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Aprendizagem Organizacional e Competências: novos horizontes da Gestão

Book · January 2005

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Roberto lima Ruas Claudia Antonello


Universidade Nove de Julho Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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OS NOVOS HORIZONTES DA GESTÃO
APRENDIZAGEM
ORGANIZACIONAL
E COMPETÊNCIAS

ROBERTO RUAS
CLAUDIA SIMONE ANTONELLO
LUIZ HENRIQUE BOFF
e colaboradores
Gestão por competências:
Uma contribuição à estratégia
das organizações
Roberto Ruas1

TEMA
Revisão do conceito e da noção de competências

MÉTODO/ABORDAGEM
Análise teórica com evidências empíricas

OBJETIVO
Oferecer ao leitor uma revisão sistemática da noção de competência nas suas três
dimensões principais: organizacionais, funcionais e individuais/gerenciais. A partir
dessa base, analisa diferentes situações de emprego da noção de competências em
empresas instaladas na região Sul do Brasil, apresentando ao final uma perspectiva de
aplicação da noção de competência nessas empresas, bem como considerações gerais
sobre esse processo que podem ser generalizadas a outros tipos de organizações

________________
1
Bolsista Produtividade em Pesquisa – CNPq.

2
RESUMO

Apesar da grande difusão da noção de competências entre empresas brasileiras,


sua aplicação, bem como seus resultados práticos, aparecem como um debate com mais
sombras do que luzes, mais impasses do que certezas. Na perspectiva de trazer um
pouco de claridade a alguns de seus pontos, este capítulo desenvo lve uma breve revisão
das principais referências conceituais que forma a noção de competência, vista aqui em
suas diferentes dimensões: organizacional, grupal e individual. Por isso, ao contrário da
voz corrente, a abordagem gestão por competências não é “assunto de RH”, mas da
empresa toda.

3
INTRODUÇÃO
A crescente utilização da noção de “competência” no ambiente empresarial
brasileiro tem renovado o interesse sobre esse conceito. Seja sob uma perspectiva mais
estratégica (competênc ias organizacionais, competências essenciais), seja sob uma
configuração mais específica de práticas associadas à gestão de pessoas (seleção,
desenvolvimento, avaliação e remuneração por competências), o que é certo é que a
noção de competência tem aparecido como importante referência dentre os princípios e
práticas de gestão no Brasil. Entretanto, longe de constituir um universo homogêneo, o
que se percebe é que a noção de competências apresenta muitas indefinições, que
certamente dificultam sua utilização adequada por parte das empresas.
As principais questões sobre as quais nos debruçamos neste texto giram em
torno da maneira pela qual a noção de competência tem sido apropriada, explorada e
desenvolvida, ou seja, a) por que essa noção tem exercido um interesse crescente no
ambiente empresarial brasileiro?, b) qual tem sido a articulação entre o uso da noção de
competências e as diretrizes estratégicas das empresas? E c) quais os impactos da noção
de competência sobre as práticas de RG, como, por exemplo, seleção, gestão de
carreiras, gestão da remuneração e avaliação de desempenho?

A EMERGÊNCIA DA NOÇÃO DE COMPETÊNCIA NO


CONTEXTO SOCIOECONÔMICO
Se a perspectiva mais estratégica da noção de competência tem origem numa
construção mais recente (core competence em Prahalad e Hamel, 1990, ou a partir da
corrente Resource Based View in Barney, 2001), o mesmo não ocorre com sua
dimensão individual cuja construção é mais antiga e heterogênea. Não há dúvida de que
sua origem se confunde com uma noção que lhe é relativamente associada – a de
qualificação, também alvo de um extenso debate especialmente entre os anos 1960
e1980 (Palloix, 1977; Braverman, 1077; Kern e Shumann, 1984; Kelly e Wood, 1984;
Freyssenet, 1977). Entretanto, esse debate precedente é contextualizado num ambiente
de emprego formal, trabalho predominantemente industrial, sustentado por atividades
em geral previsíveis e de forte base sindical. Nesse contexto, a noção de qualificação é
centrada na preparação de capacidades voltadas para processos previstos ou pelo menos
previsíveis em sua maioria.
Já nos anos 1990, quando da intensificação da reestruturação produtiva, a
emergência do conceito de competência é resultado de outro contexto, no qual se
destacam a aceleração da concorrência, a lógica da atividade de serviços, o trabalho
intermitente e informal, a baixa previsibilidade de negócios e atividades, e, por fim, a
crise nas associações sindicais de trabalhadores. É com base nessa nova lógica da
atividade de serviços, e por extensão na própria dinâmica das empresas, que a
construção da noção de competência começa a tomar forma. Nessa dinâmica, a noção
de competências trata de forma predominante do desenvolvimento de capacidades que
podem ser posteriormente mobilizadas em situações em sua maioria pouco previsíveis,
como demonstra a Figura 2.1.
Não há dúvida de que o que há de mais relevante na construção da noção de
competência passa, sem dúvida, pela crescente instabilidade da atividade econômica,
pela baixa previsibilidade da relação das empresas com seus mercados e clientes e pela
intensificação de estratégias de customização. Esses elementos, que são mais visíveis no
plano estratégico, resultam por configurar, nos níveis tático e operacional, novas formas
de conceber e organizar o trabalho: de uma disposição do trabalho mais estável e
previsível para outra bastante diferenciada e fluída, na qual os processos de previsão

4
tendem a ser mais focados naquilo que deve ser obtido com o trabalho (seu resultado)
do que na forma como deve ser feito (processo). Especialmente no setor de serviços,
atividade econômica predominante no contexto atual de negócios, o foco é cada vez
mais dirigido para os resultados e para a responsabilidade do que para a tarefa. Nesse
contexto, o protagonista do trabalho, além de saber fazer, deve apresentar, em muitos
casos, a capacidade de identificar e selecionar o como fazer a fim de se adaptar à
situação específica (customizada) que enfrenta.

QUALIFICAÇÃO COMPETÊNCIA

• Relativa estabilidade da • Baixa previsibilidade de


atividade econômica negócios e atividades
• Concorrência localizada • Intensificação e ampliação da
• Lógica predominante: abrangência da concorrência
indústria (padrões) • Lógica predominante:
• Emprego formal e forte base serviços (eventos)
sindical • Relações de trabalho
• Organização do trabalho com informais e crise dos
base em cargos definidos e sindicatos
tarefas prescritas e • Organização do trabalho com
programadas base em metas,
• Foco no processo responsabilidades e
• Baixa aprendizagem multifuncionalidade
• Foco nos resultados
• Alta aprendizagem

Figura 2.1 As noções de qualificação e competência e as características principais dos respectivos


contextos.

No contexto econômico recente, o conceito de evento tem lugar privilegiado,


conforme a definição de Zarifian (2001). O evento (definido por esse autor como uma
forma de imprevisto) “não parte dos acasos que ocorrem no interior dos sistemas de
produção, mas dos novos problemas colocados pelo ambiente, que mobilizam a
atividade de inovação. Trata-se, por exemplo, de novos usos em potencial dos produtos,
de novas expectativas da clientela. (...) O evento não é um caso negativo, insólito. Pelo
contrário, faz parte da vida normal de uma organização, desde que esta permaneça
atenta a seu ambiente e à destinação de seus produtos. (...) O evento significa que a
competência profissional não pode mais ser enclausurada em definições prévias de
tarefas a executar num posto de trabalho” (Zarifian, op.cit., p.42).
Aceita a perspectiva apresentada, a noção de competência aproxima-se mais da
capacidade de combinar e mobilizar adequadamente recursos já desenvolvidos do que
de um stock de conhecimentos e habilidades (perspectiva mais próxima da noção de
qualificação). A expressão adequadamente aparece, nesse caso, com o significado de
uma combinação de recursos apropriada ao evento, ou seja, adequada à situação
específica a ser enfrentada. E, na medida em que essa nova combinação de recursos sob
a forma de uma ação consegue dar conta daquele evento diferente, teremos
possivelmente uma nova configuração de competência resultante do aprendizado face à
nova situação enfrentada.

