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Um “sexto” sentido

[Texto lido holograficamente no Pavilhão do Conhecimento, Centro de Ciência Viva, por ocasião
do centenário da criação do dedo biónico em 28-04-2121].

Hoje, dia 28 de abril de 2121, celebra-se o centenário da criação de um sexto dedo


biónico que revolucionou o mundo da ciência e a maneira como a mesma progride e se
reinventa.
Voltando um século no tempo, a um episódio que remonta ao ano de 2021, o
extraterrestre Plagueis (um até então nome comum no contexto extra-terráqueo)
encontrava, numa das suas viagens interespaciais, o satélite artificial Voyager 1, tendo
assim um primeiro contacto com excertos musicais de Beethoven, Mozart e a música
com a qual mais se admirou, “Johnny B. Goode” de Chuck Berry. Plagueis gostou tanto
da música que quis descobrir como reproduzir aquele som incrível e, então, localizou a
origem do satélite.
Viajou até à Terra. Ao chegar, ficou confuso. Nunca antes havia tido contacto com um
objeto ou produção humana, e muito menos havia visto um ser humano.
Sabia que ia para um planeta completamente diferente daquele onde até agora tinha
habitado. Atrix era o nome atribuído ao planeta, em nada se assemelhava aos astros
comuns do nosso Sistema Solar, muito menos ao nosso planeta azul. Contudo, não
esperava encontrar umas criaturas tão díspares do seu vulgar quotidiano. Vagueou pelas
ruas durante algum tempo, já com uma multidão de pessoas ao seu redor, que, com um
certo fascínio e algum receio, tentavam compreender o que se passava. Começou a
escutar atentamente a música ambiente das ruas da ainda desconhecida cidade em que
tinha aterrado, procurando encontrar uma certa comparação com a que lhe tinha
suscitado interesse e o atraíra até à Terra.
Seguiu detalhadamente o som, até encontrar o sítio de onde este provinha.

