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I – RELATÓRIO
Alegou, em síntese:
- DD era mãe dos réus,
- foi sempre gerente da autora desde a sua constituição,
- e até 2006 procedia com regularidade a levantamentos e/ou utilização
de quantias existentes no caixa da sociedade para seu uso pessoal;
- as quantias assim retiradas eram substituídas por “vales de caixa”;
- quando decidiu assumir formalmente a dívida, que já era muito
elevada, foram para esse efeito formalizados dois empréstimos em
reuniões da assembleia geral da autora, um no valor de 112.000 € em
08/11/2004 e outro no valor de 40.000 € em 16/11/2006,
- tendo aquela declarado ter recebido da autora esses valores conforme
recibos que se juntam como doc. 10 e 11;
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RR. Ora, o artigo em análise refere apenas que a parte que dela
(confissão) quiser aproveitar-se como prova plena tem de aceitar
também como verdadeiros os outros factos ou circunstâncias, salvo se
provar a sua inexactidão;
SS. Os 1.º e 2.ª Réus sempre impugnaram a factualidade que
acompanhava a putativa confissão, pois nunca aceitaram a existência de
levantamentos do caixa da sociedade e ainda mais que esses
inexistentes levantamentos eram empréstimos da sociedade à falecida
Senhora D. DD;
TT. Por isso, o Réu não só produziu prova no sentido da inexactidão
dos factos que acompanham a confissão, como logrou provar que esses
factos não se verificaram;
UU. Tanto assim é que o Tribunal da 1º Instância – bem como a
Relação – deram como não provado “Que, ao longo dos anos em que a
falecida DD geriu a Autora, aquela procedesse, com regularidade e até
2006, a levantamentos e/ou utilização de montantes existentes na caixa
da sociedade para uso pessoal, que só parcialmente reembolsou,
faltando reembolsar a quantia de € 135.762,63”;
VV. Sendo estas as tais circunstâncias que acompanhavam o facto
“confessado”, também não se pode verifica qualquer “prova plena” de
um facto que afinal foi dado como não provado, pelo que o Tribunal a
quo violou o artigo 360.º do Código Civil ao descorar precisamente o
facto do 1º e 2ª Réus terem provado a inexactidão dos factos que
acompanhavam a putativa “confissão aceite” – isso caso se entenda que
existiu uma qualquer aceitação de confissão, que como vimos não
existiu;
WW. Pelo que andou mal o Tribunal da Relação de Lisboa ao referir
que “Para poderem aproveitar-se da confissão da apelante de que
nenhum dinheiro entregou a DD em execução das deliberações, teriam
os apelados de aceitar como verdadeiro que as deliberações foram
tomadas nas referidas circunstâncias. Só assim não seria se os
apelados que tal não é verdade, ou seja, que DD não era devedora de
tais quantias e por isso inexistia razão para as deliberações. Mas da
ponderação dos documentos e depoimentos das testemunhas não é
evidente que DD não ficou devedora da sociedade por ter utilizado
dinheiro desta para fins pessoais num total de 152.000 €.”;
XX. É que independentemente da parte a quem impendia o ónus de
provar que a Senhora D. DD não levantou quaisquer montantes
existentes na caixa da sociedade para uso pessoal, a verdade é que
tal facto foi dado como não provado e, por maioria de razão,
também não pode ser agora dado como provado, apenas porque se
considerava que era ao Réu que caberia provar a referida
inexistência de levantamentos, sendo certo que – pasme-se – a
Relação manteve este facto como não provado;
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LLLL. Ainda que assim não se considere, e se entenda que, face aos
argumentos até aqui expostos, os “recibos de quitação” fazem prova
plena contra o Réu AA e a 2ª Ré, o que não se concede de forma
alguma, sempre se dirá o seguinte:
MMMM. De acordo com o artigo 242.º do Código Civil a nulidade da
simulação pode também ser invocada pelos herdeiros legitimários que
pretendam agir em vida do autor da sucessão contra os negócios por
ele simuladamente feitos com o intuito de os prejudicar.
