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O EXÉRCITO
DOS FANTASMAS
Autor
CLARK DARLTON

Tradução
RICHARD PAUL NETO

Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
Rhodan parte para o abismo, à procura de informações
sobre os pos-bis e os laurins... Mas defronta-se com um perigo
ainda mais terrível!

Estamos no ano 2.114 do calendário terrano. Para o homem do planeta


Terra, menos de século e meio se passou desde o momento em que o primeiro
foguete de propulsão química pousou na Lua, fato que representou o prelúdio
da verdadeira Astronáutica.
Apesar desse lapso de tempo incrivelmente curto, se medido pelos
padrões cósmicos, o Império Solar, criado e dirigido por Perry Rhodan, já
conseguiu transformar-se numa das vigas mestras do poder galáctico.
A maior parte dos povos da Via Láctea já sabe que é preferível ter os
terranos por amigos a tê-los por inimigos. Depois dos saltadores e dos
médicos galácticos, os aras, os habitantes do Sistema Azul, conhecidos como
acônidas, também compreenderam isso, motivo por que desde o dia 10 de
setembro de 2.113 existe uma aliança entre os terranos, os arcônidas e os
acônidas.
Esta aliança, conhecida como aliança galáctica, não repousa sobre uma
base sólida. Para os acônidas, os arcônidas são seres inferiores. E, no
Sistema Azul, também não se simpatiza com os terranos. O envio dos Agentes
da Destruição constitui prova inequívoca disso...
Conclui-se que a situação política da Via Láctea não pode ser
considerada tranqüila muito embora os terranos já tenham conseguido
desvendar parcialmente o mistério que cerca os pos-bis e os laurins.
Mas há muita coisa por esclarecer... E Perry Rhodan ficou perguntando
a si mesmo se a eliminação da programação de ódio, que obrigava os pos-bis
a atacar com uma fúria cega todas as formas de vida orgânica, realmente
produzira os efeitos desejados,
Perry Rhodan e seus companheiros foram pedir conselhos ao Ser
energético de Peregrino e... vivem uma das mais estranhas aventuras jamais
experimentadas por um humano: Os homens defrontam-se com O Exército dos
Fantasmas.

======= Personagens Principais: = = = = = = =


Almirante Marco Rabelli — Comandante da base de Plutão.
Perry Rhodan — Administrador do Império Solar.
Reginald Bell — Que dorme no chão, porque os gatos
ocuparam sua cama.
Ele ou Aquilo — O Imortal do planeta Peregrino, que parece
fazer um jogo falso.
Jefe Claudrin — Comandante da Teodorico.
Reg Thomas — Que usa todas as armas, enquanto o luxides
dançam.
Van Moders — Um jovem robólogo que cria mais uma teoria.
1