5
E a apropriação do conceito de evento está sem dúvida associado à concepção de
competência em sua dimensão individual, especialmente entre alguns dos autores que
compõem a “escola francesa” (na qual incluímos alguns canadenses e brasileiros):
Boterf (1994, 1999, 2000), Zarifian (1995, 2001), Levy-Leboyer (1996), Tremblay e
Sire (1999), Bouteiller (1997), Dutra (2001), Perrenoud (1999, 2000) e Dejoux (2001).
Por outro lado, a associação da noção de competência ao novo contexto
socioeconômico e ao conceito de evento pode ser estendida a muitas situações de
trabalho coletivo. A mobilização em torno de um doente num hospital ou do lançamento
de um novo produto são exemplos de atividades cuja adequação a resultados
pretendidos vão requerer competências coletivas, as quais também se submetem ao
conceito de evento. E essas competências coletivas podem abranger as atividades de
uma única área da empresa, de várias de suas áreas, o espaço da empresa como um todo
ou até de atividades interempresas (caso dos sistemas de logística, p. ex.). Pois, na
perspectiva dessas competências coletivas, é fundamental considerar as obras de
Prahalad e Hamel (1990 e 1995), Mintzberg (2000), Barney (1991), Fleury e Fleury
(2000), Goddard (1997), Stalk e colaboradores (2000), Javidan (1998), King, Fowler e
Zeithaml (2002). Além desses autores, recorremos nesse trabalho a algumas obras
específicas acerca da aplicação da noção de competências no Brasil. Embora já
relativamente explorada especialmente no campo teórico, a noção de competências
coletivas permanece um reduto bastante conceitual, apresentando pouquíssimas
incursões empíricas, especialmente no que se refere à construção de referenciais
consistentes e abrangentes.
Esse breve retrospecto do contexto no qual se desenvolve a noção de
competência revela que, sujeito a diferentes variáveis e dimensões organizacionais da
noção de competência.

AS PESQUISAS DE CAMPO
Esse segundo tópico apresenta a configuração dos elementos empregados como
base empírica deste capítulo. Trata-se dos resultados de trabalhos desenvolvidos em
dissertações de mestrado e teses de doutorado recentes, nos quais a questão das
competências aparece direta ou indiretamente. Esses resultados empíricos contribuíram
para a análise dos seguintes aspectos: 1) formas de compreensão da noção de
competência no interior da organização, 2) principais elementos de atratividade dessa
noção (porque a organização passou a adotar a noção de competência), 3) espaço de
difusão e consistência do emprego dessa noção, 4) os elementos que dão forma ao uso
da noção de competência (recursos). As empresas investigadas nesses trabalhos (todas
elas atuando na região sul do Brasil e duas também no mercado internacional) estão
distribuídas nos segmentos da economia conforme mostra a Tabela 2.1.

Tabela 2.1 Setores das empresas constantes dos trabalhos empíricos de dissertações e teses tratando,
direta ou indiretamente, do tema competência

_______Setor______________________________Número_____________________Porte__________
Indústria metalúrgica 2 Médio/grande
Indústria mecânica/montadora 2 Grande
Comunicação 1 Grande
Financeiro/bancário 1 Grande
Petroquímica-refinaria 2 Grande
Saúde-hospitalar 1 Grande
Telecomunicações 2 Grande
Total de empresas 11

6
Tabela 2.2 Entrevistas realizadas com executivos atuando em empresas que adotam a noção de
competência

_______Cargo do entrevistado_________ _______Setor da empresa_____________ _______Porte__


Gerente de RH Indústria metalúrgica Médio
Gerente de qualidade Indústria petroquímica Grande
Coord. de desenvolvimento de RH Instituição universitária privada Média
Coord. regional de universidade Setor bancário Grande
Gerente de RH Indústria/Comércio de alimentação Grande

Os resultados das pesquisas de campo são complementados por cinco entrevistas


realizadas com executivos de cinco empresas da relação apresentada na Tabela 2.1,
entrevistas essas focadas nas percepções desses executivos sobre as experiências de suas
empresas no emprego da noção de competência. O objetivo dessas entrevistas foi
complementar as informações empíricas para a análise. Nesse sentido, concentraram-se
nos seguintes aspectos: 1) identificar formas institucionais de emprego da noção de
competência em suas empresas, 2) identificar em quais instâncias e áreas essa noção é
mais difundida e aparece de forma mais consistente, 3) caracterizar se existe
homogeneidade ou não no uso do conceito, determinando que tipo de conceito aparece
de forma mais freqüente, 4) identificar quais são os principais elementos na composição
da noção de competência (recursos) e 5) determinar quais os elementos da noção que
aportam atratividade para a empresa e por quê. (Ver Tabela 2.2)

A NOÇÃO DE COMPETÊNCIA: QUESTÕES DE REFERÊNCIA

Um dos primeiros pontos de controvérsia da noção de competência é o que trata


do tênue limite entre as expressões capacidades e competências. Pois um exemplo
elucidativo dessas posições pode ser apropriado da área de educação. Os fundamentos
da competência expressar-se por escrito junto a alunos do Ensino Fundamental é
resultado de um processo de desenvolvimento de capacidades sob a forma de
conhecimentos, como a representação de cada uma das letras, de seus sons, dos sons
resultantes da combinação entre elas, sobre a formação das palavras, etc. Ao mesmo
tempo, o desenvolvimento da competência expressar-se por escrito vai depender de
certas habilidades como desenhar a letra, memorizar seus sons, a capacidade de
concentração, etc. Finalmente, esses fundamentos ainda vão depender de capacidades
do tipo atitudinais como disponibilidade para aprender, disposição para relacionamento,
etc.
A combinação e a mobilização dessas capacidades com a finalidade de cumprir
demanda do professor – como, por exemplo, escrever 10 linhas sobre as atividades do
último fim de semana – é que permitirá o exercício da competência denominada
expressar-se por escrito. E, assim, poder-se-á dizer que, para um determinado aluno, a
competência expressar-se por escrito sustentou-se numa determinada combinação de
capacidades associadas a conhecimentos, habilidades e atitudes, combinação essa que
foi específica para o tema e para as condições de redação propostas (estrutura, número
de páginas, tempo para realizá- la, etc.).
Pode-se depreender que, para outro tipo de redação ainda no nível do Ensino
Fundamental, como, por exemplo, escrever uma página sobre o descobrimento do
Brasil, as capacidades específicas à redação anterior deverão ser agregadas junto a