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A melodia levou-o até uma loja de música. Era um típico comércio do foro musical, com
instrumentos dispostos em inúmeras prateleiras e CDs e revistas de música a perder de
vista. Curioso, entrou e começou a revirar os instrumentos. Havia imensos por onde
escolher: harpa, piano, violino, bateria, xilofone, foram alguns dos que mais lhe captaram
a atenção. Ainda assim, aquele que mais o encantou foi a guitarra. O dono desta loja,
Lando, era um guitarrista profissional, que ficou extremamente chocado com o facto de
uma criatura extraterrestre ter penetrado na sua loja.
Lando contemplou Plagueis antes de o confrontar. Era um ser tal e qual os que ele via
em filmes: corpo verde, estatura baixa, com uma cabeça demasiado grande para o seu
corpo, mãos de cinco dedos, finas e um tanto ou quanto flexíveis, assemelhando-se às
nossas. À medida que Lando ia soltando palavras que refletiam a situação um tanto
quanto inusitada, o ser usava um dispositivo que parecia traduzir o que o guitarrista dizia.
É então que Plagueis, ainda receoso e expectante em relação à realidade em que
encontrava, começa a falar, numa pronúncia típica e nativa do planeta de onde provinha,
para o aparelho, que a traduziu para português:
- Olá. Sou Plagueis, e venho de um planeta distante daqui - afirmava, ainda em tom
contido, a criatura extraterrestre - há milhares de anos que a minha espécie andou a
explorar a nossa galáxia, recolhendo informações de todos os planetas, inclusive a
maneira de comunicar com qualquer espécie de qualquer mundo. Este dispositivo que
carrego comigo é um tradutor, que me permite comunicar e perceber o que me dizes…
e a ti o que eu te digo.
- En… en… então vocês existem mesmo… Vocês já vieram cá várias vezes?
- cogitava Lando numa entoação que refletia de todo o seu estado de espírito de
admiração e apreensão.
- Sim! - continuou Plagueis - Agora, por favor, pede às pessoas lá fora para se
acalmarem.
Lando afastou as pessoas que espreitavam o extraterrestre por entre a janela (e até pelo
vão da porta que dava acesso ao seu estabelecimento). Ao voltar, retomou calmamente
a conversa.
Apresentou-se finalmente a Plagueis, questionando-o acerca do motivo que o trazia à
Terra. Plagueis revelou-o, exprimindo o seu desejo em aprender a usar aqueles
instrumentos estranhos, capazes de produzir agradáveis melodias, como as que tinha
sentido e escutado
Lando, num ápice, resultante da ânsia que a resposta lhe tinha provocado, afirmou que
estaria disposto a ensinar-lhe a tocar guitarra. Passadas algumas semanas, já o mundo
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inteiro tinha conhecimento da até então estadia prolongada do ser de outro mundo na
Terra. Já se tornara relativamente normal a sua presença.
Isto, depois de ter sido apresentado na Organização das Nações Unidas, numa
transmissão televisiva.
Lando e Plagueis tornaram-se no rosto de campanhas da vertente sociocultural e
musical, numa verdadeira dupla mestre-aprendiz que se tornara um sucesso a nível
global.
Plagueis ficara tão fã da guitarra, que ambicionava conseguir tocar tão bem como
famosos guitarristas, como Kirk Hammett dos Metallica ou Slash dos Guns n’Roses.
Tudo isto o levou a praticar incessantemente durante meses e meses sem fim, até que
se havia tornado efetivamente num músico de excelência. Contudo, sabia que ao fim do
dia não conseguia tocar solos de guitarra como os guitarristas favoritos dele. Tal
manifestou nele o sentimento de que talvez pudesse ter surgido uma ideia revolucionária.
- E se em vez de cinco dedos tivesse seis? - comentava, num diálogo com Lando - Assim
as coisas seriam muito mais fáceis e conseguiria tocar muito melhor do que toco agora.
- És louco, só pode…- respondia Lando, refutando a sua ideia - Então, onde é que vais
arranjar um sexto dedo? Vai nascer-te assim um só porque queres?
- Vocês têm laboratórios aqui na Terra, não têm? Então, criamos um dedo biónico que
dê para encaixar na mão com uma mola ou algo do género! Tenho a mais pura das
certezas que será uma ajuda extra e irá fazer com que melhore ainda mais as minhas
capacidades no que toca à música.
- Ganha juízo! - dizia Lando, mantendo a sua posição de negação - E se - sublinhou -
eventualmente o conseguires fazer, como é que vais comandá-lo?
- Quando o tiver criado logo vês, ainda me vais dar razão! - concluiu, risonho e
determinado, o extraterrestre.
Um mês após o surgimento de tal ideia, Plagueis mostrou a sua mais recente criação, o
dedo biónico, ao amigo. Foi algo que realmente o espantou. O dispositivo criado pelo
homenzinho verde tinha umas ventosas que ele colava em partes específicas do braço,
na localização dos músculos. Explicou, sucintamente, que conseguia controlar o seu
sexto dedo com a receção de sinais elétricos dos seus músculos por parte dos sensores
nele instalados.
Lando, ainda boquiaberto, continha-se em poucas palavras, afirmando que aquilo era
incrível e que o tinham de mostrar ao resto do mundo. Era um avanço tecnológico
demasiado encantador para ser ignorado.

