado pelo office, sempre um grande espetáculo. Podia incluir queijos,
frutas em conserva e em calda, sorvetes, sorbets e pudins, subordinados a um
elaborado ponto focal, talvez uma escultura de açúcar e flores.
Por volta de 1700 os livros de cozinha ilustrados estavam repletos dessas dispo-
sições de mesa, todas, sem nenhuma exceção, simétricas. Numa casa aristocrática, o
padrão de apresentação era tarefa do maestro della casa, maitre d’hôtel ou mordomo,

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da corte para a sala particular

Service à la française. Gravura do livro de Vincent La Chapelle, Le cuisinier moderne, 1742.

mas qualquer que fosse a mudança, o novo sistema representava um rompimento


definitivo com a prática medieval e renascentista de definir o lugar e a escolha da
comida de acordo com a hierarquia do comensal. Até certo ponto a nova igualdade
era ilusória, porque diferentes membros da casa comiam em diferentes lugares. Mas
onde quer que fosse, todos comiam exatamente a mesma coisa.
Essa maneira de organizar a refeição podia ser muito elegante, como se pode
ver num detalhe do quadro de Martin van Meytens retratando um banquete reali-
zado em 1764, em Frankfurt, por ocasião da coroação do arquiduque José como rei
dos romanos.19 A mesa em questão, já posta para o primeiro serviço, destinava-se
aos eleitores subsidiários. Cada um dos 12 lugares tem um prato de prata ladeado
por outra novidade — uma abundância de talheres. À direita de cada prato há uma
faca; à esquerda, dois garfos, um com dois dentes e o outro com três; em frente
a cada prato há uma colher virada para baixo. Todo prato tem um guardanapo
cuidadosamente dobrado escondendo o pão. O centro da mesa é formado por um
surtout, belo objeto rococó contendo, no nível mais baixo, galheteiros de açúcar e
garrafas de azeite e vinagre, e acima, uma tigela com frutas e flores. Em volta do
surtout, na toalha de damasco branca, podemos ver três conjuntos de vasilhas de
prata, todos arrumados em ordem especular. As quatro maiores são sopeiras, pots
à oilles; as quatro menores são terrines, e há quatro saleiros. Também se vê uma
grande colher de servir, para uso dos próprios convidados.

199
banquete

A elegância do service à la française. Detalhe de Banquete por ocasião da coroação do rei


dos romanos, Martin van Meytens, Frankfurt, 3 de abril de 1764.

200
da corte para a sala particular

Podemos avançar um pouco mais com esses arranjos básicos num segundo
quadro, desta vez uma ceia, un repas nocturne à luz de velas, oferecida pelo príncipe
Nicolas-Léopold de Salm-Salm na década de 1770.20 Estão sentadas em volta da
mesa 17 pessoas, o anfitrião no tradicional lugar de honra medieval, de costas para
a lareira, embora seja verão. Entre os convidados há duas senhoras, mas os demais
são clérigos ou oficiais. Grandes guardanapos estão enfiados nas gravatas ou numa
casa de botão dos homens e no decote das senhoras, caindo em amplas dobras sobre
o colo. A refeição está em andamento, e os assados acabaram de ser colocados na
mesa. Podemos notar que nessa época a prata já havia dado lugar à porcelana. Facas e
garfos estão em ação (supõe-se que as colheres foram retiradas junto com o primeiro
serviço de sopas e oilles). Mais uma vez tudo está disposto num padrão cuidadoso,
com dois candelabros funcionando como âncoras. O ponto central do serviço é um
leitãozinho ladeado por um galheteiro e uma molheira, quatro saleiros e mais quatro
pratos, dois de caça e dois de verduras, um dos quais certamente uma salada. O maître
d’hôtel está ao lado da chaminé, no papel de supervisor, e os criados servem bebidas.
Não se colocavam copos nas mesas do século XVII e XVIII. Quando um comensal
queria beber, chamava um criado (como vemos aqui), que trazia uma bandeja com
uma garrafa de vinho e um jarro de água, caso se quisesse diluir a bebida. Ao pé de
algumas cadeiras há baldes de porcelana para refrescar o vinho, e um maior com
seis garrafas no primeiro plano. À esquerda está uma mesa de servir, com pilhas de
pratos e uma variedade de copos. A sobremesa que ainda está por vir fica em outra
mesa, pronta para ser trazida no momento apropriado; inclui um extraordinário ar-
ranjo floral em forma de templo, à maneira do mestre dos pasteleiros, Joseph Gilliers.
Os homens que servem são criados, o que marca outra mudança. Na Idade
Média e no Renascimento muitos papéis domésticos eram desempenhados por
homens de bom nascimento, ansiosos para garantir um lugar próximo ao príncipe
ou ao senhor. Na França de 1700, não apenas essa prática havia terminado, como a
criadagem se reduzira em 50 %.21 A equipe média de um castelo francês do século
XVIII era de 15 a 20 pessoas, supervisionadas pelo maître d’hôtel ou cuisinier. Mais
ou menos o mesmo aconteceu do outro lado do Canal da Mancha, na Inglater-
ra.22 Ali o antigo ritual de procissão havia desaparecido quase inteiramente. Onde
ainda continuava em uso, como na casa do duque de Chando, em Cannons, na
década de 1720, era encenado apenas aos domingos, e cada serviço entrava com o
principal mordomo à frente, carregando o bastão de ofício. Quase todos os outros
lugares haviam acabado com os serviços desempenhados por cavaleiros e nobres
— o trabalho era considerado degradante. O século XVIII assistiu à sua substituição
por um novo tipo de criado, o lacaio. Inicialmente o lacaio tinha por obrigação
correr ao lado do cavalo ou carruagem do senhor ou senhora, mas aos poucos
passou a servir a mesa. Nas últimas décadas do século XVIII, o grande espetáculo
para impressionar os convidados era o aparecimento do primeiro ou segundo
mordomo chefiando um pequeno exército de lacaios com librés imaculadas.

201
banquete

Nos casos mais requintados, o efeito de um service à la française devia ser


quase o de um balé. Como os pratos não ficavam na mesa muito mais que 15
minutos, havia um panorama em constante mutação à medida que as travessas
eram levadas, outras chegavam e os pratos usados eram substituídos por pratos
limpos. Realçava-se ainda mais o impacto por uma outra introdução do service à la
française, o aparelho de jantar — o conjunto de vasilhas criadas para levar a comida
à mesa. Assim como ocorreu com a distribuição simétrica na mesa, houve uma
ênfase cada vez maior no efeito visual, por meio do uso de recipientes harmônicos
para os vários tipos de alimento.23 Isso teve início na França, na década de 1670,
com o aparecimento de uma nova vasilha, o pot-à-ouille, ou terrina oval. Essas
importantes peças da arte da prataria eram conduzidas isoladamente e desem-
penhavam o papel de peças de centro, ou vinham em pares e eram colocadas a
cada lado da mesa. Gradualmente os objetos inovadores se multiplicaram. A mais
antiga referência a uma terrine ocorreu em 1719, quando muitas outras peças novas
eram introduzidas, à medida que as sobremesas ficavam cada vez mais elaboradas.
Os inventários deixam claro que Luís XIV tinha diversos aparelhos, um para cada
ocasião, a maior parte deles do final do século XVII, em estilo barroco, embora a
decoração de cada peça variasse, em lugar de compor conjuntos iguais. Mas é claro
que itens como “Vaisseille qui sert dans les offices de la Maison du Roy” ou “Vaisseille
faite pour le service du Roy à Versailles et Marly” devem ter sido aparelhos.
O que Versalhes estabelecia como moda o resto do mundo logo seguia.
As outras cortes encomendavam aparelhos diretamente aos prateiros reais ou
copiavam os modelos franceses. Quase todos os aparelhos de jantar do final do
século XVII e início do século XVIII eram feitos na França ou na Inglaterra. Mas foi
a França, sob a égide de Luís XV, que produziu os aparelhos exportados para as
cortes da Rússia, Áustria, Espanha e Portugal. A prata real francesa desapareceu,
parte fundida para pagar os custos altos das guerras, parte durante a Revolução.
Mas podemos ter uma idéia precisa de sua magnificência pelos aparelhos que
sobreviveram em outros países, feitos por Germain, Ballin, Durand e Auguste.
O estilo estabelecido pela corte logo foi copiado pelas classes altas. A chegada
do aparelho de jantar de prata marcou uma mudança fundamental na mesa de
jantar. Até então o aparador em prateleiras era o lugar de exposição ostentatória
dos pratos. Agora a exibição migrava para a mesa, e os comentadores mediam o
esplendor de uma refeição pela quantidade de prata nela exposta. Na Inglaterra,
por exemplo, na década de 1720 a tônica eram as grandes exibições de pratos
de prata dourada ou prata barroca num aparador lateral, com um balde para
resfriar o vinho embaixo. Uma década depois as peças usadas na mesa incluíam
terrinas, molheiras, galheteiros de açúcar, saleiros, épergnes e surtout. Na década
de 1740 aparelhos inteiros foram encomendados pela aristocracia e pela nobreza
do campo. As classes emergentes seguiam a tendência, montando seus serviços
de mesa peça por peça.

202
da corte para a sala particular

Um jantar à luz de velas oferecido pelo príncipe de Salm-Salm. Pintura, c.1770.

203
banquete

Depois da terrina, a novidade mais surpreendente foi o surtout. Esse esplên-


dido objeto apareceu em 1692, durante os festejos pelo casamento do duque de
Chartres no Palais Royal, onde foi assinalado como “uma grande peça de prata
de recente invenção”.24 Inicialmente servia para reunir num só lugar objetos até
então espalhados na mesa — candelabros, açucareiros, potes para mostarda, azeite,
vinagre e até mesmo (como vimos) uma vasilha onde se colocavam flores e frutas.
A inovação deu certo, chegando à Inglaterra em 1715 e tornando-se comum na
mesa européia do século XVIII. Gradualmente o espírito de praticidade deu lugar
ao puro excesso decorativo. Particularmente na fase rococó das décadas de 1740 e
1750, o surtout como centro de mesa decorativo tornou-se de rigueur; foi a era de
artefatos como o serviço marinho de Frederico, príncipe de Gales, com o surtout
coroado por um Netuno reclinado, celebrando o poderio naval britânico. Simulta-
neamente apareceram as épargnes, cestas de metal trançado para frutas e doces.
Essa explosão de prata e prata dourada era para os ricos. Para o resto havia
estanho ou cerâmica na forma de louça esmaltada, faiança e mais tarde porcelana.25
O significativo é a ascensão gradual dessas cerâmicas às mesas da aristocracia. A
necessidade de economia também desempenhou o seu papel nesse fenômeno.
Na Espanha, por exemplo, a escassez de prata levou Felipe III a restringir seu uso
em 1601. Por conseguinte a nobreza espanhola passou a encomendar serviços
de mesa de cerâmica de Talavera. Na França, de maneira ainda mais chocante,
os custos ruinosos das guerras de Luís XIV provocaram éditos em 1689 e 1709
ordenando que todos os vasos de ouro e prata fossem fundidos. Em suas me-
mórias, Saint-Simon escreveu: “Numa semana todos os homens de algum status
ou responsabilidade passaram para a faiança.” Novas manufaturas satisfizeram a
demanda por serviços de banquete com divisas heráldicas para as mesas princi-
pescas. Ao mesmo tempo a mania da porcelana chinesa tomou a Europa, sendo
seguida, quando os europeus dominaram a técnica, por uma pletora de novos
trabalhos de porcelana sob a liderança de Meissen (1710) e Sèvres (1756). Esta
última tinha por trás de si o prestígio da monarquia francesa, e logo imensos
aparelhos de jantar de porcelana, enviados como presentes ou especialmente
encomendados, começaram a trilhar o caminho das cortes de Viena, Estocolmo,
Copenhague e São Petersburgo.
No entanto, quando chegou a hora do aparelho de jantar feito de cerâmica,
não foi a França que abriu o caminho, mas a Alemanha, graças à fábrica de Meis-
sen, patrocinada por Augusto, o Forte, da Saxônia. Em 1710 Augusto encarregou
o prateiro de sua corte de “possibilitar a produção de objetos de mesa, algumas
vezes em quantidades extremamente grandes, e outros tipos de objetos artísticos”.
A escolha de um prateiro para o trabalho vincula o “aparelho” de porcelana a seus
antecedentes. O próprio termo, aplicado a um conjunto de objetos combinados
para a mesa, passou a ser originalmente usado na França do século XVII, referindo-se
a um conjunto de pratos e vasilhas de servir feitos de prata, colocados sobre a mesa

204
da corte para a sala particular

e destampados simultaneamente. Como sugere a ordem de Augusto, o formato


dos primeiros aparelhos de jantar de porcelana derivava dos antecedentes de prata.
No entanto, só a partir da década de 1730 é que Meissen realmente começou a
produzir os grandes aparelhos. Um deles foi feito para o conde Brüh, com 2.200
peças. Após 1750 outras fábricas começaram a imitá-los, com variantes produzidas
em diferentes países. Os ingleses, por exemplo, tinham preferência por vasilhas no
formato de vegetais ou — para uso nos jantares de caça — de animais.26
Tanto a prata como a cerâmica constituem imensos campos de estudo. Basta
dizer que a nova moda dos objetos de mesa serviu para mudar a maneira como
o jantar médio era realizado. O impacto visual da refeição em 1750 era comple-
tamente diferente do século anterior.27 Podemos identificar uma série de pinturas
onde essas mudanças ocorreram, nas quais o efeito visual dependia sucessivamente
da comida, da prataria e finalmente da porcelana. Ligava-se a isso a importância
cada vez maior do office, com sua confeitaria altamente especializada. Era a equipe
do office que punha a mesa.
Em meados do século XVII o grande problema do desenho da mesa era criar
efeitos verticais — à parte os candelabros — na superfície plana. A solução foi o
service en pyramide, que se tornou a forma mais característica de apresentação dos
alimentos até o final do primeiro quarto do século XVIII. O arranjo era particular-
mente usado para apresentar a sobremesa, em geral servida numa sala diferente,
embora às vezes ficasse no centro da mesa durante toda a refeição. Complexos
arranjos de frutas em conserva com flores e folhas artificiais eram empilhados em
prateleiras de tamanhos decrescentes, tendo entre elas as chamadas porcelaines,
pratos de prata, estanho ou cobre, muitas vezes disfarçados com folhas para im-
pedir que desabassem. As numerosas gravuras das grandiosas refeições na corte
de Luís XIV mostram infinitas variações do service en porcelaine.
A apresentação piramidal foi substituída por desenhos vistos nos quadros do
banquete de Frankfurt, composições simétricas de prata em torno de uma terrina ou
surtout. Mas em meados do século XVIII, particularmente em ocasiões importantes,
durante toda a refeição a sobremesa ficava no lugar, como um grande parterre (ou
tabuleiro) no centro da mesa. Nessas espantosas criações ocorria um complexo ca-
samento entre as artes de prateiro, ceramista e pâtissier. Este último usava pastas de
açúcar, massa de biscoito, cera, papelão, fios de seda e açúcar colorido para construir
templos e portos, caixas e estatuária, muitas vezes colocados sobre espelhos para
aumentar a luz pelo reflexo. Joseph Gilliers, pâtissier do rei Estanislau da Polônia,
escreveu o livro definitivo sobre o assunto, um guia completo para a construção
destas cidades de brinquedo dos sonhos rococós. Le canneméliste français (1751) é
cheio de gravuras com todos os tipos de efeitos, inclusive mesas inteiras arranjadas
como tabuleiros rococós completos, com estátuas e vasos. Em outras circunstân-
cias poderiam passar por um desenho de jardins de verdade. No entanto, lá pelo
terceiro quarto do século, as criações de açúcar do pâtissier foram substituídas pelas

205
banquete

A mesa de jantar como parterre. Gravura em Joseph Gilliers,


Le canneméliste français, 1751.

206
da corte para a sala particular

versões permanentes feitas em porcelana. Em 1790 a corte dinamarquesa possuía


nada menos que 850 peças de porcelana e biscuit, representando cascatas e rochas,
navios de guerra e pavilhões, afora os eternos vasos e estátuas.28
Nesse contexto, passemos a palavra a Parson Woodforde, um inglês residente
na província e autor de um diário que chegou até nossos dias. Em 1728 ele foi a
um jantar de gala dado pelo bispo de Norwich e descreveu o que via ainda como
novidade: “um jardim artificial muito bonito ... que permaneceu durante o jantar e
depois dele, uma das coisas mais belas que jamais vi, com cerca de uma jarda (um
metro) de comprimento e 18 polegadas (45 centímetros) de largura, no meio do
qual havia um grande templo redondo apoiado em pilares redondos, e os pilares
tinham flores artificiais entrelaçadas — de um lado uma pastora, do outro um pastor,
várias urnas muito belas, decoradas também com flores artificiais etc.”29 O parterre
afrancesado levou 30 anos para alcançar o leste da Inglaterra georgiana.

A SALLE À MANGER E AS SALAS DE REFEIÇÃO

A mais remota referência do termo salle à manger aparece no projeto de uma


casa, num livro francês de arquitetura publicado em 1647.30 A criação de uma
sala separada para as refeições foi decorrência direta do que vinha aconte-
cendo nas casas parisienses da aristocracia nas décadas precedentes. À antiga
seqüência básica de sala de recepção com múltiplos propósitos, a salle seguida
por uma série de apartamentos, consistindo de uma antecâmara e um quarto
de dormir, foram acrescentados novos aposentos arranjados en enfilade para se
ter uma elegante vista de interior de inúmeras portas duplas. Entre a salle e o
apartamento foram introduzidos a salle à manger para as refeições e o salon para
a conversa. À medida que avançava o século XVII, essa seqüência de aposentos
enfileirados desenvolveu-se ainda mais, começando com o vestíbulo, depois
uma antecâmara onde os criados ficavam a postos, uma segunda antecâmara
em que as pessoas se reuniam e também servia como salle à manger, o salon
para receber as visitas de determinada categoria (mas também usado para
jantar em ocasiões de gala) e finalmente os quartos de dormir.
O que mais chama a atenção nisso é o fato de salas separadas serem dedica-
das às duas funções de comer e conversar. Essa divisão surgiu da forma de vida
social iniciada pelas précieuses, um grupo de damas extremamente finas liderado
por Catarina de Vivonne, marquesa de Rambouillet, que remobiliou sua mansão
em 1619. As précieuses foram responsáveis pelo início de uma nova sensibilidade
social, em que a conversa culta misturava-se à galanteria e a reverência ao amor
platônico. Os jantares de gala característicos do período renascentista e medieval,
seguidos por um baile, não eram para elas. Preferiam a interação das mentes,
conversas educadas com os convidados sob o comando de um outro fenômeno

207
banquete

novo, a anfitriã. Daí o aparecimento do salão, outro passo na direção de revestir


áreas de espaço privado com significados e funções específicos.
Na década de 1640 o salão já havia entrado num longo apogeu. Sua impor-
tância crescente refletiu-se no fato de o arquiteto Le Vau, na década de 1650,
passá-lo do piano nobile para o rés-do-chão e torná-lo a peça mais importante de
qualquer castelo. Nessa medida viria a ser a principal sala de recepção, o lugar de
desfile e, em ocasiões de gala, cenário de grandes jantares. Na verdade isso serviu
para reduzir o papel da refeição na vida social. Enquanto numa época anterior o
máximo do entretenimento era um jantar elegante, em meados do século XVIII
o que um anfitrião tinha a oferecer de melhor a seus convidados abrigava-se na
nova sala, o salão, com suas múltiplas atividades — conversa, música, jogos. A sala
de jantar tornou-se relativamente pequena perto do salão, e a refeição era apenas
um episódio subordinado ao que acontecia no lugar mais importante. Os novos
arranjos refletiam admiravelmente os ideais da sociedade iluminista.
As salas de jantar, muitas da quais sobrevivem até hoje, em geral eram
equipadas com um belo aparador de mármore para o serviço e a exibição da
prataria, e muitas vezes com uma fontaine para lavar as taças e um forno de
porcelana para aquecer o ambiente. Tudo isso representava um eco distante de
séculos anteriores. Já em meados da década de 1650 o aparador em prateleiras
saíra de moda, e aqueles elaborados para exibição da baixela tornavam-se raros;
em ocasiões especiais, precisavam ser expressamente construídos.31 O aparador
ou mesa lateral tinha usos práticos e também exibia as sobremesas. Já os encon-
tramos no quadro do jantar de gala do príncipe de Salm-Salm; dois aparadores
temporários foram montados no que deve ter sido o salão, um para serviço,
incluindo a bebida, e outro para as sobremesas. Mais uma característica da sala
de jantar era o balde de vinho, ou refraîchissoir cheio de gelo, se disponível, ou
senão com água adicionada de cânfora ou salitre para diminuir a temperatura.
Os franceses definiam o que deveria se tornar padrão nas ocasiões sociais em
toda a Europa continental. A prática inglesa era um pouco diferente. Ali, embora
o conceito da sala de jantar houvesse surgido na década de 1630, seu uso efetivo
iria permanecer incerto por boa parte do século XVIII. A principal novidade foi a
multiplicação das salas onde as pessoas comiam em diferentes circunstâncias. Na
década de 1660, a casa de lorde Craven, em Hamstead Marshall, tinha um “little
parlour ou sala comum de comer”, uma “withdrawing roome ou sala para o lorde
comer”, e ainda a great parlour”. Do lado oposto ao vestíbulo havia uma “sala para
os cavalheiros comerem” e uma “sala para os criados comerem”.
A última sala mencionada nos dá a chave do desaparecimento, em 1700, dos
criados para os cavalheiros.32 Como o serviço passou a ser feito por empregados,
era necessário criar um outro ambiente para eles comerem. Na França as famílias
faziam suas refeições na mesma mesa que secretários, governantas e tutores;
os criados principais, valets e femmes de chambre, presididos pelo maître d’hôtel,

208
da corte para a sala particular

numa segunda mesa e todos os outros criados, de cozinheiros a arrumadeiras,


presididos pelo cuisinier, ainda em outra, cada uma das três em lugar diferente.
Por volta de 1700, mais ou menos o mesmo havia acontecido na Inglaterra,
com uma redução semelhante nas dimensões da criadagem. Por volta de 1700
a norma ali era uma sala separada para os criados. Se a casa era grande, podia
demandar mais de uma. Na década de 1720, em Cannons, a grande casa de
campo do duque de Chandos, os criados principais comiam na sala do capelão,
os seguintes na sala do escudeiro e os restantes na cozinha ou na copa. Daí em
diante, apenas em grandes ocasiões, como um casamento, uma emancipação ou o
Natal, o salão assumia sua função medieval. Dessa forma o espaço arquitetônico
era usado para separar e definir a ordem de uma sociedade estratificada.
Na Inglaterra a expressão dining-room apareceu oficialmente pela primeira
vez em 1755, no dicionário do dr. Johnson, embora na verdade já tivesse um
século de uso.33 Em Graphice (1658), William Sanderson refere-se a dyning-roome
na discussão sobre onde pendurar quadros, recomendando que nela figurassem
os retratos do rei e da rainha, junto com os de dois ou três membros da família e
da nobreza, “para acompanhar suas principescas pessoas”.34 Quase 30 anos antes
de Johnson, Narford Hall já tinha “uma bela sala de jantar pintada de branco e
dourado”. Mas foi o arquiteto Robert Adam quem destacou a diferença funda-
mental entre franceses e ingleses quanto às salas de jantar. Na França todos se
erguiam ao final da refeição e iam conversar no salão. Na Inglaterra, em 1700,
os homens continuavam na sala de jantar para conversar, beber e, se quisessem,
quando as senhoras se afastavam, para usar um urinol discretamente instalado.35
Essa peça às vezes era guardada num pequeno armário, mas os aparadores no
estilo Sheraton da década de 1790 e depois incluíam um pequeno armário ao
lado para acomodá-la.36 Em 1773 Adam escreveu que as salas de jantar deveriam
portanto “ser consideradas os aposentos da conversa, em que podemos passar boa
parte do tempo. Recomenda-se que sejam mobiliadas com elegância e esplendor,
mas num estilo diferente daquele dos apartamentos. Em vez de serem cobertas de
damascos, tapeçarias etc., devem sempre ser revestidas de estuque e adornadas
com estátuas e pinturas, para não reter o cheiro dos alimentos”.37 Partindo dessa
premissa, Adam argumentava que era essencial para o arquiteto ter controle total
sobre a mise-en-scène, até mesmo sobre cortinas e prataria.
Quando hoje visitamos uma casa de campo do século XVIII esquecemos que
na última metade daquele século o jantar era servido às quatro ou cinco horas;
ainda era dia, o que explicava a escolha de uma decoração em tons claros.38 Ape-
nas no século seguinte, quando as horas de jantar foram ficando cada vez mais
tardias, é que as cores escuras entraram na moda. Na mesma época em que Adam
escrevia, as revistas femininas desenvolviam a idéia de que certas áreas da casa se
relacionavam a um sexo ou outro. A sala de jantar, graças ao costume inglês de
as senhoras se retirarem, era considerada masculina.39

209
banquete

Muito embora um aposento especial para comer fosse característica esta-


belecida no começo do século XVIII, não se deve pensar que a mesa estivesse
permanentemente montada.40 Na Inglaterra isso só aconteceu após 1780, com
a invenção das mesas com abas, que podiam ser abertas ou dobradas de acordo
com o número de comensais. As cadeiras ficavam encostadas na parede e eram
trazidas para junto da mesa na refeição. Anteriormente havia longas mesas sólidas
no salão que sobreviveram no século XVI ou começo do XVII, em lugares como
Hatfield House ou Hardwick Hall. Mesas com pesadas pranchas removíveis eram
usadas pelas famílias para jantar nos salões. Porém em geral os criados carregavam
mesas de abas dobráveis para qualquer sala onde se quisesse servir o jantar.
A popularidade das mesas redondas e ovais com abas e pernas dobráveis no
final do século XVII refletia um novo desejo de informalidade. As inovações nas
cadeiras revelavam esse movimento.41 Até cerca de 1675, a forma mais comum
era a cadeira adequada à saia-balão, basicamente um banquinho com encosto.
Originalmente essa cadeira estava a meio caminho de uma seqüência decrescente
de importância, começando com a cadeira de braços, a cadeira sem braços e depois
o banquinho sem encosto, que podia inclusive ter alturas ligeiramente diferentes,
dependendo da importância social do convidado. Após essa data, conjuntos de
cadeiras com assento de palhinha, idênticos, exceto quanto aos entalhes, tornaram-
se a norma na França e na Inglaterra. Como as pessoas de mesma importância
social comiam na mesma mesa, mas em salas separadas, já não havia necessidade
de uma hierarquia de cadeiras.

DAS BOAS MANEIRAS À ETIQUETA

Até o cataclisma de 1789, as boas maneiras relacionavam-se às regras observadas


nas cortes.42 O que começou na Renascença como um sistema de comportamento
levando homens de diferentes classes sociais a partilharem um padrão de intercâmbio
social tornou-se, nos séculos XVII e XVIII, um meio de preservar as castas. As boas
maneiras não eram mais um veículo de inclusão, mas de exclusão. A aristocracia,
é claro, estava sob a permanente pressão das classes comerciais e profissionais em
expansão e do acesso à torrente de livros que descreviam os labirintos dos com-
portamentos na corte. A maior parte desses livros era, já no século XV, pouco mais
que tratados de cortesia, longas listas de proibições e recomendações, tais como se
lembrar de sentar-se empertigado e não colocar os cotovelos à mesa. Mas embutidas
nelas havia nuances que apontavam para mudanças no mores do jantar, decorrentes
tanto da nova culinária como da multiplicação dos talheres e do uso cada vez mais
difundido do garfo. A mudança prática mais significativa foi a individualização do ato
de comer. Pela primeira vez cada comensal formava uma unidade com seu próprio
prato, guardanapo e talheres; já não tinha que dividi-los. Mas podemos perceber uma

210
da corte para a sala particular

transformação ainda maior, embora menos tangível: o aparecimento do gosto como


novo indicador de status social. O que definia o gosto era o discernimento estético
e intelectual, o que, por sua vez, era visto como um atributo inato que encontrava
expressão numa sociedade cada vez mais orientada para o consumo. O gosto, além
do mais, englobava o julgamento sobre a comida.
Tais mudanças são confirmadas pelo Nouveau traité de la civilité (1671), de Antoine
de Courtin, que depois do livro de Erasmo é o mais influente guia de boas maneiras
jamais escrito, tendo inúmeras edições. Nele aprendemos que no final do século XVII
as abluções cerimoniais antes das refeições passaram a envolver apenas os principais
convidados; cuspir já não era aceitável; os homens tiravam o chapéu quando se
davam graças, quando serviam uma dama ou um superior lhes fazia um brinde. Os
garfos passaram a ser considerados imprescindíveis: “Deve-se cortar a carne no prato
e levá-la à boca com o garfo. Digo com o garfo porque é ... muito indecente tocar
alguma coisa gordurosa, ou com molho, ou no xarope etc., com os dedos; além do
mais, isso obriga-nos a cometer mais duas ou três indecências.” Estas “indecências”
incluíam limpar os dedos no guardanapo, deixando-o como uma “toalha de cozi-
nha”, no pão ou, pior ainda, lamber os dedos, “que é a maior das impropriedades”.
Mas o que o livro dizia que devia fazer e o que realmente se fazia eram duas
coisas muito diferentes. Luís XIV continuava a usar os dedos para comer carne.
Ainda em 1737 um livro holandês de boas maneiras, De hofsche Wellevenntheid,
incorporava o que Courtin escrevera sobre maneiras à mesa, mas substituía as
referências de Courtin sobre a faca e o garfo por “faca, colher ou outro”. Um
estudo revelou que em meados do século XVIII, na área de Gand, Flandres, os
garfos eram usados até pela pequena burguesia, ainda que apenas aos domingos,
mas sua ausência na tradução do livro indica que não era certo que existissem.43
Facas e garfos aparentemente eram a norma nas classes altas, mas entre as classes
médias os garfos continuaram sendo peças de prestígio guardadas junto à prata-
ria, tirados e usados apenas em ocasiões especiais. Sua adoção em toda a Europa
foi um processo lento, que só aos poucos desceu a escala social, e mesmo assim
apenas até as classes médias. No entanto, à medida que o século XVIII avançava,
seu domínio significou um declínio no número de guardanapos, pois já não era
necessário sujar os dedos. Portanto, a afirmação de Jean-Baptiste de la Salle em Les
règles de la bien-séance et de la société chrestienne (1729), de que “é completamente
contrário às boas maneiras tocar a carne e, pior ainda, a ‘sopa’ com os dedos”,
podia fazer sentido na sociedade da corte, mas não fora dela.
Havia, é claro, variações na prática dos diferentes países: o que era considerado
boa educação num país podia ser grosseria em outro. Jean Gailhard, em The Com-
plete Gentleman (1678), observa algumas diferenças entre a França e a Inglaterra:

Na Inglaterra é de bom-tom o dono da casa entrar antes do estranho. Isso passaria


por grave incivilidade na França. Aqui a senhora da casa costuma sentar-se à parte

211
banquete

superior da mesa, que na França é reservada aos estranhos; se somos muitos à mesa,
não temos escrúpulos de beber todos de um copo ou caneca, o que os franceses não
costumam fazer; e se um criado lhes oferecer um copo sem ser lavado a cada vez
que bebem, eles ficam muito aborrecidos.

Outras fontes mostram o que acontecia na mesa inglesa.44 No raro livro da


sra. Alice Smith, Art of Cookery (1758), encontramos uma relutância tão forte em
aceitar os hábitos franceses à mesa quanto em adotar sua culinária. Ela aprovava
o “bom e velho costume inglês” da dona da casa trinchar e servir os convidados,
que deveriam provar de todos os pratos. A prática então mais recente, em que
“todos se serviam do que queriam” e só comiam o que escolhiam, era vista por
ela como lamentável.
A evolução das boas maneiras antes de 1789 pode ser descrita como uma
perpétua reinvenção. Assim que o indivíduo que aspirava a subir na escala social
aprendia a imitar seus superiores, estes prontamente mudavam os hábitos. Já exis-
tiam as técnicas de comer que hoje nos são familiares: o uso do guardanapo, faca,
garfo e colher; mas um couvert completo com abundância de talheres e baixelas
deve ter sido prerrogativa de relativamente poucos. Os modos camponeses de
comer continuaram mais ou menos imutáveis desde a Idade Média.
Um hiato social abriu-se em torno do horário das refeições.45 Na Idade Mé-
dia, o jantar, a principal refeição do dia, era na mesma hora, não importando a
classe. Depois a elite social passou a jantar cada vez mais tarde, afastando-se das
classes comercial e trabalhadora. O mesmo deslocamento aconteceu com o apa-
recimento de uma classe urbana ociosa; o jantar sempre foi servido mais tarde na
cidade que no campo. Em 1740, em Bulstrode (a casa de campo da duquesa de
Portland), o jantar era às duas horas, o chá às oito e a ceia às dez. Em contraste,
na década de 1770, o jantar em Londres havia passado para as quatro e meia
ou cinco horas. O campo continuava atrasado, mas naquela data o jantar estava
sendo servido às três ou quatro horas. O mesmo aconteceu na França. Seguindo
a moda ditada pela sociedade parisiense elegante, Maria Antonieta e seu círculo
jantavam às quatro ou cinco horas quando estavam no Petit Trianon.46 Todos os
domingos, ainda presa pela etiqueta formal de Versalhes, a rainha devia voltar
ao palácio e submeter-se às formalidades do jantar público au grand couvert, sem
comer e sequer se preocupar em desdobrar o guardanapo.
Uma vez estabelecidas, as maneiras tornaram-se etiqueta. O primeiro livro a
usar tal palavra foi o anônimo The True Gentleman’s Etiquette, publicado em 1776.
Mas com a etiqueta nós antecipamos a era burguesa, ainda por vir. Até a Revolução
Francesa a história da comida e da mesa continuou a se dar em torno das cortes
— e de uma corte em particular, Versalhes. É para esse extraordinário fenômeno
que devemos agora voltar a nossa atenção.

212
da corte para a sala particular

MESSIEURS, AU COUVERT DU ROI!

O ato de comer inseria-se na própria estrutura das cortes absolutistas dos séculos
XVII e XVIII. Essa foi uma era que testemunhou intensa elaboração do cerimonial,
das maneiras, do gosto e da conversação, tudo originado na corte e apresentado
com um propósito — impor a existência de uma estrutura imutável de poder. Tal
objetivo foi alcançado pela criação de um complexo sistema que governava os
graus de admissão à presença do monarca.47 Versalhes, à medida que evoluía em
torno do Rei Sol, de 1660 em diante apresentava ao mundo externo um espetá-
culo de magnificência sem paralelo, no qual comer em público passou a ser um
ritual indispensável, encenado diariamente pelo rei.48
De três a cinco mil pessoas alimentavam-se diariamente em Versalhes, numa
hierarquia de mesas.49 Toda a operação era responsabilidade da chamada maison-
bouche, que englobava sete diferentes departamentos, com uma equipe de cerca
de 500 pessoas, mais 160 garçons. Todos obedeciam ao grand maistre de France,
cargo que era privilégio hereditário de um membro da casa de Condé. A essa
época os outros cargos medievais ligados ao comer real, o grand panetier e o grand
échanson, haviam se tornado sinecuras cerimoniais, mas os príncipes de Condé
presidiram a maison-bouche até a queda da monarquia. Abaixo do maistre vinha o
premier maître d’hôtel, com um delegado e uma equipe que seguiam uma escala
de serviço. Essa organização era responsável pelas mesas do rei e dos príncipes de
sangue, bem como dos soberanos ou embaixadores em visita.
A produção da maison-bouche era encabeçada pelo contrôleur général, que
administrava as finanças e se encontrava com os outros funcionários três vezes por
semana para examinar as despesas. Dos sete departamentos, apenas dois, o gobelet
e a cuisine, efetivamente proviam a mesa real. Dos outros cinco, três proviam os
funcionários da corte. O próprio gobelet era subdividido em duas seções, cada qual
com seu próprio chef e 12 chefs assistentes. Uma das seções cuidava de pão, sal,
toalhas e frutas, a outra da água, dos vinhos, licores, café, gelados e refrescos. A
cuisine-bouche, que preparava apenas a comida da família real, tinha uma equipe
rotativa de 55 pessoas. A ela também pertenciam todas as baixelas, tanto as de
ouro como de prata, e mais tarde as de porcelana.
No começo Luís XIV jantava e ceava em público, ação encerrada na expres-
são au grand couvert. Na década de 1690, o jantar ao meio-dia deixou de ser um
evento público, exceto para os grandes dias de festa, como Páscoa, Pentecostes,
Ano-Novo e alguns domingos. O jantar passou a acontecer privadamente, au
petit couvert. Isso, por sua vez, foi mais tarde desdobrado em duas outras formas
distintas, le très petit couvert e les jours de médecine. Le petit couvert significava que o
rei comia sozinho numa mesa posta em seus aposentos de gala.50 Após a morte
da rainha, algumas vezes comia na antecâmara dos aposentos da delfina. Mas
depois que ela também morreu, voltou a seus próprios apartamentos. Durante o

213
banquete

petit lever o rei, cujo apetite era grande, como o de todos os Bourbon, dizia o que
queria comer. Quando chegava a hora de jantar ele era chamado pelo primeiro
cavalheiro da Câmara, que também o servia na ausência do grande camarista.
Sentar-se sozinho à mesa não significava que o rei estivesse literalmente só; além
dos criados, um grupo de nobres e funcionários da corte sempre ficava de pé, a
alguma distância, assistindo a tudo.
Tampouco havia qualquer sugestão de informalidade na refeição. Nada me-
nos de 15 pessoas eram necessárias para carregar a carne do rei em procissão, do
grand commun, onde a comida era feita, até os aposentos reais. “Primeiro entravam
dois guardas. Seguiam-se então o porteiro da sala, o mordomo com seu bastão, o
cavalheiro encarregado da despensa real, o contrôleur général, seu ajudante, e então
os funcionários carregando a carne, o camarista da cozinha e o encarregado da
porcelana real. Dois guardas reais fechavam a procissão.”
A palavra couvert significava que os pratos eram cobertos, numa tentativa de
mantê-los quentes. O termo sobrevive até hoje, designando um lugar preparado
numa mesa de refeições.
Caso o rei desejasse beber, o cavalheiro que estivesse agindo como escanção
gritava “À boire pour le roi! ”, curvava-se e dirigia-se ao aparador, onde o copeiro-chefe
lhe entregava uma bandeja de ouro com duas garrafas de cristal, uma com vinho
e outra com água, e uma taça coberta com um guardanapo. O copeiro-chefe, seu
assistente e o cavalheiro que estivesse atuando como copeiro iam então até a mesa
real e curvavam-se profundamente, antes de provar os conteúdos das garrafas em
copos de prata dourada. Curvando-se mais uma vez, o cavalheiro copeiro devolvia
a bandeja ao copeiro-chefe, que a levava de volta ao aparador.
A ceia era sempre au grand couvert às dez horas da noite.51 No começo do
reinado de Luís XIV, seguia o ritual que fora estabelecido para Henrique III, em
que funcionários hereditários desempenhavam seus papéis cerimoniais sob a di-
reção do maître d’hôtel, e a grande naveta era colocada sobre a mesa.52 Em 1674 o
ritual mudou. Os nobres passaram a servir no lugar dos funcionários hereditários,
e a naveta — que àquela altura havia adquirido um status quase místico, como
símbolo da soberania — desapareceu da mesa. Daí em diante, quando não era
colocada num dos aparadores existentes na sala da guarda, era posta num armário
envidraçado. Todos que passavam diante dela tinham de se ajoelhar.
Até a morte da delfina da Baviera em 1690, a ceia au grand couvert acontecia
na antecâmara dos aposentos da rainha. Depois disso passou para a antecâmara do
rei, e até 1789 acontecia num desses dois aposentos. A essa refeição compareciam
não apenas o rei, mas também a rainha e outros príncipes e princesas da família
real. Dependendo de onde a refeição fosse realizada, a cozinha variava. Se fosse na
antecâmara do rei, a comida vinha da bouche du roi. Se fosse na da rainha, o rei e
seus convidados sentavam-se num dos lados da mesa, a rainha e seus convidados
no outro, e cada lado era servido com comida de sua própria bouche.