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algumas novas capacidades próprias à nova proposta, como conhecimentos da história
do Brasil, habilidades de associação que envolvem datas e eventos, etc.
Com base nisso, podemos observar que estamos, nos dois casos, tratando da
mesma competência (expressar-se por escrito), no mesmo ambiente escolar, mas que
são construídas com base em complexidades e combinações diferentes no que se refere
ao uso das capacidades de conhecimento, habilidade e atitude2 .
Assim, constatamos que toda a competência é fundamentada em um conjunto de
capacidades. Nos exemplos apresentados, essas capacidades assumem a condição de
competência apenas no momento em que são mobilizadas para a realização de uma ação
específica (elaborar redação sobre o descobrimento do Brasil). É através do resultado
dessa redação que a competência expressar-se por escrito é reconhecida ou não. Nesse
caso, a competência pode ser definida como o exercício efetivo das capacidades
(Anabuki, 2002).
Por outro lado, em termos de consolidação da noção, pode-se concluir que um
determinado aluno do Ensino Fundamental, ao elaborar adequadamente uma redação
sobre a descoberta do Brasil, estará legitimando o domínio da capacidade expressar-se
por escrito nesse contexto. Entretanto, essa condição não pode ser evidentemente
estendida a novas situações que esse aluno venha a enfrentar mais adiante, como a
demanda por uma redação sobre a Revolução Francesa. Nessa nova situação, a
capacidade desenvolvida na etapa anterior certamente não será suficiente para que ela
dê conta da competência expressar-se por escrito sobre a Revolução Francesa. Ou seja,
a capacidade desenvolvida na experiência anterior não é necessariamente suficiente para
responder a uma situação cuja resolução exige competência similar, mas em situação de
maior complexidade.
Após essas primeiras observações, é possível adiantar referências preliminares
sobre a aplicação da noção de competência, especialmente em situações
organizacionais:
a) As capacidades podem ser entendidas como potenciais de competências que
estão disponíveis para serem mobilizados numa situação específica. Esses potenciais
(conhecimentos, habilidades, atitudes passíveis de desenvolvimento) teriam sido
desenvolvidos em circunstâncias anteriores, por vezes em processos de formação e/ou
treinamento específicos, outras vezes durante as próprias práticas de trabalho. Observe-
se que às capacidades (que aparecem aqui como elementos intangíveis) podem estar
associadas outros tipos de recursos, como instrumentos e equipamentos, sistemas de
informações, instalações diversas, etc, no caso sob a forma de recursos tangíveis. Para o
caso do exemplo apresentado, o da competência expressar-se por escrito, os
instrumentos (lápis, borracha, papel) e as instalações (escrivaninha) podem ser
classificados como recursos tangíveis associados.
b) As competências são entendidas como a ação que combina e mobiliza as
capacidades e os recursos tangíveis (quando for o caso).
c) Sobre os resultados desejados, a mobilização das capacidades e recursos e,
portanto, o exercício da competência vai estar sujeita aos resultados desejados e às
condições que se colocam no contexto. No exemplo da competência expressar-se por
escrito, consideremos que o resultado desejado estaria associado ao tema e tamanho da
redação, ao tempo para realizá- la, a abordagem a ser desenvolvida, etc. Assim, a seleção
e a combinação das capacidades que vão ser mobilizadas sob a forma de competência
são diretamente dependentes do resultado que se pretende obter com essa ação.
_______________________________________
2
Sobre as diferentes combinações e complexidades, ver Dutra (2001), no qual esse aspecto da noção de
competência é tratado de forma consistente.

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Enfim, as referências apresentadas nos permitem articular adequadamente a
relação entre as noções de competência e capacidade, observar que a mobilização das
capacidades no exercício da competência pode associar-se a outros tipos de recursos
tangíveis (instrumentos, sistemas, equipamentos, etc) e que a efetividade da
competência está sujeita aos resultados desejados, bem como aos critérios de
reconhecimento e legitimação. A Figura 2.2 pretende sintetizar essas relações.

Exemplo de competência em ação: expressar-se por escrito


Desempenho: adequação do
conhecimento sentido, organização das
(das letras, dos sons, das sílabas, palavras, etc.
organização das palavras)

Avaliação
habilidades: Competência
(desenhar as letras, memorizar os expressar-se por Entrega: redação sobre o
sons, concentração) escrito fim de semana

atitudes: disponibilidade para


aprender Recursos: lápis, borracha,
folhas, escrivaninha, etc.

Condições: número de linhas, tempo


para realizá-la, recursos à disposição

Figura 2.2 Exemplo de competência em ação no caso da educação: elementos principais.

Análise das observações empíricas sobre o emprego da noção de competência nas


empresas

Com base no que afirmamos, podemos dizer o seguinte:


a) Os resultados empíricos permitem constatar que, em quase todas as empresas, a
abordagem da competência se encontra em fase de construção; em algumas
delas, até mesmo de forma bastante preliminar.
b) Por outro lado, essa abordagem tem sido fortemente associada a uma lógica de
orientação para resultados, predominantemente veiculada no sentido top-down,
lógica essa que é sustentada mais pelo discurso e pela definição de metas do que
por ações sistemáticas.
c) Marcada pela sobreposição de muitas concepções relacionadas – qualificação,
atribuições, performance, desempenho, objetivos e ainda as diversas formas de
atributos que são tratados diretamente como competências –, o emprego da
noção de competência apresenta uma grande heterogeneidade conceitual.
d) Em pelo menos três empresas, constatou-se que o emprego da noção de
competência na área operacional era reduzido à mobilização das capacidades de
conhecimento e habilidade. Isso porque os responsáveis entendem que os
aspectos atitudinais são muito dificilmente avaliáveis nas atividades repetitivas.
e) Embora circunscrito a uma só empresa, constatou-se ainda a influência do
conceito clássico de “qualificação” no exercício da noção de competência.
Nessa empresa, valorizavam-se, sobretudo, as “aptidões” em detrimento do

9
desempenho. A “qualidade” do profissional era vinculada ao “estoque” de
recursos do tipo conhecimentos e/ou experiências e era sustentada pelo fascínio
do curriculum vitae. Essa concepção, porém, já está sendo muito questionada
nessa mesma empresa.
f) Constatou-se a dificuldade de apropriar a noção de competência sob a forma de
mobilização de capacidades, sendo que, para algumas atividades, ainda
prevalece a lógica da prescrição de tarefas ou atribuições.

AS DIMENSÕES DA NOÇÃO DE COMPETÊNCIA NO ÂMBITO DAS


ORGANIZAÇÕES

Na primeira parte do texto, observamos que é possível pensar em competências


sob pelo menos duas formas: coletiva, que é menos conhecida e pode ser associada
tanto a atividades da organização quanto a de suas áreas ou funções, e individual, noção
já bastante explorada tanto no campo acadêmico quanto empírico. Através dessas duas
dimensões, a noção de competência, quando adotada de maneira formal na organização,
transitará nas três instâncias da empresa: nível organizacional, nível funcional ou de
áreas e nível individual, conforme a Figura 2.3. No âmbito organizacional, ela aparece
como dimensão coletiva e, no plano das áreas ou macroprocessos da empresa, aparece
na dimensão coletiva e individual.

Observações empíricas sobre as dimensões da noção de competência

Podemos afirmar o seguinte:


a) Há um nítido predomínio da perspectiva individual de competência em relação â
coletiva. Em nenhum caso, observamos a noção de competência concebida
“como estratégia articulada orientada para o desenvolvimento da organização e
das pessoas” (Bitencourt, 2002, p. 23).
b) Observou-se o caso de uma empresa na qual é usada a noção de competências
organizacionais; entretanto, essa noção não tem a forma de competências
coletivas, mas sim de um conjunto de oito competências individuais que devem
ser desenvolvidas por cada um dos funcionários da companhia (aos gestores
cabe desenvolver mais duas especificamente gerenciais). Orientar-se para
resultados e trabalhar em equipe são exemplos de competências, as quais essa
empresa denomina competências organizacionais, mas que, na verdade, devem
ser consideradas competências do tipo individual. São denominadas por essa
empresa de organizacionais porque são exigidas de todos os seus funcionários,
mas, na prática, constituem competências do tipo individual, e não coletivas,
como o conceito de competência organizacional pressupõe.