Foi só a distância relativamente grande do Sol que levou os astrônomos de outros


tempos à suposição de ser Plutão um planeta muito escuro. Na verdade tratava-se de um
mundo coberto por um branco total, isto é por camadas de neve. Sua atmosfera era
congelada, atingindo vários metros de espessura. Tinha apenas cerca de metade do
tamanho da Terra e talvez fosse o lugar mais solitário de todo o sistema solar. Essas
condições ainda prevaleciam no mês de abril do ano 2.114.
Plutão era o bastião exterior do Império Terrano. Em muitos pontos, as construções
abobadadas da base, em cujo interior eram abrigados os homens da guarnição e as
instalações técnicas, lembravam as edificações existentes na Lua. Também neste satélite
o frio e a ausência da atmosfera eram inimigos permanentes do homem, mas ao menos se
via, de lá, a Terra não muito distante, com seus continentes e mares, e até sua atmosfera.
Já do solitário Plutão, a Terra não passava de um minúsculo ponto luminoso nos
telescópios, mesmo que as condições fossem favoráveis. O Sol que era uma grande
estrela, a maior de todas, podendo ser vista a olho nu, mal conseguia iluminar Plutão.
Naturalmente a solidão dos homens que se encontravam no pequeno planeta já não
podia ser entendida em sentido tão literal como o era há pouco menos de cento e
cinqüenta anos. Atualmente as naves dotadas de propulsores lineares percorriam os
quatro bilhões de quilômetros em poucas horas. Lá fora, no espaço sem estrelas, venciam
muitos anos-luz no mesmo espaço de tempo. O sistema solar a que pertencia Plutão era
apenas um entre muitos, e a Via Láctea encolhia constantemente. Haveria de chegar o dia
em que também ela devesse se tornar muito pequena para o homem.
Em Plutão, um ano equivalia a quase duzentos e quarenta e oito anos terranos.
Ninguém pensava nisso. Adotavam-se os padrões terranos de tempo, e o dia tinha
suas vinte e quatro horas, mesmo que não se pudesse distingui-lo da noite. Para
sobreviver, o homem trouxera seus hábitos de vida, e o tempo era um deles. Uma
civilização distinta surgira nas gigantescas instalações subterrâneas. Essa civilização não
dependia de abastecimentos diretos vindos de fora e era independente sob todos os pontos
de vista. A base de Plutão era importante para o Império Solar; talvez chegasse mesmo a
ser vital. O planeta circulava em torno do sol a uma distância tão grande, que um eventual
atacante dificilmente notaria sua presença. Provavelmente só a perceberia quando já
pudesse ser surpreendido com um ataque pelas costas.
Outra função importante de Plutão era a desempenhada por seus postos de
observação. No planeta exterior havia aparelhos de rastreamento que permitiam a
medição exata e o registro dos saltos de transição realizados por espaçonaves estranhas.
Havia outros postos desse tipo no sistema solar, mas o de Plutão era considerado o maior.
Além disso o planeta branco possuía o maior porto espacial abobadado construído pelos
terranos.
Toda a área do porto, que se estendia por muitas dezenas de quilômetros quadrados,
era coberta por um campo energético transparente. Era uma verdadeira estufa, mesmo
que os raios acalentadores do Sol estivessem ausentes. Os reatores atômicos faziam com
que, no interior da abóbada, o homem pudesse andar à vontade, sem usar o traje protetor
aquecido. A neve derretera, pondo à vista a rocha nua.
Vários cruzadores pesados e algumas unidades ligeiras da frota sempre ficavam de
prontidão no porto espacial, prontas para decolar numa questão de segundos, romper as
eclusas de ar elásticas da abóbada e precipitar-se sobre um eventual inimigo.
Era raro que um visitante importante descesse na base de Plutão. Os homens que por
lá trabalhavam cumpriam seu dever, ansiavam pelas férias a serem passadas na Terra e,
quanto ao mais, deleitavam-se com as numerosas delícias oferecidas no centro de
recreação. Mas há alguns dias um estranho nervosismo e uma forte tensão reinava em
todos os escalões de serviço, inclusive entre os superiores.
Perry Rhodan, o administrador, encontrava-se em Plutão com uma grande equipe e
esperava a chegada de sua nave capitânia. Ninguém sabia onde estava a Teodorico
naquele momento, mas dizia-se que estava sendo submetida a uma extensa revisão.
Também não se sabia por que Rhodan escolhera justamente o planeta Plutão para esperar
pela mesma.
O Almirante Marco Rabelli, comandante de Plutão, também não sabia. Cometera o
erro de formular uma pergunta sobre isso justamente a Reginald Bell, o representante de
Rhodan. A resposta fora dada em termos tais que Rabelli não pôde dar qualquer
informação concreta quando seus oficiais solicitaram certos dados.
— Não faço a menor idéia — disse em tom contrariado, quando o Coronel Frank,
chefe das estações de rádio, lhe perguntou sem rebuços o que Rhodan viera fazer em
Plutão. — Não nos contam nada. Uma coisa é certa: Rhodan está esperando pela
Teodorico. Mas por que resolveu fazê-lo em Plutão? E por que está esperando por tanto
tempo? Bem, não nos cabe descobrir as intenções de Rhodan. Ele nos dirá quais são os
planos, caso julgue que deve fazê-lo. Até lá só lhe posso recomendar que refreie a
curiosidade, meu caro coronel. É... bem, é o que estou fazendo.
Estavam parados na orla do porto espacial. As luzes fulgurantes superavam a
luminosidade das estrelas e espantavam a noite eterna. Fazia calor. Quem se encontrasse
ali, quase chegava a esquecer que estava em Plutão.
— De qualquer maneira, temos de admitir que é uma coisa estranha — insistiu o
coronel. — Fica-se pensando sobre isso...
— Um momento — interrompeu Rabelli, levantando o braço. O minúsculo receptor
que tinha o formato de um relógio de pulso continuava a zumbir. — O que houve?
A voz saída do aparelho era baixa, mas perfeitamente compreensível.
— É a estação de rádio, sir. Um couraçado da classe Império pede permissão para
pousar.
O porto espacial era pequeno, motivo por que não poderia abrigar qualquer número
de naves. Nele só podiam pousar as unidades que se encontrassem numa situação de
emergência ou que obtivessem uma permissão especial.
— Qual foi o motivo que indicaram? — perguntou Rabelli, em tom mordaz. A
observação de Frank não concorrera para melhorar seu estado de ânimo. — Além disso
preciso conhecer o nome da nave.
— O comandante é o Comodoro Jefe Claudrin, sir. Diz que o nome da nave é...
— É a Teodorico — interrompeu Rabelli, surpreso. — Quem não conhece esse
Claudrin? Pode dar a permissão para pousar. Faça o favor de andar depressa.
O Coronel Frank abanou a cabeça.
— Por que ficou tão nervoso? O radioperador não tem culpa de nada. Apenas está
cumprindo seu dever.
Rabelli afastou o argumento.
— Ele já deveria saber que a Teodorico é a única nave da frota que não precisa de
licença especial para pousar, nem aqui, nem em qualquer outro lugar. Claudrin a solicitou
por cortesia, mas qualquer operador de rádio de Plutão está autorizado a concedê-la sem
consultar seu superior. É bom que saiba disso, coronel.
— Não demoraremos a saber muito mais, almirante. O chefe logo terá de mostrar as
cartas. Não me admirarei se entrar na Teodorico ainda hoje para deixar-nos.
— Se isso acontecer, ainda não saberemos para onde terá ido — observou Rabelli,
em tom deprimido. — Temos o direito de...
O minúsculo aparelho de rádio que trazia no braço voltou a emitir um zumbido.
— O que houve?
— Aqui é o setor de coordenação geral, sir. Pedem que o senhor se apresente
imediatamente ao administrador. Haverá uma reunião em que será examinada a situação.
— Já vou! — berrou Rabelli em voz tão alta, que o Coronel Frank estremeceu. —
Então, coronel? O que foi que eu lhe disse? O chefe terá de mostrar as cartas.
— Quem disse isso fui eu! — contestou Frank, em tom modesto.
O Almirante Rabelli estava tão nervoso que preferiu não dar atenção a detalhes
insignificantes como este. Despediu-se de Frank com um aceno de cabeça e saiu, muito
garboso. Era um oficial competente mas, como se costumava dizer por ali, já estava um
tanto “plutonizado.”
***
Era um recinto semicircular. Os assentos estavam dispostos em arco amplo à frente
da parede reta, formada por uma lâmina leitosa. Essa lâmina mostrava a base de Plutão
em tamanho reduzido, mas ainda perfeitamente reconhecível. A abóbada energética que
cobria o porto espacial era quase invisível. Embaixo dela viam-se as unidades da frota
que estavam preparadas para decolar.
Perry Rhodan apoiou-se na mesa e inclinou ligeiramente o corpo, a fim de fitar
melhor os olhos dos presentes.
— Sim, já sei — disse, refutando a objeção formulada por um dos mutantes. — Os
cientistas sempre costumam apresentar todos os argumentos possíveis, a fim de que
nenhum erro, por menor que seja, possa insinuar-se em seus cálculos. Isso resulta da
natureza das coisas e... dos cientistas.
Esperou que a hilaridade dos ouvintes cessasse e prosseguiu:
— É justamente essa qualidade dos cientistas que tanto prezamos, e à qual muitas
vezes devemos a vida. Desvendamos o mistério que cercava os pos-bis e sua origem, mas
nem por isso o perigo foi afastado. Ainda não sabemos que efeito a destruição da
chamada programação do ódio produzirá nos robôs. Se o plasma conseguir controlar
completamente os pos-bis, nada temos a recear. Acontece, porém, que os seres
desconhecidos do planeta Mecânica tinham uma predileção toda especial pelas surpresas.
E nem sempre essas surpresas são agradáveis.
— E o mundo dos Duzentos Sóis...?
O homem de estatura baixa e cabelos ruivos cortados à escovinha que acabara de
formular a pergunta era Reginald Bell. Levantou-se, e prosseguiu:
— Afinal, encontramos o mundo central e pusemos fora de ação a programação do
ódio. O plasma é amistoso; quanto a isso não existe a menor dúvida. Veio da nebulosa de
Andrômeda e...
— Isso não nos oferece a menor garantia de que sua disposição seja amistosa. —
Interrompeu Rhodan em tom ligeiramente irônico, mas logo acrescentou com a voz séria:
— Naturalmente devemos supor que Bell esteja com razão. De qualquer maneira não
deixaremos de um dia, num futuro distante, fazer uma visita ao mundo de origem do
plasma. Isso só acontecerá quando estivermos em condições de transpor o grande abismo
que se abre entre as galáxias,
Reginald Bell sentou-se. Outro homem se levantou; era o robólogo Van Moders. Na
verdade, não era apenas robólogo, mas também psicólogo, ou melhor, psicólogo de
robôs.
— Recomendo encarecidamente que não se cometa o erro de superestimar as
possibilidades do plasma. Admito que tenha dado causa à temível reação dúplice dos pos-
bis, reação que era temível porque nunca sabíamos de que forma um robô desses reagiria
à nossa presença. A programação do ódio desencadeava o ataque contra nós, enquanto o
plasma transmitia uma contra-ordem. Quem fosse mais forte sairia vitorioso. Até aí, tudo
bem. Mas como se explica que os robôs não procurem entrar em contato conosco, já que
a programação do ódio não existe mais? Receio que haja um aspecto que ainda não
percebemos.
— Ou um aspecto que o centro de plasma do mundo dos Duzentos Sóis deixou de
perceber — respondeu Rhodan, em tom tranqüilo. — Só nos resta esperar. De qualquer
forma, Moders, ainda me sinto grato porque o senhor nos sugeriu que fôssemos ao
planeta dos barcônidas. Se nesta galáxia existe alguém que pode dar informações sobre o
passado há muito esquecido, são os barcônidas que habitam um planeta viajante. Eles nos
poderão fornecer os dados que procuramos tão ansiosamente, pois muito precisamos de
tais informações. Devo confessar que, de início, não incluí os barcônidas em minhas
cogitações sobre o assunto. Foi Moders quem me deu a idéia de ir a Bárcon.
Os cientistas terranos e arcônida acenaram com a cabeça, num gesto de aprovação.
Acompanhariam a expedição. Não se admitira a presença de cientistas acônidas. Os
antepassados dos arcônidas e habitantes do Sistema Azul haviam se afastado cada vez
mais da aliança celebrada, e esse afastamento tornava-se mais patente à medida que
diminuía o perigo representado pelos pos-bis e pelos laurins. Rhodan não via por que
familiarizá-los com os novos planos e ações.
— O almirante acaba de chegar — piou uma voz aguda, vinda dos fundos da sala.
— Seus pensamentos quase se atropelam de tão curioso que está para conhecer as
informações que espera obter aqui. Se fosse comigo, eu o deixaria esperar um bocado.
Rhodan lançou os olhos na direção do ser que acabara de proferir estas palavras.
— O almirante merece todo o respeito, Gucky — disse numa voz que tinha certo
tom recriminador. — E se Rabelli ficou curioso, não posso zangar-me por isso, pois ele
não é telepata como você.
Gucky, o rato-castor, que estava sentado na última fileira de poltronas, entre Betty
Toufry e Ishi Matsu, soltou uma risadinha maliciosa, mas preferiu não fazer nenhum
comentário. Dali a alguns segundos, Rabelli entrou na sala.
Conhecia todas as pessoas que se encontravam em companhia de Rhodan. Com a
maioria deles costumava vez por outra trocar algumas palavras, mas era a primeira vez
que podia participar de uma importante reunião. O almirante anunciou sua presença e, de
tão entusiasmado que se sentiu, não ouviu a observação que Gucky proferiu num
murmúrio:
— Até parece que não o estamos vendo.
Rhodan apertou-lhe a mão.
— Nós o convidamos — disse em tom amável — porque achamos conveniente o
senhor não continuar na incerteza. Faça o favor de sentar-se almirante.
O oficial continuou de pé.
— Desculpe-me, sir, mas quero trazer ao seu conhecimento que a Teodorico já
obteve permissão de pouso. Deve chegar a Plutão de um momento para outro.
Os olhos de todos os presentes dirigiram-se quase automaticamente à tela embutida
na parede, mas ainda não se via nenhum sinal da gigantesca espaçonave. Rhodan ergueu
o sobretudo.
— Está chegando mais cedo do que poderíamos esperar. Excelente, almirante.
Estava mesmo na hora de que eu o chamasse.
Esperou que Rabelli se acomodasse lentamente numa poltrona e cumprimentasse os
vizinhos. Depois prosseguiu:
— Dificilmente um vôo ao planeta artificial Peregrino seria um acontecimento
extraordinário a ponto de justificar os preparativos tomados. Mandei reformar e reequipar
a Teodorico. O destino é o planeta Peregrino, mas provavelmente não é o destino final.
Queremos saber qual é agora a reação dos pos-bis, mas para descobrir isso precisamos
estabelecer contato com eles. Lá fora no abismo espacial não os encontraremos. Talvez
tenhamos de procurá-los ao acaso, mas também é possível que o Ser invisível do planeta
Peregrino nos forneça certas indicações. Já nos ajudou muitas vezes e, se não estou
enganado, ainda nos deve alguma coisa. Nós o lembraremos. Aproveitaremos o vôo até
Peregrino para que as mutantes Toufry e Matsu se submetam à ducha celular cujo prazo
já está vencendo. Será este o motivo oficial de nossa viagem.
O Almirante Rabelli ouvira-o com toda atenção. Uma sombra de desapontamento
passou pelo seu rosto. Então tratava-se de uma viagem para Peregrino? E daí? Esperava
algo bem diferente. Será que isso justificava tanto drama e mistério?
Não imaginava o que os outros, em parte, já sabiam.
Rhodan prosseguiu.
— Atualmente a Teodorico é a única nave que pode arriscar um avanço significativo
no intercosmo. Só a Teodorico tem condições para dirigir-se à nebulosa de Andrômeda,
embora na minha opinião tal vôo ainda seja, por enquanto, muito perigoso. Nossos
cientistas manifestaram certas dúvidas, e não pude deixar de reconhecê-las. Acontece que
o vôo para Andrômeda nem está em nossos planos. O que se pretende é apenas um certo
avanço em direção à nebulosa. Tudo depende do que conseguirmos em Peregrino.
— De que tipo são os problemas a que você acaba de aludir? — perguntou Bell. —
Na minha opinião uma nave equipada com propulsores lineares, que pode alcançar
praticamente um milhão de vezes a velocidade da luz, deveria ser capaz de percorrer sem
risco qualquer distância. Portanto, quais seriam as dificuldades?
— Mais uma vez você pretende provar sua sabedoria por meio de perguntas
inteligentes — observou Rhodan, em tom compreensivo. — Tenho certeza de que você
sabe perfeitamente quais são os problemas. Mas está bem. Talvez o doutor Keller queira
ter a gentileza de nos fornecer uma ligeira explicação.
Mal estas palavras acabaram de ser pronunciadas, um homem baixo e muito magro,
de cabelos escuros, levantou-se na segunda fileira e foi até onde estava Rhodan. Keller
era um excelente especialista, e fora colega do Dr. Kalup, que desenvolvera o sistema de
propulsão linear.
— As dificuldades são de vários tipos — disse, fitando Bell. — Teoricamente uma
nave como a Teodorico poderia vencer qualquer distância, mas uma solicitação
ininterrupta provocaria fenômenos ainda desconhecidos de fadiga do material. Aí está um
perigo. Outro perigo resulta do fato de que o espaço intergaláctico não é tão vazio como
sempre se supunha. Não me refiro a alguns planetas sem luz ou a uns poucos sistemas
solares que vagam por lá, mas às linhas energéticas. Nos últimos anos tornou-se cada vez
mais evidente que nossa Via Láctea e a nebulosa de Andrômeda estão ligadas as
estranhos campos magnéticos. A expressão não é bem esta, mas resolvi usá-la à falta de
outra.
“Trata-se de campos energéticos cuja natureza ainda não foi esclarecida. Os efeitos
que produzem sobre os sistemas de propulsão e os organismos também são
desconhecidos. Já houve naves nossas que permaneceram na periferia desses campos
energéticos e não sofreram danos, mas nem por isso devemos agir levianamente.
“Portanto o vôo para a nebulosa de Andrômeda, além de prematuro, seria
extremamente perigoso. A solicitação seria elevada demais e os propulsores não têm
capacidade de suportá-la. Segundo cálculos por nós realizados, nem os pos-bis seriam
capazes de atingir Andrômeda. Não é só a distância de quase um milhão e meio de anos-
luz que nos separa da galáxia mais próxima. São antes os campos e espirais energéticas e
os fluxos magnéticos desconhecidos. No entanto, não existe nenhuma objeção contra um
avanço limitado no abismo.”
Rhodan agradeceu. Keller voltou a sentar-se.
— Como viram, uma expedição à nebulosa de Andrômeda de forma alguma seria
um simples passeio. Receio que ainda tenhamos de esperar muitos anos antes que
possamos arriscá-lo. Mas isso não nos deve impedir de realizar desde logo certos
avanços, sempre que isso nos pareça necessário. É este o motivo do vôo que temos pela
frente. E é também este o motivo por que resolvemos adotar os preparativos já
conhecidos.
“A posição do planeta Peregrino é conhecida, pois foi calculada por nossos cérebros
positrônicos. Os compartimentos de carga da Teodorico estão cheios de peças
sobressalentes de todos os tipos. Poderemos fazer várias substituições de quase todos os
conjuntos importantes. A bordo da Teodorico estão duas instalações de hiper-rádio, as
armas energéticas mais modernas, desintegradores destinados à remoção de eventuais
obstáculos no espaço, provisões para vários anos. Além de tudo isso, estarão também a
bordo a tripulação normal e as equipes especializadas. Acho que poderemos decolar
amanhã.
O rosto do Almirante Rabelli ainda exprimia certa decepção. Provavelmente contara
com revelações mais sensacionais que um simples vôo de Rhodan ao planeta artificial
Peregrino. Rhodan notou sua decepção. Sorriu. Mais uma vez Gucky tivera razão.
— Há outro detalhe, que interessa especialmente à base de Plutão — disse. — O
comando supremo da Terra já foi informado e as respectivas instruções ainda serão
distribuídas. Atlan, o imperador de Árcon, exercerá o comando das frotas unidas até
minha volta. Achamos que essa medida é necessária, já que devemos contar a qualquer
momento com um novo ataque dos laurins. É bem verdade que, desde a descoberta dos
óculos antiflex, esses seres perderam seu aspecto mais apavorante: a invisibilidade.
Porém não devemos subestimá-los. Não é preciso temer que haja nova infiltração através
do transmissor de Marte, pois este já foi desativado. Por isso, a partir deste momento,
Plutão ficará em estado de rigorosíssima prontidão. Devemos esperar que os laurins
tentem penetrar às escondidas em nosso sistema solar. A base de Plutão e as naves de
patrulhamento, que por aqui operam, receberão reforços. Os laurins conhecem a posição
da Terra — fez um sinal para Rabelli. — É só, almirante. A responsabilidade pela Terra
pesa sobre seus ombros. Sei que podemos confiar no senhor.
Quando o almirante esteve a ponto de responder, Gucky gritou:
— A Teodorico está pousando neste instante.
Olharam para a tela. Uma figura gigantesca aproximava-se do porto espacial, vinda
das profundezas do espaço, onde milhares de estrelas estavam paradas, derramando sua
luz fria. Era redonda e apresentava uma grande protuberância na zona equatorial. Eram os
propulsores. A Teodorico tinha mil e quinhentos metros de diâmetro. Até mesmo com a
reduzida gravitação de Plutão, seu peso seria suficiente para afundar a superfície de rocha
primitiva. Por isso tornava-se necessário que o veículo espacial mantivesse os campos
gravitacionais constantemente ligados, enquanto repousava sobre as colunas telescópicas
de apoio.
A Teodorico atravessou a gigantesca eclusa de ar e desceu sobre o campo espacial.
Tocou o solo e as colunas de apoio equilibraram a nave.
— Iniciaremos nosso vôo dentro de vinte horas — disse Rhodan e depois dirigiu-se
ao Almirante Rabelli. — Faça o favor de providenciar para que seus oficiais superiores
compareçam a uma reunião daqui a exatamente duas horas. Atlan ainda falará com o
senhor, em ligação direta, para fornecer algumas instruções. Também estarei presente.
Fico muito grato aos senhores e, evidentemente, também às senhoras — acrescentou com
um sorriso e fez uma mesura em direção às duas mutantes.
Gucky, que estava sentado entre elas, empertigou o corpo e retribuiu a mesura,
muito compenetrado. E, cabe ressaltar, Gucky era sob todos os aspectos o extremo oposto
de uma senhora...
***
O propulsor linear, recebido há tempo dos druufs e aperfeiçoado pelo Dr. Kalup, era
uma coisa tão formidável que ninguém conseguia escapar ao fascínio exercido pelo
aparelho. Durante os saltos de transição que anteriormente costumavam ser executados,
os ocupantes das espaçonaves ficavam praticamente cegos. Desmaterializavam-se
juntamente com a nave e, uma vez percorrido o trecho desejado, materializavam-se no
ponto de destino. Ainda havia a dor provocada pela distorção, que por certo não concorria
para tornar mais agradáveis as longas viagens.
No vôo linear, esses inconvenientes não existiam. Via-se o destino e voava-se em
direção ao mesmo, ultrapassando milhões de vezes a velocidade da luz, sem sofrer
qualquer deformação causada pelo tempo. O campo de absorção kalupiano mantinha a
nave numa espécie de semi-espaço denominado zona de libração, onde as leis do tempo
permaneciam intactas. Com o espaço anulado, distâncias inconcebíveis eram percorridas
num tempo muito curto.
Muitas vezes Rhodan acreditara que o propulsor linear era o non plus ultra de todos
os sistemas de propulsão espacial, mas agora começou a imaginar que o método mais
perfeito de vencer o tempo e o espaço ainda não fora inventado. O salto para a galáxia
vizinha continuava a representar um risco que preferia não assumir. Ao menos por
enquanto...
Numa questão de segundos, Plutão mergulhou nas profundezas do espaço, quando a
Teodorico deixou para trás o sistema solar. Não se sentiu nada da tremenda compressão
produzida pela aceleração, pois os campos antigravitacionais a neutralizaram. A nave
prosseguia em velocidade cada vez maior, até que as estrelas pareciam arrastar-se
lentamente a seu lado, deixando patente que até mesmo a luz tão apressada se
transformara em algo rastejante.
Segundo os cálculos do grande cérebro positrônico, o planeta Peregrino ficava quase
exatamente na direção do grupo estelar M-13. Era uma posição muito favorável, pois, de
qualquer maneira, Rhodan pretendia entrar em contato com Atlan antes de abandonar a
Via Láctea, a fim de certificar-se de que a frota que operava na zona periférica estava
preparada para entrar em ação.
Para surpresa geral, desta vez não houve maiores problemas. O planeta Peregrino foi
encontrado por assim dizer na primeira tentativa.
O planeta artificial percorria pela Via Láctea, uma órbita complicada em cujo centro
situava-se aproximadamente a Terra. Talvez fosse acaso, mas Rhodan não acreditava
muito nisso. As perguntas a este respeito, dirigidas ao Imortal, ficaram sem resposta. O
ser atemporal, pura energia, limitara-se a soltar uma estrondosa gargalhada e depois se
envolvera no silêncio. Rhodan estava curioso para saber qual seria a forma sob a qual
Aquilo se apresentaria desta vez. Apareceria como uma esfera sem peso? Ou assumiria
mais uma vez o aspecto de Gucky? Fora um dos espetáculos mais engraçados, quando de
repente Gucky aparecera em duplicata e começara a brigar consigo mesmo. Aquilo tinha
excelente senso de humor, embora fosse um senso de humor um tanto petulante...
Peregrino ficava oculto num campo temporal, e por isso era invisível ao olho
humano, mas os aparelhos de rastreamento indicavam claramente que lá adiante um
grande objeto flutuava no vazio infinito. A Teodorico desligou seus propulsores e ficou
imobilizada em relação à Via Láctea. A faixa branca da Galáxia enchia todo o campo de
visão. Por aqui as estrelas eram mais numerosas do que no sistema solar do qual a Terra
fazia parte. Ciente de que, face à necessidade da aplicação da ducha celular nas duas
mutantes, não se dirigia em vão ao planeta Peregrino, Rhodan deu ordem ao comandante
para se aproximar lentamente do planeta invisível.
Aquilo ainda não dera sinal de vida.
Durante as visitas ao planeta Peregrino, sempre surgiam surpresas. Às vezes Rhodan
tinha a impressão de que o Ser imortal sentia tédio em meio à solidão. Mas, por outro