214
da corte para a sala particular

Tratava-se de uma ocasião governada por um protocolo muito exato.


Como tudo mais em Versalhes, a refeição era regulada até o último detalhe
pelo próprio rei, que decidia exatamente quem era suficientemente qualificado
para sentar-se à mesa com ele. Em março de 1710 Saint-Simon registrou em seu
diário que o rei havia decretado que “princesas de sangue não deveriam comer
au grand couvert. Após a ceia, não seguiriam o rei até seus aposentos; tal honra
cabia apenas aos filhos e filhas, netos e netas da França. As princesas seriam
convidadas apenas em ocasiões especiais, festas de casamento na família real ou
outros acontecimentos excepcionais”.53 Em Versalhes as gradações hierárquicas
eram assiduamente estudadas até o menor detalhe.
Para entender tal questão é crucial conhecer a seqüência de aposentos onde
transcorria a existência da monarquia francesa até o seu colapso.54 O sistema não
permitia qualquer privacidade. Quando o palácio de Versalhes foi originalmente
construído, na década de 1670, a seqüência dos aposentos reais era a seguinte:
chegava-se pela escada dos Ambassadeurs, passava-se por duas salas de recepção
(os salões de Vênus e de Diana), a sala da guarda (o salão de Marte), a antecâmara
ou sala do trono (o salão de Mercúrio), os aposentos de gala (o salão de Apolo), o
gabinete, a sala do conselho (o Grande Gabinete) e finalmente chegava-se ao quarto
de dormir privado do rei, com alguns gabinetes menores ao redor. As refeições au
grand couvert aconteciam no salão de Mercúrio. Isso foi alterado no final do século
XVII, quando o rei se mudou para outra ala do palácio, à qual se chegava pela esca-
daria da rainha. Esta levava diretamente à sala da guarda real e à que era chamada
antecâmara do grand couvert, e então à antecâmara de l’Oeil de Bouef, que até 1701
abrangia os aposentos de gala do rei, onde ele dormia, e uma antecâmara menor.
O cerimonial da refeição au grand couvert começava quando dois porteiros
da antecâmara gritavam “Messieurs, au couvert du roi!”, batiam à porta da sala da
guarda e pediam a um oficial que descesse com os dois porteiros até o gobelet.
De lá formava-se uma procissão trazendo o necessário para pôr a mesa real, que
incluía um criado levando a tocha, o chefe da paneterie-bouche com a naveta real
e dois guardas a seu lado. Diante da naveta todos descobriam a cabeça. Quando
chegavam à sala da guarda, duas mesas eram postas. Uma, o pequeno buffet du
gobelet, com o jarro e a bacia necessários para lavar as mãos, jarros de vinho e de
água, taças e guardanapos. Na mesa maior, a table du prêt, colocava-se a naveta,
cortava-se o pão e davam-se os retoques finais nos pratos antes que fossem levados
à mesa do rei. Quando este jantava au grand couvert na antecâmara da rainha o
número de aparadores dobrava.
Depois que a sala da guarda estava arrumada a mesa real era posta na antecâ-
mara vizinha, no mesmo lugar que ocupava na Idade Média, com o rei de costas
para a lareira. A mesa era na verdade bem pequena. Um cavalheiro e o chef de la
paneterie estendiam a toalha e punham a mesa. Um diagrama datado de 1702 mostra
exatamente como ela deveria ser posta.55 Nessas ocasiões o rei sentava-se sozinho

215
banquete

de um lado, tendo seis outros membros da família real, um de frente para o outro,
à sua direita e à sua esquerda. Dois candelabros com dois saleiros eram colocados
no centro, emoldurando a pessoa do rei. Na própria mesa, o primeiro serviço era
arrumado num padrão simétrico, à maneira do service à la française. Os príncipes e
princesas tinham apenas um prato à frente, presumivelmente os talheres e o pão
dentro do guardanapo. No caso do rei os arranjos eram mais complexos. À sua
frente ficava “o guardanapo real”, à esquerda, dois outros pratos, um denominado “a
porcelana do rei, onde ele molha o pão na sopa”, e outro “o prato pequeno especial
do rei”. À direita ficava um objeto retangular chamado “cadenas”.
Já havia cadenas na mesa do cardeal arcebispo de Sens em Roma, na dé-
cada de 1580.56 Tais objetos parecem ter sido uma invenção especificamente
francesa, um meio adicional para evitar envenenamento. Substituíram a naveta,
pois combinavam uma área retangular em que a faca e a colher reais, no caso
de Luís XIV, eram colocadas, junto com uma pequena caixa com sal e pimenta.
Originalmente deviam ficar trancadas, para evitar que qualquer substância en-
venenada fosse acrescentada a seus conteúdos (a palavra cadenas atualmente
quer dizer cadeado em francês). A primeira menção a uma peça dessas na França
ocorreu no reinado de Henrique II. Não era um objeto tão exclusivo quanto a
naveta, pois no século XVII não apenas o rei e a rainha as tinham, mas também
príncipes de sangue e duques.
Quando a mesa estava posta, o porteiro batia à porta da sala dos guardas
mais uma vez e gritava: “Messieurs, à la viande du roi!”. Então o rei descia, acompa-
nhado de três guardas, ao office-bouche, onde encontrava o maître d’hôtel do dia e
o controlador à sua espera, com o primeiro serviço já testado. Formava-se outra
procissão (eram mais de 500 metros da cozinha até a mesa real) encabeçada por
um porteiro carregando uma tocha, o maître d’hôtel levando o bastão de ofício, dois
gardes du corps com rifles ao ombro, dois outros levando a comida e finalmente
mais dois guardas. Ao chegar à sala da guarda a comida era posta na table du prêt
e provada uma segunda vez, levada para a antecâmara e colocada à mesa real. O
ritual era repetido a cada serviço.
Logo que o primeiro serviço era posto, o maître d’hotel avisava ao rei, enquanto
um escudeiro prevenia príncipes e princesas. Dependendo de onde o rei estivesse,
podia levar até 15 minutos para chegar à mesa. Um bom tempo antes, às nove
horas, os que já haviam sido formalmente reconhecidos ou tinham a forma correta
de recomendação já começavam a se reunir, na esperança de serem admitidos à
câmara. Na verdade não era difícil entrar; existem relatos que expressam um certo
espanto com a composição da assembléia. As princesas, duquesas e outras damas
com direito ao tabouret sentavam-se em semicírculo, tendo atrás outras damas e os
cavalheiros. As mulheres deviam usar vestidos de corte com cauda. A precedência
era estritamente observada até mesmo na mesa real; o rei usava uma cadeira de
braços, e os príncipes e princesas sentavam-se em tabourets.

216
da corte para a sala particular

Atrás do rei, à direita, ficava o primeiro cavalheiro da Câmara, e à esquerda o


capitão da guarda ou seu substituto, o premier maître d’hôtel. Um padre, um médico
e um cirurgião também mantinham-se a postos. O serviço se fazia sob a direção de
um dos maîtres d’hôtel da quinzena. A refeição começava com o padre dando graças,
e depois vinha a ablução das mãos. Então o chef de la paneterie entrava levando o
guardanapo real num prato de ouro, que era entregue ao rei pelo maître d’hôtel; mas
se estivesse presente um príncipe de sangue ou algum outro grande personagem, a
tarefa lhe era atribuída. Sob Luís XV, passou a ser costume o delfim e a filha mais
velha apresentarem o guardanapo ao rei e à rainha, respectivamente.
Havia três serviços além da sobremesa. Cada qual era apresentado por
cinco ou seis cavalheiros, que colocavam os pratos à mesa, descobriam-nos e
retiravam-nos. Quando o rei pedia uma bebida, o cavalheiro designado para o
papel de mordomo gritava “À boire pour le roi!”, e encenava-se o procedimento já
descrito para o petit couvert, desta vez envolvendo o cavalheiro mordomo, o chef
d’echansonnerie e o aide du gobelet.
Durante a refeição os príncipes e princesas falavam dois a dois; o rei e a rainha
conversavam com alguma das pessoas que os serviam. É extraordinário que essa
encenação tenha prosseguido virtualmente sem mudanças até 1789. Um toque
de leveza era dado pela música, porque Luís XIV ordenava que os petits violons de
son cabinet tocassem peças de Lully e de Lalande.57 A música desapareceu com
Luís XV e voltou com Maria Antonieta. Este rei passou o teste da bebida para o
aparador, e a volta da música com Maria Antonieta pôs fim ao grito de “À boire”.
Mas estas eram mudanças pequenas. O ritual durava no total cerca de uma hora,
terminando — imagina-se que com alívio de todos — lá pelas 11 horas.
Saint-Simon, em 1710, dá uma descrição exata do que acontecia depois:

Quando se levantava da mesa, o rei costumava ficar por menos um quarto de hora
com as costas na balaustrada do quarto de dormir, onde todas as damas que haviam
estado presentes à ceia esperavam de pé, em semicírculo; todas exceto as que tinham
tamboretes. As damas de tamborete saíam da sala da ceia atrás dos príncipes e princesas
de sangue [que haviam estado na mesa com o rei], avançavam uma a uma para fazer
um profundo cumprimento e então completavam o semicírculo de damas de pé com
os homens atrás delas. O rei se divertia por algum tempo admirando vestidos, rostos e
as cortesias mais graciosas; dizia uma ou duas palavras aos príncipes e princesas e então,
curvando-se à direita e à esquerda para as outras damas e repetindo o gesto uma ou
duas vezes com uma majestade inigualável, dirigia-se para o gabinete de fora. Ficava
ali durante um tempo para dar suas ordens e então seguia para o gabinete de dentro.
Ali, com todas as portas escancaradas, sentava-se numa cadeira de braços...58

Ao seu lado e um pouco atrás ficavam as mulheres da família sentadas em tabourets;


os membros masculinos, inclusive os bastardos, mantinham-se de pé. As portas
permaneciam escancaradas para que todos pudessem ouvir o que se dizia. Após
essa reunião familiar o rei se dirigia para seu coucher público.

217
banquete

Nenhum outro soberano estava sujeito a tal exposição. Em outras áreas da


Europa continental, o sistema borgonhês-espanhol preservava a privacidade do
monarca, traçando uma distinção clara entre vida privada e pública. A refeição
em público era restrita a certos dias no ano. Em geral os governantes comiam nos
aposentos de dormir ou na sala particular, privadamente. Nas cortes austríaca e
bávara comia-se em público no Ritterstube (ou sala de cerimônia do palácio) quatro
vezes ao ano, quando o imperador jantava com os cavaleiros do Velocino de Ouro,
no Natal, na Páscoa, no Pentecostes e na festa de santo André.59 Além disso, aos
domingos, dias de gala e certos dias de festa ele jantava sozinho com a imperatriz no
Ratstube, na presença dos cortesãos. Na Espanha o rei comia uma vez por semana
na presença de seus cortesãos.60 Mas apenas em certos grandes festivais religiosos
ele e a rainha jantavam em público, sentados a uma mesa elevada num estrado
sob um pálio, enquanto os arautos, vestidos com mantos, ficavam no canto. Em
Munique o eleitor da Baviera normalmente comia privadamente, mas em certos
feriados e dias de gala a família ducal comia em público, sentada a uma mesa,
com os cortesãos em outra. A regra era observar em silêncio.61

À medida que o século XVIII avançava, esse tipo de ritual tornou-se cada vez
mais anacrônico e desconfortável para seus participantes. Em alguns países caiu
em desuso. A Inglaterra é um exemplo disso.62 Carlos II, após a restauração
em 1660, reviveu a prática. John Evelyn anotou em seu diário a 17 de agosto
de 1667: “Agora sua majestade janta na Câmara de Presença, segundo os ritos
antigos, com música e todas as cerimônias da corte que haviam sido interrom-
pidas desde a última guerra.” Mas o renascimento teve curta duração, sendo
logo suspenso durante o reinado da sobrinha de Carlos II, a rainha Ana, que,
após a morte do marido, o príncipe Jorge da Dinamarca, retirou-se do olhar
público. Seu sucessor, o hanoveriano Jorge I, opôs-se frontalmente a isso, mas
o filho, o futuro Jorge II, tentou restabelecer o jantar em público, numa busca
deliberada de popularidade. Jorge I, como sempre às turras com o príncipe, por
algum tempo foi forçado a reviver a prática. Mas isto também não durou, pois
não foi visto com boa vontade pela monarquia constitucional. Jorge III e a rainha
Carlota, famosos pela frugalidade, jantavam a sós.
Mais ou menos o mesmo aconteceu na Dinamarca, onde por um breve
período houve uma tentativa de instituir o jantar real após uma visita de Cris-
tiano VII a Versalhes.63 Quando ele voltou, em 1769, o formato da mesa real
mudou para retangular, no centro foi instalado um aparato de confeitaria à
maneira de Gilliers e os pratos passaram a ser levados em procissão. Mas isso
acabou em 1771, e o jantar real tornou-se puramente pessoal.
Um quadro, mais que qualquer outro, evoca como devia ser o jantar real
em alto estilo público, embora numa corte menor, a de Gustavo III da Suécia.64

218
da corte para a sala particular

A ocasião registrada é uma ceia au grand couvert no dia de Ano-Novo de 1779.


Embora muito distante da grandeza de Versalhes, capta a qualidade misteriosa e
um pouco alucinatória de tais eventos na era das cortes. Atrás de uma longa mesa
retangular o rei está sentado com os dois irmãos à direita e a rainha-mãe, a rainha
e a irmã à esquerda. Na mesa, pratarias na última moda neoclássica (alguns objetos
ainda existem) estão arrumadas junto a figuras de porcelana sobre uma placa de
espelho conhecida como chemin de table. Os candelabros e castiçais, além dos cinco
lustres em estilo rococó, conferem uma bruxuleante beleza à cena. Diante de cada
personagem real há um couvert consistindo de um prato de ouro, faca, garfo, colher
e pão. O quadro registra o primeiro serviço, pois as peças mais importantes da mesa
são duas magníficas terrinas simetricamente localizadas, uma das quais sem a tampa
e com o cabo da concha de servir projetando-se para fora. No centro está o mestre-
de-cerimônias encarregado do serviço, e à direita uma figura que deve ser o senescal,
acompanhado por três escudeiros da bouche. À esquerda, um escudeiro da bouche
avança carregando uma travessa. Deve-se concluir que os cortesãos espectadores

Família real dinamarquesa ceando em público no dia de Ano-Novo, em 1779.


Pintura de Pehr Hilleström, 1779.

219
banquete

tenham sido realocados, pois normalmente estariam de pé, onde está o pintor. Todos
vestem-se com a libré da corte, e algumas damas que têm o privilégio do tabouret,
esposas de conselheiros e embaixadores, encontram-se sentadas. É difícil acreditar
que faltava apenas uma década para a Revolução Francesa.

COMIDA E FESTIVAL EM VERSALHES

Na primeira metade do reinado de Luís XIV, o palácio de Versalhes era freqüente-


mente agitado por festivais. Com tais exibições o rei revivia as tradições da corte
dos Valois, na qual os festivais realizavam-se em cenários denominados magnifi-
cences. O banquete alegórico promovido por Catarina de Médici em Bayonne,
em 1565, foi um desses eventos. O objetivo era impressionar não apenas a corte
e a nação, mas o resto da Europa, com a riqueza e a sofisticação cultural da coroa
francesa. Assim, durante a década de 1664-1774, Luís XIV encenou três fêtes cujo
esplendor tratou de garantir que fosse conhecido, pois cada uma foi tema de um
belo volume ilustrado com gravuras registrando-a nos menores detalhes. E em
cada ocasião a comida desempenhou uma parte importante nas celebrações.
Em maio de 1664 os espetaculares jardins de Le Nôtre, em Versalhes, implan-
tados havia pouco e ainda em processo de formação, foram inaugurados com o
festival chamado de Les Plaisirs de l’Île Enchantée.65 O evento celebrava o tratado de
Aix-la-Chapelle e era ostensivamente dedicado à rainha-mãe e à rainha, embora a
verdadeira heroína de Les Plaisirs fosse a nova amante do rei, Louise de la Vallière.
Os festejos estenderam-se por duas semanas e incluíram carroussels (torneios), balés,
espetáculos pirotécnicos e peças de Molière. Houve também um banquete alegórico
logo após o torneio de abertura, ao qual o rei compareceu fantasiado de Roger,
personagem de Orlando furioso, de Ariosto (fonte de muitos cenários das fêtes). A
festa, encenada na mesma edificação que o torneio, foi aberta com uma grande
procissão de carros alegóricos encabeçados por Apolo, com um séqüito composto
de figuras representando as estações do ano e os signos zodiacais. Seguiu-se a festa
em si, com a participação de quatro grupos de 12 pessoas fantasiadas representando
as estações: jardineiros com cestas verdes e prateadas, cestas vermelhas para os
ceifeiros, rústicas para os colhedores de uvas, e finalmente velhos com peles nos
ombros e carregando cestas que pareciam de gelo. Uma das gravuras mostra alguns
desses serviçais no primeiro plano, com imensos pratos na cabeça empilhados en
pyramide. Uma enorme mesa semicircular estende-se pela metade da arena, e os
cavaleiros que haviam lutado poucos minutos antes continuam por ali com suas
armaduras e elmos emplumados, acrescentando maior esplendor à cena.
Quando o jantar aconteceu já era noite, mas uma pequena floresta de can-
delabros pintados de prateado e verde e 200 homens mascarados carregando
tochas produziram uma “claridade quase tão brilhante quanto o dia”. A festa

220
da corte para a sala particular

em si foi de “uma suntuosidade que ultrapassou qualquer coisa que se possa


descrever, tanto por sua abundância como pela delicadeza das coisas servidas”.
O jornal Mercure de France relatou que “parecia tratar-se de um banquete dos
deuses, com o parque de Versalhes transformado em seu Olimpo”.
O comentário do Mercure era arguto; resumia com clareza o objetivo artístico
de tais fêtes, que era transformar o cenário de tal maneira que ninguém soubesse
onde terminava a realidade e começava a fantasia. Quatro anos depois, outra série
de festivais foi realizada para celebrar a conquista de Flandres, mas dessa vez em
apenas uma noite, 18 de julho, começando às seis da tarde e continuando até de
manhã.66 Novamente uma equipe de artistas e artesãos transformou os jardins
numa série de cenários dedicados aos vários espetáculos. A noite se abriu com o rei
e seu séqüito examinando as fontes e o terraço de água recentemente construídos,
após o que foram servidos refrescos numa estufa pentagonal no vértice de cinco
allées. A gravura mostra a sebe com um jet d’eau de dez metros de altura no centro.
Em volta dele são visíveis duas das cinco mesas, “carregadas com todos os tipos
de coisas que compõem uma magnífica refeição”. Tratava-se de comida figurativa
na variedade italiana mais extremada: um aparador sustentava uma montanha
com grutas cheias de carnes frias, e outro mostrava a fachada de um palácio de
marzipã e glacê. Havia imensas pirâmides de frutas em conserva e todos os tipos
de licor. Depois que o rei, a rainha e as damas comeram o que quiseram, “o rei
abandonou as mesas à pilhagem das pessoas que o seguiam”.
Depois disso o grupo real dirigiu-se ao eixo central dos jardins. Ali havia
sido erigido um teatro temporário, onde se realizou o balé Les fêtes de l’amour et
Bacchus, com música de Lully, seguido por uma peça de Molière. Veio então a
ceia, servida num pavilhão octogonal desenhado por Henri Gissey. Ainda existem
vários desenhos do pavilhão, com 16 metros de altura e um telhado de treliça de
onde caíam guirlandas de gaze prateada e flores. Os oito lados eram em arco, e
dois deles, um diante do outro, foram transformados em aparadores para uma
maciça exibição de baixelas de prata. Entre os arcos havia fontes e tocheiros; os
frisos, iluminados por mangas de cristal, tinham pinturas descrevendo as estações
e as horas do dia, numa referência ao deus do Sol Apolo, contrapartida mitoló-
gica de Luís XIV. O Rei Sol era apresentado em outra apoteose na decoração do
centro do pavilhão, que mostrava Apolo assistido pelas nove musas no monte
Helicon, com o cavalo Pégaso no alto e correntes de água serpenteando. A mesa
da ceia foi posta em torno disso, com uma coleção de travessas que incluía a
naveta do rei, vasos de flores e outras decorações. A ceia consistia em cinco
serviços, cada um com 56 pratos carregados por membros da guarda suíça. A
sobremesa incluía 16 grandes pirâmides de frutas em conserva. O que a gravura
não mostra são as outras mesas no interior e fora do octógono que acomodaram
o resto dos comensais. A noite terminou com um baile e com a iluminação do
palácio, quando o rei e seu séquito tomaram o caminho de volta.

221
banquete

Pavilhão da ceia para as fêtes em Versalhes, 1668. Gravura, 1678.

O último grande conjunto de fêtes celebrou a conquista do Franco-Condado.67


Nessa ocasião, os vários eventos espalharam-se pelos meses de julho e agosto de 1674
e incluíram a costumeira mistura de ópera, peças teatrais, fogos de artifício, passeios
de gôndola no canal e várias refeições. Destas, a mais extraordinária sem dúvida foi
a ceia chamada media-noche, realizada em 28 de julho na alameda de Mármore, o
pequeno pátio do castelo original construído por Luís XIII, após uma reencenação
da Les fêtes de l’amour et Bacchus, de Lully. Os convidados dirigiram-se ao pátio e lá
viram a fonte central, embora em funcionamento, encapsulada numa vasta estrutura
que subia de um aparador octogonal para consoles em imitação de lápis-lazúli. Estes
sustentavam figuras tocando instrumentos musicais e, por sua vez, ficavam sobre
uma coluna toscana de seis metros coroada por um vaso. Tudo isso era pontilhado
por centenas de velas acesas. A gravura de Le Pautre mostra as janelas escancaradas
com espectadores e uma multidão sendo mantida à distância pela guarda. Na mesa-
aparador havia uma refeição de açúcar, imensas pirâmides de frutas em conserva
misturadas com flores, vasos de gelo e pirâmides de doces gelados.

222
da corte para a sala particular

A mais deliciosa dessas refeições no jardim talvez tenha sido a que acon-
teceu em Chantilly, em agosto de 1688, quando o príncipe de Condé recebeu
o delfim, conhecido como Monseigneur.68 O desenhista Jean Bérain criou um
terraço de frutas no meio de um labirinto. Paredes arquitetônicas de folhagem
formavam o segundo plano dos costumeiros pares de aparadores, um diante do
outro, desta vez carregados de melões e pratos de porcelana, e outros aparadores
menores nos cantos, com baixelas e vasos de porcelana cheios de flores. No
centro havia uma mesa com um parterre simétrico, formado de cestas de prata
cheias de frutos, uma laranjeira coberta de flores, frutos e pequenos vasos de
flores. A ausência de qualquer forma de luz indica que esses deliciosos refrescos
foram consumidos à luz do dia.
Por volta de 1688 a opressiva rotina de Versalhes começava a cobrar seu preço
até mesmo de Luís XIV, que primeiro tentou escapar dela no Trianon de Porcelana.
Mais significativo ainda para a história da mesa seria o castelo de Marly.

A BUSCA DE INFORMALIDADE

Em 1678 o rei, então no auge do poder e da popularidade, virou-se subitamente


contra o próprio mundo que havia criado e procurou um lugar pequeno e isolado
para onde pudesse escapar da cerimônia e grandeza de Versalhes. O lugar que
escolheu foi Marly, um pequeno castelo com dez pequenos pavilhões de cada lado
para seus convidados, dando para terraços que desciam a uma pièce d’eau com fontes.
Marly desde o início foi privativo e reservado. Ser convidado para lá era sinal máximo
de favor, buscado com sofreguidão. Ali a formalidade se dissolvia em meio a uma
sucessão constante de caçadas, concertos, piqueniques e outras diversões. Desde
1685 até sua morte, em 1715, Marly tornou-se a obsessão de Luís XIV.
No castelo as refeições reais eram tão diferentes dos padrões seguidos em
Versalhes que o ritual barroco tendia a ser solapado e destruído.69 A ceia era
servida em duas mesas ovais, cada uma com dois serviços de cada vez. Numa
delas sentava-se o rei, na outra Monseigneur. O restante dos comensais eram
mulheres, preservando-se assim um antigo princípio hierárquico — de que o rei
não se sentava na mesma mesa com homens, exceto se fossem membros de
sua própria família. O rei e Monseigneur escolhiam as princesas e outras damas
nobres que desejavam ter a seu lado, e os demais convidados ocupavam os lu-
gares disponíveis da melhor maneira possível. Todos sentavam-se em tabourets,
e o código de vestimentas era menos formal que em Versalhes. Havia alguma
gradação na qualidade da baixela: o rei era servido em prata dourada, as princesas
em prata e o resto em travessas antigas do palácio. Mas não se viam a naveta
nem as cadenas. Foram abandonados todos os rituais observados no petit couvert
e no grand couvert. O premier maître d’hôtel servia o rei, os outros eram servidos

223
banquete

pelo controlador geral e pelo controlador ordinário, auxiliados por funcionários


do gobelet. Essas ceias eram ocasiões de pândega. O rei jogava pão nas damas,
que também retribuíam o gesto. Maçãs e laranjas voavam sobre a mesa, e em
certa ocasião uma convidada atirou um prato de salada na direção do rei. Por
sugestão da duquesa de Borgonha, esposa do neto do rei, que estava bem a
par das novidades nos salões da moda de Paris no começo do século XVIII, foi
introduzida uma mesa carregada de pratos, taças, vinho e água, tornando possível
dispensar os criados durante quase toda a refeição.
Vemos a corte não mais criando, mas seguindo um estilo. Nas primeiras
décadas do século XVIII havia um desejo geral de informalidade. Nos hôtels de
Paris, um novo requinte e uma facilidade maior nos contatos acompanhavam a
pretensão de simplicidade. As convenções eram deliberadamente desprezadas,
ignorando-se as regras da hierarquia na designação dos lugares à mesa, embora
tais distanciamentos jamais fossem além do superficial. As refeições eram vistas
cada vez mais como ocasiões para namoros. A linha de descida que começa
com a cena de abertura deste capítulo — Luís XV e sua amante, a marquesa de
Pompadour, presidindo um souper intime nos apartamentos particulares do rei
— se completa; basta olhar a gravura de Jean-Michel Moreau, o Jovem, A ceia
elegante, publicada em Paris em 1781, para ver como foi grande a mudança no
período de um século. A ceia chegou ao fim e não é difícil imaginar como a
noite vai terminar. Não há criados presentes e duas pequenas mesas auxiliares
têm garrafas de vinho, um balde de gelo, um rafraîchissoir, taças e travessas ao
alcance da mão. No centro da mesa um grupo de Graças em biscuit carrega um
abacaxi. Em volta, vasos floridos. Um ramo de flores e uma carta estão no chão
ao lado de um laço que só pode ter sido tirado de um corpete de mulher. A
atmosfera é de franca sensualidade, lembrando a aliança entre comida e sexo
que encontramos registrada nas memórias de Casanova.70
Para onde quer que olhemos quando avançamos século adentro, a refeição
cerimonial da era barroca transforma-se cada vez mais num anacronismo, ence-
nado apenas em certas ocasiões de gala. Na década de 1720, na corte bávara, o
eleitor e as damas ocupavam os lugares que lhes eram reservados, mas os outros
comensais sentavam-se onde quisessem ou tiravam os lugares à sorte. Muitas vezes,
quando o eleitor jantava privadamente, sentava-se à mesma mesa que seu séqüito.
Em 1774 o eleitor Maximiliano III José estendeu o princípio da livre escolha aos
membros de sua família.71 Mesmo em Versalhes, Maria Antonieta tentou mudar
as coisas; seus soupers de société permitiram que pela primeira vez ela e as princesas
se sentassem ao lado de homens que não eram da família.72
O antigo ritual do grand couvert em Versalhes já havia sido substancialmente
destruído.73 Enquanto o Rei Sol viveu, foi mantido. Seu neto, o duque de Bor-

224
da corte para a sala particular

A ceia elegante. Gravura de Jean-Michel Moreau, o Jovem, 1781.

225
banquete

Informalidade à la chasse. Detalhe de uma pintura de Carel van Loo, 1737.

226
da corte para a sala particular

gonha, jantava em público com a mãe desde os quatro anos de idade. Mas as
coisas mudaram com Luís XV. Durante a Regência ele morou em Paris. Embora
restabelecesse o antigo cerimonial quando retornou a Versalhes, em 1722, aos 12
anos, e até mesmo o ampliasse quando se casou em 1725, com a chegada das
amantes e especialmente de madame de Pompadour, o movimento se inverteu.
O grand couvert passou a ser encenado apenas duas vezes por semana, às terças-
feiras e domingos. Cabia à rainha e ao delfim manter vivo o ritual. Com Luís XVI
e Maria Antonieta o espetáculo era feito apenas uma vez por semana; o costume
de comer em público aos domingos e dias de festa reduziu-se ao casal real, com
uma cerimônica bastante simplificada.
A busca de um novo estilo de comer mais informal é visto claramente nas
inúmeras telas do século XVIII mostrando piqueniques realizados em geral durante
as caçadas, da autoria de artistas como Nicolas Lancret, Carel van Loo e Jean-
François de Troy. O desjejum de caça, de De Troy, por exemplo, faz parte de uma
série encomendada para decorar a sala de jantar de Luís XV nos petits appartements.
Homens e mulheres misturam-se em volta de uma mesa comendo e bebendo em
alegre informalidade. Na tela de Van Loo retratando um piquenique de caça, os
cavalheiros servem as damas e os casais sentam-se ao chão em volta de uma toalha
coberta de travessas cheias de presunto, caça e garrafas de vinho. Um homem e
uma mulher olham-se nos olhos. O espírito é nitidamente amoroso, sensual, um
mundo distante da época em que a refeição era uma expressão de poder.

227
Jantar de gala vitoriano. Uma convidada míope procura seu lugar. Gravura, c.1870.
6
O Jantar Está Servido

O akly Park é uma bela casa neoclássica bem ao norte de Ludlow, Shropshire,
na fronteira entre Inglaterra e País de Gales.1 Em 1852 nela moravam
Robert Henry Clive, descendente direto do famoso Clive da Índia, e a esposa,
lady Harriet Windsor, filha mais nova do conde de Plymouth. No dia de Ano-
Novo de 1852 eles deram um jantar para uma família norte-americana que havia
alugado a mansão de Moor Park, perto de lá. Um dos membros dessa família
era Anna Maria Fay, jovem muito observadora de 23 anos que, nas cartas que
escrevia, tinha o hábito de fazer relatos muito vívidos de suas experiências na
sociedade rural vitoriana. Sua descrição do jantar talvez seja única, pois enumera
os costumes de um país para seus correspondentes do outro lado do oceano.
Anna Maria esperara o acontecimento com alguma ansiedade. Tinha ouvido
dizer que lady Harriet era uma “grande personagem, muito alta, digna, e fria como
o oceano Ártico”. Mas vamos deixar que a jovem fale por si mesma:

... Portanto, foi com o coração disparado que me encontrei na porta do salão. Dois
lacaios de libré — calças vermelhas, casaco azul e botões de prata — e o mordomo
de preto receberam-nos no vestíbulo, onde tiramos as capas. O dignitário de preto
precedeu-nos pelo salão e, abrindo a porta, anunciou o sr. e sra. Fay, as srtas. Fay e
o sr. Fay. Entramos numa grande e bela biblioteca, e um elegante círculo de damas
e cavalheiros levantou-se para nos receber. Lady Harriet recebeu-nos com grande
dignidade, e embora ninguém fosse apresentado todos falaram conosco. Só no final
da noite soubemos quem compunha o grupo, e vocês não imaginam em que com-
panhia distinta jantamos. Quando a refeição foi anunciada, o sr. Clive levantou-se e
ofereceu o braço à viúva, condessa de Powis, uma mulher muito bonita. ... Claro que
sua posição lhe dava precedência sobre tia Catherine, e lady Harriet solicitou ao sr.
Robert Clive, herdeiro da casa, que a conduzisse à mesa. ... Então tio Richard seguiu-os,
com lady Lucy Herbert. ... Ela precedeu lady Harriet Herbert e um certo sr. Clive.
… Elas são filhas da condessa de Powis e irmãs do marquês de Powis. Depois deles
seguiu Maria com o honorável sr. Herbert. … Lady Harriet solicitou que o honorável
William Herbert me levasse; veio então a srta. Clive e o sr. Longworth, vigário de
Bromfield [a aldeia local]; depois Richard e a srta. Mary Clive; e finalmente lady
Harriet e o marquês de Powis...

229
banquete

Passamos agora para uma grande sala de jantar coberta de quadros. ... Sentamos a
uma bela mesa num círculo familiar, o que torna a cortesia ainda maior. À cabeceira
da mesa, comprida e larga, sentaram-se o sr. Clive e lady Powis. À direita tia Catherine
e ao lado dela o sr. Robert Clive; depois Maria e o sr. Herbert; depois o sr. Clive e lady
Harriet Herbert; então Richard e a srta. Mary Clive. Do outro lado da mesa estavam
o conde de Powis e lady Harriet. Tio Richard ficou à esquerda de lady Harriet e ao
lado dele lady Lucy Herbert; depois uma moça tímida cujo nome não sei; depois o
jovem filho dos Clives, o honorável sr. William e eu. A srta. Clive sentou-se perto de
mim e o sr. Longworth à esquerda da condessa. Foi assim que nos distribuímos na
mesa depois da ação de graças proferida pelo sr. Longworth.
Agora vou descrever a arrumação da hospitaleira mesa. No centro havia um prato
dourado e em cima dele dois imensos candelabros ornamentados de figuras de porce-
lana. Nas duas extremidades estavam dois candelabros de formato semelhante, porém
menores que os do prato. O efeito produzido pelos quatro candelabros cheios de velas
de cera e a luz que eles lançavam sobre todos eram muito agradáveis. O imponente
mordomo de calças brancas e casaco e gravata pretos, o porteiro e mais meia dúzia
de criados de libré, calças vermelhas e casacos azuis davam grande elegância a todo o
conjunto. Não lembro quantos tipos de sopa havia, só sei que a minha era deliciosa.
Seguiram-se então diversas variedades de peixe. O linguado foi colocado diante do sr.
Clive. Depois vieram pequenas entrées, patês deliciosos e costeletas de cordeiro, bem
servidos. Na mesa auxiliar havia todas as espécies de carnes — peru, galinha, qualquer
coisa que se imaginasse. Passados esses pratos vieram as caças. Devo dizer que os
vegetais eram pepinos e aspargos. O serviço era inteiramente de prata. O aparelho
de sobremesa, de porcelana, bonita, mas nada excepcional. Gelados, geléias e outros
pratos, muito bem arranjados e deliciosos, foram colocados na mesa. A sobremesa
era composta de frutas, laranjas, pêras, uvas etc. ...
Ficamos sentadas algum tempo depois da sobremesa, até que lady Harriet deu o
sinal para nos levantarmos e deixarmos a sala, com lady Powis à frente do seu lado
da mesa e tia Catherine do outro. Passando pelo salão entramos na grande e elegante
sala de visitas. Veio o café, e as senhoras distribuíram-se em volta da sala. ... Eu disse à
srta. Clive que havia ouvido falar muito bem de seus desenhos e que estava ansiosa
para vê-los, e ela, de maneira muito gentil, trouxe sua pasta.
Quando os cavalheiros entraram, lady Harriet Herbert tocou uma bela peça de
Blumenthal. ... Maria e Richard cantaram umas canções alemãs. Depois disso, o que
vocês acham que pediram nesse círculo aristocrático? Músicas de Negro!!!! ...
Esqueci de mencionar a cerimônia de passar uma grande taça pelos cavalheiros no
final do jantar. Foi trazida uma caneca grande com duas asas, cheia de cerveja preta,
e o cavalheiro a quem foi passada tomou um longo gole, depois o lacaio passou-a
para o cavalheiro seguinte, e assim por diante.2

Mais de um século havia decorrido desde a souper intime de Luís XV com a


amante e os camaradas, seu descaso pela hierarquia e tal informalidade que o rei
até fez café. O que mais chama a atenção é que as coisas parecem ter andado
para trás. Embora esse jantar numa casa de campo sem muita importância tenha
acontecido em plena idade burguesa, na verdade é quase contemporâneo da
apoteose da vida vitoriana, tem uma formalidade e pompa que nos levam de
volta à idade barroca. A hierarquia determina tudo.

230
o jantar está servido

Mesa de jantar posta em Attingham Park, Shropshire. Aquarela de lady Hester Leeke,
entre 1848 e 1861.

