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ROBERTO RUAS
CLAUDIA SIMONE ANTONELLO
LUIZ HENRIQUE BOFF
e colaboradores
Gestão por competências:
Uma contribuição à estratégia
das organizações
Roberto Ruas1
TEMA
Revisão do conceito e da noção de competências
MÉTODO/ABORDAGEM
Análise teórica com evidências empíricas
OBJETIVO
Oferecer ao leitor uma revisão sistemática da noção de competência nas suas três
dimensões principais: organizacionais, funcionais e individuais/gerenciais. A partir
dessa base, analisa diferentes situações de emprego da noção de competências em
empresas instaladas na região Sul do Brasil, apresentando ao final uma perspectiva de
aplicação da noção de competência nessas empresas, bem como considerações gerais
sobre esse processo que podem ser generalizadas a outros tipos de organizações
________________
1
Bolsista Produtividade em Pesquisa – CNPq.
2
RESUMO
3
INTRODUÇÃO
A crescente utilização da noção de “competência” no ambiente empresarial
brasileiro tem renovado o interesse sobre esse conceito. Seja sob uma perspectiva mais
estratégica (competênc ias organizacionais, competências essenciais), seja sob uma
configuração mais específica de práticas associadas à gestão de pessoas (seleção,
desenvolvimento, avaliação e remuneração por competências), o que é certo é que a
noção de competência tem aparecido como importante referência dentre os princípios e
práticas de gestão no Brasil. Entretanto, longe de constituir um universo homogêneo, o
que se percebe é que a noção de competências apresenta muitas indefinições, que
certamente dificultam sua utilização adequada por parte das empresas.
As principais questões sobre as quais nos debruçamos neste texto giram em
torno da maneira pela qual a noção de competência tem sido apropriada, explorada e
desenvolvida, ou seja, a) por que essa noção tem exercido um interesse crescente no
ambiente empresarial brasileiro?, b) qual tem sido a articulação entre o uso da noção de
competências e as diretrizes estratégicas das empresas? E c) quais os impactos da noção
de competência sobre as práticas de RG, como, por exemplo, seleção, gestão de
carreiras, gestão da remuneração e avaliação de desempenho?
4
tendem a ser mais focados naquilo que deve ser obtido com o trabalho (seu resultado)
do que na forma como deve ser feito (processo). Especialmente no setor de serviços,
atividade econômica predominante no contexto atual de negócios, o foco é cada vez
mais dirigido para os resultados e para a responsabilidade do que para a tarefa. Nesse
contexto, o protagonista do trabalho, além de saber fazer, deve apresentar, em muitos
casos, a capacidade de identificar e selecionar o como fazer a fim de se adaptar à
situação específica (customizada) que enfrenta.
QUALIFICAÇÃO COMPETÊNCIA
5
E a apropriação do conceito de evento está sem dúvida associado à concepção de
competência em sua dimensão individual, especialmente entre alguns dos autores que
compõem a “escola francesa” (na qual incluímos alguns canadenses e brasileiros):
Boterf (1994, 1999, 2000), Zarifian (1995, 2001), Levy-Leboyer (1996), Tremblay e
Sire (1999), Bouteiller (1997), Dutra (2001), Perrenoud (1999, 2000) e Dejoux (2001).
Por outro lado, a associação da noção de competência ao novo contexto
socioeconômico e ao conceito de evento pode ser estendida a muitas situações de
trabalho coletivo. A mobilização em torno de um doente num hospital ou do lançamento
de um novo produto são exemplos de atividades cuja adequação a resultados
pretendidos vão requerer competências coletivas, as quais também se submetem ao
conceito de evento. E essas competências coletivas podem abranger as atividades de
uma única área da empresa, de várias de suas áreas, o espaço da empresa como um todo
ou até de atividades interempresas (caso dos sistemas de logística, p. ex.). Pois, na
perspectiva dessas competências coletivas, é fundamental considerar as obras de
Prahalad e Hamel (1990 e 1995), Mintzberg (2000), Barney (1991), Fleury e Fleury
(2000), Goddard (1997), Stalk e colaboradores (2000), Javidan (1998), King, Fowler e
Zeithaml (2002). Além desses autores, recorremos nesse trabalho a algumas obras
específicas acerca da aplicação da noção de competências no Brasil. Embora já
relativamente explorada especialmente no campo teórico, a noção de competências
coletivas permanece um reduto bastante conceitual, apresentando pouquíssimas
incursões empíricas, especialmente no que se refere à construção de referenciais
consistentes e abrangentes.