lado, sabia que Ele dominava o tempo. Como poderia sentir tédio nestas condições?
Além de Jefe Claudrin e Rhodan, Van Moders, Bell e alguns oficiais se
encontravam na sala de comando. Como de costume, Gucky estava sentado no sofá
colocado num canto, no qual Betty Toufry e Ishi Matsu também se haviam acomodado,
para aguardar os acontecimentos.
O Imortal não dava sinal de vida. Rhodan aproximava-se cada vez mais do planeta
Peregrino. A qualquer momento deveriam atingir e romper o campo temporal.
Naturalmente isso só se tornava possível se a barreira fosse desativada por algum tempo,
mas não se podia ter certeza absoluta de que isso acontecesse.
Em determinado momento a gente ainda se encontrava no Universo, e no momento
seguinte flutuava sobre a lâmina plana do planeta artificial iluminado por um sol também
artificial, que só se tornava visível no interior do campo temporal!... Era incrível tal
acontecimento!
— Distância: dez quilômetros — leu Claudrin. Sua voz, geralmente retumbante,
parecia abafada. — Vamos descer mais?
— Continue a descer, como se quiséssemos pousar. Peregrino deve tornar-se visível
de um instante para outro. Se o Imortal quisesse, já teria estabelecido contato conosco.
Dificilmente se poderia admitir que, de repente, um ser situado fora do tempo não tivesse
mais tempo para nós. Aliás, o conceito fora do tempo é um paradoxo. Ninguém tem
“mais tempo” que o ser atemporal.
Bell colocou-se ao lado de Jefe Claudrin. Fitava intensamente a tela frontal, na qual
não se via coisa alguma, com exceção das estrelas distantes. Abanou a cabeça.
— Se não fosse a indicação dos instrumentos, consideraria louca qualquer pessoa
que afirmasse que, bem abaixo de nós, existe um sol e um planeta. Até se nota a
cintilância das estrelas...
— São reflexos — disse Rhodan. — Olhe! O Imortal levantou a barreira.
O quadro mudou de um instante para outro!
A escuridão do cosmos foi substituída por uma claridade ofuscante. Situado em
posição lateral em relação à Teodorico, o fulgurante sol atômico fornecia luz e calor ao
mundo artificial. Embaixo deles, ondeava a conhecida paisagem fantástica de Peregrino.
Rhodan suspeitava de que o planeta sempre se apresentava com a aparência que o paraíso
perdido devia ter na imaginação de cada visitante do Imortal. Ao que parecia, este lhe
dava a configuração que correspondesse aos seus desejos, e deleitava-se com isso. Isso
não o impedia de introduzir constantemente novas surpresas no quadro, com as quais se
divertia a valer.
Mas não foi o que aconteceu desta vez.
A Teodorico foi passando lentamente sobre as extensas estepes e pradarias, cruzou o
mar já conhecido cheio de belas ilhas e finalmente chegou ao lugar em que se
encontravam as instalações da ducha celular.
Havia uma figura solitária na área livre em que Rhodan costumava pousar. Era
perfeitamente visível e crescia rapidamente enquanto desciam. Fazia sinais em direção à
nave.
Bell espantou-se.
— É Homunk, o servo do Imortal. Desta vez o comitê de recepção é muito pobre,
caso esteja interessado em conhecer minha opinião.
— Ninguém está interessado — resmungou Gucky, que se achava visivelmente
aborrecido porque Betty deixara de acariciar seu pêlo.
Rhodan fez um gesto afirmativo.
— É Homunk, o robô... ou seja lá o que for. Quanto a mim, estou satisfeito com o
comitê de recepção, Bell. Afinal, você conhece os caprichos do Imortal. Ele seria bem
capaz de enviar o exército de César ou um bando de canibais. Homunk pelo menos é
nosso conhecido. Além disso é um robô que deve ser levado a sério.
O Comodoro Claudrin não disse absolutamente nada, pois concentrava-se
exclusivamente nas manobras de pouso. A gigantesca esfera foi descendo, até que as
colunas telescópicas de apoio tocassem o solo. A figura solitária do robô parou de acenar
com os braços. Só agora Rhodan se deu conta de que um robô que acenasse amavelmente
com os braços tornava-se uma figura bem estranha...
Dali a dez minutos desceu da comporta principal à superfície de Peregrino,
juntamente com Bell, Van Moders e as duas mutantes. Os campos antigravitacionais os
sustentavam na descida. Homunk continuava no mesmo lugar, à frente das misteriosas
instalações do Imortal. Permaneceu imóvel enquanto aguardava os visitantes.
Era estranho que desta vez não fossem recebidos com as costumeiras brincadeiras
esquisitas. Será que o Imortal perdera o senso de humor? Ou será que simplesmente não
estava com vontade de brincar?
Rhodan caminhava à frente dos outros. As duas mulheres e os dois homens
seguiram-no a pequena distância.
Homunk já os estava esperando. Era um robô de aspecto humano, que usava um
uniforme de várias cores. Seu rosto parecia indiferente. Os braços pendiam molemente
junto ao corpo. Quando Rhodan chegou perto dele, pôs-se a falar num tom suave.
— Seja bem-vindo em Peregrino, Perry Rhodan — disse. — Vejo que trouxe duas
pessoas para receberem a ducha celular.
— Sim. Trouxe duas mulheres — respondeu Rhodan. Não se sentia nem um pouco
surpreso porque Homunk sabia. — Muito obrigado pela saudação, Homunk. Infelizmente
não tivemos possibilidade de anunciar nossa chegada, pois não conseguimos entrar em
contato com seu senhor.
Estas palavras encerravam uma pergunta oculta, e Homunk logo respondeu à
mesma.
— Meu senhor não se encontra em Peregrino, Perry Rhodan.
Desta vez Rhodan surpreendeu-se. Lançou um olhar rápido para Bell, que já se
aproximara. Van Moders contemplava com uma expressão de curiosidade as gigantescas
instalações da ducha celular. Parecia perguntar a si mesmo quem as teria montado.
Quando experimentasse na própria carne uma amostra das magias do Imortal, deixaria de
formular, mesmo mentalmente, esse tipo de indagação.
Betty e Ishi ficaram à espera, silenciosas, num ponto mais afastado, Estavam um
pouco pálidas, embora não fosse a primeira vez que recebiam a ducha celular.
— Não está aqui? — perguntou Rhodan, embora soubesse perfeitamente que seria
inútil perguntar a Homunk onde estava o Imortal, se o Ser não desejasse dar sinal de sua
presença. — Bem, depois falaremos a este respeito. Será que você pode providenciar para
que as duas mulheres recebam a ducha celular?
— É por isso que estou aqui — disse Homunk.
Dirigiu-se às mutantes, fez uma mesura impecável e disse em tom cortês:
— Posso pedir às senhoras que me acompanhem? Está tudo preparado — voltou a
dirigir-se a Rhodan. — Demorará algumas horas, como das outras vezes. Não há
nenhuma objeção a que andem um pouco por ai.
Caminhou com as pernas um pouco duras em direção aos pavilhões próximos,
levando Betty e Ishi, e dali a alguns segundos desapareceu na grande construção
abobadada.
Bell fitou-os com os olhos semi-cerrados.
— É estranho — disse em tom hesitante.
Rhodan fitou-o com uma expressão indagadora.
— O que há de estranho?
— Na verdade, acho que tudo é estranho, Perry. Homunk diz que o Imortal não está
aqui. Onde poderia estar? Será que foi viajar? Isso é pouco provável, não acha? Sempre
acreditei que pudesse estar em vários lugares ao mesmo tempo.
— Não existe nenhuma prova de que seja assim, Bell. Afinal, não sabemos nada
sobre os assuntos ligados a Ele. Se Homunk nos diz que Aquilo não se encontra em
Peregrino, só podemos acreditar em suas palavras.
Bell balançou a cabeça e, com a ponta do pé direito, enfiou uma pedra no solo
macio.
— É possível que Homunk esteja mentindo, e o Imortal também. Não está com
vontade de receber-nos; é isto. Nosso amigo é muito convencido, e além disso...
Nunca se ficou sabendo o que havia além disso. Exatamente no lugar em que estava
Bell, a terra levantou-se numa onda, como num terremoto, sendo literalmente atirada a
uma altura de um metro. A onda logo desapareceu. Tudo não demorou mais de meio
segundo. Foi tão rápido que Bell se viu erguido um metro e de repente ficou no ar, sem
nenhum apoio. A gravidade voltou a puxá-lo para baixo. Estabeleceu um contato um
“tanto violento” com o solo, que felizmente nesse lugar não era muito duro.
Gucky materializou-se a seu lado e soltou uma risadinha alegre.
— Bem que eu imaginava que alguém ouviria suas palavras desrespeitosas. Essa é a
paga, gorducho. Vamos, levante-se logo. De qualquer maneira já temos a prova de que
Homunk mentiu. O Imortal nos observa — olhou em torno, mas não descobriu nada de
extraordinário.
As colinas erguiam-se suavemente, estendendo-se até a praia do mar muito distante.
O sol atômico fulgurante brilhava no céu. Não se via o menor movimento. Poder-se-ia
acreditar que estivessem sós neste mundo.
— Onde será que ele se meteu? — perguntou Gucky, parecendo distraído.
— Quem lhe deu permissão para deixar a nave? — perguntou Rhodan. — Por que
veio?
— Tive vontade de ver o rosto de Bell de perto — piou Gucky. — Desde quando o
Imortal se manifesta sob a forma de terremoto?
— Suas formas de manifestação chegam aos milhares. — Constatou Rhodan e
acrescentou: — Vamos para a nave. Mais tarde voltarei a falar com Homunk, embora
ache que será inútil. A esta hora o Imortal já sabe perfeitamente o que queremos dele. Ao
que parece, não simpatiza muito com nossos planos.
Dali a três horas, Betty Toufry e Ishi Matsu voltaram. Homunk acompanhou-as até a
escotilha principal, fez uma mesura impecável e voltou ao conjunto de instalações. Para
ele, o assunto parecia estar liquidado. Provavelmente esperava que a Teodorico decolasse
e voltasse à Terra.
Rhodan esperou que as duas mutantes subissem a bordo e, dirigindo-se a Claudrin,
disse:
— Voltarei a falar com Homunk, comodoro. Mande manter vigilância ininterrupta
junto às telas e procure não me perder de vista. Só Gucky me acompanhará. Dessa forma
terei comigo um telepata-teleportador que a qualquer momento poderá colocar-me em
lugar seguro. Se o Imortal estiver disposto para brincadeiras, nós lhe provaremos que
também possuímos senso de humor. Se criar uma situação de perigo, poderemos
teleportar-nos a um lugar seguro. Nunca se sabe o que acontecerá em Peregrino.
Bell parecia preocupado.
— Talvez seja preferível que eu também vá e...
— Você ficará aqui. Um de nós tem de permanecer no comando.
Fez um aceno de cabeça em direção a Gucky. Este inflou o peito, fez continência
com uma expressão de orgulho e, passando perto de Bell, saiu para o corredor. Rhodan
seguiu-o.
Perry estava curioso para saber se Homunk esboçaria qualquer tipo de reação diante
do ultimato que pretendia apresentar-lhe.
***
Homunk não reagira. Sentados na sala dos oficiais, ouviram o relato de Rhodan.
— O robô não se mostrou nem um pouco impressionado quando procurei explicar-
lhe que não acreditava na ausência do Imortal. Homunk disse que apenas recebera ordem
para providenciar a ducha celular e desejar-nos boa viagem de volta.
— Quer dizer que você não tem certeza de que o Imortal simplesmente mandou
dizer que não estava? — perguntou Bell.
— Exatamente. Não posso atinar com o motivo que o levou a agir assim... Um
momento! Talvez possa... Sempre devemos partir do pressuposto de que o Imortal
conhece nossas intenções. Sabe perfeitamente que pretendemos ir a Bárcon; quanto a isso
não tenho a menor dúvida. Para não recusar meu pedido, faz de conta que não está.
Infelizmente traiu-se quando Bell o aborreceu. Quase diria que revelou um traço humano.
— E agora? O que vamos fazer? — perguntou Jefe Claudrin, em voz anormalmente
baixa. Geralmente sua voz ribombava que nem uma trovoada. — Naturalmente podemos
penetrar de qualquer maneira no abismo e sair à procura de Bárcon. Acontece que o
senhor não conhece a posição exata, sir.
— Nem sequer disponho da menor pista, Claudrin — confessou Rhodan. — Não
faço a menor idéia quanto ao lugar em que poderemos encontrar Bárcon. Só fiz duas
visitas ao planeta solitário e sem sol situado nas profundezas do espaço, e das duas vezes
viajei numa nave temporal do Imortal. Não sei dizer se Bárcon fica a dez mil ou a cem
mil anos-luz da Via Láctea. Uma busca feita às cegas não terá a menor chance.
— Será que Homunk não poderia entrar em contato com o Imortal e submeter-lhe
nosso pedido? — perguntou Van Moders.
— É claro que pode, mas não faz — respondeu Rhodan, em tom amargo. — Temos
de ficar aqui e esperar; não existe alternativa. Ninguém sabe quanto tempo se passará lá
fora, no Universo normal, mas podemos consolar-nos com a possibilidade de que
aconteça exatamente o contrário do que receamos. Poderemos ficar presos por dez dias,
quando na verdade só se passou um segundo. Nesse caso não perderemos nada.
E Jefe Claudrin não ocultou o espanto.
— Dez dias?
— São dez dias de tempo relativista — explicou Rhodan. — Tranqüilize-se. Não
ficaremos aqui dez dias, mas no máximo três. Depois disso decolaremos com destino ao
abismo e procuraremos fazer os pos-bis saírem de sua reserva. A seguir voltaremos para
completar a missão.
Mas as preocupações não tinham razão de ser, pois no “dia” seguinte a figura
solitária de Homunk apareceu no campo de pouso e levantou os olhos para eles.
Imediatamente Claudrin informou Rhodan sobre a presença inesperada do robô e
acrescentou que vira perfeitamente o homem artificial acenar com os braços.
Desta vez Rhodan não levou ninguém. Saiu da nave só e dirigiu-se ao lugar em que
estava Homunk. Este o esperava com urna espantosa naturalidade e acenou com a cabeça
a título de cumprimento.
— Veio para trazer uma boa notícia? — disse Rhodan, dando início à conversa.
— O senhor voltou, Perry Rhodan. Ele lhe concede uma breve entrevista; está
disposto a ouvir seu pedido. Quer fazer o favor de acompanhar-me?
Rhodan sabia que aquilo não passava de uma farsa. Era claro que o Imortal sabia
perfeitamente o que o terrano queria dele, mas o fato é que gostava de fazer seu drama.
Formularia perguntas relativas a todas as minúcias, faria de conta que refletia
cuidadosamente sobre as respostas já concebidas e finalmente lhe comunicaria sua
decisão. Uma decisão que naquele momento já fora tomada!
Rhodan acompanhou Homunk até o interior da construção abobadada. Estava
curioso para ver a forma sob a qual se apresentaria o Imortal. Já o vira como homem
comum, luminosidade difusa e bola cintilante feita de pura energia.
O interior do gigantesco pavilhão ao qual Rhodan foi conduzido também se
apresentava com aspecto diferente por ocasião de cada visita. O Imortal apreciava a
variação, e a mesma não lhe parecia causar nenhum problema. Rhodan sabia que os
objetos avistados não passavam de energia transformada em matéria segundo os desejos
do ser incompreensível. Todo o planeta não era outra coisa.
Homunk passou indiferente junto às numerosas máquinas estranhas, cuja finalidade
era desconhecida. Quando chegou ao fim do corredor, o robô seguiu para a esquerda e
parou. Rhodan passou por ele e entrou na sala de recepção.
Ao contrário do que acontecera nas outras visitas, estava profusamente iluminada.
Gigantescos lustres pendiam do teto. Eram do tipo usado nos palácios dos monarcas
europeus de séculos passados. As paredes da sala eram formadas por gigantescos
espelhos, nos quais Rhodan podia admirar sua figura multiplicada por cem. O assoalho
era feito de parquete de primeira qualidade.
— Estou inclinado a dizer que é do século dezoito.
A voz do Imortal era tranqüila. Vinha não se sabia de onde. Ao que parecia, de
todos os lados ao mesmo tempo. Era a telepatia aperfeiçoada ao máximo.
— Você calculou certo — respondeu Rhodan em voz alta e viu uma névoa branca à
sua frente, que descia lentamente e parou a pouco mais de um metro acima do soalho.
Executava movimentos ligeiros.
— Você pode perdoar o incomodo? É importante — pediu Perry
Ouviu-se uma risada alegre. O Imortal disse:
— Importante? O que vocês terranos não consideram importante? Mas está bem, já
lhe perdoei. Diga o que deseja de mim. Homunk disse que você não quis ir embora,
apesar da ducha celular ter sido aplicada prontamente em suas mutantes.
— Fico-lhe grato também por isso, mas tenho um pedido.
— Um pedido? Estou disposto a ouvi-lo, Perry Rhodan.
Rhodan ofereceu um breve relato da situação na Via Láctea, mencionou o perigo
dos laurins e dos pos-bis e ressaltou que os mistérios que ainda restavam só poderiam ser
desvendados por meio de uma resposta vinda do passado.
— Os barcônidas são os únicos que têm idade bastante para dar-nos esta resposta —
disse ao concluir. — Seu planeta, chamado de Bárcon, faz parte de um passado há muito
desaparecido, é um remanescente dos tempos em que surgiu o perigo que hoje nos
ameaça. Os barcônidas poderão ajudar-nos. Por isso quero pedir-lhe que me conceda a
terceira viagem ao planeta dos barcônidas. Será que você poderia mais uma vez colocar
uma nave à minha disposição?
Por alguns segundos reinou o silêncio. Finalmente o Imortal, que desta vez assumira
a forma de uma névoa branca e por isso era quase invisível, fez ouvir sua resposta.
— Uma viagem a Bárcon? Agora? Não, Rhodan, vejo-me obrigado a rejeitar o
pedido. Não me peça explicações, porque não as darei. É verdade que surgiu um perigo,
e você já resolveu metade do problema. O resto você saberá resolver sozinho, sem
precisar de mim ou dos barcônidas.
— Será que eu teria vindo à sua presença se pensasse da mesma forma que você?
Precisamos conhecer as origens, e isso não apenas por causa do perigo que nos ameaça.
Além disso interesso-me pelo destino dos barcônidas. Há tempos eles me disseram que
ainda me arrependeria por ter-lhes ajudado, e eu os ajudei porque você pediu. O que
tinham em mente quando disseram que eu me arrependeria por ter-lhes ajudado?
— Eles não representam um verdadeiro perigo; apenas poderão afetar sua
vaidade... Você dominará a Galáxia. Mas, quando os barcônidas entrarem em sua vida,
você reconhecerá que é muito pequeno e... que a Galáxia também é. Não posso dizer
mais nada.
Rhodan sabia que seria inútil tentar fazer o Imortal mudar de opinião, mas não
desistiu.
— Preste atenção, amigo. Você tem boa memória, e por isso há de se lembrar que
nem mesmo você é infalível, e por isso também pode entrar numa situação difícil. Na
oportunidade em que você foi desviado para o plano temporal dos druufs, seu tempo
praticamente havia chegado ao fim. Será que você se esqueceu que fomos nós, os
terranos, que o salvaram, com risco da própria vida?
— Será que ainda não paguei a dívida resultante disso?
— Uma dívida como esta não tem preço.
— Quer dizer que você exige a viagem a Bárcon como recompensa pelo auxílio que
me prestou naquela oportunidade?
— Não é o que você quer? De início pedi, mas agora vejo-me obrigado a exigir.
O Imortal levou dez segundos para responder.
— A exigência não me impressiona — disse. — Mas não quero que você fique
zangado comigo. Gosto dos terranos, se bem que ainda existam coisas com as quais
deviam acostumar-se. De qualquer maneira, não se regozije antes do tempo. Desta vez
não posso fornecer-lhe uma nave temporal. É bom que você saiba que a utilização dos
veículos deste tipo está sujeita a certas restrições. Um dia, num futuro não muito
distante, realizarei outra viagem numa nave desse tipo e o levarei, mas não me pergunte
hoje aonde nos levará a viagem. Só posso dizer-lhe que procuraremos um amigo. Um
amigo que se perdeu na torrente do tempo.
— Quer dizer...?
— Fique quieto, Rhodan. Ainda é cedo para dizer outra coisa sobre este assunto.
Mas voltemos aos barcônidas. Você quer encontrar o planeta viajante? Sabe qual é a
distância que nos separa dele? É enorme!
— Quer que eu procure Bárcon sem conhecer sua posição?
— Não; não é o que eu quero. Amanhã lhe fornecerei a posição, mas não acredito
que a mesma lhe sirva para muita coisa.
— Por que amanhã e não hoje?
— Isso também tem seus motivos, que não posso comunicar-lhe. Volte à sua nave e
espere. Chamarei amanhã para fornecer-lhe a posição. Depois você mesmo terá de
resolver se quer arriscar o vôo ou não. Esse vôo lhe trará certos perigos, terrano. São
perigos que você ainda não conhece e, em comparação aos mesmos, o perigo
representado pelos pos-bis e pelos laurins é uma brincadeira. É um perigo que para você
ainda não é iminente, mas se você correr ao seu encontro logo o será. Depende
exclusivamente de você.
— Um perigo? Um novo perigo?
Não houve resposta. A névoa subiu rapidamente ao teto e desapareceu.
Perry Rhodan estava só de novo. Homunk o esperava junto à porta.
“Ainda não alcancei meu objetivo,” pensou. “Mas já consegui uma promessa.”
Estava absorto em reflexões quando regressou à Teodorico, onde já o esperavam
com impaciência. A informação de que o Imortal não pretendia colocar à sua disposição
uma nave temporal provocou uma decepção generalizada, mas Rhodan logo acalmou os
companheiros.
— Não se preocupem, amigos. Amanhã o Imortal nos fornecerá as coordenadas
exatas de Bárcon. Iremos para lá com a Teodorico. Graças ao campo de absorção, não
temos por que recear qualquer deslocamento temporal, motivo por que podemos
perfeitamente dispensar a nave temporal. O que importa é que não precisaremos procurar
o planeta.
— Se é assim, por que todo esse nervosismo? — disse Bell. — Se ele nos fornecer a
posição, estará tudo resolvido. É só o que queremos.
— Receio que você não esteja avaliando corretamente a situação — Rhodan parecia
cético. — É de recear que Bárcon fique muito longe de nossa Galáxia. Fica na direção da
nebulosa de Andrômeda. Quanto a isso não existe a menor dúvida. Mesmo que
conheçamos sua posição, nem todas as dificuldades terão sido superadas. Acho que temos
pela frente alguns dias bem cansativos, talvez mesmo algumas semanas.
Por enquanto ninguém imaginava que a previsão de Perry Rhodan era totalmente
correta.
Seguiu-se uma noite calma, mas nem todas as pessoas que se encontravam a bordo
da Teodorico dormiram bem. Alguns se jogavam de um lado para outro e procuravam
imaginar o que seria o tal “abismo.” Há cento e cinqüenta anos a velocidade da luz ainda
representava ura problema, e o vôo para Júpiter era apenas uma teoria louca. Mas o
sistema solar acabou por ser transposto e a Galáxia foi explorada.
Agora o homem se via diante do abismo. Mais de um milhão de anos-luz
separavam-no de seus vizinhos cósmicos, os habitantes desconhecidos da nebulosa de
Andrômeda. Em algum lugar entre as duas galáxias, ficava Bárcon — o planeta estranho
e misterioso, que a Via Láctea perdera há tempos imemoriais. Nele existia uma raça que
já era muito desenvolvida quando os terranos e os arcônidas ainda poliam seus machados
de pedra.
No dia seguinte, pelas dez horas, tempo terrano, Rhodan mandou que a Teodorico
fosse preparada para a decolagem. Procedeu assim na certeza de que o Imortal não
demoraria a chamar. Prometera a posição; logo, não deixaria de fornecê-la. Ninguém
poderia duvidar de sua palavra.
No momento em que Bell estava entrando na sala de comando, onde Rhodan já
havia chegado há meia hora e naquele momento dirigia os preparativos da decolagem,
uma voz potente e inumana ribombou de repente através da nave. Era perfeitamente
perceptível em todos os compartimentos da Teodorico, e todos compreenderam as
palavras do Imortal:
— Perry Rhodan, trago-lhe a posição. Você me ouve?
— Nossos gravadores estão funcionando, pode falar.
Claudrin supervisionava o dispositivo de entrada do computador de navegação, que
armazenaria os complicados dados relativos às coordenadas espaciais e posteriormente as
interpretaria. O aparelho estava funcionando.
O Imortal voltou a falar, mas desta vez sua voz só foi ouvida na sala dos oficiais.
Por dois minutos, o recinto encheu-se de cifras e letras que, enquanto não fossem
devidamente interpretadas, nada significavam. Ninguém disse uma palavra. Gucky
materializou-se sem ruído e dirigiu-se cautelosamente ao seu sofá. Seus olhos, que
pareciam ser tão empreendedores, fitavam o mundo com uma expressão um tanto
melancólica.
Quando a transmissão dos dados relativos à posição foi concluída, o Imortal disse:
— Perry Rhodan, desde logo quero revelar-lhe um pouco daquilo que ainda está
oculto no futuro. Com base nos dados de posição, você não solucionará apenas um dos
numerosos mistérios do passado, mas também descobrirá um perigo que já os ameaça
hoje. Se os terranos conseguirem chegar ao destino, e não é certo que consigam chegar,
saberão muito mais sobre os mistérios do Universo e sobre os perigos que os ameaçam.
Ainda quero adiantar outro detalhe, antes que seus computadores o tenham apurado. A
posição fornecida corresponde a um ponto situado entre a Via Láctea e a nebulosa de
Andrômeda, e esse ponto fica exatamente a trezentos e trinta mil anos-luz dos limites de
nossa galáxia.
Rhodan não fez o menor movimento, mas todos viram que de repente ficou muito
pálido. Mas suas voz quase parecia zombeteira quando formulou a pergunta:
— E daí?
A resposta foi uma estrondosa gargalhada, que ressoou em todos os corredores e
salas de máquinas da Teodorico. Era uma gargalhada irônica e superior, que parecia
ricochetear nas paredes da nave.
De repente passou a reinar o silêncio.
Até parecia que a eternidade estava respirando profundamente antes de desferir o
próximo golpe.
Mas não houve nenhum golpe.
Rhodan esquivou-se aos olhares indagadores dos homens, e não olhou diretamente
para Jefe Claudrin quando transmitiu suas instruções com a voz fria:
— A Teodorico está preparada para a decolagem, comodoro. Meia aceleração em
direção ao grupo estelar M-13. Passar diretamente por Árcon a velocidade inferior à da
luz. Interpretar os dados fornecidos pelo Imortal e apresentá-los ao computador de
navegação. Espero receber em breve a confirmação de que minhas ordens foram
cumpridas — dirigiu-se a Bell. — Você ainda se lembra do dia em que, há exatamente
cento e quarenta e três anos, decolamos na velha Stardust? Éramos os primeiros seres
humanos que se dirigiam à Lua. Foi uma sensação parecida.
Bell acenou com a cabeça. Era um gesto um tanto forçado.
Realmente, a situação fora semelhante, mas não havia como comparar as condições.
Naquela oportunidade tiveram de vencer 380 mil quilômetros, e hoje era um número
quase igual de anos-luz!
2

