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IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA POR ENRIQUECIMENTO ILÍCITO E

“LAVAGEM DE DINHEIRO” CONSIDERADOS À LUZ DA TEORIA DOS JOGOS

Pekelman Halo1

e-mail: pekelman@yahoo.com.br
twitter: @Pekelman_Halo
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SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Em que consiste a teoria dos


jogos; 3. A teoria dos jogos aplicada aos crimes de “lavagem
de dinheiro”; 4. A teoria dos jogos aplicada aos atos de
Improbidade Administrativa; 5. Considerações finais; 6.
Referências bibliográficas.

1. Introdução

Este trabalho2 visa analisar de modo breve a possibilidade de se exerce controle sobre
atos fraudulentos ou corruptos de agentes públicos, em situações normativas dadas, mediante
antecipações de ações e decisões estratégicas oferecidas pela teoria dos jogos em adaptação
das ciências econômicas para as ciências jurídicas.

As situações normativas dadas serão as indicadas pela Lei de Improbidade


Administrativa (LIA) especialmente a que configura o “enriquecimento ilícito”. Serão
analisadas também as situações normativas da Lei dos crimes de “lavagem de dinheiro” sob a
sigla LCLD.

O primeiro tópico consistirá em breve explanação do que seja a teoria dos jogos. O
segundo tópicos tentará demonstrar de que modo essa teoria pode ser aplicada para a
efetivação das normas que tipificam os crimes de lavagem de dinheiro. O terceiro e ultimo
tópico fará o mesmo em relação aos delitos de Improbidade Administrativa, com foco para o
instituto do enriquecimento ilícito.

1
Licenciado em História pela UFMA (Universidade Federal do Maranhão). Acadêmico de Direito da UNDB
(Unidade de Ensino Superior Dom Bosco). Membro do NEC (Núcleo de Estudos da Corrupção).
2
Este artigo foi escrito em setembro/2010 por ocasião de avaliação na Disciplina Processo Penal II ministrada
pelo Prof. Ms. José Cláudio Cabral Marques.
2. Em que consiste a teoria dos jogos

A teoria dos jogos tem múltiplas aplicações a problemas sociais e jurídicos. Já


começou a influenciar largamente as ciências sociais em questões altamente significativas.
Diferente, pois a sua abordagem epistemológica uma vez que os fenômenos humanos nem
sempre são explicados através de cálculos e leis físico-matemáticos.

Na definição de Carvalho (2007, p. 215):

A teoria dos jogos é um método utilizado para representar e compreender as


decisões tomadas por agentes que interagem entre si. Também é correto afirmar
que, a partir dessa compreensão, constitui um meio para a adoção da melhor
escolha nos casos de interação estratégica.

Essa teoria tem um longo panorama histórico. Aparece pela primeira vez no século
XVII. Os autores Stuart J. Russell e Peter Norving Russell explicam que:

As raízes mais antigas da teoria dos jogos podem ser localizadas em propostas
feitas no século XVII por Christiaan Huygens e Gottfried Leibniz para estudar
interações humanas competitivas e cooperativas de forma científica e matemática.
Ao longo do século XIX, vários economistas importantes criaram exemplos
matemáticos simples para analisar casos específicos de situações competitivas. Os
primeiros resultados formais em teoria dos jogos se devem a Zermelo -1913-, que,
no ano anterior, sugeriu uma forma de busca de minimax (sic!) para jogos, embora
ela estivesse incorreta (RUSSELL, 2004, p. 623).

O próximo passo foi dado em 1921 por Emile Borel num artigo em francês de sua
autoria intitulado “La théorie du jeu” onde desenvolve a aplicação de estratégias mistas nas
decisões. Aparece novamente só em 1944 com Von Neumann e Oskar Morgenstern, que
publicaram o livro The Theory of Games and Economic Behavior. Sete anos após, em 1951
John Nash escreve os artigos “Noncooperative games” e “The bargaining problem e two-
person cooperative games”.

É confirmado por Russell (2004, p. 623) que “em 1950, com 21 anos de idade, John
Nash publicou suas idéias relativas a equilíbrios em jogos gerais. Sua definição de uma
solução de equilíbrio, embora se originasse do trabalho de Cournot (1838), ficou conhecida
como equilíbrio de Nash”.