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Visão Competências
funcionais
(grupos/áreas)

Intenção Competências
estratégica organizacionais

Competências
individuais/
Missão gerenciais

Figura 2.3 Configurações organizacionais da noção de competência (Fonte: Adaptada de Wood Jr. E
Picarelli Filho [1999]).

A DIMENSÃO ESTRATÉGICA E CORPORATIVA DA NOÇÃO DE


COMPETÊNCIA: O CONCEITO DE CORE COMPETENCE E AS
COMPETÊNCIAS ORGANIZACIONAIS

Na instância corporativa e sob forma de competência coletiva, a competência


organizacional é associada aos elementos da estratégia competitiva da organização:
visão, missão e intenção estratégica. Muito menos conhecida e difundida do que a
dimensão individual de competência, a noção de competência organizacional passou a
ser mais explorada a partir da difusão do conceito de core competence (Prahalad e
Hamel, 1990) e representa uma espécie de contraponto às idéias que sustentam o
planejamento estratégico com base no “posicionamento no ambiente”. Grosso modo,
Prahalad e Hamel (op. cit.) defendem a perspectiva de que a concepção de uma
estratégia competitiva não pode prescindir da análise das capacidades dinâmicas
internas à organização. Ao contrário, entendem que essas últimas podem até mesmo
constituir a base da ação estratégica externa. A partir dessa lógica, desenvolvem o
conceito de core competence (CC), construído com base na observação das experiências
e desempenhos excepcionais de algumas empresas à época (Sony, Fedex, Cannon,
Honda, Wal Mart), conceito esse que é expresso da seguinte forma: conjunto de
habilidades e tecnologias que resultam por aportar um diferencial fundamental para a
competitividade da empresa. A partir de sua difusão, o conceito de CC passa a
constituir a principal referência da noção de competência no âmbito organizacional.
Também faz parte de suas características principais o pressuposto de que as
competências organizacionais devem ser apropriadas por todas as áreas e todas as
pessoas da empresa. Entretanto, na prática, embora essas competências possam estar
efetivamente presentes em todos os espaços da empresa, essa apropriação ocorre de
forma desigual, na medida em que certos tipos de competências têm mais afinidade e
relevância com determinadas funções da organização do que outras. Um exemplo
clássico desse processo é o apresentado em Prahalad e Hamel (1995), no qual é
destacada a core competence – capacidade de conceber e produzir produtos
miniaturizados – desenvolvida pela Sony, a qual teria aportado uma diferenciação

11
substancial frente a seus concorrentes do segmento eletrônico. Com certeza, as
capacidades relacionadas a essa competência estão muito mais próximas das áreas de
engenharia e desenvolvimento do que da área financeira. Entretanto, esta última,
embora não assuma um papel de “alavancagem” na geração da competência, tem uma
participação fundamental em seu desenvolvimento através da análise de investimentos,
de riscos e de viabilidade do empreendimento. Exemplo semelhante é o do papel da área
de RH nesse processo, como mentor da capacidade e da motivação das pessoas para
enfrentar esses desafios. Assim, cada área da empresa apropriaria as competências
organizacionais de forma relativa, isto é, segundo a aderência entre, de um lado, sua
missão e especificidade e, de outro, a relevância de sua participação na competência
estratégica.
Segundo os autores, para constituir uma CC, uma competência organizacional
deve satisfazer três critérios de validação: 1) deve contribuir decisivamente para o valor
agregado aos produtos e serviços que são percebidos pelos clientes da empresa, seja em
termos de preço, qualidade, disponibilidade ou ainda seletividade, 2) deve oferecer
acesso potencial a uma ampla variedade de mercados, negócios e produtos, 3)
finalmente, deve ser de difícil imitação, o que prorrogaria a vantagem da empresa por
um tempo maior (Prahalad e Hamel, 1995). As condições apresentadas, associadas à sua
própria concepção original, fazem das CC um tipo específico de competência
organizacional bastante raro e que propicia um amplo diferencial competitivo.

Observações empíricas sobre o emprego do conceito de core competence

Não há dúvida de que o conceito de CC é extremamente instigante e desafiador,


pois trata de uma forma pouco visível de competição, isto é, a competição que já se
instala nos processos da empresa, num estágio anterior à oferta de bens e serviços,
através das capacidades coletivas e organizacionais (Stalk et al., op. cit.). Por isso
mesmo, o conceito de CC aporta um instrumental muito oportuno para o caso das
empresas que pretendam fortalecer sua competitividade através do desenvolvimento de
certas capacidades. Além disso, reforça uma antiga idéia por vezes esquecia, de que o
desempenho eficaz depende de capacidades/competências consistentes e presentes no
âmbito da organização.
Entretanto, quando se trata de replicar essa noção de maneira mais abrangente,
isto é, explorando-a em ambientes e situações menos “extraordinárias” do que aqueles
empregados por Prahalad e Hamel (op. cit.), as coisas não se passam da maneira como
os textos desses autores propõem. De fato, nossas observações empíricas vêm confirmar
que a validação das core competences entre “empresas comuns” é um processo bastante
problemático, já que não se conseguiu em nenhum caso validar os três critérios
simultaneamente, especialmente o terceiro – ou seja, a condição de que a CC não possa
ser imitada em curto prazo, sobretudo quando a referência usada foi o mercado
internacional. Considere-se ainda que as empresas examinadas são todas de grande
porte, algumas delas com forte presença no mercado nacional e alguma presença no
mercado internacional. Apesar disso, seguindo os critérios de Prahalad e Hamel (op.
cit.), não constatamos nenhum caso de CC entre as empresas pesquisadas.
Por outro lado, observa-se que, mesmo não dispondo das capacidades
excepcionais do modelo CC, essas empresas têm sobrevivido de forma consistente em
mercados instáveis, sendo que as capacidades internas de algumas delas conduziram até
mesmo à geração de diferenciações significativas no âmbito de mercados regionais ou
nacionais. Isso significa que a ausência de CCs, nos moldes da configuração de
Prahalad e Hamel, dentre as empresas da pesquisa, não implica que essas últimas não
apresentem competências do tipo organizacional. Assim, o desdobramento do conceito

12
de CC para o de competência organizacional – que é um conceito menos excludente –
nos permitiu identificar, entre as empresas da pesquisa, competências que podem ser
classificadas como competências do tipo organizacional, pois, além de transitarem em
todas as áreas da organização, contribuem significativamente para a sobrevivência e/ou
para a diferenciação dessas empresas.
Exemplos bastante representativos de competências organizacionais levantados
nas empresas da pesquisa podem ser vistos na Tabela 2.3.

