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Não é nenhuma novidade que durante os anos mais autoritários do governo de Getúlio
Dornelles Vargas, 1937 a 1945, houve uma busca incessante pela construção da ideia de
nação e do homem brasileiro, procurando seus símbolos muitas vezes nas esferas mais
populares. Além de marcado pelo autoritarismo e pela repressão, buscavam-se políticas que
conciliassem tradição e modernidade. Essa invenção1 do nosso sentimento nacional foi
dirigida sem sombra de dúvidas pelo próprio Estado, mas, sobretudo, com o auxílio da
intelectualidade brasileira.
Nesse contexto, foram criados diversos organismos visando educar a população,
construir a memória nacional e controlar as manifestações culturais e os meios de
comunicação. Com o intuito de que alcançassem seus objetivos, buscaram estabelecer uma
continuidade entre a Revolução de 1930 e o Estado Novo, como se fizessem parte do mesmo
processo revolucionário que pôs fim a Primeira República.
A questão social, antes deixada de lado, passou a ser vista pelo Estado como uma
questão essencial. Ele seria o responsável por promover o bem-estar da nação, que seria
alcançado através da outorga de uma legislação social, pondo fim às aflições dos
trabalhadores. A salvação do operariado e o direito trabalhista eram, portanto,
respectivamente, a missão do novo Estado e o meio pelo qual o trabalhador seria colocado em
seu lugar de base fundamental da nação. O governo adotava uma democracia social em que o
Estado humanizava-se e integrava-se à vida popular (GOMES, 1988: 207).
O ideal de brasilidade e a renovação nacional propostos foram os elementos utilizados
para criar uma outra continuidade: a união da revolução artística e política (VELLOSO, 1987:
43). O período anterior teve seus aspectos negados e associados ao atraso, à desordem social
(GOMES, 1988: 207- 208) e foi acusado de estar comprometido apenas com a arte europeia,
não reconhecendo as virtudes nacionais (ABREU, 2011: 71-83). Havia uma “tentativa de
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O regime só se utilizou da doutrina modernista do grupo verde-amarelo3, apesar de ver
o movimento de forma homogênea, sem fazer a distinção entre suas correntes. Só que isso não
impossibilitou a participação no governo de intelectuais de outras correntes do modernismo e
também de outros não pertencentes a ele, o que revela a complexidade e ambiguidade da
política cultural do Estado Novo (CURY, 2002/2003: 72).
Com a inauguração do SPHAN e decretado o início do regime autoritário, temos então
a criação de nosso patrimônio histórico e artístico nacional nas décadas de 1930 e 1940. Um
projeto basicamente modernista da década de 1920. Mas a atuação dos intelectuais
modernistas não se limitava ao SPHAN. O Ministério da Educação e Saúde, sob o comando
de Gustavo Capanema, também era composto por eles. Principalmente pelos intelectuais
vindos de Minas Gerais, como Carlos Drumond de Andrade, que foram os grandes
articuladores4 das ideias modernistas dentro do Ministério (CHUVA, 2009: 106-117).
Os intelectuais desse período se sentiam os porta-vozes da sociedade brasileira, já que
conseguiriam captar o inconsciente coletivo nacional, e os gestores de nossa cultura. Viam a
sociedade como um organismo imaturo e frágil e ao mesmo tempo percebiam o Estado
associado à ideia de ordem, organização e união (VELLOSO, 1987: 3, 15). Por isso durante o
Estado Novo encontraram o ambiente propício para atuar. Além disso, como o governo
procurava ter controle de todas as esferas, em especial a cultural, a máquina burocrática, que
cresceu devido à criação de novos organismos, precisava de funcionários que comungassem
da mesma ideologia de união nacional e busca das raízes (BOMENY, 2001: 7).