A teoria dos jogos tem como objeto o comportamento estratégico. Articula um


conjunto de instrumentos de previsão e controle para o alcance de resultados mais seguros.
Desenvolve também uma linguagem específica para tal. Russel (2004, p. 610) afirma que ela
“é usada em muitas situações sérias de tomadas de decisões, inclusive relatórios de falência,
leilão de espectros de freqüência sem fios, decisões sobre desenvolvimento e cotação de
produtos e defesa nacional, situações que envolvam bilhões de dólares e centenas de milhares
de vidas”.

Os estudiosos que contrapõem Direito e Economia usam a teoria dos jogos para
analisar o comportamento das empresas frente às regras do mercado e frente às leis,
calculando a melhor forma de ganho, e analisando sobretudo “como elas influenciam seu
comportamento estratégico como agentes econômicos ou como partes em litígios de diversos
tipos”. Assim, para a Teoria dos Jogos, “os comportamentos não são ditados, mas sim
influenciados pela norma legal, visto que, em certas circunstâncias, pode ser racional ir
contra ela” (PINHEIRO, 2005, p. 157).

O primeiro conceito teórico que aparece é o de “jogo”. O jogo é uma situação


relacional dada em que dois ou mais participantes (ou agentes) tomam decisões estratégicas
que afetam a ambos mas visam resultados, recompensas ou benefícios individuais. Segundo
Pinheiro (2005, p.165), estratégias “são decisões ou comandos que indicam as linhas de ação
que um jogador pode adotar durante o jogo, parte dele ou mesmo antes de ele começar”.

O comportamento estratégico requer do agente, também, decisões estratégicas. As


decisões estratégicas são possíveis dentro de uma dada situação em que o agente precise
decidir da melhor forma possível. Tal situação é também moldada pela situação de outros
agentes relacionais, daí surge a categoria teórica das situações estratégicas.

Desse raciocínio decorre a regra em que sempre deve haver dois ou mais tomadores
de decisões estratégicas em uma situação estratégica de jogo. Decorre em seqüência outra
regra na qual um agente deve levar em conta as possíveis decisões de outros agentes
envolvidos numa determinada situação estratégica. É aí que “instala-se um conflito de
interesses, o que obriga a que cada participante do jogo escolha a melhor estratégia para si,
mas considerando, também, a melhor estratégia para cada um dos demais jogadores”.
(CARVALHO, 2007, p. 215).

É a previsão de como cada agente envolvido iria ou irá se comportar que influencia a
decisão do jogador. Faz parte da estratégia do jogo, ligar as decisões, ou seja, cruzar as
informações de todas as decisões e seus resultados de modo a configurar um quadro de
controle das decisões mais seguras. Prever os possíveis resultados é um dado indispensável
para a tomada da melhor decisão. As ações dos agentes afetam-se reciprocamente umas às
outras. O agente deve ter essa consciência com relação a seu opositor. Deve montar uma
estrutura de previsão desses efeitos, estes, dados pelos resultados das ações escolhidas em
conjunto.
A teoria dos jogos visa, portanto permitir ao jogador determinar qual será a melhor
estratégia a ser adotada numa dada situação em que os agentes envolvidos alcancem o melhor
resultado individualmente. O agente monta um plano de ação (estratégia). A melhor
estratégia será aquela que indicar a melhor recompensa. A expectativa que um jogador tem
em ralação ao outro deve ser analisada com base em suas previsibilidades e
imprevisibilidades, apontando possíveis resultados negativos ou positivos.

John Forbes Nash Jr., Prêmio Nobel em ciências econômicas em 1994 dizia “o
melhor resultado acontece quando todos os integrantes de um grupo fazem o melhor por si
próprios e pelo grupo”. Assim, a cooperação superaria a competição.

No Direito, a reformulação teórica profunda que ocorre com a teoria dos jogos
consiste em negar a tese positivista que dizia ser a norma um comando dos comportamentos
desejados, ou seja, que a norma dita qual comportamento o sujeito deve adotar. A tese
desenvolvida na teoria dos jogos é a de que a norma apenas tem o condão de influenciar na
estratégia da decisão que irá ser tomada. A norma por si só, portanto, não define o
comportamento.

Num cálculo feito pelo agente visando a melhor decisão, o comando normativo (a lei)
será apenas um dos fatores a serem analisados. Por isso que, acaso tal comando seja
improducente, em certas circunstâncias, pode ser racional ir contra ele, pois nem toda
estratégia tida como racional (ou legal) trará resultados positivos, pois, em alguns casos,
necessitará de que as instituições legais criem incentivos para o seu cumprimento. Muitas
vezes, indivíduos racionais, baseando-se em comandos normativos, são conduzidos a um
comportamento irracional. Por isso a crítica constante a certos comandos legais:

O problema, então, muitas vezes não é um comportamento irracional dos


jogadores, mas as instituições que regulam suas decisões, as quais podem ser
reformadas. A teoria dos jogos pode, dessa forma, ser um importante instrumento
de análise e reforma institucional (FIANI, 2006, p.11).

