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16/06/2021 Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça

Acórdãos STJ Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça


Processo: 17697/18.8T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: CONTRATO DE MÚTUO
CONFISSÃO DE DÍVIDA
FORÇA PROBATÓRIA PLENA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
CONTRADIÇÃO INSANÁVEL
MATÉRIA DE FACTO
BAIXA DO PROCESSO AO TRIBUNAL RECORRIDO
Data do Acordão: 13-05-2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível.

I – RELATÓRIO

Externato O Lar da Criança instaurou acção declarativa comum


contra AA, BB e CC.
Pede que os RR sejam condenados a reconhecer a existência do crédito
da autora sobre a herança deixada por DD, no valor total de
€135.762,63 e a ver satisfeito esse crédito pelos bens da herança.

Alegou, em síntese:
- DD era mãe dos réus,
- foi sempre gerente da autora desde a sua constituição,
- e até 2006 procedia com regularidade a levantamentos e/ou utilização
de quantias existentes no caixa da sociedade para seu uso pessoal;
- as quantias assim retiradas eram substituídas por “vales de caixa”;
- quando decidiu assumir formalmente a dívida, que já era muito
elevada, foram para esse efeito formalizados dois empréstimos em
reuniões da assembleia geral da autora, um no valor de 112.000 € em
08/11/2004 e outro no valor de 40.000 € em 16/11/2006,
- tendo aquela declarado ter recebido da autora esses valores conforme
recibos que se juntam como doc. 10 e 11;

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- apenas foi paga parte da dívida à autora, continuando credora da


quantia de 135.762,63 € que deverá ser paga pela herança.

Apenas contestaram o 1º réu e a 2ª ré, separadamente, pugnando pela


improcedência da acção e invocando, em resumo:
- a sociedade não emprestou/não entregou qualquer quantia à sua mãe,
- sendo falsas as declarações constantes desses documentos 10 e 11;
- todo esse expediente foi um meio de regularização contabilística de
saídas não justificadas de dinheiro do caixa da sociedade.

Realizada a audiência final, foi proferida sentença que julgou a acção


improcedente, absolvendo os réus do pedido.

Inconformada, apelou a autora, vindo a Relação a proferir Acórdão,


no qual decidiu julgar procedente a apelação, “revogando-se a sentença
recorrida e condenando os apelados a reconhecerem o crédito da
apelante sobre a herança no valor de 135.762,63 € e a ser satisfeito
pelos bens da herança.”.

Inconformados, recorreram o Réu AA e a Ré BB, apresentando as


pertinentes alegações que rematam com as seguintes
CONCLUSÕES
I. DO RÉU AA
A. O presente processo é a decorrência do processo de Inventário por
óbito da Senhora D. DD, uma vez que, no âmbito daquele processo,
estando claro entre as Partes o facto de não terem sido realizados
quaisquer fluxos financeiros da Autora a favor da falecida DD em
virtude das deliberações de mútuo das Assembleias Geral de 8 de
Novembro de 2004 (ata n.º 20) e de 2 de Novembro de 2006 (ata n.º
26), o 1º e 2ª Réus nunca aceitaram que por detrás das referidas
deliberações de 2004 e 2006 tenha ocorrido um qualquer empréstimo
(ou formalização de empréstimo) da Autora à falecida DD;
B. E foi esta discórdia, no seio do processo de Inventário, que deu lugar
à presente ação intentada pela Autora com a “protecção” da própria 3ª
Ré;

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C. Face ao valor do acervo da herança deixada pela Senhora D. DD,


bastante inferior ao valor das supostas dívidas, o resultado para os
recorrentes é o de não receberem um tostão da herança – ou sejam
com esta manobra os recorrentes são, na prática, deserdados sem se ter
verificado uma das justificações presentes no artigo 2166.º do Código
Civil, verificando-se assim um verdadeiro caso de fraude à lei;
D. O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de que se recorre
padece de várias nulidades graves que tornam, de certa forma, a
decisão dificilmente apreensível, uma vez que os fundamentos do
Acórdão da Relação de Lisboa de que se recorre estão (i) em oposição
com a própria decisão, (ii) em contradição entre si ou (iii) verifica-se a
ausência de fundamentação de facto que suporte a decisão, pelo que a
decisão é nula por força da alínea c) do n.º do artigo 674.º que remete
para a alínea c) do n.º do artigo 615.º, ambos do Código do Processo
Civil;
E. 1ª Nulidade: Fazendo referência às deliberações melhor identificadas
em A. o Tribunal da Relação de Lisboa afirma que: “Além disso,
aquelas deliberações não espelham a realidade, pois é a própria
sociedade que esclarece que nenhuma quantia foi entregue à sócia
gerente na sequência e em execução delas” e que “É incontroverso que
em 10/11/2004 e 30/11/2006 não foram entregues à sócia gerente as
quantias de 112.000 € e 40.000 €.” (sublinhado e negrito nosso);
F. A Autora também refere que nenhuma quantia foi entregue pela
Autora em execução das deliberações de 2004 e 2006, tratando-se as
deliberações de formalizações em virtude do alegado facto da Senhora
D. DD ter já recebido tais quantias na sequência de vários
levantamentos realizados no caixa da sociedade Autora;
G. Esta realidade invocada pela Autora está espelhada no facto b) do
elenco dos factos não provados: “Que, ao longo dos anos em que a
falecida DD geriu a Autora, aquela procedesse, com regularidade e até
2006, a levantamentos e/ou utilização de montantes existentes na caixa
da sociedade para uso pessoal, que só parcialmente reembolsou,
faltando reembolsar a quantia de € 135.762,63.”;
H. No entanto, o facto de o Tribunal da Relação ter dado como provado
que a Senhora D. DD apôs pelo seu punho a sua assinatura nos
documentos “recibos” juntos na Petição Inicial como Doc. 10 e 11 não
pode ter o efeito de dar como provado – por não corresponder à
letra da declaração – que os putativos empréstimos tenham sido
recebidos nas condições referidas especificamente no facto não
provado constante da alínea b) (cf. G.);
I. Pelo que, se resulta evidente que a Senhora D. DD não recebeu
qualquer quantia em execução das referidas deliberações, então o
Tribunal a quo teria de dar como provado o facto b) dos factos não
provados;

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J. No entanto, o Tribunal não só não considerou tal facto provado como


refere expressamente que quanto à alínea b), inexiste confissão, pelo
que se decide manter como não provada essa factualidade;
K. Ora, esta afirmação está absolutamente correcta, mas, no entanto,
está em contradição com a decisão que afirma que as declarações
contidas nos recibos são confissões de dívida que fazem prova plena,
pois das duas uma: ou a falecida DD receberia as quantias em virtude
das deliberações – caso em que o Tribunal a quo confirmou que não
aconteceu – ou a falecida DD receberia as referias quantias em virtude
dos vários levantamentos ocorridos até 2006 – facto que o Tribunal a
quo deu como não provado;
L. Afinal de contas onde se “encontra” o facto jurídico constitutivo da
alegada dívida de DD?;
M. 2ª Nulidade. O Tribunal de 1º instância deu como não provado o
facto a) que dispõe o seguinte: a) Que a Autora tivesse entregado a DD
as quantias de € 112.000,00 e de € 40.000,00 referidas,
respectivamente, em 7 e 8 dos factos provados;
N. Com efeito, na sua fundamentação, e confirmando o entendimento
da 1ª Instância, o Acórdão de que se recorre refere mesmo que: “Além
disso, aquelas deliberações não espelham a realidade” cf. resulta
melhor do vertido na alínea E.;
O. Não obstante tais asserções, o mesmo Tribunal decide “eliminar a
alínea a) do ponto «IV - Factos não provados» da sentença
recorrida”;
P. É que retirar o facto a) do ponto «IV - Factos não provados» da
sentença recorrida» é absolutamente contraditório com a
afirmação de que os mútuos a que se refere o facto a) inexistiram;
Q. Se inexistiram os mútuos então está não provado o facto a) – pois
este “facto” afirma que os mútuos existiram – e, se assim é, este não
pode ser retirado do elenco dos factos não provados;
R. Ademais, apesar do Tribunal a quo referir que as deliberações de
concessão de mútuo “não espelham a realidade” por ser
“incontroverso” que as quantias referidas nas deliberações não foram
entregues à sócia gerente, o mesmo Tribunal refere ainda assim que “à
data da deliberação de 08/11/2004 o contrato de mútuo de valor
superior a 20.000 € só era válido se fosse celebrado por escritura
pública (cfr art. 1143º na redacção do DL 343/98 de 06/11)” (etc.) e,
como tal, por existir inobservância da forma legal, “a nulidade tem
como consequência a obrigação de restituição de tudo o que tiver sido
prestado”;
S. Ora, salvo o devido respeito, que é muito, esta passagem do Acórdão
é contraditória relativamente à anterior afirmação de que os mútuos
deliberados em 08/11/2004 e 16/11/2006 são inexistentes – não