A Teodorico atravessou um dos braços da espiral da Via Láctea, passou pelo grupo
estelar M-13 e correu velozmente em direção aos limites da Galáxia. Ainda não
desenvolvia a velocidade máxima, mas apesar disso Jefe Claudrin fazia a nave voltar a
intervalos regulares ao espaço normal, a fim de evitar uma solicitação excessiva do
material.
Quando se encontrava apenas a alguns anos-luz de Árcon, Rhodan estabeleceu
contato de hiper-rádio com Atlan. O imperador confirmou a utilização do maior
contingente de naves que a Via Láctea jamais havia visto. Em formação, as unidades
ficaram estacionadas na beira do grande abismo que separa as galáxias. Estavam prontas
para receber o inimigo, pouco importando quem fosse ele.
Rhodan agradeceu por Atlan lhe ter desejado boa sorte e garantiu que na Terra
estava sendo feito o possível para desvendar o segredo dos dois canhões de raios
conversores tirados dos pos-bis. Quando se encontrassem de posse dessa arma, que era a
mais terrível de todas, os dois impérios — o arcônida e o solar — seriam tão fortes que
qualquer ataque contra os mesmos equivaleria ao suicídio. Rhodan ainda confirmou que
já fora iniciada a produção em série dos óculos antiflex, que dentro em breve poderiam
ser fornecidos a Árcon em grandes quantidades.
Depois disso a Teodorico voltou a acelerar e não demorou a abandonar a Via
Láctea. Lá fora, bem ao longe, nas profundezas do abismo, havia um pontinho minúsculo,
que só perdia sua natureza abstrata nos dados e indicações armazenados nos cérebros
positrônicos. Era um pontinho que vagava lentamente, e na verdade era um planeta.
Pretendiam chegar a esse pontinho, sãos e salvos.
A grande aventura teve início.
A Teodorico acelerou até atingir a velocidade máxima, mas só permanecia em vôo
linear durante meia hora de cada vez. Depois disso retornava ao espaço normal, onde se
deslocava à velocidade da luz. Nas telas da popa, a Via Láctea começou, visivelmente a
encolher. Os dados relativos à velocidade e à distância percorrida eram calculados por
aparelhos automáticos que os armazenavam, mas a simples idéia desses dados daria lugar
a reflexões fantásticas.
Além de outros cientistas, o Dr. Bernd Keller e o robólogo Moders estavam
reunidos na sala dos oficiais. Haviam dormido um pouco e tomado um lanche. Agora
estavam participando da conversa. A maior parte dos presentes nunca havia participado
de um vôo pelo abismo.
— Quer dizer que o senhor também é de opinião que a missão é bastante arriscada,
major? — perguntou um dos físicos mais jovens, dirigindo-se ao Major Slide Narco,
engenheiro-chefe da Teodorico. — O senhor deve saber, pois este não é seu primeiro vôo
fora da Via Láctea.
O pequeno homem nascido em Marte fez um gesto vago.
— Qualquer viagem espacial envolve riscos, mesmo que só se estenda por alguns
anos-luz. É bem verdade que, à medida que aumenta a distância, maiores serão os riscos.
Mas desta vez teremos de percorrer mais de meio milhão de anos-luz, se quisermos
chegar ao destino e regressar à Via Láctea. Será um recorde.
— Qual é nossa velocidade, major? — perguntou Van Moders.
— Isso é um dado relativo, doutor — respondeu Narco com um sorriso. — O senhor
já teve ter notado que só permanecemos meia hora de cada vez na zona de libração.
Dentro da Via Láctea voamos, por uma questão de segurança, a um milhão de vezes a
velocidade da luz, o que significa que praticamente percorremos dois anos-luz por
minuto. Não será difícil calcular que, neste vôo, essa velocidade não é suficiente.
Incluídas as pausas, levaríamos semanas para chegar ao destino. Por isso desenvolvemos
dez milhões de vezes a velocidade da luz.
Van Moders fez mentalmente alguns cálculos.
— Neste caso levamos três segundos para percorrer um ano-luz. É uma loucura! Se
a Teodorico agüentasse prosseguir ininterruptamente nessa velocidade, não
demoraríamos a chegar à nebulosa de Andrômeda.
Narco deu uma risada.
— Seria conveniente conferir seus cálculos, caro colega. A distância da nebulosa de
Andrômeda é de um milhão e quinhentos mil anos-luz. À velocidade de um ano-luz a
cada três segundos, isso corresponderia a quatro milhões e quinhentos mil segundos, isto
é, aproximadamente setenta e quatro mil minutos ou cinqüenta e um dias. E isso mesmo
se voássemos ininterruptamente a essa velocidade. Incluídas as pausas, a viagem
demoraria mais de cem dias.
Van Moders fitou Narco com uma expressão tensa.
— Não venha me dizer que desenvolvemos uma velocidade superior a dez milhões
de vezes a da luz.
— Teoricamente percorremos, nos trinta minutos durante os quais a nave
desenvolve a velocidade máxima, aproximadamente três mil anos-luz. Isso significa que
a velocidade é cinqüenta milhões de vezes superior à da luz. As pausas são mais
prolongadas que os períodos de vôo a velocidade superior à da luz. Suponhamos que
completamos dez períodos de vôo por dia. Isso corresponderia a trinta mil anos-luz por
dia.
— Quer dizer que levaremos onze dias para chegar ao destino! — exclamou Van
Moders, profundamente impressionado. — E, quando chegarmos lá, só teremos
percorrido a quinta parte da distância que nos separa da nebulosa.
— Conclui-se que deve ser possível alcançar Andrômeda, ao menos teoricamente —
observou Bernd Keller, em tom apressado. — Se usássemos o método descrito pelo
senhor, levaríamos dois meses.
— Teoricamente seria assim — disse o Major Narco. — Infelizmente não conhece-
nos a magnitude da solicitação a que fica exposto o material. Fatalmente surgirão
manifestações de fadiga do mesmo, que são imprevisíveis. Apesar disso — levantou a
voz, fazendo com que os outros aguçassem o ouvido — um dia arriscaremos.
Por alguns instantes, o silêncio reinou na sala dos oficiais. Finalmente Narco
levantou-se.
— Tenho alguma coisa a fazer na cúpula de observação. Se alguém estiver
interessado em apreciar a vista, poderá ir comigo. Dentro de alguns minutos a nave irá
deslocar-se à velocidade da luz.
Keller e Van Moders acompanharam o major, pois não queriam perder os
acontecimentos. Alguns dos cientistas também foram com eles.
A cúpula era uma saliência de paredes transparentes, aplicada no envoltório esférico
da Teodorico. Permitia ampla visão lateral.
Tinha-se a impressão de flutuar livremente no espaço.
Do lado de fora havia uma estranha luz crepuscular. No setor espacial que ficava no
sentido do deslocamento da nave, o caráter crepuscular da luz não era tão pronunciado,
motivo por que a visão era desimpedida. Via-se uma aparição luminosa alongada, que
brilhava numa forte luminosidade branca. Era a nebulosa de Andrômeda. Perto dela
dançavam minúsculos pontos luminosos, que na verdade ficavam a milhões ou bilhões de
anos-luz. Eram galáxias distantes. O círculo de visibilidade não era muito grande; parecia
abranger apenas alguns metros.
— É claro que, quando nos encontramos no semi-espaço, a visão é bastante limitada
— explicou Narco. — Mas sempre se vê o ponto de destino. E, como por coincidência
Bárcon fica exatamente na direção de Andrômeda, sempre vemos a nebulosa.
— Ainda bem — disse alguém, em tom de alívio. — Os antigos hipersaltos devem
ter sido uma coisa horrível.
— O sistema de propulsão linear tem suas vantagens — confessou Narco
prontamente.
De repente disse apressadamente e em tom exaltado:
— Vejam! Lá na frente, no sentido do deslocamento da nave. Estamos voltando ao
espaço normal. É a pausa.
O círculo de visibilidade aumentou rapidamente, inclusive na região da popa. A
faixa da Via Láctea cresceu, até que toda a Galáxia aparecesse no campo de visão. Enchia
a maior parte do céu, na região que ficava para trás. No abismo propriamente dito, a
nebulosa de Andrômeda continuou a ser o único objeto de maiores dimensões, pois as
outras galáxias, ainda mais distantes, continuavam a ser simples pontos luminosos.
— Não se vê muito mais que antes — disse Van Moders, em tom de decepção. — O
nome abismo é bem adequado.
— Realmente é um abismo sem fundo — confirmou Narco, tranqüilo. — Sua
profundidade é praticamente indeterminável, pois Andrômeda não passa de uma ilha
relativamente insignificante, tal qual nossa Via Láctea, embora seu diâmetro chegue a
setenta mil anos-luz.
— É inconcebível, verdadeiramente inconcebível! — exclamou alguém.
— Quando tivermos deixado para trás mais dois períodos de vôo, poderemos ver
nossa Galáxia de uma só vez — prometeu Narco, que fora encarregado por Rhodan de
fornecer todas as explicações aos novatos e tranqüilizá-los se a visão inconcebível fosse
demais para eles. — Ela encolherá cada vez mais.
— Que sensação estranha! — exclamou Keller.
Por alguns segundos fitou o terrível nada e prosseguiu em voz mais baixa:
— Apesar de tudo, é uma coisa formidável. Este vazio absoluto, esta grandeza, este
Universo... Mas, o mais formidável é que o homem tenha conseguido libertar-se dos
grilhões que o prendiam à Terra.
Imóveis, aqueles homens contemplaram a eternidade.
***
Rhodan despertou, lavou o rosto e dirigiu-se apressadamente à sala de comando,
onde o imediato da nave, Coronel Reg Thomas, estava transferindo o comando a Jefe
Claudrin, que também descansara algumas horas.
— Os controles de máquinas acabam de ser completados, sir. Não se notaram
manifestações de fadiga dos materiais, nem danos de qualquer espécie. Até aqui o vôo
correu segundo os planos.
— Obrigado, Thomas. Vá dormir. Bem que o senhor merece um descanso. Se
precisar do senhor, mandarei chamá-lo.
Reg Thomas, um homem louro com uma cicatriz profunda do lado esquerdo da face,
fez continência e retirou-se. Rhodan fez referências elogiosas a seu respeito.
— É um oficial muito competente, Claudrin. Pode-se confiar nele.
— Sem dúvida, sir — confirmou o comodoro e enfiou seu corpo gigantesco na
poltrona feita especialmente para ele.
Claudrin era um ser adaptado ao ambiente, e seu mundo natal tinha mais que o
dobro da gravitação da Terra. Depois de breve pausa, continuou:
— Não posso imaginar que possa haver um imediato melhor que ele — controlou os
dados registrados pelos instrumentos. — Bem, já percorremos um trecho apreciável. É de
admirar que ainda não nos tenhamos encontrado com nenhum pos-bi.
— O senhor está subestimando o vazio do espaço, comodoro. Só mesmo por um
estranho acaso poderíamos encontrar-nos com uma nave fragmentária — fitou os
instrumentos. — Qual é a velocidade?
— Nos períodos que já passaram desenvolvemos velocidade equivalente a cinqüenta
milhões de vezes a da luz. Se fizermos pausas regulares, poderemos chegar a oitenta
milhões.
— Vamos ficar nos cinqüenta milhões; é quanto basta.
— O acréscimo de risco seria insignificante.
— De qualquer maneira, o risco já é suficiente, não acha? Afinal, estamos operando
na terra nova, nome que se pode dar ao abismo — sorriu. — Além disso já sabemos que
este abismo não é tão vazio como nossos cientistas acreditavam. Bem, por enquanto não
nos encontramos com ninguém.
Claudrin olhou em torno para encontrar um pedaço de maneira no qual pudesse
bater para espantar o azar, mas tudo era feito de metal ou plástico. Resignado, usou a
própria cabeça para dar vazão ao seu instinto primitivo.
— Não espalhe isso por aí! — advertiu em tom sério. — O que não aconteceu ainda
pode acontecer.
Rhodan deu uma risada.
— É o senhor que está espalhando, comodoro — disse. Olhou para as numerosas
telas e controles. O oficial navegador afastou os mapas, nos quais fizera certos registros,
e levantou a cabeça. Havia uma expressão de perplexidade em seu rosto. Rhodan
percebeu.
— O que houve, tenente? Parece que está preocupado.
— O Coronel Thomas pediu-me que registrasse no mapa tudo que observasse. Não
pude realizar pessoalmente qualquer tipo de observação ótica, mas os instrumentos
fizeram-no por mim, sir. Nas últimas horas passamos por vários corpos escuros. Thomas
acredita tratar-se de planetas dos pos-bis, que estes furtaram da Via Láctea. Todos esses
corpos afastam-se da Galáxia a velocidade reduzida, em direção a Andrômeda.
Rhodan acenou com a cabeça.
— Era o que esperávamos, tenente. Não há motivo para ficar nervoso. Em sua
maioria, estes planetas não têm vida. E não se revestem de nenhum interesse para nós.
O tenente franziu a testa.
— Não é só isso, sir. Os medidores de energia constataram a existência de campos
de força muito potentes, cujas dimensões atingem muitos anos-luz. Estão funcionando.
Giram em torno de núcleos desconhecidos e por certo exercem certa influência sobre a
rota de nossa nave.
— Também esperávamos isto, tenente — respondeu Rhodan, sem que sua voz
tivesse a menor tonalidade irônica. — Como sabe, depois de cada período de vôo
verificamos a rota da Teodorico e, se for o caso, fazemos a correção da mesma. Por isso
os campos de força também não assumem interesse para nós. Em outra oportunidade nos
ocuparemos com eles.
Depois de uma ligeira pausa perguntou:
— Observou mais alguma coisa, tenente?
— Não, sir.
Rhodan ficou satisfeito. Até então não houvera nenhum incidente, e o vôo correra
segundo se esperara. Se os propulsores agüentassem não poderia acontecer muita coisa. E
quanto a Bárcon... bem, depois se veria.
De repente Rhodan teve a impressão de que ouvia novamente a gargalhada
homérica com a qual o Imortal o presenteara quando lhe desejara boa viagem. Houvera
um pouco de malícia nessa gargalhada; até parecia que o Imortal não acreditara que
Rhodan jamais chegasse ao destino.
— Tolice! — disse Rhodan em voz alta e logo se defrontou com o olhar espantado
de Jefe Claudrin.
Perry, porém, ficou um tanto embaraçado e acrescentou a título de explicação:
— Acabo de pensar numa coisa. Não ligue, Claudrin. Acho que já está na hora de
apagarmos certas lembranças. Devemos confiar em nós mesmos e na boa Teodorico.
— É o que estou fazendo, sir — respondeu Claudrin, em tom convicto.
Dali a duas horas voltaram a penetrar no campo de absorção e no semi-espaço, onde
percorreriam, em trinta minutos, mais de três mil anos-luz. Rhodan dera ordem para que
os períodos de descanso fossem reduzidos, porque não queria perder muito tempo.
***
As horas enfileiraram-se, formando dias, e os dias formaram uma semana.
Até então não houvera necessidade de trocar uma única peça. As máquinas estavam
agüentando surpreendentemente bem. Rhodan mandou que durante dois períodos de vôo
a nave desenvolvesse oitenta milhões de vezes a velocidade da luz, e, durante um minuto,
cem milhões de vezes. Era o máximo absoluto de que a nave era capaz, se bem que sob o
ponto de vista teórico houvesse possibilidade de voar ainda mais rapidamente.
Dali a três dias aproximavam-se da posição indicada pelo Imortal. Em algum lugar,
à sua frente, o planeta solitário Bárcon percorria sua órbita em meio à escuridão eterna.
Em seu interior viviam os barcônidas, que aguardavam o momento do regresso à Via
Láctea. Quanto tempo ainda teriam de esperar, mesmo que seu planeta desenvolvesse um
terço da velocidade da luz? Haveria alguma raça que pudesse existir por tanto tempo?
Rhodan não esperava nenhuma surpresa. Se Bárcon estivesse em perigo, o Imortal o
teria informado. Provavelmente até o teria levado pessoalmente ao planeta. O Imortal,
tinha uma simpatia inexplicável pelos barcônidas. Protegia-os e velava por eles.
“É estranho”, pensou Rhodan e admirou-se de que não tivesse tido a idéia antes. “É
estranho que desta vez Aquilo tenha demonstrado tão pouco interesse em facilitar meu
encontro com Bárcon...”
De outro lado, isso constituía uma prova de que por lá tudo estava em ordem. Os
laurins nem pensariam em voltar a atacar Bárcon.
Teve-se a cautela de colocar em estado de prontidão os mutantes que se
encontravam a bordo, mas isso representava um ato de rotina. Além disso Rhodan
mandou guarnecer os canhões. Mais um período de vôo, e Bárcon apareceria nos
aparelhos de rastreamento.
A pausa foi passando lentamente. A Teodorico atravessava o espaço à velocidade da
luz. Mais uma vez alguns cientistas e vários oficiais estavam reunidos na cúpula de
observação.
Nos últimos onze dias, o quadro se modificara bastante.
A Via Láctea transformara-se numa gigantesca lentilha, cujo diâmetro atingia pelo
menos quinze graus. Emitia uma luminosidade branca, na qual já não se distinguiam as
diversas estrelas. O centro lembrava uma porção de aço liquefeito, de tão densamente que
pareciam comprimir-se as estrelas.
Na direção oposta, Andrômeda crescera. Ocupava quase dois graus, tendo o dobro
do tamanho da Lua terrana e quase a mesma luminosidade. Os outros pontinhos
luminosos que completavam o quadro eram galáxias independentes. Talvez fossem
maiores que a Via Láctea, mas ficavam a uma distância infinita. Sua luz já estivera a
caminho quando em nosso planeta os primeiros seres aquáticos procuraram pôr o pé em
terra firme!...
Rhodan, ao imaginar como seriam as coisas naquele tempo, assustou-se. A
concepção geral, segundo a qual o Universo se expandia, ainda era aceita, já que ninguém
conseguira provar o contrário. Nos limites do Universo devia haver galáxias que se
afastavam do centro hipotético à velocidade da luz, motivo por que permaneceriam
invisíveis ao olho humano para todo o sempre.
Rhodan lembrou-se das informações que lhe haviam sido fornecidas por Ellert. O
“teletemporário” que, atirado para o infinito em direção ao passado, acompanhara o
início da formação do Universo. Sua experiência provava que os cientistas não estavam
enganados. O Universo realmente se dilatava. Mas, para imaginar a situação existente há
um ou dois bilhões de anos, não haveria outra alternativa senão acompanhar a evolução
em sentido inverso. Devia-se imaginar um universo em contração... uma contração que
durava dois bilhões de anos. Desta forma se chegaria forçosamente à situação existente
naquele tempo.
“Naquela época”, concluiu mentalmente Rhodan, “a nebulosa de Andrômeda não
ficava tão longe de nossa galáxia como hoje. A distância entre as duas galáxias era bem
menor. Mas qual seria a distância?”
Rhodan não deu atenção às observações cochichadas pelos cientistas, que
conversavam em tom abafado. Viu diante dos olhos de sua mente uma série infinita de
números e dados.
A velocidade radial das estrelas e galáxias! Quanto maior é a distância que separa
determinada estrela da Terra, mais rapidamente ela se afasta da mesma. Quanto mais
longe fica uma galáxia da outra, mais vertiginosa se torna sua fuga para o infinito. Havia
uma relação de proporcionalidade. O grupo de Hidra, que ficava a mais de dois bilhões e
meio de anos-luz da Via Láctea, dela se afastava à velocidade de sessenta mil
quilômetros por segundo. Dessa forma a nebulosa de Andrômeda, que distava apenas um
milhão e meio de anos-luz da Terra, não percorreria mais de quarenta quilômetros por
segundo, o que sempre representava cento e vinte e seis milhões de quilômetros por ano.
Ou um ano-luz em setenta e cinco anos. A cada século que passava a nebulosa de
Andrômeda afastava-se mais de um ano-luz.
Rhodan não se deteve nesta consideração. Começou a fazer cálculos regressivos.
Há setenta e cinco milhões de anos Andrômeda distava apenas quinhentos mil anos-
luz da Via Láctea.
Há exatamente cem milhões de anos o abismo que separa as duas galáxias media
apenas duzentos e cinqüenta mil anos-luz.
A velocidade radial não se mantinha constante. Era perfeitamente possível que a de
Andrômeda tivesse crescido no curso do tempo. De qualquer maneira, era de se supor que
há um bilhão de anos a nebulosa vizinha encontrava-se muito próxima à Via Láctea.
Então o abismo só media uns poucos milhares de anos-luz, talvez menos.
Rhodan teve uma idéia fantástica, mas não se atreveu a levá-la às últimas
conseqüências. Se tivesse vivido há um bilhão de anos e dispusesse dos recursos técnicos
da atualidade, o propulsor linear lhe teria permitido chegar a Andrômeda em menos de
uma hora!
Os acônidas dispunham de uma tecnologia que lhes permitia criar uma espécie de
campo temporal, por meio do qual se podia reconstituir o passado.
Se o sistema de propulsão linear fosse combinado com o campo temporal dos
acônidas...
Um zumbido arrancou Rhodan dos seus devaneios. Era a sala de comando!
Respondeu ao chamado. Os cientistas interromperam a discussão.
— Rhodan.
— Aqui fala o comodoro, sir. Dentro de cinco minutos daremos início ao último
período de vôo, que nos fará transpor a distância de três mil anos-luz. Pelos nossos
cálculos o destino que nos foi indicado deve ficar lá.
Bem, não havia nada de extraordinário nisso. Mesmo naquele tempo ainda era
bastante difícil localizar um planeta a uma distância de trinta mil anos-luz.
— Está bem, Claudrin. Irei à sala de comando. Coloque todos os tripulantes em
estado de prontidão.
Rhodan interrompeu a ligação. Os cientistas e oficiais de folga, que se encontravam
na sala de observação, fitaram-no com uma expressão de expectativa.
— Daqui a meia hora saberemos mais coisas — disse Rhodan, e retirou-se.
3