Os tópicos seguintes, mediante a aplicação a institutos específicos demonstrará a


necessidade de reforma dessas instituições de controle do Estado.

3. A teoria dos jogos aplicada aos crimes de “lavagem de dinheiro”

A Lei Nº 9.613/98 que trata dos crimes de “lavagem de dinheiro” (LCLD) e cria o
COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) dispõem em seu art. 1º caput e
inciso V, o seguinte:
Art. 1º. Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição,
movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou
indiretamente, de crime:
V – contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para
outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço
para a prática ou omissão de atos administrativos;
Pena: reclusão de 3 (três) a 10 (dez) anos e multa.

Em termos da efetiva punição desses crimes é necessário que se obtenha a


condenação em sentença penal transitada em julgado. Por sua vez, para que se obtenha tal
condenação, é preciso que o Estado (Ministério Público ou órgão controlador) ofereça provas
concretas do cometimento do crime pelo agente. Porém, as disposições processuais
permitidas na referida Lei e também na subsidiariedade do CPP não facilitam a persecução
eficiente de tais atos criminosos.

Nessa senda, a obrigatoriedade do “procedimento comum” inscrita no inciso I do art.


2º da LCLD pode dificultar a efetiva punição e incentivar o cometimento daqueles crimes,
uma vez que o procedimento comum é mais demorado, comporta diversos recursos e requer
uma apuração excessivamente minuciosa dos atos criminosos praticados. O motivo dessa
exaustão procedimental reside em que o juiz deva fundamentar sua decisão de condenação
estando livre de dúvidas. O Estado tem, além do ônus de provar que o sujeito praticou o
crime, o dever de não deixar uma dúvida sequer de que os atos criminosos foram praticados.
Do contrário, o acusado livrar-se-á da punição utilizando-se do in dubio pro réu.

O devido processo legal e a certeza do ato criminoso são indubitavelmente salutares


para a realização da justiça, porém as instituições do Estado criadas para realizar essa tarefa,
não estão fortalecidas e não estão livres suficientemente das influencias corporativas e
burocráticas, de modo a alcançar o melhor resultado delas esperado. Tais instituições também
participam do jogo e não encontram os incentivos adequados para optar pela melhor decisão
estratégica a fim de alcançar o melhor resultado possível para os seus representados.

O Ministério Público tem apenas 24 horas para denunciar ou requerer seqüestro de


bens objetos do crime (art. 4º da LCLD). Essa regra do jogo dificulta enormemente o papel
dessa instituição, uma vez que o tempo é exíguo. Outra dificuldade é a de encontrar os bens.
Sem isso, a finalidade da Lei não se realiza. Pelo contrário, pode ser muito mais vantajoso ao
criminoso pagar a sua pena em troca de uma universalidade de bens ocultos ou dissimulados,
postos em nome de “laranjas” ou em “paraísos fiscais”.

A situação estratégica em que, na maioria das vezes, se encontram tais instituições de


controle do Estado, não favorece o cumprimento do seu verdadeiro papel institucional. Para
que tais instituições sobrevivam, juntamente com seus agentes integrantes, sempre torna-se
imperioso que a melhor decisão estratégica no jogo deva ser tomada muito mais em função
dos próprios interesses institucionais dos seus agentes, do que dos seus representados (os
cidadãos). Geralmente essas instituições participam do jogo para buscar o melhor resultado
que interessa a seus integrantes e não para seus representados.

Na situação de acusado do crime de “lavagem de dinheiro”, um bom jogador


certamente observará todos esses fatores e perceberá que em muitos casos a melhor estratégia
é cometer o crime. Sua escolha é plenamente racional porque há consistência e coerência
entre os meios e os fins (SILVA, 2007, p. 52). É inerente à compreensão da teoria dos jogos
a distinção e importância dos conceitos de racionalidade (ratio) e de irracionalidade
(passio). A primeira é a capacidade de tomar decisões e praticar ações guiadas pela intenção,
pela consciência, pela razão, pela autonomia. A segunda é o contrário, é a capacidade de
guiar-se pela paixão.