Na década de 30 e 40, a metáfora da “torre de marfim” foi utilizada para desvirtuar os
intelectuais eruditos, como seres alienados da esfera política, e destacar o atendimento da
intelectualidade aos chamados do Estado Novo e o cumprimento de sua função social para
com a nação que é a de ser o representante da consciência nacional. “O trabalho do intelectual
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Dentre os pensamentos deste grupo, destaca-se que “os verde-amarelos defendem a brasilidade, argumentando
que esta permite a comunhão natural do homem com o meio ambiente. Ao intelectual é designada uma missão: a
de criar a consciência nacional, removendo os obstáculos que dificultam a comunhão homem-meio.” Esses
intelectuais reconheceram no Estado de São Paulo a base de brasilidade e o veem como o responsável por levá-la
ao resto do Brasil. Nessa corrente, a ideia de “Brasil-território” foi resgatada e por isso defendiam uma tradição
regionalista. Sobre a ideologia do grupo verde-amarelo e os pontos de discordância das outras correntes, ver:
VELLOSO, 1993: 89-112.
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Mas não somente eles. Entre o que não eram mineiros, podemos salientar a participação de Mário de Andrade,
Gilberto Freyre, Manuel Bandeira e Lúcio Costa.
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– agora engajado nos domínios do Estado – deve traduzir as mudanças ocorridas no plano
político” (VELLOSO, 1987: 11). E o que se esperava era que esse intelectual agisse em
consonância com o governo. E Getúlio Vargas, além de “pai dos pobres”, tornou-se também
pai desses intelectuais. Era o presidente, personificação do regime, que estaria atendendo as
vontades do povo por intermédio dos “homens do saber” (BRAGA, 2008: 9).
Além da criação do SPHAN, Cury salienta a criação do Serviço Nacional do Teatro, o
de Radiodifusão Educativa e projetos de caráter individual, como instituições ou ações do
governo voltadas para o projeto da brasilidade, por exemplo, propostos por Portinari e Villa-
Lobos (CURY, 2002/ 2003: 72). Este intelectual, a partir de 1930, passou a defender a
renovação moral e cívica através da música nacional e suas ações giraram em torno do ensino
de canto orfeônico. Sua participação na burocracia estatal, que teve início em 1932 quando
assumiu a Superintendência de Educação Musical e Artística do Distrito Federal, e sua
contribuição na formulação das políticas culturais fez dele um dos intelectuais mais ativos do
governo Vargas, contando com o apoio inclusive do Departamento de Imprensa e Propaganda
(PARADA, 2009: 174- 185).
Para criar o ambiente de aceitação e consenso do regime era necessária a divulgação e
popularização de sua ideologia em todos os níveis sociais. É durante o Estado Novo que o
governo se empenha mais na elaboração de uma propaganda sistemática e temos, então, a
criação do DIP em de dezembro de 1939, que seria dirigido por Lourival Fontes. Suas funções
eram “coordenar, orientar e centralizar a propaganda interna e externa; fazer censura a teatro,
cinema, funções esportivas e recreativas; organizar manifestações cívicas, festas patrióticas,
exposições, concertos e conferências e dirigir e organizar o programa de radiofusão oficial do
governo” (VELLOSO, 1987:20). Como afirmou Braga, devemos perceber que a centralização
política foi acompanhada também da centralização simbólica. O DIP é umas das instituições
com esse objeto. Ele foi uma tentativa de conciliar os discursos contrários ao governo dando
uma cara mais homogênea ao campo ideológico. E assim como a participação política ficava
restrita a um grupo de especialistas, o mesmo acontecia com a produção simbólica (BRAGA,
2008: 8).
O rádio, que era o meio de comunicação mais popular nesse período, foi alvo de
polêmica com relação à participação dos homens ilustres. Enquanto o filósofo Paul Valéry
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defendia que o rádio desfigurava a produção intelectual, os ideólogos do regime acreditavam
que sua presença nos programas radiofônicos elevava seu nível e conquistava o respeito dos
ouvintes. O rádio era um meio de chegar até mesmo aos ouvintes desinteressados. No entanto,
a liberdade de expressão deveria ficar a cargo apenas das elites políticas e intelectuais e a
radiofusão livre era vista com perigo à implantação do projeto político e à homogeneização
cultural. A estratégia adotada no rádio para obter êxito foi estabelecer uma programação que
agradasse à população, mas filtrando os elementos subversivos e imorais.
