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Energias Renováveis Sustentáveis

USO E GESTÃO PARTICIPATIVA

NO MEIO RURAL
2

Energia
Termosolar

ENERGIAS RENOVÁVEIS SUSTENTÁVEIS


Coordenação geral:
Lúcia Schild Ortiz

Pesquisa, texto e edição:


Mayron Regis Brito Borges

Design gráfico:
Clô Barcellos / Libretos

Ilustrações:
Ricardo Machado

Realização:
GTEnergia do FBOMS
O77e Ortiz, Lúcia Schild
Energias renováveis sustentáveis : uso e
gestão participativa no meio rural / Lúcia Schild
Parceiros:
Ortiz (coord.). – Porto Alegre : Núcleo Amigos Fundação Heinrich Boell
da Terra/Brasil, 2005.
64 p. ; 23 x 16 cm.

1. Energias alternativas. 2. Energias


Apoio:
renováveis. 3. Sustentabilidade. 4. Meio Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
ambiente. 5. Gestão participativa.
I. Título. Núcleo Amigo das Terra / Brasil – NAT
CDU 620.92
Catalogação elaborada por:
Evelin Stahlhoefer Cotta – CRB 10/1563
Foto da capa:
Tanice Andreatta
3 Micro e mini centrais
hidrelétricas Biomassa Biogás
USO E GESTÃO PARTICIPATIVA NO MEIO RURAL

Biocombustíveis Energia Energia


Solar fotovoltaica Eólica
Energia renovável 4
sustentável é uma
opção que
promove: 5 Apresentação

ENERGIAS RENOVÁVEIS SUSTENTÁVEIS


a universalização
do acesso à energia 10 Utilizando a energia da água que corre nos rios,
e a gestão arroios e igarapés
participativa e 10 Micro e mini centrais hidrelétricas
descentralizada
dos recursos 23 Utilizando a energia da matéria orgânica vegetal
energéticos locais. e animal
23 Os 3 bios
26 Biomassa na geração de energia elétrica
34 Biogás
42 Biocombustíveis

49 Utilizando a energia do sol


49 Energia termosolar
54 Energia solar fotovoltaica

62 Utilizando a energia do vento


62 Energia eólica

67 Para saber mais...


67 Outras fontes de informação sobre o uso
descentralizado e participativo das energias renováveis
5 Apresentação
O que é energia renovável?
Quais são as fontes que podem ser melhor
USO E GESTÃO PARTICIPATIVA NO MEIO RURAL

aproveitadas de acordo com as realidades


regionais brasileiras? Como elas podem ser
utilizadas de forma descentralizada, em
aproveitamentos gerenciados pelas
comunidades no meio rural?
O que é necessário, em organização
comunitária?
Quais as tecnologias disponíveis?
Quais os custos e meios de financiamento?
Existem políticas voltadas para o setor ?
Quais as principais dificuldades e desafios
para tornar o uso das fontes renováveis
de forma descentralizada
uma realidade no meio rural?
Estas são algumas das questões levantadas pelas or-
ganizações reunidas no Grupo de Trabalho (GT) Energia do
Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio
Ambiente e o Desenvolvimento (FBOMS).
6
O GT Energia é formado por organizações
não governamentais – ONGs, sindicatos e movi-
mentos sociais, como o Movimento dos Atingidos

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por Barragens – MAB. Em sua maioria, estes gru-
pos enfrentaram ou enfrentam no seu território,
grandes projetos de energia que trazem consigo enor-
mes impactos ambientais e injustiças sociais.

As grandes barragens, por exemplo, já desloca-


ram de suas terras cerca de 1 milhão de pessoas no Bra-
sil, e alagaram mais de 34 mil km2 de terras produtivas, flo-
restas e zonas ribeirinhas ricas em suas paisagens, culturas, fer-
tilidade e biodiversidade.
As usinas nucleares, como as de Angra dos Reis, geram gran-
de apreensão à população no entorno, e o problema sem solução para as gerações futu-
ra que é o lixo radioativo. No sul do Brasil, a geração de energia, e de poluição, a
partir da mineração e da queima do carvão mineral, já mobilizou comunidades em defe-
sa de suas terras, da água e do ar.