Aparece então o conceito de ação racional como sendo o comportamento pautado


nesses critérios de racionalidade. O agente racional prioriza os atos conscientes,
intencionados, calculados, planejado, com estratégias previamente elaboradas e pensadas,
onde a norma seguida é a sua própria, meio para um fim específico desejado. A ação racional
pressupõe consistência e coerência entre meios e fins. Pressupõe transitividade e completude.
A primeira é a correspondência lógica entre os meios e os fins. A segunda diz respeito a não
faltar um dos pólos da ação – não pode haver fins sem os correspondentes meios e vice-versa.

Contudo, não pode existir ação racional em sua forma pura, diz Marcos Fernandes
Gonçalves da Silva (2007, p. 56), seja pelas ocorrências histórico-sociais não planejadas pela
humanidade, seja pela existência de “uma racionalidade ímpar” do mundo social “passível de
interpretação científica distinta”, ambas exclusivas do Homo sapiens sapiens. A
racionalidade, sem dúvida, é uma ferramenta, mas sempre estará limitada por fatores
exógenos inescapáveis (imprevistos, normas morais, valores, sentimentos de mudança etc.).
Ambos são normativos com igual força. A evolução das instituições permitirá a seleção
daqueles fatores exógenos desejáveis.

Daí que: a teoria da escolha racional possui duas versões, a estrita e a ampliada. A
estrita baseia-se em racionalidade ilimitada onde prevalece a maximização dos ganhos do
agente sobrepondo-se a normas morais ou legais frágeis e desestimulantes – se levar em
consideração apenas a variável “agente” isolado, imune à normatividade relacional da
sociedade. A ampliada, d’outro modo, identifica a racionalidade limitada quando considera a
influência de fatores exógenos à lógica racional estrita, ou seja, é a influência de valores
morais e éticos na ação racional do agente em seu relacionamento reflexo com a sociedade. O
autor concebe ética ao modo de Peter Singer “como algo que evolui na forma de círculos de
expansão”.

Para ilustrar a influência demonstrada, o autor contrapõe dois estereótipos literários:


de um lado Robinson Crusoé,3 de outro Macunaíma4. O primeiro é usado para representar o
tipo ideal do homem econômico racional, de racionalidade instrumental ilimitada. O segundo
é o extremo oposto. Aparece então um terceiro personagem, o Sexta-feira, sugerido por
Daniel Defoe, representando o sujeito com capacidade de aprender uma certa racionalidade,
hipótese de relaxamento do “individualismo metodológico” sugerido pelo autor Marcos
Fernandes Gonçalves da Silva.

A racionalidade com a qual se deparam os agentes da “lavagem de dinheiro” e da


improbidade administrativa, na mesa de jogo ora posta, é a racionalidade ilimitada concebida
nos moldes da Teoria da Escolha Racional. Outro incentivo para que tais jogadores ajam
assim consiste no seguinte: Mesmo após a sentença penal condenatória, o réu poderá
permanecer em liberdade aguardando as decisões dos recursos, por mera decisão
fundamentada do juiz (art. 3º da LCLD). Ou seja, é bastante previsível ao jogador que tal
processo se arrastará por longo tempo, ao fim do qual restará impune.

As melhores opções de jogo para as instituições de controle do Estado que poderão


ser eficientes para induzir os criminosos a abandonarem as práticas de “lavagem” vai além da
reforma do texto legal. É preciso que se construa instrumentos de prevenção eficazes, quais
antecipem as ações criminosas e prescrevam sanções imediatas capazes de desestimulá-las.
Instrumentos processuais como a inversão do ônus da prova, a redução do tempo do
processo; instituições de controle de dados que obriguem o registro e monitoramento de
informações sobre ambientes sedutores; é indispensável também que os dirigentes das
instituições de controle não sejam dependentes ou indicados pelos políticos, mas eleitos em
eleições livres diretamente por seus representados.

