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“Uma introdução à teoria de Jacques Lacan”

Marco Antonio Coutinho Jorge

1ª aula

“Ceder nas palavras é ceder no essencial” – Sigmund Freud

A frase do psicanalista austríaco Sigmund Freud (1856-1939) cabe


perfeitamente ao pensamento lacaniano. A obra de Jacques Lacan (1901-
1981) pode ser considerada um riquíssimo apanhado de estudos tributários
à obra freudiana.
Em 1953, apresentou o simpósio intitulado “O simbólico, imaginário e
o real”, e em setembro do mesmo ano, em outro simpósio, corroborou a
ideia de que a psicanálise opera somente por um meio: a palavra do
analisando. Assim sendo, amplia-se sua capacidade de referenciação aos
outros campos do conhecimento humano: todas as manifestações do
homem sejam elas artísticas, políticas, sociais ou cognitivas, são passíveis
de análise, uma vez que nada escapa do inconsciente.
Contrário ao senso-comum, o psicanalista não detém todas as
respostas. Muito pelo contrário, ele dispõe-se a buscar estas respostas
conforme aprende com seu paciente. Por isso é impossível determinarmos
um padrão para a interpretação do discurso de cada indivíduo.
Apresentando-se como um leitor da obra de Freud, Lacan trouxe de
maneira muito clara e incisiva a importância da linguagem nas obras do
psicanalista austríaco. Embora pareça uma constatação óbvia nos dias de
hoje, este argumento ainda não havia sido levantado até meados da década
de 1950. Aprofundando-se em sua obra, Lacan ressaltou quatro conceitos
fundamentais da psicanálise: inconsciente, pulsão, transferência e
repetição. Os dois primeiros seriam observados de maneira clara na teoria,
enquanto a transferência e a repetição manifestariam-se na prática clínica.
Esta divisão, é claro, deve ser entendida como um artifício, uma vez que
clínica e teoria são absolutamente indissolúveis. Freud desvelou os
conceitos teóricos através de sua experiência na prática: pulsão através da
repetição; inconsciente através da transferência.
Explorar estes quatro temas (todos os quais já haviam sido
levantados por Freud) mostra-nos a vontade que Lacan jamais escondeu de
empregar métodos e estabelecer paradigmas científicos para a psicanálise.
Segundo o psicanalista francês, os analistas e pensadores pós-
freudianos pareciam ter se afastado da teoria de Freud. Aos seus olhos, lhe
parecia que estes homens davam à obra de Freud o devido valor de
descoberta, para depois relegá-la a material de museu. A própria tradução
norte-americana da palavra alemã “trieb” para “instinct” parecia uma
tentativa de trazer à luz da biologia uma manifestação do campo
exclusivamente humano.
O inconsciente, dizia Lacan, é estruturado como a linguagem, um
discurso do Outro; uma terceira entidade que intermedia o contato entre
dois sujeitos. Entre si mesmo e seu semelhante, o outro, estabelece-se o
campo do Outro, permitindo a troca. Na fala do analisando o que importa
são os elementos de seu discurso, que apontarão para esta autoridade
radical, sujeito inconsciente, o qual não possui uma imagem, manifestando-
se, portanto através de palavras e simbólico. A crítica de Lacan aos pós-
freudianos dá-se também neste aspecto: suas análises estavam voltadas
para uma relação no campo do imaginário, no eixo “eu-semelhante”.
A escuta do analista nunca se dá no nível da compreensão, da
comunicação básica do paciente. O que está em jogo é aprender com o que
transcende este campo, eliminando as diferenças.

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