Os comensais, controlados pelo anfitrião e pela anfitriã, eram conduzidos


em estrita ordem hierárquica à sala de jantar, onde os lugares se distribuíam
segundo a hierarquia. Tudo era preparado para impor aos convidados o esplen-
dor, a magnificência e o status dos anfitriões — os lacaios de libré na chegada,
a mesa de jantar carregada de prata, os imensos e flamejantes candelabros, a
elegância da comida (que inclui aspargos, pepinos e uvas, muito fora de estação
em janeiro), o desfile da criadagem.
O relato de Anna Maria é pontilhado de detalhes raramente registrados:
ninguém foi apresentado na chegada, as mulheres saíram da sala, ainda sobrevivia
o velho costume de uma rodada de cerveja na mesma caneca — o loving cup —,
ainda se dizia a ação de graças (se bem que talvez em razão da presença de um
clérigo) e o jantar foi servido à la française, no estilo de moda introduzido na
década de 1820 entre as classes altas. Mas, em essência — e isso impressionou
Anna Maria —, foi um jantar familiar, a despeito de toda a pompa e circunstância.
Naquela época, a casa representava o relicário das virtudes domésticas. Embora
os anfitriões e o cenário fossem aristocráticos, a ética mostrava-se burguesa e
tratava-se de um período em que o maior cumprimento que se podia fazer a

231
banquete

qualquer estranho era admiti-lo à mesa familiar. Na década de 1850 o jantar


havia se tornado uma expressão de solidariedade de classe, uma demonstração
de que o convidado tinha o mesmo status social que o anfitrião e a anfitriã. Le-
vando isso em consideração, não é de surpreender que os Fays tivessem ficado
desconcertados vendo-se recebidos tão amigavelmente por um grupo fechado
que constituía a então chamada sociedade.
Mas não vamos nos precipitar. Há perguntas que devem ser respondidas primei-
ro. Por que o jantar de gala, uma instituição culinária ainda viva e vigorosa no século
XXI, chegou a assumir esse lugar central? O que governou sua forma e etiqueta?
A Inglaterra, até então à margem das inovações nos festejos, iria desempenhar um
papel importante, mesmo que o principal foco da inovação culinária permanecesse
do outro lado do Canal da Mancha, na França. Mas por que a Inglaterra?
Um fato fundamental é o seguinte: foi a Inglaterra que primeiro sofreu o im-
pacto da industrialização e da urbanização, as marcas da Europa no século XIX. Em
nenhum outro lugar o êxodo maciço do campo para a cidade ocorreu em escala
tão extraordinária, nem tão cedo. Quando cidades como Londres, Birmingham,
Manchester e Liverpool explodiram em tamanho, surgiu pela primeira vez uma
economia de mercado que substituiu totalmente o velho sistema produtivo de
subsistência. As famílias deixaram de ser auto-suficientes e passaram a depender
do mercado de alimentos. O mesmo aconteceu em Paris. Novos esquemas de
transporte significavam que as dietas haviam deixado de se basear na produção
regional, e por volta de 1900, graças ao aparecimento da indústria alimentícia, das
técnicas de conservação e refrigeração, os alimentos passaram a circular interna-
cionalmente. Essas mudanças radicais afetaram a todos e alteraram radicalmente a
natureza da culinária. Mas o que levou o jantar de gala aos píncaros da escala social
de onde ele jamais sairia foi algo muito mais profundo — a enorme e crescente
expansão das classes médias, fenômeno peculiarmente britânico.
Por toda a Europa no século XIX novas fortunas foram se criando. Após
a Revolução Francesa e as Guerras Napoleônicas a velha aristocracia passou a
viver sob um perpétuo ataque vindo de baixo. Seu mecanismo de sobrevivência
representou a criação de um novo conjunto de critérios para admissão em suas
fileiras. Depois da limpeza e da modéstia, as maneiras à mesa tornaram-se um
teste fundamental. Os aspirantes a um lugar mais alto aprenderam a distanciar-
se da cozinha e de tudo que tivesse a ver com o processo de cozinhar (exceto
decidir o cardápio). Impunha-se uma sala de jantar separada para as refeições.
Acima de tudo, era preciso saber oferecer jantares de gala em que a escolha
dos convidados — bem como a parafernália e a comida — reforçasse sua própria
reivindicação a membro da sociedade.
Tudo isso já estava estabelecido na década de 1850, mas ninguém que tivesse
sido atropelado pelos cataclísmicos acontecimentos de 1789 e pelo que veio depois
poderia prever o que iria ocorrer. O efeito a longo prazo da Revolução Francesa

232
o jantar está servido

sobre os costumes à mesa poderia ter tido um resultado muito diferente. Nenhum
outro acontecimento na história moderna, nem mesmo a Revolução Russa de 1917,
teve repercussões tão grandes quanto a Revolução Francesa. Ela redefiniu todas
as aspirações e atos humanos, inclusive aqueles ligados à comida. Na verdade,
durante os vertiginosos dias em que o fervor revolucionário alcançou seu apogeu,
qualquer coisa que remotamente se parecesse com um jantar de gala do tipo
descrito por Anna Maria teria sido vista como inaceitável e contra-revolucionária.
No alvorecer da era da liberdade, igualdade e fraternidade, a refeição deveria ser
algo completamente diferente da anterior presunção cerimonial.

DA REVOLUÇÃO AO RETORNO DO RITUAL

Em julho de 1789, poucos dias depois da tempestade sobre a Bastilha, o


marquês Charles de Villette propôs que o novo ideal de fraternidade talvez
pudesse ser alcançado com um jantar comunitário nas ruas. “Os ricos e os po-
bres se uniriam, e todas as ordens se misturariam. ... a capital, de uma ponta a
outra, seria uma imensa família, e um milhão de pessoas se sentariam à mesma
mesa.” Então, colocando de cabeça para baixo a tradição do Ancien Régime da
família real jantando au grand couvert, Villette continuava: “Nesse dia, a Nação
terá o seu grand couvert.” Ironicamente, é claro, a proposta teria representado
uma manipulação maior da refeição a serviço do Estado que qualquer coisa
já realizada em Versalhes.3
Esse flerte com a refeição comunitária é emblemático de uma nova era de
igualdade e fraternidade, e iria continuar num fluxo e refluxo pelos primeiros e
mais extremados anos da Revolução. A 14 de julho de 1790, primeiro aniversário
da queda da Bastilha, foi encenado um Festival da Federação, precedido no dia
anterior por uma “refeição patriótica” ao ar livre no Palais Royal, quando dois mil
espectadores assistiram a uma refeição dos membros da Assembléia Nacional. No
próprio dia o general Lafayette convidou participantes do festival vindos das provín-
cias a festejarem numa das “mesas sem fim”, distribuídas sob as árvores do parque
de la Muette. As sobras desse fraternal repasto foram depois dadas aos pobres.
Três anos se passariam antes que um festejo comunitário como este viesse
à tona outra vez.4 A 10 de agosto de 1793, o pintor David promoveu uma das
mais espetaculares fêtes da França revolucionária, no aniversário da queda da
monarquia. Uma imensa procissão dirigiu-se à Place de la Révolution, na qual
havia sido erigida uma imensa estátua da Liberdade. Parte do cerimonial era
uma refeição ritual, durante a qual se fez “um brinde de renovação”. Seguiu-se
um “repasto frugal” no solo do Champ de Mars.
A idéia de Villette de um banquete fraternal ganhou tom oficial. Nenhuma
expressão de solidariedade cívica era considerada mais aceitável que os grandes

233
banquete

e pequenos comendo e bebendo juntos na mesma gamelle politique, a mesma


refeição ao ar livre. Todos os passantes eram convidados a entrar. Em julho de
1794 refeições comunitárias em mesas postas nas ruas de Paris haviam se tornado
obrigatórias. Até que Bertrand Barère de Vieuzac, um radical famoso, denunciou-as
como farsas, exibições superficiais que davam aos aristocratas não-convertidos a
possibilidade de reivindicar “fraternidade” simplesmente gritando “Vive la Répu-
blique”. Barère achava melhor que algumas famílias fossem convidadas a partilhar
uma refeição frugal, e não aquela verdadeira saturnália nas ruas, com os dois
sexos misturando-se licenciosamente. Os textos clássicos apoiavam esse apelo à
modéstia e à frugalidade, que por sua própria natureza representava a antítese da
prodigalidade da culinária aristocrática francesa pré-revolucionária.
Em poucos anos tudo iria se transformar em pó, mas o que aconteceu no
período pós-1789 formou, em suas bases, a evolução relativa à mesa até os nossos
dias. Um efeito essencial foi dissolver a equação entre culinária e classe. Daí em
diante, certo tipo de culinária vista como prerrogativa da realeza e da nobreza estaria
disponível a qualquer um que pudesse pagar por ela. Essa mudança profunda teve
como representação máxima uma nova instituição, o restaurante, à qual voltarei em
breve. Outro efeito menos óbvio foi a relação entre público e privado. A política
revolucionária — evidenciada no caso da refeição em torno de uma mesa comunitá-
ria sem classes, posta na rua — era a extinção deliberada da divisão entre as esferas
públicas e privadas da vida. Mas o ataque à privacidade — vista como prerrogativa
dos ricos e admitida pela intervenção do Estado entre 1789 e 1794 — a longo prazo
produziu uma reação em direção oposta. A conseqüência acabou sendo a criação
de um espaço doméstico privado, essência da era burguesa que estava por vir. Da
mesma forma, as esperanças revolucionárias de emancipar as mulheres derrubando a
existente ordem sexual “natural” também saíram pela culatra; a reação foi realocá-las
como deusas domésticas na esfera privada da vida, que há pouco entrara na moda.
E no centro dessa esfera estava o jantar de gala que tais deusas iriam comandar.
Assim, o efeito da Revolução sobre as classes alijadas do poder na França e
ameaçadas nos outros lugares foi fazê-las pôr em ação um renascimento de tudo o
que a Revolução tinha buscado destruir. O desejo que os monarcas e aristocratas
pré-revolucionários tinham de agir e viver como cavalheiros comuns deu lugar a
novos impulsos na direção da hierarquia e do esplendor. Na França, por exemplo,
vemos Napoleão Bonaparte progredir de primeiro-cônsul a imperador, presidindo
o renascimento da corte. Seu grand maître des cérémonies era Luís Felipe, conde
de Ségur, um homem plenamente capacitado a voltar ao passado, pois além de
adorar o imperador e a etiqueta, conhecera Versalhes em toda a sua glória pré-
1789. Nesse papel, Ségur promulgou a Étiquette du palais impérial, um documento
que instaurava a versão napoleônica do grand couvert.5

234
o jantar está servido

Embora o próprio Napoleão fizesse suas refeições em dez minutos, numa


mesa alta sobre a qual se estendia um guardanapo, ele reviveu os jantares públi-
cos em oito ocasiões de gala. Mais tarde, no exílio de Elba, iria lamentar não ter
ressuscitado o grand couvert exatamente como era praticado por Luís XVI, dando
ao povo — em razão da livre admissão à presença real de quem estivesse vestido
adequadamente — acesso ao imperador e construindo um círculo de alianças mais
amplo para a causa imperial.
O maior desses acontecimentos realizou-se em 2 de abril de 1810, quando
Napoleão se casou com Maria Luiza de Habsburgo. Só os membros da corte ou
quem tinha convite foram admitidos. A família imperial sentou-se en tableau a uma
mesa em forma de ferradura sobre um estrado. A mesa era coberta com uma
toalha com franjas de ouro e bordada com a letra N e águias. Sobre ela pousava
um chemin de table de vidro espelhado com figuras neoclássicas em biscuit e duas
urnas de flores artificiais misturadas a candelabros de prata dourada. Em cada
extremidade havia uma pequena mesa com o ícone da monarquia francesa, a
naveta. O pintor Casanova captou com precisão a qualidade quase alucinatória
desse retorno a um mundo que todos consideravam desaparecido. Nos lados do
quadro, no que parecem ser camarotes de um teatro, membros da corte, cobertos
de jóias, tentam assistir ao ritual. A Étiquette de Ségur descreve em detalhe todas
as ações apropriadas a um evento destes, da ablução das mãos sob os auspícios
do camarista-mor à exigência de que cada guardanapo, depois de usado, fosse
jogado no chão. Por trás da mesa imperial vêem-se as fileiras de oficiais da corte
necessários para servir a refeição. É impressionante quando nos damos conta de
que 20 anos depois da Revolução reencenava-se uma versão viva de algo inventado
pela corte de Borgonha no século XV. Além disso, o mesmo ritual foi exibido em
todos os lugares da Europa em que Napoleão estabeleceu um Estado com um
membro da família como governante.
Com a restauração da monarquia Bourbon, após a queda de Napoleão Bona-
parte em 1815, a corte francesa entrou num de seus grandes períodos.6 Durou até
1830, e ao longo desse tempo Carlos X ocasionalmente encenou o grand couvert.
No entanto, ao contrário de Napoleão, mandou fazer uma espécie de passarela
para que as pessoas pudessem vê-lo de perto, junto ao delfim e à sua esposa. De
cada lado sentavam-se damas da corte, enquanto os músicos tocavam. Apenas
com o advento do Rei Cidadão, Luís Felipe, é que o grand couvert finalmente caiu
no ostracismo. Mas àquela altura já havia completado 300 anos de vida.
A história não acaba aqui, pois o mundo das cortes viveu um notável renasci-
mento durante o século XIX, especialmente nas décadas que precederam a Primeira
Guerra Mundial. Luís Felipe, por mais avarento que fosse, pode ter abandonado
o grand couvert, mas conhecia o valor de um convite para jantar em palácio.7 Na

235
banquete

Banquete nas Tulherias por ocasião do casamento de Napoleão com Maria Luiza, 1810.
Quadro de Alexandre Dufay, chamado Casanova, 1812.

236
o jantar está servido

237
banquete

verdade seus jantares criaram um cenário que permanece hoje. A 30 de maio de


1830, por ocasião do casamento do duque de Orléans, foi dado um banquete para
500 pessoas na Galeria des Glacês, em Versalhes. A ele compareceram todas as
camadas da sociedade, e esta era a grande mudança. Em vez de olhar para a família
real de longe, membros das classes estabelecidas, ministros, políticos e represen-
tantes dos emergentes nouveaux riches viram-se sentados à mesa real. O banquete
oficial como formato continua a existir. Sobreviveu à abolição das monarquias e
ao advento da república. Comprovou ser uma manifestação infinitamente flexível
de comida e poder em regimes politicamente diferentes como os da China e dos
Estados Unidos. Em nações onde sobrevive a monarquia, essas paradas de gala
— esplêndidas, como se o mundo não houvesse mudado — revisitam o passado e
entrelaçam-no com o presente. Tal é o poder da pompa na manutenção de uma
expressão pública da unidade social.

O SÉCULO DE CARÊME

Numa noite de julho de 1829, lady Morgan, romancista, viajante inveterada e


mulher da sociedade, foi convidada para jantar em Paris pelo barão de Rothschild
em seu castelo de Boulogne. “Os jantares na França”, escreveu ela, “têm dois obje-
tivos; sociabilidade e gastronomia.”8 O jantar foi servido num pavilhão de mármore
erguido no meio de um bosque de laranjeiras, e ela sentou-se no lugar de honra, à
direita do anfitrião. A mesa era enfeitada “com as belas e pitorescas sobremesas”, e
o barão chamou a atenção para o que designava como pièce montée, “uma coluna
de confeitaria das mais engenhosas, onde meu nome estava escrito em algodão-
doce. ... Com menos genialidade do que a empregada na composição deste jantar,
os homens escreveram poemas épicos.” Era uma efusão surpreendente para uma
época em que se tornava difícil encontrar qualquer reação escrita à comida.
Lady Morgan estava consciente de que tinha sido convidada para um evento
gastronômico de primeira ordem, e foi assim que o registrou:

Para fazer justiça à ciência e à pesquisa envolvidas na produção de um jantar assim


servido, seria preciso um conhecimento da arte igual ao de quem o produziu. Ele se
caracterizava por estar de acordo com a estação, com o seu tempo, dentro do espírito
da época; não havia qualquer perruque em sua composição, traço algum da sabedoria
de nossos ancestrais em nenhum prato; nenhum molho muito temperado, caldo
marrom escuro, gosto de pimenta-do-reino ou da Jamaica, nenhuma tintura de tomate
ou picles, qualquer ação visível desses elementos vulgares do cozinhar, dos velhos e
bons tempos — fogo e água. Destilações das viandas mais delicadas extraídas num
“orvalho de prata” com precisão química, “em nuvens tépidas de vapor”, formavam o
fonds de tudo. De todas as carnes evolava seu próprio aroma natural; todos os vegetais
tinham seu próprio tom de verdura.9

238
o jantar está servido

O homem que evocou este panegírico foi Antonin de Carême.


Carême é uma destas pessoas na história da culinária — como Taillevent,
Scappi ou La Varenne — depois de quem nada continua o mesmo.10 Até a chegada
da nouvelle cuisine, na década de 1960, ele seria a fonte da culinária dominante
na Europa, a cuisine classique. Nascido em 1783, filho rejeitado de um operário
parisiense, Carême foi aprendiz de um dos melhores pâtissiers da época, Sylvain
Bailly. Em 1803 já tinha se estabelecido como pasteleiro especialista em grandes
eventos, e desde então sua carreira progrediu brilhantemente. Trabalhou para
luminares como Talleyrand, Jorge IV e o czar da Rússia.
Embora considerasse seu estilo culinário novo, e a culinária aristocrática do
século XVIII fora de moda, Carême pode ser visto sob muitos aspectos como o
último de uma linha de profissionais que se estende muito longe, até La Varenne.
O que ele fez foi transmitir uma versão do estilo tradicional para os nouveaux
riches. Transformou a gastronomia numa síntese das artes — incluindo arquite-
tura, escultura, pintura, literatura e poesia — e das ciências — compreendendo
física, química, economia política e comércio. Quando a serviço de Talleyrand,
estabeleceu uma reputação sem par como mestre estilista. Sabia como controlar
todos os aspectos de um grande evento culinário, não apenas em termos da
escolha dos pratos e aparência visual, mas também de como a mesa devia ser
posta e a sala devia ser decorada e iluminada.
O orgulho e a alegria de Carême eram as pièces montées do tipo que lady
Morgan descreveu, resultado do tempo gasto estudando plantas arquitetônicas
na Bibliothèque Nationale. Faziam parte do tabuleiro de sobremesas que ocu-
pava o centro da mesa e ali ficava durante toda a refeição. Conhecido como o
“Palladio da pâtisserie”, Carême povoava a mesa com imitações em miniatura
de um jardim anglo-chinês da segunda metade do século XVIII: ruínas, templos
clássicos, colunatas e outras estruturas, numa variedade de estilos grego, romano,
mourisco, indiano e chinês. Num banquete para o então ainda regente Jorge IV,
dado em 15 de janeiro de 1817, suas criações incluíam as ruínas de Antióquia,
um eremitério sírio, as ruínas de uma mesquita turca e um eremitério chinês.
Para construí-las usava qualquer coisa, de pedaços de toucinho a algodão-doce,
e elas transformavam a paisagem da mesa.
Essas peças de exposição também representavam um retorno à comida figura-
tiva, uma viagem de volta a uma era anterior, igualmente obcecada por transformar
todos os ingredientes em algum formato reconhecível. Exatamente como nas eras
do maneirismo e do barroco, a comida nos jantares de gala no século XIX teria
muito pouca relação com seu ingrediente cru inicial. Era sempre transformada
em alguma forma arquitetônica ou escultural, avivada ainda mais pela adição de
cor e de decoração em papel.11 Nesse eterno oscilar do pêndulo da simplicidade
à complexidade, a aparência da comida reflete os ciclos da história dos estilos, à
medida que o rococó deu lugar ao neoclassicismo, e a Art Nouveau ao modernismo.

239
banquete

Retorno da comida figurativa. Gravura de Carême, Livre de pâtisserie, 1854.

Carême foi de grande importância, pois não apenas elevou a profissão de chef
a novas alturas — sendo cortejado tanto pela realeza como pelos novos ricos —,
como também criou inúmeros livros ilustrados que colocaram em forma impressa
os primeiros relatos detalhados da cuisine classique. O mais importante é o livro
em cinco volumes L’Art de la cuisine française au dix-neuvième siècle (1833), cujos
dois últimos volumes (1843-44) foram escritos por um discípulo, Plumery, chef
do conde de Pahler. Entre outras coisas Carême reformou a feitura dos molhos,
estabelecendo três tipos básicos como fundamento de um grande número de
variações. Esses volumes seriam as bíblias da cuisine classique até sua substituição
pela obra de Escoffier no início do século XX.
Na cozinha, o século XIX foi uma era de grandes mudanças técnicas e pro-
gressos significativos. Já no final do século anterior os fornos haviam se desenvol-
vido, de modo que era possível controlar a temperatura, questão de importância
fundamental para os suflês, sautés e molhos mais complicados. Na década de
1840 o gás tornou-se disponível em restaurantes, clubes e casas maiores, embora
grande parte da população continuasse usando combustíveis sólidos, com todos
os problemas que eles traziam. Por volta de 1900 os refrigeradores começaram
a proliferar. Todos esses progressos, no entanto, não devem disfarçar o fato de

240
o jantar está servido

que a cozinha se beneficiou muito pouco da rápida mecanização de tantas outras


áreas da sociedade. Realmente não cabia poupar trabalho na cozinha, uma vez
que a mão-de-obra era tão barata.
Graças a Carême a cozinha francesa, mais ainda do que no século anterior,
iria dominar a cena européia. Ela difundiu-se tanto por meio de uma corrente
constante de livros de receitas — os mais importantes dos quais foram traduzidos
— como pela migração de cozinheiros franceses para os palácios e palacetes do
resto da Europa.12 O primeiro grande livro sobre a cuisine classique foi Le cuisinier
impérial (1806) de A. Viard, que, como as obras de Carême, continuou sendo
reeditado por todo o século. No entanto, como gênero, a novidade apresentada
pelos livros de cozinha nessa época foi que eles começaram a se classificar entre os
destinados ao chef profissional e os dedicados ao grande e novo público burguês,
nascido com a industrialização e a expansão das cidades. A divisão reflete-se no
título do livro de Louis Eustache Audot, La cuisinière de la campagne et de la ville
(1818), obra que também passou por inúmeras edições e terminou o século três
vezes mais volumosa do que quando começou. Para os chefs, as obras principais
eram La cuisine classique (1856), de Urbain Dubois e Emile Bernard, e Livre de la
cuisine (1867), de Jules Gouffé. O pilar da culinária doméstica burguesa era Les
secrets de la cuisine (1856), livro que enfrentava efetivamente uma das grandes
preocupações das cozinheiras numa sociedade burguesa — o que fazer com as
sobras. (Essa questão nascida com a urbanização tornou-se obsessiva e mais
tarde deu origem a livros que tratavam exclusivamente de como aproveitar os
restos de outras refeições.)
Se Carême foi a figura de destaque na culinária de todo o século XIX, Georges
Auguste Escoffier iria dominar o século XX até o advento da nouvelle cuisine na
década de 1960. Seu Guide culinaire (1903) foi durante décadas o principal texto
usado na formação dos chefs. Ele próprio chef do Ritz Hotel em Paris, e mais tarde
do Savoy em Londres, seguia a tradição clássica, embora sua culinária atendesse a
uma nova busca de luxo e novidade por parte dos ricos internacionais da década
de 1880 e 1890. Tratava-se de uma comida para os restaurantes dos novos e
opulentos hotéis e estabelecimentos exclusivos povoados pelo beau monde nas
décadas que antecederam 1914 (lugares onde pela primeira vez mulheres da
classe alta podiam comer em público). Escoffier também respondia a uma outra
questão que estava no ar — a velocidade, já que começava a era do automóvel e
do telefone. Em resposta a essa aceleração da vida, Escoffier dissolveu a divisão
secular entre cuisine e office, acabando por abolir também suas antigas subdivi-
sões. Como resultado disso, as antigas distinções artesanais desapareceram, e os
pratos para uma refeição estruturada em vários serviços podiam ser produzidos
muito mais rapidamente e apresentados sem demora.
Em todos os lugares, nessa época, encontrava-se a influência da França. Na
Itália, a obra de Audot apareceu como La cuciniera della citá e di campagna (1845)

241
banquete

e teve 65 edições.13 Os livros italianos de receitas, escritos tanto por um dos chefs
das muitas cortes italianas como por um cozinheiro que se dirigisse à classe média,
tinham seu modelo no norte dos Alpes. Isso mudou com a unificação do país,
quando a busca de uma nova identidade coletiva afetou até mesmo a culinária. O
livro de Pellegrino Artusi, La scienza in cucina e l’arte di mangiar bene (1891) é uma
publicação marcante, na qual aquilo que constituía essencialmente uma série de
culinárias regionais foi reunido numa única publicação. Artusi jamais poderia prever
que em menos de um século a culinária italiana, ajudada por sua adequação às
modernas descobertas dietéticas, iria ameaçar o domínio da França.
Na Grã-Bretanha a história foi muito diferente.14 A unidade política da ilha
havia se completado já em 1707, de modo que não era necesário amalgamar
uma culinária nativa. Na verdade, a que existia no século XVIII passou por um
declínio radical no século XIX por duas razões. Uma delas foi a urbanização, fe-
nômeno com o qual as pessoas perderam a ligação direta com o solo, e portanto
com uma tradição culinária que havia sido expressão da propriedade da terra. A
outra razão, tão ou mais poderosa, foi o fato de que as classes altas adotaram a
culinária francesa. O século principiou com a tradição inglesa ainda intacta em
publicações como A New System of Domestic Cookery (1806), de Maria Rundall,
e The Cook’s Oracle (1817), do dr. William Kitchiner. Mas já em 1813 os ingleses
foram apresentados à culinária da corte de Luís XVI com The French Cook, de
Louis Eustache Ude. Este, que havia sido chef em Versalhes, tornou-se mestre-cuca
do conde de Sefton e mais tarde chefiou as cozinhas de Crockford, um clube
de jogo em St. James. Em 1835 o gourmet Abraham Howard podia apresentar
uma longa lista de cozinheiros franceses que trabalhavam para aristocratas na
Inglaterra. Por volta de 1850 a hegemonia gaulesa sobre as mesas reais e da
classe alta era completa, com Charles Esmé Francatelli a serviço de ninguém
menos que a própria rainha Vitória. O livro de Francatelli, The Modern Cook
(1845), ensinava as classes altas a comer elegantemente à francesa. O domínio
da França era igualmente ilustrado pela carreira de Aléxis Soyer, um chef na
tradição de Carême que trabalhava em Londres, especializado em banquetes. Ele
iria produzir um fluxo constante de livros, inclusive The Gastronomic Regenerator
(1846), “adequado à renda de todas as classes” e, refletindo o zelo reformista
da época, A Shilling Cookery Book for the People (1854).
Os livros de Soyer são aborrecidos e prosaicos, exemplos do triste estado
da culinária inglesa. A comida tornou-se enfaticamente igual à classe, sendo os
escalões superiores da sociedade uma categoria à parte, graças ao seu hábito de
empregar cozinheiros franceses. Até mesmo os cardápios eram em francês. A
grande maioria da classe média alta e média baixa praticava uma versão adul-
terada da tradição nacional. Os livros que supriam esse grande segmento da

242
o jantar está servido

sociedade em expansão revelavam paladares sem sofisticação. Também demons-


travam uma obsessão com a economia, e a culinária básica girava em torno do
pernil assado e uma semana de sobras recicladas. Em 1900 os ingleses haviam
se esquecido totalmente de que haviam tido uma tradição à mesa e aceitavam
que, no tocante às artes culinárias, eram inferiores.
Embora o livro de Eliza Acton, Modern Cooking for Private Families (1845), em
que ela expõe pratos da Inglaterra e do resto do mundo, tenha alcançado ampla
circulação, nenhuma publicação eclipsou as mil páginas de The Book of Household
Management (1861), de Isabella Beeton. Seu sucesso dependia basicamente do
fato de seu ponto de partida ser a descrição da dona-de-casa como “comandante
de um exército”, com atributos que definiam seu status como uma dama nos ter-
mos de meados da era vitoriana. Aquele espírito de valorizavar acima de tudo as
aspirações sociais e a manutenção das aparências pode ser claramente percebido
no abismo entre os cardápios dos jantares festivos propostos pela sra. Beeton — o
principal indicador da posição social de uma família — e a frugalidade das refeições
familiares baseadas nas inevitáveis sobras. Pratos franceses estão excluídos do livro,
e só se pode dizer que as receitas são enfadonhas e sem inspiração. Interessam
apenas pela novidade de informar as medidas exatas dos ingredientes, o tempo
que um prato levava para cozinhar e quantas porções rendia. Pode ser anacrônico
observar que não mostrava qualquer conhecimento nutricional ou preocupação
alguma com a importância de frutas e vegetais frescos ou saladas.
As estampas coloridas da sra. Beeton, um registro da forma figurativa que até
mesmo seus pratos sem graça podiam assumir, devem ter sido uma atração à parte.
Aquele foi um século no qual os livros de receita saíam em grande número dos
prelos, ajudados pelas novas técnicas de impressão em grandes tiragens e novas
formas de ilustração. Neles testemunhamos a mudança da transmissão das várias
tradições culinárias da forma oral para a escrita.

O século XIX assistiu ao nascimento de um novo lugar público para se comer, o


restaurante.15 Embora as tabernas e casas de pasto existissem havia séculos, elas
não ofereciam pratos variados à escolha do freguês. O restaurante seria uma ex-
periência inteiramente diferente, pois rompeu o monopólio da elite no que dizia
respeito à comida fina, tornando-a acessível a qualquer um que pudesse pagar. Os
primeiros restaurantes surgiram antes de 1789, e eram lugares onde as pessoas de
alta sensibilidade, respondendo à nova consciência iluminista da importância da
dieta, iam tomar um caldo restaurador e bem saudável. Gradualmente ampliaram
seu espectro de pratos até criar algo bastante novo. O inventor do primeiro res-
taurante “saudável” foi Mathurin Roze de Chantoiseau, em 1766, mas o primeiro

243
banquete

grande restaurateur no sentido moderno do termo foi Antoine Beauvilliers, que


abriu seu estabelecimento no Palais Royal em 1790. A Revolução acelerou o de-
senvolvimento, deixando desempregados muitos chefs da decadente aristocracia.
O próprio Beauvilliers havia se empregado nas cozinhas do conde de Provence e
do príncipe de Condé. Seu cardápio, que listava 168 itens distintos, incluindo 32
diferentes pratos de aves e caça, refletia esse trajeto aristocrático. Outro estímulo
para o florescimento dos restaurantes foi a extinção das guildas de comércio, que,
com todas as suas práticas restritivas, haviam sido varridas pela Revolução. Mas os
restaurantes permaneceriam durante algum tempo um fenômeno especificamente
parisiense; só na década de 1850 começaram a se transformar em elemento da
vida urbana nas outras cidades da Europa Ocidental.
O restaurante iria mudar a maneira que as pessoas tinham de perceber a
comida. Fez com que aqueles que jamais haviam pensado nela se tornassem pela
primeira vez conscientes da arte de cozinhar. Ao lerem um cardápio de restau-
rante, não podiam deixar de se conscientizar das dúzias de diferentes maneiras
de preparar um único ingrediente. Tal variedade existira no passado, mas apenas
em círculos extremamente restritos. O consumidor médio não percebia isso e
provavelmente jamais havia visto um livro de receitas. Fazer uma escolha num
cardápio significava saber, por exemplo, como se fazia um poulet à la Marengo
— ou então descobrir o que era. Assim, comer num restaurante tornou-se um
processo de aprendizagem e um meio de ganhar e exercitar um atributo muito
valorizado pelo Iluminismo, o paladar.
Os restaurantes também contribuíram muito para transformar “a arte de
bem comer”, a gastronomia, numa arena de debate estético crítico.16 Alexandre-
Balthazar-Laurent Grimod de la Reynière foi o primeiro comentador de comidas,
inventor da avaliação dos restaurantes em seu famoso Almanach des gourmands,
publicado entre 1803 e 1812. Le manuel des amphitryons (1808) foi igualmente
celebrado. Tais livros serviam para levar o conhecimento de elite a qualquer um
que soubesse ler, democratizando assim o gosto e pressionando os restaurantes a
serem inovadores e a preservarem os padrões, sob pena de perderem os clientes.
O restaurante era também o terreno de um novo personagem, o gourmet, aquele
que se orgulhava de seu conhecimento da boa comida e do bom vinho. O maior
deles foi sem dúvida Jean-Anthelme Brillat-Savarin, cujo livro La physiologie du goût
(1826) tornou-se a bíblia dos gourmets.
Esses fatos refletiam coletivamente um recuo do impulso inicial da política
revolucionária francesa, que havia se imiscuído nos menores detalhes da vida
privada — inclusive no ato de comer. Na era napoleônica tal interferência cessou,
e as artes da mesa tornaram-se finalmente separadas da política e do Estado.
Comer tornou-se um assunto privado. A refeição arquetípica do século XIX seria
o jantar festivo familiar, um ponto central da aceitação social e da respeitabilidade
numa era de rápidas mudanças.

244
o jantar está servido

A PROLIFERAÇÃO DAS SALAS DE JANTAR E


A MUDANÇA DE HORÁRIO DAS REFEIÇÕES

Como vimos, quase nada, nem mesmo comer, foi poupado na tentativa dos revo-
lucionários franceses de reverter a ordem aceita das coisas, de obliterar as posições
sociais e a deferência e de questionar os papéis seculares dos sexos. Muito do que
aconteceu foi precisamente uma reação a essa tentativa. No caso das mulheres,
a Revolução simplesmente acelerou um processo que havia começado antes de
1789 — sua limitação à esfera privada, ao lar, em contraste com o papel masculino
no mundo público.
Em lugar algum esse esquema foi mais evidente que na Inglaterra. A indus-
trialização e a urbanização criaram novas camadas sociais que substituíram para
sempre a velha divisão dual da sociedade.17 Aos antigos profissionais liberais da
classe média, tais como advogados e médicos, somou-se uma série de outros
— industriais, banqueiros, corretores, engenheiros, arquitetos e muitos mais. Eles
abriram caminho na década de 1830 e 1840, e na década de 1850 formavam um
grupo tão grande que a classe média se subdividiu em categorias internas.
Essa profunda mudança na estrutura da sociedade caminhou lado a lado com
a exaltação das virtudes domésticas encerradas na vida privada e na descoberta da
felicidade no interior da família. Quem orquestrava o novo esquema de coisas era a
dona-de-casa, e a definição de seu papel e deveres deu origem à literatura européia
exemplificada em Manuel de la maîtresse de la maison (1821), da sra. Pariset, e na obra
da sra. Beeton. Nesse novo padrão da existência cotidiana, a refeição familiar e o
jantar festivo viriam a ser as expressões máximas das bênçãos domésticas e também
do status social. A pintura do século XIX, tipificada pela obra dos impressionistas,
por exemplo, celebra sem cessar a centralidade da mesa de jantar.
O novo significado atribuído às refeições familiares explica a rápida adoção,
por parte de amplas camadas da sociedade (que previamente não haviam se
preocupado com o lugar onde comiam), de uma sala separada para o jantar.
No século XVIII, mesmo entre as classes altas, um ambiente destinado apenas às
refeições ainda constituía certa novidade. Na verdade a mesa ainda era montada
e desmontada a cada refeição, e as cadeiras encostadas de novo nas paredes da
sala, de frente para o espaço vazio ao centro. Na década de 1850, no entanto,
quem tivesse pretensões a algum cachet social devia possuir uma sala de jantar.
Os livros de arquitetura voltados para as classes emergentes descrevem essas salas
com detalhes luxuriantes — e nos dão uma riqueza de informações inexistentes
em períodos anteriores.
Na Inglaterra, John Claudius Loudon, em The Suburban Gardener and Villa
Companion (1838), afirma que a sala de jantar “tem de ser ... de importância mas-

245
banquete

culina”, com um aparador para exibir a prataria aos convidados de honra, cadeiras
forradas de couro carmesim, uma mesa quadrada, redonda ou extensível, papel de
parede vermelho e cortinas escarlate ou cor de gerânio. A essa época a mesa havia
se tornado um elemento permanente no meio da sala; Loudon refere-se à nova
moda de “colocar as cadeiras, ou algumas delas, mesmo quando não estiverem
em uso, em volta da mesa, e não mais encostadas nas paredes”.18 Já em 1820 a
lâmpada Argand a óleo estava sendo substituída pelo gás, e na década de 1830
os lustres a gás haviam surgido, gerando uma claridade cada vez maior depois
que escurecia. As velas nunca desapareceram, mas aos poucos a possibilidade de
iluminar bem um aposento à noite deixou de ser prerrogativa dos ricos. Além
disso, tornou possível um jantar cada vez mais tardio.
Na década de 1850, o número de salas para refeições multiplicou-se ainda
mais, num processo que havia começado no final do século XVIII. O livro de
Robert Kerr, The Gentleman House (1864), fala de uma sala de jantar, uma sala de
almoço e até mesmo uma sala para jantares de gala. “As salas de jantar”, escreve
ele, “devem estar voltadas para o norte ou para o nordeste, ser espaçosas e sempre
relativamente luxuosas”, com um belo aparador e mesas laterais, portas para os
convidados e para os criados. Na verdade, a essa época a coreografia do jantar
festivo havia se tornado uma grande preocupação para os arquitetos, que tinham
consciência da necessidade de criar um caminho para a procissão que ia da sala
de visitas à sala de jantar sem cruzar com os criados.19 À medida que o século se
aproximava do fim houve uma reação à escuridão pomposa do período vitoriano,
com um movimento na direção do novo culto da moda, “a doçura e a luz”.20 Mas
nem isso afetou o planejamento básico dos aposentos.
Na França a ênfase sempre esteve no salão, mais do que na salle à manger, mas
também ali as salas de jantar proliferaram, como parte da nova mise-en-scène essencial
ao status da burguesia. Anastase Garnier, em Tapissier décorateur (1830), descreve
uma sala de jantar parisiense equipada com uma mesa redonda que podia ser re-
baixada, cadeiras com assentos de palhinha ou estofados de crina, um aquecedor,
mesas laterais chamadas servantes, um aparador, um relógio e uma campanhia para
chamar os criados.21 Na Alemanha, a idéia de uma sala de jantar separada chegou
às classes médias vinda da Inglaterra e da França, na década de 1850. Ali também a
sala devia estar voltada para o norte e devia incluir uma mesa retangular de dobrar,
um aparador lateral, luz de lâmpadas de petróleo e, mais tarde, bicos de gás.22
A sala de jantar era um símbolo claro de distinção de classe, da separação entre
a família dos proprietários e os criados. Tornava-se um ambiente para a ostentação
e continuaria a reinar nas casas suburbanas de classe média até o terceiro quarto
do século XX, quando as mudanças nos hábitos de comer e as reduções no espaço
de moradia mostraram o absurdo que era dedicar um aposento inteiro ao uso de

246
o jantar está servido

algumas horas por dia. Mas no século XIX a sala de jantar tinha todo o entusias-
mo dos novos fenômenos. Comer finalmente deixara de ser um ato migratório e
encontrara o seu pouso numa sala que lhe era especialmente dedicada.
Essa circunstância não foi a única a particularizar o século XIX. Os horários
das refeições também mudaram muito. A principal refeição do dia foi ficando
cada vez mais tardia. Até então sempre houvera uma distinção clara das horas
de refeição entre as classes ociosas e os que trabalhavam para viver. Tal diferença
começou a dissolver-se em decorrência da urbanização e do aparecimento de
horas fixas de trabalho. Em 1914 os horários de comer até mesmo das classes
altas refletiam as novas regras de organização da produção.23
Na Inglaterra do século XVIII fazia-se o desjejum entre 10 e 11 horas, uma
refeição leve após o trabalho já realizado. Aos poucos, na década de 1820 e
1830, ele começou a se adiantar, primeiro para as 9 horas, e cerca de 1860
para as 8 ou 8:15. Sua característica também mudou, tornando-se uma refeição
que se fazia antes de sair para o trabalho — chá, bolinhos, um prato quente.
Ao mesmo tempo, na década de 1830, uma outra refeição surgiu: o almoço. A
própria palavra era nova, embora Samuel Johnson já se referisse a ela em seu
Dictionary (1755) como “algumas vitualhas comidas entre as refeições”. Era a
princípio uma refeição informal, composta de pratos frios, feita pela dona da
casa e por quem estivesse com ela. Em 1859 encontramos uma referência a um
“almoço festivo”. Tal forma de entretenimento normalmente acontecia na cidade
às 14 horas, e no campo às 13:30. As senhoras mantinham-se de chapéu à mesa
(prática que persistiu até depois da Segunda Guerra Mundial), e os cavalheiros
levavam os chapéus até a sala de visitas. Um livro de etiqueta de 1885 descreve o
almoço como uma “refeição sem cerimônia, inconseqüente”. O chá, um repasto
separado, chegou na década de 1840, e 40 anos depois assumiu vida própria,
particularmente nas grandes casas no campo, onde era servido às 17 horas.
Mas a refeição do dia par excellence era o jantar. Em sociedade, observou a
sra. Beeton, a ceia desaparecera, “já que as pessoas jantam numa hora que afasta
a possibilidade de uma ceia”. No final do século XVIII o jantar acontecia entre 15 e
17 horas; anfitrião e convidados trocavam os trajes habituais da primeira parte do
dia por uma roupa mais formal. Na década de 1820 e 1830, no entanto, a hora
do jantar estava ainda se adaptando aos padrões do dia médio, que mudavam
rapidamente. Algumas pessoas prenderam-se ao horário anterior, outras atrasaram-
no. Finalmente, na década de 1850, com o dia de negócios estabelecido entre 9
horas às 17:30, o horário do jantar ficou entre 19 e 20 horas. Em 1900 os convites
para um jantar informal tranqüilo indicavam 19:30 ou 19:45, e para um jantar
mais solene, 19:45 ou 20 horas. No século XX, nos círculos mais sofisticados, o
horário atrasou-se mais, porém não muito, geralmente entre 20 e 20:30.