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“espelham a realidade” –, por não se ter verificada a traditio da quantia


mutuada;
T. Assim, não há sustentação factual nem jurídica para se
mencionar a restituição de tudo o que tiver sido prestado, em razão
da nulidade provocada pela falta de forma (escritura pública) –
quando é o próprio Tribunal que refere que os mútuos, em
resultado das referidas deliberações, inexistem!
U. Fica assim patente a contradição entre os fundamentos invocados,
bem como a oposição entre os fundamentos e a decisão de retirar o
facto a) do elenco dos factos não provados;
V. 3ª Nulidade: Consta do douto Acórdão a quo o seguinte: “Portanto,
para poderem aproveitar-se da confissão da apelante de que nenhum
dinheiro entregou a DD em execução das deliberações, teriam os
apelados de aceitar como verdadeiro que as deliberações foram
tomadas nas referidas circunstâncias. Só assim não seria se os
apelados provassem que tal não é verdade, ou seja, que DD não era
devedora de tais quantias e por isso inexistia razão para as
deliberações. Mas da ponderação dos documentos e depoimentos das
testemunhas não é evidente que DD não ficou devedora da sociedade
por ter utilizado dinheiro desta para fins pessoais num total de 152.000
€.”;
W. Em V. o Tribunal da Relação de Lisboa “dá a entender” que ocorreu
uma aceitação da confissão por parte do Réu AA: mas não refere nunca
de onde resulta a referida aceitação da invocada confissão judicial da
Autora, que, efetivamente, nunca ocorreu;
X. Não resulta, em nenhum lado, a existência de uma aceitação de
confissão – que resultasse, por exemplo, dos articulados iniciais, da
fase de produção de prova em julgamento ou da frase de recurso –, o
que determina que o mesmo carece de fundamentação, porque não foi
indicado o facto “processual” subjacente a tal putativa aceitação da
confissão;
Y. Por estas razões que se acabam de elencar o Acórdão de que recorre
é nulo;
Z. Impugnação da Matéria de Direito | Da Confissão Judicial da
Autora: – Entende o Tribunal que a Autora fez uma “confissão judicial
complexa” e que os 1.º e 2.ª Réus terão aceitado o facto que lhe é
favorável (desfavorável à Autora);
AA. Esse facto desfavorável consubstanciava-se na invocação pela
Autora de que não ocorreu qualquer fluxo financeiro da Autora para a
Senhora D. DD respeitante às deliberações de 2004 e 2006 e respetivos
recibos com declaração do recebimento dos valores nas atas indicados;
BB. E, em virtude dessa aceitação e por se tratar de uma “confissão
complexa” (artigo 360.º do Código Civil), terão também os mesmos
Réus aceitado os factos que, na confissão, são favoráveis à Autora – ou
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seja “que as deliberações a que os recibos respeitam destinaram-se a


regularizar contabilisticamente as dívidas daquela para com a
sociedade”;
CC. Com efeito, o Tribunal a quo não identificou, no âmbito do
processo, uma qualquer demonstração de aceitação pelos 1.º e 2.ª Réus
da confissão da Autora, sendo certo que, efetivamente, os referidos
Réus não aceitaram tal confissão de facto “desfavorável” – o que desde
já justifica a nulidade do Acórdão, conforme se viu;
DD. A propósito veja-se o que refere o Acórdão do Supremo Tribunal
de Justiça, processo n.º 472/15.9T8VRL.G1.S1, datado de 16-06-2018,
sobre a forma como se deve proceder à aceitação da confissão da
contraparte: “a contraparte tem que fazer menção concreta,
individualizada, do facto que aceita, não bastando, para esse efeito,
aceitação genérica” (…) “A aceitação tem de ser expressa, tem que
ser feita conhecer no processo, pois que somente o que é expresso é
que pode possuir especificação” (…);
EE. Ou seja: para haver aceitação de uma confissão tem de haver uma
declaração, expressa e inequívoca, da vontade de se aproveitar de
determinado facto confessado – o que não aconteceu no presente
processo: não só não houve declaração de aceitação, como nenhum dos
Réus tirou proveito de tal alegação da Autora;
FF. E a realidade é que os referidos Réus já haviam demonstrado e
provado – por si e sem auxílio da Autora – que inexistiram quantias
mutuadas em resultado das deliberações de 2004 e 2006, pelo que o
Réu não tirou absolutamente nenhum proveito processual de tal
putativa confissão;
GG. Para além do mais, o facto que se deu a conhecer com a
putativa confissão já era do conhecimento do Réu AA antes mesmo
da propositura da presente acção – aliás foi precisamente por não
se ter achado na contabilidade da Autora a traditio da coisa
mutuada que os ora herdeiros nunca reconheceram, em sede de
inventário, a putativa dívida e, foi, aliás, por essa mesma razão que
a Autora intentou a presente acção, pedindo que os Réus
(herdeiros) reconheçam a putativa dívida!;
HH. Tanto assim é que o Réu AA refere na sua Contestação – artigo 81
–– Também a Senhora Dra. EE, revisora oficial de contas elaborou, a
pedido do réu AA, um relatório de análise às contas da sociedade
junto ao processo de inventário, do qual resulta também a conclusão
que tais pagamentos – de distribuições de resultados e empréstimos –
não ocorreram – doc. 13.”;
II. Ora, o referido relatório na posse do 1ª Réu – datado de 20 de
Dezembro de 2012 –, junto neste processo, assinado pela Sociedade
J……. & Associados, SROC LDA.., denominado “Análise Às Contas”
2002 a 2011, confirma essa mesma realidade, ou seja, que não existiu
qualquer exfluxo financeiro da Autora para a Senhora D. DD;
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JJ. Com efeito, a Sentença da 1º instância, na sua fundamentação, para


