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EMILIO LÈBRE LA ROVERE

Perspectivas para a Mitigação das Mudanças cresceriam de 45% a 110% até lá. A maior parte desse aumento entra na
conta das nações em desenvolvimento. Entretanto, suas emissões médias de
Climáticas: Ações do Brasil e no Mundo CO2 per capita seguiriam bem inferiores que as dos países industrializados
(de 2,8t a 5,1t CO2 per capita contra 9,6t a 15,1t CO2 per capita). Se as
emissões de gases continuarem aumentando de acordo com as tendências
atuais, estima-se que a temperatura da superfície do planeta cresça de 2ºC a
Emilio Lèbre La Rovere* 4,5ºC no final deste século (IPCC, 2007).
O objetivo principal da Convenção do Clima é estabilizar a
concentração de GEE na atmosfera em um nível seguro, que não
comprometa a segurança alimentar e permita a adaptação natural dos
ecossistemas, dentro de um modelo de desenvolvimento sustentável. É
ainda imprecisa a extensão dos impactos das mudanças climáticas em
âmbito regional, o que torna difícil definir qual seria exatamente o índice
seguro de concentração. Mas os estudos mostram que os impactos das
mudanças climáticas crescem fortemente a partir de um aumento de
temperatura de 2ºC a 3ºC. Com base neles, inicialmente entidades
Introdução ambientalistas, como o Greenpeace, e posteriormente um grande número
de governos, como o Brasil, a União Europeia, e até mesmo os Estados
As emissões globais de Gases de Efeito Estufa (GEE), entre 1970 e Unidos, a partir do governo Obama, passaram a defender um limite
2004, cresceram 70%, sendo 24% desde 1990. As liberações de CO2 – que aceitável de no máximo 2ºC.
configuraram 77% do total das liberações em 2004 – aumentaram 80% A estabilização das concentrações de GEE implica que suas emissões
naquele período (28% desde 1990). A explicação está no fato de que a anuais sigam constantes, tanto quanto os oceanos possam absorvê-las. O
redução da intensidade do uso de energia pela economia internacional (- planeta emitia em 2004, aproximadamente, 33 bilhões de t de CO2 por ano,
33%) não contrabalançou o crescimento do PIB (77%) e da população das quais 7,3 bilhões de t iam para os oceanos, 7,3 bilhões paras as florestas
(69%), o que gerou um incremento de 145% das emissões resultantes do e 18,3 bilhões invadiam a atmosfera. Contudo, no longo prazo, apenas os
uso de combustíveis fósseis. oceanos serão capazes de sequestrar permanentemente este carbono. Em
Os países industrializados, que concentram 20% da população mundial, 2004, 25,6 bilhões de t de CO2 / ano acabavam se concentrando na atmosfera,
responderam por 57% do PIB e emitiram 46% do total de GEE em 2004. aumentando o acúmulo de GEE e induzindo ao aquecimento global. O maior
No caso de não serem implantadas políticas adicionais para restringir as problema é que tudo indica que essa propriedade dos oceanos pode vir a ser
emissões, calcula-se uma expansão daquele índice de 25% a 90% em 2030. reduzida no futuro, em consequência da progressiva acidificação da água do
Nessa hipótese, as liberações de CO2 pela queima de combustíveis fósseis mar. Sob esta perspectiva, calcula-se que as emissões atuais devam ser
minimizadas em pelo menos 80% para possibilitar uma estabilização da
concentração dos GEE na atmosfera. No entanto, elas permanecem em
*
elevação: os últimos dados disponíveis indicam que em 2008 elas superavam
Professor do Programa de Planejamento Energético do Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação
em Egenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPE/Coppe/UFRJ) e coordenador 40 bilhões de t de CO2 por ano, graças ao crescimento do uso de carvão
executivo do CentroClima - Centro de Estudos Integrados sobre Meio Ambiente e Mudanças mineral, que voltou a superar o petróleo como a maior fonte de emissões de
Climáticas da Coppe/UFRJ. Autor de diversos relatórios científicos do IPCC, tendo contribuído
para a obtenção em 2007 do Prêmio Nobel da Paz pelo IPCC, em conjunto com Al Gore.
CO 2.