Depois do centésimo terceiro período de vôo, a Teodorico entrou no espaço normal


sem qualquer espécie de transição visível ou perceptível ao tato.
Os nervos de todos os tripulantes quase estavam estourando, pois sabiam quanta
coisa dependia das horas ou dos minutos que se seguiriam. Talvez até dos segundos.
Os chefes estavam reunidos na sala de comando.
Perry Rhodan quase não tirava os olhos do homem que controlava os aparelhos de
rastreamento. Esperava uma reação. Se Bárcon estivesse num círculo de até cinqüenta
anos-luz, o planeta seria encontrado imediatamente. Caso contrário demorariam um
pouco a localizá-lo.
— Quem sabe — observou Bell em tom contrariado, depois que cinco minutos se
haviam passado sem que surgisse qualquer resultado — se Bárcon não aumentou de
velocidade, e o Imortal não sabe disso.
— Ele sabe tudo — piou Gucky, que como de costume estava sentado no sofá. —
Gostaria que vocês me dissessem uma coisa que Ele não sabe.
— É verdade — disse Rhodan, sem olhar para Gucky ou Bell. — Tenho certeza de
que a posição que nos foi fornecida é correta, e de que encontraremos Bárcon neste setor
do abismo.
Jefe Claudrin não tirava os olhos dos controles.
— Talvez seja outra coisa... — disse com a voz evasiva.
Todos fitaram-no com uma expressão de espanto. Rhodan virou lentamente a cabeça
e perguntou em tom de perplexidade:
— O que quer dizer com isso, comodoro?
Claudrin esquivou-se.
— Ora, não é nada.
— A resposta não é satisfatória — disse Rhodan. — O que o levou a supor que o
Imortal não nos tenha fornecido a posição de Bárcon, mas de outra coisa?
— Tenho uma sensação estranha... — principiou Claudrin.
Bell que estava bem a seu lado, interrompeu com uma estrondosa gargalhada.
— Ele tem sensações! — exclamou, alegre. — Este comodoro que parece um
armário tem sensações.
— Não acho nem um pouco de graça — disse Claudrin, ofendido, e fitou Rhodan
como quem pede ajuda. — Não gostei da risada sarcástica que ouvimos quando saímos
de Peregrino. Na oportunidade tive a impressão de que o Imortal se permitiu mais uma
das suas brincadeiras.
— Vamos aguardar com calma — pediu Rhodan, tranqüilo. — Nossos instrumentos
ainda não rastrearam tudo. Algumas horas poderão passar antes que descubramos
qualquer coisa. Só poderemos começar a fazer suposições quando tivermos certeza de
que nos encontramos no vazio total. O que teria a ganhar o Imortal se nos enviasse
praticamente a um deserto?... Nada. Quer dizer que a suposição que acaba de ser
formulada não tem lógica. O Imortal não faz nada sem ter um motivo.
Claudrin esteve a ponto de dizer alguma coisa, mas voltou a fechar a boca. Parecia
estar cansado de ver Bell divertir-se à sua custa.
Rhodan foi para junto dos aparelhos de rastreamento. O oficial que dirigia o setor
viu-o chegar e disse:
— Não encontramos nenhum objeto de grandes dimensões, sir. O espaço está
praticamente vazio. Constatamos a presença de partículas de pó, mas seu número é tão
reduzido que se pode contá-las. A busca prossegue.
Rhodan acenou com a cabeça, mas não respondeu. Sabia que uma busca na terceira
dimensão costuma ser bastante prolongada. Os raios de rastreamento e localização da
quinta dimensão percorriam num tempo zero uma distância de cinco mil anos-luz, sendo
refletidos, também num tempo zero, pelo obstáculo que encontrassem pela frente. Dessa
forma a Teodorico poderia, sem sair do lugar, pesquisar uma esfera espacial de dez mil
anos-luz de diâmetro, o que afinal correspondia a quinhentos milhões de anos-luz
cúbicos. Era um número respeitável.
— Ainda não encontrou nada? — disse Bell em meio ao silêncio, que só era
interrompido pelo zumbido e pelo tiquetaquear dos instrumentos. — Minhas pernas quase
estão entrando na barriga de tanto ficar de pé e...
— Ora, suas pernas cabem muito bem na barriga — disse Gucky, indiferente, sem
sair do sofá.
Bell fltou-o com uma expressão furiosa.
Detestava as alusões à sua figura um tanto corpulenta.
— Não só as minhas cabem nela; você também cabe — ameaçou. — Mesmo que
tenha que devorá-lo inteirinho.
— Você bem que seria capaz disso — respondeu Gucky, em tom destemido. —
Contam-se coisas espantosas a respeito de seu incrível apetite.
Bell esteve a ponto de responder, quando Rhodan subitamente pôs fim à discussão.
— Silêncio! Deixem para devorar-se depois — disse.
O oficial dos aparelhos de rastreamento levou um susto.
Numa das telas surgira um minúsculo ponto luminoso que, depois de o raio de
rastreamento ter passado por ele, apagou-se. O raio foi levado cautelosamente de volta
e... o pontinho reapareceu!
Rhodan respirou profundamente.
— Apure os dados — ordenou, impaciente.
O computador de bordo forneceu os dados e o oficial os leu:
— Distância: um mil e dois vírgula sete anos-luz.
Seguiu-se uma ligeira pausa. Depois o oficial prosseguiu:
— O objeto tem oitocentos e cinqüenta quilômetros de diâmetro.
Rhodan inclinou-se para frente.
— Faça o favor de repetir.
— Diâmetro: oitocentos e cinqüenta quilômetros, sir.
— Não existe a possibilidade de engano?
— Não, sir.
Rhodan voltou a reclinar-se. Por um instante parecia não apenas surpreso, mas
perplexo. Olhou para Claudrin.
— Parece que suas suposições se confirmaram, comodoro. Oitocentos e cinqüenta
quilômetros... nunca pode ser Bárcon! Hum... — voltou a dirigir-se ao oficial que
trabalhava com os aparelhos de rastreamento. — Quais são os outros dados? A massa, a
composição?
— A composição é de caráter meteórico. Há metais pesados, mas...
— Mas o quê?
— É estranho! — o oficial do rastreamento abanou a cabeça, como se não pudesse
compreender as indicações dos instrumentos. — Ouça isto, sir. Dois vírgula três milhões
de toneladas!
— É bem pesado! — constatou Bell e aproximou-se. — Quanto a isso não tenho a
menor dúvida.
— Pesado? — Rhodan sacudiu a cabeça. — Não acho. Um objeto desse diâmetro
formado principalmente por ferro-níquel deveria pesar pelo menos uns quarenta ou
cinqüenta milhões de toneladas. Há algo de errado.
— Quer dizer que se trata de um objeto grande, formado de elementos pesados, cujo
peso é pequeno demais — resumiu o Coronel Reg Thomas, fitando os companheiros com
uma expressão de perplexidade. — Será que existe uma explicação razoável para isso?
— Existir, existe — respondeu Rhodan, com um sorriso enigmático. — Acontece
que não dou muito valor às suposições. Claudrin, se não chegamos a Bárcon, acabamos
de encontrar outra coisa. Siga em direção ao planetóide. Pelo tamanho deve ser um astro
desse tipo. Gostaria de saber o que veio fazer no vazio absoluto.
Ninguém fez qualquer comentário. Até mesmo Bell manteve-se em silêncio, o que
era sinal evidente de que se sentia abalado. Claudrin pediu que o oficial de rastreamento
lhe fornecesse as coordenadas exatas do planetóide. A seguir, introduziu os dados no
computador-navegador e transferiu-os ao sistema de pilotagem automática da Teodorico.
Dali a dez minutos pôde anunciar:
— As coordenadas já foram processadas, sir. Poderemos chegar ao destino em
cinqüenta minutos, desenvolvendo dez milhões de vezes a velocidade da luz.
— Pois vamos esperar mais um pouco — decidiu Rhodan. — Temos de respeitar os
períodos de descanso. Quais são os resultados dos ensaios com o material, Major Narco?
— Não constatamos nenhum sinal de desgaste, sir — respondeu o engenheiro-chefe.
— É espantoso, mas o fato é que os propulsores trabalham com a perfeição de uma
máquina recém-saída do estaleiro.
— De qualquer maneira esperaremos.
Durante duas longas horas só conseguiram uma aproximação insignificante do
ponto de destino. Rastejavam à velocidade da luz, e nessas condições levariam mais de
mil anos para atingir o destino. Naqueles instantes havia alguns homens a bordo da
Teodorico, que de repente compreendiam como era formidável a experiência pela qual
estavam passando. A naturalidade com que até então haviam aceito a viagem
transformou-se em espanto e veneração.
Afinal, a diferença entre mil anos e cinqüenta minutos era bem patente.
***
A Teodorico retornou ao espaço normal e procurou orientar-se. O planetóide ficava
apenas a alguns minutos-luz de distância. Tornou-se visível nas telas do equipamento de
rastreamento energético, enquanto a nave se deslocava em sua direção, desacelerando
lentamente. Dali a meia hora, a Teodorico adaptou sua velocidade à do astro que se
deslocava em direção à Via Láctea. Os dois corpos permaneceram aparentemente imóveis
no espaço vazio.
Os homens da sala de comando fitavam as telas com uma expressão de enlevo. Os
curiosos comprimiam-se na cúpula de observação, a fim de obterem uma visão preliminar
do estranho mundo que haviam encontrado no abismo.
O formato do planetóide não era perfeitamente esférico; era irregular. A superfície
parecia muito escura e mal se destacava do plano de fundo.
Os holofotes da Teodorico acenderam-se e mergulharam o mundo desconhecido
numa luz fulgurante. A nave foi passando lentamente a pequena distância da superfície.
Não havia a menor dúvida de que não se tratava de uma figura artificial; era um
corpo natural. O planetóide seria grande demais para ser artificial. A olho nu não se via o
menor vestígio de vida. A superfície era formada por rocha nua e apresentava picos
pontudos e desfiladeiros pequenos e estreitos, não muito profundos. Os instrumentos
forneciam outros detalhes.
O planetóide não possuía atmosfera e sua massa de forma alguma correspondia ao
tamanho. Era muito reduzida. Os elementos existentes na superfície seriam os mesmos
encontrados na Via Láctea.
Os mutantes estavam reunidos na cúpula de observação. Tal qual os outros, não
queriam perder a visão daquele mundo estranho e pequeno. Desta vez John Marshall, o
chefe do Exército de Mutantes, não estava com eles. Encontrava-se em companhia de
Rhodan, na sala de comando. Gucky mantinha contato telepático ininterrupto com ele,
para que uma eventual entrada em ação não dependesse de uma mensagem transmitida
pelo sistema de intercomunicação da nave.
— Você está ouvindo, Gucky?
O rato-castor captou a voz mental de Marshall e respondeu:
— Não ouço, mas entendo. O que houve?
— Gostaríamos de saber se vocês estão percebendo qualquer tipo de impulso. O
planetóide parece morto, mas temos nossas dúvidas.
Gucky parecia surpreso.
— Dúvidas? Por quê? Até um cego vê que nessa bola de pedra não há nada. Por
aqui ninguém captou impulsos mentais, se é que isso o tranqüiliza. Será que você captou?
— Não. Obrigado, Gucky. De qualquer maneira, continuem atentos. Nossas dúvidas
não vieram do nada.
— De onde vieram? — perguntou Gucky, mas não obteve resposta.
Caminhou para junto de Betty Toufry, que era telepata como ele, e indagou:
— O que será que Marshall quer dizer com isso?
Betty, que acompanhara a palestra silenciosa, estava perfeitamente informada.
— Não faço idéia, pequeno. De qualquer maneira recebemos uma ordem; vamos
cumpri-la. Quanto a mim, devo confessar que por enquanto não captei um único impulso.
E não sei de onde poderia vir o mesmo — apontou para a paisagem monótona, inanimada
e desolada do planetóide. — Será que poderia vir de lá?
Mesmo em tempos anteriores o planetóide nunca possuíra atmosfera. Sua massa e
sua gravitação eram tão reduzidas que não poderiam reter uma camada de ar por mais de
alguns segundos. Mas isso não era uma prova cabal da ausência de qualquer tipo de vida.
Certas formas de vida não dependiam de qualquer atmosfera. Acontecia que na superfície
não havia a menor indicação a este respeito. Se Rhodan esperava encontrar uma base dos
pos-bis, então sofreria uma decepção amarga, pois não se via o menor sinal de
construções.
Normalmente se teriam contentado em dar uma volta ligeira em torno do planetóide
e deixá-lo seguir seu caminho, mas no caso havia dois motivos que desaconselhavam esse
procedimento.
Primeiro, havia o fato espantoso de o planetóide se encontrar praticamente no lugar
de Bárcon, pois ficava exatamente no ponto indicado pelo Imortal. As coordenadas eram
estas. Concluía-se que Aquilo tinha conhecimento da existência desse astro situado em
pleno abismo e lhe atribuía uma importância toda especial.
O segundo motivo fora fornecido pelos instrumentos da Teodorico. A massa e a
gravitação do planetóide não se harmonizavam com suas dimensões reais e sua
composição.
E assim não seria de admirar que, depois de ter dado duas voltas em torno do
planetóide sem alcançar o menor resultado, Rhodan ordenasse ao Comodoro Jefe
Claudrin que pousasse.
Com isso deu início à aventura mais estranha e perigosa jamais vivida por
humanos...
***
O solavanco que a Teodorico sofreu ao pousar foi quase imperceptível. A gigantesca
espaçonave tocou levemente o solo e ficou presa imediatamente às âncoras
gravitacionais, já que a gravitação do planetóide era tão reduzida que o mais leve abalo
poderia causar sérios perigos.
Parado na sala de comando, Rhodan observava as telas que mostravam nitidamente
as áreas adjacentes à Teodorico. Não havia muita coisa que pudesse ser vista.
— Caso esteja interessado na minha opinião, eu lhe digo que é um mundo morto —
cochichou Bell, sem que se soubesse por que falava tão baixo. — Você espera encontrar
aqui alguma indicação sobre o paradeiro dos barcônidas?
— Talvez não exista a menor relação com isso, mas o Imortal deve ter tido algum
motivo para fornecer as coordenadas deste planetóide — respondeu Rhodan, falando tão
baixo quanto Bell. — É verdade que, segundo tudo indica, lá fora não existe vida, mas
deve haver outra coisa que somos obrigados a investigar. A gravitação do planeta é tão
reduzida que não guarda a menor proporção com seu peso. Pouco importa o que você
diga, Bell, não consigo livrar-me da impressão de que teremos uma surpresa.
Rhodan nem desconfiava de que estava com toda razão. Mas Bell não era da mesma
opinião.
— Que surpresa poderá ser esta? — perguntou em tom pensativo. — Afinal, é
apenas um asteróide solitário. Do sentido do deslocamento conclui-se que vem da
nebulosa de Andrômeda. É até formado pelos mesmos elementos que encontramos na
Via Láctea. Na verdade, pousamos num pequeno planeta de Andrômeda. É a única coisa
extraordinária nesta história.
— Como foi que o planeta veio parar aqui?
— Santo Deus, como poderia ter vindo? — Bell fez um gesto grandiloqüente. —
Ele se perdeu!...
Rhodan não se deu por satisfeito.
— Sinto o desejo de pisar na superfície deste estranho mundo, Bell. Quer
acompanhar-me?
— Você pretende...? — Bell fitou Rhodan com uma expressão de perplexidade,
engoliu em seco e deu um aceno de cabeça. — É claro que irei com você. Não quero
perder a oportunidade de ser o primeiro ser humano a pisar num pedaço de Andrômeda.
Jefe Claudrin parecia preocupado.
— Isso não é muito arriscado, sir? Talvez fosse conveniente que em primeiro lugar
um grupo de especialistas desembarcasse no planetóide e...
— Esse grupo poderá acompanhar-nos — interrompeu Rhodan. — Não vejo o
menor perigo. Apesar disso quero que o senhor mande formar um grupo. Será composto
por alguns oficiais, guardas e cientistas com seu equipamento. Mantenha a Teodorico em
estado de prontidão, comodoro. Levarei alguns mutantes. Marshall, avise Gucky, Ras
Tschubai e André Noir. As mulheres ficarão na nave — fez um sinal para Bell. — Iremos
daqui a quinze minutos.
Van Moders e Bernd Keller faziam parte do grupo. Talvez não se deleitassem tanto
com a experiência histórica, mas sentiam-se felizes pela oportunidade de quebrar a
monotonia.
A expedição reuniu-se próxima a uma das numerosas eclusas da Teodorico. Todos
os membros usavam os costumeiros trajes espaciais, e traziam seus aparelhos e
instrumentos, além de uma arma energética, embora do aspecto do planetóide se
concluísse que provavelmente não haveria necessidade de usá-la. Gucky, que usava um
traje feito sob encomenda, com um apêndice em forma de mangueira que servia para
guardar a cauda, caminhava orgulhosamente de um lado para outro e distribuía conselhos
sábios.
— Miller VII — disse, dirigindo-se a um especialista em raios muito magro, que
deveria medir as radiações do planetóide. — Se eu fosse o senhor levaria alguns pesos
adicionais. Deve ter ouvido que a gravitação deste lugar só chega a um centésimo G. Se
alguém tossir, o senhor sairá por aí, através das galáxias.
Quando Gucky chamava alguém de senhor, isso significava um desprezo infinito ou
então fazia parte de alguma brincadeira. Evidentemente aqui o caso era este, pois Gucky
exibia seu dente-roedor. Em outras palavras, sorria.
Acontece que Miller VII não era tolo.
— O senhor tem toda razão, Tenente Guck, mas parece que se esqueceu de que
estou levando meu cérebro. Sabe lá quanto pesa o mesmo?
— Aqui pesa no máximo um grama — chilreou Gucky, alegre, enquanto cruzava as
mãos nas costas, que nem um professor que passeia diante de sua turma. — Na Terra
seria cem vezes mais.
Alguns homens riram. Rhodan e Bell entraram na comporta. Olharam em torno,
surpresos. Gucky fez um gesto dramático em direção a Bell e disse em voz muito alta:
— É claro que para este sujeito as coisas serão melhores que para o pobre do Miller
VII. Até mesmo neste pequeno planeta ficará grudado na superfície que nem uma mosca
numa parede. Acho que precisará de um propulsor especial se quiser dar um salto de um
metro.
Bell lançou um olhar venenoso para Gucky e passou por ele como se o rato-castor
nem existisse. Evidentemente não gostara da nova alusão que o rato-castor fizera ao seu
peso.
Gucky aspirou profundamente o ar, a fim de vingar a desatenção à sua pessoa com
uma observação mordaz, mas não teve tempo. Rhodan ordenou:
— Fechar os capacetes. A escotilha externa será aberta dentro de três minutos.
No mesmo instante as escotilhas internas da comporta fecharam-se, e o ar foi
aspirado. Não havia mais nada que separasse os homens do nada.
Rhodan estava de pé à frente do grupo e olhava para o mundo sem vida.
A vista só alcançava alguns quilômetros; depois disso as montanhas afundavam
atrás da linha do horizonte. Via-se perfeitamente a curvatura da superfície. O movimento
de rotação do planetóide era muito lento. No momento Andrômeda estava praticamente
no zênite; era uma longa nuvem branca formada por bilhões de sóis. Não se via a outra
galáxia. Se não fossem os holofotes da Teodorico, a visão provavelmente só alcançaria
alguns metros, mas com os mesmos acesos tudo estava bem iluminado e os objetos eram
perfeitamente visíveis. O grande holofote em abóbada, situado a mil e quinhentos metros
de altura, mandava sua luz para além dos limites do pequeno mundo.
Rhodan fez um sinal para Bell e empurrou-se. Preferiu não ligar o dispositivo
antigravitacional, que aqui se tornava desnecessário. Lentamente, como se fosse uma
pena, planou um trecho na horizontal, e só depois de algum tempo começou a descer
quase imperceptivelmente em direção à superfície.
— A gravitação é aproximadamente a mesma das luas de Marte — disse sua voz,
saída dos alto-falantes embutidos nos capacetes. — Tenham cuidado com os
movimentos. Com um simples salto se alcança uma velocidade perigosa.
— Se aqui morasse alguém, esse alguém não teria a menor dificuldade em praticar a
Astronáutica — piou Gucky, espantado. — Quem quiser colocar um satélite em órbita, é
só atirar uma pedra para o alto.
— É isso mesmo — respondeu Rhodan. — Por isso você deve controlar o impulso
de suas pernas traseiras, pois, do contrário, se transformará numa lua.
Gucky resmungou alguma coisa que ninguém entendeu e deixou-se cair
cautelosamente da escotilha. O pequeno impulso foi suficiente para que voasse, em arco,
sobre a paisagem rochosa sem vida. Os homens ouviram-no praguejar e dizer coisas
desconexas, mas de repente a trajetória do rato-castor mudou. Desceu rapidamente e
tocou a rocha negra do planetóide antes de Rhodan. Ligara seu equipamento de
gravitação artificial.
— Está vendo, Miller VII? — gritou, eufórico, e executou alguns saltos malucos. —
Um homem que tenha cérebro não precisa temer qualquer situação.
Rhodan tocou o chão a alguns metros do lugar em que se encontrava.
— Seu desmancha-prazeres! — disse numa ligeira recriminação. — Será que você
não gosta de voar?
— Gosto, mas fiz questão de ser a primeira pessoa que põe os pés neste mundo.
Assim posso dar-lhe um nome.
— Se fosse você, esperaria até que saibamos mais a respeito deste planetóide. Como
sabe, costumamos batizar os mundos recém-descobertos com um nome que guarde
alguma relação com suas características — levantou os olhos para a eclusa. — Então?
Venham logo!
Três homens chegaram logo a seguir na superfície do planetóide. Nenhum deles
ligou seu campo gravitacional. A ausência de gravidade é uma das sensações mais belas e
grandiosas do astronauta. Havia momentos em que Rhodan refletia seriamente sobre os
motivos que teriam levado as algas, há dois milhões de anos, a abandonarem o mar
primitivo e subirem à terra firme, pois, dessa forma, a vida assumira espontaneamente a
carga da gravitação que antes não conhecia.
Os cientistas puseram-se imediatamente a trabalhar, enquanto os oficiais distribuíam
guardas e faziam tudo para garantir a segurança da expedição. Rhodan, Bell, Van Moders
e John Marshall fizeram uma pequena excursão pelos arredores. Gucky, Ras e Noir
seguiram o grupo a uma distância regular. O rato-castor desligara o campo gravitacional,
a fim de desfrutar juntamente com os companheiros a sensação deliciosa de levitar.
Realmente teve a impressão de ser um mergulhador que deslizava pouco acima do fundo
do mar.
Dali a alguns minutos, a Teodorico desapareceu por trás do horizonte. Gucky e os
seis homens transpuseram em um só salto uma cadeia de montanhas de duzentos metros
de altura e desceram levemente na planície ligeiramente ondulada que se estendia do
outro lado.
Perry Rhodan olhou para baixo e notou alguma coisa. Levou quase cinco segundos
para compreender o que havia notado. Usando o rádio, disse:
— Olhem lá para baixo. Estão vendo?
Todos o ouviram, pois os aparelhos estavam regulados para a mesma faixa de ondas.
— Não vejo nada — disse Bell.
Seus companheiros viram perfeitamente que sacudia a cabeça no interior do
capacete. Gucky, que estava alcançando o grupo em vôo lento, piou em tom agudo:
— Um quadrilátero... ou estarei enganado? Afinal, lá em baixo quase tudo é negro,
pois por aqui não existe luz.
— Sim, é um quadrilátero — confirmou Rhodan, em tom exaltado. — Quer dizer
que não me enganei. Liguem os campos gravitacionais, para baixarmos mais depressa.
Aliás, já não está tão escuro. Nossa Via Láctea brilha no horizonte.
Quinze metros abaixo da superfície do mar não seria mais claro nem mais escuro do
que aquele lugar. Apesar disso, quando se aproximaram da superfície, os homens tiveram
uma surpresa nada agradável. O quadrilátero fora perfeitamente visível, uma vez
descoberto. Mas à medida que caíam, ele se tornava menos nítido. Quando se
encontravam a apenas alguns metros, os contornos da figura geométrica se desfizeram e
esta não pôde mais ser vista.
Pousaram suavemente.
— O quadrilátero só é visível de determinada altura — disse Rhodan. — É o que
acontece com certas formações existentes na superfície da Terra, que só podem ser vistas
de um avião. De qualquer maneira, vimos um quadrilátero de lados iguais, ou seja, um
quadrado. Poderia ser uma alteração na composição da superfície. Mas será que esta
ficaria contida em limites tão exatos? Voltarei a subir e tentarei fixar os limites do
quadrilátero. Depois disso deverá ser possível constatar alguma coisa aqui embaixo.
Ligou seu campo gravitacional e empurrou-se levemente com o pé. Subiu quase na
vertical e disse:
— Aí está; já o vejo de novo. O comprimento dos lados é de dez metros,
aproximadamente. Vocês estão exatamente no centro do quadrado. Dêem alguns passos e
procurem localizar os limites da figura. Fora dela a rocha é mais escura, se bem que a
diferença é mínima. Aposto qualquer coisa como a origem deste quadrado não é natural.
Foi descendo lentamente.
Gucky caminhava cautelosamente sobre a rocha. Quando chegou ao lugar indicado
por Rhodan, segurou-se numa rocha saliente até imobilizar o corpo. Sacudiu a cabeça.
— Não se vê a menor diferença de coloração. Será que estou daltônico? Mas há
pouco ainda vi perfeitamente.
Rhodan não se apressou. Enquanto descia, orientava o deslocamento dos homens de
tal forma que quatro deles ficaram parados nos ângulos do quadrado. Depois disso ficou
flutuando a dez metros da figura. A seguir foi se aproximando.
Só agora conseguiram perceber a diferença. Sem qualquer motivo visível, a rocha da
superfície normal assumia a tonalidade um pouco mais clara do quadrado. Ao que
parecia, o tipo de rocha não sofrera nenhuma modificação.
— É estranho — disse Van Moders, em tom pensativo. — Não consigo atinar com
qualquer explicação. E não pode ser produto do acaso.
— Uma coisa destas nunca pode ser obra do acaso — confirmou Rhodan. — Só
podemos supor que há tempos imemoriais, quando ainda se encontrava na nebulosa de
Andrômeda, este planetóide era habitado. Neste lugar havia um edifício ou coisa que o
valha. O edifício desapareceu, mas a insignificante mudança de coloração, visível apenas
a certa altura, continuou. É apenas uma suposição. É possível que nunca descubramos se
ela é correta.
— Os geólogos poderiam descobrir alguma coisa, pois têm mais experiência nestas
coisas que nós — disse Bell, que permanecia imóvel, desempenhando pacientemente o
papel de marco angular do misterioso quadrado.
Gucky, que estava sentado bem no centro da área de cem metros quadrados, disse:
— Bell tem razão, mas eu poderia tentar uma teleportação.
— Para baixo da superfície? Será que você enlouqueceu? — Rhodan sacudiu o
punho na direção do rato-castor. — Não se atreva!
— Está bem! — gritou Gucky e subiu que nem um foguete. — Por mim este
quadrado esquisito pode aparecer. Nem quero saber. Você vêm comigo?
— Para onde? — perguntou Ras Tschubai.
— Vou voltar à nave. O que podemos fazer por aqui? Só vejo pedras, rocha
primitiva, algumas montanhas e um estranho quadrilátero. Essas coisas também posso
encontrar em outra parte.
Naturalmente não estava falando muito sério. Por mais estranho que fosse o
quadrado em sua opinião, era muito importante descobrir sua origem. Mas nem Rhodan,
nem seus companheiros tiveram muito tempo para refletir sobre isso.
De repente, a voz de Jefe Claudrin soou em seus receptores de capacete, superando
todas as outras.
— Chamando Perry Rhodan! Chamando Perry Rhodan! Faça o favor de responder,
sir. É urgente.
— O que houve, Claudrin?
— Onde está o senhor? Da nave não o vejo. Os especialistas dizem que atravessou
as montanhas com mais algumas pessoas.
— É verdade. Encontramos uma coisa muito interessante...
— O senhor deve voltar imediatamente à nave, sir. Há algo de errado por aqui.
Acho que o senhor também está em perigo...
— Em perigo?
A voz de Rhodan alterou-se. Gucky desceu muito rapidamente e pousou dentro do
quadrado.
— Qual é o perigo? — perguntou Perry.
— Não sei, sir. Não posso explicar tão depressa. Alguns homens queixam-se de um
cansaço súbito e de fortes dores de cabeça.
— Mantenho contato com todos os membros da expedição, mas por enquanto não
recebi nenhuma informação nesse sentido.
— É na nave, sir. Os sintomas estão aparecendo no interior da nave.
Rhodan não formulou outras perguntas.
— Iremos imediatamente. Claudrin. Mande que todos voltem logo para bordo. A
Teodorico ficará em rigorosa prontidão. Se houver alguma novidade, mesmo
insignificante, avise imediatamente.
— Está bem, sir.
Rhodan ouviu Claudrin transmitir suas instruções. Depois fez um sinal para seus
companheiros.
— Todos ouviram do que se trata. É claro que pode ser apenas um pequeno mal-
estar, talvez uma conseqüência da permanência prolongada no semi-espaço, sei lá. Mas é
possível que haja outras causas, que não conhecemos — apontou para baixo. — Este
quadrado, por exemplo, não demorará em dar-me dores de cabeça.
Empurraram-se com os pés e foram planando — devagar demais, segundo
acreditavam — em direção ao lugar do qual haviam vindo. Atravessaram as montanhas e
viram o brilho fosco da Teodorico na linha do horizonte. Era uma visão tranqüilizadora;
parecia uma promessa de proteção.
Proteção...?
Contra quem?
A grande escotilha estava aberta, mas não foi fácil atingi-la num salto bem
orientado. Gucky que, segundo parecia, não estava com vontade de praticar a
teleportação, errou pelo menos por dez metros e foi parar sobre o casco da Teodorico.
Mas a gravitação do planeta era mais forte; escorregou e foi descendo lentamente. A
segunda tentativa levou-o para dentro da eclusa da nave, onde os outros já o esperavam.
A escotilha externa fechou-se, o ar penetrou na eclusa, e logo puderam fechar os
capacetes.
— Por enquanto não vamos tirar os trajes espaciais — disse Rhodan e saiu
caminhando à frente dos outros. De repente parecia ter muita pressa em chegar à sala de
comando. — Bell e John Marshall, venham comigo. Gucky, você esperará junto aos
mutantes.
— Também estou com dor de cabeça — disse Gucky, de repente.
Rhodan parou e fitou-o atentamente.
— Não está brincando?
— Não estou, não. É como se alguém estivesse chupando minha medula. Além
disso meus joelhos parecem de manteiga.
— Como está, Bell? — perguntou Rhodan, em tom de alarma. — Também está
sentindo alguma coisa?
Bell não estava sentindo nada.
Nem por isso Rhodan se sentiu mais tranqüilo. Não deu mais atenção aos homens
que o acompanhavam. Saiu correndo, saltou para dentro do elevador mais próximo e
tomou o caminho mais curto que levava à sala de comando.
Teve a impressão de ouvir, nas profundezas do subconsciente, a risada sarcástica do
Imortal.
Havia o planetóide solitário, o misterioso quadrado...
Alguma coisa não estava certa.
De repente, antes de chegar à sala de comando, sentiu um tremendo cansaço e a dor
começou a manifestar-se...
4

