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Retomei os trabalhos de gravura após anos sem entrar em contato com uma
matriz. Optei então pela minha técnica favorita: ponta seca. Decidi usar uma
chapa de alumínio de offset como matriz, pois o material é macio e dócil, fácil de
executar a técnica.
Figura 1 – à esquerda, chapa de offset utilizada como matriz e, à direita, pontas montadas
artesanalmente utilizadas na produção da peça.
Ao invés de propor apenas uma gravura simples, sobre a chapa limpa, optei por
experimentar texturas, lixando a chapa com uma lixa 400 com finalidade de
adicionar ranhuras e relevo para a aderência posterior da tinta. Após a
preparação da chapa fiz todo o trabalho a mão livre, sem esboço prévio, riscando
com a ponta diretamente sobre a chapa. Tive certa dificuldade em executar
linhas longas – provavelmente pelo uso de ferramentas rudimentares e cegas
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Bruno de Abreu Mendonça é aluno doutorando do Programa de Pós-graduação em Arte e
Cultura Visual da Faculdade de Artes Visuais da UFG. E-mail: bruno.oubam@gmail.com.
e/ou pela falta de prática – e preferi trabalhar com sulcos mais profundos para
tentar, posteriormente, experimentar melhor o trabalho de sombreamento.
Minha primeira ideia era de realizar a impressão em preto, sobre papel Canson
224g/m², depois transferir a impressão para um computador e efetuar
colorização digital para, por fim, transferir a imagem digital impressa para uma
placa de madeira, utilizando o processo do médium acrílico.
Após a impressão – a primeira de uma série de três – não fiquei muito satisfeito
com o resultado obtido por meio da técnica de litografia à seco. As linhas
impressas eram muito próximas do desenho tradicional, à caneta, não
apresentando em si elementos característicos que me atraíssem como método
de gravura. Por outro lado, a técnica pareceu também apresentar resultados
bastante caóticos – com manchas e interferências da limpeza da matriz – que só
são percebidos após a impressão. No entanto, acredito que esse caos esteja
mais ligado a falta de perícia com a técnica do que efetivamente uma
característica da mesma, como me advertiu Zé César. Embora interessante
como experimentação, o processo e o resultado não me foram atrativos e
abandonei novas possibilidades de criação com essa técnica.
Figura 5 – experimento: impressão 2/3 da gravura feita em litografia à seco: sem título.
No primeiro teste com este material, escolhi um pequeno pedaço e tentei aplicar
a técnica da ponta seca (que foi descartado sem a realização de impressões),
como utilizado no metal. O material reagiu bem, permitindo uma gravação leve
e sem percalços, mas as rebarbas do processo de gravação davam um aspecto
grosseiro à técnica. Importante notar que a borracha mais dura (preta, sob a
borracha macia azul) impedia praticamente qualquer rompimento da matriz,
mesmo com a aplicação de gestos mais vigorosos. O material pareceu muito
resistente e de fácil manipulação, o que chamou rapidamente meu interesse
como uma base muito boa para gravação.
Figura 6 – manta de borracha e suas diferentes camadas: azul (macia e superficial), preta
(dura, logo abaixo da azul) e branca (em tecido, por baixo da preta).
Figura 7 – primeiro teste de impressão com matriz de manta de borracha e, ao lado, matriz
já retrabalhada (com relevo invertido) para impressão posterior.
Gostei muito dos resultados. Nos testes, embora tenha tido problemas no
processo de entintagem por conta da deformação que a manta apresentava,
percebi que era possível obter linhas firmes e preto bastante chapado, me
lembrando resultados obtidos em linóleo, no passado. Entretanto, a manta de
borracha me pareceu mais fácil e agradável de ser trabalhada do que o linóleo
ou a madeira, o que me fez dedicar mais tempo à experimentação com este
material.
GRAVURA 02 – GEMINI
Com uma técnica já um pouco mais apurada para trabalhar com a manta de
borracha, optei por aumentar as proporções da área gravada. Fazendo uso de
um recorte retangular de 24,5x36cm, iniciei o trabalho a partir de um esboço feito
diretamente sobre a manta de borracha, utilizando caneta esferográfica. Percebi
que a tinta da caneta, por vezes, borrava enquanto me apoiava sobre a manta
e, por isso, realizei todo o processo de esboço com um papel entre a matriz e
minha pele. Após executado, esperei por cerca de uma hora pela secagem da
tinta da caneta para iniciar a gravação.
Mesmo tendo optado por trabalhar de forma mista com o estilete de precisão e
a ponta, mais uma vez comprovei a facilidade de se trabalhar com o material
usando o estilete de precisão: mesmo quando ocorriam acidentalmente cortes
mais profundos, ou a camada preta ou o tecido não permitiam a danificação da
matriz ou mesmo da mesa onde me apoiava. As linhas eram suaves; finas e
grossas de acordo com meu desejo. As grandes áreas eram facilmente
delineadas ou removidas com o auxílio da ponta e, após cerca de duas horas de
trabalho ininterrupto, concluí a confecção da matriz. Os pontos onde trabalhei
usando a ponta ficaram mais grosseiros e muito diferentes dos trabalhados com
o estilete. Outro ponto importante a se notar foi que a deformação natural do
material (que estava guardado enrolado) foi praticamente removida com o
processo de gravação.