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Naturalmente, quanto mais ambiciosa for a meta de limitação do A análise das estimativas das emissões brasileiras de gases de efeito estufa,
aquecimento global, mais cedo as emissões globais têm de começar a através da evolução de 1990 a 2005, apresentada nos valores preliminares
declinar, e maiores os custos de mitigação das emissões. A solução desse divulgados pelo MCT (2009), mostra um lento crescimento das emissões da
problema no curto prazo, entretanto, exigiria investimentos inviáveis para agropecuária, da energia, dos processos industriais e dos resíduos. Ao longo
a economia mundial. Dessa forma, os cenários de estabilização da de todo o período, o valor total das emissões foi fortemente influenciado pelas
concentração dos GEE consideram hipóteses que permitem, inicialmente, flutuações das emissões provenientes das mudanças no uso da terra e florestas.
um aumento das emissões mundiais, a taxas decrescentes, até um Em particular, o desmatamento na Amazônia e no cerrado é determinante no
determinado ano em que alcancem um máximo e passem a decair estabelecimento da tendência de aumento ou redução do valor total das emissões
gradativamente até se fixarem em um nível entre 10% e 20% das anuais. A brusca elevação do desmatamento causou um salto das emissões
emissões atuais. Esta é uma trajetória factível para a curva de emissões brasileiras de 1,5 para quase 2,5 bilhões de toneladas de CO2eq em 1995. A
de GEE, através de um ajuste da economia mundial, em um prazo que seguir, as emissões totais flutuaram levemente em torno de um patamar de 2
possibilite a introdução progressiva de tecnologias limpas e a custos bilhões de t CO2eq/ano, entre 1996 e 2001. A partir de 2002 se registrou uma
ainda razoáveis. Quanto mais agressiva for a meta de limitação do tendência de aumento, até as emissões brasileiras atingirem seu máximo absoluto
aquecimento global, mais cedo as emissões globais precisam sofrer pouco acima de 2,5 bilhões de t CO2eq/ano, em 2004. Desde então, o valor
queda e maiores os custos de sua mitigação (La Rovere, 2009). preliminar para 2005 fornecido pelo MCT e as estimativas efetuadas pelo MMA
para as emissões totais apresentaram tendência de queda, graças à expressiva
A Evolução das emissões e os objetivos voluntários do Brasil redução das emissões oriundas do desmatamento, secundadas por uma
estabilização nas emissões da agropecuária. Assim, em 2007 o valor estimado
O Brasil já vem envidando esforços para limitar suas emissões de gases para as emissões nacionais retornou a um nível semelhante ao registrado 10
de efeito estufa. A diminuição das emissões do desmatamento que se verifica anos antes, em 1997, conforme ilustrado pela Tabela 2.
na Amazônia de forma considerável nos últimos anos é a principal contribuição Para o futuro, o Plano Nacional de Mudanças Climáticas (PNMC)
nesse sentido, já que se trata da fonte hoje predominante no total das emissões estabeleceu uma meta de drástica redução no desmatamento da Amazônia:
de GEE no país, conforme ilustrado na Tabela 1. após recente revisão, o objetivo fixado corresponde à ambiciosa meta de até
2020 eliminar 80% do desmatamento médio verificado na Amazônia, no
Tabela 1 - Emissões e remoções antrópicas de gases de efeito estufa no período de 1996 a 2005, que era de 19.500 km2 por ano. Entretanto, os
Brasil resultados dos últimos anos mostram que esta meta é factível, caso o governo
tome as medidas necessárias para disciplinar o uso do solo na Amazônia. Na
verdade, os níveis observados em 2007 já caíram para 12 mil km2/ano, cerca
de 40% menores que a média histórica. Isto permitiu reduzir em cerca de
500 M t CO2/ano as emissões de gases de efeito estufa oriundas das mudanças
no uso da terra e florestas, entre 2005 e 2007. O número para 2008 foi ainda
menor, cerca de 7 mil km2/ano, o mínimo de toda a série temporal desde que
começou sua mensuração, há 21 anos.
Esta meta do PNMC balizou o anúncio, em 13 de novembro de 2009,
Fonte: MCT, 2009 dos objetivos voluntários de limitação de emissões de GEE apresentados
pelo Brasil para a conferência das partes da Convenção do Clima em
Copenhague (COP15), resumidos na Tabela 2.