No setor de enfermagem da Teodorico, as notícias e os pedidos de informações se


amontoavam. Claudrin mandara Brazo Alkher, que exercia as funções de oficial da
guarda, transmitir imediatamente à sala de comando informações sobre todos os casos de
doença. Nessa sala estava sendo feita uma lista. Quando Rhodan entrou e lançou um
olhar indagador para Claudrin, este acabava de escrever o número trezentos e oito em sua
lista.
— São dores de cabeça e fadiga, como se os homens tivessem feito um esforço
excessivo ou sofrido privações — comunicou.
— Os médicos não têm nenhuma explicação. Uma verdadeira epidemia parece ter
irrompido. O mais estranho é que os homens que passaram algum tempo fora da nave
demoraram mais a ser atacados pela doença. Aliás, esta nem de longe atingiu todos os
tripulantes.
— Também estou sentindo, Claudrin — disse Rhodan, preocupado. — Posso contar
nos dedos os dias em que tive dor de cabeça, e meus joelhos nunca fraquejaram.
Acontece que agora estão — refletiu por alguns segundos. — Mande os médicos
cuidarem do assunto. Eu cuidarei do que está acontecendo fora da nave. Onde está o
imediato?
— Na sala de controle de armamento, sir. O que quis dizer quando aludiu às coisas
que acontecem fora da nave? O que poderia haver por lá? O planetóide não está
desabitado?
Rhodan informou sobre o misterioso quadrado e concluiu:
— Ao que parece, o planetóide realmente é desabitado, mas nesta altura nada poderá
surpreender-me. O Universo está cheio de milagres e impossibilidades aparentes. Não
pense que todos estes homens têm dor de cabeça por acaso. Há alguma coisa por trás
disso; alguma coisa que, durante a longa viagem, ainda não estava a bordo. Precisamos
descobrir o que é. Caso se trate de alguma coisa que subiu a bordo aqui, essa coisa só
pode ter estado no planetóide.
— Não compreendo, sir. O senhor não notou nada.
— Só notamos os laurins quando quase era tarde. Porque são invisíveis. É possível
que aqui a situação seja semelhante. Se quiser falar comigo, estarei com Thomas, no
centro de controle de armamento. Se houver alguma modificação, avise. Marshall, venha
comigo. Bell ficará aqui:
Bell não fez nenhuma objeção. Deixou-se cair numa poltrona e esticou as pernas. De
repente teve a impressão de que eram de chumbo.
O Coronel Thomas, um homem alto e louro, que tinha a fama de ser arrojado, fez
uma continência impecável quando Rhodan e Marshall entraram na sala de comando. Era
neste lugar que se controlavam as armas energéticas e se orientavam os pesados canhões.
Uma grande tela mostrava parte da sala de comando, com Jefe Claudrin.
— Como se sente? — perguntou Rhodan, ignorando as dores martirizantes do lado
direito da cabeça. — Sente algum mal-estar ou qualquer incômodo de ordem física?
O imediato sacudiu a cabeça, perplexo.
— Por que iria sentir alguma coisa, sir?
Estou perfeitamente bem. Infelizmente, desculpe a observação, o bar só fornece
quantidades limitadas de bebidas alcoólicas. Quer dizer que não estou com ressaca, se é a
isso que está aludindo.
— Não; não estava aludindo a isso. De qualquer maneira agradeço pela informação.
— Rhodan apontou para a fileira de telas, que retratava perfeitamente os arredores da
nave. — Notou algo de suspeito na superfície de planetóide?
— Não senhor.
Rhodan mordeu o lábio inferior para ocultar a decepção, embora nem soubesse dizer
por que a resposta do oficial o decepcionara. Afinal, o que esperara ouvir?
— Se aparecer alguma coisa na superfície do planetóide, seja lá o que for, atire
imediatamente, coronel. Entendido? Não precisa consultar ninguém, pois neste momento
lhe dou ordem de abrir fogo. Entendido?
— Certo, senhor. Entendido — respondeu Reg Thomas, no linguajar tipicamente
militar.
Rhodan sorriu, mas logo voltou a ficar sério.
— Não quebre a cabeça, coronel. Não estou em condições de responder a qualquer
das perguntas que o senhor gostaria de formular. Só existem suposições. O fato é que,
enquanto voamos pelo abismo, todos estavam bem a bordo da Teodorico. Agora, que nos
encontramos no planetóide, um de cada cinco homens adoece de repente.
— Sir, quem sabe se na cozinha...
— Infelizmente não. Os médicos confirmam isso. Não há nenhum problema quanto
à alimentação. Além disso os sintomas não indicam a existência de uma afecção do
estômago. A causa da doença ainda é desconhecida, mas sabe-se que não tem nada a ver
com o aparelho digestivo.
— Nesse caso...
— Pois é! — disse Rhodan, enquanto lançava um olhar para os canhões, a fim de
certificar-se de que estavam preparados para abrir fogo e poderiam ser usados a qualquer
momento.
Perry sentia o perigo que os ameaçava, mas não sabia de onde e como era.
— O planetóide! Talvez devêssemos decolar imediatamente e desaparecer daqui,
mas um mistério sem solução sempre me deixa mais preocupado que qualquer perigo. O
Imortal mandou-nos para cá. Por quê? Deve ter havido um motivo para isso.
O Coronel Thomas ficou calado. Colocou-se numa atitude de expectativa à frente do
controle central dos canhões. Parecia ter esquecido dos oficiais que se mantinham em
ponto mais afastado.
— Alguns mutantes já adoeceram, sir — disse John Marshall, de repente. — Gucky
está melhor. É possível que já tenha superado a crise.
— Que crise? — perguntou Rhodan. — Uma crise desse tipo só pode existir numa
doença normal. Acontece que aqui não se trata de uma doença, mas de um ataque. Isso
mesmo, de um ataque! A esta hora já não tenho a menor dúvida.
— Um ataque? — repetiu Reg Thomas e estremeceu.
Marshall fitou Rhodan como quem não compreendia nada, o que provava que não
lera seus pensamentos.
— Quem é o inimigo?
— Bem que eu gostaria de saber, John — respondeu Rhodan, enquanto se dirigia à
saída. Quando chegou à porta, parou. — O senhor já sabe o que fazer. Seja quem for o
inimigo, ele já deu início à batalha, e isso nos dá o direito de usar nossas armas. Boa
sorte, Thomas.
Quando chegaram ao corredor, Marshall perguntou:
— Tem certeza do que está dizendo, chefe? Acredita que se trate de um ataque
desfechado por seres que se fixaram no planetóide? Nesse caso teríamos notado algum
sinal de sua presença. Acontece que não notamos. Além disso os cientistas constataram
que no planetóide não pode haver vida e que...
Marshall foi interrompido por uma campainha estridente. No mesmo instante a voz
de Claudrin encheu toda a nave.
— Onde está o chefe?
Rhodan saiu correndo, até encontrar o terminal de intercomunicador mais próximo
num cruzamento do corredor. Comprimiu o botão que estabelecia contato com a sala de
comando.
— O que houve, Claudrin? Por que está gritando tanto?
— Graças a Deus, sir! Venha imediatamente! Nas telas de rastreamento apareceu
alguma coisa.
— Alguma coisa? — repetiu Rhodan, com a voz tensa. — O que significa isso?
— Não consigo descrever; venha imediatamente. É horrível e irreal. Até parece que
estou sonhando. Têm o aspecto de fantasmas.
Rhodan preferiu não perder mais tempo com palavras. Correu para o elevador.
Marshall teve de esforçar-se para segui-lo.
Na sala de comando, os oficiais se comprimiam diante das telas, mas assim que
viram Rhodan abriram alas. Claudrin estava de pé. Seu rosto, geralmente forte e sadio,
parecia cinzento e esmaecido. Uma expressão de insegurança cintilava em seus olhos.
Rhodan aproximou-se das telas de rastreamento, que se distinguiam das telas óticas
normais pelo fato de que os objetos invisíveis eram tornados visíveis por meio de certos
efeitos especiais.
Não se via o planetóide. O espaço cósmico também estava escuro e, portanto,
invisível. Mas havia alguma coisa que se movia nas telas. Parecia dançar levemente,
flutuava no nada, subia e caía, afastava-se e aproximava-se. Era transparente como um
véu branco e assumia todas as formas possíveis. Mudava constantemente, flutuava,
dançava, ameaçava.
Ameaçava!
Rhodan fitou a tela do centro de armamentos. O imediato olhou-o com uma
expressão indagadora.
— Abra fogo, coronel. Siga as indicações do setor de rastreamento. Alguém está nos
atacando.
Como Thomas não visse os fantasmas, não havia por que recriminá-lo. O oficial do
setor de rastreamento transmitiu as primeiras informações ao centro de armamento.
Antes que os primeiros canhões arremessassem os raios energéticos ofuscantes para
cima do exército de fantasmas dançantes, trinta segundos se passaram.
Os raios apareciam nitidamente nas telas de imagem comuns. Um fenômeno
estranho apresentou-se ao observador: de repente os feixes energéticos brancos e
ofuscantes pareciam bater num muro que os engolia. Apenas uns poucos raios atingiam a
superfície do planetóide, e fundiam valas borbulhantes.
Nas telas de rastreamento, o quadro era bem diferente.
Via-se perfeitamente que os fantasmas dançantes não faziam o menor esforço para
escapar ao fogo energético disparado pela Teodorico. Pelo contrário. Pareciam procurar
os feixes de raios mais grossos e banhar-se nos mesmos. Sempre que um feixe de raios
encontrava uma das figuras bizarras, ele se apagava como se estivesse sendo engolido.
Ao lado de outros homens, Rhodan observava da sala de comando o espetáculo
inconcebível que se desenrolava diante de seus olhos. O que viam era completamente
impossível. Não podia haver nada que fosse capaz de resistir às tremendas concentrações
de energia disparadas pelos canhões. Muito menos poderia existir uma coisa que as
engolisse e absorvesse.
O Coronel Reg Thomas, que continuava na central de armamento, disse:
— Também os vejo. Mudam de cor e tornam-se visíveis. Santo Deus, não é possível
que resistam a este fogo sem sofrer nada...!
Agora eram figuras cor-de-rosa — esferas, cilindros, pentágonos e outras figuras
geométricas — que voavam em torno da nave, numa dança alegre. Quanto mais energia
absorviam, mais intensa se tornava a coloração. Algumas já eram vermelho-escuras.
Pareciam chamas que viviam.
— Suspender o fogo! — berrou Rhodan de repente.
Reg Thomas cumpriu a ordem imediatamente; até parecia que já a esperava. Os
raios energéticos apagaram-se de repente. Mas os fantasmas vermelho-amarelados
continuaram no mesmo lugar. Dançavam em torno da nave e aproximavam-se cada vez
mais. As telas de rastreamento também mostravam aqueles que não haviam “comido”
energia.
Um fluxo constante desses seres saía do planetóide.
— São seres energéticos — cochichou Van Moders, dominado pelo pavor. — É
uma forma de vida incompreensível, que se nutre de energia. Se abrirmos fogo contra
eles, apenas os fortaleceremos. Devemos decolar imediatamente, senão estamos perdidos.
Rhodan já compreendera que seres estranhos eram estes com que se defrontavam,
mas o perigo ainda não lhe parecia tão grande como parecia ao robólogo. Mas, de
repente, lembrou-se dos tripulantes que haviam adoecido.
Será que os seres energéticos já haviam penetrado na nave?
Aproximou-se de Jefe Claudrin.
— Decolar imediatamente!
Num movimento instantâneo, o comodoro pôs as mãos nos controles. Nas
profundezas da nave, os propulsores entraram em funcionamento. As energias eram
armazenadas, à espera do momento em que seriam liberadas. O chão da sala de comando
começou a vibrar. Claudrin fez avançar a alavanca do acelerador e...
Não aconteceu nada!
Rhodan olhou para a mão de Claudrin com uma expressão de incredulidade. A
Teodorico, a nave mais poderosa do Império Solar, que vencera a quinta parte do grande
abismo, estava sendo segura por um ridículo planetóide. Não era possível!
— Use toda a potência, Claudrin! Aceleração máxima!
Os propulsores voltaram a uivar, mas de repente o forte rugido transformou-se num
zumbido, que foi diminuindo até cessar de vez. Os fantasmas dançavam em torno da
nave; pareciam escarnecer dos terranos e chegavam cada vez mais perto, até desaparecer
em todos os pontos no casco da Teodorico.
Acabavam de partir para o ataque final.
A sala de máquina transmitiu a primeira notícia alarmante.
— Suprimento energético caindo. Em toda parte aparecem os véus vermelhos. Estão
investindo contra as máquinas e... contra nós.
Era a voz desesperada do Capitão Brazo Alkher, que já deixara o setor de
enfermagem e voltara às salas dos propulsores, onde todos os homens eram necessários.
Com as mãos ligeiramente trêmulas, Rhodan disse:
— Desligue os propulsores, Claudrin. Suspenda todos os suprimentos de energia.
Não adianta alimentar o inimigo.
Logo depois, voltando-se para o intercomunicador, perguntou:
— Como vão seus homens, Capitão Alkher? Ainda estão sendo atacados pelos véus
vermelhos?
— No momento não, sir. Os fantasmas desaparecem nos mecanismos.
— A energia dos reatores não lhes servirá de nada — conjeturou Rhodan. —
Providencie para que não haja nenhum fluxo de energia livre. Ligue as luzes de
emergência. A calefação deverá ser reduzida ao mínimo. Também a ventilação.
Entendido?
— Entendido, sir.
Claudrin já desligara os propulsores. Não se ouvia mais o menor ruído do interior da
nave. A superfície do planetóide estava cheia dos fantasmas, e, a cada instante, um
número maior dos seres energéticos transparentes e “subnutridos” juntava-se a eles.
Saíam da fresta aberta na crosta do pequeno mundo pelos tiros energéticos da nave.
Também em outros lugares os fantasmas invisíveis saíam do chão pedregoso, como
se a rocha não representasse nenhum obstáculo para eles.
O setor de enfermagem informou que o número dos doentes crescia rapidamente.
Alguns homens estavam tão fracos que nem conseguiam manter-se de pé.
Nesse momento Rhodan compreendeu que doença era esta.
— Os seres energéticos não se deleitam apenas com a energia mecânica; também
apreciam a orgânica. Estão nos sugando.
— Quer dizer...?
Van Moders fitou-o com uma expressão de pavor e seu rosto ficou pálido como
cera. Rhodan confirmou com um gesto.
— Isso mesmo. Se não conseguirmos escapar deles, estaremos irremediavelmente
perdidos. É o perigo mais infernal com o qual já nos defrontamos. E olhe que nem
sabemos se as intenções dessa forma de vida realmente são hostis.
— Pois eu acredito que sejam! — disse Bell.
— Na Terra você também aspira a cada instante milhares de bactérias, que são
destruídas pelas defesas de seu organismo, e não pensa em nada. É possível que esses
fantasmas também não pensem nada quando nos subtraem a energia.
— Nem por isso o perigo diminui.
— De forma alguma — admitiu Rhodan. — Mas pode ser que essa circunstância
possa servir de base à nossa defesa. Antes de mais nada, precisamos descobrir de onde
vieram. Será que residem no interior do planetóide? Embaixo da superfície? Por que
fariam isso, se o vácuo não os prejudica e na superfície poderiam absorver ao menos as
débeis emanações de energia da Via Láctea? Por que só subiram à superfície quando
notaram os impulsos de nossas máquinas e... nossa presença?
De repente o ar começou a tremeluzir na sala de comando e Gucky materializou-se.
Parecia cansado. Com alguns passos alcançou um sofá que ficava no canto, subiu no
mesmo e sentou-se.
— Perry, você faz muitas perguntas, e no momento nenhum humano pode respondê-
las. Precisamos fazer alguma coisa. Não tenho a menor vontade de deixar que essas feras
me suguem. Estão grudadas em mim, estão dentro de mim, estão em toda parte. São só os
invisíveis, pois os já saciados não perdem tempo conosco, porque possuímos pouca
energia. Contudo, os fantasmas famintos, que ainda não receberam nenhum tiro
energético e nem tiveram oportunidade de aproveitar os propulsores, caem sobre nós. Isso
aos bandos. Temos de sair daqui, Perry!
Foi um dos discursos mais longos que Gucky havia pronunciado. Sua voz parecia
desesperada.
Rhodan ouvira-o com uma expressão séria. E ainda estava sério quando perguntou:
— Qual é sua sugestão, Gucky?
Um estranho talvez achasse esquisito Rhodan, um dos homens mais poderosos do
Universo, pedir conselhos a um pequeno rato-castor. Um humano pedia auxílio a um ser
que tinha o aspecto de um animal. Mas os tempos miseráveis em que os seres eram
julgados pelo aspecto exterior já haviam passado há muito. Hoje, na era cósmica, valia o
caráter, a alma, a competência e a verdadeira simpatia, não a aparência.
Com a criação do Império Solar, foram eliminadas em primeiro lugar as barreiras
raciais que separavam os homens. O ser humano transformou-se no terrano. Com o
aparecimento de inteligências extraterrenas, o homem aceitou o fato de que um indivíduo
que tem o mesmo valor de outro não precisa ter forçosamente o mesmo aspecto. Com
isso aumentou a compreensão pelo animal, mesmo que este fosse inferior ao homem em
inteligência. O desprezo foi substituído pela compaixão e pelo desejo de ajudar. Em
certos casos, as coisas aconteceram em ordem inversa. O amor pelos animais surgira em
primeiro lugar, e a compreensão pelas raças extraterrenas foi apenas uma conseqüência
lógica do mesmo. Para os homens que nutriam o amor pelos animais, tornou-se mais fácil
acompanhar a rápida evolução e manter-se sincronizados com ela.
A amizade de igual para igual que reinava entre Rhodan e Gucky, entre o homem e
o rato-castor, que há um século e meio ainda era considerada impossível, passara a ser
uma coisa natural, isto é, ser interpretada como sinal de maturidade espiritual.
— Se me deparasse com um regato cujas águas estão envenenadas, eu o
acompanharia até descobrir a fonte do envenenamento. Estes fantasmas energéticos são
um fluxo que sai do planetóide. Para encontrar sua fonte e possivelmente estancá-la,
devemos penetrar no interior do planetóide. Desconfio de que teremos uma surpresa.
Rhodan acenou com a cabeça.
— Quer dizer que em sua opinião o planetóide é oco? Isso explicaria sua massa
reduzida.
— Ao menos existem enormes espaços ocos. Talvez sejam de origem natural, talvez
não.
Rhodan olhou atentamente para Gucky.
— Se sairmos da nave agora, estaremos assumindo um tremendo risco. Os
fantasmas...
— Sugiro que lhes demos o nome de luxides, porque seu brilho é tão bonito — disse
Bell.
— Está bem — concordou Rhodan, sem demonstrar muito entusiasmo. — Receio
que esses luxides se precipitem sobre nós como verdadeiros enxames, pois, além de
nossos organismos, também as instalações de nossos trajes espaciais contêm boa
quantidade de energia. Se nossos equipamentos falharem lá fora, estaremos liquidados e
nem sequer teremos possibilidade de voltar à nave.
Gucky abanou a cabeça.
— Já pensei nisso — disse em tom professoral. — Evidentemente só Ras e eu
iríamos, porque somos teleportadores. Se surgir um perigo, poderemos pôr-nos a salvo a
qualquer momento.
— O que acontecerá se os luxides lhes roubarem a energia de que vocês precisam
para dar o salto?
— Ora, não acredito que isso aconteça. Não serão capazes de seguir-nos na quinta
dimensão. Acho que devemos arriscar.
Rhodan colocou a mão sobre seu ombro.
— Sem mim não, pequeno. Irei com vocês. Cada um de nós levará duas armas
energéticas. Talvez consigamos distraí-los da mesma forma que se distrai um cão de
guarda ao qual se atira um osso.
— A idéia de levar armas energéticas não é nada má. Já a idéia de acompanhar-nos
não é tão boa. Acho...
— Irei com vocês! — disse Rhodan, em tom resoluto. — Cada teleportador é capaz
de transportar dois homens que não sejam teleportadores. Quer dizer que escolherei mais
três voluntários. Dessa forma iremos em seis. Doze olhos enxergam mais do que dois.
— Está bem, concordo — disse Gucky, cedendo às ponderações de Rhodan.
Levantou-se. — Quando iremos?
— Daqui a dez minutos — disse Rhodan e dirigiu-se a Bell, para transmitir-lhe
instruções.
5