O aprendizado destas lutas resultou no questionamento do atual modelo


produtivista e excludente e de geração centralizada de energia que, apesar
de tantos impactos, não atende 12 milhões de brasileiros, destes, 10 milhões
vivendo no campo. E esta reflexão nos mostra que a continuidade deste
modelo não é a chave para beneficiar aos excluídos da energia.
7 A demanda crescente por energia está fortemente relacionada à expansão da
produção de bens eletrointensivos, como o alumínio e a celulose, que consomem mui-
ta energia e água, recursos que são também exportados quando estes produtos são
vendidos para fora do país.
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A lição do apagão ocorrido em 2001 no Brasil não foi a do fantasma utilizado


nos discursos para justificar a necessidade de novas grandes obras de energia.
A lição, dada pela população, que deve ser seguida em todos os setores da eco-
nomia é: temos muito a conquistar no gerenciamento da demanda através de medidas
de eficiência energética em todos os níveis. Só depois de esgotadas estas possibilidades
o país deveria adequar sua matriz energética à uma demanda real utilizando formas de
geração de energia causadoras de menor impacto sobre as pessoas e a natureza.
Precisamos de mais energia para aqueles que vivem no escuro. Mas esta energia,
em quantidade e qualidade, pode ser suprida pelos recursos renováveis
presentes de forma diversa em cada região do país.
São pequenas quedas d´água, resíduos agrícolas,
os ventos e o sol que, combinados à aplicação É preciso mudar os
de tecnologias apropriadas, decididas e gerenciadas padrões
pelas comunidades locais, podem trazer para de produção e
a gente do campo, mais do que a luz, a consumo e, assim,
possibilidade de conservação de alimentos as perspectivas de
e produtos, de aquecimento da água e de aumento sempre
ambientes como criadouros de animais, crescente
de secagem e beneficiamento de grãos, e insustentável de
além de opções de transporte e de geração da
comunicação. energia.
8

Nossa intenção é mostrar aos pequenos produtores, aos movimentos organiza-


dos do meio rural e à população em geral as possibilidades do uso das fontes renováveis
– das micro e mini centrais hidrelétricas, da energia solar, da energia eólica e da eletri-

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cidade, biogás e biocombustíveis vindos da biomassa – como forma de descentralização
e democratização dos benefícios da energia com inclusão social, refletindo sobre quais
as condicionantes e quais as restrições para que seu uso seja sustentável e traga im-
pactos positivos para as comunidades e para o meio ambiente.
Nos exemplos práticos estão a riqueza das possibilidades e o significado que
cada uma dessas experiências trouxe às comunidades. Houve apropriação da energia,
fortalecimento de práticas democráticas e formas de tomada de decisão, que amplia-
ram a produtividade e a renda, e estimularam a reflexão sobre a participação
da mulher e a responsabilidade de cada um na produção, no uso e na ges-
tão dos recursos locais.

Estas conquistas são decisivas para a permanência das


comunidades na sua terra, e para o fortalecimento da
resistência a outros projetos de “des”envolvimento
que ameaçam, seja pelo avanço da fronteira das
grandes monoculturas, seja pela perspectiva
de alagamento de campos e florestas por
grandes barragens, o modo de vida das
populações rurais de fato
envolvidas com e dependentes da terra.
Os exemplos já em
9 curso servem de
base para a
Hoje no Brasil, as políticas para a promoção das
formulação de
energias renováveis e para a universalização não andam
políticas
juntas e desperdiçam as vantagens e oportunidades para a
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apropriadas que
descentralização e a criação de um outro modelo, partici-
venham beneficiar
pativo, que diminua de fato as desigualdades sociais e regio-
muitas outras
nais no acesso à energia.
comunidades rurais
pelo Brasil adentro.
O Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de
Energia Elétrica - PROINFA, por exemplo, objetiva apenas a mai-
or participação de algumas fontes renováveis na matriz energética, e é
direcionado aos empreendimentos ligados à rede nacional de transmissão.
O Programa Luz para Todos, assim como a Política de Univer-
salização, tem como prioridade a extensão das redes existentes para o oferecimento
da energia que vem de grandes centrais geradoras e é distribuído por empresas conces-
sionárias, que pouco interesse econômico têm nesta tarefa.

Nestes programas, as comunidades rurais – mais de 80% da população sem


energia – em grande parte longe das redes de transmissão, são as últimas
beneficiadas. Por outro lado, estas comunidades têm mais a ganhar
a partir dos processos de organização e gestão participativa no
aproveitamento descentralizado dos recursos energéticos locais.

Lúcia Schild Ortiz


Coordenadora do GTEnergia do FBOMS
Utilizando a energia da água que 10

corre nos rios, arroios e igarapés...