justificar a razão pela qual dá por não provado o facto de que nenhuma
quantia foi entregue pela Autora à falecida Senhora D. DD na
sequência e em execução dessas deliberações de 2004 e 2006 (facto
não provado a)), serve-se da prova produzida nesse sentido pelo Réu
AA;
KK. Pelo que é por de mais evidente que não se pode falar de aceitação
de uma qualquer confissão da Autora: em primeiro lugar, porque essa
putativa confissão jamais foi aceite, em segundo lugar, porque nem
sequer essa poderia alguma fez beneficiar o Réu AA;
LL. Como tal, ao contrário do que indica o Tribunal a quo, não se
verificou qualquer inversão do ónus da prova relativamente aos factos
que acompanhavam a confissão e, como tal, não cabia ao Réu provar
que DD não ficou devedora da sociedade por ter utilizado dinheiro
desta para fins pessoais num total de 152.000 € – embora, de resto,
esse facto tivesse sido dado como não provado (facto b) dos factos não
provados), pelo que o resultado é o mesmo;
MM. Não havendo inversão do ónus da prova, caberia sim à Autora
provar a alínea b) dos factos não provados que referia que ao longo dos
anos em que a falecida DD geriu a Autora, aquela procedesse, com
regularidade e até 2006, a levantamentos e/ou utilização de montantes
existentes na caixa da sociedade para uso pessoal, que só parcialmente
reembolsou, faltando reembolsar a quantia de € 135.762,63;
NN. O que, apesar de estar onerada com essa prova, não se verificou de
forma alguma, na medida em que nem sequer foram invocados indícios
de prova, como bem indicou o Tribunal da 1º Instância e o Tribunal a
quo, dado que o facto foi – e bem – dado como não provado, o que já
foi confirmado pelo Tribunal da Relação;
OO. Em conclusão, não podem os 1.º e 2.ª Réus serem condenados a
reconhecer uma dívida em virtude de se ter “provado plenamente”
determinados factos que a Relação de Lisboa disse estarem provados,
visto que tal decisão do Tribunal a quo é manifestamente errada por
não estar sequer sustentada na actividade processual dos Réus e por
violar deliberadamente o princípio que dispõe que àquele que invocar
um direito cabe fazer a prova dos factos constitutivos do direito
alegado (artigo 342.º do Código Civil), sendo certo que o próprio facto
que o Tribunal a quo diz ter sido confessado foi ainda assim dado como
não provado;
PP. Ainda que se entenda que existiu confissão – e a respectiva
aceitação –, o que não se concede de forma alguma, sempre se dirá o
seguinte;
QQ. O princípio da indivisibilidade da confissão, vertido no artigo
360.º do Código Civil, aplica-se aos casos em que um confessor
confessa um facto desfavorável, mas que na mesma confissão faz
acompanhar outros factos ou circunstâncias que lhe são favoráveis;
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RR. Ora, o artigo em análise refere apenas que a parte que dela
(confissão) quiser aproveitar-se como prova plena tem de aceitar
também como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias, salvo se
provar a sua inexactidão;
SS. Os 1.º e 2.ª Réus sempre impugnaram a factualidade que
acompanhava a putativa confissão, pois nunca aceitaram a existência de
levantamentos do caixa da sociedade e ainda mais que esses
inexistentes levantamentos eram empréstimos da sociedade à falecida
Senhora D. DD;
TT. Por isso, o Réu não só produziu prova no sentido da inexactidão
dos factos que acompanham a confissão, como logrou provar que esses
factos não se verificaram;
UU. Tanto assim é que o Tribunal da 1º Instância – bem como a
Relação – deram como não provado “Que, ao longo dos anos em que a
falecida DD geriu a Autora, aquela procedesse, com regularidade e até
2006, a levantamentos e/ou utilização de montantes existentes na caixa
da sociedade para uso pessoal, que só parcialmente reembolsou,
faltando reembolsar a quantia de € 135.762,63”;
VV. Sendo estas as tais circunstâncias que acompanhavam o facto
“confessado”, também não se pode verifica qualquer “prova plena” de
um facto que afinal foi dado como não provado, pelo que o Tribunal a
quo violou o artigo 360.º do Código Civil ao descorar precisamente o
facto do 1º e 2ª Réus terem provado a inexactidão dos factos que
acompanhavam a putativa “confissão aceite” – isso caso se entenda que
existiu uma qualquer aceitação de confissão, que como vimos não
existiu;
WW. Pelo que andou mal o Tribunal da Relação de Lisboa ao referir
que “Para poderem aproveitar-se da confissão da apelante de que
nenhum dinheiro entregou a DD em execução das deliberações, teriam
os apelados de aceitar como verdadeiro que as deliberações foram
tomadas nas referidas circunstâncias. Só assim não seria se os
apelados que tal não é verdade, ou seja, que DD não era devedora de
tais quantias e por isso inexistia razão para as deliberações. Mas da
ponderação dos documentos e depoimentos das testemunhas não é
evidente que DD não ficou devedora da sociedade por ter utilizado
dinheiro desta para fins pessoais num total de 152.000 €.”;
XX. É que independentemente da parte a quem impendia o ónus de
provar que a Senhora D. DD não levantou quaisquer montantes
existentes na caixa da sociedade para uso pessoal, a verdade é que
tal facto foi dado como não provado e, por maioria de razão,
também não pode ser agora dado como provado, apenas porque se
considerava que era ao Réu que caberia provar a referida
inexistência de levantamentos, sendo certo que – pasme-se – a
Relação manteve este facto como não provado;

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YY. Da Confissão de Dívida vertida nos Recibos de Quitação: Consta


da fundamentação do Tribunal a quo o seguinte: “II - Os recibos
assinados pela sócia contendo a declaração de que recebeu da
sociedade as quantias ali indicadas como empréstimo de acordo com
as deliberações dos sócios constituem declarações confessórias de
dívida com força probatória plena.III - A prova legal plena só pode ser
contrariada por meio de prova que mostre não ser verdadeiro o facto
que dela for objecto. (…) Por isso, cada recibo não é um negócio
jurídico unilateral de reconhecimento de dívida, mas sim, confissão de
dívida resultante do recebimento do dinheiro por empréstimo conforme
deliberado pelos sócios;
ZZ. São mencionados os artigos 358.º, n.º 2 e 347.º do Código Civil;
AAA. Ora, salvo o devido respeito, não se compreende que, perante a
factualidade provada, se possa alcançar tais conclusões de direito;
BBB. Dispõe o artigo 1142.º do CC que Mútuo é o contrato pelo qual
uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível,
ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e
qualidade;
CCC. Ora, como se vê, um contrato de mútuo só tem existência na
ordem jurídica se se verificar a entrega da coisa mutuada;
DDD. No presente caso, como já se viu e ficou provado, é
incontroverso que das deliberações de conceção de mútuo da Autora
em favor da falecida Senhora D. DD não se verificou qualquer entrega
da coisa mutuada;
EEE. Os putativos mútuos são assim nulos por falta de objecto, nos
termos do artigo 280.º do Código Civil, porque a coisa não foi
mutuada;
FFF. Ora, se assim é, ou seja, se inexiste o mútuo que é a causa de pedir
da Autora, então os pretensos recibos de quitação – que remetem
precisamente para um mútuo que inexiste na ordem jurídica e que
referem expressamente que se recebeu determinada quantia em virtude
de um mútuo que não existiu – de nada valem, pois as declarações
neles vertidos não são verdadeiras;
GGG. Os mútuos deliberados são também nulos por simulados, e
também por isso a suposta “confissão de dívida” da Senhora D. DD de
nada vale;
HHH. Dispõe o artigo 240.º do Código Civil que se, por acordo entre
declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver
divergência entre a declaração negocial e a vontade real do
declarante, o negócio diz-se simulado;
III. Como bem se refere no douto Acórdão a quo, “além disso, aquelas
deliberações não espelham a realidade, pois é a própria sociedade que

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esclarece que nenhuma quantia foi entregue à sócia gerente na


sequência e em execução delas”;
JJJ. Portanto, os “recibos de quitação” – que o Tribunal da Relação
afirma tratar-se de confissão de dívida resultante do recebimento do
dinheiro por empréstimo conforme deliberado pelos sócios – onde a
sua autora afirma ter recebido determinadas quantias contêm
declarações simuladas (não são verdadeiras);
KKK. Ora, de acordo com a alínea c) do artigo 354.º do Código
Civil a confissão não faz prova contra o confitente se o facto
confessado for notoriamente inexistente;
LLL. Portanto, dúvidas não restam que os “recibos”, por si só, não
podem fazer prova de factos que inexistiram, pelo que se impugna a
decisão do Tribunal da Relação de Lisboa;
MMM. Não obstante a clarividência da argumentação até aqui exposta,
refere o Tribunal a quo que a própria Autora refere que DD já tinha
recebido tais quantias e que as deliberações a que os recibos respeitam
destinaram-se a regularizar contabilisticamente as dívidas daquela
para com a sociedade. Foi essa também a explicação dada pela
testemunha FF;
NNN. Ora, salvo melhor opinião, os recibos de quitação passados pela
falecida DD também não podem, em caso algum, provar uma realidade
substancialmente diferente de a que é relatada nos próprios recibos –
aliás realidade diferente apenas invocada pela parte interessada Autora;
OOO. Este entendimento do Tribunal da Relação de Lisboa, que afirma
que afinal a confissão da falecida Senhora D. DD se reporta a factos
que não constam na referida putativa “declaração confessória”, uma
vez que, apesar de não ter a mínima correspondência com a
declaração da autora DD, ainda assim se reportariam a anteriores
dívidas contraídas pela mesma, não colhe por diversas razões;
PPP. Não colhe porque, de acordo com n.º 1 do artigo 376.º do Código
Civil, o documento particular cuja autoria seja reconhecida nos termos
dos artigos antecedentes faz prova plena quanto às declarações
atribuídas ao seu autor, sem prejuízo da arguição e prova da falsidade
do documento e, de acordo com o n.º 2 do artigo 376.º do Código Civil,
os factos compreendidos na declaração consideram-se provados na
medida em que forem contrários aos interesses do declarante, sendo a
declaração indivisível;
QQQ. Ou seja: só se consideram provados os factos prejudiciais que
estejam compreendidos na declaração atribuída ao autor;
RRR. Entenda-se: ao autor da declaração, neste caso DD;
SSS. E o que está compreendido na declaração da falecida Senhora D.
DD vertida nos recibos de quitação é que a mesma é devedora – por ter