4. A teoria dos jogos aplicada aos atos de Improbidade Administrativa

A Lei de Improbidade Administrativa (LIA), Lei Nº 8.429/92, também padece de


situação precária na arena do jogo. Considerar-se-á especificamente aqui os atos ímprobos
3
Personagem de Daniel Defoe, em seu livro Robinson Crusoé publicado em 2000 pela Editora Virtual Books
Online.
4
Personagem de Mario de Andrade, em seu livro Macunaíma publicada em 1938 em São Paulo.
contra a Administração Pública que importam em “enriquecimento ilícito” tratados no art. 9º,
VII da LIA. Tais atos são os mais popularizados nos meios de comunicação de massa,
associados a políticos e trazem a alcunha da “corrupção”. Transcreva-se:

Art. 9º. Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento


ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do
exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades
mencionadas no art. 1º desta lei, e notadamente:
VII – adquirir, para si ou para outrem, no exercício de mandato, cargo, emprego
ou função pública, bens de qualquer natureza cujo valor seja desproporcional à
evolução do patrimônio ou à renda do agente público;

Os apelos midiáticos sobre os inúmeros escândalos mostram que os agentes públicos


ainda optam por atentar contra o patrimônio público porque as condições do jogo os
favorece. Isso por saberem que lhes é mais vantajoso. Sabe-se que as operações deflagradas
pelos órgãos de controle, tais como as Polícias Civil e Federal, os Tribunais de Contas,
Ministério Público e Controladoria-Geral da União, ainda não resultaram em condenações
penais significativas, muito menos em reintegrações de recursos públicos desviados pela alta
corrupção, de forma mínima satisfatória.

A possibilidade de enriquecer vultosamente em bem pouco tempo sem barreiras


intransponíveis aguça a racionalidade ilimitada desses agentes públicos. As barreiras do
processo penal estão voltadas contra o investigador e não contra o administrador ímprobo. A
presunção de inocência e proteção da intimidade são empecilhos constitucionais, por incrível
que pareça. Esses empecilhos legais acabam por jogar por terra ou dar como perdido muitos
trabalhos dos investigadores. Leonardo Valles Bento (2009, p. 39-40) adverte sobre isso
dizendo o seguinte:

Construir uma acusação de corrupção consistente contra uma autoridade pública, a


fim de fundamentar uma condenação na esfera penal, e mesmo nas esferas civil e
administrativa, exige um forte trabalho de inteligência, que não pode ser realizado
sem parceria entre diversos órgãos de controle, autoridades financeiras e
fazendárias, setor bancário privado, etc., por vezes desenvolvendo até mesmo
cooperação internacional. Além disso, a atividade de inteligência necessária para
coibir os delitos relacionados com a corrupção não raro esbarra em obstáculos
jurídicos, de natureza constitucional, referentes à proteção da privacidade dos
indivíduos. É por esse motivo, muitas vezes, que operações policiais bem-
sucedidas resultam, em muitos casos, em desapontamento, ante a ausência de
condenação efetiva.

Conforme explica o referido autor (BENTO, 2009, p. 42) é majoritária a corrente


doutrinária que entende não ser possível a inversão do ônus probatório para punir agentes
públicos por improbidade administrativa do enriquecimento ilícito. Entre estes está FAZZIO
JUNIOR (2008, p. 113) afirmando este que “enriquecimento ilícito não é ato de improbidade
administrativa, senão resultado deste”. Sendo assim, o órgão acusador não deve provar a
existência em si do enriquecimento mas sim os elementos de sua ilicitude, quais sejam:

1 – que a evolução patrimonial do agente público é incompatível com sua renda


conhecida;
2 – que o agente público adotou conduta ilícita no exercício de suas funções, ou
em razão dela;
3 – que a referida conduta foi a causa da evolução patrimonial incompatível ou
desproporcional.

Dadas essas condições, entre os sujeitos envolvidos no jogo, aquele que terá os
resultados maximizados é o próprio acusado, uma vez que a sua punição pelo feito não será
alcançada mediante esse instituto legal. Mais uma vez frustra-se a esperança de impedir tais
atos de corrupção via legislação. Os legisladores estão politicamente e racionalmente ligados
aos administradores públicos, por isso legislam em seu proveito próprio (ato absolutamente
racional) vez que não há mecanismo para impedir tal situação e por conseqüência
desestimular a improbidade e o enriquecimento ilícito.

Defendendo o entendimento da doutrina majoritária PAZZAGLINI FILHO (2007, p.


72) acreditando justificar seu posicionamento acabou por trazer um exemplo do
corporativismo legal existente entre legisladores e administradores no sentido de dificultar a
punição via lei. Ele diz que o texto original do projeto da LIA previa expressamente a
inversão do onus probandi no art. 26, porém este fora suprimido pela Câmara dos Deputados
em manifesta vontade do legislador em opor-se ao instituto da inversão.