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Micro e
mini centrais
hidrelétricas
A dificuldade que as comunidades do
interior do Brasil vivenciam no seu trato
rotineiro com a energia contrasta com a
facilidade que as populações das cidades
encontram na convivência e na
utilização da eletricidade vinda, em sua
maior parte, de grandes barragens.
Ligar comunidades isoladas ao sistema
integrado de energia não apresenta
vantagens na ótica das empresas
concessionárias.
As próprias comunidades,
11
empresas do setor
Da parte das comunidades, receber ou gerar elétrico, ONGs e
energia de forma isolada pode por vezes representar associações estão
um preço alto por um serviço de má qualidade, inter- discutindo alternativas
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mitente, ou com potência insuficiente para sua deman- simples e viáveis que
da, o que pode atrapalhar os seus negócios. providenciem quantidade
O uso da energia da água, em micro e mini cen- e qualidade de energia
trais hidrelétricas, pode ser uma excelente opção a be- para os desafortunados
neficiar comunidades em associação do interior do Pará do consumo de energia.
ou várias famílias de trabalhadores rurais cooperativados
do norte do Rio Grande do Sul.
A construção de uma central hidrelétrica, mesmo uma pe-
quena ou uma micro, deve ser analisada de forma que a consideração
integrada quanto à viabilidade econômica, à viabilidade social e ambiental e
também quanto aos recursos disponíveis permita uma conclusão indefectível. De-
cidir sobre se deve ou não construir uma central hidrelétrica requer sabedoria e, muitas
vezes, os responsáveis pelo projeto não são sábios.

As comunidades que estão à margem do mapa energético e que são atingidas


por estes empreendimentos no Brasil se perguntam: quais são os fins de toda
essa energia que sai das hidrelétricas que alagam nossas terras?

A geração e o fornecimento de energia sempre foram pensados e discutidos como


estruturas tecnológicas e econômicas que dinamizam um desenvolvimento econômico
e social homogêneos. Como se todos precisassem consumir um mesmo padrão de ener-
12

gia, o que, realmente, não acontece. Depende muito se o consu-


midor residencial é ou não do meio rural. Qual o tipo de residên-
cia, de utensílios domésticos, de equipamentos e quantas pessoas

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utilizam esse benefício? No caso do consumidor industrial, depende
do tipo de indústria e do maquinário. Desconsiderando as realidades,
o desperdício de recursos vira regra.

Micro, mini e pequenas centrais


hidrelétricas (PCHs)
As micro, mini e as pequenas centrais hidrelétricas (também conhecidas como
PCHs) vêm se consolidando como alternativas para as comunidades rurais e pequenas
agroindústrias que, ou não estão interligadas ao sistema energético, ou são agraciadas
com uma energia cara e de baixa qualidade por estarem na ponta das redes de transmis-
são. Por dentro do Brasil, pequenos projetos, tanto em termos de recursos como de
geração de energia, germinam e frutificam sem causar impactos ambientais e sociais.
O tanto de energia que cada
uma delas vai produzir é o que permite Classificação da portaria 394 da Agência Nacional
afirmar o que é uma micro, o que é uma de Energia Elétrica – ANEEL, de dezembro de 1998
mini central e o que é uma PCH. Classificação Produção de energia
Micro centrais até 100 kW
Mini centrais de 100 a 1.000 kW
PCHs de 1.000 a 30.000 kW (ou 30 MW)
13

Segundo a ANEEL, em 2002, havia 345 PCHs, micro e mini centrais em


operação, um total de 1468 MW. Destas, 42 estavam em construção, cerca de
516 MW, e mais 79 outorgadas, 1225 MW, totalizando 3.219 MW, menos da
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metade do total inventariado que é de 7316 MW. Estudos baseados no


Sistema de Informações sobre Potencial Hídrico elevam esse potencial para
17.277MW1 .

O custo da energia produzida pelas PCHs, pelas micro e mini centrais ainda é
bastante alto, comparado ao valor do megawatt-hora médio de geração de energia
da ANEEL – R$ 72,45/MWh.
As PCHs da região sul, que ficam entre 10 e 30 MW , conseguem um valor de
R$ 51,22/MWh. As micro da região norte, que alcançam 100 KW, têm um preço de
R$ 122,57/MWh.

Todavia, só o fato das micro ou das pequenas centrais serem pequenos


projetos não certifica que sejam sustentáveis e
que não haja restrições para sua construção.