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recebido de empréstimo – das quantias concedidas em virtude de


determinadas deliberações da Assembleia Geral da ora Autora;
TTT. O que consta na putativa declaração confessória é apenas isso;
UUU. Não consta, nem nunca constará, da referida declaração que a
falecida DD é devedora perante a Autora, em virtude de ter levantado
diversas quantias do caixa da sociedade até ao ano de 2006! – aliás é o
próprio Tribunal da Relação que nesse ponto refere que inexiste
confissão…;
VVV. E, relembre-se, não interessa o que a Autora tenha
“confessado”/interpretado a seu favor vários anos após os simulados
documentos terem sido assinados por uma terceira pessoa, importa
apenas saber o que “confessou” a autora da declaração, DD, na data em
que assinou a sua declaração;
WWW. Pelo que não há qualquer prova plena que possa resultar de
uma confissão que versa sobre factos que não ocorreram!;
XXX. É que são os próprios recibos de quitação que referem que
“Recebi do Externato O Lar da Criança, Lda, (…), como empréstimo, a
quantia de € 112.000,00 (Cento e doze mil euros), de acordo com o
deliberado na Acta nº 20, de 8/11/2004»”.
YYY. E o que foi deliberado foi a concessão de um mútuo que afinal
inexiste…;
ZZZ. Veja-se o Acórdão supremo Tribunal de Justiça, processo n.º
08A3665, datado de 09-12-2008: “A força probatória do documento
particular circunscreve-se no âmbito das declarações (de ciência ou
de vontade) que nela constam como feitas pelo respectivo subscritor”;
AAAA. Daqui se conclui que os forjados “recibos de quitação” estão
dependentes do facto jurídico constitutivo que são os concretos
“mútuos” concedido em 2004 e 2006 pela sociedade. Mas esses
mútuos, está visto, não se consumaram;
BBBB. Aliás, sendo nulo o mútuo por falta de objecto (artigo 280.º do
Código Civil), ou seja, por não se ter consumado o mútuo,
irremediavelmente está prejudicada a putativa confissão de dívida da
falecida D. Senhora D. DD;
CCCC. Aliás, a força probatória plena que poderia emergir da
declaração confessória da falecida Senhora D. DD é abalada pelo
reconhecimento, pela própria “mutuante”, logo na Petição Inicial, de
uma realidade factual substancialmente diversa da que resultava do teor
das deliberações e do teor dos recibos de quitação;
DDDD. Em bom rigor, a Autora despreza o conteúdo das deliberações
e dos recibos de quitação, na medida em que alicerça a sua pretensão
nos alegados e não demonstrados “sucessivos empréstimos” de que
desconhecemos o valor ou quaisquer outras circunstâncias;

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EEEE. E a verdade é que a própria Autora não conseguiu sequer provar


apenas um levantamento do caixa da sociedade e, como ficou patente, a
contabilidade da sociedade nunca reflectiu qualquer divida (antes de
2006) que pudesse existir na conta corrente da falecida sócia Senhora
D. DD, nem tampouco os “vales de caixa” que a Autora afirma terem
existido foram levados ao processo;
FFFF. A este propósito veja-se o seguinte Acórdão do Supremo
Tribunal de Justiça, processo n.º 6933/04.8YYLSB-C.L1.S1, datado de
12-01-2012: 2. Reconhecido pelo credor, nos articulados, que certa
escritura, aparentemente constitutiva de um mútuo, continha afinal um
mero acto recognitivo das dívidas emergentes de anteriores e informais
empréstimos, consubstanciados em documentos particulares juntos e
logo impugnados pela contraparte - e que serão, desde logo, nulos na
medida em que não hajam respeitado as exigências de forma
impostas pelo art.1143º do CC – incumbe-lhe fazer prova da autoria e
genuinidade de tais documentos e de que na base deles esteve a
efectiva entrega ao mutuário das quantias pecuniárias neles
mencionadas;
GGGG. Assim, confessado pela Autora, e provado pelos 1.º e 2.ª Réus,
que o facto constitutivo do empréstimo invocado não era, afinal, os
actos expressamente documentados pelas deliberações e “recibos de
quitação”, mas antes outros e anteriores negócios jurídicos, não
provados, de nada serve a declaração confessória, pois invoca um facto
jurídico que inexiste;
HHHH. Caberia então à Autora provar o facto b) dado como não
provado, ou seja, provar que, ao longo dos anos em que a falecida DD
geriu a Autora, aquela procedesse, com regularidade e até 2006, a
levantamentos e/ou utilização de montantes existentes na caixa da
sociedade para uso pessoal, que só parcialmente reembolsou, faltando
reembolsar a quantia de € 135.762,63 – o que não foi feito!
IIII. Mais, destes anteriores a empréstimos de alegados
levantamentos do caixa da sociedade por parte da Senhora D. DD
inexiste qualquer confissão de dívida! – como bem refere o
Tribunal a quo na penúltima página do Acórdão.
JJJJ. Aliás, mais uma vez em termos contraditórios, no Acórdão de que
se recorre afirma-se que “por isso, cada recibo não é um negócio
jurídico unilateral de reconhecimento de dívida, mas sim, confissão de
dívida resultante do recebimento do dinheiro por empréstimo
conforme deliberado pelos sócios”, ou seja, conforme a deliberação
dos sócios e não conforme qualquer outra factualidade neste processo
invocada pela Autora;
KKKK. Pelo que, ao entender-se que os recibos de quitação assinados
pela Senhora D. DD fazem prova plena de que recebeu determinadas
quantias, estar-se-ia a fazer uma muitíssima errada e desadequada
interpretação do artigo 376.º do Código Civil;
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LLLL. Ainda que assim não se considere, e se entenda que, face aos
argumentos até aqui expostos, os “recibos de quitação” fazem prova
plena contra o Réu AA e a 2ª Ré, o que não se concede de forma
alguma, sempre se dirá o seguinte:
MMMM. De acordo com o artigo 242.º do Código Civil a nulidade da
simulação pode também ser invocada pelos herdeiros legitimários que
pretendam agir em vida do autor da sucessão contra os negócios por
ele simuladamente feitos com o intuito de os prejudicar.
NNNN. De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal,
processo n.º 2964/05.9TBSTS.P1.S1, datado de 04-05-2010: “Isto
significa que, mesmo após a abertura da herança, têm, obviamente, os
herdeiros legitimários, legitimidade para invocar a nulidade de
negócios simulados que se traduzam em prejuízo da respectiva
legítima, ainda que não com esse intuito. (…)
Observa Carvalho Fernandes: (…) Mas não é de excluir, embora seja
corrente colocar os herdeiros na mesma posição do simulador poderem
eles ser tratados como terceiros, enquanto visam satisfazer interesses
específicos da sua posição de herdeiros que seriam afectados pela
subsistência da simulação, particularmente sendo essa a situação dos
herdeiros legitimários quanto está em causa a defesa da sua legítima”
(sublinhado e negrito nosso);
OOOO. Ora, como decorre das observações de Carvalho Fernandes, os
1.º e 2.ª Réus, deverão ser considerados terceiros em relação à
simulação perpetrada com as supostas “confissões de dívida”, uma
vez que, com esta demanda da Autora – e como já ficou bem explicado
na introdução a este recurso – este acordo simulatório tem a
virtuosidade de, na prática, deserdar os 1.º e 2.ª Réus;
PPPP. O facto de os 1.º e 2.ª Réus serem considerados terceiros em
relação ao pacto simulatório referente às putativas “confissões de
dívida”, significa também que as mesmas “confissões de dívida” não
podem ser invocadas como provas plenas pelo Tribunal a quo, uma vez
que a prova plena só pode ser invocada pelo declaratário contra o
declarante;
QQQQ. Neste sentido veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça, processo n.º 04B2302, datado de 13-07-2004: “I- O documento
particular, ainda que reconhecida a sua autoria, só pode ser invocado
como prova plena pelo declaratário contra o declarante. II- Nas
relações com terceiros a declaração constante do documento
particular, apenas vale como elemento de prova a apreciar livremente
pelo tribunal.”;
RRRR. Assim sendo, já não se aplicam ao presente caso o n.º 2 do
artigo 358.º nem o n.º
1 e 2 do artigo 376.º ambos do Código Civil, não existindo, portanto,
prova plena face à invocação de uma putativa “confissão de