Tabela 2.3 Exemplos de competências organizacionais retirados das empresas pesquisadas

_______Tipo de empresa___________________Exemplos de competências organizacionais________


_______- Brasil___________________________levantadas na pesquisa_________________________
Financeira * Garantir atendimento massivo e rápido aos clientes
(banco de varejo) * Orientar investimentos sob a forma de consultoria aos clientes
investidores
* Desenvolver e fortalecer a marca

Petroquímica * Garantir a estabilidade e a segurança da planta


* Controlar e dominar tecnologicamente os processos principais para
garantir uma performance superior (custo, tempo, qualidade)

Empresa do ramo * Operar a logística de forma a obter o menor custo, o melhor


alimentício atendimento e a maior flexibilidade
* Oferecer relacionamento e valor agregado aos clientes (orientar-se
para serviços)

Operadora de telefonia * Garantir a cobertura do sinal da empresa em todas as regiões


móvel * Otimizar a segmentação de produtos e serviços, segundo a demanda
do mercado

Empresa de * Construir a malha de relacionamentos e de negócios na comunidade


Comunicações regional
* Atualizar e inovar em tecnologia de mídia

Se tomarmos a empresa financeira, um grande banco de varejo, observamos que


ela garante o atendimento massivo e rápido através de uma rede de atendimento de
grande cobertura e capilaridade, sustentada por um sistema tecnológico confiável e ágil.
Entretanto, embora a construção dessa competência tenha aportado a essa empresa uma
vantagem diferencial no mercado financeiro, não se trata de uma vantagem excepcional,
segundo os gestores da própria empresa. Como ocorre para o exame de competências
organizacionais levantadas entre outras empresas da pesquisa, para uma empresa de
comunicação a construção e intensificação de uma malha de relacionamento e de
negócios nas comunidades regionais do estado onde atua constitui uma competência
organizacional crítica; da mesma forma, a capacidade de segmentar adequadamente
produtos e serviços numa operadora de telefonia móvel se destaca como uma
competência organizacional relevante para essa empresa. Entretanto, nenhuma delas
aporta a excepcionalidade das CCs.
Esse deserto de CCs entre as empresas aqui analisadas não seria, entretanto, uma
condição exclusiva a elas. Ao contrário, a possibilidade de aplicar o teste das core
competences em muitas outras simulações e laboratórios de sala de aula têm mostrado
que na quase totalidade, as empresas brasileiras não apresentam competências do tipo
organizacional capazes de validarem o teste de Prahalad & Hamel. E, muito
provavelmente, resultados semelhantes seriam observados para os casos de muitas
empresas atuando nos mercados norte-americano e europeu.

13
Pois bem, os resultados obtidos com empresas da região sul estimulam a revisão
dos referenciais associados à noção de competência coletiva no plano organizacional,
cuja base principal tem sido, até o momento, sustentada pela lógica das CCs. As
observações apresentadas indicam a presença efetiva de pelo menos dois outros tipos de
competência organizacional, segundo seus níveis de competitividade:
• as competências que viabilizam a diferenciação de uma organização no espaço
de competição formado por mercados regionais e/ou nacionais estamos
chamando de competências organizacionais seletivas. Diferenciais obtidos com
base no relacionamento com clientes ou no redimensionamento de serviços são
exemplos adequados de competências organizacionais seletivas;
• as competências qualificadoras ou básicas para a sobrevivência da empresa num
certo mercado denominamos competências organizacionais básicas. As
competências coletivas que permitem garantir a segurança e a estabilidade de
uma planta petroquímica, por exemplo, podem ser consideradas competências
organizacionais básicas. Nesse caso também estariam aquelas competências que
permitem a uma empresa industrial produzir produtos com preços compatíveis
para o mercado ou competências que contribuem para uma empresa varejista
atingir níveis de atendimento satisfatório.

Assim, a configuração dos níveis de consistência das competências


organizacionais pode tomar uma forma mais abrangente, incorporando competências em
diferentes condições e competitividade. Por exemplo, para o caso do ambiente de
empresas que atuam na região sul do Brasil, observamos que a noção de competência
organizacional, em termos de sua contribuição para a competitividade das empresas,
pode apresentar os três níveis da Tabela 2.4, na qual o nível de competências
organizacionais essenciais, seguindo a abordagem de Prahalad e Hamel, aparece como
uma instância modelar ou como “ponto aonde se deseja chegar”.
A aplicação da classificação apresentada em algumas das competências
organizacionais levantadas em nossa pesquisa revela as alternativas a seguir As
definições que se seguem são sustentadas pela opinião dos entrevistados, especialmente
no que concerne ao papel diferenciador ou qualificador das competências.
Nossas observações permitem destacar ainda que a configuração desse diagrama
não representa um processo evolutivo no qual, de um tipo de competência menos
consistente, se evolui necessariamente para outra mais consistente. A seta em duplo
sentido da Figura 2.4 é justamente empregada para caracterizar que a relação entre elas
tem mão dupla, isto é, que uma competência organizacional seletiva pode vir a perder
essa condição e tornar-se básica devido a mudanças no mercado ou alterações na
própria gestão interna da competência em questão. O mesmo pode ocorrer com uma
competência organizacional seletiva que passa para essencial.
Essa tipologia de competências organizacionais presta-se à avaliação do nível de
contribuição da competência em questão para a competitividade da empresa. Isso
significa que uma mesma empresa pode apresentar simultaneamente esses três tipos de
competências organizacionais.

14
Tabela 2.4 Apropriação dos níveis de classificação de competências organizacionais para as
competências organizacionais para as competências levantadas na pesquisa, segundo opinião dos
entrevistados

Empresa______ Exemplo de competência identificado _________________Classificação da_______


______________ na pesquisa________________________________________competência__________
Financeira Capacidade de mobilizar seus funcionários para Básica
que orientem suas ações e decisões para as estratégias
da empresa
Garantir atendimento massivo aos clientes em rede Seletiva (diferencial)
altamente capilarizada, ágil e segura
Orientar investimentos de porte médio/pequeno sob Seletiva (diferencial)
forma de consultoria ao cliente

Petroquímica Garantir a estabilidade e segurança da planta Básica


Manejo da tecnologia nos processos principais a fim Seletiva (diferencial)
de garantir uma performance superior

Indústria Operar a logística de forma a obter o menor custo, Básica


alimentícia o melhor atendimento e a maior flexibilidade
Relacionamento com clientes (orientar-se para serviços) Seletiva (diferencial)

Competências Competências Competências


organizacionais organizacionais organizacionais
básicas: seletivas: essenciais
(core competence)
Contribuem Diferenciam a
decisivamente para a organização no espaço Diferenciam a
sobrevivência da de competição onde ela organização no espaço
organização no médio atua, contribuindo para de competição
prazo uma posição de internacional,
liderança, ou quase, contribuindo para uma
(Sobrevivência) nesse mercado posição de pioneirismo
nesse mercado
(Diferenciadoras) (Excepcionais)

Figura 2.4 Classificação de competências organizacionais em diferentes níveis de competitividade a


partir dos resultados empíricos observados em empresas da região sul do Brasil.

A DIMENSÃO INTERMEDIÁRIA: O CONCEITO DE COMPETÊNCIA


FUNCIONAL (NÍVEL PRINCIPAIS FUNÇÕES/PROCESSOS/ÁREAS)

O desdobramento das competências organizacionais no espaço intermediário das


grandes funções ou macroprocessos da empresa projeta uma segunda dimensão da
noção de competências no plano organizacional. Identificadas por Wood Jr e Picarelli
Fo. (1999, p. 131) como competências de grupos, aparecem como uma categoria
intermediária de competência, entre as competências do negócio (organizacio nais) e as
competências individuais. Estamos ainda tratando de competências coletivas – as quais,
dependendo das circunstâncias, incorporam também competências individuais. A esse