Para esses intelectuais o acesso à arte, esta que deveria ter fins utilitários, aumentava o
campo de abrangência governamental. E a música tinha um papel singular, era percebida
como a forma mais eficiente de educar o povo, levando em consideração, por exemplo, o
quanto o processo era facilitado para o indivíduo analfabeto. Ela jamais deixou de ser
percebida com importância pelo governo Vargas como meio de “acesso ao imaginário
popular” (VICENTE, 2006: 30), também foi alvo de censura pelo DIP. Suas letras eram
controladas por este órgão para impedir qualquer temática que fosse contra a ideologia do
regime. Até mesmo a linguagem e gírias usadas foram vistas “com desconfiança, devido ao
seu instinto satírico, capaz de depreciar os fatos e criticar os acontecimentos” (VELLOSO,
1987: 30). A língua era entendida como patrimônio nacional e precisava ser preservada.
As composições carnavalescas também foram controladas pelo DIP, pois recorriam à
paródia e à caricatura. Enquanto os intelectuais eram estimulados a pesquisar sobre a
contribuição dos negros para a constituição da cultura brasileira, o samba deveria passar pelo
crivo da censura para que não continuasse “cantando” valores “subversivos”. Passou-se a
defender esse estilo musical como um instrumento pedagógico, o que justifica a tentativa do
governo em civilizá-lo. “Ele deve ser educado para educar” (IBIDEM: 32).
Mas é importante lembrarmos que apesar de todo esforço no sentido de homogeneizar
a ideologia por parte do governo, havia uma dinâmica de tensão e conflito com relação à
atuação dos intelectuais. Afinal eram diversas correntes distintas atuando em prol da
construção da nação como já dito anteriormente. Entre elas, correntes integralistas, católicas,
socialistas. Essas disputas ideológicas foram constantes dentro do Ministério da Educação e
Saúde, tendo em vista que a educação é uma área que define mentalidades (BOMENY, 2001:
22).
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É interessante notar, além disso, o caso de Mário de Andrade. Intelectual que já
buscava as origens nacionais desde a década de 1920, como já dito anteriormente, foi
convidado por Gustavo Capanema para fazer o anteprojeto sobre a proteção dos monumentos
e obras de arte nacionais. Mas ele “viu seu projeto assimilado apenas naquilo que
correspondia ao projeto de Nação, claramente acolhido pelos braços do grande patriarca
Getúlio Vargas. O restante foi adaptado e retirado, dando origem ao projeto aprovado”
(IBIDEM: 74).
Bomeny chama a atenção para a questão da ambiguidade do casamento entre homens
de espírito e rotinas do poder. Em algumas cartas endereçadas a Capanema, Mário de
Andrade se mostrava descontente com a burocracia do governo Vargas e, apesar de sua
vontade em fazer projetos e políticas ligados à constituição da nação, de certa forma,
desestimulado. Para ele, nos anos em que atendeu ao chamado do governo, não fez nada de
útil e sentia-se se desmoralizando, o que o atormentava (BOMENY, 2001: 18, 19).
Considerações finais
Referências bibliográficas
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BOMENY, Helena. Infidelidades eletivas: intelectuais e política. In: CONSTELAÇÃO
Capanema: intelectuais e política/ Helena Bomeny (org.). Rio de Janeiro: Ed. Fundação
Getúlio Vargas; Bragança Paulista (SP): Ed. Universidade de São Francisco, 2001.
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Faperj, 2007.
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de Campinas em janeiro de 1994. São Paulo, 2006
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