Para apenas já começar a inverter essa situação extremamente desigual entre os


jogadores é preciso que se interprete a regra da improbidade por enriquecimento ilícito de
maneira a perseguir sua eficácia punitiva. Isso só é possível em decisões que entendam pela
possibilidade da inversão do ônus da prova e considerar o fato do enriquecimento em si como
fato incriminador, ou seja, basta que o próprio investigado não consiga provar a procedência
lícita dos seus bens e valores, para então serem atribuídas as correspondentes sanções.

Já existe doutrina nesse sentido com Wallace Paiva Martins Junior (2009, p. 238)
entendendo este que se não for possível identificar o ato específico da fraude do agente
público, mas havendo “sinais exteriores de riqueza” suficientes, onde se possa ver ostentação
incompatível com sua renda normal, já seria possível a configuração do delito. Uma vez que
esta regra passasse a valer para o jogo efetivamente, o jogador corrupto mudaria suas
decisões estratégicas para outras mais elaboradas, não obstante sua tarefa já estaria um pouco
mais dificultada.
5. Considerações finais

Notadamente os jogadores em ambas a situações apresentadas estão em jogos onde as


regras favorecem mais a um do que aos demais. O jogador favorecido é sempre o criminoso.
Vê-se que ele não precisa tomar decisões arriscadas para tentar maximizar seus resultados,
ele também não precisa traçar estratégias mirabolantes para elevar seus ganhos. A única coisa
que precisa fazer é seguir jogando conforme as próprias regras do jogo, tomando as melhores
decisões conforme a melhor decisão que houver para seus opositores.

Observe-se que, mesmo que os agentes controladores do Estado tomem as melhores


decisões possíveis conforme possibilitam as regras do jogo, os seus ganhos e resultados não
superarão jamais os do jogador adversário que joga para livrar-se das possíveis sanções
prescritas pelas regras. Os resultados proporcionados para o jogador “cidadãos” é negativo
sempre, isto é indesejável pela sociedade. Porém as regras do jogo vêm sendo construídas por
outro jogador: os “burocratas” controladores do Estado.

Os jogadores traçam suas estratégias e tomam suas decisões por conta própria
somente após o jogo começar. Antes do jogo começar, todos devem participar igualmente da
elaboração das regras prévias ao jogo. Numa sociedade com problemas estruturais de
corrupção tal não ocorre. Nela, as regras são manipuladas por apenas um ou alguns dos
jogadores, produzindo resultados desleais.

As regras do jogo é que devem ser mudadas e não as decisões dos jogadores, nesses
casos aqui considerados. E as mudanças não deverão vir apenas da letra da lei, conforme dito
acima, mas de todas as outras sugeridas nas linhas anteriores. Pois que, se os jogadores
entenderem que as regras são outras, tomarão outras decisões. Com regras equânimes para o
fraudador, mesmo que este tome a sua melhor decisão ainda assim sua fraude não o
compensará. Sempre seus ganhos estarão abaixo dos seus prejuízos e não terá mais incentivo
a fraudar.
Referências bibliográficas:

BENTO, Leonardo Valles. Improbidade administrativa por enriquecimento ilícito: o


problema da inversão do ônus da prova. Revista da CGU, ano IV, n. 7, Brasília: CGU,
2009.

CARVALHO, José Augusto Moreira de. Introdução à teoria dos jogos no Direito. Revista
de direito constitucional e internacional. São Paulo, v. 15, n. 132, p. 213-234, abr./jun. 2007.

DAVIS, Morton David. Teoria dos jogos: uma introdução não técnica. São Paulo: Cultrix,
1970.

FAZZIO JUNIOR, Waldo. Atos de improbidade administrativa: doutrina, legislação e


jurisprudência. 2 ed. São Paulo: Atlas, 2009.

FIANI, Ronaldo. Teoria dos jogos: para cursos de administração e economia. 2. ed. Rio de
Janeiro: Elsevier, 2006.

MARTINS JUNIOR, Wallace Paiva. Probidade administrativa. 2 ed. São Paulo: Saraiva,
2009.

PAZZAGLINI FILHO, Marino. Lei de Improbidade Administrativa comentada. 3 ed. São


Paulo: 2007.

PINHEIRO, Armando Castelar; SADDI, Jairo. Direito, economia e mercados. Rio de


Janeiro: Elsevier, 2005.

RUSSELL, Stuart J.; RUSSELL, Peter Norving. Inteligência artificial. 2. ed. Rio de Janeiro:
Elsevier, 2004.

SILVA, Marcos Fernandes Gonçalves da. Ética e Economia: impactos na política, no


direito e nas organizações. Rio de Janeiro: ELSEVIER. Editora Campus, 2007.

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