247
banquete

Na França aconteceu mais ou menos o mesmo deslocamento na hora do


jantar. O desjejum no sentido inglês nunca aconteceu, o premier déjeuner era feito
ao acordar e consistia de leite, café, chá ou chocolate, uma flûte (pão comprido
e fino) ou uma torrada. O chamado deuxième déjeuner ou déjeuner à la fourchette
acontecia às 10 horas ou ao meio-dia, uma refeição familiar na qual a comida fria
era posta na mesa e cada um se servia. Mas o jantar seguiu o mesmo caminho,
passando de 17 horas na primeira década para 19:30 em 1900.
Mas chegou a hora de voltarmos nossa atenção para uma avaliação detalhada
do jantar festivo.

O JANTAR FESTIVO

Foi Brillat-Savarin quem compôs, em La physiologie du goût, a descrição do jantar


festivo ideal que continua sendo a mais celebrada. Vale a pena citar seus critérios
para lembrarmos dessa agradável perfeição, antes que o luxo e a pretensão do
século XIX nos dominem:

Que o número de convidados não exceda uma dúzia, para que a conversa possa se
generalizar o tempo todo.
Que eles sejam escolhidos com muito cuidado, que suas profissões sejam diferen-
tes mas os gostos semelhantes, e com tais pontos de contato que ninguém tenha de
recorrer à odiosa formalidade das apresentações. ...
Que a sala de jantar esteja luxuosamente iluminada, a toalha esteja na mais perfeita
limpeza, e a temperatura entre 18 e 20 graus.
Que os homens sejam inteligentes mas não pretensiosos, e as mulheres encanta-
doras mas não vulgares.
Que a escolha dos pratos seja refinada mas restrita em número, e os vinhos de
primeira qualidade, os melhores de seu tipo.
Que a ordem dos pratos vá dos mais substanciais para os mais leves, e dos vinhos,
dos mais leves aos de bouquet mais forte.
Que a velocidade no comer seja moderada, uma vez que o jantar é a última ati-
vidade do dia, e que os convivas se comportem como viajantes que desejam chegar
juntos ao mesmo destino. ...
Que os convidados se prendam pelo prazer da companhia e sejam estimulados
pela esperança de que a noite não termine sem outros prazeres.24

Este seria o jantar num mundo ideal! O que Brillat-Savarin evidentemente


não registra é o que acontecia na realidade, ou o que se tornava realidade. Pois o
jantar festivo seria um dos grandes símbolos de prestígio da época, um indicador
de bom gosto, de capacidade de selecionar, de uma conta bancária e contatos.25
Era uma ocasião para o anfitrião exibir sua esposa e filhas, especialmente as casa-
douras. Tratava-se de um exercício de relações públicas, uma exposição do grau
de requintamento da família e da elegância de suas maneiras. A decoração, as

248
o jantar está servido

roupas, o número e a qualidade dos criados, os arranjos da mesa, a escolha dos


convidados e dos pratos, tudo era planejado para impressionar. O jantar festivo
representava também um lugar, na nova era do comércio, onde se combinavam
prazer e lucro — quando as senhoras deixavam a sala e o anfitrião falava de política
e de negócios com os outros homens. Enquanto isso, na sala de visitas, as mulheres
tagarelavam sobre modas e tratavam de arranjar casamentos. Dar um jantar era
um ato visível de status de classe média, e oferecê-lo uma vez por mês tornou-se
a norma. Para as classes altas, uma vez por semana era o mais comum.
A luta para abrir caminho na sociedade é descrita em cores vivas num livro
de J.E. Panton intitulado From Kitchen to Garret (1888). Foi escrito especialmente
para a “arraia-miúda” com rendas entre 300 e 500 libras por ano (atualmente
15 mil a 25 mil) e apenas uma empregada. Panton descreve como, com alguma
economia, um casal poderia ocasionalmente produzir um jantar festivo para
seis pessoas a um custo de uma libra, um xelim e quatro penies. (equivalente a
cerca de 55 libras hoje). Percebemos aqui a preocupação espraiando-se entre
a classe média baixa.
Não é surpresa que aqueles que tinham ambições sociais ficassem obcecados
pelo jantar festivo. Ter sucesso num jantar destes significava ser admitido numa
burguesia coesa. No século XVIII os jantares não tinham tal papel, eram em geral
prelúdio de algum outro entretenimento. Agora o próprio jantar se transformava
em entretenimento, funcionando como porta de entrada pela qual os aspirantes
deviam passar, como convidados e como anfitriãos.
O romancista William Makepeace Thackeray, em O livro dos esnobes (1847),
ilustra muito bem como se tornou importante oferecer um jantar festivo no final
da década de 1840, caçoando maldosamente dos que tinham esperanças de fingir
o que não eram, com criados temporários e comida comprada pronta:

Suponhamos que você compre comida barata na pastelaria e contrate um casal de


quitandeiros ou faxineiros para fingir de lacaios, dispensando a honesta Molly que
serve nos dias comuns; e engalane a mesa (normalmente ornamentada com louça
de barro fingindo porcelana chinesa) com pratos baratos de Birmingham. Suponha
que você se faça de mais rico e mais importante do que realmente é — aí você será
um esnobe que dá jantares.26

Na segunda metade do século XIX o jantar atingiu sua apoteose. Um mun-


do de livros de etiqueta e administração doméstica ensinava os que desejavam
realizar uma escalada social e imitar a classe na qual queriam ingressar. “Jantar é
um privilégio da civilização...”, escreveu orgulhosamente a sra. Beeton em 1861:
“A nação que aprendeu a jantar aprendeu a principal lição do progresso.”27 Os
livros de etiqueta descreviam as vantagens sociais desse ato. Oferecer jantares é
um “caminho direto para alcançar um lugar na sociedade. ... não existe passaporte
melhor ou mais seguro para a boa sociedade que a reputação de dar bons janta-

249
banquete

res.” Daí Manners and Tone of Good Society and Solecisms to be Avoided, by a Member
of the Aristocracy (1885).28 Ou, para citar a sra. Humphry, a ubíqüa “Madge” da
revista Truth: “A dona-de-casa que dá bons jantares seguramente terá sucesso
na vida social, e quase certamente casará as filhas bem.”29 Os motivos para dar
jantares são quase explícitos ou, no caso de Etiquette for Ladies (1894), são explíci-
tos. O autor escreve que receber um convite para jantar é um “reconhecimento
inequívoco de que você pertence à mesma classe que seus anfitriões. Todo país
tem um teste particular desse tipo, e na Inglaterra o convite para jantar é a marca
da igualdade social”.30
Se na classe média o jantar significava um modo de abrir o mundo privado
da família e do lar para estranhos considerados de igual posição social, para as
classes altas era muito mais. No final do século, em conseqüência das pressões
sociais vindas de baixo, as classes estabelecidas haviam cerrado fileiras e formado
o que era conhecido como “sociedade”. Imensamente ampliada no decurso do
século, na Inglaterra consistia de cerca de quatro mil famílias. (Na Alemanha seu
equivalente compunha 1,5% da população.) Tratava-se de um novo corpo social
criado e preservado por sua própria e imensa riqueza. Era competitiva, pretensiosa,
parvenue, orgulhosa, algumas vezes vulgar e media as coisas pelo dinheiro. Uma
vez admitido em seu exclusivo recinto, a tarefa de cada um era manter a vigilância
sobre os futuros candidatos. Isso envolvia a criação — por meio de rituais, detalhes
de estilo, maneiras e gosto — de uma série de obstáculos que todos os aspirantes
deveriam transpor. Receber um convite para jantar era uma barreira tão grande
quanto dar um jantar. E ainda é.

DO SERVICE À LA FRANÇAISE AO SERVICE À LA RUSSE

Ao final do século XVIII o tradicional serviço à francesa, tal como evoluíra no período
barroco, já se encontrava sob pressão.31 Quando começou a ser adotado, esse
modo de servir era bastante razoável. Punha-se um conjunto de pratos na mesa, e
as pessoas se serviam deles sozinhas ou auxiliadas por criados. Tudo se organizava
em perfeita simetria: quando terminava um serviço os pratos eram retirados e
substituídos pelos próximos, arranjados igualmente de forma simétrica. A regra
de que os pratos deveriam ser multiplicados por 12 de acordo com o número de
convidados significava que uma mesa podia acabar com cem pratos de cada vez,
mas apenas de dois tipos, terrinas e pot d’oille, ovais ou redondos. Em 1800, no
entanto, a variedade de recipientes e outros utensílios de mesa havia aumentado
consideravelmente, de modo que a mesa parecia uma floresta de baldes para refr-
escar vinhos e taças, molheiras, galheteiros para azeite e vinagre, potes de mostarda,
creme e açúcar, colheres para açucareiros, tigelas de sorvete, cestas de pão, pratos
para entremets, réchauds, caixas de temperos e também uma quantidade infinda

250
o jantar está servido

de cutelaria. E tudo isso era orquestrado para formar um serviço que combinasse.
Uma boa quantidade de pratos voltava portanto intocada; ou, pior ainda para os
comensais, a comida chegava inevitavelmente fria ou na melhor das hipóteses morna.
Isso quanto aos jantares de gala, mas mesmo numa escala muito mais modesta
o sistema era igual. Uma aquarelista amadora chamada Ellen Mary Best registrou o
primeiro serviço de um jantar, antes da chegada dos convidados, na casa de um
cirurgião de York, em 1838.32 Toda a comida já está posta na mesa. Trata-se de
uma versão do sistema francês conhecida como service à l’anglaise, em que a anfitriã
serve a sopa e o anfitrião trincha o pernil. A terrina de sopa pode ser vista numa
das extremidades, com uma pilha de pratos ao lado. A anfitriã serve a sopa e o
prato é entregue ao comensal por um criado. Depois que todos tomam a sopa,
retira-se a tampa do assado, na outra extremidade da mesa, e o anfitrião começa
a trinchar. Nesse ponto as tampas são removidas simultaneamente das outras
terrinas. Mais uma vez os criados ajudam a servir. Pratos quentes são trazidos da
cozinha ou servidos num aquecedor de pratos na lareira. A aquarela mostra as
terrinas e travessas quentes sobre descansos de mesa, para não marcar o tampo,
e cada couvert com pão e um guardanapo, ladeado por uma faca e um garfo ape-

Jantar numa casa em York. Aquarela de Ellen Mary Best, 1838.

251
banquete

nas (estranhamente, estão faltando não só as colheres de sopa como também os


pequenos pratos laterais). O reinado da rainha Vitória tinha apenas um ano.
Em jantares mais elaborados, servia-se o peixe junto com a sopa, e um remove
de carne assada no forno ou na brasa era trazido como segundo prato. A cada
serviço subseqüente trocavam-se os pratos até que finalmente a toalha era retirada
e trazia-se a sobremesa. Quando o comensal já havia se servido de tudo o que
queria de um prato em especial, colocava a faca e o garfo paralelos sobre o prato
(ainda se faz isto hoje, só que na Europa continental os talheres são cruzados);
um criado retirava o conjunto e colocava outros talheres.
Esse tipo de jantar dominical provinciano já estava considerado fora de moda
pela classe alta, que ansiosamente buscava mudanças originárias da França.33 Em
junho de 1810, numa recepção em Clichy, próximo a Paris, o príncipe Borisovitch
Kourakine, diplomata russo, serviu seus convidados de maneira inteiramente nova.
Quando eles entraram, em vez de encontrarem a comida en tableau, nada viram
sobre a mesa. Pelo contrário, o centro estava enfeitado com um chemin de table,
candelabros, vasos e étagères, ramos de flores artificiais (até cerca de 1850 achava-se
que o aroma das flores prejudicava o cheiro da comida), frutas e doces que seriam
servidos mais tarde como sobremesa. Quando os convidados se sentaram, uma
surpresa ainda maior. Um lacaio apresentou a cada comensal uma travessa da qual
devia se servir, tudo já preparado, fatiado ou cortado em pedaços, combinado
com molho, guarnição ou acompanhamento apropriados. Uma série de pratos foi
servida dessa maneira, todos eles vindos da cozinha já prontos; ou, no caso dos
pratos maiores, eram rapidamente trinchados pelos criados em mesas laterais. A
comida chegava muito mais quente, e pela primeira vez todos tiveram a chance
de provar de tudo. Essa nova forma de apresentação da comida passou a ser
conhecida como service à la russe. Gradualmente espalhou-se por toda a Europa
Ocidental, embora levasse um século inteiro para se firmar.
Podemos ver que o novo serviço, com todas as suas oportunidades de
exibição ostentatória, começou a ganhar aceitação porque o grande ourives
Pierre-Philippe Thomire já estava fazendo sourtouts à la russe, em 1810. Carême,
no entanto, não era a favor do service à la russe, e o método tradicional à la fran-
çaise continuou em voga até a década de 1850. Para Carême, era “plus élégant
et plus somptueux” a fascinante exibição simétrica de pratos em torno de suas
legendárias pièces montées. Essa apresentação inicial incluía sopa, hors d’oeuvres,
entrées e relevés. A importância de cada jantar era medida pelo número de entrées.
Todas eram retiradas e punha-se a mesa outra vez com o assado e os entremets.
Finalmente tudo era tirado de novo para o serviço de gelados, bombons, petits
fours, frutas e queijos.
Na França, o service à la russe esperaria até a última década do século XIX para
se tornar norma. Mesmo então, em jantares de cerimônia e ocasiões importantes,
o service à la française se manteria, pelo seu efeito espetacular. Servia-se à la russe

252
o jantar está servido

sobretudo nas reuniões mais ou menos profissionais, se o objetivo era conversar à


vontade. Apenas quando o service à la russe foi universalmente adotado Escoffier
estabeleceu a seqüência de pratos habitual nos dias de hoje: hors d’oeuvre ou sopa,
peixe, carne com legumes, digestivos e sobremesa.

Na Inglaterra a passagem para o novo método de servir também foi lenta. O


service à la française continuou até a década de 1870 e 1880, com os dois grandes
serviços costumeiros seguidos pela sobremesa. A imensa maioria das bill of fare da
sra. Beeton destinava-se a esse sistema, mas ela também se referia ao novo:

Num dinner à la russe os pratos são cortados no aparador e apresentados aos convida-
dos, e cada prato pode ser considerado um serviço. A mesa para um dinner à la russe
deve ter flores [1861 já eram naturais] e plantas em belos vasos no centro, juntamente
com alguns dos pratos da sobremesa. Um menu ou bill of fare deve ser posto ao lado
de cada comensal.34

O efeito do service à la russe, afora a comida quente, foi multiplicar os pratos, mas
ele resultou numa bem-vinda redução do tempo gasto à mesa. No sistema antigo a
refeição podia durar horas. O jantar à la russe durava uma hora e meia no máximo.
Na Inglaterra das décadas de 1870 e 1880, a seqüência era a seguinte: hors d’oeuvre
na mesa, ao entrar, duas sopas, uma leve e outra espessa, peixe, a entrée, o pernil
ou pièce de résistance, um sorbet, o assado e uma salada, verduras, um doce quente,
sorvete, sobremesa, café e licor. Isso significava 12 serviços, mas já na década de
1890, em resposta às novas idéias sobre a dieta, este número foi reduzido a oito.
Como tudo o mais que tenha a ver com o jantar festivo do século XIX, o estilo
de serviço era levado em conta. “O jantar à la russe”, escreveu a sra. Beeton, “rara-
mente é apropriado para pequenos estabelecimentos, pois exige um grande número
de criados para trinchar e servir os convidados.” E também exigia uma fartura em
faqueiros e porcelanas. The Habits of Good Society, sem data, mas provavelmente
da década de 1850, referia-se a isso como “um costume estrangeiro recentemente
introduzido neste país...”.35 Seu triunfo também estava ligado ao surgimento de uma
nova classe média extremamente rica. A oportunidade de uma exibição ostentatória
e a necessidade de um pequeno exército de criados tornaram o service à la russe uma
escolha possível apenas para os que podiam pagar. Além disso, ao utilizar empregados
domésticos para trinchar e servir, esse estilo deixava mais claras as distinções sociais
— ninguém na mesa tinha qualquer coisa a ver com a manipulação da comida. E
também possibilitava o renascimento da arte de pôr a mesa e decorá-la, ou melhor,
o retorno às glórias do secular aparador. Como antes, tudo girava em torno da
exibição — mostrar as riquezas do proprietário em objets como centros de mesa e
candelabros de prata, sofisticados arranjos de flores, frutas e doces arrumados como
naturezas-mortas... Em suma, exercícios de riqueza e bom gosto.

253
banquete

O RITUAL E A ETIQUETA DO JANTAR

O século XIX testemunhou uma mudança de comportamento tão fundamental


quanto a que motivara o discurso de Erasmo sobre boas maneiras três séculos
antes.36 A nova sociedade urbana gerada pela indústria exigia uma reestrutura-
ção da etiqueta. Na Inglaterra, após a ampliação do direito de voto em 1832, os
costumes da antiga era aristocrática finalmente evoluíram para o que chamamos
de boas maneiras, um conjunto de regras definidas por classes em que um dos
objetivos básicos era preservar a casta dos admitidos e manter de fora os não-
reconhecidos. As boas maneiras falavam uma língua elaborada e impunham uma
disciplina a ser aprendida por quem desejasse ascender a um nível mais elevado
na sociedade. Aqueles que já pertenciam ao círculo mágico exibiam boas maneiras
sem qualquer piedade, como uma forma de exclusão, seja cristalizando códigos
de comportamento para indicar sua própria superioridade, seja mudando-os a seu
bel-prazer, para tornar ainda mais difícil aos nouveaux a tarefa de chegar lá.
O jantar festivo era um longo exercício de boas maneiras. Graças a isso
nasceu uma pletora de livros destinados a apresentar aos ignorantes um guia
detalhado sobre todas as sutilezas e formalidades exigidas em tal ocasião. Esses
manuais de etiqueta, ao buscar os mínimos detalhes, nos dão mais informações
sobre a mesa do que as que tínhamos nos períodos precedentes. O que não
sabemos é a precisão com que registram a realidade. Foi a Inglaterra — onde a
pressão social vinda de baixo era mais poderosa — que abriu o caminho nesse
gênero. Os livros ingleses eram muito influentes no exterior, especialmente na
Alemanha. Vistos de maneira geral, tornavam-se inevitavelmente repetitivos.
Portanto vamos sintetizar seus comentários para retratar o convidado de um
jantar entre a década de 1850 e a eclosão da guerra em 1914. O cenário, de
uma maneira geral, era o que se descreve a seguir.37
Duas ou três semanas antes enviavam-se os convites impressos em cartões
adequados. (No caso de um convidado de honra muito importante, o convite
devia ser enviado seis semanas antes.) Todos os jantares começavam com uma
análise a respeito do número e do tipo de participantes. Seis, oito ou dez eram
considerados os números ideais, pois facilitavam a conversa à volta da mesa. No
entanto, admitia-se que a festa incluísse até 20 pessoas. Os convidados deveriam
ser de mesma posição social, partilhar os pontos de vista e manter o mesmo estilo
de vida. Um livro escrito em 1850 relaciona as várias profissões, inclusive medi-
cina, exército e marinha, consideradas presenças aceitáveis em mesas de jantar,
juntamente com artistas, arquitetos e escultores, “mas nem sempre suas famílias”.
Isso denota que o homem poderia ser convidado sem a esposa, caso ela fosse
considerada socialmente inaceitável. Os convites não eram entregues pelo correio,
mas em mãos, por intermédio de um criado.

254
o jantar está servido

As mulheres sempre se vestiam com mais esmero em tais situações, mas a


codificação dos trajes masculinos para a noite, tal como sobrevive hoje, só foi
fixada ao final da década de 1860.38 Cassell’s Household Management, publicado
naquela época, observa: “Para o cavalheiro, o traje usado num jantar de gala é
estritamente casaca com colete aberto e laço branco no pescoço.” Até a década
de 1830 não havia qualquer sinal de código de roupas específico para a noite,
mas gradualmente tornaram-se norma as calças pretas de seda ou lã abotoadas no
tornozelo para deixar a perna mais elegante. A passagem para o que atualmente
chamamos de “gravata branca” deve ter sido lenta, mas todos os elementos já
estavam firmes em seu lugar na década de 1870: paletó preto, colete branco,
colarinho, peitilho da camisa engomado, cartola, capa e cravo na lapela. Esse
conjunto sobreviveu quase sem qualquer mudança para as ocasiões de gala,
como um jantar formal no palácio de Buckingham ou na Royal Academy de
Londres. Na década de 1890 o preto foi adotado pelos criados como uniforme
para a noite, sem dúvida para evitar a confusão produzida pelo surgimento do
smoking semiformal e mais comum, ainda usado em nossos dias.
A hora de chegada dos convidados era, como já vimos, entre 19:45 e 20
horas, ou entre 20 e 20:15. Quando eles chegavam, os criados guardavam cha-
péus e casacos. As mulheres usavam luvas. Os convidados, sozinhos, em pares
ou grupos, eram levados até o salão pelo mordomo ou por outro criado e anun-
ciados ao entrarem na sala. As damas sempre entravam à frente dos cavalheiros,
e o casal e os anfitriões apertavam-se as mãos. O costume era as mulheres se
sentarem e os cavalheiros ficarem de pé. Eram feitas as apresentações, e os ho-
mens se curvavam, mas não trocavam apertos de mão. O anfitrião dizia a cada
cavalheiro que dama ele deveria acompanhar até a mesa.
A reunião na sala de visitas não demorava muito. Não se serviam bebidas,
embora na França às vezes se oferecesse um aperitivo. Quando o mordomo
anunciava o jantar, formava-se uma procissão. John Trusler, em seu Honours of the
Table (1788), registra como novidade imprópria a colocação dos sexos alterna-
damente em torno da mesa, o que logo passaria a ser a norma e exigiria algum
tato de combinação. O que havia sido a chegada um tanto aleatória na sala de
jantar (que continuava a acontecer na França) evoluiu para uma procissão formal
encabeçada pelo anfitrião de braço com a dama mais importante, seguidos em
ordem hierárquica por uma série de pares, terminando com a anfitriã de braço
com o principal convidado masculino.
A preocupação com a precedência permanecia viva. O anfitrião e a anfitriã
geralmente sentavam-se em extremidades opostas, ou, caso houvesse muitos
comensais, no meio, tendo à direita os convidados principais (na França era
à esquerda). Os anfitriões diziam aos convidados quais eram seus lugares ou

255
banquete

colocavam cartões com os nomes. O uso deste recurso ia e vinha com a moda.
“Madge” observou: “É constrangedor, nestes dias de vista fraca e salas pequenas,
ver vários casais andando para lá e para cá tentando decifrar seus nomes nos
pequeninos cartões.”
Gwen Raverat, ao relatar sua infância em Cambridge no final do período
vitoriano, nos dá uma descrição muito viva da imbecilizante formalidade dos
jantares governados pela precedência:

Tanto os jantares formais como os comuns eram muito importantes em Cambridge.


Em nossa casa as festas reuniam geralmente 12 ou 14 pessoas, e todos que tinham
status eram chamados estritamente por turnos.
Os convidados sentavam-se de acordo com o protocolo, e os diretores segundo
as datas de fundação dos colleges, exceto o vice-chanceler, que sempre vinha antes de
todos. Após os mestres vinham os professores de cátedras fundadas pela realeza, por
ordem de temas, sendo teologia a primeira de todas; e os outros professores, segundo
a data das cátedras, e assim por diante, por todos os graus da hierarquia.39

A mesa era em si um monumento à opulência, especialmente se o jantar fosse


servido à la russe. A decoração tornava-se um desafio para a anfitriã. Na década de
1850, o que em épocas anteriores havia sido raro e incomum, graças à manufatura
em massa, ficou disponível em grande quantidade a todos os que tinham meios:
cutelaria, vasos, flores artificiais, épergnes e qualquer tipo de centro de mesa — de
prata ou prateados, tudo o que pudesse ser usado para enfeitar uma mesa. Dessa
forma, o status já não podia ser medido apenas pela exibição de uma abundância
de parafernálias dispendiosas. Os novos critérios eram muito menos óbvios e mais
difíceis de satisfazer — bom gosto e estilo. Embora a sala de jantar continuasse
sendo um domínio definitivamente masculino, a mesa era feminina.
Assim, a decoração das mesas era inevitavelmente uma confusão à medida que
a moda flutuava. Um livro brada contra “chinelos [de prata] como vasos de flores
numa mesa de jantar. A associação de sapatos com comida não é uma idéia muito
agradável”.40 Um outro, publicado em 1904 e dedicado às artes do lar, denuncia o
mau gosto: “flores de arame retorcidas nas posições mais impossíveis, com folhas
tortuosas dando laçadas, guarnecidas de pássaros empalhados e borboletas falsas,
acompanhadas de objetos de porcelana e corujas com velas na cabeça.”41 No caso
do service à la russe, esses objetos bizarros tinham de incorporar tudo o que fosse
servido depois como sobremesa. Várias vezes os livros chamaram a atenção para
a necessidade de os convidados poderem se ver por sobre a mesa, sem serem
tapados por um ramo de trigo e de flores. Depois da década de 1850, quando
as flores naturais substituíram as artificiais, não surpreende que a decoração se
tornasse um problema constante. As mutáveis dunas da moda pareciam ter se
transformado em areia movediça na qual uma anfitriã emergente mas pouco
observadora podia afundar.

256
o jantar está servido

A ida para o jantar. Do livro English Society at Home, 1880, de George du Maurier.

Quanto à iluminação, as velas deram lugar ao gás e finalmente, por volta de


1900, à eletricidade. Quando cada um dos novos métodos se tornava comum, as
classes emergentes iam adiante, chegando ao final do período de volta onde haviam
começado: ao jantar à luz de velas. Após um século isso ainda permanece.
As tentativas de classificar as pessoas segundo o gosto nunca cessaram. A sra.
Loftie, pioneira da revista House Beautiful, escreveu um livro chamado The Dining-
Room (1878) em que dá o que chamava de “informações aos ignorantes e ajuda aos
que progrediam”. Levantava as mãos em horror para as flores que se assemelhavam
aos vasos de meados do período vitoriano, preferindo os botões jogados cuidado-
samente sobre a mesa. Censurava também os “assustadores pesadelos produzidos
pelos fabricantes de porcelana, e enquanto as pessoas gostarem de ter nos pratos
lagostas vermelhas escarrapachadas, borboletas, caramujos, lagartas ou cacatuas,
elas ficarão satisfeitas.”42 O bom gosto na mesa era um campo minado.

257
banquete

Uma grande variedade de talheres, taças, toalhas e guardanapos esperava o


convidado. Sobre a toalha branca adamascada e engomada que continuava sendo
uma característica insubstituível e admirável, porque refletia a luz, era colocada uma
bateria de talheres.43 O conjunto típico consistia em duas facas grandes, faca e
garfo de prata para peixe, uma colher de sopa e três garfos grandes. No século
XVIII os talheres não eram tão abundantes; costumava-se retirá-los, lavá-los e tra-
zê-los de volta quando os pratos eram trocados durante o jantar. Mas agora todo
o necessário para a refeição — exceto para a sobremesa — ficava pronto para ser
usado. Começava-se de fora para dentro. Variava-se a posição das lâminas das
facas (voltadas para fora ou para dentro) e dos dentes do garfo (para cima ou para
baixo). Apareceram tipos especiais de cutelaria, como facas de peixe; anteriormente
o peixe era comido apenas com o garfo, ajudado por um pedaço de pão. Acre-
ditava-se que o ácido das frutas corroía as lâminas de aço, o que criou os serviços
especiais de sobremesa em prata, prata dourada ou ouro. Tudo era multiplicado e
categorizado, um exercício típico do amor vitoriano pela classificação das coisas.
Por volta de 1900, em conseqüência da produção em grande escala, possuir
uma fileira de talheres já não era suficiente para distinguir alguém. Aqueles que
criavam moda adotaram novos métodos de usá-los. A faca, por exemplo, desen-
volveu uma lâmina arredondada, não mais em ponta, pois a comida já podia
ser espetada no prato com o onipresente garfo. “Madge”, na década de 1890,
escrevia que a regra mais segura era jamais usar colher ou faca quando um gar-
fo fosse suficiente. Assim completamos finalmente o ciclo do tempo em que o
garfo, pouco mais que uma ostentação periférica, assumiu seu papel como ins-
trumento mais importante para levar comida à boca. O triunfo foi tão completo
que hoje em dia vivemos a era do garfo.
Mas era preciso tomar cuidado. Comer podia ser traiçoeiro para a posição
social. A infatigável “Madge” escrevia de novo, por exemplo, que o queijo devia
ser cortado em pequenos pedaços, colocado num pedaço de pão ou de biscoito
e então levado à boca. “Muito poucas pessoas continuam a comê-lo à maneira
antiga, levando-o à boca com a faca.” (Ela nos mostra de relance uma maneira
de comer queijo que era antes inteiramente aceitável.) Charles Day, em Etiquette
and Usages of Society, de 1840, declarava que comer qualquer coisa com a faca
era “horrivelmente vulgar”. Facas deviam ser usadas para costeletas, aves e caças;
garfo e faca para aspargos; todos os pratos deviam ser comidos com garfo, os
doces também, exceto as frutas, que podiam ser comidas também com colher.
O que se percebe aí é que apenas neste século segurar e usar garfo e faca com
ambas as mãos finalmente se tornou uma norma plenamente aceitável. (No
entanto, não de maneira universal, pois nos Estados Unidos a faca é posta no
prato enquanto a comida é levada à boca com o garfo.)
Outros refinamentos nos usos à mesa surgiram à medida que a barreira da
repugnância continuava a crescer. Na Inglaterra de 1840 lavar a boca à mesa já

258
o jantar está servido

era considerado um “hábito imundo”.44 Nessa data ainda era aceitável na França,
e na Alemanha continuou sendo até a década de 1860. Por volta de 1900 essa
prática, junto com os palitos, havia sido banida das mesas educadas dos três países.
Os costumes também mudaram. Na Inglaterra, por exemplo, o velho costume de
o anfitrião ou um convidado tomar vinho com outro comensal, uma espécie de
brinde mútuo, caiu em desuso na década de 1850.
Como se os talheres não fossem desafio suficiente, o comensal inexperiente
encontrava à esquerda um prato lateral com um guardanapo dobrado embrulhando
uma fatia de pão, e à direita um pequeno exército de taças. À frente havia um
cardápio e, próximo, um saleiro. Tratar dessas coisas era simples, exceto talvez as
taças.45 Geralmente eram três, uma para o xerez, outra para o hock (como o vinho
branco alemão era chamado) e uma terceira para champanhe. Copos sem pé para
água ficavam no aparador e eram trazidos por um criado, quando pedidos. No
século XVIII as taças não ficavam na mesa; um criado trazia-as e depois levava-as de
volta para serem lavadas. Mas o vidro tornara-se tão farto que os copos passaram
a fazer parte dos adereços da mesa na Inglaterra desde 1800, e na França a partir
de 1820. À medida que o século avançava, as taças desenvolveram seus próprios
tamanhos e formatos particulares para cada tipo de bebida. Em alguns casos — o
hock, por exemplo — podiam ser de vidro colorido.
O número de criados necessários para um jantar dependia inevitavelmente do
tamanho do evento. Uma refeição para dez exigia mordomo e dois copeiros. Todos
os criados eram homens; criadas à mesa eram vistas como prática totalmente déclas-
sé. Dessa forma, quem tinha poucos criados era obrigado a promover o jardineiro
ou até mesmo a contratar o verdureiro da vizinhança (como sugere Thackeray). O
serviço em si percorria toda a mesa, começando pelas pessoas sentadas à direita
do anfitrião e anfitriã. As senhoras, ao sentar, tiravam as luvas.
A essência do jantar era a conversa. Funcionava segundo um princípio pen-
dular, iniciando com o anfitrião a falar com a senhora à sua esquerda. Um tópico
era absolutamente proibido: qualquer comentário sobre a comida era considerado
além dos limites. Mas conversar bem era considerado vital, e todos os livros de
etiqueta tratam disso extensivamente. Na verdade o jantar festivo deu nascimento
a uma nova figura, o conversador. O poeta Robert Browning, por exemplo, era
considerado “uma das mais instrutivas e interessantes conversas ao jantar em toda a
Londres”. Assim, o culto ao jantar inaugurou uma nova arena de competição social,
em que o sucesso dependia de recrutar os melhores conversadores — convidados
educados, informados e inteligentes, mas que em hipótese alguma falariam de
coisas como religião e darwinismo, capazes de provocar dissensões.46
O jantar seguia com uma sucessão de pratos e vinhos de maneira fixa e
previsível: xerez após sentar à mesa, vinho branco com o peixe e champanhe
após a primeira entrée (e até a sobremesa). A essa altura retiravam-se os pratos,
e um prato de sobremesa era colocado diante de cada comensal. (Se fossem

259
banquete

servir gelados seria incluído um recipiente de gelo.) No prato ou pratos havia


uma lavanda sobre um guardanapo para enxugar os dedos, uma colher de ouro
ou de prata para o sorvete e uma faca e um garfo de sobremesa. O comensal
pegava os talheres e colocava-os ao lado dos pratos, e a lavanda à sua frente. Ao
mesmo tempo eram postas as taças para xerez e clarete, e uma jarra de clarete e
duas garrafas de xerez ficavam diante do anfitrião. As cestas de frutas eram então
trazidas do meio da mesa.
Terminada a sobremesa, a anfitriã olhava para a convidada principal e as
damas se erguiam, calçavam de novo as luvas e deixavam a sala. Na Europa
continental, convidados e convidadas levantavam-se juntos, mas na Inglaterra
continuava a separação de sexos, costume que na década de 1850 já tinha
alcançado as classes médias. Depois que as mulheres saíam, os homens junta-
vam mais as cadeiras em volta da mesa para tomar clarete e fumar charutos e
cigarros. A conversa assumia um caráter mais masculino, e, após algum tempo
que variava entre um quarto e três quartos de hora, os homens se levantavam
e iam ao encontro das senhoras na sala de estar.
Enquanto isso as damas se serviam de café, que então era levado para a sala
de jantar, para os cavalheiros. Quando eles finalmente apareciam, às vezes servia-se
chá; as conversas se generalizavam e muitas vezes alguém cantava ou tocava. Tudo
isso demorava uma hora no máximo, significando que às 22:30 o evento havia
terminado. O anfitrião então acompanhava as principais convidadas femininas até
suas carruagens. No começo do século era costume os criados se colocarem em fila
para uma gorjeta, mas em meados do século isso foi considerado “extremamente
vulgar e malvisto”. Havia um pequeno finale por acontecer: os convidados deveriam
retribuir o convite numa semana. Mas então os anfitriões já estavam imersos no
planejamento da próxima festa, e todo o processo recomeçava.

ONDE ESTAMOS AGORA?

Onde nos encontramos, com a Europa às vésperas de uma guerra devastadora?


Colocado na perspectiva dos séculos pelos quais viajamos, o jantar festivo ainda
representa compromisso, um curioso amálgama da hierarquia pré-1789 e da
igualdade pós-1789. Todos se sentam agora à mesma mesa, de uma maneira
prevista pelos revolucionários, mas os comensais se posicionam em ordem de
precedência. Embora o nascimento não determine mais se a pessoa deve ou não
ser convidada, ainda restam testes — alguns sutis, outros óbvios — pelos quais se
deve passar antes de ser admitido. Por outro lado, desigualdades como a mesa
alta (exceto em lugares onde ela sobrevive como um arcaísmo), mesas separadas

260
o jantar está servido

para as mulheres e comida diferente segundo a posição social desapareceram


completamente. O esnobismo de classe e as divisões sociais estão firmemente no
lugar, mas temperados pela possibilidade de qualquer um ser admitido. Podemos
ainda estar distantes da democracia de rua da Revolução Francesa, onde todos
podiam se juntar à mesa comunal, mas chegamos, de uma maneira ou outra, à
mesa de nossa própria época. Acho que se pode dizer com alguma precisão que,
após a invenção do jantar festivo, o resto da história dos festejos é pouco mais
que uma nota de rodapé.