A sustentabilidade depende de requisitos socioambientais que uma atividade eco-


nômica deve seguir e implica cada vez mais pensar o acesso aos recursos naturais condi-
cionado às realidades sociais e ambientais de cada região. Advoga-se em relação a esses
projetos que o gerenciamento seja comunitário; que novas formas de organização para
o projeto surjam; que promovam a eletrificação de um maior número de domicílios sem
1. Estudo publicado em Tolmasquim, M. T. (coord.) Alternativas Energéticas Sustentáveis no Brasil, Ed.Relume Dumará, Rio de Janeiro, 2002
14
acesso; que os gastos totais com energia decresçam; que o consumo
de energia destine-se ao suprimento das necessidades adequadas à
realidade local; que gerem trabalho e renda; e que os impactos ocasi-
onados no ambiente sejam os menores possíveis.

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É evidente que uma PCH pode causar menor impacto do
que uma grande central hidrelétrica, contudo, dentro das especi-
ficidades socioambientais de uma região, pode infligir impactos mui-
to graves e irreversíveis para um bioma determinado e para as popula-
ções que nele e dele vivem.

Para que isso deixe de ser a regra e para que possam merecer a credencial de
sustentabilidade, os projetos de PCH podem estar ainda condicionados a outros critérios.
Por exemplo:
• ser a fio d’água,
• dispensar a necessidade de um lago ou reservatório,
• ter potência instalada de até 10 MW, seguindo as definições e as
recomendações da Comissão Mundial de Barragens 2 ,
• ter densidade de potência instalada de menos que 10 W por m2,
• ter sua construção decidida pelas comunidades atingidas.

Indispensável também é que a influência, impactos e viabilidade


socioambioental de cada pequeno projeto sejam sempre avaliados no
contexto dos múltiplos empreendimentos existentes e/ou previstos para uma
2. A Comissão Mundial de Barragens foi um processo independente e internacional de discussão sobre as controvérsias dos
projetos de hiodrelétricas. O Relatório,publicado em 2000, pode ser acessado em http://www.dams.org/report/
15
mesma bacia hidrográfica, o que pode evitar que um pequeno rio
deixe de correr e dar vida às populações e ecossitemas que dele
sobrevivem e se torne uma escadinha de pequenos lagos com a única
função de fornecer energia.
USO E GESTÃO PARTICIPATIVA NO MEIO RURAL

Gerar e gerenciar a energia elétrica produzida por micro e mini centrais hidrelé-
tricas de forma sustentável e viável economicamente já é uma realidade para comunida-
des e cooperativas no meio rural em diferentes regiões do Brasil que localizam-se a pou-
cos quilômetros de cursos d´água com declividade mínima adequada para seus aprovei-
tamento hidrelétrico. Na maioria das vezes, a mobilização dessas comunidades em tor-
no dos projetos é determinante para garantir sua permanência no campo, a soberania
sobre o seu território e até mesmo a vitória da resistência a outros projetos que põem
em risco seus modos de vida, como é o caso do avanço das grandes monoculturas sobre
as pequenas propriedades rurais, ou mesmo o possível alagamento de suas terras por
projetos de mega centrais hidrelétricas.

Projetos de micro e mini centrais hidrelétricas sustentáveis


Exemplo 1
Comunidade de Açaizal, município de Bel Terra
Ali, no oeste paraense, só algumas casas se iluminavam à noite, graças a motores
movidos a diesel. A maioria das 80 famílias de pequenos produtores de arroz, mandioca e
milho vivia às escuras. Uma das possíveis soluções seria a compra de placas solares
16
fotovoltaicas, mas a capacidade de armazenagem de energia não seria suficiente para os
anseios das famílias. A solução encontrada foi construir uma micro central hidrelétrica, a
partir das experiências bem-sucedidas na região, construídas pela Idalma, micro indústria

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com sede em Santarém.
Das 80 famílias, 45 se organizaram e coletaram durante seis meses
R$ 1.500,00 cada, que resultaram na compra de 2 pequenas turbinas fabricadas
na região, 2 geradores e 13 transformadores que geram e distribuem 60 kW para
quatro comunidades, duas com sócios e duas com não-sócios.

