A cultura ocidental é determinada a partir de dualismos hierárquicos
permeados de valências. Estes dualismos podem ser observados empiricamente através da construção de pares, tais como: bem x mal; verdadeiro x falso; belo x feio; sentir x pensar; corpo x mente etc. Estas dicotomias valorativas são chamadas de versões. As tentativas de quebrar estes paradigmas questionam as valências atribuídas a eles, mas não põe em cheque o porquê de eles existirem. Assim, as correntes de pensamento que refutam estes dualismos apenas mudam suas polaridades, fazendo o que denominamos de inversões. Entretanto, a partir de um esforço crítico, racional e reflexivo, é possível promover a mudança estrutural deste modo de pensar. Em outras palavras, podemos escapar desta mera oposição de valores determinantes a partir da construção de outra forma de apreender a realidade. Deste modo, conseguiríamos fugir das armadilhas provocadas pelas dualidades ocidentais, através de um processo que denominamos ex-versão. Nota-se, portanto, a necessidade de um questionamento anterior, ou seja, uma problematização das regras do jogo e não somente dos valores expostos. Esta seria a maneira mais correta de se entender o papel do pensamento filosófico. Assim, pode-se dizer que a filosofia pretende questionar os dualismos ocidentais, partindo da premissa de que eles não são imutáveis e eternos, mas sim reconstruíveis. Nesta perspectiva, a promoção da ex-versão dos pares valorativos ocidentais é a principal tarefa dos pensadores modernos. Não está em jogo a descoberta de soluções práticas para questões empíricas, mas uma problematização epistemológica e metodológica do modo de apreender os valores humanos. Em contrapartida, quando postulamos a importância crucial desta tarefa dentro do conhecimento filosófico, entra em pauta a discussão sobre qual seria a utilidade prática disso. Assim, ao pensarmos no caráter objetivo da filosofia, notamos que não há uma busca por resultados concretos. Esta finalidade seria atribuída às ciências exatas e da natureza, sendo dispensável dentro do campo filosófico. Neste aspecto, cabe pontuar que a noção de utilidade deve ser dissociada da idéia de importância. Desta forma, estamos negando a afirmação que supõe que o conhecimento só faria sentido se fosse útil. A filosofia busca justamente a problematização subjetiva, sem pensar na concretude de resultados práticos. Por isso, a cultura moderna que propõe a realização apenas de problemas urgentes se opõe aos questionamentos filosóficos. Assim, ressalta-se que a filosofia e a ciência compartilham o mesmo objetivo de compreender o mundo, mas uma preza pela importância atribuída aos problemas e outra pela urgência em resolvê-los. Analogamente, podemos comparar a relação entre a arte e a filosofia. Ambas teriam em comum o fato de não serem úteis empiricamente e não produzirem algo pragmático, mas teriam uma importância fundamental na vida. Nesta análise, portanto, notamos uma clara dualidade: pensar x sentir. No mundo moderno, acredita-se na separação destas duas categorias. Em última instância, muitos acreditam que a ciência se preocupa com as questões racionais objetivas, enquanto a filosofia e a arte trabalham apenas com os sentimentos subjetivos dos homens perante o mundo. Contudo, é importante pontuar que não é possível fazer algo que isole o pensamento dos sentimentos, pois ambas as características estão constantemente relacionadas. Sob este prisma, podemos inserir a noção da ex-versão. Segundo esta lógica não há racionalidade pura, assim como não existe nada que seja apenas sentimento. Deste modo, observa-se que estas duas esferas estão intrinsecamente misturadas e, ao tentarmos dissociá-las, cometemos análises distorcidas e não condizentes com a realidade. Ainda sobre o exercício filosófico, cabe sublinhar que o mais importante não é a chegada, mas o caminho percorrido; ou seja, o mais relevante no trabalho da filosofia é a problematização e o esforço permanente para se “enxergar” aquilo que não está dado explicitamente na realidade. As mudanças práticas devem ser relegadas aos outros campos do saber. Por isso, afirma-se que quando um filósofo diz o que se deve fazer, ele deixa de ser um filósofo. Não devemos, portanto, esperar respostas da filosofia, mas suscitarmos nossa capacidade reflexiva. Exercitar esta maneira de pensar é como fazer um giro de 360°: ficar tonto e desnorteado. Dentro da filosofia isso seria aceitar o fato de “desaprender” e se desapegar de premissas calcadas em nossa cultura, mas, depois de tudo isso, continuar no mesmo lugar na prática. Em outras palavras, pode-se dizer que o conhecimento filosófico é subjetivo, contra paradigmático, “desencantador” e imperceptível aos olhos de quem está de fora. Posto isso, é interessante aplicarmos este modo de apreender o conhecimento dentro de uma área específica, por exemplo: a arte. Nos questionamentos acerca deste objeto, muitos filósofos se propuseram a entender qual seria o seu sentido: seria a arte uma expressão da verdade? Seria ela uma experiência meramente sensível e irracional? Como dito anteriormente, a filosofia - pautada sempre no conceito da ex-versão - refuta a tese de que haja conhecimentos apenas sensíveis ou apenas racionais. Desta forma, a arte seria uma experiência que abarcaria uma racionalidade para além da mera percepção e, por isso, deveríamos inovar na maneira de apreendê-la. Sobre a arte ser verdade ou não, os filósofos Platão e Aristóteles formularam interpretações distintas. Apesar de ambos concordarem com a premissa de que a essência da arte seria a imitação (mimesis) da realidade, eles tinham posições contrárias em relação à sua verdade. Aristóteles postulava que a verdade estaria na realidade e, portanto, a imitação desta expressaria sim algo verdadeiro. Entretanto, segundo a teoria das Formas de Platão, a realidade vivida seria uma subversão do mundo das ideias, onde estaria a verdade; isto é, tudo que vivemos seria falso, pois o verdadeiro estaria em outra dimensão. Sendo assim, segundo Platão, algo que imitasse a realidade seria automaticamente uma inverdade. Nesta perspectiva, o filósofo afirma que a arte seria a cópia de uma cópia. Deste modo, essa imitação das aparências não expressaria algo verdadeiro. Para Platão, portanto, todo artista seria um inimigo da verdade, pois a arte evidenciaria e copiaria as ilusões existentes na realidade aparente em que vivemos.