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dívida”;
SSSS. Pelos referidos motivos, caberia à Autora o ónus de provar que
foram realizados por DD levantamentos do caixa a título de
empréstimos, o que não foi feito – pois este facto b) do elenco dos
factos não provados foi dado como não provado;
TTTT. Por conseguinte, tendo presente as regras do ónus da prova,
previsto no artigo 342.º do Código Civil, ficou claro que a Autora não
logrou provar a existência de um direito de crédito que alegou: pelo
contrário, a Autora reforçou que os mútuos deliberados em 2004 e 2006
eram nulos por simulados (são apenas uma ficção) e também não
logrou provar quaisquer levantamentos feitos pela falecida Senhora D.
DD junto do caixa da sociedade.

Nestes termos, deverá ser o presente recurso de revista julgado


totalmente procedente, por provado, devendo, como tal, ser o Acórdão
de Relação de Lisboa revogado e substituído por outro que julgue a
ação totalmente improcedente, por não provado o direito alegado pela
Autora, fazendo-se a necessária
JUSTIÇA!!

II. DA RÉ BB
A. O acórdão recorrido reconhece que é incontroverso que os factos a
que se reportam as actas e os recibos de Novembro de 2004 e de
Novembro de 2006 – empréstimos e subsequentes entregas em dinheiro
– não ocorreram, como a Autora confessa.
B. Todavia, ao abrigo de uma singular interpretação efectuada ao
regime do art. 360.º do CC, o acórdão conclui que os RR. não se podem
aproveitar dessa declaração confessória, razão pela qual são
condenados a pagar as quantias que DD declarou ter recebido em
10/11/2004 e em 30/11/2006, mas que o Tribunal sabe que é
incontroverso que não recebeu, nos termos que os recibos atestam.
C. Quando o formalismo jurídico conduz a uma conclusão tão absurda,
é porque o silogismo judiciário perverteu o sentido da lógica, do bom
senso e da justiça, o que não pode ser aceite e mantido.
D. Em primeiro lugar, o artigo 360.º do CC não é aplicável ao caso dos
autos, porque a conclusão de que é incontroverso que DD não recebeu
as quantias tituladas pelos recibos em apreço não resulta só da
declaração confessória, mas também da avaliação da restante prova
efectuada pelo Tribunal, designadamente as ilações que retirou acerca
da inexistência (sem justificação) de vales de caixa, do teor das actas,
das declarações do TOC da empresa e do relatório do ROC, tudo como

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consta do excerto do acórdão supra transcrito, devidamente sublinhado


na parte mais relevante.
E. Em segundo lugar, porque, mesmo que só tivéssemos a declaração
confessória – e não é verdade que assim seja –, a indivisibilidade da
confissão não existiria no caso dos autos, uma vez que foi a própria A.
que se propôs fazer a prova da verdadeira origem da suposta dívida de
DD, o que não logrou fazer.
F. Em terceiro lugar, porque mesmo que desconsiderássemos a
declaração confessória, a verdade é que nunca se poderia condenar os
RR. com base no argumento de que as declarações contidas nos recibos
subscritos por DD são, por si, confissões de dívida que fariam prova
plena, porque, nos termos do art. 354.º, c), do CC, tais confissões nunca
poderiam fazer prova contra a confitente, uma vez que os factos
confessados são notoriamente inexistentes, como a própria Relação
reconhece.
G. Em quarto lugar, e em termos incontornáveis, porque, reconhecido
como está, pelo Tribunal da Relação, que os contratos de mútuo
reportados pelas actas de 10/11/2004 e de 30/11/2006 são nulos, os
quais só seriam válidos se tivessem sido celebrados por escritura
pública – nulidade que a Relação declarou oficiosamente –, nunca se
poderia seguir a conclusão de que caberia aos RR. a obrigação de
restituir tudo o que tivesse sido prestado, em decorrência do regime do
art. 289.º, n.º 1, do CC, uma vez que não está feita a prova de que as
quantias mencionadas nos recibos foram alguma vez recebidas por DD.
H. É que tais recibos não valem como confissão do recebimento das
quantias em apreço, não havendo prova válida de que tais quantias
tenham sido recebidas, como resulta do art. 364.º, do CC.
I. Aplicando esse regime do art. 364.º do CC ao caso dos autos, é
evidente que a suposta confissão constante dos recibos – a qual se
reporta a supostos contratos de mútuo que teriam sido celebrados em
assembleias gerais – não pode servir para prova de que as quantias
mutuadas foram recebidas, uma vez que essa confissão teria de constar
de documento com força probatória igual ou superior ao da escritura
pública exigida para aquela declaração negocial, o que, como é sabido,
não se verifica.
J. Finalmente, no contexto dos autos – em que é incontroverso que: i)
os empréstimos não tiveram lugar e que as quantias não foram pagas a
DD nos termos constantes dos recibos em apreço; ii) a Autora não
logrou provar que, ao longo dos anos, a falecida DD tivesse procedido
a levantamentos ou utilizações de montantes existentes na caixa da
sociedade para uso pessoal; iii) nenhum vale de caixa foi junto aos
autos, nem a Autora deu justificação para não o fazer, não tendo sido
discriminadas as quantias que alegadamente teriam sido retiradas da
caixa –, viola os ditames da boa-fé que a Autora se venha prevalecer de
uns recibos que ela bem sabe que não reportam factualidade verdadeira
para ver satisfeito um crédito que ela sabe não existir, pelo que esse
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exercício sempre consubstanciaria uma situação de abuso de direito,


nos termos do art. 334.º, do CC, razão pela qual o pedido sempre
deveria improceder com esse fundamento.
K. Pelo exposto, o acórdão recorrido aplicou erroneamente à situação
dos autos os artigos 360.º, 289.º e 342.º do CC, não aplicando ainda,
como devia, o regime dos artigos 354.º, al. c), 364.º e 334.º do CC, nos
termos supra expostos, razão pela qual deve ser revogado,
repristinando-se a sentença da 1.ª instância que absolveu os RR..

