Você está na página 1de 7

Ficha Catalográfica

Coracini, Maria José Rodrigues Faria


Interpretação, autoria e legitimação do livro
didático : língua materna e língua estrangeira/ Maria
José Rodrigues Faria Coracini (org.). - lª ed. -
Campinas, SP: Pontes, 1999.

Vários autores

1. Ensino da língua. 2. Análise do discurso.


3. Filosofia da ciência. I. Série. li. Título.

coo - 407 801 501


CONCEPÇÃO DE ESCRITA NO LIV RO DIDÁTICO
GRAFIA
DE CIÊNCIAS, MATEMÁTICA, HISTÓRIA E GEO

Deusa Maria de Souza

está geral-
Em contexto escolar brasileiro, a produção de texto s escritos
r responsável
mente associada às de Língua Materna, cabe ndo ao professo
de de "esc reve r
pela disciplina Português desenvolver no alun o a capacida
rre, com fre-
bem". Para preparar suas aulas de escrita, o professor reco
ticos.
qüência, às atividades de redação propostas pelo s livros didá
ita em ou-
Se examinarmos o que ocorre em termos de produção escr
fund amental e
tras disciplinas que fazem parte do programa do ensino
pedagógico. O
médio, observaremos que há uma diferença de enfoque
emá tica, His-
senso comum acredita que disciplinas com o Ciências, Mat
transmissão de
tória e Geografia deve m se ocupar, fundamentalmente, da
conhecimento de natureza quase sempre complexa.
ente trab a-
Adotando uma perspectiva discursiva da linguagem, o pres
, Mat emática,
lho buscará disc utir a concepção de escrita em Ciências
e manuais do
História e Geografia, a partir de análise de livros didáticos
s investiga r em
professor para o ensino dessas disciplinas. Interessa-no
relação aluno-
que medida o livro didático contribui para estabelecer uma
.
conhecimento que contemple a produção de textos escritos
de ordens
A percepção do sistema escolar como lugar de conflitos
com o um todo e
diversas é indispensável para refletirmos sobre o ensino
a problemática do material didático.
abordada, o
Independente do livro didático adotado ou da disciplina
ortante na cor-
que se constata é que o livro didático constitui um elo imp
nido, pronto,
rente do disc urso da competê ncia: é o luga r do sabe r defi
única) de refe-
acabado, correto e, dess a forma, fonte últim a e, às vezes,
rênc ia (cf. Souza, 1996 ; Vesentini, 1995).
enqu anto
A autoridade do livro didático estende-se à visão do livro
res da tran smis-
form a de crité rio do saber, criando paradi gmas norteado
tico parece ter
são de conh ecim ento em cont exto esco lar. O livro didá
forma no sen-
como fu nção primordial dar cert a form a ao conh ec imen to;
tido de sele ção e hierarquizaç ão do chamado "saber".
comum tra-
Não parece haver dúvida quanto à autoridade que o senso
lar: ele é um
dicionalmente confere ao livro didático em contexto esco
elemento constitutivo do processo educacional brasileiro.
153
Cabe, então, ao professor, condu zir a produ ção escrit a do aluno, va-
lendo-se, para isso, de recurs os peda~ógico_s ~;ie ~ossa m, ao mesm o tem-
po, facilit ar a apren dizage m e garan ttr a ~f1c1enc1a do result ado.
o livro didático, nesse contexto, funciona para o professor de língua
portug uesa4 como fonte propa gador a de padrõ es defini dores do que deva
ser a ativid ade escrita . O profes sor procu ra aprese ntar ao aluno modelos
de textos consid erado s "bem escrit os" e os segme nta na tentati va de
explic itar seu funcio namen to .
Em sua dissertação de mestrado, Claudia Pfeife r ( 1995) exami na a ques-
tão da conce pção sujeito-autor em seu contex to escola r e observa que
0
aluno que tem a palavr a (pois a escola dá-lhe o direito à palavra escrita,
mesm o que aparentemente) procu ra produ zir seus textos observ ando/ obe-
decen do/ seguindo modelos de boa escrita aprese ntado s pelo professor. Em
outras palavras, o aluno-autor vai buscar construir uma argumentação que
lhe permi ta ser aceito pelo professor e, em conse qüênc ia, pela escola .
Com relaçã o a outras disciplinas do curríc ulo dos cursos de ensino
funda menta l e médio , a produ ção escrita é quase nunca discut ida em sala
de aula e muito pouco elabor ada nos livros didáti cos.
A partir de análise realiz ada após exame de livros didáticos para o
ensino de Ciênc ias, História, Geogr afia e Matem ática, foi possível obser-
var que a habilidade escrita está pressuposta no mater ial através das ati-
vidade s elabor adas para abord ar o conteú do.
Nos livros analisados, não há atividades que estimu lem/p ropon ham a
produ ção mais elabor ada de um texto escrito.
As ativid ades propo stas que exigem do aluno algum a forma de ex-
pressão escrita estão voltadas para o que parece se tratar de uma concep-
ção de escrita, segun do a qual, escrev er signif ica:

( i) FIXA R CONC EITO S, FÓRM ULAS E CONT EÚDO S


(ii) EXER CITA R para fixar conceitos
(ii i) REVI SAR conceitos etc.

Vale a pena c itar algu ns trec hos dos prefác ios dos livros analisados,
quant o aos seus objeti vos gerai s:

1) Geogr afi a (7ª séri e):

Esta obra pre te nd e se r um a o bra re no vad o ra, ta nt o na linh a


4
Ver também a esse respe.ito, ne ste vo lume, o texto " Ideal <le Esc rita e Livro Didátic
o".
154
metodológica quanto na concepção do objeto tratado, ou seja, o espaço
do homem.

Metodologia é indutiva, indo sempre que possível do concreto ao abs-


trato, do experimental ao teórico.

No final de cada capítulo, há diversos exercícios destinados à revisão,


fixação e valorização dos aspectos mais relevantes do que foi estudado.

2) Livros de Ciências (8ª série)

Objetivo: capacitar o aluno a perceber e criticar as questões ambientais


e sociais a ele ligadas .

... estimulamos a criatividade do educando, fazendo-o entender que o


conhecimento científico não é um produto acabado e inquestionáve l.

Este volume é destinado à 8ª série do ensino fundamental. Como


os demais, está rigorosament e de acordo com as diretrizes traçadas
pelos Guias Curriculares da Secretaria de Educação do Estado de São
Paulo.

3) Livros de História (6ª série)

Estudando História, nós ficamos mais inteligentes. Começamos a ver


repressões ocultas. É o início da nossa vitória sem elas ... A História
nos faz agir conscientemente ..

4) Livros de Matemática (5ª série)

Procuramos explorar todos os conceitos básicos deste nível, de uma


maneira compreensível e intuitiva.

Evitamos dar "receitas" prontas, bem como o formalismo excessivo.


Procuramos, porém, manter um certo rigor, coerente com o nível para
o qual o livro é proposto.

Este livro enfoca a Matemática com o rigor conceituai necessário, e


com suas aplicações em níveis crescentes de dificuldades e de resolu-
ção de exercícios e problemas.

155
Nossa intenção é dar a você (aluno) a oportunidade de usar sua obser-
vação e sua capacidade criativa para melhor compreender os modelos
matemáticos.

Neste livro, queremos que você aprenda Matemática e perceba nas


teorias, nas fórmulas , nas resoluções a organização do pensamento
que visa facilitar a solução das suas dificuldades de cada dia. Participe
ativamente ao trabalhar com este livro.

ANÁLISE DAS ATIVIDADES E A PRODUÇÃO ESCRITA

Os autores dos li vros falam em:

não dar receitas


estimular a criatividade do aluno
proporcionar uma relação do conhecimento e a realidade do aluno
estimular a criticidade do aluno
ajudar a desenvolver a inteligência do aluno (sic)

Ao examinarmos, porém, as atividades de abordagem do conteúdo,


constatamos uma outra realidade, especialmente naquelas que propõem
certa atividade escrita. Elas são, predominantemente, atividades de escri-
ta dirigidas, como apontam comandos do tipo:

A) RESPONDA; DÊ EXEMPLOS
CALCULE;DESCREVA
CITE
ENUMERE
CLASSIFIQUE

B) Outras atividades incluem o comando de ESCREVER:

Responda no seu caderno ...