15
tipo de competência denominamos funcionais. As competências funcionais são
competências associadas ao exercício das principais funções coletivas da organização
(ou seus principais macroprocessos), como, por exemplo: 1) conceber e produzir
produtos e serviços adequados às condições do mercado, 2) garantir a comercialização
de produtos e serviços no médio prazo, 3) obter insumos e/ou informações necessárias
para a produção dos produtos e serviços, 4) gerir a manutenção e a logística dentro e
fora da organização, 5) gerir os recurso tangíveis e intangíveis, etc. Como essas
competências são atribuições mais específicas a grupos, embora se possa relacioná- las
com a empresa toda, estamos associando-as a responsabilidades funcionais.
É justamente nessa dimensão funcional e intermediária da noção de competência
na organização que se concretiza o desdobramento, para as áreas da empresa, das
capacidades demandadas ao nível corporativo ou organizacional. Por exemplo, se
tomarmos uma das competências organizacionais da empresa financeira (orientar
investimentos de porte médio/pequeno sob forma de consultoria cliente), observamos
que essa competência depende de uma competência funcional associada à gestão da
informação, que seria a capacidade de viabilizar o acesso rápido e confiável dos
funcionários da empresa às informações do mercado financeiro.
Por outro lado, dependendo do tipo de negócio, uma competência funcional pode
vir a constituir, no passar do tempo, uma competência organizacional: é o exemplo da
competência funcional conceber e produzir motores cujo desenvolvimento gerou uma
competência organizacional essencial para a Honda (Prahalad e Hamel, 1995).
Aliás, o desenvolvimento de competências organizacionais essenciais ou
seletivas é, em geral, originário de competências funcionais, conforme aponta a Tabela
2.5.
Enfim, as competências funcionais parecem ser uma das instâncias mais
adequadas para que se possa avaliar a aderência da noção estratégica de competência
(organizacional) às práticas de trabalho em cada uma de suas áreas, ou seja, se as
diretrizes expressas nas competências orga nizacionais estão incorporadas ou não aos
artefatos operacionais da organização.

Observações empíricas sobre as competências funcionais

Embora possa constituir o núcleo principal da formação de competências


coletivas e organizacionais (Tabela 2.5), não constatamos, entre as empresas
pesquisadas, nenhuma iniciativa explícita referente à concepção e/ou ao
desenvolvimento de competências do tipo funcional. Muito provavelmente se deve essa
carência a falta de definições mais claras sobre seu significado, assim como as
dificuldades para identificar e caracterizar as capacidades que compõem esse tipo de
competências coletivas.

16
Tabela 2.5 Relação entre competências funcionais e organizacionais

_______Empresa_______Função____________ Competência funcional tornada________


tornada organizacional________
Wal-Mart Distribuição e sistema de Logística capaz de colocar à disposição dos
informações clientes toda a gama de produtos

Fedex Comunicação e gerência de rede Capacidade de entrega: tempo e custo

Motorola Produção flexível/gestão Capacidade de planejar e realizar projetos


de estoques adequados

Sony Pesquisa e produto Capacidade de inovação

GAP Fabricação e projeto Qualidade de produto e projeto e


capacidade de prever tendências do
vestuário
Fonte: Com base em referências de HITT, M et al. (2002); Prahalad, CK e Hamel, G. (2000); STAlK Jr., G et al. (2000).

Por outro lado, mesmo que não possa ser considerado exatamente um exemplo
de percepção do conceito de competência funcional, foi possível perceber em alguns
gestores a idéia de que algumas dessas competências funcionais constituiriam
“suportes” fundamentais para o desenvolvimento das competências organizacionais.
Dentre os exemplos mais claros desse papel, o “suporte” é o que o observou
relativamente a empresa financeira pesquisada, conforme a Tabela 2.6.

Tabela 2.6 Exemplo de relaçãode suporte das competências funcionais (áreas da empresa) em relação às
competências organizacionais

Tipo de Exemplo de competência identificado Origem da competência


empresa na pesquisa funcional de suporte__
Financeira Capacidade de mobilizar seus funcionários Gestão de pessoas:
para orientar suas decisões e ações para os formação de lideranças
resultados e estratégias buscadas

Garantir atendimento massivo aos clientes em Logística interna


rede altamente capilarizada, ágil e segura (base informatizada)

Orientar investimentos de porte médio/pequeno Relacionamento com


sob forma de consultoria ao cliente Informação e
comunicação interna
sobre as oportunidades
de investimentos

A DIMENSÃO DAS COMPETÊNCIAS INDIVIDUAIS: ENVOLVENDO AS


COMPETÊNCIAS DO TIPO GERENCIAL

Finalmente, abordamos aqui as competências individuais, as quais incluem as


competências gerenciais, ou seja, aquelas que se pretende que “coloquem as propostas e
projetos organizacionais e funcionais (áreas), em ação”. Como já observamos na
introdução deste capítulo, enquanto as dimensões da noção de competência
desenvolvidas anteriormente (organizacional e funcional) constituem construções
relativamente recentes, o mesmo não ocorre com a noção de competência individual.
Esta é, sem dúvida, a dimensão mais conhecida e difundida de competência, já que se
confunde com noções similares (como a de qualificação, atribuições, responsabilidade,

17
por exemplo), que pretendem contextualizar e caracterizar o trabalho. Por isso mesmo,
observações empíricas têm mostrado que a noção de competência, na sua dimensão
individual, vai carregar consigo uma grande heterogeneidade de percepções e conceitos,
especialmente no ambiente das empresas.
O quese pode distinguir no debate sobre a noção de competências individuais é,
de um lado, uma corrente de especialistas anglo-saxões adotando uma abordagem mais
pragmática, especialmente em suas formas de classificação, e partindo de uma
influência mais visível do conceito de qualificação e, de outro, os representantes da
“escola francesa”, que ampliam as perspectivas do conceito a partir da integração de
elementos da sociologia e da economia do trabalho. E é justamente da “escola francesa”
que, em nosso entender, são desenvolvidas as principais contribuições à noção de
competência individual: não seria esta última um estado de formação educacional ou
profissional, tampouco um conjunto de conhecimentos adquiridos ou de capacidades
apreendidas; seria, isso sim, a mobilização e a aplicação de conhecimentos e
capacidades numa situação específica, na qual se apresentam recursos e restrições
próprias a essa situação (Boterf, op. cit.).
Capacidade é tudo o que se desenvolve e explora sob a forma de potencial e que
é moilizado numa ação a qual associamos à noção de competência. Ou seja, não se trata
de consideras as pessoas competentes, mas sim suas ações. As capacidades são, em
geral, compostas por conhecimentos, habilidades e atitudes. Além das capacidades,
algumas ações vão requerer outros recursos do tipo instrumentos, sistemas ou
equipamentos. Não há dúvida de que a concepção de competência individual é a mais
heterogênea, como evidenciam os quadros a seguir.
Os exemplos apresentados nas Tabelas 2.7 e 2.8 mostram as diversas
possibilidades de agregar e classificar as comp etências individuais. Dificilmente se
poderá afirmar a priori, através de uma decisão teórica ou técnica, que uma é a mais
correta do que as outras. São as circunstâncias e as condições da organização na qual a
noção de competências será aplicada, bem como o objetivo dessa aplicação, é que
nortearão a escolha da abordagem mais adequada.