NNNN. De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal,
processo n.º 2964/05.9TBSTS.P1.S1, datado de 04-05-2010: “Isto
significa que, mesmo após a abertura da herança, têm, obviamente, os
herdeiros legitimários, legitimidade para invocar a nulidade de
negócios simulados que se traduzam em prejuízo da respectiva
legítima, ainda que não com esse intuito. (…)
Observa Carvalho Fernandes: (…) Mas não é de excluir, embora seja
corrente colocar os herdeiros na mesma posição do simulador poderem
eles ser tratados como terceiros, enquanto visam satisfazer interesses
específicos da sua posição de herdeiros que seriam afectados pela
subsistência da simulação, particularmente sendo essa a situação dos
herdeiros legitimários quanto está em causa a defesa da sua legítima”
(sublinhado e negrito nosso);
OOOO. Ora, como decorre das observações de Carvalho Fernandes, os
1.º e 2.ª Réus, deverão ser considerados terceiros em relação à
simulação perpetrada com as supostas “confissões de dívida”, uma
vez que, com esta demanda da Autora – e como já ficou bem explicado
na introdução a este recurso – este acordo simulatório tem a
virtuosidade de, na prática, deserdar os 1.º e 2.ª Réus;
PPPP. O facto de os 1.º e 2.ª Réus serem considerados terceiros em
relação ao pacto simulatório referente às putativas “confissões de
dívida”, significa também que as mesmas “confissões de dívida” não
podem ser invocadas como provas plenas pelo Tribunal a quo, uma vez
que a prova plena só pode ser invocada pelo declaratário contra o
declarante;
QQQQ. Neste sentido veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de
Justiça, processo n.º 04B2302, datado de 13-07-2004: “I- O documento
particular, ainda que reconhecida a sua autoria, só pode ser invocado
como prova plena pelo declaratário contra o declarante. II- Nas
relações com terceiros a declaração constante do documento
particular, apenas vale como elemento de prova a apreciar livremente
pelo tribunal.”;
RRRR. Assim sendo, já não se aplicam ao presente caso o n.º 2 do
artigo 358.º nem o n.º
1 e 2 do artigo 376.º ambos do Código Civil, não existindo, portanto,
prova plena face à invocação de uma putativa “confissão de
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dívida”;
SSSS. Pelos referidos motivos, caberia à Autora o ónus de provar que
foram realizados por DD levantamentos do caixa a título de
empréstimos, o que não foi feito – pois este facto b) do elenco dos
factos não provados foi dado como não provado;
TTTT. Por conseguinte, tendo presente as regras do ónus da prova,
previsto no artigo 342.º do Código Civil, ficou claro que a Autora não
logrou provar a existência de um direito de crédito que alegou: pelo
contrário, a Autora reforçou que os mútuos deliberados em 2004 e 2006
eram nulos por simulados (são apenas uma ficção) e também não
logrou provar quaisquer levantamentos feitos pela falecida Senhora D.
DD junto do caixa da sociedade.
II. DA RÉ BB
A. O acórdão recorrido reconhece que é incontroverso que os factos a
que se reportam as actas e os recibos de Novembro de 2004 e de
Novembro de 2006 – empréstimos e subsequentes entregas em dinheiro
– não ocorreram, como a Autora confessa.
B. Todavia, ao abrigo de uma singular interpretação efectuada ao
regime do art. 360.º do CC, o acórdão conclui que os RR. não se podem
aproveitar dessa declaração confessória, razão pela qual são
condenados a pagar as quantias que DD declarou ter recebido em
10/11/2004 e em 30/11/2006, mas que o Tribunal sabe que é
incontroverso que não recebeu, nos termos que os recibos atestam.
C. Quando o formalismo jurídico conduz a uma conclusão tão absurda,
é porque o silogismo judiciário perverteu o sentido da lógica, do bom
senso e da justiça, o que não pode ser aceite e mantido.
D. Em primeiro lugar, o artigo 360.º do CC não é aplicável ao caso dos
autos, porque a conclusão de que é incontroverso que DD não recebeu
as quantias tituladas pelos recibos em apreço não resulta só da
declaração confessória, mas também da avaliação da restante prova
efectuada pelo Tribunal, designadamente as ilações que retirou acerca
da inexistência (sem justificação) de vales de caixa, do teor das actas,
das declarações do TOC da empresa e do relatório do ROC, tudo como
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III – FUNDAMENTAÇÃO
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Mais foi deliberado que este empréstimo não vence quaisquer juros.
Foi ainda deliberado por unanimidade que o reembolso deste
empréstimo será efetuado, se for possível, quando houver distribuição
de resultados (…)”
8. Consta da Ata Número Vinte e seis da sociedade A.:
“Aos dezasseis dias do mês de Novembro de dois mil e seis, pelas nove
horas, reuniu a Assembleia Geral, em sessão extraordinária, da
sociedade comercial por quotas Externato O Lar da Criança, Lda, (…)
com a seguinte ordem de trabalhos:
Empréstimo à sócia DD Estiveram presentes nesta sessão os sócios
CC, com duas quotas, uma de valor nominal de € 17.000,00 (dezassete
mil euros) e outra de € 200,00 (duzentos euros) e DD com uma quota
de € 9.300,00 (nove mil e trezentos euros), representando noventa e
oito por cento do capital social.