Termos em que o recurso merece provimento, revogando-se o acórdão


da Relação e repristinando-se a sentença de absolvição da 1.ª instância,
com as legais consequências.
Contra-alegou o EXTERNATO O LAR DA CRIANÇA, LDA.,
Autora/Recorrida.
Conclusos os autos, foram os mesmos à conferência para apreciação
das nulidades arguidas pelo recorrente AA, ali se decidindo pela sua
não verificação, mantendo-se o acórdão nos seus precisos termos.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – Delimitação do objecto do recurso


Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é
estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo
daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas
disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e
639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), as questões a
suscitadas nas revistas são:

A. REVISTA INTERPOSTA PELO RÉU AA


1ª - Nulidades da sentença, por: 1. oposição entre os fundamentos e a
decisão; 2. contradição entre os próprios fundamentos do acórdão; 3.
ausência de fundamentação factual que suporte a decisão.
2.ª – Se não houve aceitação pelos réus do facto que na confissão da
Autora lhe é (à Autora) favorável e desfavorável aos Réus (“que as
deliberações a que os recibos respeitam destinaram-se a regularizar
contabilisticamente as dívidas daquela para com a sociedade”).
3ª – Se não cabia ao réu a prova da factualidade aludida na al. b) dos
factos não provados.

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4ª – Se não tem aqui aplicação o princípio da indivisibilidade da


confissão, por não se poder verificar qualquer “prova plena” de um
facto que foi dado como não provado, e, sendo assim, se foi violado o
artº 360º do CC.
5ª- Se os deliberados mútuos são nulos por falta de objecto e se, como
tal, de nada valem os pretensos recibos de quitação (a confissão de
dívida ali plasmada).
6ª – Se os deliberados mútuos são simulados e, também por isso, a
“confissão de dívida” constante dos “recibos” assinados pela DD nada
prova.  
7ª - Se os 1º e 2º RR são terceiros em relação a tal simulação das
“confissões de dívida” e, sendo-o, se tais “confissões de dívida” não
podem ser invocadas como prova plena contra eles.
8ª- Se os recibos de quitação passados pela DD não podem provar ou
reportar-se a uma realidade diferente de que neles é relatada – ou seja,
se a força probatória de tais documentos (recibos) tem de se
circunscrever no âmbito das declarações que neles constam como feitos
pelo respectivo subscritor, tendo o tribunal recorrido, feito errada
interpretação e aplicação do artº 376º do CC.
9ª – Se, caso os “recibos de quitação” assinados pela DD se reportem a
empréstimos diferentes dos mencionados nas “actas” neles aludidas,
incumbe ao credor (à Autora) provar que na base deles esteve a efectiva
entrega àquela mutuária de tais quantias pecuniárias.
10ª – Se, atento o referido nas anteriores questões, não se aplicam ao
presente caso o n.º 2 do artigo 358.º e o n.º 1 e 2 do artigo 376.º, ambos
do Código Civil.

B. REVISTA INTERPOSTA PELA RÉ BB


1ª.   Se não tem aplicação ao caso dos autos do regime do artigo 360.º
do Código Civil;
2ª. Inexistência da indivisibilidade da confissão;
3ª.  Inexistência de confissão de dívida por parte da DD, por aplicação
do regime do artigo 354.º, alínea c), do Código Civil;
4ª.   Nulidade dos mútuos reportados pelas actas de 10.11.2004 e de
30.11.2006, não podendo o tribunal a quo ter concluído que os
Recorridos teriam de devolver à Recorrida, ao abrigo do disposto no
artigo 289.º, n.º 1, do Código Civil, qualquer quantia.
5ª. Se os recibos assinados pela BB não valem como confissão de
dívida.
6ª. Se a Autora, ao vir prevalecer-se dos recibos assinados pela BB,
actua em abuso de direito.
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**

III – FUNDAMENTAÇÃO

III. 1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA E NÃO PROVADA


A) Factos dados como provados na sentença recorrida:
1. No dia 5 de Outubro de 2011, faleceu, na freguesia ..., concelho …,
DD, no estado de viúva, natural da freguesia ..., concelho…, com
última residência habitual na Rua …, n.º …, …,  …, ….
2. A falecida foi casada, no regime da separação de bens, com GG, pré-
falecido.
3. Os RR. são filhos de DD e de GG.
4. A falecida deixou testamento nos termos que constam do documento
junto de fls. 12v a 14, testamento esse do qual consta:
“(…) Nomeia testamenteiro o Senhor D. HH, (…) para os fins previstos
na alínea b) do artigo 2326º do Código Civil e ainda para os demais
especificamente referidos (…)
Nomeia igualmente testamenteira, mas para os fins previstos na alínea
a) e c) do artigo 2326º do C. Civil, que ao primeiro não competirão, a
sua filha CC, sem retribuição (…)”.
5. Por Procedimento Simplificado de Habilitação de Herdeiros lavrado
em 15 de Dezembro de 2011, na Conservatória do Registo Civil ...,
foram habilitados como herdeiros de DD os RR., que aceitaram a
herança da mesma.
6. A Autora tem como objecto a exploração de um colégio com
externato.
7. Consta da Ata Número Vinte da sociedade Autora:
“Aos oito dias do mês de Novembro de dois mil e quatro, pelas nove
horas, reuniu a Assembleia Geral, em sessão extraordinária, da
sociedade comercial por quotas Externato O Lar da Criança, Lda, (…)
com a seguinte ordem de trabalhos:
Empréstimo à sócia DD Estiveram presentes nesta sessão os sócios DD
com uma quota de nove mil e trezentos euros, GG, com uma quota de
quinhentos euros e CC com uma quota de duzentos euros,
representando assim a totalidade do capital social.
Depois de discutido e deliberado o assunto constante da ordem de
trabalhos, foi deliberado por unanimidade a sociedade conceder um
empréstimo no valor de cento e doze mil euros à sócia DD.

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Mais foi deliberado que este empréstimo não vence quaisquer juros.
Foi ainda deliberado por unanimidade que o reembolso deste
empréstimo será efetuado, se for possível, quando houver distribuição
de resultados (…)”
8. Consta da Ata Número Vinte e seis da sociedade A.:
“Aos dezasseis dias do mês de Novembro de dois mil e seis, pelas nove
horas, reuniu a Assembleia Geral, em sessão extraordinária, da
sociedade comercial por quotas Externato O Lar da Criança, Lda, (…)
com a seguinte ordem de trabalhos:
Empréstimo à sócia DD Estiveram presentes nesta sessão os sócios
CC, com duas quotas, uma de valor nominal de € 17.000,00 (dezassete
mil euros) e outra de € 200,00 (duzentos euros) e DD com uma quota
de € 9.300,00 (nove mil e trezentos euros), representando noventa e
oito por cento do capital social.
Depois de discutido e analisado o assunto constante da ordem de
trabalhos, foi deliberado por unanimidade a sociedade conceder um
empréstimo, no valor de € 40.000,00 (quarenta mil euros), à sócia DD.
Mais foi deliberado que este empréstimo não vence quaisquer juros e
que o seu reembolso será efetuado quando a referida sócia tenha
disponibilidade para o fazer (…)”
B) Factos dados como não provados na sentença recorrida:
a) Que a Autora tivesse entregado a DD as quantias de € 112.000,00 e
de € 40.000,00 referidas, respectivamente, em 7 e 8 dos factos
provados.
b) Que, ao longo dos anos em que a falecida DD geriu a Autora, aquela
procedesse, com regularidade e até 2006, a levantamentos e/ou
utilização de montantes existentes na caixa da sociedade para uso
pessoal, que só parcialmente reembolsou, faltando reembolsar a quantia
de € 135.762,63.
C) “Ao abrigo do disposto nos art. 663º nº 2 e 607º nº 4 do CPC”,
considerou a Relação também provado que:
9 - DD apôs pelo seu punho a sua assinatura no documento 10 junto
com a petição inicial, intitulado «Recibo» datado de 10 de Novembro
de 2004, em que está escrito:
«Recebi do Externato O Lar da Criança, Lda, (…), como empréstimo, a
quantia de € 112.000,00 (Cento e doze mil euros), de acordo com o
deliberado na Acta nº 20, de 8/11/2004».
10 - DD apôs pelo seu punho a sua assinatura no documento 11 junto
com a petição inicial, intitulado «Recibo», datado de 30 de Novembro
de 2006, em que está escrito:

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«Recebi do Externato O Lar da Criança, Lda, (…), como empréstimo, a


quantia de € 40.000,00 (quarenta mil euros), de acordo com o
deliberado na Acta nº 20…, de 8/11/2004».
D) E, na sequência da impugnação da decisão da matéria de facto,
a Relação decidiu, ainda:
- “eliminar a alínea a)” dos factos considerados na sentença como não
provados da sentença.
- E, outrossim, que “Quanto à alínea b), inexiste confissão, pelo que se
decide manter como não provada essa factualidade.”.