Esse breve retrospecto do contexto no qual se desenvolve a noção de
competência revela que, sujeito a diferentes variáveis e dimensões organizacionais da
noção de competência.
AS PESQUISAS DE CAMPO
Esse segundo tópico apresenta a configuração dos elementos empregados como
base empírica deste capítulo. Trata-se dos resultados de trabalhos desenvolvidos em
dissertações de mestrado e teses de doutorado recentes, nos quais a questão das
competências aparece direta ou indiretamente. Esses resultados empíricos contribuíram
para a análise dos seguintes aspectos: 1) formas de compreensão da noção de
competência no interior da organização, 2) principais elementos de atratividade dessa
noção (porque a organização passou a adotar a noção de competência), 3) espaço de
difusão e consistência do emprego dessa noção, 4) os elementos que dão forma ao uso
da noção de competência (recursos). As empresas investigadas nesses trabalhos (todas
elas atuando na região sul do Brasil e duas também no mercado internacional) estão
distribuídas nos segmentos da economia conforme mostra a Tabela 2.1.
Tabela 2.1 Setores das empresas constantes dos trabalhos empíricos de dissertações e teses tratando,
direta ou indiretamente, do tema competência
_______Setor______________________________Número_____________________Porte__________
Indústria metalúrgica 2 Médio/grande
Indústria mecânica/montadora 2 Grande
Comunicação 1 Grande
Financeiro/bancário 1 Grande
Petroquímica-refinaria 2 Grande
Saúde-hospitalar 1 Grande
Telecomunicações 2 Grande
Total de empresas 11
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Tabela 2.2 Entrevistas realizadas com executivos atuando em empresas que adotam a noção de
competência
7
algumas novas capacidades próprias à nova proposta, como conhecimentos da história
do Brasil, habilidades de associação que envolvem datas e eventos, etc.
Com base nisso, podemos observar que estamos, nos dois casos, tratando da
mesma competência (expressar-se por escrito), no mesmo ambiente escolar, mas que
são construídas com base em complexidades e combinações diferentes no que se refere
ao uso das capacidades de conhecimento, habilidade e atitude2 .
Assim, constatamos que toda a competência é fundamentada em um conjunto de
capacidades. Nos exemplos apresentados, essas capacidades assumem a condição de
competência apenas no momento em que são mobilizadas para a realização de uma ação
específica (elaborar redação sobre o descobrimento do Brasil). É através do resultado
dessa redação que a competência expressar-se por escrito é reconhecida ou não. Nesse
caso, a competência pode ser definida como o exercício efetivo das capacidades
(Anabuki, 2002).
Por outro lado, em termos de consolidação da noção, pode-se concluir que um
determinado aluno do Ensino Fundamental, ao elaborar adequadamente uma redação
sobre a descoberta do Brasil, estará legitimando o domínio da capacidade expressar-se
por escrito nesse contexto. Entretanto, essa condição não pode ser evidentemente
estendida a novas situações que esse aluno venha a enfrentar mais adiante, como a
demanda por uma redação sobre a Revolução Francesa. Nessa nova situação, a
capacidade desenvolvida na etapa anterior certamente não será suficiente para que ela
dê conta da competência expressar-se por escrito sobre a Revolução Francesa. Ou seja,
a capacidade desenvolvida na experiência anterior não é necessariamente suficiente para
responder a uma situação cuja resolução exige competência similar, mas em situação de
maior complexidade.
Após essas primeiras observações, é possível adiantar referências preliminares
sobre a aplicação da noção de competência, especialmente em situações
organizacionais:
a) As capacidades podem ser entendidas como potenciais de competências que
estão disponíveis para serem mobilizados numa situação específica. Esses potenciais
(conhecimentos, habilidades, atitudes passíveis de desenvolvimento) teriam sido
desenvolvidos em circunstâncias anteriores, por vezes em processos de formação e/ou
treinamento específicos, outras vezes durante as próprias práticas de trabalho. Observe-
se que às capacidades (que aparecem aqui como elementos intangíveis) podem estar
associadas outros tipos de recursos, como instrumentos e equipamentos, sistemas de
informações, instalações diversas, etc, no caso sob a forma de recursos tangíveis. Para o
caso do exemplo apresentado, o da competência expressar-se por escrito, os
instrumentos (lápis, borracha, papel) e as instalações (escrivaninha) podem ser
classificados como recursos tangíveis associados.