A comunidade tem um estatuto que disciplina todas


as obrigações a respeito da micro central hidrelétrica: do
quanto se deve cobrar e até quem é responsável pela
manutenção. Os sócios têm direitos a consumir 60
kWh de energia elétrica por mês de graça, pa-
gando apenas o adicional do consumo, enquanto os
não-sócios pagam pelo consumo total.
Em Açaizal, foi feita uma pequena taipa de
terra, com ajuda das máquinas da prefeitura, para
canalizar parte do igarapé e direcioná-lo para ali-
mentar as turbinas. O relatório ambiental simplifi-
cado foi escrito pela Idalma e descreveu os impac-
tos como baixos, frente às vantagens obtidas.
Ligando as turbinas na barragem do Açaizal. (Foto:Viviane)
17
A maior dificuldade enfrentada pela comunidade de
Açaizal hoje se relaciona com a regulamentação do setor elétrico,
que permite a geração de energia pelas comunidades isoladas, mas
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não a sua distribuição para comunidades vizinhas. A responsabili-


dade ficaria a cargo da Centrais Elétricas do Pará - CELPA. A con-
cessionária é a única autorizada a distribuir energia no estado do Pará,
mas não tem interesse econômico em distribuir energia para pequenas
comunidades como estas que, trabalhando por este benefício, atuam hoje
na “ilegalidade”.

Além de melhorar a qualidade de vida no cotidiano dos comunitários,


que passaram a contar com aparelhos eletrodomésticos e abastecimento
de água em suas casas, a construção da micro central hidrelétrica
fez com que as pessoas se fixassem em suas terras
e não as vendessem para produtores de soja.
Este exemplo já alcança comunidades com
características e possibilidades semelhantes,
e também serve de reflexão do atual modelo
de geração de energia que sai de grandes
centrais hidrelétricas e, distribuída pelas
grandes concessionárias, na maioria
privadas, não chega às pequenas
comunidades.
Exemplo 2 18
Comunidade de Vila Cachoeira do Aruã,
município de Santarém

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Foi uma mudança radical para uma comunidade que até bem pouco
tempo baseava sua vida numa precária roda d’água e num pequeno ge-
Região oeste do rador termelétrico a diesel que funcionava nos finais de semana, du-
estado do Pará: 59 rante três horas, o que custava R$ 10,00 mensais por família para pa-
famílias estão sendo gar o diesel.
beneficiadas com a
implantação de uma Para que o projeto trouxesse mudanças significativas na
micro central cuja vida e socioeconomia da comunidade, se criou uma
potência instalada é entidade comunitária com nome de Prisma, uma parceria
de 50 kW, mas que do Centro Nacional de Referência em Pequenos
pode ser ampliada Aproveitamentos Hidroenergéticos – CERPCH com a
para 100 kW. Universidade Federal de Itajubá – Unifei, o Instituto
Winrock, o Projeto Saúde e Alegria e a CELPA.
O Prisma ficou responsável pela gestão da micro central
e pela promoção de usos produtivos de eletricidade.

A entidade assumiu duas atribuições legais: Produtor Independente


de Energia – PIE e Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP.
Como PIE, o Prisma pode produzir e comercializar energia com a concessioná-
ria local, sob os auspícios da ANEEL. O fato de ser um Produtor Independente abre
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também as portas para benefícios como o da sub-rogação da Conta Consumo de Com-


bustível – CCC, que é um fundo de subsídio para projetos que substituem o consumo
de combustíveis fósseis em locais remotos.
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Além disso, foi uma forma de “legalizar” a atuação comunitária na produção e


gestão da energia e registrar este fato de forma pioneira na ANEEL.
Como OSCIP, o Prisma enfoca o viés social e comunitário de organizações do
terceiro setor, porém dotada da flexibilidade de uma empresa privada.
.
Exemplo 3
Cooperativa Regional de Eletrificação
Rural do Alto Uruguai – CRERAL
A CRERAL existe desde 1969, quando a formação de coo- Norte do Rio Grande
perativas de eletrificação rural foi incentivada pelo governo, uma do Sul: em 1997,
vez que as companhias distribuidoras estatais, como a Compa- 5.647 associados da
nhia Estadual de Energia Elétrica - CEEE no Rio Grande do Sul, CRERAL decidem
assumiam sua incapacidade em atender os consumidores do pela construção de
campo. Por muitos anos a cooperativa funcionou como uma em- uma mini central
presa privada, familiar, sem transparência. Em 1992, após uma hidrelétrica para
crise financeira, falta de estrutura e qualidade para atender os obter energia a baixo
cooperativados, tarifa elevada e falta de diálogo entre a direção e custo, sem prejuízos
a base, uma grande mobilização organizada com o apoio dos sin- ambientais e sociais.
dicatos dos trabalhadores rurais fez com que a diretoria renuncias-
20

se e uma nova forma de gestão, participativa, fosse implementada. Hoje, as decisões na


CRERAL passam por várias etapas: 120 encontros nas comunidades, conselho de
líderes e uma assembléia geral por ano, definindo as prioridades, as mudanças, os

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investimentos e a tarifa que será cobrada.