**

III. 2. Do mérito da Revista


Como é sabido, a intervenção deste Supremo Tribunal, no que tange à
matéria de facto, está balizada pelo estatuído nos arts. 674º, nº  3 e
682º, nº3, do CPC.
Reza o artº 682º, nº 1 do CPC que aos factos materiais fixados pelo
tribunal recorrido, o STJ aplica definivamente o regime jurídico que
julgue adequado. Acrescentando o nº 2 que a decisão proferida pelo
tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo
o caso excepcional previsto no nº 3 do artº 674º.
O nº 3 do mesmo artº 682º, porém, dispõe que os autos voltam ao
tribunal recorrido, designadamente, “quando o Supremo Tribunal de
Justiça entenda que “ocorram contradições na decisão sobre a
matéria de facto que inviabilizam a decisão jurídica do pleito”[1].
É o que se passa no caso sub judice.
Com efeito, lendo a decisão recorrida, facilmente se destacam ali
contradições sobre matéria de factual essencial para a preciação do
mérito, contradições essas que sem serem sanadas não permitem uma
apreciação segura das questões suscitadas nas Revistas, elencadas
supra.
E é claro que este Tribunal de Revista não pode apreciar as questões
de mérito suscitadas nas alegações sem que a matéria de facto
assente seja pacífica.

Vejamos o essencial das contradições existentes nos autos e que se


impõe sejam sanadas.
Os presentes autos têm como base ou suporte factual (causa de pedir)
alegados empréstimos, documentados em dois recibos assinados pelo

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punho da mutuária, falecida Dª DD (docs. nºs 10 e 11 juntos com a pi,


que remetem para o deliberado nas Actas nºs 20 e 26 da Autora).
Assim, em causa está – reportando-nos aos mesmos recibos – saber se
tais empréstimos existiram, ou não e, por consequência, se houve, ou
não, tradição para a DD das quantias alegadamente mutuadas, pois foi
com suporte nesses mesmos documentos (que, repete-se, alegadamente
titulam aqueles empréstimos) que o Tribunal da Relação, dando-lhes
“força probatória plena”, decidiu pela procedência da apelação,
condenando os RR/apelados.
Ora, tendo, na apelação, sido impugnada a decisão da matéria de facto,
a Relação, após tecer as (curtas, porém) considerações que julgou
pertinentes sobre a prova produzida (designadamente acerca dos
depoimentos das testemunhas e do «Relatório» elaborado pelo ROC…,
datado de 12.04.2019, junto pela apelante) e tecer algumas
considerações de natureza jurídica (sobre alguns normativos do Cód.
Civil), rematou, sem mais, desta forma:
“Face ao exposto, as declarações contidas nos recibos são confissões
de dívida que fazem prova plena.
Em consequência, decide-se eliminar a alínea a) do ponto «IV- Factos
não provados» da sentença recorrida.
Quanto à alínea b), inexiste confissão, pelo que se decide manter como
não provada essa factualidade.”.
E logo avança para “O DIREITO”, aqui se limitando a aplicar as
consequências legais da nulidade do mútuo por vício de forma (arts.
143º e 289º CC), condenando os apelados.

**

Cremos, porém, que no acórdão da Relação há contradições na


fundamentação e decisão da matéria de facto sobre matérias factuais
que se tornam cruciais na economia ou mérito das revistas. Com
especial enfoque em duas:
Primeiro, a Relação diz que elimina aquela al. a) dos factos não
provados. Mas queda-se aí. Ou seja, em boa verdade, não se sabe se
quis transitar tal matéria para os factos provados, pois o não diz.  Tendo
decidido alterar a matéria de facto vertida na sentença, a Relação
deveria refazer (com toda a clareza) a relação dos factos que considera
provados e não provados, de forma a que dúvidas não houvesse (como
há) sobre o que, afinal, está provado e/ou não provado.
Segundo, a decisão de eliminar (como dito, a Relação ficou-se por
aqui...) a aludida al. a) dos factos não provados (“Que a Autora tivesse
entregue a DD as quantias de € 112.000,00 e de € 40.000,00 referidas,
respetivamente, em 7 e 8 dos factos provados” - ou seja, precisamente

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os empréstimos referenciados nos recibos e actas acima referidos), está


em clara e ostensiva contradição com o que a própria Relação
afirma no mesmo Acórdão.
Com efeito, a Relação, na apreciação sobre a impugnação da decisão da
matéria de facto, após referência aos depoimentos testemunhais e
«relatório» elaborado pelo ROC, conclui:
“Deste «relatório» evidencia-se a falta de fiabilidade da contabilidade
da apelante e que o ROC fez conjecturas para encontrar explicação
para as saídas de valores do caixa da sociedade com base no que lhe
foi transmitido.
Por outro lado, se a finalidade dos sócios foi tornar possível
regularizar contabilisticamente as dívidas da sócia gerente, tratando-
as como sendo resultantes de empréstimos, não faz sentido que
tenham deliberado «conceder» empréstimos. Em suma, dos
documentos invocados pela apelante não resulta evidente que a sócia
gerente retirou do caixa para fins pessoais quantias que totalizaram
de 152.000 €.”[2] - note-se que estes 152.000€ correspondem à soma
dos montantes aludidos nos dois recibos juntos, montantes estes que,
afinal, se afirma não terem sido emprestados.
Da mesma forma, como podem tais recibos sustentar alegadas
(anteriores) saídas de valores do caixa da sociedade (agora já não são
os empréstimos referidos nos recibos  juntos), quando o próprio
acórdão diz que (ali se apelando àquele mesmo relatório do ROC) tudo
terá sido fictício (pois “…evidencia-se a falta de fiabilidade da
contabilidade da apelante e que o ROC fez conjecturas para
encontrar explicação para as saídas de valores do caixa da sociedade
com base no que lhe foi transmitido”)?
Ou seja, afinal, a explicação do ROC para as saídas de valores do
caixa da sociedade (as tais saídas ou fluxos de caixa que, ao invés do
que inicialmente se alegara na petição inicial, se vem alegar na
Réplica que teriam ocorrido a favor da Dª DD e que agora se
procura documentar/justificar, precisamente, com as aludidas
deliberações da Autora recibos titulados pelos docs. 10 e 11) nem o
próprio tribunal recorrido convenceu. Mas, apesar dessa falta de
convencimento, a verdade é que acabou por os RR condenar na
restituição, agora não já dos empréstimos titulados pelos docs. 10 e
11, mas …de outras quantias alegadamente levantadas da caixa da
Autora pela Dª DD (os mesmos levantamentos que, como dito, o
tribunal refere tratar-se de meras conjecturas do ROC que mais
não fez do que procurar “encontrar explicação para as saídas de
valores do caixa da sociedade com base no que lhe foi transmitido”)!
Atente-se, ainda, noutras afirmações do Acórdão: que as deliberações
aludidas nas actas mencionadas nos tais recibos “não espelham a
realidade, pois é a própria sociedade que esclarece que nenhuma
quantia foi entregue à sócia gerente na sequência e em execução
delas.”[3].
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E reforça: “É incontroverso que em 10/11/2004 e 30/11/2006 não