261
Pós-escrito: O eclipse da mesa

O banquete de coroação de Eduardo VII, em agosto de 1902, pode ser visto


como o fim de uma era. Por toda a Europa, nas duas décadas anteriores a
1914, crescera o esplendor do ritual nas cortes européias para enfrentar o apareci-
mento do socialismo. O chef real Gabriel Tschumi, escrevendo em 1954, percebeu
o significado da ocasião ao olhar para o passado:

É pouco provável que um banquete desses seja realizado outra vez, e pelos padrões
atuais [após o racionamento de alimentos da Segunda Guerra Mundial], parece muito
extravagante e esbanjador. O linguado que servimos foi cozido no Chablis e guarne-
cido com ostras, camarões e outros tipos de frutos do mar. Servimos uma codorna
por pessoa e um terço de galinha assada muito gorda, além dos aspargos ao molho
holandês, rosbife e narcejas que também compunham o cardápio. Um banquete como
este sempre deve terminar com algo saboroso, como o soufflé parmesan servido em
1902. Usamos 40 gemas de ovo para 250 convidados, um quilo de farinha de trigo
e meio de queijo ralado, acrescentando as claras bem batidas. E não existe sobremesa
mais atrativa para um banquete de coroação do que a caisse de fraises Miramare [um
doce de cerejas que Tschumi descrevera antes e que exigiu dos confeiteiros três dias
para fazer as cestas de açúcar que continham o doce, e dos cozinheiros, mais três para
preparar a mistura de geléia de cerejas e o creme de baunilha] ... Muitas decorações da
mesa também eram de açúcar. Havia laços e flores de açúcar, e os confeiteiros fizeram
uma grande placa de açúcar com o timbre real que o rei Eduardo adotou. Todos os
convidados ao banquete ganharam de lembrança uma pequena coroa de açúcar.1

Sem dúvida alguma isso está mais próximo do espírito das festas da Renascença
e do período barroco que de qualquer aspecto da vida do século XX. Mas a
eclosão da Primeira Guerra Mundial e o advento do racionamento universal
de alimentos efetivamente decretaram o fim da cuisine classique e da tradição
gloriosa dos banquetes de corte.
O fim da guerra e a abolição da monarquia na Alemanha, Áustria e Rússia
apenas acentuaram a mudança. A tradição secular de grandeza e opulência já
havia desaparecido na França. A Inglaterra era exceção, mas mesmo aí podemos
ver seu triste declínio. Em 1914 a rainha Mary, esposa de Jorge V, havia limitado

263
banquete

seu desjejum de oito pratos a dois. Após 1918 o jantar foi reduzido de 14 para
dez pratos. Em 1932, com o colapso do padrão ouro, grande parte da equipe da
cozinha real tornou-se redundante. Em 1947, após outra guerra mundial — que
deixou a Inglaterra arruinada —, o desjejum comemorativo do casamento da atual
rainha Elizabeth teve apenas quatro pratos modestos: filet de sole Mountbatten,
perdreau en casserole com haricots verts, pommes noisettes e salade royale, seguida
de bombe glacée princesse Elizabeth e sobremesa. Em meio século uma grande
história havia praticamente acabado.2
Outros fatores também iriam abalar os padrões das refeições das classes
alta e média.3 Depois de 1918, aos poucos os criados foram se tornando coisa
do passado. Depois de 1945 quase deixaram de existir. Um grande benefício
ocorreu no entanto: a mecanização da cozinha. Ao avanço cada vez maior da
geladeira, após a metade do século XX, juntaram-se o fogão a gás e elétrico, a
lavadora de pratos e uma grande variedade de implementos que trituram, pi-
cam, moem e misturam ingredientes. A estes podemos acrescentar o freezer e o
forno de microondas. Novas formas de comércio e de transporte internacional
passaram a oferecer as frutas mais exóticas no auge do inverno. As estações
foram banidas, é possível obter aspargos e cerejas tanto em dezembro como em
junho. Comer fora passou a ser uma opção para todas as classes da sociedade,
à medida que aumentou o número de restaurantes e se multiplicaram as redes,
primeiro nacionais e depois internacionais. A culinária, que no passado havia sido
puramente local, tornou-se global, com restaurantes indianos, chineses, malaios,
libaneses, japoneses e outros surgindo em todas as grandes cidades.
O século XX foi uma era de grande variedade (ou mesmo cacofonia)
alimentar, mas também de temores culinários. Já em 1900 a nutrição havia
começado a surgir como questão de interesse, passando a ser levada a sério na
década de 1920 — e daí em diante cada vez mais obsessivamente. A conexão
entre dieta e saúde continua a ser uma fixação, para não falar na obsessão com
o emagrecimento, que se transformou em indústria. O século encerrou-se com
as doenças produzidas pela dieta, como obesidade e anorexia, pressionando-nos
de um modo que teria assustado nossos antepassados.
A história da comida no século XX é confusa, falta-lhe a clareza dos séculos
anteriores e talvez esteja próxima demais para que possamos ter qualquer grau
de objetividade com relação a ela. O próprio termo “festejo” não parece mais ser
pertinente. A mesa, este ícone que acompanhamos ao longo de dois mil anos de
história, tem hoje um significado muito reduzido. No ritual da missa e da comu-
nhão, nas igrejas cristãs, ela ainda é central como reencenação da ceia do século I.
Nas comunidades religiosas percebemos ecos de uma maneira de comer que
remonta ao final da Antigüidade e à Idade das Trevas. Comunidades seculares,
como empresas urbanas e antigas universidades, ainda mantêm a estrutura do
jantar medieval, com uma mesa alta, exibição maciça de travessas no aparador e

264
pós-escrito

rituais como a passagem de uma vasilha com água de rosas para as abluções. E
em qualquer grande banquete formal ainda assistimos à entrada processional em
ordem de precedência e revivemos muitas cerimônias das cortes absolutistas.
Mas tudo isso é uma sobrevivência de outras eras que perdura inseguramente
no que vou chamar de sociedade pós-mesa. Na década de 1980 diminuiu drasti-
camente o número de ocasiões em que duas ou mais pessoas sentavam-se juntas
à mesa para fazer uma refeição. Na década de 1990 entramos na era da comida
rápida. Tudo indica que, para a grande maioria da população, se foi para sempre a
idéia de que pelo menos uma refeição por dia é uma experiência compartilhada.
A mesa não desempenha mais o papel sociocultural determinante que teve na
evolução da sociedade ocidental. Para todos os propósitos e intenções, os rituais
seculares das refeições foram desconstruídos e substituídos pelo espetáculo de uma
figura solitária mastigando diante de uma tela de TV. Pelo menos entre as classes
mais requintadas o jantar festivo ainda vive. Devemos ser gratos a isso.
Porém, na maioria das vezes, hoje ele acontece num restaurante, tirando
dos anfitriões todo o trabalho de receber em casa. O jantar numa casa particular,
pedra de toque da aceitabilidade social pelos séculos XIX e XX, na verdade foi
substituído por um tipo diferente de filtragem social, exercida pelo restaurante.
Essas instituições determinam quem pode e quem não pode reservar uma mesa
em reuniões que incluem os considerados gliterati da época. E assim vemos a me-
ritocracia substituir a aristocracia, numa mistura dos nascidos na idade da mídia,
estrelas do palco e das telas, ídolos pop, estilistas de moda e jogadores de futebol.
Ser visto jantando em tal companhia é outro marco na longa história da admissão
à mesa. Assim, num certo sentido, transportada do palácio, da casa aristocrática e
da mansão burguesa, a mesa que se partilha continua a exercer, mesmo hoje, seu
poder como indício de aspiração, privilégio e aceitação sociais.

265
Notas

1. Convivium: em Roma... (p.11-43)

1. As citações são de Petrônio, Satyricon, P. G. Walsh, Clarendon (org.), Oxford, 1993, p.12-66. Para
as discussões sobre o texto e sobre o festejo, ibid, “Introdução”; Eugenia Salza Prina Ricotti, L’arte del
convito nella Roma antica, Bretschneider, 1983, p.117-50; Antoinetta Dosi e François Schnell, A tavola
con i romani antichi, Edizioni Quasar, 1984, p.275-80; dos mesmos autores, I romani in cucina, vita e
costumi dei romani antichi, Museo della Civiltà Romana, 1992, p.85-90; Andrew Dalby e Sally Grainger,
The Classical Cookbook, British Museum Press, 1996, p.97-100.
2. Ricotti, p.11-18; Heleen Sancisi-Weerdenburg, “Persian Food. Stereotypes and Political Identity”, in
John Willeins, David Harley e Mike Dobson (orgs.), Food in Antiquity, University of Exeter Press, 1993,
p.286-302; Francis Joannes, “The Social Function of Banquets in Earliest Civilisations”, in Jean-Louis
Flandrin e Massimo Montanari, (orgs.), Food. A Culinary History, Columbia UP, 1999, p.32-45.
3. Homero, The Odyssey, Loeb Classical Library, 1919, I, p.303.
4. A pesquisa mais importante sobre comida e vinho na Grécia Antiga, a que este relato muito
deve, é Siren Feasts. A History of Food and Gastronomy in Greece, de Andrew Dalby, Routledge, 1996.
Ver também Massimo Montanari, “Food Systems and Models of Civilisation”, in Flandrin and Monta-
nari (orgs.), p.69-78; Marie-Claire Amoureti, “Urban and Rural Diets in Greece”, ibid, p.79-89; James
Davidson, Courtesans and Fishcakes. The Consuming Passions of Classical Athens, Fontana Press, 1997,
p.3-35; Gianni Race, La cucina nel mondo classico, Edizioni Scientifiche Italiane, 1999, parte I; e os artigos
in Willeins, Harley e Dobson (orgs.).
5. Dalby e Grainger, p.19-21; Dosi e Schnell, I Romani in cucina, p.22-5.
6. Elizabeth Craik, “Hippokratic Diaita”, in Willeins, Harley e Dobson (orgs.), p.343-50; Vivian
Nutton, “Galen and the Travellers”, ibid, p.359-70; Innocenzo Mazzini, “Diet and Medicine in the
Ancient World”, in Flandrin e Montanari (orgs.), p.141-52; Mark Grant, Galen on Food and Diet, Rout-
ledge, 2000.
7. Andrew Dalby, “The Banquet of Philoxenus: A New Translation with Culinary Notes”, Petits
propos culinaires, 26, 1987, p.28-36; Dalby e Grainger, p.42-55.
8. Andrew Dalby, “The Wedding Feast of Caranus the Macedonian”, Petits propos culinaires, 29,
1988, p.37-45.
9. Dalby e Grainger, p.11-13.
10. A obra definitiva sobre o banquete cívico é de Pauline Schmitt Pantel, La cité au banquet. Histoire
des repas publics dans les cités grecques, Écoles Françaises de Rome, 1992. Ver também Louise Bruit, “The
Meal at the Hyakinthjia: Ritual consumption and Offering”, in Oswyn Murray (org.), Sympotica. A Sym-
posion on the Symposion, Oxford, 1994, p.162-74; Pauline Schmitt Pantel, “A Civic Ritual”, in Flandrin e
Montanari (orgs.), p.90-5; da mesma autora, “Sacrificial Meal and the Symposion: Two Models of Civic
Institutions in the Archaic City?”, in Murray (org.), p.14-33; da mesma autora, “Symposion: banquets,
orgies et transgressions. Introductions au débat sur l’Antiquité”, in Martin Aurell, Olivier Dumoulin e
François Thélamon (orgs.), La sociabilité à table. Commensalité et convivialité à travers les âges, Actes du
Colloque de Rouen, Publications de l’Université de Rouen, 178, p.49-53; Peter Garnsey, Food and
Society in Classical Antiquity, CUP, 1999, p.131-6.
11. Eurípides, Íon, Allen & Unwin, 1954, p.85-6.
12. O relato sobre o symposion é de Oswyn Murray, “Sympotic History”, in Murray (org.), p.3-13;
Birgitta Bergquist, “Sympotic Space: A Functional Aspect of Greek Dining-Rooms”, ibid, p.37-65; Fre-

267
banquete

derick Cooper e Sarah Morris, “Dining in Round Buildings”, ibid, p.66-85; R.A. Tomlinson, “The Chro-
nology of the Perachora Hestiatorium and its Significance”, ibid, p.95-101; John Boardman, “Symposion
Furniture”, ibid, p.122-31; Jan N. Bremmer, “Adolescents, Symposion, and Pederasty”, ibid, p.135-48;
Ezio Pellizer, “Outlines of a Morphology of Sympotic Entertainemnent”, ibid, p.177-84; Burkhard Fehr,
“Entertainers at the Symposion”, ibid, p.185-95; François Lassarague, “Around the Krater: An Aspect of
Banquet Imagery”, ibid, p.196-209; do mesmo autor, The Aesthetics of the Greek Banquet. Images of Wine
and Ritual, Princeton UP, 1990, esp. p.3-18 e 123-39; Massimo Vetta, “The Culture of the Symposion”,
in Flandrin e Montanari (orgs.), p.96-105; Oswyn Murray, “Les Règles du Symposion ou comment
problématiser le plaisir”, in La Sociabilité à table, p.65-9; Davidson, p.43-9.
13. Xenofonte, Anabasis ... and Symposion and Apology, Loeb Classical Library, 1922, p.373ss.
14. A obra fundamental é de Jacques André, L’Alimentation et la cuisine à Rome, Les Belles Lettres,
Paris, 1981. Ver também Ricotti, p.219-34; Dosi e Schnell, A tavola con i romani antichi, p.18ss; dos
mesmos autores, I romani in cucina; Garnsey, p.122ss.
15. The Attic Nights of Aulus Gellius, Loeb Classical Library, 1927, II, p.65-67.
16. Race, p.172-3.
17. J.P.V.D. Balsdon, Life and Leisure in Ancient Rome, The Bodley Head, 1969, p.44.
18. Florence Dupont, “La consommation du pourri et la sociabilité alimentaire à Rome", in Aurell,
Dumoulin e Thélanom (orgs.), p.29-32.
19. Balsdon, p.39-40; Ugo Enrico Paoli, Rome. Its People, Life and Customs, Longmans, 1963, p.97;
Apício, Cookery and Dining in Imperial Rome, Joseph Dommers Vehling (org.), Dover, 1977, p.24-6; Dosi
e Schnell, A tavola com i romani antichi, p.291-6; dos mesmo autores, I Romani in cucina, p.32ss.
20. Para edições de Apício, ver Barbara Flower e Elisabeth Rosenbaum, The Roman Cookery Book,
Harrap, 1958; John Edwards, The Roman Cookery of Apicius, Rider Books, 1988; Apício, Cookery and
Dining in Imperial Rome. Para estudos sobre ele, ver Race, p.191-229; Ricotti, p.207-18; Carol A. Dery,
“The Art of Apicius”, in Cooks and Other People, Proceedings of the Oxford Symposium on Food and
Cookery, 1995, Prospect Books, 1966, p.11-17; Dalby e Grainger, p.13-16; Jon Solomon, “The Apician
Sauce: Ius Apicianum”, in Willeins, Harley e Dobson (orgs.), p.115-31.
21. Sobre a estrutura das refeições diárias em Roma, ver Paoli, p.92-6.
22. Sobre a frugalidade, ver Emily Gowers, The Loaded Table. Representations of Food in Roman Lite-
rature, Clarendon, 1993, p.16-19.
23. Cicero, Two Essays on Old Age and Friendship, Londres, Mackmillan & Co., 1927, p.69.
24. Dupont, in Aurell, Dumoulin e Thélamon (orgs.), p.29-32. Sobre o convivium em geral, ver
Georges Duby e Philippe Ariès (orgs.). A History of Private Life, I, Paul Beyne (org.), From Pagan Rome to
Byzantium, Harvard UP, 1987, p.186-9. (Ed. bras.: História da vida privada 1, Do Império Romano ao ano
mil, São Paulo, Companhia das Letras, 1990.)
25. Sobre origem e desenvolvimento, ver Annette Rathje, “The Adoption of the Homeric Banquet
in Central Italy in the Orientalising Period“, in Murray (org.), p.279-88; Garnsey, p.136-8.
26. Lilian M. Wilson, The Clothing of the Ancient Romans, Johns Hopkins UP, Baltimore, 1938, p.78-
83 e 169.
27. Marcial, Epigrams, D.R. Shackleton Bailey (org.), Loeb Classical Library, 1993, I, p.423(7).
28. The Roman History of Ammianus Marcellinus, Bohn’s Classical Library, 1894, p.489.
29. Plínio o Moço, Letters and Panegyricus, Loeb Classical Library, 1969, I, p.97.
30. Citado em Gowers, p.26.
31. Ver John d’Arms, “The Roman Convivium and the Idea of Equality”, in Murray (org.), p.308-20.
32. Sobre hierarquia na comida, ver Mireille Corbier, “The Broad Bean and the Moray: Social
Hierarchies in Food in Rome”, in Flandrin e Montanari (orgs.), p.128-40.
33. Cícero, Letters to Atticus, Loeb Classical Library, 1918, III, p.214.
34. Plínio, Letters and Panegyricus, ed. cit., I, p.96-7.
35. Marcial, Epigrams, ed. cit., I, p.245.
36. John d’Arms, “Slaves at Roman Convivia”, in W.J. Slater (org.), Dining in a Classical Context,
Ann Arbor, 1991, p.171-83.
37. Sobre o triclinium, ver Rave, p.151-4; Paoli, p.64-5; Dosi e Schnell, A tavola com i romani antichi,
p.48-9; Katherine M.D. Dunhabin, “Triclinium and Stibadium”, in Slater (org.), p.121-48.
38. Dosi e Schnell, A tavola com i romani antichi, p.314-22.
39. Suetônio, The Twelve Caesars, Penguin, 1957, p.229.
40. J. Carcopino, Daily Life in Ancient Rome, Routledge, 1941, p.272-3.

268
notas

41. Idem.
42. Alan Booth, “The Age for Reclining and its Attendant Perils”, in Slater (org.), p.105-20.
43. Para a cena, ver W. Warde Flower, Social Life in Rome in the Age of Cicero, Macmillan, Londres,
1909, p.2.276-82; Carcopino, p.263-76; Race, p.170-2; Ricotti, p.18-25; Paoli, p.92-6; Florence Dupont,
“The Grammar of Roman Dining”, in Flandrin e Montanari (orgs.), p.113-27; Gowers, cap. 1; Andrew
Dalby, Empire of Pleasures: Luxury and Indulgence in the Roman World, Routledge, 2000, p.243-57; Dosi
e Schnell, A tavola com i romani antichi, p.43-7 e 52-69; Balsdon, p.632-41.
44. Macróbio, The Saturnalia, Columbia UP, 1969, p.229 e 248.
45. Ibid, p.55.
46. Cícero, De officiis, Loeb Classical Library, 1913, p.135-41.
47. Plínio, Letters, op. cit. I, p.473.
48. Cícero, Letters to Friends, Loeb Classical Library, 2000, III, p.196-7.
49. The Attic Nights of Aulus Gellius, op.cit., I, p.99.
50. Marcial, Epigrams, op.cit., I, p.237 (50).
51. Em geral ver Balsdon, p.46-7; Richard C. Beacham, Spectacle Entertainments of Early Imperial
Rome, Yale UP, 1990, p.197ss.
52. Christopher P. Jones, “Dinner Theater”, in Slater (org.), p.185-98.
53. Dosi e Schnell, A tavola con i romani antichi, p.299-328; Paul Veyne, Bread and Circuses. Historical
Sociology and Political Pluralism, Penguin, 1990, p.220-1.
54. Stanislaus Mrozek, “Caractère hiérarchique des repas officiels dans les villes romaines du Haut-
Empire”, in Aurell, Dumoulin e Thélamon (orgs.), p.181-5.
55. Race, p.393ss.
56. Suetônio, p.273-4.
57. Beacham, p.221-2; Tácito, The Annals of Imperial Rome, Penguin, 1959, p.351; Dio’s Roman
History, Loeb Classical Library, 1961, VIII, p.109-10.
58. Ibid, VIII, p.335-6; Phyllis P. Brober, “The Black or Hell Banquet”, in Fasting and Feasting, Oxford
Symposium on Food and Cookery, 1990, Prospect Books, 1990, p.55-7.
59. Jeremy Rossiter, “Convivium and Villa in Late Antiquity”, in Slater (org.), p.199-214. Para os
textos, ver Sidônio, Poems and Letters, Loeb Classical Library, 1936, I, p.427 e 453-7.
60. Antimo, On the Observance of Foods, Mark Grant (org.), Prospect Books, 1996.
61. The Works of Luitprand of Cremona, Routledge, 1930, p.241, 247 e 254; para a tradição bizantina,
ver Ewald Kislinger, “Christians of the East. Rules and Realities of the Byzantine Diet”, in Flandrin e
Montanari (orgs.), p.194-206.
62. Citado em Andrew Dalby, “Christmas Dinner in Byzantium”, in Food on the Move, Proceedings of the
Oxford Symposium on Food and Cookery, 1996, Prospect Books, 1997, Harlan Walker (org.), p.75-83.
63. Ibid, p.80.

2. Interlúdio: banquete e jejum (p.45-67)

1. H.E. Butler (org.), The Autobiography of Giraldus Cambrensis, Cidade do Cabo, 1937, p.70-2.
2. Ibid, p.72.
3. Massimo Montanari, “Romans, Barbarians, Christians. The Dawn of European Food Culture”, in
Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari (orgs.), Food. A Culinary History, Columbia UP, 1999, p.165-7.
4. Dos mesmos autores, “Production Structures and Food Systems in the Early Middle Ages”,
“Peasants, Warriors, Priests. Images of Society and Styles of Diet” e “Toward a New Dietary Balan-
ce”, ibid, p.168-75, 178-85 e 247-50. Também Antoni Riera-Melis, “Society, Food and Feudalism”,
ibid, p.251-60.
5. T. Sarah Peterson, Acquired Taste. The French Origins of Modern Cooking, Cornell UP, 1994, cap.1.
6. Para o que se segue, ver Robin Lane Fox, Pagans and Christians, Viking, 1986, p.395-6; es-
pecialmente Veronika E. Grimm, From Feasting to Fasting. The Evolution of a Sin. Attitudes to Food in
Late Antiquity, Routledge, 1996; e também Bridget Henisch, Fast and Feast. Food in Medieval Society,
Pennsylvania State UP, 1976, cap.1, passim.
7. Cardeal Casquet, The Rule of St. Benedict, Chatto & Windus, 1925. Para o monasticismo e o
surgimento das boas maneiras, ver Leo Moulin, Les liturgies de la table. Une histoire culturelle du manger
et du boire, Fonds Mercator, Albin Michel, 1989, p.187-90.

269
banquete

8. Wolfgang Braunfels, Monasteries of Western Europe. The Architecture of the Orders, Thames
& Hudson, 1972, p.12-19 e 147-51.
9. Ver Riera-Melis, “Society, Food and Feudalism”, in Flandrin e Montanari (orgs.), p.260s; Philippe
Ariès e Georges Duby (orgs.), A History of Private Life, II, Georges Duby (org.), Revelations of the Medieval
World, Harvard UP, 1988, p.44-55. (Ed. bras.: A história da vida privada 2, Da Europa feudal à Renascença,
São Paulo, Companhia das Letras, 1990.)
10. John Goodall, “How the Monks of Fountains Sat Down to Eat”, Country Life, 29 de novembro
de 2001, p.58-61.
11. Henisch, cap.1.
12. Marjorie A. Brown, “The Feast-Hall in Anglo-Saxon Society”, in Martha Carlin e Joel T. Rosenthal
(orgs.), Food and Eating in Medieval Europe, The Hambledon Press, 1998, p.1-13.
13. Régis Boyer, “‘Dans Upsal ou les Jarls boivent la bonne bière’: rites de boisson chez les vikings”, in
Martin Aurell, Olivier Moulin e François Thélemon (orgs.), La Sociabilité à table. Commensalité et convivialité
à travers les ages, Actes du Colloque de Rouen, Publications de l’Université de Rouen, no 178, 1994, p.83-9.
14. P.E. Schramm, A History of the English Coronation, Clarendon, 1937, p.3, 62-3; Zeer Gourarier,
“Modèles de cour et usages de table: les origins”, in Versailles et les tables royals en Europe XVII e-XIXe siècle,
Musée National des Châteaux des Versailles et de Trianon, catálogo de exposição, 1993-4, p.16-17.
15. Ver Elisa Acanfora, “La tavola”, in Sergio Bertelli e Giuliano Crifo (orgs.), Rituale, cerimoniale,
etichetta, Bompiani, 1985, p.53-66.
16. Gerd Althoff, “Obbligatorio mangiare: pranzi, banchetti e feste nella vita sociale del Medioeveo",
in Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari (orgs.), Storia del’alimentazione, Laterza, 1997, p.234-42.
17. A. J. Grant (org.), Early Lives of Charlemagne by Einhard and the Monk of St Gall, De la More
Press, 1905, p.39.
18. Janet L. Nelson, “The Lord’s Anointed and the People’s Choice: Carolingian Royal Ritual”, in
David Cannadine e Simon Price (orgs.), Rituals of Royalty. Power and Cerimonial in Traditional Societies,
CUP, 1987, p.172-5; M. Rouche, “Le repas de fête à l’époque carolingienne”, in Denis Menjot (org.),
Manger et boire au Moyen Age, Actes du Colloque de Nice, 1982, Publications de la Faculté des Lettres
et Sciences Humaines de Nice, no 27, 1a série, Les Belles Lettres, 1984, p.265-96.
19. Ariès e Duby (orgs.), II, p.71-5.
20. Elizabeth Lamond, Walter of Henley’s Husbandry, Longmans, Green & Co., 1890, p.121ss.
21. William Michael Rossetti, Italian Courtesy Books, EETS, 1869.
22. Ibid, p.112.
23. Ibid, p.144-5.
24. Jacques le Goff, “Saint Louis à table: entre commensalité royale et humilité alimentaire”, in Aurell,
Dumoulin e Thélemon (orgs.), p.133-44.
25. Natalis de Wailly (org.), The Life of Saint Louis by John of Joinville, Sheed & Ward, 1955, p.47-8.
26. Ibid, p.196-7.

3. Aos olhos do espectador (p.69-111)

1. O texto está publicado tanto no catalão original como numa tradução em Plaisirs et manières de
table aux XIVe et XVe siècles, catálogo de exposição, Toulouse, Musée des Augustins, 1992, p.308-9.
2. Sobre o surgimento dos livros de receita, ver Stephen Mennell, All Manners of Food. Eating and
Taste in England and France from de Middle Ages to the Present, Basil Blackwell, 1986, p.49-54; Bruno
Laurioux, Le Moyen Age à table, Paris, Adam Biro, 1989, p.110-12; do mesmo autor, “Entre savoirs et
pratiques: le livre de cuisine à la fin du Moyen Age”, Médiévales, XIV, 1988, p.60-9; Carole Lambert
(org.), Du manuscrit à la table, University of Montreal Press, 1992; Odile Redon, Françoise Sabban e
Silvano Serventi, A tavola nel medioevo con 150 ricette dalla Francia e dall’Italia, Editori Laterza, 1995,
p.7-11; Terence Scully, The Art of Cookery in the Middle Ages, Woodbridge, Boydell Press, 1995, p.4-6.
Para a contribuição italiana, ver Emilio Faccioli (org.), Arte della cucina. Libri di Ricette. Testi sopra lo scalco
il Trinciante e i vini, Milão, Il Polifilo, 1966.
3. Terence Scully (org.), The Viandier of Taillevent. An Edition of all Extant Manuscripts, University of
Ottawa Press, 1988; Plaisirs et manières de table, p.13-15; Terence Scully, The Viandier. A Critical Edition
with English Translation, Prospect Books, 1997; Bruno Laurioux, Le Règne de Taillevent. Livres et pratiques
culinaires à la fin du Moyen Age, Publications de la Sorbonne, 1997; A.S. Weber, “Queu du Roi, Roi

270
notas

des Queux: Taillevent and the Profession of Medieval Cooking”, in Martha Carlin e Joel T. Rosenthal
(orgs.), Food and Eating in Medieval Europe, Hambledon Press, 1998, p.145-6.
4. Eileen Power, The Goodman of Paris (Le ménagier de Paris), George Routledge & Sons, 1928; Ge-
orgina Brereton e Janet Ferrier (orgs.), Le ménagier de Paris, Clarendon, 1981; Plaisirs et manières de table,
p.9-11; Nicole Grossley-Holland, Living and Dining in Medieval Paris, University of Wales Press, Cardiff,
1996; Alan Davidson, The Oxford Companion to Food, OUP, 1999, Ménagier de Paris.
5. Constance B. Hiett e Sharon Butler (orgs.), Curye on Inglysche. English Culinary Manuscripts of the
Fourteenth Century, EETS, 1985, p.20-1. Ver também Lorna Sass, To the King’s Taste. Richard II’s Book of Feasts
and Recipes Adapted for Modern Cooking, John Murray, 1976. Para manuscritos ingleses de receitas do final
do período medieval, ver Constance B. Hieatt, “Listing and Analysing the Medieval English Culinary Recipe
Collections: A Project and its Problems”, in Du Manuscrit à la table, pp.15-26; Thomas Austin (org.), Two
Fifteenth-Century Cookery Books, EETS, 1888, e Constance B. Hieatt, An Ordinance of Pottage, Prospect Books, 1988.
6. Terence Scully (org.), Chiquart’s “On Cookery”. A Fifteenth-Century Savoyard Culinary Treatise,
American University Studies, série IX, History, 22, Peter Lang, 1986.
7. Ibid, p.XVIII-XXV; Scully (org.), The Viandier of Taillevent, p.204; Scully, Art of Cookery, p.40ss.
8. O que se segue sobre alimentos e bebidas medievais é uma destilação do que já se tornou uma
literatura considerável, da qual as seguintes referências são as mais pertinentes: Redon, Sabban e Serventi,
Plaisirs et manières de table; Scully, Art of Cookery; Laurioux, Le Moyen Age à table, p.35-50; Laurioux, “Les
menus de banquet dans les livres de cuisine de la fin du Moyen Age”, in Martin Aurell, Olivier Dumoulin
e Françoiose Thélemon (orgs.), La Sociabilité à table. Commensalité et convivialité à travers les ages, Actes du
Colloque de Rouen, Publications de l’Université de Rouen, 1990, p.273-9; Laurioux, “Cucine medievali
(secoli XIV e XV)”, in Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari (orgs.), Storia dell’alimentazione, Roma-Bari,
Editori Laterza, 1996, p.356-70; P.W. Hammond, Food and Feast in Medieval England, Alan Sutton, 1993;
Barbara Ketcham Wheaton, Savoring the Past. The french Kitchen and Table from 1300 to 1789, Simon &
Schuster, 1996, p.1-26; Claudio Benporat, Storia della gastronomia italiana, Mursia, Milão, 1990, p.13-81;
Bruno Laurioux, Le règne de Taillevent, Publications de la Sorbonne, 1997; D. Eleanor Scully e Terence
Scully, Early French Cookery. Sources, History, Original Recipes and Adaptations, Ann Arbor, 1995; Jean-Louis
Flandrin e Carol Lambert, Fêtes gourmands au Moyen Age, Paris, Imprimerie Nationale, 1998; Phyllis Bray
Bober, Art, Culture and Cuisine, University of Chicago Press, 1999, p.230-7.
9. Plaisirs et manières de table, p.21-5.
10. Ibid, p.27-31.
11. Scully, Art of Cookery, p.207-17. Ver também Constance B. Hieatt, “Sorting through the Titles of
Medieval Dishes: What Is, or Is Not, a “Blanc Manger”, in Melitta Weiss Adamson (org.), Food in the
Middle Ages. A Book of Essays, Garland Publishing, 1995, p.25-43.
12. Scully, Art of Cookery, cap.6; Redon, Sabban and Serventi, p.22-4.
13. Hieatt, An Ordinance of Pottage, p15-16.
14. Weber, in Carlin e Rosenthal (orgs.), p.156.
15. Johann Maria van Winter, “Interregional Influences in Medieval Cooking”, in Adamson (org.), p.61-81.
16. Hall, Chronicle, citada in William Edward Mead, The English Medieval Feast, Londres, Allen &
Unwin, 1967, p.203.
17. Benporat, p.56-9.
18. Barbara Santich, “The Evolution of Culinary Technique in the Medieval Era”, in Adamson (org.),
p.61-81.
19. Laurioux, “Cucine medievali”, in Flandrin e Montanari (orgs.), p.36-61; Plaisirs et manières de
table, p.63-5; Scully, Art of Cookery, p.28ss.
20. Hieatt e Buttler (orgs.), Forme of Cury, p.10-12; Laurioux, “Cucine medievali”, p.362; Jocelyn
Gledhill Russell, The Field of the Cloth of Gold, Nova York, Barnes & Noble Inc., 1969, p.146.
21. Brenda S. Rose, “Aspects of Visual Art in the Gastronomy of Fifteenth-Century France”, in Harlan
Walker (org.), Look and Feel. Studies in Texture, Appearance and Incidental Characteristics of Food, Proceedings of the
Oxford Symposium on Food and Cookery, 1993, Prospect Books, 1994, p.174-80; Mireille Vincent-Cassy,
“La vue et les mangeurs: couleurs et simulacres dans la cuisine médiévales", in Banquets et manières de table
au Moyen Age, Centre Universitaire d’Études et de Recherches Médiévales d’Aix, Sénéfiance, no 38, 1996,
p.161-72; ver também, sobre as cores, Plaisirs et manières de table, p.67-8; Scully, Art of Cookery, p.104-5.
22. C. Anne Wilson, “Ritual, Form and Colour in the Medieval Food Tradition”, in The Appetite
and the Eye, Food and Society, no 2, University of Edimburgh Press, 1991, p.16-26; T. Sarah Peterson,
Acquired taste: The French Origins of Modern Cooking, Cornell UP, 1994, cap. 1 e 2.

271
banquete

23. Ver o relato em L’Historia de Milano (1557), de Corio, publicado em Benporat, p.39-40.
24. R. Fabyan, The New Chronicles of England, Londres, 1811, p.599-601; Austin (org.), p.XIV.
25. George Cavendish, in Roger Lockyer (org.), Thomas Wolsey, late Cardinal, his Life and Death,
Londres, Folio Society, 1962, p.102-3.
26. O que aparece nesta seção e na próxima é tratado de maneira geral nas seguintes obras: Bridget
Ann Henisch, Fast and Feast. Food in Medieval Society, Pennsylvania State UP, 1976, cap.6; Madeleine
Pelner Cosman, Fabulous Feasts. Medieval Cookery and Ceremony, Nova York, George Braziller, 1976,
p.12-17; Mark Girouard, Life in the English Country House, Yale UP, 1978, p.22ss.; Laurioux, Le Moyen
Age à table, p.95-105 e 119-40; Redon, Sabban e Serventi, p.19ss; C. Anne Wilson, “From Medieval
Great Hall to Country-House Dining Room”, in The Appetite and the Eye, p.28-37; Zeev Gouranier, “Le
‘banquet’ medieval (XIVe-XVI e siècles)”, in Les Français et la table, catálogo de exposição, Musée National
des Arts et Traditions Populaires, 1985-86, p.149-61.
27. Plaisirs et manières de table, p.52-3.
28. Scully, Art of Cookery, p.66.
29. Hammond, p.120-2.
30. Scully (org.), Chiquart’s “On Cookery”, pp.1-6.
31. Plaisirs et manières de table, p.277. Outros casos em que as quantidades de alimentos são listadas
em detalhe são os da festa dada em 1467 por ocasião da posse de George Neville como arcebispo de
York, J. Leland, in T. Hearne (org.), Collectanea, 1744, VI, p.2ss.; Richard Warner, Antiquitates Culinariae,
Londres, 1791, p.93-101; Mead, p.33; a festa da entronização de William Warham como arcebispo de
Canterbury, Warner, Antiquitates, p.107-24; o banquete do prefeito de 1505, The Babees Boke ... The Bokes
of Nurture of Hugh Rhodes and John Russell, Frederick Furnivall (org.), Londres, EETS, 1868, p.378-80.
32. Scully, Art of Cookery, p.236ss.
33. Cavendish, p.46-8.
34. The Babees Boke, p.310ss.
35. Ver Olivier de la Marche, L’Estat de la Maison du duc Charles de Bourgogne, dit le Hardy (1474),
in Richard e Poujoulat (orgs.), Nouvelles collections des mémoires pour servir à l’histoire de France, 1a série,
III, Paris e Lyon, 1850.
36. The Babees Boke, p.61-73; ver também John Russell, The Bokes of Nurture, p.129-30, e Wynken
de Worde, The Boke of Kervynge, p.266. Ver também R.W. Chambers (org.), A Fifteenth-Century Courtesy
Book, EETS, 1914, p.11.
37. Piers Langland, Piers Plowman, Texto B, Passus X, p.97-101.
38. Mark Girouard, Life in the French Country House, Cassell, 2000, p.53ss.
39. Leland, Colectanea, VI, p.2ss.
40. Russell, p.160-3.
41. R. Vaughan, Philip the Good, Longmans, 1970, p.56-7.
42. Ibid, p.49-50.
43. Para a evolução do dressoir, ver R. W. Lightbown, Secular Goldsmith’s Work in Medieval France:
A History, Reports of the Research Committee of the Society of Antiquaries of London, no XXXVI,
1978, p.16-17 e 39ss.
44. Ibid, p.40.
45. Mémoires d’Olivier de la Marche, in Richard e Poujoulat (orgs.), Nouvelles collections des mémoires
pour servir à l’histoire de France, 1a série, III, Paris e Lyon, 1850, p.521.
46. Lightbown, p.40.
47. Sydney Anglo, Spetacle, Pageantry and Early Tudor Policy, Clarendon Press, 1969, p.130.
48. Para o que se segue a respeito de baixelas, ver Charles Oman, English Domestic Silver, A & C.
Black, 1934, p.18ss.; Françoise Robin, “Le luxe de la table dans les cours princières (1360-1480)”, Gazette
des Beaux-Arts, 86 (1975), p.1-16; Les fastes du gothique. Le siècle de Charles V, catálogo de exposição, Paris,
Grand Palais, 1981-2, p.204-6 e 220-4; Lightbown, passim; Plaisirs et manières de table, p.216-21.
49. Lightbown, p.37.
50. Ibid, p.78ss.
51. Lightbown, p.19.
52. Ver Charles Oman, Medieval Silver Nefs, Victoria & Albert Museum, HMSO, 1963.
53. Oman, Domestic Silver, p.29-32; Lightbown, p.29.
54. Ibid, p.11 e 43-5; Les fastes du gothique, p.236.

