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“Introdução à filosofia da arte”

Charles Feitosa

Resumo da 1ª aula

A cultura ocidental é determinada a partir de dualismos hierárquicos


permeados de valências. Estes dualismos podem ser observados
empiricamente através da construção de pares, tais como: bem x mal;
verdadeiro x falso; belo x feio; sentir x pensar; corpo x mente etc. Estas
dicotomias valorativas são chamadas de versões.
As tentativas de quebrar estes paradigmas questionam as valências
atribuídas a eles, mas não põe em cheque o porquê de eles existirem. Assim,
as correntes de pensamento que refutam estes dualismos apenas mudam suas
polaridades, fazendo o que denominamos de inversões.
Entretanto, a partir de um esforço crítico, racional e reflexivo, é possível
promover a mudança estrutural deste modo de pensar. Em outras palavras,
podemos escapar desta mera oposição de valores determinantes a partir da
construção de outra forma de apreender a realidade. Deste modo,
conseguiríamos fugir das armadilhas provocadas pelas dualidades ocidentais,
através de um processo que denominamos ex-versão.
Nota-se, portanto, a necessidade de um questionamento anterior, ou
seja, uma problematização das regras do jogo e não somente dos valores
expostos. Esta seria a maneira mais correta de se entender o papel do
pensamento filosófico. Assim, pode-se dizer que a filosofia pretende questionar
os dualismos ocidentais, partindo da premissa de que eles não são imutáveis e
eternos, mas sim reconstruíveis.
Nesta perspectiva, a promoção da ex-versão dos pares valorativos
ocidentais é a principal tarefa dos pensadores modernos. Não está em jogo a
descoberta de soluções práticas para questões empíricas, mas uma
problematização epistemológica e metodológica do modo de apreender os
valores humanos.
Em contrapartida, quando postulamos a importância crucial desta tarefa
dentro do conhecimento filosófico, entra em pauta a discussão sobre qual seria
a utilidade prática disso. Assim, ao pensarmos no caráter objetivo da filosofia,
notamos que não há uma busca por resultados concretos. Esta finalidade seria
atribuída às ciências exatas e da natureza, sendo dispensável dentro do campo
filosófico.
Neste aspecto, cabe pontuar que a noção de utilidade deve ser
dissociada da idéia de importância. Desta forma, estamos negando a afirmação
que supõe que o conhecimento só faria sentido se fosse útil. A filosofia busca
justamente a problematização subjetiva, sem pensar na concretude de
resultados práticos. Por isso, a cultura moderna que propõe a realização
apenas de problemas urgentes se opõe aos questionamentos filosóficos.
Assim, ressalta-se que a filosofia e a ciência compartilham o mesmo
objetivo de compreender o mundo, mas uma preza pela importância atribuída
aos problemas e outra pela urgência em resolvê-los. Analogamente, podemos
comparar a relação entre a arte e a filosofia. Ambas teriam em comum o fato
de não serem úteis empiricamente e não produzirem algo pragmático, mas
teriam uma importância fundamental na vida. Nesta análise, portanto, notamos
uma clara dualidade: pensar x sentir.
No mundo moderno, acredita-se na separação destas duas categorias.
Em última instância, muitos acreditam que a ciência se preocupa com as
questões racionais objetivas, enquanto a filosofia e a arte trabalham apenas
com os sentimentos subjetivos dos homens perante o mundo. Contudo, é
importante pontuar que não é possível fazer algo que isole o pensamento dos
sentimentos, pois ambas as características estão constantemente relacionadas.
Sob este prisma, podemos inserir a noção da ex-versão. Segundo esta
lógica não há racionalidade pura, assim como não existe nada que seja apenas
sentimento. Deste modo, observa-se que estas duas esferas estão
intrinsecamente misturadas e, ao tentarmos dissociá-las, cometemos análises
distorcidas e não condizentes com a realidade.
Ainda sobre o exercício filosófico, cabe sublinhar que o mais importante
não é a chegada, mas o caminho percorrido; ou seja, o mais relevante no
trabalho da filosofia é a problematização e o esforço permanente para se
“enxergar” aquilo que não está dado explicitamente na realidade. As mudanças
práticas devem ser relegadas aos outros campos do saber. Por isso, afirma-se
que quando um filósofo diz o que se deve fazer, ele deixa de ser um filósofo.
Não devemos, portanto, esperar respostas da filosofia, mas suscitarmos nossa
capacidade reflexiva.
Exercitar esta maneira de pensar é como fazer um giro de 360°: ficar
tonto e desnorteado. Dentro da filosofia isso seria aceitar o fato de
“desaprender” e se desapegar de premissas calcadas em nossa cultura, mas,
depois de tudo isso, continuar no mesmo lugar na prática. Em outras palavras,
pode-se dizer que o conhecimento filosófico é subjetivo, contra paradigmático,
“desencantador” e imperceptível aos olhos de quem está de fora.
Posto isso, é interessante aplicarmos este modo de apreender o
conhecimento dentro de uma área específica, por exemplo: a arte. Nos
questionamentos acerca deste objeto, muitos filósofos se propuseram a
entender qual seria o seu sentido: seria a arte uma expressão da verdade?
Seria ela uma experiência meramente sensível e irracional?
Como dito anteriormente, a filosofia - pautada sempre no conceito da
ex-versão - refuta a tese de que haja conhecimentos apenas sensíveis ou
apenas racionais. Desta forma, a arte seria uma experiência que abarcaria uma
racionalidade para além da mera percepção e, por isso, deveríamos inovar na
maneira de apreendê-la.
Sobre a arte ser verdade ou não, os filósofos Platão e Aristóteles
formularam interpretações distintas. Apesar de ambos concordarem com a
premissa de que a essência da arte seria a imitação (mimesis) da realidade,
eles tinham posições contrárias em relação à sua verdade.
Aristóteles postulava que a verdade estaria na realidade e, portanto, a
imitação desta expressaria sim algo verdadeiro. Entretanto, segundo a teoria
das Formas de Platão, a realidade vivida seria uma subversão do mundo das
ideias, onde estaria a verdade; isto é, tudo que vivemos seria falso, pois o
verdadeiro estaria em outra dimensão.
Sendo assim, segundo Platão, algo que imitasse a realidade seria
automaticamente uma inverdade. Nesta perspectiva, o filósofo afirma que a
arte seria a cópia de uma cópia. Deste modo, essa imitação das aparências não
expressaria algo verdadeiro. Para Platão, portanto, todo artista seria um
inimigo da verdade, pois a arte evidenciaria e copiaria as ilusões existentes na
realidade aparente em que vivemos.

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