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Tabela 2 – Emissões e ações de mitigação do Brasil até 2020 objetivos setoriais de limitação do crescimento das emissões. Assim, as
premissas desse cenário são cruciais para a análise do alcance dos objetivos
voluntários propostos pelo Brasil. Poucos dias depois, o MCT divulgou os
valores preliminares do inventário das emissões e remoções antrópicas de
gases de efeito estufa até 2005 (ver Tabela 1), que passaram a fornecer uma
base de comparação mais apurada do que as estimativas anteriores, efetuadas
pelo MMA para 2007 (apresentadas na Tabela 2). A Tabela 3 compara para
cada setor de emissões os valores observados no período de 1990 a 2005
com as projeções apresentadas pelo governo para o cenário tendencial e
para o cenário de mitigação até 2020.
Diferentemente da projeção das emissões provenientes de mudanças no
uso da terra e de florestas, as projeções dos demais setores não se baseiam
em médias históricas, mas em hipóteses de evolução futura das emissões
dessas fontes. O cenário tendencial das emissões da agropecuária projeta
um crescimento de 29% entre 2005 e 2020, abaixo dos 41% registrados no
período anterior, de 1990 a 2005. É interessante notar que, em valores
absolutos, o crescimento projetado para as emissões do setor entre 2005 e
2020 é exatamente igual ao aumento verificado entre 1990 e 2005, de 140
M t CO2eq/ano. Em outras palavras, trata-se de uma projeção de crescimento
linear, e não exponencial, das emissões do setor até 2020, mantendo-se o
mesmo ritmo dos 15 anos anteriores.
Fonte: MMA, MAPA, MME, MF, MDIC, MCT, MRE, Casa Civil, 2009
MMA, 2009 (valores estimados para 2007) Tabela 3 - Evolução histórica e cenários futuros das emissões de gases
de efeito estufa no Brasil

O cenário tendencial simula a manutenção da média histórica do


desmatamento na Amazônia, entre 1996 e 2005, e o cenário de mitigação
quantifica as emissões evitadas com o atingimento do objetivo fixado pelo
PNMC em 2020. O governo acrescentou ainda, no uso da terra, um objetivo
de evitar emissões devidas ao desmatamento do cerrado, graças ao
monitoramento e vigilância deste bioma, que deverá ser intensificado. O
resultado final é que o país se compromete voluntariamente a reduzir mais de Fonte: MMA, MAPA, MME, MF, MDIC, MCT, MRE, Casa Civil, 2009 MCT,2009
2/3 de suas emissões de mudanças no uso da terra e florestas em 2020, com
relação ao nível observado em 2005, um objetivo certamente muito ambicioso,
mas factível, tendo em vista o bom desempenho de 2007 e 2008 nesse setor. Pode-se discutir esta projeção, porém o mais importante é observar que
Complementarmente, o governo apresentou um cenário tendencial para no cenário de mitigação o país terá de manter as emissões desse setor em
os demais setores de emissões de GEE, para servir como linha de base dos 2020 no mesmo nível observado em 2005. Trata-se de um objetivo voluntário