Conheciam mal a noção do tempo. Avaliavam sua formação e seu desaparecimento


pela forma como se sentiam e pelo maior ou menor volume de suas reservas de energia.
Nos últimos milênios, suas reservas haviam diminuído ininterruptamente.
Vinham da nebulosa de Andrômeda.
Um dia apareceram os misteriosos seres de outra galáxia. Recorreram a grandes
dádivas de energia para conquistar sua confiança e depois os aprisionaram. Ficaram
indefesos diante deles.
Reencontraram-se numa gigantesca caverna escura. Nessa caverna havia energia,
mas não se destinava a eles; servia às gigantescas máquinas propulsoras que empurravam
a caverna pelo nada infinito. A energia era isolada, cerrada, inatingível. Os guardas os
vigiaram, até que surgiu um defeito que tornou possível manobrar a caverna. Os guardas
morreram, pois não conseguiram produzir mais ar e seus mantimentos se esgotaram.
Os seres de Andrômeda não dependiam de ar e alimentos, apenas de energia.
Assaltaram os depósitos e sugaram a energia, mas a quantidade armazenada era limitada.
Nem todos se saciaram.
Conseguiram descobrir um caminho que os conduziria ao exterior, mas isso não lhes
serviu para muita coisa. A caverna — ou seja, o pequeno planetóide — vagava, solitária e
abandonada, pela amplidão infinita do espaço intercósmico. As galáxias estavam tão
distantes que não podiam fornecer um volume suficiente de energia.
Andrômeda ia ficando cada vez menor, à medida que os séculos e os milênios
passavam. E os seres, que viviam da luz e agora procuravam subsistir na escuridão,
tornavam-se cada vez mais fracos. Não haveria salvação para eles, a não ser que
acontecesse um milagre.
Esse milagre poderia consistir num sol que por acaso cruzasse seu caminho...
Seria a salvação. Depois da refeição energética, o sol se apagaria, transformando-se
num astro extinto, e seguiria seu caminho pelo Universo. Mas os seres repletos de luz
ficariam a salvo por mais alguns milênios.
Porém não apareceu nenhum sol. O espaço era vazio e frio; não tinha luz, calor,
energia. Uma única vez a caverna envolta pelo planetóide atravessara um forte campo
energético, mas a energia proporcionada pelo mesmo não fora suficiente para modificar a
situação fatal.
Finalmente apareceram os desconhecidos em sua nave esférica.
Uma nave que trafegasse entre as galáxias devia possuir tremendas reservas de
energia. Se passasse em vôo normal, seria rápida demais. Mas se por algum acaso a
mesma pousasse no planetóide solitário...
E foi isso que aconteceu!
Os seres repletos de luz agiram com muita cautela, pois não deveriam revelar sua
presença. Um pequeno grupo de reconhecimento fez o primeiro avanço para examinar a
nave e os estranhos seres que se encontravam na mesma. Tanto ela como eles possuíam
energia.
De repente parecia que a nave pretendia decolar. E os seres de luz atacaram...
De início, a reação dos desconhecidos fora amistosa. Forneceram grandes massas de
energia vital, mas de repente a torrente maravilhosa foi estancada. Os desconhecidos
encapsularam sua energia, recusando-se a fornecê-la. Foi um ato pouco amistoso.
Era possível que os desconhecidos nem estivessem dispostos a ajudar os seres de
luz...
O ataque aos desconhecidos teve início.
Sua energia individual era muito escassa. Quase morriam quando se retirava
pequena parcela da mesma. Não poderia haver vítimas mais fáceis...
De repente aconteceu uma coisa muito estranha.
De repente um campo energético superdimensional, que não servia para nada, surgiu
no interior do planetóide, onde muitos milhares de seres de luz esperavam que chegasse
sua hora. Quando o abalo do espaço cessou, os seres de luz já não estavam sós com seus
mortos e com os guardas que também haviam morrido.
Seis dos desconhecidos vindos da nave se haviam materializado em seu meio.
Os seres de luz precipitaram-se sobre eles. Eram invisíveis e sentiam-se ávidos de
vida e energia. Mas sofreram uma decepção. Os desconhecidos usavam envoltórios
impenetráveis. Estavam cercados por campos energéticos e pareciam estar na quarta
dimensão. Era uma energia inaproveitável.
Os seres de luz ficaram indefesos diante dos desconhecidos que penetraram em seu
reino sem perceber sua presença.
***
O salto fora bem calculado por Gucky e Ras Tschubai.
Partiram do pressuposto de que a estrutura superficial do planetóide não era superior
a cinco metros. Cada um dos teleportadores segurara a mão de dois homens, a fim de
estabelecer o contato físico que se tornava necessário para executar o salto.
Rhodan e Van Moders saltaram com Gucky, enquanto André Noir, o hipno, e o
Capitão Mahaut Sikhra foram em companhia do teleportador africano Ras. Bell ficara
para trás e acompanhava a ação, na medida do possível, a partir da sala de comando da
Teodorico. Mantinha-se ininterruptamente em contato pelo rádio com Rhodan e seus
companheiros.
Os seis membros da expedição usavam roupas espaciais normais, e por sobre essas,
os trajes de combate arcônidas. Um dispositivo especial transformava o campo defensivo
energético num anteparo de quarta dimensão.
Quando sentiu a desmaterialização, Rhodan se viu envolto na escuridão. Não sentiu
nenhum apoio sob os pés e começou a cair lentamente com os outros.
Imediatamente ligou o farol infravermelho e viu a rocha nua a apenas dez metros
abaixo de seus pés. Moveu outro controle e ligou o aparelho de rastreamento. Conseguiu
ver os luxides, que eram invisíveis. Estes ficaram privados da vantagem da invisibilidade.
— Aqui está cheio deles! — exclamou Van Moders, assustado. — Devem ser
muitos milhares.
— Até parecem morcegos, só que são mais assustadores — comentou Gucky.
Pousaram suavemente no solo e viram os luxides atacar.
— Nossos campos defensivos estão agüentando — disse Van Moders, satisfeito. —
Quer dizer que estes seres são exclusivamente tridimensionais. Será que realmente são
seres vivos?
— De certa forma são — disse Rhodan, em tom sério. — Já sabemos que a vida
pode assumir múltiplas formas. Aliás, não estamos pisando em rocha. O chão é mole,
como se fosse de poeira.
Sem dar maior atenção aos fantasmas que esvoaçavam em torno deles, abaixaram-se
para examinar o solo. Realmente o chão estava coberto por uma camada grossa de poeira
esbranquiçada. Os contadores Geiger revelaram que emitia radiações pouco intensas.
— O que será isso?
Van Moders, que iluminava o canto mais afastado da caverna, apontou para um
grupo de luxides que se mantinha em atitude passiva. As estranhas criaturas estavam de
pé ou agachadas, enquanto outras estavam deitadas no chão e realizavam estranhas
contorções.
— Talvez a resposta esteja aí — disse o robólogo, apontando para o grupo. — Estão
morrendo porque ficaram sem energia. Nossa presença deu-lhes nova esperança, mas a
decepção os está matando. A poeira branca é de seus cadáveres.
— Será que seus cadáveres são de matéria? — perguntou Rhodan, em tom de
dúvida. — Enquanto vivem são feitos de energia, e passam a ser de matéria quando se
transformam em cadáveres? Não acha que isso é bastante improvável?
— Não acredito que sejam feitos de energia, sir. Precisam de energia em sua forma
pura, para viver. Quanto a isso não há dúvida. Acredito que sejam semi-orgânicos. É uma
forma de vida desconhecida vinda da nebulosa de Andrômeda. Ao morrerem, sofrem uma
metamorfose. É apenas isso.
— Para mim basta — piou Gucky e deu a língua para os luxides que atacavam em
vão. — Se todos usassem trajes de combate, o problema estaria resolvido. Não haveria
mais dores de cabeça, nada de joelhos moles; deixaríamos de alimentar esses vaga-lumes.
Não nos poderiam fazer mais nada. Sim, eu sei — admitiu quando Rhodan quis dizer
alguma coisa. — Não temos trajes de combate para todos. Além disso não poderiam
salvar o sistema de propulsão da Teodorico.
Quando Gucky proferiu a última frase, Van Moders aguçou o ouvido e logo
mergulhou em profundas reflexões. Acompanhava os outros com movimentos
automáticos, mas não participava mais da conversa. Parecia ter dado com um problema
muito importante.
Examinaram a gigantesca caverna e chegaram à conclusão de que todo o planetóide
era formado por cavernas dessa espécie, ligadas entre si. Era uma conclusão acertada,
conforme veriam mais tarde. Mas a maior surpresa ainda estava por vir...
Quem a proporcionou foi Gucky. Mais tarde Bell diria que só poderia ter sido assim,
já que o rato-castor era o maior curioso entre os membros da expedição.
Excepcionalmente Gucky recebeu esta observação como um elogio.
Ao que parecia, os luxides não representavam um perigo imediato para os membros
do grupo, e por isso o grupo resolveu separar-se. Ras levou o hipno Noir e o Capitão
Sikhra para examinar as cavernas superiores. Gucky, Rhodan e Van Moders penetraram
nas profundezas do planetóide.
Saltaram e materializaram-se no interior de um enorme espaço oco, situado trinta
quilômetros abaixo da superfície, onde não havia nenhuma gravitação, por menor que
fosse. O chão era de rocha nua. Não havia nenhum sinal de luxides mortos. E também
não se notava a presença de luxides vivos. Talvez o espaço oco se tivesse formado por
acaso, mas o chão de rocha muito liso parecia indicar o contrário. Aparentava ser
artificial; tinha-se a impressão de que a rocha fora derretida.
Ligaram os faróis.
A luz intensa foi refletida por uma parede inteiriça. Não apareceu nenhum luxide
para deleitar-se com a energia liberada de repente. Nestas profundezas tudo parecia morto
e abandonado.
— Lá adiante a parede está interrompida — constatou Gucky e fez seu farol girar.
— Parece uma espécie de porta. Vamos dar uma olhada?
Rhodan e Van Moders ainda não haviam soltado sua mão, a fim de não retardar a
retirada, caso esta se tornasse necessária. Como não houvesse perigo imediato, soltaram-
se.
— É claro que vamos dar uma olhada — decidiu Rhodan. — Precisamos conhecer
tudo sobre este planetóide. Não consigo livrar-me da impressão de que demos com uma
coisa muito importante... um mistério que interessa à Via Láctea.
Gucky só esperara que Rhodan proferisse algumas palavras que lhe servissem de
estímulo. Caminhou lentamente, como se levitasse, em direção à parede. Quase perdeu o
apoio dos pés, girando duas vezes sobre o próprio eixo, que nem um pião, antes que
tivesse tempo de regular o campo gravitacional de seu traje.
— É um verdadeiro balé — cochichou Van Moders, encantado, enquanto seguia
juntamente com Rhodan o rato-castor que ia à frente. — É pena que Bell não viu isto.
— O que é que eu deveria ter visto? — perguntou o gorducho, que acompanhara a
palestra pelo intercomunicador. — Alguém está dançando?
— Gucky está — respondeu Van Moders. — Depois contarei.
O rato-castor não prestou atenção ao diálogo. Passando pela ampla porta, entrou na
sala contígua. Os homens que o seguiam ouviram-no soltar um pio espantado. Depois
disso passou a falar em tom exaltado.
Apressaram-se ainda mais.
— Descobriu alguma coisa? — perguntou Rhodan, mas não obteve resposta.
Finalmente também entraram na sala. Pararam, perplexos. O quadro que surgiu
diante de seus olhos realmente era espantoso, ainda mais que haviam acreditado que
sobre o planetóide, ou em seu interior, nunca existira vida inteligente.
Encontravam-se numa gigantesca sala de máquinas.
A luz dos faróis bastou para mergulhar a sala numa intensa luminosidade, fazendo
com que todos os detalhes saíssem da eterna escuridão. Grandes fileiras de enormes
geradores descansavam em meio a conjuntos desconhecidos. Eram blocos de metal
esféricos, condutos prateados e isoladores que reluziam num vermelho-profundo. Ainda
havia telas apagadas e painéis de controle.
O conjunto apresentava o caráter inconfundível de um sistema de propulsão. E,
como o mesmo estivesse instalado no interior de um planetóide, só havia uma conclusão
a ser extraída. Rhodan enunciou-a:
— É mais ou menos a mesma coisa que os pos-bis fizeram. Ao menos, alcançaram o
mesmo efeito. O planetóide foi arrancado à força do grupo de sua galáxia e enviado para
uma viagem muito longa. É oco. Logo, serviu de abrigo aos luxides, talvez de meio de
locomoção. Não consigo imaginar como os seres de luz puderam conceber e construir
uma instalação deste tipo.
Gucky continuou a avançar entre a confusão de máquinas e blocos. Ouvira a
observação de Rhodan pelo intercomunicador e, como concordasse integralmente com a
mesma, não fez nenhum comentário. Escutou Van Moders dizer que também não
acreditava que os luxides tivessem capacidade técnica para isso. Além disso não
conseguia imaginar como os seres imateriais puderam realizar um trabalho material.
O rato-castor chegou ao fim do corredor estreito e finalmente viu aquilo que
procurara inconscientemente.
Seu grito de surpresa chegou aos ouvidos dos dois homens.
Rhodan assustou-se.
— O que houve, Gucky? Está ouvindo? Aconteceu alguma coisa?
Ansiosos, os dois homens esperaram a resposta, que não demorou.
— Aconteceu muita coisa!
A voz de Gucky parecia estridente e desfigurada, mas talvez fosse o
intercomunicador. Aliás, era de espantar que as paredes e os tetos não funcionassem
como obstáculos, permitindo que a comunicação com a Teodorico fosse mantida.
— Venham cá! — pediu o rato-castor.
Rhodan sentiu-se aliviado. Se Gucky falava desse jeito, não havia perigo. Apenas
descobrira alguma coisa que queria mostrar-lhe. Não tiveram nenhuma dificuldade em
prosseguir pelo corredor no qual o rato-castor acabara de desaparecer. Logo o avistaram.
Quando se aproximaram e acompanharam a direção de seu olhar, viram o que havia
descoberto.
Estavam num pavilhão amplo de teto baixo, separado da sala de máquinas apenas
por uma porta quadrangular. Em virtude da falta de atmosfera, tudo se conservara da
forma como era há séculos, milênios, ou talvez há mais tempo ainda...
Inclusive os laurins!
Estavam mortos; haviam morrido há tempos imemoriais. Deitados uns sobre outros,
encontravam-se na posição em que a morte os surpreendera. À primeira vista pareciam
ter alguma semelhança com os humanos, mas ao segundo lance de vista percebia-se a
diferença enorme que havia entre eles e as formas de vida humanóide.
Tinham o aspecto de estacas de quase dois metros de comprimento. Na extremidade
superior de seus corpos finos havia um pescoço comprido que terminava numa cabeça
que não era maior que um punho fechado. Os membros dos laurins pareciam cobras.
Eram dois braços, três pernas e três olhos na cabeça. Já não havia a menor dúvida de que
o planetóide fora transformado numa gigantesca espaçonave pelos laurins, que com ele
pretendiam vencer o grande abismo.
As conclusões resultantes da descoberta eram apavorantes.
— Conseguiram! — disse Rhodan, enquanto permanecia imóvel, contemplando a
gigantesca sepultura do inimigo comum. — Conseguiram vencer o abismo, e é possível
que isso tenha acontecido há muitos milênios. Os cientistas determinarão há quanto
tempo os cadáveres estão aqui. Assim espero. Mas não compreendo por que foram à
nebulosa de Andrômeda, apenas para, com o emprego de recursos tremendos, roubar um
planetóide e levá-lo à Via Láctea. Será que não havia um meio mais barato de fazer isso?
Van Moders abanou a cabeça.
— Sem a tripulação de luxides não — disse.
— O que quer dizer com isso? — perguntou Rhodan.
O robólogo estreitou os olhos e explicou:
— Os laurins são muito inteligentes para fazer qualquer coisa sem motivo. Fariam
tudo para destruir os robôs. O senhor poderia imaginar um meio melhor de conseguir isso
que os luxides? Afinal, são seres que vivem de energia e dela se apoderam sem
escrúpulos, sempre que farejam sua existência. Os laurins compreenderam isso.
“Não sei de onde vieram os luxides, mas tenho certeza de que não existem em nossa
Galáxia. Por isso os laurins os foram buscar na nebulosa de Andrômeda. Talvez
soubessem de sua existência pelos relatórios de velhas expedições e por eles se guiassem.
Para nós, sempre será um segredo como conseguiram capturar os seres de luz e obrigá-los
a permanecer no interior do planetóide oco, mas o fato é que conseguiram. Quando já
estavam a caminho, os propulsores falharam, os mantimentos esgotaram-se e o sistema de
renovação de ar deixou de funcionar. Os laurins morreram.
“Mas os luxides sobreviveram. Retiraram toda a energia existente nos propulsores,
mas a mesma não foi suficiente. Esfomeados e quase mortos, os luxides vagavam pelo