272
notas

55. Plaisirs et manières de table, p.103-9, 181-3 e 199.


56. Russell, p.161.
57. Em geral, para os aspectos abordados nesta seção, ver Cosman, p.39-74; Redon, Sabban e
Serventi, p.24-35; quanto às fontes visuais, M. Closson, “Uses et coutumes de table du XII e siècle au
XVe siècle à travers les miniatures", in Denis Menjot (org.), Manger et boire au Moyen Age, Actes du
Colloque de Nice, 15-17 out 1982, Publications de la Faculté des Lettres et Sciences Humaines de
Nice, no 27, 1a série, Les Belles Lettres, 1984, II, p.21-32.
58. Weber, in Carlin e Rosenthal (orgs.), p.147.
59. Ver Flandrin e Montanari (orgs.), p.240 e 241.
60. Sobre o desenvolvimento da hierarquia, ver A.R. Myers (org.), The Household Book of Edward IV.
The Black Book and the Ordinance of 1478, Manchester UP, 1959, p.24; A. Planché, “La Table comme signe
de la classe. Le témoignage du roman du comte d’Anjou (1316)”, in Manger et boire, I, p.239-60.
61. Austin (org.), p.XI-XII e 55-8; Janet Lawrence, “Royal Feasts”, in Feasting and Fasting, Proceedings
of the Oxford Symposium on Food and Cookery, 1990, Prospect Books, 1990, p.138-42.
62. Giovanna Bonardi, “Manger à Rome. La Mensa pontificale à la fin du Moyen Age. Entre Cé-
rémonial et alimentation", in Banquets et manières de table, p.440-2.
63. James Gairdner (org.), William Gregory’s Chronicle of London em The Historical Collections of a
Citizen of London, Camden Society, 17, 1879, p.22-3.
64. Daniele Alexandre-Bidon, “Banchetto d’immagini e ‘antipasti miniati’”, in Flandrin e Montanari
(orgs.), p.417-23.
65. Bruno Laurioux, “Table et hiérarchie sociale à la fin du Moyen Age”, in Carole Lambert (org.),
Du manuscript à table, Universidade de Montreal, 1992, p.87-108; Allen J. Grieco, "Food and Social
Classes in Late Medieval and Renaissance Italy”, in Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari (orgs.),
Food. A Culinary History, Columbia University Press, 1999, p.302-12.
66. A. Rucquoi, “Alimentation des riches, alimentation des pauvres dans um ville castillane au XVe
siècle”, in Manger et boire, I, p.297-312.
67. The Regulations and establishment of the household of Henry Algernon Percy, the 5th Earl of Northum-
berland, 1512, Londres, 1770.
68. Frances E. Baldwin, Sumptuary Legislation and Personal Regulation in England, Johns Hopkins
Press, Baltimore, 1926, p.47.
69. Raphaela Averkorn, “L’Organisation et le déroule des banquets dans les villes du Nord de
l’Allemagne au Bas Moyen Age”, in Banquets et manières de table, p.13-34.
70. Hieatt, Ordinance of Pottage, p.18.
71. William Gregory’s Chronicle of London, in Gairdner (org.), p.113-14.
72. Baldwin, p.167.
73. Hammond, p.103-5.
74. The Babees Boke, p.lXXX-lXXXVI.
75. Ver relatos in ibid, p.132-3 e 322-3.
76. Ibid, p.196, 322 e 324-5.
77. Lightbown, p.30.
78. Maria José Palla, “Manger et boire au Portugal à la fin du Moyen Age — textes et images”, in
Banquets et manières de table, p.105-6.
79. Russell, p.160.
80.The Babes Boke, p.140-52, 374-5.
81. Scully, Art of Cookery, p.171; The Babes Boke, p.120.
82. Hammond, p.131-4.
83. Sobre este tópico, ver Scully, Art of Cookery, p.126ss.; Plaisirs et manières de table, p.276; Cosman,
p.20ss.; Cury on Inglysch, p.4-5; Redon, Sabban e Serventi, p.17-19; Jean-Louis Flandrin, “Structure des
menus français et anglais au XIVe et XVe siècle”, in Du Manuscrit à la table, p.173-92. O debate a respeito
da seqüência da refeição deverá ser tema de um livro do prof. Ken Albala, a quem sou grato.
84. Hieatt e Butler (orgs.), p.40-1, também com um glossário precioso.
85. Para o que se segue, ver Alfred Franklin, La vie privée d’autrefois, Paris, 1889, p.168-87; do
mesmo autor, La civilité, l’étiquette, la mode, le bon ton du XII e au XIXe siècle, Paris, 1908, I, passim; William
Michael Rossetti, Italian Courtesy-Books, EETS, 1869, p.8-32; Norbert Elias, The Civilising Process. The
History of Manners, Blackwell, Oxford, 1978, p.60-70; Henisch, cap.7; Scully, Art of Cookery, p.174ss.;

273
banquete

Hammond, p.103-4; Jean de la Croix, “Un art des belles manières de table en Lombardie au XIII e siècle:
De quinquaginta curialitatibus ad mensam (1288) de Bonvensin de la Riva”, in Banquets et manières de table,
p.71-91; Marie-Geneviève Grossel, “La table comme pierre de touche de la courtoisie: à propos de
quelques Chastoiements, ensenhamen et autres contenances de table”, ibid, p.181-95; Daniela Romagnoli,
“‘Guardano sil vilan’. La buone maniere a tavola”, in Flandrin e Montanari (orgs.), p.396-408; Jonathan
Nicholls, The Matter of Courtesy. Medieval Courtesy Books and the Gawain Poet, D.S. Brewer, 1998, p.7.
86. Ffiona Swabey, “The Household of Alice de Breyne, 1412-13”, in Carlin e Rosenthal (orgs.),
p.33-44.
87. The Babes Boke, p.6.
88. Citado em Redon, Sabban e Serventi, p.9.
89. Le livre du fais et bonnes moeurs du sage roy Charles, citado em Franklin, La Civilité, p.306.
90. Citado em Henisch, Fast and Feast, p.217.
91. The Babees Boke, p.373.
92. H. Aliquot, “Les epices à la table des papes d’Avignon au XVe siècle”, in Manger et boire, I, p.132-44.
93. Lightbown, p.18-19.
94. Mireille Vincent-Cassy, “La Gula Curiale ou les débordements des banquets au début du règne
de Charles VI”, in Aurell, Dumoulin e Thélemon (orgs.), p.91-102.
95. Mennell, p.41-42; Benporat, p.37.
96. Para o que se segue sobre o desenvolvimento do entremet, ver Benporat, p.38-9; Cosman, p.31-
5; Henisch, cap.8; Agathe Lafortune-Martel, Fête noble em Bourgogne au XVe siècle. Le Banquet du Faisan
(1454): Aspects publiques, sociaux et culturels, Montreal, Institut d’Etudes Médiévales, Universidade de
Montreal, 1984, p.25-54; da mesma autora, “De l’entremets culinaires aux pièces montées d’un menu
de propagande”, in Du manuscrit à table, p.121-9; Terence Scully, “The Medieval French Entremets”,
Petits propos culinaires, 17, 1984, p.44-56; Danielle Queruel, “Des entremets aux intermèdes dans les
banquets bourguignons”, in Banquets et manières de table, p.143-57; Scully, Art of Cookery, p.104-9;
Wilson, “Ritual, Form and Colour in the Medieval Food Tradition”, p.13-16.
97. Lightbown, p.44.
98. Lafortune-Martel, p.45ss.
99. Vaughan, p.111-12.
100. Chiquart’s “On Cookery”, p.30-7.
101. Vaughan, p.143.
102. Mémoires d’Olivier de la Marche, p.526ss.
103. Ibid, p.548-9. Ver também “Account of the Ceremonial of the Marriage of the Princess Margaret,
Sister of King Edward de Fourth to Charles, Duke of Burgundy...”, Archeologia, 31, 1846, p.336-7.
104. Sobre as sutilezas, ver Two Fifteenth-Century Cookery Books, p.67-9; Hammond, p.142-3; Glynne
Wickham, Early English Stages 1300-1660, I, 1300 to 1576, Routledge & Kegan Paul, 1980, p.211, 381.
105. Robert Fabyan, The New Chronicles of England and France, Londres, 1811, p.586.
106. Ver Bertram Wolffe, Henry VI, Eyre Methuen, 1981, p.50-1; The Minor Poems of John Lydgate,
H.N. MacCracken (org.), EETS, 1934, II, p.623-4. Para as sutilezas na entronização de George Neville,
1465, e de William Warham, 1504, ver Warner, Antiquitates, p.97-8, 113ss.
107. The Babes Boke, p.376-7.
108. Hammond, p.144-8.
109. Reinhard Strohm, The Rise of European Music 1380-1500, CUP, 1993, p.7-13, 313-19; do mesmo
autor, Music in Late Medieval Bruges, Clarendon Press, 1985, p.92-101.
110. Wickham, I, p.213.
111. The Chronicles of Froissart translated … by … Lord Berners, Londres, David Nott, 1902, p.281-2.
112. Palla, “Manger et boire au Portugal”, p.107-8.
113. Vaughan, p.143.
114. Minor Poems of John Lydgate, II, p.668-701.
115. Anglo, p.101-3; Gordon Kipling, The Triumph of Honour. Burgundian Origins of Elizabethan Re-
naissance, Sir Thomas Browne Institute, Universidade de Leiden, 1977, p.102ss.
116. Para a Festa do Faisão, ver Mémoires d’Olivier de La Marche, p.478-88; Lafortune-Martel; F.
Alberto Gallo, Music of the Middle Ages, II, CUP, 1985, p.102-27; M. Santucci, “Nourritures et symbols
dans le Banquet du Faisan et dans Jehan de Sainté”, in Manger et boire, I, p.429-40.
117. Vaughan, p.144-5.

274
notas

118. Ibid, p.178.


119. G. Hyvernat-Pou, “Un repas princière à la fin du XVe siècle d’après le Roman de Jehan de Paris”,
in Manger et boire, I, p.261-4.
120. R. Vaughan, Charles the Bold, the Last Valois Duke of Burgundy, Longmans, 1973, p.179.
121. Lafortune-Martel, p.72ss.

4. O ritual renascentista (p.113-79)

1. Cristoforo Messisbugo, Banchetti, composizioni di vivende e apparecchio, Neri Pozza, Veneza, 1960, p.31-42;
Adriano Cavicchi, “Nel Parnasso dei sensi tra spettaculo, simbolo e storia”, in Jadranka Bentini, Alessandra
Chiappini, Giovanni Battista Panatta e Anna Maria Visser Travagli (orgs.), A tavola con il principe, catálogo de
exposição, Castello Estense, Ferrara, Gabriele Gorbo, 1988-9, p.387-400; Michel Jeanneret, A Feast of Words.
Banquets and Table Talk in the Renaissance, Polity Press, 1991, p.52-4. Para o cardeal Ippolito d’Este, ver Mary
Hollingsworth, “Ippolito d’Este: A Cardinal and his Household”, The Court Historian, 5, 2, 2000, p.105-26.
2. Uma das mais citadas é a festa dada por ocasião da primeira apresentação de La cassaria, de
Ariosto, em 24 de janeiro de 1529; ver Susan Weiss, “Medieval and Renaissance Weddings and Other
Feasts”, in Martha Carlin e Joel T. Rosenthal (orgs.), Food and Eating in Medieval Europe, Hambledon
Press, 1998, p.172.
3. Esse relato de Ferrara baseia-se em Werner L. Gundersheimer, Ferrara. The Style of a Despotism,
Princeton UP, 1973; Sergio Bertelli, Franco Cardini e Elvira Garbero Zorzi, Italian Renaissance Courts,
Sidgwick & Jackson, 1986, p.65-73; Le muse e il principe. Arte de corte nel Rinascimento padano, catá-
logo de exposição, Franco Cosimo Panini, 1991. Sobre os aspectos culinários e festivos da cultura
renascentista de Ferrara, ver Luigi Alberto Gandini, Tavola, cantina e cucina della corte di Ferrara nel
Quattrocento, Módena, 1889; Angelo Solerti, Ferrara e la corte estense, Citta di Castello, 1891, p.lXXIX-
lXXXI; Emilio Faccioli, “Scenita dei banchetti estensi”, in Il Rinascimento nelle corti padane. Società e
cultura, De Donato, 1977, p.597-606; Giuseppe Montovano, “Il banchetto rinascimentale: arte,
magnificenza, potere”, in A tavola con il principe, p.46-63; Jadranka Bentini, “Per ricostruzione del
banchetti del principe. Documenti figurativi e fonti manuscritti e a stampa”, ibid, p.269-82; Anna
Maria Fioravanti Baraldi, “Gli ‘apparamenti’ del banchetto”, ibid, p.321-32.
4. Citado in Gundersheimer, p.188.
5. Thomas Tuohy, Herculean Ferrara. Ercole d’Este, 1471-1505, and the Invention of a Ducal Capital,
CUP, 1996, p.272, nota 215.
6. Ibid, p.273, nota 219.
7. Para esse tema, ver Messisbugo, Banchetti; Luciano Chiappini, La corte estense alla meta del Cinque-
cento. I compendi di Cristoforo di Messisbugo, Belriguardo, 1984, p.39-80; Giovanni Battista Panatta, “La
mensa del principe”, in A tavola con il principe, p.89-91; Luciano Chiappini, “Lo scalco ideale: Cristoforo
da Messisbugo”, ibid, p.311-13; Claudio Benporat, Storia della gastronomia italiana, Mursia, 1990, p.113-
20; “Les banquets princiers de Christoforo di Messisbugo”, in Adelin Charles Fiorato e Anna Fontes
Baratto (orgs.), La table et ses dessous. Culture, alimentation et convivialité en Italie (XIVe-XVI e siècles), Cahiers
de la Renaissance Italienne, 4, Presses Sorbonne Nouvelle, 1999, p.223-37.
8. Giacomo Grana, Descrizione del banchetto nuziale per Alfonso II duca di Ferrara e Barbara principessa
d’Austria..., Domenico Taddei, Ferrara, 1869.
9. Benporat, p.124-31.
10. F. Sabban e S. Serventi, A tavola nel Rinascimento, Laterza, 1991, p.7; June de Schino, “The Triumph
of Sugar Sculpture in Italy, 1500-1700”, in Harlan Walker (org.), Look and Feel, Studies in Texture,
Appearance and Incidental Characteristics of Food, Proceedings of the Oxford Symposium on Food and
Cookery, Prospect Books, 1994, p.205.
11. Para o que se segue, ver Luigi Firpo (org.), Gastronomia del Renascimento, Turim, Unione Tipografico,
1974; Jeanneret, p.78-88; Benporat, p.53-148; The Splendours of the Table. The Art and Pleasure of the
Renaissance Banquet, Seville Universal Exhib., Ragione Lazio, 1992, p.15-24 e 31-8; T. Sarah Peterson,
Acquired Taste: The French Origins of Modern Cooking, Cornell University Press, 1994, caps. 3-8; Bruno
Laurioux, “Les livres de cuisine italiens à la fin du XVe et au début du XVI e siècle: expressions d’un
syncrétisme culinaire méditerranéen”, in La Mediterrania area de convergencia de systemes alimentari (sigees
V-XVIII), XIV, Journades d’Estudis Historics Locals, Palma, l996, p.73-8; Sabban e Serventi.

275
banquete

12. Ver Benporat, p.56-60; do mesmo autor, Cucina italiana del Quattrocento, Leo. S. Olschi, 1996;
Maestro Martino, in Luigi Ballerini e Jeremy Parzen (orgs.), Libro de arte coquinaria, Milão, Guido
Tommasi, 2001.
13. Ibid, p.60-4; Gillian Riley, “Platina, Martino and their Circle”, in Cooks and Other People, Pro-
ceedings of the Oxford Symposium on Food and Cookery, 1995, Prospect Books, 1996, p.214-19;
Platina, On Right Pleasure and Good Health, Mary Ella Milham (org.), Medieval and Renaissance Texts and
Studies, 168, Arizona, Tempe, 1998.
14. Ver nota 8.
15. Ver Sabban e Serventi, p.8.
16. Ver K.T. Butler, “An Italian’s Message to England in 1614: Eat More Fruit and Vegetables”,
Italian Studies, II, 1938, p.1-18; Firpo (org.), p.32-3 e 131-76; Giacomo Castelvetro, The Fruit, Herbs and
Vegetables of Italy, Viking, B.M. Natural History, 1989.
17. Ver Sabban e Serventi, p.42-4.
18. Para estas idiossincrasias, ibid, p.22-8; Benporat, p.89ss.
19. Ver Firpo, p.21-6 e 39-92; Bartolomeo Scappi, in Giancarlo Roversi, Arnoldo Forni Editori
(orgs.), Opera [dell’arte del cucinare]; Testi Antichi di Gastronomia, 12, 1981; Benporat, p.93-106; Sabban
e Serventi, p.28-32.
20. Benporat, p.120-3.
21. Sobre isso, ver Arte della cucina, Emilio Faccioli, Il Polifilo, Milão, 1975, p.345ss; Benporat, p.120-3.
Sobre toda a evolução do trinchante, ver Cristiano Grotanelli, “Cibo, instinti, divieti”, in Sergio Bertelli e
Giuliano Crifo (orgs.), Rituale, ceremoniale, etichetta, Bompiani, 1985, p.37-40; Giuseppe Montovano, “Il
banchetto rinascimentale: arte, magnificenza, potere”, in A tavola con il principe, p.48-50; Benporat, p.133ss.
22. Benporat, p.120-3.
23. Firpo, p.26-9 e 98-129; Benporat, p.133-6.
24. Barbara Ketcham Wheaton, Savoring the Past. The French Kitchen and Table from 1300 to 1789,
Simon & Schuster, 1996, p.27-34; Alain Girard, “Du manuscript à l’imprime: le livre de cuisine en
Europe aux XVe et XVI e siècles”, in Jean-Claude Margolin e Robert Sauzet (orgs.), Pratiques et discours
alimentaires à la Renaissance, Actes du Colloque de Tours, março de 1979, Centre d’Études Supérieures
de la Renaissance, p.197-27.
25. Philip Hyman e Mary Hyman, “Printing the Kitchen: French Cookbooks, 1480-1800”, in Jean-
Louis Flandrin e Massimo Montanari (orgs.), Food: A Culinary History, Columbia UP, 1999, p.394-6;
Jacqueline Boucher, “L’Alimentation en milieu de cour sous les derniers Valois”, in Margolin e Sauzet
(orgs.), p.161-76.
26. Launcelot de Casteau, Overture de cuisine, De Schutter, Antuérpia/ Bruxelas, 1983, reimpressão.
27. The Letters of Pliny the Consul, Londres, 1810, p.85-95.
28. Ibid, p.210-24.
29. Vitrúvio, The Ten Books on Archicteture, Nova York, Dover Pub., s.d., p.179, 181 e 209.
30. Peter Thornton, The Italian Renaissance Interior, 1400-1600, Weindenfeld & Nicolson, 1991,
p.285ss.
31. Leon Battista Alberti, On the Art of Building in Ten Books, Cambridge, Mass., MIT Press, 1988, p.147.
32. Platina, On Right Pleasure and Good Health, p.115.
33. Margherita Azzi Visentini, La villa in Italia. Quattrocento e Cinquecento, Electa, 1995, p.71-2.
34. Sebastiano Serlio, The Five Books of Archicteture, Nova York, Dover Pub., 1982, p.70-1.
35. Existe uma vasta literatura sobre as vilas italianas. Para os presentes propósitos usei Visentini,
p.74ss; e David Coffin, The Villa in the Life of Renaissance Rome, Princeton UP, 1974, p.73ss.
36. Vitrúvio, p.211; Alberti, p.299.
37. Coffin, p.83.
38. Ibid, p.87ss; Visentini, p.87-92.
39. Coffin, p.150-74 e 244-56; Visentini, p.95ss, 116ss e 159ss.
40. Coffin, p.281ss; Visentini, p.185ss.
41. Coffin, p.340ss; Visentini, p.195ss; Claudia Lazzaro, The Italian Renaissance Garden, Yale UP,
1990, p.243ss.
42. Coffin, p.311ss; Visentini, p.173ss; Lazzaro, p.215ss.
43. Coffin, p.267ss; Lazzaro, p.106-8.
44. Ibid, p.142 e fig.137.

276
notas

45. Ibid, p.137 e fig.128.


46. Ibid, p.137.
47. Ibid, p.55-6.
48. Para as vilas de Palladio usei Donata Battilotti, The Villas of Palladio, Electa, 1990 e Paulo Ho-
berton, Palladio’s Villas. Life in the Renaissance Countryside, John Murray, 1990.
49. Mark Girouard, Life in the French Country House, Cassell, 2000, p.92-101.
50. Citado in Wheaton, p.64-7.
51. Para a Inglaterra dos Tudor, ver Mark Girouard, Life in the English Country House, Yale UP, 1978,
p.88, 103; Nicholas Cooper, Houses of the Gentry 1480-1680, Yale UP, 1999, p.289-93; Sara Paston-
Williams, The Art of Dining. A History of Cooking and Eating, National Trust, 1993, p.123ss.
52. O que se segue deve muito a Michel Jeanneret, A Feast of Words. Banquets and Table Talk in the
Renaissance, Polity Press, 1991.
53. Citado in ibid, p.20.
54. Ibid, p.15.
55. Plutarch’s Moralia, Loeb Classical Library, 1928, II, p.417.
56. Para uma discussão sobre a representação das mesas, ver Hélène Albani, “Repas sacrés, repas
profanes dans la peinture italienne du XVI e siècle", in Adelin Charles Fiorato e Anna Fontes (orgs.), La
Table et ses dessous, culture, alimentation et convivialité en Italie (XIVe-XVI e siècles), Cahiers de la Renaissance
Italienne, 4, Barotto, Presses de la Sorbonne Nouvelle, 1999, p.279-95. Outra conseqüência da divi-
são religiosa foi o ataque protestante às festas, seguido mais tarde por um ataque da Contra-Reforma
católica. Ver Marc Vennard, “La Fraternité des banquets”, in Pratiques et discours, p.137-45.
57. Jeanneret, passim.
58. Ibid, p.21.
59. Coffin, p.335.
60. Reinhard Strohm, The Rise of European Music 1380-1500, CUP, 1993, p.315-6.
61. Plutarch’s Moralia, Loeb Classical Library, 1961, IX, p.77.
62. Andrew C. Minor e Bonner Mitchell, A Renaissance Entertainment. Festivities for the Marriage of
Cosimo I, Duke of Florence, in 1539, University of Missouri Press, 1968, p.36.
63. Jeanneret, p.91-197.
64. The Complete Works of Montaigne, Hamish Hamilton, 1958, p.846 e 849.
65. No geral, ver Esther B. Aresty, The Best Behaviour, Simon & Schuster, 1970, p.63-9; Norbert
Elias, The Civilising Process. The History of Manners, Blackwell, Oxford, 1978, p.533ss (ed. bras.: O processo
civilizador, v.1, Uma história dos costumes, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1995); Cardini Bertelli e Zorzi,
p.190ss; Jeanneret, p.40ss.
66. De civilitate morum puerilium (On good manners for boys), in J.K. Sowards (org.), Collected Works
of Erasmus, University of Toronto Press, 1985, XXV, p.269ss e p.280-6 sobre maneiras à mesa. Ver
também Franz Bierlaine, “Erasme, la table et les manières”, in Pratiques et discours, p.147-60.
67. James W. Holme, “Italian Courtesy Books of the Sixteenth Century”, Modern Language Review,
V, no 2, 1910, p.145-66.
68. Sydney Anglo, “The Courtier. The Renaissance and Changing Ideals”, in A.G. Dickens (org.),
The Courts of Europe. Politics, Patronage and Royalty 1400-1800, Thames & Hudson, 1977, p.33-53.
69. Elisa Aconfora, “La Tavola”, in Bertelli e Crifò (orgs.), p.53-66.
70. Ver Bertelli, Cardini e Zorzi, p.164-6 e 194-201; Jacques Heers, La vita quotidiana nella Roma
pontifica ai tempi dei Borgia e dei Médici 1420-1520, Rizzoli, 1986, p.108-11; Benporat, p.137-43; Jeanne
Allard, “Les grands banquets à la cour de Charles Quint”, in La sociabilité à table. Commensalité et con-
vivialité à travers les âges, Actes du Colloque de Rouen, Martin Aurell, Olivier Dumoulin e Françoise
Thélemon, 1990, Publications de l’Université de Rouen, no 178, 1990, p.145-53; The Splendours of the
Table. The Art and Pleasure of the Renaissance Banquet, Seville Universal Exhibition, Regione, Lazio, 1992;
Giovanni Attolini, Teatro e spettaculo nel Renascimento, Editori Laterza, 1997, p.180-4.
71. Citado in Bertelli, Cardini e Zorzi, p.28.
72. Giancarlo Malacarne, Sulla mesa del principe. Alimentazione e banchetti alle corti dei Gonzaga, Il
Bulino, Edizione d’Arte, 2000, p.51-89 e 164-8.
73. Para a fase renascentista do aparador, ver Le dressoir du prince. Service d’apparat à la Renaissance,
catálogo de exposição, Musée Nationale de la Renaissance, Château d’Écouen, 1995.
74. David Chambers e Jane Martineau (orgs.), Splendours of the Gonzaga, catálogo de exposição, V
& A Museum, 1982, nos 188-93.

277
banquete

75. L. Zorzi, M. Fabbri, E. Garbero Zorzi e A. M. Tofani (orgs.), Il luogo teatrale a Firenze, catálogo
de exposição, Florença/Milão, Tofani/Electa, 1975, p.102-3.
76. Autobiography of Benvenuto Cellini, Everyman, 1907, p.29-30.
77. I.D. McFarlane, The Entry of Henry II into Paris 16 June 1549, Medieval and Renaissance Texts
and Studies, 7. Binghamton, 1982, no texto de L’Entrée de la royne à Paris, p.35; Victor E. Graham e W.
McAllister Johnson, The Paris Entries of Charles IX and Elizabeth of Austria 1571, University of Toronto,
1971, p.83-5.
78. Splendours of Gonzaga, p.175-8.
79. Sobre maiólica, ver Timothy Wilson, Ceramic Art of the Italian Renaissance, B.M. Pubs, 1987; Le
dressoir du prince, p.23-4.
80. Ver Elena Corradini, “I servizi nell’‘apparecchio della tavola’ del principe”, in A tavola con il
principe, p.345-54.
81. Howard Burns, Andre a Palladio 1508-1580, catálogo de exposição, Arts Council, 1975, p.49.
82. Sobre o garfo, ver Pasquale Marchese, L’invenzione della forchetta, Rubbertino Editore, 1989, p.72ss.
83. Thomas Coryat, Coryat’s Crudities …, Glasgow, Maclehose & Sons, 1905, I, p.236-7.
84. Malacarne, p.59-66.
85. Wheaton, p.52-6, citando Description de l’isle des Hermaphrodytes, de Thomas Artus.
86. The Complete Works of Montaigne, p.940.
87. Thornton, p.205-6.
88. Sobre o ritual da toalha de mesa, ver Elvira Gerbero Zorzi, “Ceremoniale e spettacolitá. Il
tovagliolo sulla tavola del principe”, in Bertelli e Crifò (orgs.), p.6-83.
89. Burns, Andrea Palladio, p.51.
90. O texto aparece em Benporat, p.140.
91. Para o tema, ver Giuseppe Bertini, Le nozze di Alessandro Farnese. Feste alle corti Lisboa e Bruxelles,
Skira, 1997. Para o relato de Marchi, ver p.106-8.
92. Bertelli, Cardini e Zorzi, Italian Renaissance Courts, p.196.
93. Ibid, p.197-8.
94. Albert J. Loomie (org.), Ceremonies of Charles I. The Note Books of John Finet 1628-41, Fordham
UP, 1987, p.75
95. Benporat, p.73.
96. Ibid, p.102-3; Sabban e Serventi, p.46.
97. Para isto, ver The Splendours of the Table, p.7-14, em que é apresentada uma tradução do texto
de Fusoritto.
98. Jeanneret, p.20.
99. Edmund A. Bowles, Musical Ensembles in Festival Books 1500-1800. An Iconographical & Do
cumentary Survey, UMI Research Press, Ann Arbor, 1989, p.59-61.
100. Hypnerotomachia Poliphili, Thames & Hudson, 1999, p.106-19.
101. Fabrizio Cruciani, Teatro nel Rinascimento. Roma 1450-1550, Bulzoni Editore, 1983, p.151-64;
Benporat, p.74-8.
102. Bertelli, Cardini e Zorzi, p.166.
103. A descrição aparece em L’ordine de la imbandisone se hanno a dare a cena, Milão, Il Collizionista, 1983.
104. Benporat, p.64-8.
105. Angelo Solerti, Musica, ballo e drammatica alla corte medicea dal 1600 al 1637, Florença, 1905,
p.235-8; A.M. Nagler, Theater Festivals of the Medici, Yale UP, 1964, p.94; Feste e apparati medicei da
Cosimo I a Cosimo II, catálogo de exposição, Giovanna Gaeta Bertela e Annamaria Petrioli Tofani, Leo
S. Olschki. Florença, 1969, p.96ss: Il luogo teatrale a Firenze, p.102-3; Sara Marmone, “Feste e spettacoli
a Firenze e in Francia per le nozze di Maria de Medici e Enrico IV”, in Il teatro dei Medici, Quaderni di
Teatro II, no 7, 1980, p.206-28.
106. Mercedes Viale Ferrero, Feste delle Madame Reali di Savoia, Istituto Bancario San Paolo di Torino,
1965, pranchas VI e VII.
107. Victor E. Graham e W. McAllister Johnson, The Royal Tour of France by Charles IX and Catherine
de Medici. Festivals and Entries 1564-66, University of Toronto Press, 1979, p.44, 317-18 e 378-9.
108. Jeanne Allard, “Les grands banquets à la cour de Charles Quint”, in La sociabilité à la table, p.145-53.
109. As citações que se seguem são de Giorgio Vasari, in William Gaunt (org.), The Lives of the
Painters, Sculptors and Architects, Everyman, 1963, II, p.32-7.

278
notas

110. Para o açúcar, ver Alan Davidson, The Oxford Companion to Food, OUP, 1999, verbete sugar; J.
Materne, “Anvers comme centre de distribution et d’affinage d’épices et du sucre depuis la fin du XVème
jusqu’au XVII ème siècle”, in L’Europe à table, catálogo de exposição, Antuérpia, 1993, p.49-60.
111. A melhor história é a de Katharine J. Watson, “Sugar Sculpture for Grand Ducal Weddings from
the Giambologna Workshop”, Connoisseur, CIC, 1978, p.20-6. Ver também Tuohy, p.274.
112. Bowles, p.23-5.
113. A. van de Put, “Two Drawings of the Fêtes at Binche for Charles V and Philip (II)”, Journal of
the Warburg and Courtland Institutes, III, 1939-40, p.49-55; Calvete de Estrella, Le très-Heureux Voyage
fait par très-haut et très-puissant prince Don Philippe, Bruxelas, Olivier, 1883, IV, p.151-3.
114. Bertini, Le nozze di Alessandro Farnese, p.110-12.
115. Graham e McAllister Johnson, p.83-5 e 391-5; Frances A. Yates, Astraea. The Imperial Theme
in the Sixteenth Century, Routledge & Kegan Paul, 1975, p.140-4; Wheaton, p.51-2.
116. C. Anne Wilson, “The Evolution of the Banquet Course: Some Medicinal, Culinary and Social
Aspects”, in C. Anne Wilson (org.), Banquetting Stuffe. The Fare and Social Background of the Tudor and
Stuart Banquet, Edinburgh UP, 1986, p.9-35.
117. Ver Girouard, Life in the English Country House, p.104-16.
118. Ver Jennifer Stead, “Bowers of Bliss: The Banquet Setting”, in Wilson (org.), p.115-57; Peter Brears,
“Rare Conceites and Strange Delights: The Practical Aspects of Culinary Sculpture”, ibid, p.60-114;
Lynette Hunter, “‘Sweet Secrets’ from Occasional Receipts to Specialised Books: the Growth of a Genre”,
ibid, p.36-59. Há também um relato confuso, no qual festa e banquete nem sempre são diferenciados,
em Alison Sim, Food and Feast in Tudor England, St Martin’s Press, Nova York, 1997, p.134-57.
119. Jean Wilson, Entertainments for Elizabeth I, D.S. Brewer, 1980, p.114-15, 165.
120. E.K. Chambers, The Elizabethan Stage, Clarendon Press, 1923, I, p.206-7, III, p.235.
121. Ben Jonson, C.H. Herford, Percy e Evelyn Simpson (org.), Clarendon Press, 1941, VII, p.805-14.
122. Werner Paravicini, “The Court of the Dukes of Burgundy: A Model for Europe”, in Ronald
Asch e Adolf Birke (orgs.), Princes, Patronage and Nobility. The Court at the Beginning of the Modern Age
c.1450-1650, OUP, 1991, p.69-102.
123. Bertelli, Cardini e Zorzi, p.21-2 e 28-30; Sergio Bertelli, Il corpo del re. Sacralità nell’Europa
medievale e moderna, Ponte alle Grazie, 1995, p.167-88; Sergio Bertelli, “Rex et Sacerdos: The Holiness
of the King in European Civilisation”, in Alan Ellenius (org.), Iconography, Propaganda and Legitimation,
European Science Foundation, Clarendon Press, 1998, p.141.
124. Bertelli, “Rex et Sacerdos”, p.141; The Princely Courts of Europe. Ritual, Politics and Culture under
the Ancien Regime 1500-1750, John Adamson (org.), Weidenfeld & Nicolson, 1999, p.46-7.
125. Simon Thurley, The Royal Palaces of Tudor England. Architecture and Court Life 1460-1547, Yale,
UP, 1993, p.122-5; Peter Brears, All the Kings Cooks. The Tudor Kitchens of King Henry VIII at Hampton
Court Palace, Souvenir Press, 1999, p.163ss; Adamson (org.), p.104-5.
126. Paul Hentzner, Travels in England during the Reign of Queen Elizabeth, Cassell & Son, 1899,
p.49-51; ver também os relatos em Clare Williams (org.), Thomas Platter’s Travels in England, Cidade
do Cabo, 1937, p.193-4; G.W. Roos, The Diary of Baron Waldstein. A Traveller in Elizabethan England,
Thames & Hudson, 1981, p.80-1.
127. Eat, Drink and Be Merry. The British at Table 1600-2000, Philip Wilson, 2000, p.52-3, fig.34.
128. Ralph E. Giesey, The Royal Funeral Ceremony in Renaissance France, Travaux d’Humanisme et
Renaissance, XXXVII, Genebra, Libraire E. Droz, 1960, p.145-6 e 164-74; do mesmo autor, Le Roi ne
meurt jamais, Flammarion, 1987, p.240-3 e 254-6.

5. Da corte para a sala particular (p.181-227)

1. Sobre o aparecimento do souper intime, ver Béatrix Saule, “Tables à Versalhes 1682-1789”, in
Versalhes et les tables royales en Europe XVII ème-XIXème siècle, Musée National des Châteaux de Versailles et
de Trianon, catálogo de exposição, 1993-4, p.58-60.
2. Ver De Grouchy e Paul Cottin (orgs.), Journal inédit du duc de Croÿ (1718-1784), Flammarion,
1906, I, p.71-2. Ver também Jacques Levron, Daily Life at Versailles in the Seventeenth and Eighteenth
Centuries, Allen & Unwin, Londres 1968, p.157-61; Nancy Mitford, Madame de Pompadour, Londres,
Hamish Hamilton, 1968, p.109.