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E assim foi. Rapidamente a notícia se espalhou pelo mundo. Plagueis demonstrava e
explicava como o dedo funcionava em entrevistas a várias plataformas televisivas e
digitais, de diferentes nações. Quando questionado sobre o porquê da criação do dedo,
respondia que o seu grande objetivo era tocar o solo mais rápido da história da música
e que, com a ajuda de um sexto dedo, tal recorde tornar-se-ia possível.
Infelizmente, contrastando com a sua ambição e esperança, todos os dias Plagueis era
abordado por diferentes pessoas, recebia mensagens nas redes sociais que apenas o
queriam desmotivar. Muitas achavam que aquele dedo não passava de uma fantasia e
que era impossível fazer o que ele afirmava com a maior das certezas nas entrevistas
que concedia. Outras, no mesmo tom agressivo e insultuoso, diziam que nunca na vida
um extraterrestre iria conseguir atingir o nível musical de um ser humano, que seria para
sempre um ser inferior; diziam que não era bem-vindo na Terra e que devia regressar ao
espaço. Esta maré de ódio deixou Plagueis de rastos, lembrando-o do seu passado.
Quando Lando procurava combater toda esta negatividade, tendo conversas
inspiradoras e de caráter motivador com Plagueis, o extraterrestre revelava-se triste e
inseguro em relação à sua estadia, contando que vagueava pelo espaço por ser um pária
do seu mundo e por não ter onde ficar. O seu planeta havia-o expulsado por não
contribuir em nada para o desenvolvimento da sociedade, por ser alguém que apenas
caminhava pelo mesmo, sem fazer absolutamente nada.
No entanto, Plagueis auxiliava em muito o seu planeta, ainda que no mundo da música
e não da ciência. Isto, porque Plagueis sempre tinha sido um adorador de música. No
entanto, o resto do seu planeta não partilhava consigo o mesmo sentimento,
desprezando-a completamente. Lando ouviu esta história, dizendo imediatamente:
- São parvos! Quer dizer, como é que eles te expulsaram por causa disso?!
Tu chegaste à Terra e rapidamente criaste um objetivo e inovaste a ciência!
- As minhas ideias sempre foram inúteis aos olhos deles… Eu não lhes servia de nada…
- respondia tristemente o ser.
- Deixa lá. Eu sei que vais conseguir alcançar os teus sonhos. Vais mostrar a todos os
que te odeiam que eles estão errados e que tu mereces ficar por cá!
Esta conversa motivou finalmente o extraterrestre, que prosseguiu com o seu propósito:
compôs o seu próprio solo e anunciou que ia apresentá-lo ao vivo na semana seguinte.
Algo que o motivou ainda mais foi o facto de ter convidado alguns dos seus mais recentes
guitarristas favoritos, que prontamente aceitaram atuar na data anunciada. O seu sonho
seria concretizado: Plagueis finalmente estaria a tocar lado a lado com Kirk Hammett,
Slash e Tommy Emmanuel.
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Assim foi e, uma semana depois, Plagueis mostrou ao mundo inteiro o seu trabalho,
revelando um solo nunca antes composto a nível global. Além disso, a sua composição
tinha uma particularidade que justificava ainda mais todo o seu empenho e respondia ao
porquê de nunca antes se ter deparado com uma idêntica: é que apenas era possível
tocá-la com auxílio de um sexto dedo.
Finalmente, o dedo biónico recebera o seu devido valor e todos os guitarristas no mundo
tencionavam usá-lo.
Milhares de dedos foram criados, produzidos e distribuídos. Pessoas que seguiam a
música como um mero hobby levavam o dedo biónico para o seu trabalho, testavam a
sua utilidade nas mais diversas áreas e domínios do conhecimento e do entendimento
humano. O mundo mudara a partir do instante em que o dedo provou ser útil, não só na
área da música, mas em todo o lado. A necessidade de uma pessoa ter um telemóvel
tornara-se insignificante quando comparada à necessidade de ter um dedo biónico
encaixado na mão. É como se tudo aquilo que considerávamos útil até então se tornasse
em algo banal a partir daquele instante. E aqui estamos hoje, a utilizar o dedo para tudo:
usamo-lo para tocar música, para teclar mais rápido no computador, para medir a
temperatura da água quando vamos cozinhar, com o auxílio de sensores nele embutidos,
e para tudo (literalmente) o que nos vier à cabeça, ou à ponta dos dedos.
Hoje em dia ninguém sabe o que seria da Humanidade sem a visita deste ser incrível,
outrora rejeitado, ainda que dotado de fabulosas capacidades que permitiram a criação
de um sexto dedo e a sua aplicação em vários contextos do nosso quotidiano.
Celebramos e recordamos hoje, então, o pequeno extraterrestre verde que chegou à
Terra e a inovou, conduzindo-a a progressos tecnológicos de louvar, tal como o fazemos
todos os dias quando nos levantamos da cama e pomos um dedo a mais na mão antes
de sair de casa.

Autores: Lucas Sousa, Margarida Lourenço, Nuno Dias, Pedro Frazão, Rafael Leal e
Rodrigo Fortuna

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