b) As competências são entendidas como a ação que combina e mobiliza as
capacidades e os recursos tangíveis (quando for o caso).
c) Sobre os resultados desejados, a mobilização das capacidades e recursos e,
portanto, o exercício da competência vai estar sujeita aos resultados desejados e às
condições que se colocam no contexto. No exemplo da competência expressar-se por
escrito, consideremos que o resultado desejado estaria associado ao tema e tamanho da
redação, ao tempo para realizá- la, a abordagem a ser desenvolvida, etc. Assim, a seleção
e a combinação das capacidades que vão ser mobilizadas sob a forma de competência
são diretamente dependentes do resultado que se pretende obter com essa ação.
_______________________________________
2
Sobre as diferentes combinações e complexidades, ver Dutra (2001), no qual esse aspecto da noção de
competência é tratado de forma consistente.
8
Enfim, as referências apresentadas nos permitem articular adequadamente a
relação entre as noções de competência e capacidade, observar que a mobilização das
capacidades no exercício da competência pode associar-se a outros tipos de recursos
tangíveis (instrumentos, sistemas, equipamentos, etc) e que a efetividade da
competência está sujeita aos resultados desejados, bem como aos critérios de
reconhecimento e legitimação. A Figura 2.2 pretende sintetizar essas relações.
Avaliação
habilidades: Competência
(desenhar as letras, memorizar os expressar-se por Entrega: redação sobre o
sons, concentração) escrito fim de semana
9
desempenho. A “qualidade” do profissional era vinculada ao “estoque” de
recursos do tipo conhecimentos e/ou experiências e era sustentada pelo fascínio
do curriculum vitae. Essa concepção, porém, já está sendo muito questionada
nessa mesma empresa.
f) Constatou-se a dificuldade de apropriar a noção de competência sob a forma de
mobilização de capacidades, sendo que, para algumas atividades, ainda
prevalece a lógica da prescrição de tarefas ou atribuições.
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Visão Competências
funcionais
(grupos/áreas)
Intenção Competências
estratégica organizacionais
Competências
individuais/
Missão gerenciais
Figura 2.3 Configurações organizacionais da noção de competência (Fonte: Adaptada de Wood Jr. E
Picarelli Filho [1999]).
11
substancial frente a seus concorrentes do segmento eletrônico. Com certeza, as
capacidades relacionadas a essa competência estão muito mais próximas das áreas de
engenharia e desenvolvimento do que da área financeira. Entretanto, esta última,
embora não assuma um papel de “alavancagem” na geração da competência, tem uma
participação fundamental em seu desenvolvimento através da análise de investimentos,
de riscos e de viabilidade do empreendimento. Exemplo semelhante é o do papel da área
de RH nesse processo, como mentor da capacidade e da motivação das pessoas para
enfrentar esses desafios. Assim, cada área da empresa apropriaria as competências
organizacionais de forma relativa, isto é, segundo a aderência entre, de um lado, sua
missão e especificidade e, de outro, a relevância de sua participação na competência
estratégica.
Segundo os autores, para constituir uma CC, uma competência organizacional
deve satisfazer três critérios de validação: 1) deve contribuir decisivamente para o valor
agregado aos produtos e serviços que são percebidos pelos clientes da empresa, seja em
termos de preço, qualidade, disponibilidade ou ainda seletividade, 2) deve oferecer
acesso potencial a uma ampla variedade de mercados, negócios e produtos, 3)
finalmente, deve ser de difícil imitação, o que prorrogaria a vantagem da empresa por
um tempo maior (Prahalad e Hamel, 1995). As condições apresentadas, associadas à sua
própria concepção original, fazem das CC um tipo específico de competência
organizacional bastante raro e que propicia um amplo diferencial competitivo.
12
de CC para o de competência organizacional – que é um conceito menos excludente –
nos permitiu identificar, entre as empresas da pesquisa, competências que podem ser
classificadas como competências do tipo organizacional, pois, além de transitarem em
todas as áreas da organização, contribuem significativamente para a sobrevivência e/ou
para a diferenciação dessas empresas.