279
banquete

3. Saule, in Versailles et les tables royales, p.60,


4. Sobre o aparecimento do cardápio, ver Zeer Gouranier, “L’Histoire du menu”, in Martin Murell,
Olivier Dumoulin e Françoise Thélamon (orgs.), La sociabilité à la table. Commensalité e convivialité à
travers les âges, Actes du Colloque de Rouen, Publications de l’Université de Rouen, 1992, p.307-13;
Versailles et les tables royales, p.272-3 (nos 54-5).
5. Sobre a embaixada de Castlemaine, ver Margery Corbett, “John Michael Wright: An Account
of His Excellence Roger Earl of Castlemain’s Embassy ...”, Antiquaries Journal 70, 1990, p.117-20; Alain
Gruber, “Le festin offert par Roger earl of Castlemaine”, Gazette des Beaux-Arts, sér.6, 126, 1995,
p.99-110; Roberto Valeriani, “Fasto nobiliare. Il gusto e l’etichetta”, in Marcello Fagiolo (org.), La festa
a Roma dal Rinascimento al 1870, catálogo de exposição, Umberto Allemani & Co., 1997, p.120-3,
228-9; Timothy Clifford, Designs of Desire. Architectural and Ornamental Prints and Drawings 1500-
1850, catálogo de exposição, National Gallery of Scotland, 1999, p.170-3 (nos 76-7); Stefanie Walker
e Frederick Hammond (orgs.), Life and the Arts in the Baroque Palaces of Rome, catálogo de exposição,
Yale UP, 1999, p.224-5 (nos 81-2); para um relato de outro banquete desse tipo, embora com data
mais recente (1638), ver Peter Bietberger, “Prince Eckenbergh Comes to Dinner: Food and Political
Propaganda in the Seventeenth Century”, Petits propos culinaires, 15, 1983, p.45-54.
6. Para esse período na Itália, ver Claudio Benporat, Storia della gastronomia italiana, Mursia, 1990,
p.163-244.
7. Sobre o tema, ver Katherine J. Watson, “Sugar Sculpture for Grand Ducal Weddings from the
Giambologna Workshop”, Connoisseur, CIC, 1978, p.20; Maurizio Fagiolo Dell’Arco e Silvia Carandini,
L’effimero barocco. Strutture della festa nella Roma del ’600, catálogo de exposição, Roma, Bulzoni, 1977-8,
II, fig.195-7; Jennifer Montagu, Roman Barroque Sculpture. The Industry of Art, Yale UP, 1989, p.190ss;
Peter Brown e Ivan Day, Pleasures of the Table. Ritual and Display in the European Dining Room 1600-1900,
catálogo de exposição, York, Fairfax House, 1997, p.10-12.
8. Para os desenhos de Sevin, ver Christina, Queen of Sweden, catálogo de exposição, Nationalmuseum,
Estocolmo, 1966, p.310-16 (nos 710-17); Per Bjurström, Feast and Theatre in Queen Christina’s Rome, Esto-
colmo, 1966, p.142 (nos 56-7) e 143 (nos 62-7); Georgina Masson, “Food as Fine Art in the Seventeenth
Century”; Apollo, 83, 1966, p.338-41; Guilia Fusconi, Disegni decorativi del barocco romano, catálogo de
exposição, Gabinetto dei Disegni e delle Stampe, Roma, Villa La Farnesina alla Lungara, 1986, p.29-36
(nos 1-7); Peter Fuhring, Design into Art. Drawings for Architecture and Ornament. The Lodewijk Houthakker
Collection, Philip Wilson, 1989, II, p.678-89 (nos 1006, 1008, 1009, 1014, 1016, 1019).
9. Montagu, p.22, nota 100.
10. Sobre os banquetes para Cristina, ver Georgina Masson, “Papal Gifts and Roman Entertainments
in Honour of Queen Christina’s Arrival”, in J. Magnus von Platen (org.), Queen Christina of Sweden.
Documents and Studies, Analecta Reginensa, I, 1966, p.244-61; Bjurström, p.47-69; Fagiolo Dell’Arco e
Carandini, II, p.207ss; June di Schino, “The Triumph of Sugar Sculpture in Italy 1500-1700”, in Harlan
Walker (org.), Look and Feel. Studies in Texture, Appearance and Incidental Characteristics of Food, Proceedings
of the Oxford Symposium on Food and Cookery, Prospect Books, 1997, p.204-5; da mesma autora,
“Queen Christina and the Triumph of the Baroque Banquet in Italy”, in Harlan Walker (org.), Food on
the Move, Proceedings of the Oxford Symposium on Food and Cookery, p.97-101; Valeriani, “Fasto
nobiliare”, in Fagiolo (org.), p.224-6.
11. Ver, por exemplo, Edward J. Olszewski, “Decorating the Palace: Cardinal Pietro Ottoboni (1667-
1740) in the Cancelleria”, in Life and Arts in the Baroque Palaces of Rome, p.93-111.
12. Para o que se segue, ver Marie-France Noël-Waldteuffel, “Manger à la cour: alimentation et
gastronomie aux XVII e et XVIII e siècles”, em Versailles et les tables royales, p.69-71; Benporat, p.167-73.
13. Gunther Schiedlausky, Tee, Kaffe, Schokolade, Munique, Prestel Verlag, 1961; Barbara Ketcham
Wheaton, Savoring the Past: The French Kitchen Table from 1300 to 1789, Simon & Schuster, 1996, p.87-
94; Frédéric Mauro, Histoire du café, Paris, Éditions Desjonquères, 1991; L. Swaelen, “Le chocolat: une
histoire culinaire”, in L’Europe à la table, catálogo de exposição, Antuérpia, 1993, p.61-73; Alain Huetz de
Lemps, “Colonial Beverages and the Consumption of Sugar”, in Jean-Louis Flandrin e Massimo Mon-
tanari (orgs.), Food. A Culinary History from Antiquity to the Present, Columbia UP, 1999, p.383-93.
14. Esther B. Aresty, The Delectable Past, Allen & Unwin, 1965, caps. 6 e 7; Alain Girad, “Le triomphe
de ‘la cuisinière bourgeoise’. Livres culinaires, cuisine et société en France au XVII e et XVIII e siècles”,
Revue d’histoire moderne et contemporaine, XXIV, 1977, p.497-523; Philip e Mary Hyman, “La Chapelle
and Massialot: an 18th Century Feud”, Petits propos culinaires, 2, 1979, p.44-54; dos mesmos autores,

280
notas

“Vincent La Chapelle”, ibid, 8, 1981, p.35-40; Stephen Mennell, All Manners of Food. Eating and Taste in
England and France from the Middle Ages to the Present, Basil Blackwell, 1986, p.64-82; T. Sarah Peterson,
Acquired Taste. The French Origins of Modern Cookery, Cornell UP, 1994, p.163ss, 183ss; La Varenne, in
Jean-Louis Flandrin e Philip e Mary Hyman (orgs.), Le Cuisinier français, Montalba, Paris, 1995, p.12-99;
Wheaton, caps. 6 e 8; Jean-Louis Flandrin, “Dietary Choices and Culinary Technique 1500-1800”, in
Flandrin e Montanari (orgs.), p.403-417; do mesmo autor, “The Early Modern Period”, ibid, p.349-73;
Philip e Mary Hyman, “Printing the Kitchen. French Cookbooks 1480-1800”, ibid, p.394-402.
15. Sobre isso e sobre o desenvolvimento de gelados e confeitaria, ver Wheaton, p.180-5, 192-33.
16. Sobre a disseminação e a resistência ao estilo francês, ibid, p.160-6; Mennell, p.83-133; Ben-
porat, p.184-9 e 248-54; Stephen Mennell, “Food at the Late Stuart and Early Hanoverian Courts”,
Petits propos culinaires, 17, 1984, p.22-9; Sara Paston-Williams, The Art of Dining. A History of Cooking
and Eating, National Trust, 1993, p.163ss, 231-2.
17. Para o service à la française, ver Wheaton, p.138-48; Noël-Waldteuffel, in Versailles et les tables
royales, 74-6; Claudine Marenco, Manières de table. Modèles de moeurs 17ème-20ème siècle, Éditions de
L’E.N.S., Cachan, 1992, p.41-56; Peter Brears, "À la française ...", in C. Anne Wilson, Alan Sutton (orgs.),
Luncheon, Nuncheon, and Other Meals, Stroud, 1994, p.91-116; Alan Davidson, Oxford Companion to
Food, OUP, 1999, “service à la française”.
18. Wheaton, p.140.
19. Alain Gruber, “Le cérémonial de table dans les cours européennes”, in Versailles et les tables
royales, p.150 e 300 (no 141).
20. Ibid, p.300-1 (no 40).
21. Mark Girouard, Life in French Country House, Cassel, 2000, p.248.
22. Do mesmo autor, Life in the English Country House, Yale UP, 1978, p.136-48.
23. A história da prata é um tema em si. O que se segue são apenas alguns elementos que encon-
trei nas sínteses que fiz: Carl Hernmarck , The Art of the European Silversmith 1430-1830, Nova York e
Londres, Sotheby Parke Bernet, 1977, I, p.176ss; James Lomax, “Silver for the English Dining Room
1700-1800”, in A King’s Feast. The Goldsmith’s Art and Royal Banqueting in the 18th Century, catálogo de
exposição, Kensington Palace, 1991, p.118-33; Gerard Mabille, “Germain, Duran, Auguste: The Art
of the French Gold- and Silversmith in the Age of the Enlightenment”, ibid, p.78-9; do mesmo autor,
“Orfèvrerie de table royale sous Louis XIV et Louis XV”, in Versailles et les tables royales, p.94-105; Yves
Cartier, “L’Orfèvrerie de table de Louis XVI”, ibid, p.106-9; Léonor d’Orey, “L’Histoire des services
d’orfèvrerie française à la cour du Portugal”, ibid, p.165-70.
24. Para o surtout, ver Hernmarck, I, p.182-5; Brown e Day, p.15-25.
25. A história da cerâmica, como a da prata, é vasta e está fora do âmbito deste livro. No contexto
dos grandes aparelhos de jantar de porcelana cuja moda foi lançada pelos reis franceses ver David
Peters, “Les services de porcelaine de Louis XV et Louis XVI”, in Versailles et les tables royales, p.110-23;
Dorothée Guillème Brulon, “Les services de porcelaine de Sèvres, présents des rois Louis XV et Louis
XVI aux souverains étrangers”, ibid, p.184-7.
26. Peter Wilhelm Meister e Horst Reber, European Porcelain of the 18th Century, Oxford, Phaidon,
1993, p.101-11.
27. Para a evolução da decoração da mesa, ver Georgiana Reynolds Smith, Table Decoration Yesterday,
Today & Tomorrow, Charles E. Tuttle Co., 1968; Stefan Burrsche, Tafelzier des Barock, Munique, Editions
Schneider, 1974; Alain Charles Gruber, “Le décor de table éphémère aux XVII e et XVIII e siècles”, Gazette
des Beaux-Arts 73, 1974, p.285-300; Brown e Day, p.26-35; Joop Witteveen, “Of Sugar and Porcelain.
Table Decoration in the Netherlands in the 18th Century”, in Feasting and Fasting, Proceedings of the
Oxford Symposium on Food and Cookery, 1990, Prospect Books, 1990, p.212-21.
28. Ibid, p.30-1; Oleg Villumsen Krog, “Usages et objets de table à la cour du Danemarck”, Versailles
et les tables royales, p.173; Meister e Reber, p.111-13.
29. James Woodforde, The Diary of a Country Parson 1758-1802, OUP, 1972, p.212.
30. Para o desenvolvimento da sala de jantar na França ver Peter Thornton, Seventeenth-Century
Interior Decoration in England, France and Holland, Yale UP, 1978, p.282-93; do mesmo autor, Authentic
Decor. The Domestic Interior 1620-1920, Weidenfeld & Nicolson, 1984, p.18-25, 50-60 e 93-4; Jean-
Pierre Babelon, Demeures parisiennes sous Henri IV et Louis XIII, Hazan, 1991, p.199-200; Girouard, Life
in the French Country House, p.92-101, 120-44 e 191ss.
31. Thorton, Seventeenth-Century Interior Decoration, pp.238-43.

281
banquete

32. Girouard, Life in the English Country House, p.136ss; do mesmo autor, Life in the French Country
House, p.250.
33. Para a sala de jantar na Inglaterra, ver Charles Saumarez Smith, Eighteenth-Century Interior
Decoration. Design and Domestic Interior in England, Harry N. Abrams Inc., 1993, p.39ss, 76 e 215ss.
34. Willian Sanderson, Graphice, Londres, 1658, p.26-7. Devo esta referência a Ann Buddle.
35. Girouard, Life in the English Country House, p.204-5.
36. Thorton, Authentic Decor, p.39 e nota 29.
37. Robert Adam, Works, I, V, citação de John Fowler e John Cornforth, English Decoration in the 18th
Century, Barrie & Jenkins, 1974, p.67.
38. Fowler e Cornforth, p.68-8.
39. Saumarez Smith, p.234.
40. Para mesas, ver Thornton, Seventeenth-Century Interior Decoration, p.226-3; Fowler e Cornforth, p.68.
41. Thornton, Seventeenth-Century Interior Decoration, p.183 e 187.
42. Para o que se segue sobre boas maneiras, ver Algred Franklin, La vie privée d’autrefois, Paris, 1889,
p.214-83 (para os textos); Esther B. Aresty, The Best Behavior, Nova York, Simon & Schuster, 1970, p.101ss;
Norbert Elias, The Civilising Process. The History of Manners, Basil Blackwell, Oxford, 1978, p.92-7 para os
textos (ed. bras.: O processo civilizador, v.1, História dos costumes, Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1995); Jean-
Louis Flandrin, “Distinction through Taste”, in Philippe Ariès e Georges Duby (orgs.), A History of Private
Life, III, Roger Chartier (org.), Passions of the Renaissance, Harvard UP, 1989, p.265-307 (ed. bras.: História da
vida privada 3, Da Renascença ao século das Luzes, São Paulo, Companhia das Letras, 1991); Zeer Gouranier,
“Modèles de cour et usages de table: les origines”, in Versailles et les tables royales, p.28-9; Marenco, p.31-9.
43. C. Terryn, “Simplicité et délicatesse: norme et réalité des bonnes manières à la table gantoise
du XVIII ème siècle", in L’Europe à la table, p.74-82.
44. “‘The John Trot Fault’: An English Dinner Table in the 1750s”, Petits propos culinaires, 15, 1983,
p.55-9; The Art of Carving Excepted from a Work Entitled The Honours of the Table (1788), Cambridge
University Press, 1932, p.1-8.
45. Fowler e Cornforth, p.67.
46. Beatrix Saule, “Tables royales à Versailles 1682-1789”, in Versailles et les tables royales, p.60-1.
47. Ver John Adamson, “The Making of the Ancien-Regime Court 1500-1700”, in John Adamson
(org.), The Princely Courts of Europe. Ritual, Politics and Culture Under the Ancien Regime 1500-1750,
Weidenfeld & Nicolson, 1999, p.7-41.
48. Para a corte francesa, ver Jacques Levron, Daily Life at Versailles in the Seventeenth and Eighteenth
Centuries, Allen & Unwin, 1968; Olivier Chaline, “The Valois and Bourbon Courts“, in Adamson
(org.), p.67-93.
49. Saule, "Tables Royales à Versailles”, p.41-6.
50. Levron, p.46-8.
51. Para le grand couvert, ver Wheaton, p.135-7; Saule, “Tables royales à Versailles”, p.47-52; Versailles
et les tables royales, p.255ss (nos 13-15); Samuel John Klingensmith, The Utility of Splendor. Ceremony, Social
Life, and Architecture at the Court of Bavaria 1600-1800, University of Chicago Press, 1993, p.122-5.
52. Ver Hernmarck, The Art of the European Silversmith, I, p.172-3; Versailles et les tables royales, p.97.
53. Citação de Levron, p.39.
54. Para a seqüência das salas, ver Hugh Murray Baillie, “Etiquette and the Planning of the State
Apartments of Baroque Palaces”, Archaeologia, CI, 1967, p.169-99; Klingensmith, p.11-12, 115ss e 125-44.
55. Les tables royals en Europe, p.255 (no 14).
56. Para as cadenas, ver Hernmarck, The Art of the European Silversmith, p.173-4; Versailles et les tables
royales, p.257 (nos 18-20), 262 (no 30), 269-70 (nos 44-5), 289 (no 94).
57. Jérôme La Gorge, “Musiques de table à Versailles”, in Versailles et les tables royales, p.91-3, 255 (no 13).
58. Saint-Simon, in Lucy Norton (org.), Memoirs, II, 1710-1715, Prion Books, 2000, p.40.
59. Para a corte imperial, ver Jeroen Duindam, “The Court of the Austrian Habsburgs c.1500-1750”,
in Adamson (org.), p.165-87.
60. Para a Espanha, ver Maria del Carmen Sinon, “La théâtricalité des repas dans l’Espagne des XVI e
et XVII e siècles”, in Aurell, Dumoulin e Thélamon (orgs.), p.159-68; Glyn Redworth e Fernando Chesa,
“The Courts of the Spanish Habsburgs 1500-1700”, in Adamson (org.), p.43-65.
61. Klingensmith, p.159-69.
62. Para a Inglaterra, ver John M. Beattie, The English Court in the Reign of George I, CUP, 1967, p.26ss;
Philippa Glanville, “Dining at Court, from George I to George IV”, in A King’s Feast: The Goldsmith’s Art

282
notas

and Royal Banqueting in the Eighteenth Century, catálogo de exposição, Kensington Palace, 1991, p.106-17;
da mesma autora, “Protocole et usages de table à la cour d’Angleterre”, in Versailles et les tables royales,
p.159-69; John Adamson, “The Tudor and Stuart Courts 1509-1714”, in Adamson (org.), p.95-117.
63. Para a Dinamarca, ver Ole Villumzsen Krog, “The Royal Table in the 18th Century”, in A King’s
Feast, p.134-44; do mesmo autor, “Usages et objets de table à la cour du Danemarck”, in Versailles et
les tables royales, p.171-9.
64. Para a Suécia, ver Gruber, in Versailles et les tables royales, p.150; Bo Vahlne, “La table du Palais
Royale de Stockholm”, ibid, p.180-7 e 301 (no 142).
65. Para o festival de 1664, ver Wheaton, p.129-32; Sabine du Crest, Les fêtes à Versailles. Les diver-
tissements de Louis XIV, Aux Amateurs de Livres, 1990, p.4-21; Versailles et les tables royales, p.250 (I).
66. Sobre 1668, ver Bursches, p.66-9 (para o texto); du Crest, p.22-37; Versailles et les tables royales,
p.250-1 (nos 2-4).
67. Sobre 1674, ver Bursches, p.69-71 (para o texto); Versailles et les tables royales, p.251 (no 5).
68. Versailles et les tables royales, p.352 (no 8).
69. Saule, “Manger à la cour”, p.60-1.
70. Thorton, Authentic Decor, p.171 (215); Maria Attilia Fabbri All’Oglio e Alessandro Fortis, Il gas-
tronomio errante Giacomo Casanova, Ricciardi & Associati, 1998.
71. Klingensmith, p.165-6.
72. Saule, “Tables royales à Versailles”, p.60-1.
73. Ibid, p.35-40.

6. O jantar está servido (p.229-61)

1. Christopher Hussey, “Oakly Park, Shropshire”, Country Life, 1o mar 1956, p.380-3 e 426-9; John
Cornforth, English Interiors 1790-1848, Barrie & Jenkins, 1978, p.20.
2. Ana Maria Fay, Victorian Days in England. Letters of an American Girl 1851-1852, Cambridge,
Houghton Mifflin, Riverside Press, 1923, p.79-84.
3. Ver Emmett Kenedy, A Cultural History of the French Revolution, Yale UP, 1989, p.336; Marcel
David, Fraternité et la Révolution Française 1789-1799, Aubier, 1987, p.157-9.
4. Rebecca Spang, The Invention of the Restaurant. Paris and Modern Gastronomic Culture, Harvard
UP, 2000, p.94-105.
5. Para Napoleão, ver Philip Mansel, The Eagle in Splendour, Napoleon I and his Court, George Philip,
1987, p.50 e 59; do mesmo autor, The Court of France 1789-1830, CUP, 1988, p.67-8; Jean-Pierre
Samoyault, "La table impériale", in Versailles et les tables royales en Europe aux XVII e-XIXe siècles, Musée
National des Châteaux de Versailles et de Trianon, catálogo de exposição, 1993, p.199-206; do mesmo
autor, "L’Orfèvrerie de table de la couronne sous le Premier Empire", ibid, p.207-15.
6. Mansel, The Court of France, p.150ss.
7. Daniel Meyer, “La table royale sous le règne de Louis-Philippe”, in Versailles et les tables royales, p.225-9.
8. Elizabeth Suddaby e P.J. Yarrow (orgs.), Lady Morgan in France, Oriel Press, 1971, p.228-39.
9. Ibid, p.237.
10. Para Carême, ver L’Art culinaire au XIXe siècle. Antonin Carême, Delégation à l’Action Artistique
de la Ville de Paris, 1784-1984, Mairie du III e Arrondissement, Orangerie de Bagatelle, 1984; Stephen
Mennell, All Manners of Food. Eating and Taste in England and France from the Middle Ages to the Present,
Basil Blackwell, 1986, p.144-9; Barbara Ketcham Wheaton, “Antonin Carême: The Food, the Bad, the
Useful”, in Harlan Walker (org.), Cooks and Other People, Proceedings of the Oxford Symposium on
Food and Cookery, 1995, Prospect Books, 1966, p.290-5.
11. Sobre o efeito desse retorno à comida vitoriana, ver Valerie Mars, “Kitsch Culinary Icons: The
Cultural Roots of Changes in Nineteenth-Century Dinner Cuisine”, in Harlan Walker (org.), Look
and Feel. Studies in Texture, Appearance and Incidental Characteristics of Food, Proceedings of the Oxford
Symposium on Food and Cookery, 1993, Prospect Books, 1994, p.108-18.
12. Esther B. Aresty, The Delectable Past, Allen & Unwin, 1965, p.126-59; L’Art culinaire au XIXe siècle,
p.71ss; Mennell, p.149-77.
13. Claudio Benporat, Storia della gastronomia italiana, Mursia, 1990, p.319ss.

283
banquete

14. Aresty, p.160-80; Mennell, p.150-6 e 213ss; Sarah Freeman, Mutton and Oysters. The Victorians
and Their Food, Victor Gollancz, 1989, p.110-77; Dena Attar, “Keeping up Appearances: The Genteel
Art of Dining in Middle-Class Victorian Britain”, in C. Anne Wilson (org.), “The Apetoite and the Eye.”
Visual Aspects of Food and Its Presentation within Their Historic Context, Edimburgo UP, 1991, p.12-40; Peter
Brears, Maggie Black, Gill Corbishley, Jane Renfrew e Jennifer Stead, A Taste of History. 10.000 Years
of Food in Britain, English Heritage, 1993, p.263ss. Sobre Francatelli, ver Ann M. Currah (org.), Chef
to Queen Victoria. The Recipes of Charles Esmé Francatelli, William Kimber, 1973. Sobre Isabella Beeton,
ver Sarah Freeman, Isabella and Sam. The Story of Mrs. Beeton, Victor Gollancz, 1977, p.186-217; sobre
Alexis Soyer, F. Volant e J.R. Warren (orgs.), Memoirs of Alexis Soyer, Cooks Books, Rottingdean, 1985;
Helen Morris, Portrait of a Chef. The Life of Alexis Soyer, CUP, 1938; Elizabeth Ray, Alexis Soyer. Cook
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15. Sobre o aparecimento do restaurante e suas conseqüências, ver Pierre Andrieu, Fine Bouche. A
History of the Restaurant in France, Cassel, 1956; L’Art culinaire au XIXe siècle, p.38-9, 47-54; Mennell, p.135-
44; Jean-Robert Pitte, “The Rise of the Restaurant”, in Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari, Food. A
Culinary History from Antiquity to the Present Day, Colúmbia UP, 1999, p.471-80; e especialmente Spang.
16. Mennell, p.266-90; Giles MacDonogh, Brillat-Savarin. The Judge and His Stomach, John Murray, 1992.
17. Anne Martin-Fugier, “Bourgeois Rituals”, in Philippe Ariès e Georges Duby (orgs.), A History
of Private Life, IV; Michelle Pivrot (org.), From the Fires of Revolution to the Great War, Harvard UP, 1990,
p.261-337 (ed. bras.: A história da vida privada 4, Da Revolução Francesa à Primeira Guerra, São Paulo,
Companhia das Letras, 1995).
18. J.C. Loudon, The Suburban Garden and Villa Companion, Londres, 1838, pp.86-95.
19. Robert Kerr, The Gentleman’s House, Londres, 1864, p.101-18 e 201-2.
20. Mrs. Loftie, The Dining-Room, Londres, Macmillan, 1878.
21. Peter Thornton, Authentic Decor. The Domestic Interior 1620-1920, Londres, Weidenfeld & Ni-
colson, 1985, p.145, 151, 157 e 210ss.
22. Hans-Jurgen Teuteberg, “The German Bourgeois Family at the Dining Table: Structural Changes
of Meal Manners 1880-1930”, in Food and Material Culture, 4th Symposium on Food History, Prospect
Books, 1991, p.133-70.
23. Sobre o horário das refeições, ver Jean-Paul Aron, Le mangeur du XIXe siècle, Éditions Robert
Laffont, Paris, 1973, p.207-16; Arnold Palmer, Moveable Feasts. Changes in English Eating Habits, OUP,
1984; Freeman, p.178ss; John Bennett, “Time, Place and Content: The Changing Structure of Meals
in Britain in the Nineteenth and Twentieth Centuries”, in Food and Material Culture, p.116-31.
24. Brillat-Savarin, La Physiologie du goût, Paris, Pierre Waleffe, 1967, p.149-50.
25. Ver John Burnett, Plenty and Want. A Social History of Diet in England from 1815 to the Present
Day, Thomas Nelson & Sons, 1966, p.186-7; Claudine Marenco, Manières de table, modèles de moeurs
XVII ème-XXème siècles, Édition de l’E.N.S..-Cachan 1992, p.106-38.
26. W.M. Thackeray, The Book of Snobs (1847), in Works, Londres, Smith, Elder & Co., 1889, XIX, p.79.
27. Mrs. Beeton’s Book of Household Management, Londres, 1861, Chancellor Press Reprint, 1986, p.904.
28. Manners and Tone of Good Society and Solecisms to be Avoided, by a Member of the Aristocracy, 12a
ed., Frederick Warne & Co., 1885, p.77-103.
29. Mrs. Humphry (“Madge” of Truth), Manners for Womem, s.d., Pryor Publications, 1993, p.71.
30. Citado por Valerie Mars, “À la Russe: The New Way of Dining”, in Luncheon, Nuncheon and
Other Meals, 7th Symposium on Food History, Prospect Books, 1994, p.117-44.
31. Hans Ottomeyer, “Service à la française and Service à la russe: or the Evolution of the table in the
Eighteenth and Nineteenth Centuries”, in Food and Material Culture, 4th Symposium on Food History,
1991, p.107-83; Peter Brears, “À la française: The Waning of a Long Dining Tradition”, in Luncheon,
Nuncheon and Other Meals, p.91-116.
32. Caroline Davidson, The World of Mary Ellen Best, Londres, Chatto & Windus, 1985, p.107 (no 103).
33. Para toda a questão da mudança para o serviço à la russe, ver L’Art culinaire au XIXe siècle, p.59-60;
Mars, in Luncheon, Nuncheon and Other Meals; Burnett, p.176ss; D.J. Oddy, “Food, Drink and Nutrition”,
in F.M.L. Thompson (org.), The Cambridge History of Britain 1750-1950, 2, People and their Environnment,
CUP, 1990, p.258-9; Freeman, p.184ss.
34. Mrs Beeton’s Book of Household Management, p.954.
35. The Habits of Good Society (década de 1850), p.220.
36. Esther B. Aresty, The Best Behavior, Nova York, Simon & Schuster, 1970, p.129ss; Mennell, p.206-11;
Leonore Davidoff e Catherine Hall, Family Fortunes: Men and Women of the English Middle Class 1780-1850,

284
notas

Hutchinson, 1987, p.399-400; Teuteberg, in Food and Material Culture; Leonore Davidoff, The Best Circles.
Society, Etiquette and the Season, Londres, Croom Helm, 1973, p.13ss; Andrew St George, The Descent of
Manners. Etiquette, Rules and the Victorians, Chatto & Windus, Londres, 1993, caps. 1 e 2.
37. A seleção aqui utilizada é: The Habits of Good Society: A Handbook of Etiquette for Ladies and
Gentlemen, Londres, James Hogg & Sons, (s.d., década de 1850), p.300ss; Cassell’s Household Guide,
Cassell (década de 1860), III, p.243ss; ed. De 1911, Londres, Waverly Press, p.447-51; Manners and
Tone of Good Society, cap. V; Mrs. Humphry (“Madge”of Truth), Manner for Men, James Bowden, 1897,
Pryor Publications, reedição 1994, p.55-82; da mesma autora, Manners for Women, Pryor Publications,
reedição 1993, p.71ss; Etiquette of Good Society, edited and revised by Lady Colin Campbell, Cornell & Co.
Ltd., 1902, cap. XI (primeira edição 1872). Ver também Freeman, p.184ss; Sara Paston-Williams, The
Art of Dining. A History of Cooking and Eating, National Trust, 1993, p.244ss.
38. Ver Davidoff, p.107 e nota 54; Farid Chenoune, A History of Men’s Fashion, Flammarion, 1993,
p.95 e 109-12.
39. Gwen Raverat, Period Piece. A Cambridge Childhood, Faber & Faber, s.d., p.78.
40. Humphry, Manners for Women, p.80.
41. H.C. Davidson (org.), The Book of the Home, Londres, Gresham Publishing Co., 1904, VI, p.251ss.
42. Loftie, p.84ss.
43. Thomas Shurrmann, “Cutlery at the fine Table: Innovations and Use in the Nineteenth Century”,
in Food and Material Culture, p.171-83.
44. Aresty, The Best Behavior, p.174-8.
45. Fabienne de Sèze e Dany Sautot, “Du verre au cristal: une noblesse acquise”, in Versalhes et
les tables royales, p.230-1.
46. St. George, p.49.

Pós-escrito: O eclipse da mesa (p.263-5)

1. Gabriel Tschumi, Royal Chef. Recollections of Life in Royal Households from Queen Victoria to
Queen Mary, William Kimber, 1954, p.97.
2. Ibid, cap.VIII.
3. Para o século XX, ver Jean-Louis Flandrin e Massimo Montanari, Food. A Culinary History from
Antiquity to the Present, Colúmbia UP, 1999, p.435ss; Hans-Jürgen Teyteberg, “The German Bourgeois
Family at the Dining Table: Structural Changes of Meal Manners, 1880-1930”, in Food and Material
Culture, 4th Symposium on Food History, 1991, p.13-70; Claudine Marenco, Manières de table, modèles
de moeurs XVII ème-XXème siècles, Éditions l’E.N.S.-Cachan,1992, p.139ss.

285
Lista das ilustrações

Afresco de Pompéia, Museo Nazionale, Nápoles p.10


Pintura de vaso, Grécia, c.480 a.C., Ashmolean Museum, Oxford p.19
Pintura de vaso, British Museum p.22
Iluminura, Biblioteca Apostólica, Vaticano p.33
Mosaico romano, Museu Gregoriano Profano, Vaticano p.35
Detalhe de Beata umilitas, Pietro Lorenzetti, Galleria degli Uffizi, Florença p.44
Detalhe de A ceia de são Guido, afresco, abadia em Pomposa p.51
A Última Ceia, Domenico Ghirlandaio, igreja dos Umiliati, Florença p.54-5
A Última Ceia, mosaico em São Apolinário Novo, Ravena p.56
Iluminura de uma Vida de Cristo, Pierpont Morgan Library, Nova York, Ms 44 folio 6v. p.57
Detalhe de tapeçaria de Bayeux, Musée de la Tapisserie, Bayeux p.58
Iluminura em Le lante de Méliacin, Bibliothèque Nationale, Paris, Ms Fr 1633, folio 4 p.59
As bodas de Caná, Duccio di Buoninsegna, Museu dell’Opera Metropolitana, Siena p.60
Última Ceia, Duccio di Buoninsegna, Museu dell’Opera Metropolitana, Siena p.61
Detalhe de iluminura em Les très riches heures de Jean duc de Berry, Musée Condé, Chantilly p.68
Iluminura alemã, Bibliothèque Nationale, Paris, Ms Lat 511, folio 43 p.71
Painel As bodas de Caná, do tríptico Os milagres de Cristo, mestre flamengo anônimo, National
Gallery of Victoria, Melbourne p.83
Iluminura em Luttrell Psalter, British Library, Londres, Ms Add 42130, folio 208 p.92
Iluminura italiana em Prose Tristan, Bibliothèque Nationale, Paris, Ms. 616, folio 67 p.93
Iluminura flamenga, Bodleian Library, Oxford, Ms Douce, 374 folio 17 p.95
Iluminura francesa em Le livre de la chasse, Bibliothèque Nationale, Paris. Ms 616, folio 67 p.97
Iluminura flamenga, Bibliothèque de l’Arsenal, Paris, Ms 5070, folio 314 p.101
Iluminura francesa em L’Histoire du Alexandre le Grand, Museu do Petit-Palais, Paris, Ms, folio 86r p.103
Iluminura francesa em Grandes chroniques, Bibliothèque Nationale, Paris, Ms 2813, folio 473 p.109
Iluminura francesa em L’Histoire du Alexandre le Grand, Museu do Petit-Palais, Paris, Ms, folio 298r p.110
Pintura de Benedetto Caliari, Academia Carrara, Bergamo p.112
Detalhe de afresco, Giulio Romano, palácio do Tè, Mântua p.143
Pintura atribuída a Sandro Botticelli, em Storia de Nastagio degli Onesti, coleção particular p.146-7
Detalhe de Bodas de Caná, Paolo Veronese, Louvre, Paris p.148
Gravuras em Trattato, de Mattia Giegher p.150

287
banquete

Iluminura flamenga, Sala de Gravuras, Biblioteca da Universidade de Varsóvia, Varsóvia p.152


Pintura de Marcello Fogolino, Castelolo, Malpaga p.154-55
Detalhe de O paladar, a audição e o tato, de Brueghel de Veludo, Museu do Prado, Madri p.158
Ilustração de Hypnerotomachia Poliphili, de Francesco Colonna p.159
Iluminura italiana de Tommaso Borgonio, Biblioteca Reale, Turim p.163
Memorial Picture of Sir Henry Unton, autor anônimo, National Portrait Gallery, Londres p.165
Desenho de autor anônimo, Bibliothèque Royale Albert I, Bruxelas p.169
Gravura de Franz Hogenberg, coleção particular p.171
Desenho atribuído a Hans Holbein, Departamento de Gravuras e Desenhos, British Museum,
Londres p.175
Pintura de Gerrit Houckgeest, The Royal Collection © HMQ Elizabeth II p.177
Detalhe de O jantar de ostras, Jean-François de Troy, Musée Condé, Chantilly, p.180
Gravura de John Michael Wright em Ragguaglio della solenne comparsa fatto in Roma, Victoria &
Albert Museum, Londres, p.185
Desenho de Pierre Paul Sevin, Museu Nacional, Estocolomo p.187
Desenho de Pierre Paul Sevin, Museu Nacional, Estocolmo p.189
Desenho de Pierre Paul Sevin. Museu Nacional, Estocolmo p.190-91
Gravura de Le cuisinier moderne, de Vincent de La Chapelle, Schlesinger Library, Radcliffe Institute,
Universidade Harvard p.199
Detalhe de pintura de Martin van Meytens, em Banquete por ocasião da coroação do rei dos romanos,
Palácio de Schönbrunn, Viena p.200
Pintura de autor desconhecido, Prefeitura de Raon-l’Etape p.203
Gravura de Joseph Gilliers (o Velho), em Le canneméliste français, Bibliothèque des Arts Decoratifs,
Paris p.206
Pintura de Pehr Hilleström, Museu Nacional, Estocolmo p.219
Gravura de Jean le Pautre, Bibliothèque des Arts Decoratifs, Paris p.222.
A ceia elegante, gravura de Jean-Michel Moreau, em Le monument de costume p.225
Detalhe de O piquenique na caça, de Carel van Loo, Louvre, Paris p.226
Gravura de autor desconhecido p.228
Aquarela de lady Hester Leeke, coleção particular p.231
Pintura de Alexandre Dufay, chamado Casanova, Palácio de Versalhes p.236-7
Gravura de Carême, em Livre de pâtisserie p.240
Nossa sala de jantar em York, aquarela de Mary Ellen Best, coleção particular p.251
Gravura em English Society at Home, de George du Maurier p.257

Fontes fotográficas
Bridgeman Art Library, Londres, p.58, 59, 68, 83, 146-7, 148, 152, 180, 200, 206, 222, 225,
226, 236-7, 240, 251. Angelo Hornak Library, p.231. Hulton Archive / Getty Images, p.228,
257. Photothèque des Musées de la Ville de Paris, p.103, 110. Scala, Florença, p.10, 35, 44, 51,
54-5, 56, 57, 60, 61, 112, 154-5. Studio Fotografico Giovetti, Mântua, p.143.