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ambicioso, dado o recente dinamismo das exportações de grãos e de carne é devida à excessiva contribuição do desmatamento para as emissões totais
do país. Entretanto, alternativas de mitigação economicamente viáveis já do país. Caso, como se espera, estas emissões possam ser controladas no
existem e têm grande potencial (recuperação de pastagens degradadas, e a futuro, o desafio será a construção de um estilo de desenvolvimento
integração lavoura / pecuária, por exemplo, dada a baixíssima relação média sustentável, com um perfil menos intensivo no uso de energia fóssil: uma
de 0,5 unidades animais por hectare de nossa pecuária), algumas com um sociedade de baixa emissão de carbono (La Rovere, 2009).
histórico recente de rápida expansão na sua adoção (a fixação biológica do Assim, diferentemente dos outros setores, o cenário tendencial
nitrogênio e a área cultivada com técnicas de plantio direto, que já supera 20 projetado pelo governo apresenta um crescimento expressivo para as emissões
milhões de ha no país). devidas ao consumo de energia fóssil até 2020: um aumento de quase 150%
No caso das emissões de processos industriais e da disposição de em relação a 2005, ou seja, praticamente multiplicando por 2,5 o valor das
resíduos, agrupadas em Outros Setores por sua menor contribuição ao total, emissões desse setor, entre 2005 e 2020. Esta elevação é muito maior do
a exemplo do setor de agropecuária o cenário tendencial projetou um que a registrada no período precedente dos 15 anos entre 1990 e 2005, que
crescimento menor que no período anterior, e o compromisso voluntário foi de 68%. Parte dessa diferença se explica pela preocupação do governo
também é de manter constante o subtotal das emissões desses setores. em evitar que os objetivos voluntários de limitação de emissões criem qualquer
Novamente, existem opções de mitigação interessantes nesses setores (como restrição ao crescimento da economia brasileira: foram adotadas como
por exemplo, a captura, queima e/ou aproveitamento energético do biogás premissas das projeções taxas médias de crescimento do PIB de 4 a 6 % ao
de aterros sanitários) que podem viabilizar a consecução desse objetivo. ano ao longo de todo o período até 2020.
O caso do setor energético requer especial atenção. Vêm crescendo Outro fator que explica uma projeção tão elevada é de ordem conceitual:
significativamente no país as emissões devidas ao uso de energia fóssil, na o governo se posicionou no sentido de que parcelas significativas dos
forma de derivados de petróleo, gás natural e carvão mineral. Estes programas de expansão da geração hidroelétrica, de aumento da eficiência
combustíveis desempenham papel fundamental na movimentação dos setores no uso de energia elétrica e da produção de etanol de cana de açúcar no país
modernos da economia brasileira, como a indústria e os transportes, além da devem ser consideradas como ações de mitigação. No cenário tendencial, a
agropecuária, e dos setores residencial, comércio e serviços. Também tem hipótese para a expansão do Proálcool incluiu somente o aumento da produção
sido crescente sua participação na geração de energia elétrica no país, em de álcool anidro para manter a adição de 25% ao volume crescente de gasolina
complementação ao aproveitamento do potencial hidroelétrico brasileiro, que consumida, mantendo-se constante a produção de etanol hidratado no mesmo
é a fonte energética predominante para geração de eletricidade no país. Assim, nível atingido em 2007. O cenário tendencial para a hidroeletricidade somou
as emissões de gases de efeito estufa devidas ao uso de energia, principalmente ao nível de 2007 a geração de novas usinas hidroelétricas já licitadas (leilões
o dióxido de carbono (CO2) resultante da queima dos combustíveis fósseis, de energia nova). O nível de eficiência energética no uso de eletricidade
apresentaram alta taxa de crescimento setorial no período de 1990 a 2005, permaneceria constante, no nível de 2005. O atendimento ao restante do
situando-se em 2005 num patamar 68% acima do valor de 1990. De fato, o crescimento da demanda de eletricidade e de combustível veicular projetada
crescimento econômico, a urbanização crescente e a predominância do até 2020 no cenário tendencial se daria pelo uso de combustíveis fósseis (gás
transporte rodoviário na matriz de deslocamento de cargas no país são fatores natural e gasolina, respectivamente), elevando o nível de emissões de CO2
determinantes do aumento do consumo de energia fóssil e das emissões de neste cenário.
CO2 associadas. No cenário de mitigação, foram então incluídos os níveis de geração
Verifica-se assim que o país caminha para uma situação, no longo prazo, hidroelétrica, de eficiência energética e de produção de álcool projetados no
análoga à do resto do mundo, pois com raras exceções, estas emissões são Plano Decenal de Expansão (PDE) para 2020 (EPE, 2009). Além disso,
as mais importantes em todos os países, sendo responsáveis pela maior parte foram incluídas como ações de mitigação a produção e uso de biodiesel em
da intensificação do efeito estufa. Com efeito, a anomalia da situação brasileira mistura de 5% ao óleo diesel, no nível de sua demanda projetada para 2020