Exemplos bastante representativos de competências organizacionais levantados
nas empresas da pesquisa podem ser vistos na Tabela 2.3.
13
Pois bem, os resultados obtidos com empresas da região sul estimulam a revisão
dos referenciais associados à noção de competência coletiva no plano organizacional,
cuja base principal tem sido, até o momento, sustentada pela lógica das CCs. As
observações apresentadas indicam a presença efetiva de pelo menos dois outros tipos de
competência organizacional, segundo seus níveis de competitividade:
• as competências que viabilizam a diferenciação de uma organização no espaço
de competição formado por mercados regionais e/ou nacionais estamos
chamando de competências organizacionais seletivas. Diferenciais obtidos com
base no relacionamento com clientes ou no redimensionamento de serviços são
exemplos adequados de competências organizacionais seletivas;
• as competências qualificadoras ou básicas para a sobrevivência da empresa num
certo mercado denominamos competências organizacionais básicas. As
competências coletivas que permitem garantir a segurança e a estabilidade de
uma planta petroquímica, por exemplo, podem ser consideradas competências
organizacionais básicas. Nesse caso também estariam aquelas competências que
permitem a uma empresa industrial produzir produtos com preços compatíveis
para o mercado ou competências que contribuem para uma empresa varejista
atingir níveis de atendimento satisfatório.
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Tabela 2.4 Apropriação dos níveis de classificação de competências organizacionais para as
competências organizacionais para as competências levantadas na pesquisa, segundo opinião dos
entrevistados
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tipo de competência denominamos funcionais. As competências funcionais são
competências associadas ao exercício das principais funções coletivas da organização
(ou seus principais macroprocessos), como, por exemplo: 1) conceber e produzir
produtos e serviços adequados às condições do mercado, 2) garantir a comercialização
de produtos e serviços no médio prazo, 3) obter insumos e/ou informações necessárias
para a produção dos produtos e serviços, 4) gerir a manutenção e a logística dentro e
fora da organização, 5) gerir os recurso tangíveis e intangíveis, etc. Como essas
competências são atribuições mais específicas a grupos, embora se possa relacioná- las
com a empresa toda, estamos associando-as a responsabilidades funcionais.
É justamente nessa dimensão funcional e intermediária da noção de competência
na organização que se concretiza o desdobramento, para as áreas da empresa, das
capacidades demandadas ao nível corporativo ou organizacional. Por exemplo, se
tomarmos uma das competências organizacionais da empresa financeira (orientar
investimentos de porte médio/pequeno sob forma de consultoria cliente), observamos
que essa competência depende de uma competência funcional associada à gestão da
informação, que seria a capacidade de viabilizar o acesso rápido e confiável dos
funcionários da empresa às informações do mercado financeiro.
Por outro lado, dependendo do tipo de negócio, uma competência funcional pode
vir a constituir, no passar do tempo, uma competência organizacional: é o exemplo da
competência funcional conceber e produzir motores cujo desenvolvimento gerou uma
competência organizacional essencial para a Honda (Prahalad e Hamel, 1995).
Aliás, o desenvolvimento de competências organizacionais essenciais ou
seletivas é, em geral, originário de competências funcionais, conforme aponta a Tabela
2.5.
Enfim, as competências funcionais parecem ser uma das instâncias mais
adequadas para que se possa avaliar a aderência da noção estratégica de competência
(organizacional) às práticas de trabalho em cada uma de suas áreas, ou seja, se as
diretrizes expressas nas competências orga nizacionais estão incorporadas ou não aos
artefatos operacionais da organização.
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Tabela 2.5 Relação entre competências funcionais e organizacionais
Por outro lado, mesmo que não possa ser considerado exatamente um exemplo
de percepção do conceito de competência funcional, foi possível perceber em alguns
gestores a idéia de que algumas dessas competências funcionais constituiriam
“suportes” fundamentais para o desenvolvimento das competências organizacionais.
Dentre os exemplos mais claros desse papel, o “suporte” é o que o observou
relativamente a empresa financeira pesquisada, conforme a Tabela 2.6.
Tabela 2.6 Exemplo de relaçãode suporte das competências funcionais (áreas da empresa) em relação às
competências organizacionais
17
por exemplo), que pretendem contextualizar e caracterizar o trabalho. Por isso mesmo,
observações empíricas têm mostrado que a noção de competência, na sua dimensão
individual, vai carregar consigo uma grande heterogeneidade de percepções e conceitos,
especialmente no ambiente das empresas.