Ao todo, a CRERAL controla duas mini centrais: a Abaúna, com potência de


720 kW, e a Cascata das Andorinhas, de 1.000 kW. A quantidade de energia
disponibilizada pelas duas centrais atende 50% do consumo da cooperativa.
O restante é comprado da concessionária privada que atua na região, a RGE,
e distribuído através das redes da cooperativa.

Mini central Abaúna, inaugurada em 2000

altura reservatório turbinas geradores e transformadores custos e financiamento

2 m de canal com 1 turbina 1 gerador com potência


extensão de 900 kVA R$1.200.000,00
altura Kaplan com
de 3.000 m potência de 1 painel de comando
que ajusta a tensão, 42% de recursos
720 kW
a potência e a freqüência provenientes do
de energia produzida Banco Regional de
1 transformador que muda Desenvolvimento –
a tensão de 380 V para BRDE
Em 2001, a energia gerada pela
13.800 V para que 58% de recursos
Abaúna foi 3.822 MWh, e o custo do
seja feita a conexão com próprios da
MW/h ficou abaixo dos 10 dólares 3 .
a rede de distribuição cooperativa

3. Atualmente a energia cobrada nas contas de energia elétrica residencial fica em torno de 150 dólares – ou R$ 340,00 o MWh.
21
Mini central Cascata das Andorinhas, inaugurada em 2004

altura reservatório turbinas geradores e transformadores Custos e financiamento


USO E GESTÃO PARTICIPATIVA NO MEIO RURAL

queda opera 2 turbinas 2 geradores de R$ 2.200.000,00


d´água a fio d´água Francis de 750 kVA, 380 V por
de (sem 500 kW cada gerador (1800 RPM) viabilizado
142 m reservatório) através de um
2 transformadores
financiamento do
que elevam a ten-
BRDE de 65% do
são de 380 para
A obra da usina foi concluída em 28 meses e, custo total.
13.800 V
durante a construção, foram gerados 50 O restante foi
empregos diretos e 150 indiretos. O projeto investimento da
ainda hoje envolve a CRERAL e a comunidade própria
do município de Nonoai, às margens do arroio cooperativa
Tigre, no reflorestamento das margens do
arroio e na busca por soluções de tratamento
de esgotos e preservação da qualidade das
águas que caem na cascata e geram energia
para os associados da CRERAL.

Mini central hidrelétrica


Abaúna – CRERAL, RS.
(Foto: Lúcia Ortiz)
Nem sempre a
participação das 22
mulheres em todo o
Uma curiosidade processo de realização
é reconhecida.
Mesmo antes da vinda da energia

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elétrica, eram as mulheres as responsáveis em
cada casa pelo controle do estoque da lenha para
o cozimento dos alimentos, pelo aquecimento da água e pela conservação dos produtos
como frutas e verduras. Mas, em sua maioria, os homens é que são os proprietários
legais das terras e, assim, os que detém os títulos da sociedade ou cooperativa em que se
organizam as comunidades rurais para a gestão da energia.
Na CRERAL, que tem mais de 5 mil associados estruturados em 120 centros
comunitários que se reúnem anualmente, um conselho de líderes formado por 240 as-
sociados elege um Conselho Ampliado, que dá suporte às tomadas de decisão pelo Con-
selho de Administração a partir dos desígnios da Assembléia Geral. Neste conselho, de
50 pessoas, apenas uma é mulher.
Na comunidade do Açaizal, apesar do reconhecido papel das mulheres na
economia e uso consciente da energia – justamente naquelas propriedades onde o con-
sumo não ultrapassa os 60 kWh médios mensais – elas não têm participação de desta-
que nas reuniões e tomadas de decisão da associação comunitária.

É importante que as mulheres tenham consciência do seu papel e do valor


das suas contribuições no gerenciamento dos recursos energéticos renováveis
e ocupem o seu espaço nas diversas formas de organização e decisão
comunitária.

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