Depois de discutido e analisado o assunto constante da ordem de
trabalhos, foi deliberado por unanimidade a sociedade conceder um
empréstimo, no valor de € 40.000,00 (quarenta mil euros), à sócia DD.
Mais foi deliberado que este empréstimo não vence quaisquer juros e
que o seu reembolso será efetuado quando a referida sócia tenha
disponibilidade para o fazer (…)”
B) Factos dados como não provados na sentença recorrida:
a) Que a Autora tivesse entregado a DD as quantias de € 112.000,00 e
de € 40.000,00 referidas, respectivamente, em 7 e 8 dos factos
provados.
b) Que, ao longo dos anos em que a falecida DD geriu a Autora, aquela
procedesse, com regularidade e até 2006, a levantamentos e/ou
utilização de montantes existentes na caixa da sociedade para uso
pessoal, que só parcialmente reembolsou, faltando reembolsar a quantia
de € 135.762,63.
C) “Ao abrigo do disposto nos art. 663º nº 2 e 607º nº 4 do CPC”,
considerou a Relação também provado que:
9 - DD apôs pelo seu punho a sua assinatura no documento 10 junto
com a petição inicial, intitulado «Recibo» datado de 10 de Novembro
de 2004, em que está escrito:
«Recebi do Externato O Lar da Criança, Lda, (…), como empréstimo, a
quantia de € 112.000,00 (Cento e doze mil euros), de acordo com o
deliberado na Acta nº 20, de 8/11/2004».
10 - DD apôs pelo seu punho a sua assinatura no documento 11 junto
com a petição inicial, intitulado «Recibo», datado de 30 de Novembro
de 2006, em que está escrito:
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no que lhe foi transmitido”, mas que não passa (diz-se também) de
meras “conjecturas (do mesmo ROC).
Para além de que a manter-se a afirmação de que as quantias
alegadamente mutuadas não foram entregues à D. DD, então ficamos
sem perceber como se chegou à solução jurídica adoptada. É que, não
bastará dizer o tribunal que “à data da deliberação de 08/11/2004 o
contrato de mútuo de valor superior a 20.000 € só era válido se fosse
celebrado por escritura pública (cfr art. 1143º na redacção do DL
343/98 de 06/11)” (etc.), para, dessa forma e sem mais, concluir pela
inobservância da forma legal com as legais consequências (que “a
nulidade tem como consequência a obrigação de restituição de tudo o
que tiver sido prestado”). É que, então não se compreende tal solução
de condenação no pagamento dos montantes em causa, quando é
afirmado, preto no branco, que a traditio não ocorreu (a entrega do
dinheiro – os empréstimos ou os fluxos da caixa – à D. DD). Mais uma
contradição do aresto.
Assim, independentemente das várias questões jurídicas que se podem
suscitar aqui, maxime sobre o âmbito probatório da declaração feita nos
recibos (arts. 376º e 354º, al. c) e 360º, todos do CC), o certo é que se
impõe clarificar, sem margem para quaisquer dúvidas, o que, afinal, o
tribunal a quo tem como assente, elencando (e justificando) com
clareza os factos provados e não provados, sem a “confusão” que
sobressai da explanação vertida no aresto e acima explicitada, ou seja,
sem quaisquer contradições, como as que apontámos.
Sem dúvida, contradições evidentes e que se impõe sanar – sanação
esta absolutamente essencial para se poder avançar na apreciação do
mérito da demanda (mútuos e respectivas consequências
**
IV. Decisão:
Face ao exposto, acorda-se em (nos termos do artº 682º, nº 3, fine, do
CC) determinar que os autos baixem ao tribunal recorrido a fim de aí
serem sanadas todas as (supra apontadas) contradições na decisão sobre
a matéria de facto (as quais, a manter-se, inviabilizam a decisão jurídica
deste pleito).
Custas a fixar a final.
Notifique.
Nos termos do art. 15º-A do DL nº 10-A/20, de 13-3, aditado pelo DL
nº 20/20, de 1-5, atesto o voto de conformidade dos srs. Juízes
Conselheiros adjuntos.
Lisboa, 13.05.2021
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