Tabela 2.7 Exe mplos de composição das competências

Parry Escola francesa Boterf Empresa de consultoria A


Traços de persona- Conhecimentos Conhecimentos Comportamento de trabalho
lidade (iniciativa, (técnicos, (operacionais e sobre (comprometimento, disposição
auto-estima) científicos o ambiente) para mudar)

Habilidades Habilidades Habilidades Atributos pessoais


(capacidade de (capacidade de (experiencial, relacional (saber ouvir, tolerância)
negociação, de decidir rapidamente, cognitivo)
orientação, etc.) dar feedback) Conhecimentos
Atitudes (técnicos, operacionais)
Estilos e valores Atitudes (atributos pessoais e
(orientado pela (assumir riscos, relacionais) Habilidades
ação, intuitivo) disposição para (capacidade de negociar,
aprender) Recursos fisiológicos conduzir reuniões, etc.)
Competências (energia, disposição)
(resolver problemas,
saber escutar, etc.) Recursos do ambiente
sistemas de informação,
bancos de dados

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Tabela 2.8 Exemplos de agregação das competências por categorias
American Society Empresa
for Training and Empresa de internacional de_______
Woodruff Fandt Developments consultoria A consultoria B_________
Fundamentais Internacionais Técnicas Organizacionais Críticas
(conhecimentos (capacidade de (informática, teorias e negócios (organizacionais)
e habilidades) motivar, escutar, específicas para o (visão de futuro, (conhecer o negócio,
estimular idéias trabalho) visão do negócio orientaçõ para o cliente
Diferenciais
(aptidões De solução de Negócios Gerenciais e Funcionais
pessoais, problemas (compreender o áreas (relacionadas à
comportamen- (percepção, negócio, dominar o (liderança, área de atuação
tos e motivações capacidade de projeto estratégico da habilidade de
planejar e empresa, etc.) resolver proble- Técnicas
organizar mas e tomar (requerids para exercer
Interpessoais decisões uma função/conhecimento
De capacitação (feedback, da tecnologia, das normas,
(orientação para negociação, Individuais habilidades, etc.)
a ação, flexibili- questionamento) (habilidade de
dade para a negociar,
mudança Intelectuais dinamismo e
(versatilidade energia, nível
Comunicação intelectual, educacional)
(capacidade de observador,
comunicação autodesenvolvimento)
escrita e oral,
interação)

Principais elementos de referência sobre a noção de competência individual

Apesar das diferentes formas de pensar a abordagem competência, alguns dos


trabalhos mais recentes sobre o tema (Boterf, 1994 e 1999; Zarifian, 1995; Levy-
Leboyer, 1996; Tremblay e Sire, 1999; Fleury e Fleury, 2000) têm convergido nos
seguintes aspectos:

• A noção de competência gerencial deve ser pensada como uma ação através da
qual se mobilizam conhecimentos, habilidades e atitudes pessoais e
profissionais a fim de cumprir com uma certa tarefa ou responsabilidade, numa
determinada situação. A noção de competência, portanto, se torna efetiva
através de ações que mobilizam capacidades – em alguns casos, essa ação pode
mobilizar apenas uma capacidade. (Por exemplo: a habilidade saber ouvir pode
ser mobilizada sob a forma da ação ouvir clientes sobre novos serviços. Nesse
caso, vamos avaliar se essa ação atendeu o nível de competência esperado, a
partir das responsabilidades/desempenho esperado para aquela ação.)
• A efetividade e a legitimação de uma competência só ocorre através de uma ou
mais ações em situação real de trabalho, ou seja, em condições específicas do
ambiente de trabalho. Em outras palavras, ninguém pode ser competente a
priori, ou seja, com base em capacidades desenvolvidas numa situação ocorrida
no passado.
• As competências definidas de forma mais genérica são mais compatíveis com o
estado atual do trabalho: multifuncional e abrangente (ao contrário da tendência
especialista). Entretanto, às vezes é difícil construir dessa forma.

19
• Mais importante do que dar ênfase à “metodologia” de gestão das competências
(noção, definição, composição e classificação) é tratá- la em função das
necessidades (homogeneizar as competências organizacionais, o
desenvolvimento das pessoas, a avaliação de desempenho, etc.). Assim, a
metodologia de gestão de competências não deve servir como uma “camisa-de-
força”.
• Segundo Fandt apud Woodi Jr. (1999, p. 135), as competências gerenciais são
inter-relacionadas às competências organizacionais e construídas umas sobre as
outras como uma teia complexa.
• A noção de competência não deve ser confundida com a de desempenho, que é a
quantificação da performance. A competência pode ser caracterizada como uma
maneira de atingir o desempenho esperado, mas não se confunde com ele.

Com base no que analisamos, podemos citar alguns exemplos de competências do


tipo gerencial para encaminhar uma visão mais pragmática da noção de
competências:

• Competência 1: busca conhecer de maneira sistemática a opinião dos clientes e é


ágil nas respostas aos seus feedbacks e necessidades.
• Competência 2: associa a visão e a estratégia da empresa às situações e
problemas gerenciais em que atua.
• Competência 3: monitora e avalia as atividades e ações de sua área a partir de
padrões e indicadores que adotam medidas de correção e avaliação quando
necessárias.
• Competência 4: atua de forma orientada para o desenvolvimento do espírito de
equipe nas situações e problemas que gerencia.

Observações empíricas sobre as competências individuais/gerenciais

As principais constatações sobre esse tipo de competências foram:

• A noção de competência, especialmente em sua dimensão individual, apresenta


grande difusão. Em praticamente todas as empresas investigadas constatou-se o
uso dessa noção (de maneira formal ou informal).
• Também se viu que o emprego da noção de competências é predominantemente
associado à gestão de Recursos Humanos (ou de pessoas), sobretudo nas
práticas de seleção de pessoas e desenvolvimento de competências. Já no que
concerne às práticas de avaliação de desempenho e reconhecimento, o uso da
noção de competência é mais restrito.
• Por fim, não verificamos nenhum caso de adoção de práticas de remuneração
estritamente associadas à noção de competências.
• Essas constatações revelam a dificuldade de aplicar a noção de competência em
práticas que exigem mais objetividade, especialmente aquelas mais associadas à
definição de salários e à promoção interna dos funcionários. De fato, se é
possível lidar com alguma subjetividade nas práticas de seleção e
desenvolvimento por competências, quando se trata de avaliação de desempenho
e definição de remunerações, essa subjetividade eleva o risco de enganos e,
portanto, de descontentamentos.

20
• A aplicação da noção de competência apresenta formas muito heterogêneas até
mesmo no âmbito da gestão de pessoas. Um exemplo dessas dificuldades
aparece na definição das competências requeridas: colocadas no mesmo nível
aparecem competências efetivas, a capacidade de inovar e criar ou a capacidade
de lidar com situações complexas, juntamente com capacidades do tipo
conhecimento de mercado e conhecimento sobre a política da organização, ou
ainda, atitudes como saber ouvir ou comprometido. Como se observa, diferentes
formas de empregar a noção de competência acabam por prejudicar a
objetividade no uso da noção de competências nas práticas de gestão de pessoas.
• Por fim, é importante ressaltar ainda que, nas demais áreas da empresa,
excetuando-se as atividades vinculadas à gestão de pessoas, a aplicação formal
da noção de competência apresenta ainda uma baixa difusão.

A ATRATIVIDADE DA “NOÇÃO DE COMPETÊNCIA” NO CONTEXTO DA


GESTÃO DAS ORGANIZAÇÕES

Uma das diretrizes que nortearam esse trabalho tratava de identificar as razões
pelas quais o termo “competência” atraía tanto a atenção; ou seja, por que, em período
recente, a noção de competência passa a ser uma das mais empregadas no contexto da
administração de empresas? Embora desenvolvam diferentes perspectivas sobre o tema,
o conjunto de obras e experiências revisitadas neste capítulo apontou para alguns fatores
que poderiam explicar essa atração. O debate sobre alguns desses fatores no campo
empírico, especialmente entre os executivos entrevistados, destacou três dentre eles.