Faça no seu caderno o seguinte traba lho ...
Escreva em seu caderno ...
Escreva no seu caderno um exemplo de ...
Escreva no seu caderno a diferença entre as zonas tropicais e as zonas
temperadas .. .
156
va no próprio caderno" parece
. ~ ins~rução par a que o aluno "escre
1ca r nao um a pre ocu paç ão gen uín a com a questão da escrita em sala
md
o livro didático se tom e rapida-
de aula, mas um a tentativa de evitar que
nte des car táv el, já que os alu nos pre fer em responder nos próprios livros,
me
e em palavras- chaves ret iradas
em forma de notas superficiais com bas
dos textos estudados.

doras":
C) Alg um as atividades se dizem "inova
us)
(i) PE NS E E RE SP ON DA (sobre os vír

o o pró pri o livr o did átic o, ao rea liza r essas atividades, o aluno
Seg und
e, depois , sistematizar sua s refle-
é instigado a pen sar sobre um assunto
.
xões ao res pon der às questões propostas
ros)
(ii) VAMOS PE NS AR (sobre cachor
(iii) CO NV ITE AO RACIOCÍNIO
(sobre os golfinhos)

CO NC LU SÕ ES

dos, é pressuposta e dirigida:


A atividade de escrita, nos livros analisa
guntas sobre o texto. A atividade
o aluno dev erá escrever a partir de per
rita par ece im plí cita na cre nça de que o aluno já deverá vir/estar
de esc
s e aceitas. Espera-se , portanto,
imbuído de normas de escrita eficiente
escrito.
que ele pro du za alguma forma de texto
depreende a partir da análise
Alé m dis so, a imagem do aluno que se
é a de que ele não est á cap aci tad o ou acostumado a pensar,
dos livros
ioc ina r. Ex pre ssõ es do tipo "V am os Pensar", "Convite ao Raciocínio",
rac
tipo de discurso que permeia o
"Pe nse e Re spo nda " parecem revelar um
esc ola r com sua s exp ect ativ as em relação ao aluno enquanto
contex to
avés do livro did átic o.
não crítico , solidificando tal imagem atr
ecífi cas que autorizem os mo-
É preciso que o livro reserve seções esp
s nos qua is o alu no pod erá exe rce r ou aprend er a exerci tar seu pen-
mento
o did ático de qua lquer discip lina
samento. Em outras palavras, cab e ao livr
cri ar esp aço par a que o aluno pen se.
ssa din âm ica , o alu no- aut or des apa rece diante da perspectiva de
Ne
"pe nse", "raciocine". Su a relaçã o
falhar no "pedido" do livro para que ele
duç ão de um tex to esc rito se car act eriza pela possibilidade ou
com a pro
não de matar um a charad a.
157
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

GALLO, s. L. (1995) Discurso da Escrita e Ensino. Campinas:SP: Ed.


Unicamp.
OLIVEIRA, J.B.A. (1984) A Política do Livro Didático. Camp inas, SP:
Ed. da Unicamp e São Paulo: Summ us Ed.
ORL AND I, E.P. (1988 ) Discu rso e Leitu ra. São Paulo : Corte z/Ed.
Unicamp.
ORL AND I, E.P. ( 1996) Interpretação -Aut oria, Leitu ra e Efe itos do Tra-
balho Sim.bólico . Petrópolis, RJ: Vozes.
PFEIFER, C. ( 1995) Que Autor é Esse? Disse rtação de Mestrado. IEL.
Unica mp.
SOUZA, D.M. de (1995) Do Monumento ao Docu mento. ln: M .J. Coracini
(org.) O Jogo Discursivo na Aula de Leitu ra - Língua Materna e Lín-
gua Estrangeira. Campinas, SP: Ponte s.
VESE NTIN I, J .W (org.) (1995) Geografia e Ensin o - Textos Críticos.
Campinas, SP: Papiros Editora.

LIVR OS DIDÁ TICOS ANALISADOS

FIO RI, A . ( 1988) Novo Enfoque da Mateniática- s· série. São Paulo:


IBEP.
GIOVANI, J .R. ( 1990) Aprendizagen1 e Educ ação Mate,nátic a, T série.
São Paulo: FTD.
MAR QUE S, P. (1995) Ciências - os seres vivos . São Paulo: Ed. Scipione.
MOR EIRA , I. ( 1995) Geografia Nova: o espaç o do homem.. T série. São
Paulo: Ed. Ática.
NAP OLEÃ O, O. (1988) Saúde e Ecologia: preve ndo o f uturo da espécie
humana. 8. série. São Paulo : IBEP.
PIME NTEL , W.J. (1988) Geografia: quadro político do mundo atua/ .8'
série. São Paulo: IBEP.
REIS, A. (1995) Matemática co,n Humor. 5· série. São Paulo : Ed. Arco-
Íris.
SANTOS , J .R. ( 1992) História: Brasi l Impé rio e República. 6" série. São
Paulo: FrD.
SCHMID_T, M. ( 1995) Nova História Crític a do Brasil. t grau. São Pau-
lo: Edito ra Nova Geraç ão.

158

Você também pode gostar