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(B5) e o incremento da geração de eletricidade por meio de outras fontes • por outro lado, o anúncio dos principais países do Anexo I do nível
renováveis: pequenas centrais hidroelétricas, biomassa (principalmente bagaço máximo de redução de suas emissões que estavam dispostos a atingir em
de cana) e energia eólica, conforme projetado no PDE. Ainda assim, as 2020: 30 a 40 % abaixo de 1990 no caso da União Europeia, 25 % abaixo
emissões totais no cenário de mitigação atingem o dobro do nível das emissões de 1990 para o Japão, e 17 % abaixo de 2005 no caso dos Estados Unidos
devidas ao uso de combustíveis fósseis no país em 2005. (conforme o projeto de lei enviado pelo Governo Obama e aprovado na
Espera-se que os aspectos metodológicos da construção dos cenários e Câmara do Congresso americano, faltando sua aprovação pelo Senado).
o detalhamento das ações de mitigação incluídas nos objetivos voluntários de Como bem notaram Winkler et al (2009), com este balizamento a pressão
limitação das emissões brasileiras de gases de efeito estufa sejam desenvolvidos sobre os países em desenvolvimento é enorme, pois uma vez fixadas a
proximamente. quantidade total permissível para as emissões mundiais, e o valor das emissões
dos países do Anexo I, então o limite para as emissões dos países não Anexo
Perspectivas para a mitigação pós-2012 I fica determinado por diferença, como o resíduo da equação:

O anúncio dos objetivos voluntários de limitação das emissões de gases Emissões não Anexo I = Emissões mundiais – Emissões Anexo I
de efeito estufa representa um marco da evolução da posição do governo
brasileiro em relação a este tema, reforçada em sua credibilidade pela discussão Aos olhos da opinião pública mundial, o ônus de um eventual fracasso
prévia com representantes de diversos segmentos da sociedade (comunidade das negociações internacionais de um acordo para a mitigação das mudanças
científica, indústria, organizações não governamentais), promovida no âmbito climáticas pode então recair sobre os países não Anexo I, caso sejam incapazes
do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. Sua importância, porém, de aceitar os objetivos que lhe são impostos por esta lógica.
transcende as fronteiras nacionais, e pode significar o início de uma nova A formulação de objetivos voluntários de limitação de emissões de
postura dos países emergentes na negociação de acordos com os países GEE por parte dos principais países emergentes fornece uma
industrializados sobre a mitigação das emissões de gases de efeito estufa oportunidade sem precedentes para reverter esta lógica. O simples
pós-2012. anúncio dos objetivos brasileiros já contribuiu para que China e Índia
No âmbito da Convenção do Clima, os países do Anexo I (países adotassem postura semelhante, estabelecendo objetivos voluntários de
industrializados) que ratificaram o Protocolo de Quioto se comprometeram limitação de suas emissões de GEE em 2020. A China o formulou em
com metas vinculantes de redução de suas emissões de GEE em relação ao termos de uma redução de 40 a 45% na intensidade de emissão de
nível absoluto de 1990 (o objetivo era de obter uma redução de 5,2% para carbono por unidade adicional de PIB. Ora, a China emitiu 6 bilhões de
o conjunto dos países do Anexo I), a serem atingidas até 2012, ao final do 1º t CO2 em 2008; caso sua economia cresça em média 6 % ao ano até
período de compromisso do Protocolo. Para o próximo período, até 2020, 2020, numa projeção bastante conservadora, este objetivo corresponde
a discussão de novas metas para os países do Anexo I vem sendo balizada a uma emissão em torno de 9,5 bilhões de t CO2 em 2020, contra 12
por duas vertentes: bilhões de t CO2 no cenário tendencial, ou seja, um total expressivo de
• de um lado, os cenários de estabilização apresentados no 4º relatório emissões evitadas, da ordem de 2,5 bilhões de t CO2 em 2020, cerca
de avaliação do IPCC (2007), indicam que uma trajetória das emissões de 20% abaixo do cenário tendencial. A Índia anunciou uma redução
mundiais, consistente com o objetivo de limitar o aumento final de temperatura de 25 % de suas emissões de GEE em 2020, em relação a um cenário
do planeta em 2-2,4ºC acima da média pré-Revolução Industrial, tendencial que deverá ser melhor detalhado. Indonésia (20% abaixo do
provavelmente requer o início do declínio das emissões mundiais de GEE já cenário tendencial em 2020), México (redução de 50% de suas emissões
por volta de 2015, para atingirem em 2050 um nível de 50 a 85% inferior ao em 2050 com relação às de 2002) e África do Sul também anunciaram
do ano 2000 (IPCC, 2007); objetivos análogos.