GRAVURA 03 – MÃE
Para esta peça, planejei aplicar meus aprendizados obtidos com a produção da
gravura 02 e, ainda, experimentar a realização de impressões em materiais
diversos, buscando notar sutilezas que estes poderiam apresentar. A gravura –
uma peça menor, com cerca de 16x25cm e feita totalmente usando o estilete de
precisão e buscando obter linhas mais suaves e consistentes – foi executada
rapidamente sobre um esboço desenhado com caneta esferográfica sobre a
própria manta. Em menos de uma hora e meia já havia iniciado os testes de
impressão.
Optei por iniciar com o tradicional Canson 224g/m² usando tinta preta, obtendo
resultados muito satisfatórios e consistentes. Ainda, no mesmo dia, estendi as
impressões para o tecido de algodão, obtendo resultados igualmente bons. Dois
detalhes importantes sobre a impressão em tecido de algodão, notados
posteriormente, foram: a resistência da impressão a processos de lavagem, que
nem ao menos desbotou após cinco lavagens em máquina de lavar e; a rápida
secagem da tinta, que pareceu ocorrer de forma mais ágil à notada no papel
Canson.
Com o PSO, os resultados foram mistos: por ser um plástico, a tinta não era
absorvida e, por vezes, manchas, deslizes e outros problemas surgiram com as
impressões. Além disso, a tinta demorou muito tempo para secar (preferi deixar
por pelo menos dois dias em descanso), o que também atrapalhou o andamento
de testes que exploravam a transparência do material. De maneira geral, os
resultados obtidos foram bastante interessantes, alguns explorando a
transparência do PSO, outros pelo uso de sobreposições em preto e vermelho.
Acredito que o PSO seja um material interessante para a exploração futura em
impressões.
Figura 15 – teste de impressão da matriz de cobre, após processos de água forte e água-
tinta, em azul.
Mas todos os testes iniciais resultaram em falhas - todos feitos em papel Pérsico
180g/m². No dia definido para impressão das provas no ateliê, tive muita
dificuldade de regular a prensa e, por diversos momentos, tive resultados
manchados, sobrepostos ou simplesmente irregulares. Pela primeira vez com o
uso desse tipo de matriz não obtive resultados consistentes, então decidi deixar
para o encontro posterior para realizar novos testes.
Mais uma vez, obtive resultados muito interessantes ao tentar aplicar o degradê
pela própria entintagem. Embora tenha me faltado certo controle sobre a
quantidade de tinta em cada lado do rolo, os resultados me agradaram muito.
Mas ainda não havia alcançado o impacto que queria com esta peça. E foi então
que, novamente, a experiência do prof. Zé César trouxe uma nova visão: realizar
a impressão sem tinta.
De início, acreditei que a proposta não fosse dar resultados tão interessantes e
titubeei para começar, até por não possuir bons papéis para o processo. Mas,
por acaso, no mesmo dia uma colega de ateliê havia me dado uma grande folha
de papel Snow White 400g/m², o que seria perfeito. Após algumas discussões
breves sobre o processo, chegamos à conclusão que obteria melhores
resultados (mais relevo) utilizando o papel umedecido, a prensa com bastante
pressão e uma espuma sob o feltro de proteção. Passados dez minutos de
imersão em água, o papel foi levemente seco e, junto com a matriz sem qualquer
tinta, realizei a primeira prova com a técnica.
Confesso que não esperava um resultado tão impressionante como o obtido. Os
diferentes níveis da matriz adicionaram relevos belíssimos ao papel, dando uma
visualidade efêmera e leve à peça.
Por fim, e já sem tempo de ateliê disponível, realizei uma última experiencia
utilizando os conhecimentos obtidos com a gravura 04: realizei um desenho com
caneta nanquim sobre o papel Snow White 400g/m² e decidi aplicar relevo a ele.
Passando por um processo que se mostrou muito mais complicado que imaginei
de início – onde imprimi cinco cópias do desenho e, pelo recorte e remoção de
certas áreas, montei uma máscara em relevo para aplicação sobre o papel – tive
várias dificuldades e, por diversas vezes, acreditei no fracasso absoluto: ao
umedecer o papel desenhado, a tinta da caneta naquin começou a sair do papel,
quase manchando-o. Além disso, desconsiderei o fato de o papel umedecido
dilatar-se, o que já ocasionaria um erro de registro com a máscara.
Por fim, vejo que a experiencia provida nesse semestre dentro do ateliê de
gravura, antes de mais nada, me provocou: inquietações próprias do
investigador, do pesquisador que anseia por botar a prova suas ideias e que, por
meio da prática – e da paciência – obtém seus resultados. Essa é a força do
ateliê e, por conseguinte, a base da linha de pesquisa à qual me dedico. E é com
esse espírito ressurgido dentro do ateliê que pretendo encarar, de agora em
diante, os anos seguintes de pesquisa doutoral.