foram entregues à sócia gerente as quantias de 112.000 € e 40.000
€.”[4]. O que, aliás, é confessado pela própria Autora ao afirmar que no
que toca ao referido nas deliberações de 2004 e 2006 (as referidas nos
recibos, portanto, a que estes se reportam) nenhuma quantia foi
entregue à Dª DD pela Autora – acrescentando esta, porém, agora na
réplica, que tais deliberações, afinal, visaram somente formalizar
anteriores movimentos da caixa da sociedade Autora, feitos pela
falecida D. DD, levantando dali dinheiros em seu proveito próprio.
Ora, é certo que esta “justificação” da Autora, para a emissão dos
recibos, está contida no facto ínsito na al. b) dos factos declarados pela
sentença como não provados: “Que, ao longo dos anos em que a
falecida DD geriu a Autora, aquela procedesse, com regularidade e até
2006, a levantamentos e/ou utilização de montantes existentes na caixa
da sociedade para uso pessoal, que só parcialmente reembolsou,
faltando reembolsar a quantia de € 135.762,63.”. Só que – outra
contradição – o mesmo tribunal recorrido manteve como não provada
essa factualidade!
E ainda a propósito dos alegados levantamentos anteriormente
feitos pela Dª DD com que agora se procura justificar o pedido de
condenação dos RR, mais de diz no acórdão:
«O que está em causa é apurar se as duas deliberações e os recibos se
destinaram a formalizar sob a veste de empréstimos, anteriores
retiradas de dinheiro do caixa da sociedade, documentadas por “vales
de caixa”.
Mas nenhum “vale de caixa” foi junto aos autos e nem a apelante
deu justificação para não o fazer. Isto, apesar de vir agora dizer nesta
apelação que «Os vales de caixa ou documentos equivalentes que
titulavam cada levantamento efectuado pela sócia gerente DD, foram-
lhe devolvidos quando esta assinou os recibos mediante os quais se
confessou devedora dos montantes neles referidos».
Além disso, na petição inicial não são discriminadas as quantias que
alegadamente foram sendo retiradas ao longo dos anos até 2006».
Em que ficamos? Os montantes peticionados pela Autora resultaram,
afinal, de quê: dos empréstimos “titulados” pelos docs. 10 e 11
(recibos) - empréstimos esses confessadamente inexistentes? Dos
pretensos levantamentos de caixa anteriormente feitos - mas que se diz
terem sido meras meras“conjecturas” do ROC, que pretendeu
apenas “encontrar explicação para as saídas de valores do caixa da
sociedade com base no que lhe foi transmitido”?
Que confusão!
Dizer-se, v.g., que (facto provado) a Senhora D. DD apôs pelo seu
punho a sua assinatura nos documentos “recibos” juntos na Petição
Inicial como Docs. 10 e 11 para daí, sem mais, concluir pela prova dos

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empréstimos a que ali se refere, parece algo confuso ou contraditório,


atento tudo o já aqui referido, salientando-se que - repete-se -  o
recebimento dos empréstimos nas condições que ali vêm aludidas
são, afinal, os que constam do facto (cit.al. b) que a Relação deu
como...não provado!
Há, assim, que clarificar se, afinal, a D. DD recebeu, ou não,
dinheiro da A., quanto e em que circunstâncias, com enfoque para
os empréstimos a que se alude na al. a) dos factos dados na sentença
como não provados mas que a Relação veio a eliminar dos factos
não provados (embora sem dizer se estava provado), depois de
afirmar o seu contrário.
Uma coisa parece evidente: ou a falecida D. DD recebeu as quantias
em virtude das deliberações aludidas nas actas indicadas nos recibos –
e o Tribunal a quo afirmou, de forma inequívoca, que não aconteceu – ,
ou a mesma Senhora teria recebido as outras quantias, em virtude de
levantamentos havidos anteriormente – facto este que o Tribunal a quo
deu como não provado e que até qualifica como meras “conjecturas”
do ROC, que pretendeu apenas “encontrar explicação para as
saídas de valores do caixa da sociedade com base no que lhe foi
transmitido”!
Resumindo:
Na sentença deu-se como não provado o facto da al. a) (Que a Autora
tivesse entregado a DD as quantias de € 112.000,00 e de € 40.000,00
referidas, respectivamente, em 7 e 8 dos factos provados). Já a Relação,
embora na fundamentação diga (preto no branco) que tais empréstimos
não ocorreram (diz a Relação que “Além disso, aquelas deliberações
não espelham a realidade”), acaba por decidir “eliminar a alínea a) do
ponto «IV - Factos não provados» da sentença recorrida”. Porém,
não apenas se “esqueceu” de, então, dizer se tal facto estava provado,
levando-o à relação dos factos provados (nova relação que deveria
fazer), como entra em contradição manifesta, pois retirar o facto a) do
ponto «IV - Factos não provados» da sentença recorrida» é
claramente contraditório com a afirmação de que os mútuos a que
se refere o facto a) inexistiram! É que, de duas uma: ou inexistiram os
mútuos, como afirma a Relação e (já não entrando aqui na demais
prova carreada aos autos, como o relatório do ROC, bem esclarecedor),
então, teria de manter-se como não provado o facto a); ou os mútuos
existiram e, então, a Relação teria/terá de refazer o que afirmou na
fundamentação vertida no Acórdão, como acima observado (que as
deliberações de concessão de mútuo “não espelham a realidade” por
ser “incontroverso” que as quantias referidas nas deliberações não
foram entregues à sócia gerente).
E quanto a nova justificação (“alternativa”) para a emissão dos recibos
e elaboração das actas, refere-se também que, afinal, não tem
cabimento, pois apenas terá sido uma forma de o ROC “encontrar
explicação para as saídas de valores do caixa da sociedade com base
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no que lhe foi transmitido”, mas que não passa (diz-se também) de
meras “conjecturas (do mesmo ROC).
Para além de que a manter-se a afirmação de que as quantias
alegadamente mutuadas não foram entregues à D. DD, então ficamos
sem perceber como se chegou à solução jurídica adoptada. É que, não
bastará dizer o tribunal que “à data da deliberação de 08/11/2004 o
contrato de mútuo de valor superior a 20.000 € só era válido se fosse
celebrado por escritura pública (cfr art. 1143º na redacção do DL
343/98 de 06/11)” (etc.), para, dessa forma e sem mais, concluir pela
inobservância da forma legal com as legais consequências (que “a
nulidade tem como consequência a obrigação de restituição de tudo o
que tiver sido prestado”). É que, então não se compreende tal solução
de condenação no pagamento dos montantes em causa, quando é
afirmado, preto no branco, que a traditio não ocorreu (a entrega do
dinheiro – os empréstimos ou os fluxos da caixa – à D. DD). Mais uma
contradição do aresto.
Assim, independentemente das várias questões jurídicas que se podem
suscitar aqui, maxime sobre o âmbito probatório da declaração feita nos
recibos (arts. 376º e 354º, al. c) e 360º, todos do CC), o certo é que se
impõe clarificar, sem margem para quaisquer dúvidas, o que, afinal, o
tribunal a quo tem como assente, elencando (e justificando) com
clareza os factos provados e não provados, sem a “confusão” que
sobressai da explanação vertida no aresto e acima explicitada, ou seja,
sem quaisquer contradições, como as que apontámos.
Sem dúvida, contradições evidentes e que se impõe sanar – sanação
esta absolutamente essencial para se poder avançar na apreciação do
mérito da demanda (mútuos e respectivas consequências

**

IV. Decisão:
Face ao exposto, acorda-se em (nos termos do artº 682º, nº 3, fine, do
CC) determinar que os autos baixem ao tribunal recorrido a fim de aí
serem sanadas todas as (supra apontadas) contradições na decisão sobre
a matéria de facto (as quais, a manter-se, inviabilizam a decisão jurídica
deste pleito).
Custas a fixar a final.
Notifique.
Nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A/20, de 13-3, aditado pelo DL
nº 20/20, de 1-5, atesto o voto de conformidade dos srs. Juízes
Conselheiros adjuntos.
Lisboa, 13.05.2021

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Fernando Baptista (Juiz Conselheiro Relator)


Vieira e Cunha (Juiz Conselheiro 1º Adjunto)
Abrantes Geraldes (Juiz Conselheiro 2º Adjunto)
_____
[1] Destaque nosso.
[2] Sublinhado nosso.
[3] Sublinhado nosso.
[4] Destaques nossos.

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