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Conforme preconizado por Winkler et al (2009), uma consolidação dos Por outro lado, Heller (2009) estimou em 17 bilhões de t CO2eq o esforço
objetivos voluntários dos países emergentes em 2020 pode permitir a inversão global de mitigação requerido em 2020, baixando de 61 em um cenário
dos termos da equação anterior, colocando os países do Anexo I diante da tendencial para 44 bilhões de t CO2eq de forma a colocar o mundo numa
responsabilidade de complementarem os esforços possíveis para os países trajetória com cerca de 50% de probabilidade de estabilização da temperatura
não Anexo I, de forma a atingir os limites preconizados pela ciência para média global em 2 ºC acima da média pré-Revolução Industrial. Partindo da
permitir a estabilização do clima mundial em nível seguro: hipótese de que em 2020 os países do Anexo I evitariam a emissão de 5
bilhões de t CO2eq dentro de suas fronteiras, de que 3 bilhões de t CO2eq
Emissões Anexo I = Emissões mundiais – Emissões não Anexo I seriam compradas através dos mecanismos de flexibilidade, Heller (2009),
mais 3 bilhões de t CO2eq seriam resultantes de esforços domésticos de países
Dada não só a maior responsabilidade histórica dos países do Anexo I não Anexo I (através de ações economicamente viáveis, com VPL positivo),
como causadores das mudanças climáticas, mas também sua maior capacidade então caberia aos países do Anexo I financiarem a mitigação de 6 bilhões de
de resposta ao problema, graças a seus recursos financeiros e tecnológicos, t CO2eq realizadas nos países não Anexo I através de ações envolvendo um
esta forma de colocar a negociação internacional parece não só mais justa custo incremental (Heller, 2009).
como também mais eficaz para a resolução do problema. Na verdade, tão ou mais importante que a própria localização dos esforços
Neste enfoque, a eventual diferença entre o total de metas dos países do de mitigação, nos países do Anexo I ou não Anexo I, é saber quem é
Anexo I mais objetivos voluntários de países não Anexo I e o esforço requerido responsável pelo ônus de seu pagamento.
para estabilizar a temperatura média global em 2 – 2,4 ºC acima da média Para que os acordos internacionais sobre mudanças climáticas possam
pré-Revolução Industrial, deveria ser coberta por ações dos países do Anexo estimular a adoção de políticas e medidas de mitigação em países em
I. desenvolvimento, caberá aos países em desenvolvimento identificarem
Deve-se lembrar que essas ações podem ser de três tipos: NAMAs e estabelecerem suas necessidades de financiamento e tecnologia
para viabilizar sua execução. Por sua vez, caberá aos países industrializados,
• reduzir as emissões de GEE dentro de suas fronteiras; além de reduzirem significativamente suas emissões domésticas, fornecerem
• usar os mecanismos de flexibilidade (comércio de emissões, atividades o financiamento e a tecnologia necessárias.
implementadas em conjunto e o mecanismo de desenvolvimento limpo) para
complementar o atingimento de sua meta nacional de redução de emissões; No caso do Brasil, diversos programas podem ser desenhados de forma
• financiar, ao menos parcialmente, os esforços dos países não Anexo I a contribuir para desenvolvimento sustentável do país e simultaneamente
para implementarem ações de mitigação apropriadas a seu desenvolvimento, contribuir para evitar emissões de gases de efeito estufa, constituindo-se em
as chamadas NAMAs (“Nationally Appropriate Mitigation Actions”). NAMAs. Por exemplo, pode-se destacar algumas das ações a serem utilizadas
para atingir os objetivos voluntários pelo governo (ver tabela 2):
Para um objetivo global de aumentar em apenas 10% as emissões de
GEE até 2020, e considerando-se que os países não Anexo I desviem suas • um programa de redução do desmatamento na Amazônia
trajetórias para 20% abaixo do cenário tendencial em 2020, os países do • um programa de redução do desmatamento no cerrado
Anexo I teriam de assumir a responsabilidade de reduzir suas emissões para • um programa de reflorestamento para produção de carvão vegetal de
um nível de 35 a 52% abaixo de 1990, segundo os cálculos de Winkler et al origem renovável, a ser utilizado no setor siderúrgico
(2009). Parte desse total poderia ser alcançada através do MDL e do • um programa de integração lavoura/pecuária, para limitar as emissões
financiamento de NAMAs, devendo-se evitar, porém, o risco de dupla do setor agropecuário
contagem dos esforços de mitigação. • um programa de eficiência energética

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• um programa de expansão da produção e uso de biocombustíveis MMA, MAPA, MME, MF, MDIC, MCT, MRE, Casa Civil, 2009; Cenários
• um programa de expansão da geração de energia elétrica de fontes para Oferta Brasileira de Mitigação de Emissões, São Paulo, 13 de
renováveis. novembro.

Após o comprometimento político das lideranças mundiais com um Winkler, H.; Vorster, S.; Marquard, A., 2009; Who picks the remainder?
acordo, vinculado a objetivos quantitativos, para a limitação das emissões de Mitigation in developed and developing countries, Climate Policy, vol. 9,
GEE, a tarefa seguinte será o detalhamento dos NAMAs, incluindo os custos issue 6, November / December 2009, p.634-651.
de sua execução a serem assumidos pelos países do Anexo I, as formas de
monitoramento, relato e verificação de sua realização, e os mecanismos
operacionais de transferência de recursos financeiros e de tecnologia dos
países do Anexo I para os países não Anexo I, necessários à sua viabilização.

Referências Bibliográficas

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Heller, T., 2009; Finance and investment: economy toward low carbon
society, presentation of Project Catalyst: Carbon Finance after
Copenhagen at the Low Carbon Society Network, Bologna, 12 October
2009.

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Press, New York / London, 851 p.

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do Brasil, Seminário Mudanças Climáticas, Fundação Alexandre de Gusmão,
Instituto de Pesquisa de Relações Internacionais, Palácio Itamaraty, Rio de
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Estufa até 2007, Ministério do Meio Ambiente, Brasília, 27 de outubro.

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