O quese pode distinguir no debate sobre a noção de competências individuais é,
de um lado, uma corrente de especialistas anglo-saxões adotando uma abordagem mais
pragmática, especialmente em suas formas de classificação, e partindo de uma
influência mais visível do conceito de qualificação e, de outro, os representantes da
“escola francesa”, que ampliam as perspectivas do conceito a partir da integração de
elementos da sociologia e da economia do trabalho. E é justamente da “escola francesa”
que, em nosso entender, são desenvolvidas as principais contribuições à noção de
competência individual: não seria esta última um estado de formação educacional ou
profissional, tampouco um conjunto de conhecimentos adquiridos ou de capacidades
apreendidas; seria, isso sim, a mobilização e a aplicação de conhecimentos e
capacidades numa situação específica, na qual se apresentam recursos e restrições
próprias a essa situação (Boterf, op. cit.).
Capacidade é tudo o que se desenvolve e explora sob a forma de potencial e que
é moilizado numa ação a qual associamos à noção de competência. Ou seja, não se trata
de consideras as pessoas competentes, mas sim suas ações. As capacidades são, em
geral, compostas por conhecimentos, habilidades e atitudes. Além das capacidades,
algumas ações vão requerer outros recursos do tipo instrumentos, sistemas ou
equipamentos. Não há dúvida de que a concepção de competência individual é a mais
heterogênea, como evidenciam os quadros a seguir.
Os exemplos apresentados nas Tabelas 2.7 e 2.8 mostram as diversas
possibilidades de agregar e classificar as comp etências individuais. Dificilmente se
poderá afirmar a priori, através de uma decisão teórica ou técnica, que uma é a mais
correta do que as outras. São as circunstâncias e as condições da organização na qual a
noção de competências será aplicada, bem como o objetivo dessa aplicação, é que
nortearão a escolha da abordagem mais adequada.
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Tabela 2.8 Exemplos de agregação das competências por categorias
American Society Empresa
for Training and Empresa de internacional de_______
Woodruff Fandt Developments consultoria A consultoria B_________
Fundamentais Internacionais Técnicas Organizacionais Críticas
(conhecimentos (capacidade de (informática, teorias e negócios (organizacionais)
e habilidades) motivar, escutar, específicas para o (visão de futuro, (conhecer o negócio,
estimular idéias trabalho) visão do negócio orientaçõ para o cliente
Diferenciais
(aptidões De solução de Negócios Gerenciais e Funcionais
pessoais, problemas (compreender o áreas (relacionadas à
comportamen- (percepção, negócio, dominar o (liderança, área de atuação
tos e motivações capacidade de projeto estratégico da habilidade de
planejar e empresa, etc.) resolver proble- Técnicas
organizar mas e tomar (requerids para exercer
Interpessoais decisões uma função/conhecimento
De capacitação (feedback, da tecnologia, das normas,
(orientação para negociação, Individuais habilidades, etc.)
a ação, flexibili- questionamento) (habilidade de
dade para a negociar,
mudança Intelectuais dinamismo e
(versatilidade energia, nível
Comunicação intelectual, educacional)
(capacidade de observador,
comunicação autodesenvolvimento)
escrita e oral,
interação)
• A noção de competência gerencial deve ser pensada como uma ação através da
qual se mobilizam conhecimentos, habilidades e atitudes pessoais e
profissionais a fim de cumprir com uma certa tarefa ou responsabilidade, numa
determinada situação. A noção de competência, portanto, se torna efetiva
através de ações que mobilizam capacidades – em alguns casos, essa ação pode
mobilizar apenas uma capacidade. (Por exemplo: a habilidade saber ouvir pode
ser mobilizada sob a forma da ação ouvir clientes sobre novos serviços. Nesse
caso, vamos avaliar se essa ação atendeu o nível de competência esperado, a
partir das responsabilidades/desempenho esperado para aquela ação.)
• A efetividade e a legitimação de uma competência só ocorre através de uma ou
mais ações em situação real de trabalho, ou seja, em condições específicas do
ambiente de trabalho. Em outras palavras, ninguém pode ser competente a
priori, ou seja, com base em capacidades desenvolvidas numa situação ocorrida
no passado.