288
Índice remissivo

Os números de páginas em itálico indicam ilustrações e legendas

A Ana, rainha da Inglaterra, 218


Ana da Bretanha, 89
abadias, ver mosteiros e abadias anglo-saxões, 57
Abate, Niccolo dell’, 170 Antigüidade, redescoberta no Renascimento,
ablução das mãos, 93, 94 120-1, 128-31, 137
Academia Platônica em Careggi, 137 Antimo, 41-2, 47
Académie de France, 194 Antuérpia, 76
Acton, Eliza, Modern Cooking for Private Families, Apício, M. Gabio, De re coquinaria, 26-8, 41, 47,
243 120, 122
Acton, Essex, 98 árabes, culinária, 76, 77;
açúcar, aumento do gosto pelo, 77; e a alquimia, 78;
esculturas barrocas, 188; e cor da comida, 78;
na culinária francesa dos séculos XVII e XVIII, na Europa, 48
195, 205; Aragão, Enrique de, marquês de Villena, 126
na Inglaterra, 172; Arquestrato, 17
no banquete de coroação de Eduardo VII, 263; Artusi, Pellegrino, La scienza in cucina e l’arte di
no Renascimento, 167-8, 169, 170-1, 171; mangiar bene, 242
propriedades salutares, 48 Assurnarsipal II, rei da Assíria, 15
Adam, Robert, 209 astrologia e magia astral, 48, 78-9
Adriano, imperador romano, 37 Ateneu de Neucrates, Os deipsnosofistas, 17, 18,
Afonso, príncipe de Portugal, 94 27, 120
Afonso II de Aragão, rei de Nápoles,130 Átila, o huno, 40
Afonso V, rei de Aragão, 121 Attingham Park, Shropshire, 231
Aglié, Filippo d’, 162 Audot, Louis Eustache, La cuisinière de la cam-
Agnes, santa, 88 pagne et de la ville, 241
Agostinho, santo, A cidade de Deus, 62 Augusto, imperador romano, 30-1
Aix-la-Chapelle, tratado de (1664), 220 Augusto, o Forte, rei da Saxônia, 204-5
Alba, Fernandez Álvaro de Toledo, duque de, 175 Aulos Gellius, Noctes atticae, 24
Alberti, Leone Battista, De re aedificatoria, 129, 131 Avicena (Ibn Sina), 48
Alberto I, rei da Áustria, 61 Avignon, 100, 104
Albizi, cardeal degli, 140
Alcebíades, 23, 138
Aldobrandini, princesa, 186
Alemanha, salas de jantar na, 246 B
Alexandre I, czar da Rússia, 239 Babbes Book, The, 99
Alexandre VII, papa, 188 babilônios, 15
almoço, 247 Baco (divindade), 38
alquimia, 48, 78-9 Bacon, Francis, 172
América, ingredientes da, 124 Bailly, Sylvain, 239
Amiano Marcelino, 29 Balduíno II, imperador, 65
Ammanati, Bartolomeo, 132 banquete, o termo na Inglaterra, 171-2

289
banquete

banquetes de coroação, 91, 263 Breyne, Alice de, 98


Bárbara da Áustria, 118 Brillat-Savarin, Jean-Anthelme, La physiologie du
Barbaran, Montano, 142, 144 goût, 244, 248-9
bárbaros, cultura alimentar, 47, 57 brindes, na Roma antiga, 36-7;
Barère, Bertrand, 234 viking, 57
barroco, 184-7, 188-92 Britânico, 39
Bavária, eleitores da, 218; Browning, Robert, 259
refeições informais, 226, 227 Brueghel de Veludo, 157, 158, 173
Bavária, Guilherme V, duque da, 156, 157 Bruges, 76
Bavária, Renée de Lorraine, duquesa da, 157 Bruxelas, 163
Bayeux, tapeçaria de, 58, 59 Bulstrode (casa), Buckinghamshire, 212
Beauvilliers, Antoine, 244 Buontalenti, Bernardo, 162
Beeton, Isabella, The Book of Household Manag-
ment, 243, 245, 247, 253
Belfiore, palácio, 113
Bellini, Jacopo, 115
C
Belvedere, Vila, 131-2 cadeiras, 152, 210
Bento, Regra de São, 50, 51, 62 cadenas, 145, 216, 223
café, 193
Beowulf, 57
Caliari, Benedetto, 112
Bérain, Jean, 223
Calígula, imperador de Roma, 37, 134
Bernini, Giovanni Lorenzo, 184, 186, 188
Camila de Aragão, 145
Berry, Jean, duque de, 73;
Campo do Tecido de Ouro, 77, 85, 90
Les três riches heures, 68, 87, 96
Cannons (casa), Hertfordshire, 201, 209
Bertand du Guesclin, 90
Canterbury, abadia de Santo Agostinho, 45-7, 49
Best, Ellen Mary, 251, 251
Caprarola, 132-3
Bíblia, 53
Carano, rei da Macedônia, 18
Bini, Lucrezia Piero di Giovanni, 145, 146-7
Carême, Antonin de, 239-41, 252;
Bizâncio, 17, 41-3
L’Art de la cuisine française au dix-neuvième
Blicking Hall, Norfolk, 172
siècle, 240;
boas maneiras, 138-41, 254-5;
Livre de pâtisserie, 230, 240
ver também etiqueta; maneiras à mesa Carlos, o Audaz, ver Borgonha, duque de
Bodas de Caná, As (pintura anônima), 83 Carlos I, rei da Inglaterra, 153, 173, 177, 177
Boke of Curtaysye, The (c.1460), 82 Carlos II, rei da Inglaterra, 218
Bolsover, castelo, 173 Carlos IV, imperador, 86, 107, 109
Bona de Sabóia, rainha da Polônia, 126 Carlos V, imperador, 86-8, 117, 145, 166, 174
Bonifácio VIII, papa, 65 Carlos V, rei da França, 73, 76, 107, 109, 168
Bonleo, Sotio, 117 Carlos VI, rei da França, 73, 76, 88, 100-1
Bonnefons, Nicolau, 196 Carlos VII, rei da França, 111
Bordeaux, vinhos de, 75 Carlos VIII, rei da França, 88, 178
Borgonha, banquetes na, 74, 83, 84, 86, 105, Carlos IX, rei da França, 178
141, 174; Carlos X, rei da França, 235
cozinhas da corte da, 81, 82; Carlos Magno, imperador, 61-3, 100
entremet na, 105, 108, 109; Carlota, esposa de Jorge III, 218
etiqueta na, 82-3, 84-5, 91, 100, 110, 111; carne, e distinções de classe, 47-8;
falta de livros de receitas medievais, 17; na França do século XVII, 192;
vinhos, 75-6 seca, 25
Borgonha, Carlos, o Audaz, duque da, 86, 94, 105 Cartago, 26
Borgonha, Felipe, o Bom, duque de, 86, 108 Casa, Giovanni della, Galateo, 139
Borgonha, Isabel de Portugal, duquesa de, 86 casa de banquetes, 171-2
Borgonio, Tommaso, 163 casamento, e festejo, 38
Bosse, Abraham, 178 Casanova (Alexandre-Benoit-Jean Dufay), 235,
Botticelli, Sandro, A história de Nastagio degli 236-7
Onesti (pintura), 145, 146-7 Casanova de Seingalt, Jacques, 224
Bramanti (Bramanti Lazzari), 131, 132 Cassell’s Household Management, 255
Bretanha, ver Inglaterra; Escócia Casteau, Lancelot de, Ouverture de Cuisine, 128

290
índice remissivo

Castello, Vila di, 134 Colonna, Francesco, Hypnerotomachia Poliphili,


Castelvetro, Giacomo, 124 159, 159
Castiglione, Baldassare, O cortesão, 139 Colonna, Prospero, 140
Castlemaine, Roger Palmer, conde de, 184-6, 185 Colorsi, Giacomo, 140
Catarina de Aragão, esposa de Henrique VIII, Condé, príncipes de, 213
90, 108 Constantino, imperador romano, 49, 186
Catarina de Médici, rainha da França, 127-8, 141, Contra-Reforma, 125, 126
162, 164, 170, 220 conventos, 44
Catarina de Valois, esposa de Henrique V, 106 conversa, à mesa, 137-8, 259-60
Cateau-Cambrésis, tratado de (1559), 130 convivium, na era clássica, 14, 24, 28-9, 31-2, 38;
cavalheirismo, 64, 90, 138-9 revivido, 136
Cavalieri, Emilio, 162 cor, na comida, 7, 8-9, 102-3, 195, 239
Cavendish, George, 79, 81-2, 106 cordiais, 48
Ceccano, Annibale de, cardeal, 104 Cortona, Pietro da, 185
Cellini, Benvenuto, 141 Coryat, Thomas, 144
cena (festejo romano), 24-5, 28, 31 Cossa, Francesco, 115
cerâmica, para a mesa, 141-2, 152, 194, 204-5 Courtin, Antoine de, Nouveau traité de la civilité,
Cervio, Vincenzo, Il trinciante, 126, 149 211
Cesar, Júlio, 30, 36 Craven, William, marquês de, 208
chá, 193-4 criados e serviços, e apresentação das refeições,
champanhe, 193 198-201;
Chandos, James Brydges, 1o duque de, 201, 209
em jantares de gala, 259;
Chantoiseau, Mathurin Roze, 243-4
em Versalhes, 213-14;
Charolais, mademoiselle de, 182
gorjeta aos, 260-1
Chartres, Felipe, duque de, 204
hierarquia e deveres, 81-2, 84-7, 94-7, 95,
Chaundler, João, bispo de Salisbury, 106
97, 110, 126, 139-40, 153, 154-5;
Chigi, Agostino, 131-2
na Idade Média, 62-3, 80-1;
Chiquart, mestre, 73, 80, 96, 104
cristandade, como religião romana oficial, 48-9;
chocolate, 193
conversão, 47, 49;
Choisy, França, 182
Cícero, 28, 30, 138; dias de jejum, 49, 65-6, 120, 192;
De officis, 36-7 festas religiosas, 62;
Cisterciense, Ordem, 52 regulamentação da dieta e da comida, 49
Clarence, Jorge, duque de, 80 50, 53, 60, 65-7;
classe (social), associação com comida e etique- ver também mosteiros e abadias
ta, 92-3, 100-2, 101; Cristiano III, rei da Dinamarca, 154
e a carne, 47-8; Cristina, duquesa de Sabóia, 162
e as maneiras francesas de comer do século Cristina, rainha da Suécia, 187-8, 189, 190-1
XVII, 194-5; Cristina de Pisan, 100, 107
e boas maneiras, 210-11; Croÿ, duque de, 181-2
e o vinho, 75-6 cuisine classique, 239
e os horários das refeições, 247;
na era vitoriana, 231-3, 242-3, 245-6;
na Itália renascentista, 127;
Cláudio, imperador romano, 38
D
Clemente VI, papa, 80, 104 Dallington, sir Robert, 159
Clemente VII, papa, 156 David, Jacques Louis, 233
Clemente IX, papa, 188, 190-1 Day, Charles, Etiquette and Usage of Society, 258
Clemente XI, papa, 192 De Marchi (cronista bolonhês), 150, 151
Clive, Robert Henry, 229-30 Desempenadeira (companhia), 166
Cluny, Borgonha, 50, 52, 62 desjejum, 94, 247-8
código cortês, e etiqueta, 64-5 despenseiro, 95
colheres, 35, 88-90, 99-100, 145, 212, 250-1, 258 Devonshire, William Cavendish, 1o marquês
Colle, Francesco, Refugio del povero gentiluomo, de, 173
126-7 dieta, e saúde, 264-5;
Colleoni, Bartolomeo, 154 medieval, 74-5;
Colônia, 76 no mundo antigo, 18, 23-4

291
banquete

Dinamarca, jantar público real na, 218-19, 219 etiqueta, desenvolvimento das boas maneiras,
Dio Cássio, 39 212-13;
Dioniso (divindade), 22, 38 dos jantares de gala, 254;
direito divino dos reis, 173-4, 176, 177 e códigos de vestimenta, 247;
Domiciano, imperador romano, 30, 39-40 e monarquias, 173-4;
Dorat, Jean, 170 livros de, 98;
Dubois, Urbain e Emile Bernard, La cuisine classi- livros vitorianos de, 249-50;
que, 240 medieval, 64-5;
Duccio di Buoninsegna, As bodas de Caná, 60; mudanças no século XV, 90-4;
A Última Ceia, 59 na corte borgonhesa, 82, 83, 84-5, 87, 91;
Du Maurier, George, English Society at Home, no Renascimento, 139-40, 155-6;
257 sob Napoleão, 234-5;
Duprat, cardeal Antoine, 142 ver também boas maneiras; maneiras à mesa
Du Prez, Josquin, 115 Etiquette for Ladies (1894), 250
etruscos, 26
eucaristia, 137
Eurípides, Íon, 21
E Evelyn, John, 218;
Eduardo I, rei da Inglaterra, 107 Acetaria, 193
Eduardo II, rei da Inglaterra, 89 exibição e ostentação, de Carême, 238-41, 240;
Eduardo III, rei da Inglaterra, 107 medieval, 79-90;
Eduardo IV, rei da Inglaterra, 80, 91, 94, 99 no Renascimento, 115-20, 136-7, 139-42, 143;
Eduardo VII, rei da Inglaterra, 263 ver também entremets
Egito Antigo, 15
Einhard, 61
Eleanor de Toledo, 137
Elizabeth, princesa, 173 F
Elizabeth I, rainha da Inglaterra, 172, 176 facas (de mesa), 35, 52, 90, 99, 144, 145, 194,
Elizabeth II, rainha da Inglaterra, desjejum de 211, 212, 251, 252, 258
casamento, 264 Farnese, Alexandre, 164, 170
Elizabeth da Áustria, rainha da França, 141, 170 Farnese, cardeal Alessandro III, 126, 131-3
Elyot, sir Thomas, The Bankette of Sapience, 172 Farnesina, Vila, 131-3
Emereciana, santa, 88 Fay, Anna Maria, 229, 231-2, 233
entremets, 69-70, 102-5, 103, 107-8, 109 Fedele, Luigi, 187
Epicuro, 195 Felipe II, rei da Espanha, 141-2, 168, 174-5
Erasmo, De civilitate morum puerilium, 138-9, Felipe III, rei da Espanha, 204
211, 254 Felipe IV, o Belo, rei da França, 87
ervas, aromáticas, 195-6; Felipe V, o Longo, rei da França, 94
na Itália renascentista, 122 Feltre, Vittorino da, 122
na Roma Antiga, 28; Ferdinando I de Aragão, rei de Nápoles, 126
Escócia, 104 Ferrante, rei de Nápoles, 121
Escoffier, Georges Auguste, 240-1, 253; Ferrara, Afonso I d’Este, duque de, 118, 126
Guide culinaire, 241 Ferrara, Afonso II d’Este, duque de, 123, 119
escravos, na Roma Antiga, 31-2, 33-5 Ferrara, ducado de, 40
Espanha, objetos de mesa na, 204 Ferrara, Eleanora de Aragão, duquesa de, 116, 160
Este, Borso d’, 115 Ferrara, Ercole I d’Este, duque de, 115-18, 167-8
Este, cardeal Ipolito d’, 113, 137 Ferrara, Ercole II d’Este, duque de, 113
Este, cardeal Ipolito II d’, 133 Ferri, Ciro, 184
Este, cardeal Luigi d’, 118 festas sagradas (cristãs), 46-7
Este, família e corte de, 113-18, 119, 130, 140, festas seculares, 46-7, 65-7, 87
142, 160; feudalismo, 62-3
ver também Ferrara Ficino, Marsílio, De sufficientia, 136
Este, Lionello d’, 115 Filoxeno de Leucas, “O banquete”, 18
Este, Lucrezia, d’, 119 Flanders, Luís, conde de, 89
Este, Vila d’, 113, 133 Fleury, cardeal André Hercule, 182
Estrades, condessa de, 181 flores, como decoração de mesa, 252, 256

292
índice remissivo

Fogolino, Marcello, 154 influência na alimentação romana, 26, 27-8;


Foix, Gastão IV, conde de, 69-71, 73-4, 79, 100, papel e ritual da refeição na, 20-4;
167-8 Gregório XIII, papa, 132
Forme of Cury, The, 73 Gregório de Tours, 41
Fountains, abadia, Yorkshire, 52 Grosseteste, Robert, bispo de Lincoln, 63
França, desenvolvimento e influência da culiná- guardanapos, em banquetes renascentistas, 113-14,
ria na, 127-8, 193-8; 149-50, 150
e apresentação dos pratos, 192, 198-207; na Roma Antiga, 34-5;
edificações na, 134-5; Guarino, Giovan Battista, 162
rituais de corte na, 178; Guazzo, Stefano, La civil conversazione, 138
salas de jantar na, 246; Guerra das Rosas, 91
vinhos, 75-6, 193; Guerra dos Cem Anos, 91
ver também Versalhes Gustavo III, rei da Suécia, 218-19
Francatelli, Charles Esmé, The Modern Cook, 242 Guyenne, duque de, 80
Francisco I, rei da França, 77, 86, 90, 178-9
Frederick, príncipe de Gales, 204
Froissart, Jean, 100
H
Habits of Good Society, The (c. 1850), 253
Hainault, Balduíno VI, conde de, 63
G Hall, Edward, Chronicle, 77
Gailhard, Jean, The Compleat Gentleman, 211 Hamstead Marshall, (casa), Berkshire, 208
Galeno, 18, 41, 48 Hardwick Hall, Derbyshire, 172
Gália, 40-2 Hatfield House, Hertfordshire, 210
Gambara, cardeal Francesco, 133 Heliogábalo, 38
garfos, e maneiras à mesa, 211, 250-1, 258 Henrietta Maria, esposa de Carlos I da Ingla-
na França, 194; terra, 153, 173, 177, 177
na Idade Média, 88; Henrique I, rei da Inglaterra, 47
na Roma Antiga, 35; Henrique II, rei da França, 128, 162, 216
reintroduzidos no Renascimento, 144-5, Henrique II, rei da Inglaterra, 46, 89
146-7, 148; Henrique III, rei da França, 145, 152
gás, aquecimento a, 140 Henrique IV, rei da França, 141, 153, 161, 178
Gaveston, Piers, 89 Henrique IV, rei da Inglaterra, 91
Ghirlandaio, Domenico, A Última Ceia (pin- Henrique V, rei da Inglaterra, 93, 106
tura), 54-5
Henrique VI, rei da Inglaterra, 79, 89, 106
Giambologna (Giovanni Bologna), 162
Henrique VII, rei da Inglaterra, 91
Giegher, Mattia, Trattato, 149, 150
Henrique VIII, rei da Inglaterra, casamento com
Gilliers, Joseph, Le canneméliste français, 201,
Catarina de Aragão, 108
205, 206
e etiqueta, 175-6, 175;
Giovanni Milanese, 151
e hierarquia, 87;
Giraldo Cambrense, 45-6
no Campo do Tecido de Ouro, 77, 85;
Gissey, Henri, 221
Hentzner, Paul, 176
Glasse, Hannah, The Art of Cookery Made Plain
Herculano, 31, 33
and Easy, 197
Godofredo de Bouillon, 107, 109 Herodes, 178
Gogue, Antoine, Les secrets de la cuisine, 241 Hertford, Edward Seymour, conde de, 172
Gonzaga, corte de (Mântua), 122, 140-1 hierarquia ver classe (social); precedência, or-
Gonzaga, duque Vespasiano, 138 dem de
Gonzaga, Federico, 131 Hilleström, Pehr, 219
Gonzaga Elisabetta, 168 Hipócrates, 48
Gouffé, Jules, Livre de la cuisine, 241 Hipoloco, 18
Grana, Giacomo, 118-19 Holanda, ver Países Baixos
Granado, Diego, Libro del arte cozina, 125 Holbein, Hans, 175
Grécia Antiga, banquetes, 16, 18-20; Hollar, Wenceslas, 178
culinária, 17-20, 19; Homero, 48, 136
estrutura social na, 20-1 homossexualidade, na Roma Antiga, 34

293
banquete

Hoofsche Wellevenheid, De, 211 K


Houckgeest, Gerrit, 177
Howard, Abraham, 242 Kerr, Robert, The Gentleman’s House, 246
Humberto II de Valois, delfim, 92 Kitchiner, William, The Cooks Oracle, 242
humores (os quatro), 18, 74, 122 Kourakine, príncipe Borisovitch, 252
Humphry, sra. (“Madge” da revista Truth), 250, Kuchenmeisterei, 127
256, 258

L
I L.S.R., L’Art de bien traiter, ouvrage nouveau, cu-
Ilíada, 16 rieus et fort gallant, 196
Iluminismo francês, 184, 196 La Chapelle, Vincent, Le cuisinier Moderne, 198,
informalidade, ver soupers intimes 199
Inglaterra, arrumações de jantar, 135-6; La Marche, Olivier de, 82
declínio culinário no século XIX, 242-3; La Riva, Bonvesin de, Cinque volgari, 99
industrialização e urbanização, 232, 245; la Vallière, Louise de, 220
livros de receitas, 197, 241-3; La Varenne, François Pierre, Le cuisinier françois,
resistência à culinária francesa, 196-7 192, 196;
salas de jantar, 209-10; Le parfaict confiturier, 196;
salões de banquete na, 171-3, 171; Le pâtissier françois, 196
Inocêncio VIII, papa, 131 lacaios, 201-2
Inocêncio X, papa, 187 Lacock, abadia, Wiltshire, 172
Itália, 241-2 Lafayette, Marie Joseph Paul du Motier, mar-
quês de, general, 233
Lancerio, Sante, 124
J Lancret, Nicolas, 227
Lando, Ortensio, Commentario delle piu notabili e
Jaime I, rei da Inglaterra (Jaime vii da Escócia), mostruose cose d’Italia e altri lughi, 123
135, 173, 177 Langland, William, Vision of Piers Plowman, 85
Jaime II, rei da Escócia, 104
Lante, Vila, 132-3
Jaime II, rei da Inglaterra, 184-5
Lasso, Orlando di, 157
jantar, como refeição principal, 147-8
laticínios, 77, 195
jantar festivo, boas maneiras e etiqueta dos,
Latini, Antonio,, Lo scalco moderno, 86
254-61, 257;
Le Nôtre, André, 220
desenvolvimento do, 228, 229-32, 231,
Leão III, papa, 41
245-6, 248-52, 251;
Leão X, papa, 132
sobrevivência moderna, 265
jantares de gala, 228, 229-32, 231, 245-6, 248-50 leis suntuárias, 92-3
Jeanne, rainha da Borgonha, 89 Lenardi (ajudante de Ferri), 184
Jeanne de Bourbon, esposa de Carlos V, 100 Leonardo da Vinci, 53
Jeanneret, Michel, 136 Leôncio, bispo, 40
jejum e jejuar, na tradição cristã, 48-50, 65-6, 120 Leto, Giulio Pomponio, 122
jentaculum, 28 Ligorio, Pirro, 133
João XXII, papa, 94, 104 Ligozzi, Jacopo, 162
João da Napoli, 116 livros de receita, gregos, 17-18;
Johann Wilhelm de Jülich-Cleve, 170, 171 medievais, 47-8, 72-5, 76-7;
Johnson, Samuel, 209, 247 na França, século XIX, 240-1;
Joinville, João de, 66-7 na França dos séculos XVII e XVIII, 194, 196-7;
Jones, Inigo, 171 na Inglaterra, 242-3;
Jonson, Ben, 171 no Renascimento, 121-3, 124-7;
Jorge, príncipe da Dinamarca, 218 romanos, 26-8
Jorge I, rei da Inglaterra, 218 Loftie, sra., The Dining Room, 257
Jorge III, rei da Inglaterra, 218 Longleat House, Wiltshire, 172
Jorge IV, rei da Inglaterra, 239 Loo, Carel van, 227
José, rei dos romanos, 199 Lorenzetti, Pietro, Beata umilitas, 44
judeus e judaísmo, e o jejum, 49 Loudon, John Claudius, The Suburban Gardener
Júlio II, papa, 132 and Villa Companion, 245-6

294
índice remissivo

Lovell, sir Thomas, 135 Marchi, 170


Lúcio Vero, 37 Marcial, 29-30, 37;
Lúculo, Licínio, 24 Epigramas, 120
Luís IX, são Luís, rei da França, 65-7 Marco Aurélio, imperador romano, 18
Luís XIII, rei da França, 222 Margaret, regente dos Países Baixos, 149
Luís XIV, rei da França, comer em público, Margaret de York, duquesa de Borgonha, 86, 105
213-14; Margarida de Valois, primeira esposa de Hen-
cozinheiros, 76; rique IV da França, 164
em Versalhes, 181, 212-17, 224-5 Maria, esposa de Jorge V, 263-4
e o desenvolvimento da comida e do Maria I (Tudor), rainha da Inglaterra, 175
comer, 192-3, 202, 205; Maria Antonieta, esposa de Luís XVI da França,
fêtes, 220-2, 222; 212, 217, 224, 227
jantar informal em Marly, 223-4; Maria da Hungria, regente dos Países Baixos, 168
maneiras à mesa, 211; Maria de Médici, segunda esposa de Henrique IV
uso do garfo, 144; da França, 141, 153, 161
Luís XV, rei da França, 181-3, 193, 202, 217, Maria de Portugal, 149, 152
224, 227 Maria Luiza, imperatriz, esposa de Napoleão I,
Luís XVI, rei da França, 227, 235 235, 236-7
Luís d’Anjou, rei de Nápoles e de Jerusalém, Marin, François, Les dons de Comus ou les délices
87, 89 de la table, 196-7
Luís Felipe, rei da França, 235 Marin-Grimano, cardeal, 125
Luitprand, bispo de Cremona, 41 Markham, Gervase, The English Housewife, 172
Lully, Jean-Baptiste, Les fêtes de l’amour et Bac- Marly (castelo), 223
chus, 222 Martin, Jean, 159
Lune, Pierre de, 196 Martinho, bispo de Tours, 58
Luttrell Psalter, 92 Martino, maestro, ver Rossi, Martino de
Lydgate, John, 106, 108 Massialot, François, Le cuisinier roial et bourgeois,
Lyminge, Robert, 172 196, 197
Matthias Corvinus, rei da Hungria, 137
Maximiliano III José, eleitor da Bavária, 229
May, Robert, The Accomplisht Cook, 197
M Médici, Alessandro de, 170
Macróbio, Saturnalia, 36, 138 Médici, cardeal Leopoldo de, 186
Madama, Vila, 132 Médici, Cosimo I de, 137, 139, 168
“Madge”, ver Humphry, sra. Médici, família, 119-20, 139, 161-2, 164-6
Maiano, Giuliano da, 130 Médici, Giuliano de, 149
Mailly, Louise Julie, condessa de, 182 Médici, Lorenzo de, 142, 149
maiólica, 142, 144 medieval, período, banquetes, 53-67, 68, 69-
maneiras à mesa, convenções dos séculos XVII 71, 71, 80-2;
e XVIII, 210-11 dietas, 75-6
em jantares festivos, 258-60; livros de receitas, 72-5;
livros sobre, 99-100; mediterrânea, dieta e alimentos, 47-8;
medievais, 57, 61-2, 63-4; Meissen, fábrica de porcelana, 204
na Regra de São Bento, 50; ménagier de Paris, Le, 47, 73, 86, 96
Manners and Tone of Good Society and Solecisms Menon, La cuisinière bourgeoise, 197-8
to be Avoided, by a Member of Aristocracy Mercure de France (jornal), 221
(1885), 250 mesas, decoração, 255-8;
Mantegna, Andrea, 115 forma e arranjos para sentar, 58-9, 57, 58,
manteiga, 77; 59, 60-2, 60, 61, 71, 72, 83, 84, 97, 110,
ver também laticínios 111, 145, 149, 151, 152, 153, 210, 255-6
Mântua, 40, 140 simbolismo da, 137
Mântua, Francesco Gonzaga II, duque de, 140 Mesopotâmia, 15
Mântua, Guglielmo Gonzaga, duque de, 149 Messisbugo, Cristoforo da, 117-19, 140, 149,
Mântua, Isabella d’Este, duquesa de, 131, 140, 142 160, 161;
Mântua, Margherita Farnese, duquesa de, 149 Banchetti, composizioni di vivende e apparec-
Maomé IV, sultão otomano, 193 chio, 114, 118-19, 125

295
banquete

Meytens, Martin van, Feast on the Occasion of the office, 195-6, 198, 205, 241
Coronation of the King of the Romans, 199, 200 Opimius, 25
molhos, de Carême, 240 Orléans, Felipe, duque de, 182
na Roma Antiga, 27-8; Orléans, Ferdinand-Philippe, duque de, 238
Molière, Jean-Baptiste Poquelin, 220-1 Orléans, Luís, duque de (1372-1407), 88
monarquia, mistério e rituais da, 173-9; Os estatutos da ordem napolitana do Espírito Santo, 91
ver também comer em público Oto III, imperador, 41
Monmouth, James Scott, duque de, 185 Ovídio, Metamorfoses, 142
Montaigne, Michel Eyquem, seigneur de, 136,
138, 145
Montefeltro, Guidobaldo da, 168
Montigny, Guy de, 73
P
Montmorency, Anne de, 142 Países Baixos, edificações nos, 134-5;
Moreau, Jan Michel, o Jovem, A ceia elegante, introduzem o café e o chá, 193
224, 225 Palissy, Bernard, 142
Morgan, Sydney, lady, 238 palitos, na Roma antiga, 35
mosteiros e abadias, 45-7, 49-52, 51, 53, 62-3 Palladio, Andrea, 134
mulheres, e a mesa de Luís XIV, 223-4; Pamphili, palácio ver Roma (moderna)
efeito da Revolução Francesa sobre, 245; Panton, J. E., From Kitchen to Garret, 249
em banquetes medievais, 69-70; papas, cerimônia de consagração, 91;
em orgias romanas, 39; comendo sozinhos em banquetes de gala, 174
em refeições romanas, 28-9; papoula, óleo de, 77
e o salão, 207-8; Pariset, madame, Manuel de la maîtresse de la
posição na mesa, 91-2, 95, 255; maison, 245
separadas dos homens após as refeições, 21, Parma, Alexandre, duque de, 149-50, 152
260 Parrega, Sebastian Gutierrez de, Etiquetas de
música, em banquetes medievais, 70-1, 71, 107; corte, 174-5
em Versalhes, 217, 222; Páscoa, como festa da Igreja, 343
na Renascença, 113, 115, 157-8, 162 pastelaria (massa), 77
Paulo, são, 30
Paulo III, papa, 124, 125, 142
Paulo IV, papa, 133
N Pedro IV, rei de Aragão, 108
Napoleão Bonaparte, imperador, 234-5, 236-7, Perretti, Niccolò, 188
244 Persa, Império, 15
Nápoles, 121, 126 Peruzzi, Baldassare, 131
Narford Hall, Norfolk, 209 Petrônio Arbiter, Satyricon, 11-14, 47
Narni, Fusorito da, 127 philosophes, 184
Natal, como festa da Igreja, 62 Picatrix (tratado árabe), 48
navetas, 88, 145, 215-16, 223, 235 Pilon, Germain, 170
neoplatonismo, 121 Pinturicchio (Bernardino di Betto de Biagio), 131
Nero, imperador romano, 13, 32, 39, 42 Pio V, papa, 125
Neville, George, arcebispo de York, 85 Pisanello (Vittorio Pisano), 115
Nicéforas Focas, imperador bizantino, 41 Platão, 137;
Nola, Robert di, Libro de cocina, 126-7 Leis, 136;
Norfolk, John Howard, 1o duque de, 80 Simpósio, 23, 137
Northumberland, Henry Percy, 5o marquês de, 93 Platina, Bartolomeo, De honesta voluptate,122,
nouvelle cuisine, 239 127, 130, 136, 145
Plínio, o Moço, 29-30, 36, 128-9
Plínio, o Velho, Historia naturalis, 134
Plumerey (chef), 240
O Plutarco, Conversa à mesa, 137
Oakly Park, Shropshire, 229 O jantar dos sete homens sábios, 136-7;
Odilo, abade de Cluny, 50-2 Pollio, P. Veddius, 31
Odisséia, 16 Pompadour, Jeanne Antoinette Poisson, mar-
Odoacer, rei da Itália, 49 quesa de, 181-3, 224

296
índice remissivo

Pompéia, 31, 33 culinária na, 17-18;


porcelana, 188, 204 deuses e altares, 33-4;
prandium, 24-5, 28 dieta e culinária, 23-8;
prata, para objetos de mesa, 86-9, 144, 202, distinções de classe em, 30;
204-5 dualidade de valores, 23-4, 25-6;
Pratolino, 134 escravos na, 31-2, 33-5;
pratos, serviço de, 96-7, 155-6, 252-3 festejos na, 11-14, 23-6, 29-37, 33;
precedência, ordem de, em banquetes de gala fim do Império, 40-3;
modernos, 264-5; ordem das refeições na, 28;
ignorada sob Luís XV, 183-4; regulamentação dos entretenimentos, 25-6;
na Idade Média, 91-3, 110, 111; roupas na, 29;
Renascimento, 127, 151-2;
utensílios, 34-5;
ver também classe (social); etiqueta
vilas e locais para comer, 128-9
précieuses, 207
Roman de Jehan de Paris, 111
Primeira Guerra Mundial, 263
Romano, Giulio, 132, 141, 143
privacidade, ao comer, 85, 182-3
Romoli, Domenico, (Il Pununto), La singolare
provar, rito de, 94
público, comer em, e monarquia, 173-7, 213, dottrina dell’ufficio dello scalco, 126, 156
218-19; Rômulo, Augústulo, imperador romano, 40
medieval, 85; Rossetti, Biagio, 115
Napoleão Bonaparte, 234-5, 236-7 Rossetti, Giovan Battista, Dello scalco, 119
Pucci, Giannozzo, 145, 146-7 Rossi, Martino de (maestro Martino), Libro de arte
coquinaria, 121-2
rotas de comércio, 48
Rothschild, Amschel Mayer, barão de, 238
R roupas, para jantares festivos, 255
Rambouillet, Catherine de Vivonne, marquesa Rousseau, Jean-Jacques, Emile, 196
de, 207 Rumpolt, Max, Ein neues Kuchbuch, 125
Raphael Sanzio, 132 Rundall, Maria, A New System of Domestic
Ravena, São Apolinário Novo, 58, 60 Cookery, 242
Raverat, Gwen, 256 Rustico, Giovan Francesco, 166
refeições, horário das, 212, 247-8
refrigeradores, 240
reis, ver monarquia
religião, e controle de dieta, 48-9; S
ver também cristandade Sabóia, Amadeu VIII, duque de, 73
Renascimento, banquetes, 113-20, 136-8, 149- Sabóia, Carlos Emmanuel, duque de, 162-3
53, 152, 156, 157, 158, 159-67, 165; Sabóia, Cristina, duquesa de, 162, 163
culinária, 120-8, 155; Sabóia, Humberto, duque de, 102
estrutura da refeição, 154-6;
Sacro Bosco (jardim), Bomarzo, 133
redescoberta da Antigüidade, 120, 127-31, 137;
Saint Denis, mosteiro de, França, 62
vilas na, 128-32
Saint-Simon, Louis de Rouvroy, duque de, 204,
René, rei de Anjou, 105
215, 217
restaurantes, 243-4, 264-5
Sainte-Chapelle, Paris, 65
Revolução Francesa, 232-5, 244, 261
Rhodes, Hugh, The Boke of Nurture, 82, 85 sal, 195
Riario, cardeal Pietro, 160 salão, 207-8
Ricardo II, rei da Inglaterra, 73, 79-80, 89 salas de jantar, 208-9, 228, 229-32, 231, 245
Ricardo III, rei da Inglaterra, 93 Salle, Jean-Baptiste de la, Les Règles de la bien-
Roberti, Ercole, 115 séance et de la société chrétienne, 211
rococó, 184 salles à manger, 207-10;
Roma (moderna), estilo barroco, 185-7, 188-92; ver também salas de jantar
festa no palácio Pamphili, 184-5; Salm-Salm, Nicolas-Léopold, príncipe de, 201,
no Renascimento, 121-2; 203, 208
saqueada, 130 Sanderson, William, Graphice, 209
Roma, Antiga, banquetes públicos e imperiais, Santo Galo, 50
38-40; Saturnália, 30

297
banquete

Saumur, França, 66 Tè, palácio do, 140-1, 143


scalco (mordomo italiano), 117-19, 126-7, 139- temperos, Antimo sobre, 41;
40, 153, 185-6 em receitas medievais, 77;
Scandiano, Giulio Thiene, 149 na culinária francesa do século XVII, 195-6;
Scappi, Bartolomeo, Opera, 125, 126, 156, na Grécia Antiga, 17;
185-6 na Itália renascentista, 121-2, 124-5
Schor, Giovanni Paulo, 188 na Roma Antiga, 29;
Ségur, Louis-Philippe, conde de, 234-5 virtudes médicas, 48;
Sêneca, 29 Teodorico, o Ostrogodo, 40-1
Sens, cardeal de, 145 terrina, 202
Septimius, Severus, imperador de Roma, 178 Tertuliano, 49
Serlio, Sebastiano, 130 Teuderico, rei dos francos, 41
Sermini Gentile, 100 Thackeray, William Makepeace, O livro dos esno-
Serres, Olivier de, Le théatre d’agriculture et mes- bes, 249, 259
nages des champs, 135 Thomire, Pierre-Philippe, 252
service à l’anglaise, 251-2, 251 Thynne, sir John, 172
service à la française, 192, 198-201, 199, 200, Tibério, imperador romano, 33-4, 39
215-16, 250, 252-3 Tiburtino Loreio, 32
service à la russe, 253, 255-7 Tigellino, 39
service en pyramide, 205 Tirel, Guillaume de, Viandier de Taillevent, 47, 73,
Sevilha, Confraria de Todos os Santos, 92-3 76, 78, 103, 127
Sevin, Pierre Paul, 186-7, 187, 189, 190 toalhas de mesa, 145, 149-51
Sèvres, porcelana de, 204 Tommasino di Circlaria, Der Wälsche Gast, 64
Sforza, Camilla (de Aragão), 161, 168 Tonantio Ferreolo, 40
Sforza, cardeal Ascanio, 161 Torquemada, Tomás, Colloques satiriques, 166
Sforza, Costanzo, 145, 161, 168 Toulouse, condessa de, 182
Sforza, Gian Galeazzo, 161 Tours, o banquete do conde de Foix em 1457,
Sforza, Isabella (de Aragão), 161 69-71
Sharington, sir William, 172 Trevas, Idade das, 45, 53, 57
Shrewsbury, Elizabeth Talbot, condessa de, 172 Trevisan, cardeal, 122
Sidônio Apolinário, bispo de Averna, 40, 45 Triboli, Niccolò, 134
Sigismundo, imperador, 93 triclínio, 28, 31-4, 35
Smith, Alice, Art of Cookery, 212 Trimálquio (personagem de ficção de Petrônio),
sociedade (grupos de classe), 250 11-15, 19, 23, 25, 31, 42
soupers intimes, 182-4 trinchantes (trincianti), 95, 96-7, 126-7, 153
Soyer, Aléxis, A Shilling Cookery Book for the People, Troy, Jean-François de, 227;
242 O jantar de ostras, 180, 183
The Gastronomic Regenerator, 242; True Gentleman’s Etiquette, The (anônimo), 212
Strozzi, Clarissa, 142 Trusler, John, Honours of the Table, 255
Stucki, Johann Wilelm, Antiquitatem convivia- Truth (revista), 250
lium libri III, 121 Tschumi, Gabriel, 263
Suetônio, 14, 32, 37-8
Suffolk, Mary, duquesa de, 86-90
surtout, 202, 204
sutilezas, 106
U
symposion, 21-3, 22 Ude, Louis Eustache, The French Cook, 242
Udine, Eustachio Celebrino da, Opera nova
che insegna apparechiar, 117
Última Ceia (bíblica), 53, 54-5, 56, 57-8, 59, 59,
T 137
taças (à mesa), 259 Unton, sir Henry, 149, 164, 165
Tácito, 29 Urbino, Guidobaldo II, duque de, 126, 140
Taillevent ver Tirel, Guillaume de Urbino, Nicolò da, 142
Talleyrand, Charles Maurice de, 239 utensílios e objetos de mesa, 35, 87-91, 142-5,
Tannhäuser, Courtly Breeding, 65 149-51, 194, 202-5, 250-1, 258

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da corte para a sala particular

Vinidário, 27
V Visconti, Violante, 79
Varro, Marcus, 24 Visonti, Galeazzo II, 29
Vasari, Giorgio, 131, 141, 166 Vitélio, imperador romano, 38-9
Vaticano, 186 vitorianos, livros de cozinha, 242-4;
vegetais, em Versalhes, 192-3
Vitrúvio, 129, 131
no Renascimento, 155;
Venâncio Fortunato, bispo, 41
Venceslau, rei da Boêmia, 61 W
veneno, prova de, 94 Warwick, Thomas de Beauchamp, marquês de, 91
Veronese, Paolo, Bodas de Caná, 145, 148, 157 Weyden, Roger van der, 113
Verrall, William, A Complete System of Cookery, 197 Whitehall, palácio, Londres, 171
Versalhes, comida e festival em, 136-40, 222, 222; Wimbledon, William Cecil, visconde, 135
imitação de, 202;
Winchester, 46
jardins de frutas e de vegetais, 192-3;
Windsor, lady Harriet (lady Harriet Clive), 229-30
Marie Antonieta em, 224;
Wolsey, Thomas, cardeal, 79, 81, 85, 86, 87, 90, 106
organização e protocolo em, 181-2, 213-18
Woodforde, rev. James, 207
vesperna, 28
Worcester, John Tiptoft, marquês de, 91
viandier de Taillevent ver Tirel, Guillaume de
Worde, Wynken de, 127
Viard, A., Le Cuisinier impérial, 241
Wright, John Michael, 184-5
Vignola (Giacomo Barocchio), 132
vikings, 57
vilas, na Itália renascentista, 128-34
Villette, marquês Charles de, 233 X
vinho, alemão, 76; Xenofonte, O banquete, 23
comércio de, 75; Xisto III, 121
doce, 77;
em refeições medievais, 76;
francês, 175, 193;
na Grécia Antiga, 22; Z
na Itália renascentista, 124; Zeus Soter (divindidade), 22
na Roma Antiga, 25, 34; Zólio, 29
refrescadores de, 208; Zuccari, família, 132
vocabulário de, 124 Zuccaro, Taddeo, 142

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