1) O primeiro fator de atratividade é expresso pelo uso da noção de competência


como representação de uma ação efetiva e legitimada no ambiente de trabalho.
A exemplo do que ocorre numa representação teatral, na qual o ator precisa
recorrera uma ação convincente no palco (palavras, gestos, emoções, etc.) a fim
de expressar os pensamentos, sentimentos e desejos dos personagens (e portanto
torná- los credíveis e “reais” para os espectadores), a competência só pode ser
reconhecida através de uma ação concreta na situação real de trabalho e na
relação com um desempenho esperado. Nenhuma ação pode ser considerada
competente com base em experiência passada. Essa nova perspectiva,
aparentemente singela, tem contribuído para que se repense o que é efetivamente
relevante para “fazer acontecer” uma atividade ou atingir um resultado. A partir
dessa perspectiva, alguns dos chamados atributos atitudinais que causam
impacto direto no “fazer acontecer”, como disponibilidade, desejo,
compartilhamento, passam a ser tão ou mais valorizados do que atributos mais
tradicionais associados ao curriculum vitae (conhecimentos e experiências
específicas).
Exemplos dessa nova posição são observados em vários processos de
gestão como indicação e seleção de lideranças, formação de equipes estratégicas
para novos projetos, critérios para definir padrões de remuneração, etc. Enfim,
essa nova perspectiva tem contribuído substancialmente para redimensionar
princípios e procedimentos de avaliação e de reconhecimento sobre
desempenhos coletivos e individuais nas organizações. E isso tem implicado
mudanças importantes nas práticas de gestão.
2) Um segundo elemento que contribui para a atratividade dessa noção passa pela
flexibilidade e adaptabilidade nela intrínsecas. Na base desse argumento aparece
a forte tendência à customização de produtos e serviços no atual ambiente de

21
negócios. De uma forma geral, nesses processos de customização ganha o
cliente, que recebe um produto ou serviço mais apropriado à sua necessidade –
aumentando seus ganhos por satisfação e rapidez ou reduzindo custos -, e ganha
o produtor (valor agregado), porque em geral o cliente se dispõe a pagar um
preço maior por esse produto ou serviço mais apropriado a suas necessidades.
Essa tendência se observa, de uma maneira mais ou menos intensa, nos bancos,
nas instituições de educação, na cadeia automobilística ou até mesmo na
indústria da construção civil.
Por outro lado, quanto mais customizados são os produtos e serviços,
mais diversas tenderão a ser as situações e os problemas que se apresentam na
sua concepção e produção e, com isso, mais difícil será prever e antecipar
situações. Como resultado, a capacidade de lidar com a particularidade de cada
situação ou evento tem se tornado mais e mais relevante para o sucesso no
mundo dos negócios.
Por isso, um conceito de competência, que define que a ação conseqüente
é aquela que mobiliza, integra e prioriza recursos segundo as condições da
situação ou contexto, estabelece a capacidade de flexibilidade e adaptação como
um de seus elementos essenciais. Em outras palavras, a combinatória adequada
desses recursos vai ser definida pelas condições de cada situação ou evento.
Nesse sentido, vale a pena recuperar a noção de evento, já tratada anteriormente
neste trabalho.
Assim, o que vai se denominar e legitimar como “competência” – ou
seja, a ação competente e reconhecida na organização – será estritamente
associada à variabilidade das condições e circunstâncias da situação (trabalho
multifuncional e abrangente).
3) O terceiro fator que, segundo as observações empíricas, tem motivado as
organizações a adotar a noção de competência no ambiente organizacional é sua
condição de atuar como referência conceitual homogênea nas diferentes
instâncias organizacionais. Sem pretender entrar no antigo e já desgastado
debate sobre o que é relevante nas decisões estratégicas, se o posicionamento
externo ou os recursos internos (Mintzberg, 2000), a adoção da noção de
competência nas organizações passa a expressar as necessidades em termos de
capacidades internas, a fim de desenvolver estratégias competitivas. No limite,
essa mesma noção de competência pode constituir um fator mobilizador de
estratégias competitivas, tanto na perspectiva da abordagem de Prahalad e
Hamel (1990) quanto na ótica da corrente Resource Based View (1991).
Portanto, na contraparte de determinada estratégia de mercado
envolvendo novos produtos ou novos serviços ou, ainda, novas formas de
relacionamento como os clientes, a noção de competência expressa as demandas
das capacidades internas para sustentar essa estratégia, sob uma forma
relativamente homogênea de competência coletiva e/ou individual. O resultado é
o trânsito mais rápido e fluído de propostas e orientações nas diferentes
instâncias organizacionais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Dentre as constatações desse artigo, uma das mais importantes reafirma uma de
suas primeiras hipóteses: a noção de competência aparece como uma das referências
mais importantes das atuais práticas empresariais. Entretanto, nossas observações
empíricas também mostram que, na grande parte das empresas pesquisadas, a

22
abordagem da “competência organizacional” não é apropriada sob a forma de práticas e
procedimentos formais, salvo em atividades específicas da gestão de pessoas. Ou seja,
há mais intenção do que ação, mais discurso do que prática. Nesse sentido, uma das
expressões mais usadas tanto no meio acadêmico quanto empresarial é que a abordagem
das competências encontra-se “em fase de construção” na maior parte das organizações.
Não há dúvida disso, mas, em nosso entender, não se trata apenas de uma dificuldade
originada do estágio ainda inicial de implantação dos “projetos de competências”. O
significado da expressão “em construção” está mais associado à relativa confusão e
heterogeneidade no uso dessa noção e de suas referências principais, do que na pouca
idade desses projetos.
No mesmo sentido, a baixa difusão da noção de competência coletiva revela, ao
mesmo tempo, dificuldades para lidar com uma noção pouco tangível como essa, assim
como uma maior familiaridade com o conceito de competência individual. E essa
familiaridade tem a ver com outros conceitos mais antigos e aparentemente similares,
como o de qualificação, o qual reiteradamente no decorrer deste capítulo nos
esforçamos por mostrar as flagrantes diferenças. De qualquer forma, essa condição
permitiu que essa noção se difundisse, sobretudo, na área de gestão de pessoas, a qual,
aliás, está praticamente restrita entre as empresas pesquisadas. Além disso, o emprego
da noção de competência individual é mais difundido em práticas nas quais se podem
tolerar condições menos objetivas de avaliação – como as de seleção e de
desenvolvimento. Por isso, podemos afirmar que a noção de competência é uma
referência mais forte como concepção do que como prática.
Embora nossa pesquisa não pretenda apresentar nenhum nível de
representatividade no universo de empresas que atuam na região sul, ela confirma, de
forma sistemática, outras observações empíricas não tão sistemáticas realizadas através
de programas de capacitação gerencial em outras regiões desenvolvidas do país. Salvo
em algumas exceções, os resultados aqui constatados sobre a aplicação da abordagem
das competências podem ser generalizados para um grande número de empresas
brasileiras. E muitos dos impasses e dificuldades observados na apropriação da noção
de competência no ambiente empresarial estão, em nosso entender, associados à
ausência de um quadro de referências relativamente integrado e coerente sobre essa
noção e sobre seus desdobramentos práticos.

QUESTÕES PARA REFLEXÃO

# Quais são os principais aspectos da noção de competência?


# É possível distinguir as competências individuais das competências coletivas? Como?
# Quais as diferenças entre os conceitos de competências organizacionais essenciais,
competências organizacionais seletivas e competências organizacionais básicas?
Procure exemplificar cada um desses tipos de competências para casos de empresas
reais.
# Quais delas são mais adaptáveis a grande parte das empresas brasileiras? Por quê?

23
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