• As competências definidas de forma mais genérica são mais compatíveis com o
estado atual do trabalho: multifuncional e abrangente (ao contrário da tendência
especialista). Entretanto, às vezes é difícil construir dessa forma.
19
• Mais importante do que dar ênfase à “metodologia” de gestão das competências
(noção, definição, composição e classificação) é tratá- la em função das
necessidades (homogeneizar as competências organizacionais, o
desenvolvimento das pessoas, a avaliação de desempenho, etc.). Assim, a
metodologia de gestão de competências não deve servir como uma “camisa-de-
força”.
• Segundo Fandt apud Woodi Jr. (1999, p. 135), as competências gerenciais são
inter-relacionadas às competências organizacionais e construídas umas sobre as
outras como uma teia complexa.
• A noção de competência não deve ser confundida com a de desempenho, que é a
quantificação da performance. A competência pode ser caracterizada como uma
maneira de atingir o desempenho esperado, mas não se confunde com ele.
20
• A aplicação da noção de competência apresenta formas muito heterogêneas até
mesmo no âmbito da gestão de pessoas. Um exemplo dessas dificuldades
aparece na definição das competências requeridas: colocadas no mesmo nível
aparecem competências efetivas, a capacidade de inovar e criar ou a capacidade
de lidar com situações complexas, juntamente com capacidades do tipo
conhecimento de mercado e conhecimento sobre a política da organização, ou
ainda, atitudes como saber ouvir ou comprometido. Como se observa, diferentes
formas de empregar a noção de competência acabam por prejudicar a
objetividade no uso da noção de competências nas práticas de gestão de pessoas.
• Por fim, é importante ressaltar ainda que, nas demais áreas da empresa,
excetuando-se as atividades vinculadas à gestão de pessoas, a aplicação formal
da noção de competência apresenta ainda uma baixa difusão.
Uma das diretrizes que nortearam esse trabalho tratava de identificar as razões
pelas quais o termo “competência” atraía tanto a atenção; ou seja, por que, em período
recente, a noção de competência passa a ser uma das mais empregadas no contexto da
administração de empresas? Embora desenvolvam diferentes perspectivas sobre o tema,
o conjunto de obras e experiências revisitadas neste capítulo apontou para alguns fatores
que poderiam explicar essa atração. O debate sobre alguns desses fatores no campo
empírico, especialmente entre os executivos entrevistados, destacou três dentre eles.
21
negócios. De uma forma geral, nesses processos de customização ganha o
cliente, que recebe um produto ou serviço mais apropriado à sua necessidade –
aumentando seus ganhos por satisfação e rapidez ou reduzindo custos -, e ganha
o produtor (valor agregado), porque em geral o cliente se dispõe a pagar um
preço maior por esse produto ou serviço mais apropriado a suas necessidades.
Essa tendência se observa, de uma maneira mais ou menos intensa, nos bancos,
nas instituições de educação, na cadeia automobilística ou até mesmo na
indústria da construção civil.
Por outro lado, quanto mais customizados são os produtos e serviços,
mais diversas tenderão a ser as situações e os problemas que se apresentam na
sua concepção e produção e, com isso, mais difícil será prever e antecipar
situações. Como resultado, a capacidade de lidar com a particularidade de cada
situação ou evento tem se tornado mais e mais relevante para o sucesso no
mundo dos negócios.
Por isso, um conceito de competência, que define que a ação conseqüente
é aquela que mobiliza, integra e prioriza recursos segundo as condições da
situação ou contexto, estabelece a capacidade de flexibilidade e adaptação como
um de seus elementos essenciais. Em outras palavras, a combinatória adequada
desses recursos vai ser definida pelas condições de cada situação ou evento.
Nesse sentido, vale a pena recuperar a noção de evento, já tratada anteriormente
neste trabalho.
Assim, o que vai se denominar e legitimar como “competência” – ou
seja, a ação competente e reconhecida na organização – será estritamente
associada à variabilidade das condições e circunstâncias da situação (trabalho
multifuncional e abrangente).
3) O terceiro fator que, segundo as observações empíricas, tem motivado as
organizações a adotar a noção de competência no ambiente organizacional é sua
condição de atuar como referência conceitual homogênea nas diferentes
instâncias organizacionais. Sem pretender entrar no antigo e já desgastado
debate sobre o que é relevante nas decisões estratégicas, se o posicionamento
externo ou os recursos internos (Mintzberg, 2000), a adoção da noção de
competência nas organizações passa a expressar as necessidades em termos de
capacidades internas, a fim de desenvolver estratégias competitivas. No limite,
essa mesma noção de competência pode constituir um fator mobilizador de
estratégias competitivas, tanto na perspectiva da abordagem de Prahalad e
Hamel (1990) quanto na ótica da corrente Resource Based View (1991).
Portanto, na contraparte de determinada estratégia de mercado
envolvendo novos produtos ou novos serviços ou, ainda, novas formas de
relacionamento como os clientes, a noção de competência expressa as demandas
das capacidades internas para sustentar essa estratégia, sob uma forma
relativamente homogênea de competência coletiva e/ou individual. O resultado é
o trânsito mais rápido e fluído de propostas e orientações nas diferentes
instâncias organizacionais.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dentre as constatações desse artigo, uma das mais importantes reafirma uma de
suas primeiras hipóteses: a noção de competência aparece como uma das referências
mais importantes das atuais práticas empresariais. Entretanto, nossas observações
empíricas também mostram que, na grande parte das empresas pesquisadas, a
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abordagem da “competência organizacional” não é apropriada sob a forma de práticas e
procedimentos formais, salvo em atividades específicas da gestão de pessoas. Ou seja,
há mais intenção do que ação, mais discurso do que prática. Nesse sentido, uma das
expressões mais usadas tanto no meio acadêmico quanto empresarial é que a abordagem
das competências encontra-se “em fase de construção” na maior parte das organizações.
Não há dúvida disso, mas, em nosso entender, não se trata apenas de uma dificuldade
originada do estágio ainda inicial de implantação dos “projetos de competências”. O
significado da expressão “em construção” está mais associado à relativa confusão e
heterogeneidade no uso dessa noção e de suas referências principais, do que na pouca
idade desses projetos.
No mesmo sentido, a baixa difusão da noção de competência coletiva revela, ao
mesmo tempo, dificuldades para lidar com uma noção pouco tangível como essa, assim
como uma maior familiaridade com o conceito de competência individual. E essa
familiaridade tem a ver com outros conceitos mais antigos e aparentemente similares,
como o de qualificação, o qual reiteradamente no decorrer deste capítulo nos
esforçamos por mostrar as flagrantes diferenças. De qualquer forma, essa condição
permitiu que essa noção se difundisse, sobretudo, na área de gestão de pessoas, a qual,
aliás, está praticamente restrita entre as empresas pesquisadas. Além disso, o emprego
da noção de competência individual é mais difundido em práticas nas quais se podem
tolerar condições menos objetivas de avaliação – como as de seleção e de
desenvolvimento. Por isso, podemos afirmar que a noção de competência é uma
referência mais forte como concepção do que como prática.
Embora nossa pesquisa não pretenda apresentar nenhum nível de
representatividade no universo de empresas que atuam na região sul, ela confirma, de
forma sistemática, outras observações empíricas não tão sistemáticas realizadas através
de programas de capacitação gerencial em outras regiões desenvolvidas do país. Salvo
em algumas exceções, os resultados aqui constatados sobre a aplicação da abordagem
das competências podem ser generalizados para um grande número de empresas
brasileiras. E muitos dos impasses e dificuldades observados na apropriação da noção
de competência no ambiente empresarial estão, em nosso entender, associados à
ausência de um quadro de referências relativamente integrado e coerente sobre essa
noção e sobre seus desdobramentos práticos.
23
REFERÊNCIAS
24
apresentada na Escola de Administração Universidade Federal do Rio Grande
do Sul.
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apresentada na Escola de Administração - Universidade Federal do Rio Grande
do Sul.
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Artmed, 1999.
• _______________. Novas competências para ensinar. Porto Alegre: Artmed,
2000.
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• ________________. Novas contribuições à noção de competências: a dimensão
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• SALINAS. J. L. Os Impactos da Aprendizagem Organizacional nas Práticas de
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do Sul.
• STREIT, C. Desenvolvimento de Competências Gerenciais Associadas à
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Dissertação de Mestrado- Escola de Administração / - Universidade Federal do
Rio Grande do Sul
• SCHEMES, E. Identificação das Competências Organizacionais em uma
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Dissertação de Mestrado Escola de Administração / - Universidade Federal do
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• STALK, J. R.; EVANS, P.; SHULMAN, L. Competição baseada em
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