espaço, em direção à nossa Via Láctea, até que nós chegamos. É só, mas apenas no que
diz respeito a este planetóide.”
Rhodan retribuiu o olhar sério de Van Moders.
— Quer dizer que, em sua opinião, talvez haja outros planetóides como este a
caminho da Via Láctea?
O técnico acenou com a cabeça.
— Não tenho a menor dúvida quanto a isso. Uma frota de planetóides preparados
pelos laurins, cheios de seres que têm fome de energia e só esperam o momento de
precipitar-se sobre os sóis dos mundos habitados ou sobre as naves planetárias. E esses
seres representam o perigo mais terrível que já existiu. Por certo os laurins pretendiam
dirigir esses planetóides de tal forma que fossem parar nos mundos dos pos-bis. Para os
robôs, isso representaria uma catástrofe total. E o mais interessante, Mr. Rhodan, é que
posteriormente os laurins poderiam recolher calmamente os pos-bis, sem enfrentar o
menor risco. Só o plasma hostil seria destruído, mas não os robôs. Seria uma batalha
fulminante não acompanhada de qualquer destruição. Uma idéia quase genial.
Bell chamou da Teodorico.
— O plano não tem nada de genial, Van Moders; é diabólico. Caso sua teoria seja
correta...
— Ela é correta. Não tenha a menor dúvida, Mr. Bell.
— Pois bem. Caso seja correta, então a Via Láctea está em perigo. Não sabemos
quantos desses planetóides estão a caminho de nossa Galáxia, e em quantos deles os
propulsores ainda estão funcionando. Precisamos interceptá-los.
Gucky passara pela longa fileira de laurins mortos e estava voltando ao ponto de
partida de sua excursão. Ouvira os receios de Bell.
— Não devemos subestimar o perigo — concordou. — Os laurins estão mortos, mas
o que acontecerá com os luxides, que estão segurando nossa nave? Como poderemos
escapar deles? Qual é sua sugestão, Van Moders? O senhor costuma ser tão inteligente.
— Já andei pensando sobre isso, Gucky. Talvez tenha uma saída, mas antes de mais
nada preciso falar com o Dr. Keller e o Major Narco, que conhecem o “kalup” melhor
que eu.
— O campo de absorção? — perguntou Rhodan, espantado. — O que é que isso tem
que ver com os luxides?
Van Moders sorriu.
— Prefiro ainda não falar sobre isso, mas acredito que encontremos um meio de
escapar dos luxides. E estes ainda sairão machucados. Machucados...? Pois bem...
Não disse mais que isso.
Tentaram contar os cadáveres, mas logo desistiram. Mais de mil laurins deviam ter
morrido ali.
Ras, Noir e Sikhra nada descobriram. Enquanto se deslocavam, os seres brancos
feitos de luz esvoaçavam constantemente em torno deles, atacando-os sem qualquer
resultado. Não encontraram máquinas, nem laurins mortos. Apesar disso sentiram-se
aliviados quando Rhodan, Van Moders e Gucky apareceram. Naturalmente tinham
acompanhado a conversa e por isso estavam informados sobre tudo. Ainda estavam
assustados até a medula dos ossos.
Um salto conjunto levou todos de volta à Teodorico.
***
O Comodoro Claudrin permaneceu em sua poltrona especial. Sua voz retumbava:
— Um planetóide transformado em espaçonave? É fantástico! Afinal, não devemos
esquecer que o planetóide tem cerca de oitocentos e cinqüenta quilômetros de diâmetro.
Precisa-se de uma boa quantidade de energia para movimentá-lo... até mesmo pelo
hiperespaço.
Rhodan fez um gesto afirmativo.
— De qualquer maneira, acho que não existe nenhuma dúvida quanto à finalidade
desse esforço. Os laurins pretendiam levar o planetóide cheio de seres energéticos para
perto dos planetas dos pos-bis, onde os luxides se precipitariam com uma incrível
gulodice sobre tudo que tivesse um pouquinho de energia. Os cérebros de plasma seriam
destruídos em primeiro lugar. É verdade que não poderíamos fazer nada para evitar que
isso acontecesse, e pouco nos importa o que os laurins façam com os pos-bis. Mas
também poderemos ser atingidos pelo perigo. Certos planetóides, que errassem a rota ou
cujos propulsores falhassem, poderiam ser tangidos para a Via Láctea. Imaginem o que
aconteceria se um planetóide desse tipo entrasse no campo de gravitação de algum sol!
Será que teríamos um meio de defender-nos contra um ataque dos luxides?
— Com isso chegamos ao que importa — disse Van Moders. Via-se que já estava
esperando há muito tempo por essa oportunidade. — Afinal, estamos em apuros, e por
isso temos todo motivo para refletir sobre um meio de combater os luxides. Antes do
início desta conferência estive na sala de máquinas, onde falei com Keller e o Major
Narco. Conversamos demoradamente sobre as características do conversor kalupiano.
Nessa oportunidade dei com um fato interessante. Um fato que aliás é tão comum que
dificilmente teria despertado nossa atenção.
Fez uma pausa cheia de tensão e lançou um olhar de triunfo para os homens que
ouviam sua exposição. Rhodan sorriu, mas não lhe fez o favor de formular qualquer
pergunta. Bell ficou com a boca semi-aberta, o que provocou um sorriso alegre no rato-
castor. Contudo não havia nenhum motivo para ficar alegre. A situação da Teodorico era
muito grave.
Van Moders prosseguiu em tom indiferente:
— Pois bem. Trata-se de um fato corriqueiro, mas que se torna interessante.
Naturalmente isso só acontece na situação em que nos encontramos. Todos sabemos que
o conversor kalupiano cria um campo de absorção, isso quando consome energia para
criar hiperimpulsos. Esses impulsos saem do Universo einsteiniano e desaparecem para
sempre no hiperespaço, ou seja, na quinta dimensão. Qual é a conseqüência que resulta
disso? Pois não, Mr. Bell.
Bell acabara de fechar a boca, gesto que Van Moders provavelmente interpretara
como uma pergunta. Mas Bell não perguntou nada. Parecia ter compreendido o que o
robólogo estava insinuando. Rhodan também acenou com a cabeça, em sinal de que
estava compreendendo. Só Claudrin fez uma observação.
— Tomara que dê certo. O senhor quer tentar essa experiência? O senhor pode
garantir que o propulsor não será prejudicado e...?
— Infelizmente Mr. Van Moders não pode garantir nada — disse Rhodan, vindo em
auxílio do robólogo. — Como poderia, comodoro? Será que isso faz alguma diferença?
Olhe para as telas. Estamos sendo atacados ininterruptamente pelos luxides. Felizmente
concentram seus ataques sobre os propulsores e as reservas energéticas ainda existentes,
enquanto os homens só são atacados esporadicamente. Assim mesmo já é muito. Metade
dos homens já está de cama, nas enfermarias ou nos alojamentos. Se não fizermos nada,
estaremos irremediavelmente perdidos. Nestas condições não importa que alguém nos dê
garantias ou não. Temos de experimentar, para descobrir se a teoria de Van Moders é
correta ou não.
Claudrin lançou um olhar indagador para o robólogo.
— Parto do pressuposto de que os luxides são seres tridimensionais, como nós —
disse este a título de explicação. — Nutrem-se de energia pura, e portanto só podem ser
formados pela mesma. Se conseguirmos atraí-los por meio de raio de tração para os pólos
dos conversores, eles se transformarão forçosamente em hiperimpulsos e desaparecerão
no hiperespaço. Dessa forma ficaremos livres deles.
— É tão simples! — exclamou Bell. Via-se que estava triste por não lhe ter ocorrido
a mesma idéia. — É mais simples do que derrubá-los.
— Exatamente — confirmou Van Moders. — Ocorreu-me essa idéia quando nos
encontrávamos no interior do planetóide. Tomara que dê certo.
— Isso nos custará uma boa quantidade de energia — resmungou Claudrin.
— Ainda temos bastante — disse Rhodan para tranqüilizá-lo. — De qualquer
maneira precisamos descobrir se existe alguma arma contra os luxides. Sem dúvida
outros planetóides estão a caminho com eles, e se os propulsores estiverem funcionando,
poderão chegar à Via Láctea hoje, amanhã ou daqui a cem anos. É possível que alguns já
tenham chegado, sem que o descobríssemos. Uma coisa é certa. O Imortal teve um
motivo para comunicar-nos a posição do planetóide. Por isso devemos ficar-lhe gratos, se
é que ainda conseguiremos sair daqui.
— Pelo que sei, ele é capaz de ficar doente de tanto rir se ficarmos presos. —
Conjeturou Gucky e apressou-se a acrescentar: — Mas aposto que, se necessário, ele nos
ajudará.
— Talvez — disse Rhodan e levantou-se. — Van Moders, acho que ninguém tem
qualquer objeção contra sua proposta. Vamos dar início à experiência?
— Falei com o Major Narco. Diz que só devemos começar daqui a três horas, no
mínimo. Antes disso devemos tentar atrair para a superfície todos os luxides escondidos
no interior do planeta. Sugiro que deixemos isso por conta dos canhões energéticos. Não
há nada que os luxides apreciem tanto como um bombardeio eficiente.
— Terei muito prazer em alimentar esses bichos — piou Gucky entusiasmado,
batendo na coronha de sua arma energética.
— Os seres de luz que ainda se encontram no interior da nave também deverão ser
atraídos para fora — sugeriu Rhodan. — Talvez o consigamos, se dispararmos algumas
salvas com os canhões.
Era uma aventura que quase parecia um jogo. Na verdade, os luxides representavam
um perigo mortal. Só no abismo vazio, onde não havia sóis nem estrelas, eram
relativamente inofensivos. Mas se um planetóide como este surgisse em plena Via
Láctea, onde talvez pudesse romper-se em virtude de uma explosão planejada, os seres
energéticos se precipitariam sobre os sóis e planetas mais próximos, roubando-lhes as
reservas energéticas vitais.
Rhodan sabia que as coisas não poderiam jamais chegar a este ponto.
6

Os disparos energéticos não foram feitos em vão.


Além de atrair os luxides para fora de seus esconderijos, abriram a crosta do planeta
em muitos pontos, criando novas saídas. Os seres medonhos saíram do planetóide, alguns
invisíveis, alguns com uma coloração rosada, e agitavam-se em densas nuvens em torno
da nave. Executavam uma dança pavorosa. Só os disparos energéticos ocasionais
evitavam que penetrassem na Teodorico.
De repente os raios fulgurantes cessaram.
A dança fantasmagórica parou.
Rhodan, Van Moders, Bell e Claudrin observavam as reações dos luxides nas telas.
Dali a alguns segundos veriam se ao menos a primeira parte de seu plano se realizaria.
Hesitantes, alguns luxides saíram das nuvens e cambalearam em direção à
Teodorico.
Rhodan fez um sinal para Van Moders.
O robólogo viu na tela do intercomunicador o rosto tenso do Major Narco, que se
encontrava na sala dos propulsores, onde aguardava ordem para dar início à ação.
— Já!
Segundos depois, o raio de tração passou cintilante pela superfície do planetóide.
Não era tão impressionante quanto as descargas dos canhões energéticos, mas era muito
mais eficiente.
Os luxides farejaram a nova fonte de energia e precipitaram-se sobre a mesma como
uma matilha de lobos famintos. Aproximavam-se aos bandos. O forte raio de tração
agarrou-os e não os soltou mais. Um caos turbilhonante de luxides indefesos afluiu à
nave.
Van Moders voltou a fazer um sinal para Narco.
— Ligar os conversores!
No primeiro instante não se viu nenhuma modificação do lado de fora da nave. Um
número cada vez maior de luxides foi atingido pelo raio de tração, que os arrastou para a
sala de máquinas da Teodorico, onde foram parar em massa sobre os pólos dos
conversores. Comprimiram-se, ocupando pouco lugar. Pareciam um tapete denso de
gases comprimidos.
Rhodan, que não tirava os olhos das telas, disse:
— Quase todos já desapareceram. Só uns poucos ainda estão saindo do planetóide,
para precipitar-se imediatamente sobre o raio de tração. Acho que já pode continuar; não
haverá perigo de os outros desconfiarem, se é que são capazes disso.
— Hiperimpulsos! — disse Van Moders, dirigindo-se a Narco.
Os conversores foram regulados para a potência máxima.
Os homens que observavam o espetáculo na sala de comando não viram exatamente
o que estava acontecendo. Mas a luminosidade que surgiu nos propulsores instalados na
protuberância equatorial da Teodorico mostrou que os hiperimpulsos estavam saindo da
nave. Porém uma pessoa que se encontrasse no planetóide teria oportunidade de
presenciar um estranho fenômeno.
A Teodorico entrou em incandescência na zona equatorial. Nos lugares em que
estavam instalados os propulsores, bilhões e bilhões de partículas luminosas saíam do
envoltório da nave e precipitavam-se para o espaço vazio, onde se desfaziam. Estavam
desaparecendo no hiperespaço. Absorvidos pelo conversor sob a forma de energia e
transformados em impulsos, os luxides já não poderiam existir da maneira como aquela
que estavam acostumados. Escorregaram para a quinta dimensão e permaneceram na
mesma.
Dali a dez minutos os fenômenos luminosos tornaram-se menos intensos. Foi o que
Gucky constatou num salto ligeiro para a superfície do planetóide. O número dos luxides
arrastados pelo raio de tração e destruídos aumentava cada vez mais. Finalmente não
apareceu mais nenhum desses seres. O anel luminoso apagou-se.
Van Moders mandou desligar o conversor.
O zumbido vindo do interior da nave cessou e as vibrações deixaram de ser sentidas.
Rhodan suspirou, aliviado, e apertou a mão de Van Moders.
— O senhor conseguiu — disse. — Todos devemos ficar-lhe gratos. O senhor
acredita que a arma de que dispomos também servirá para rechaçar um ataque dos luxides
contra a Terra?
— Sem dúvida — respondeu Van Moders, retribuindo o aperto de mão de Rhodan.
— Poderemos construir superconversores com raios de tração e pólos superpotentes.
Uma vez instalados nos mundos que estejam em perigo, os mesmos destruirão qualquer
luxide que se atrever a chegar perto. A esta altura não acredito mais que eles representem
um perigo grave, desde que sua chegada seja percebida em tempo.
— Isso é o pressuposto da vitória sobre qualquer inimigo — disse Rhodan com um
sorriso, mas seu rosto logo voltou a ficar sério. — Comodoro — disse, dirigindo-se a
Claudrin — que tal uma decolagem experimental? Quero regressar o mais rápido possível
à Via Láctea. Quem sabe quantos desses diabólicos corpos ocos já estão a caminho de
nossa Galáxia?
Gucky empertigou-se.
— Gostaria de olhar mais uma vez o planetóide com toda calma — disse.
— Não será desta vez — respondeu Rhodan. — Já sabemos o que há atrás disso, e
provavelmente era essa informação que o Imortal queria que chegasse a nós, quando nos
forneceu a posição do planetóide. Não cumprimos a nossa tarefa primitiva porque não
encontramos Bárcon. Queríamos saber o que havia com o plasma pensante. Em vez disso
descobrimos o meio de que os laurins dispõem para destruir esse plasma. Dessa forma
também desmascaramos a arma principal dos invisíveis e podemos preparar-nos para o
ataque dos mesmos. Além disso já compreendo por que no momento os laurins mantêm
atitude passiva. Querem que os luxides se encarreguem de desfechar o ataque contra nós.
Na verdade, tenho pena das criaturas de que estão abusando.
— Criaturas? — repetiu Claudrin, em tom de desprezo.
— Isso mesmo! — disse Rhodan, enfático. — São criaturas e seres inteligentes,
mesmo que não os compreendamos. Têm direito de existir, pois, do contrário, nunca
teriam surgido no Universo. Suas intenções podem parecer hostis, mas na verdade não
são. Os laurins aproveitaram em prol de seus objetivos duvidosos a propriedade de
armazenar toda e qualquer forma de energia que esses seres possuem. Os luxides são
inocentes. Só os destruirei por não haver outra saída.
Claudrin manteve-se calado. Ficou embaraçado e passou a observar as telas vazias.
— Viu? — chilreou Gucky e foi ao sofá.
— Nem todos pensam como você.
— Decolaremos dentro de meia hora — ordenou Rhodan e fez um sinal para Gucky.
— Antes disso, você e eu daremos um pequeno passeio. Iremos ao planetóide.
Dali a alguns segundos os dois desapareceram.
***
Os propulsores emitiram um zumbido. O Comodoro Claudrin regulou-os para a
aceleração mínima. A Teodorico desprendeu-se lentamente do planetóide e foi saindo
para o espaço, tomando a direção da Via Láctea muito distante.
As enfermarias foram ficando vazias durante a primeira etapa do vôo. Os homens
recuperaram-se rapidamente e puderam voltar aos seus postos. A subtração de energia
realizada pelos luxides não produziu seqüelas prejudiciais à saúde.
O vôo de regresso foi tão normal quanto o avanço no abismo. Os propulsores
funcionaram perfeitamente e recuperavam-se durante as pausas regulares, nas quais
Teodorico desenvolvia apenas a velocidade da luz. Andrômeda já se tornara menor.
Só no quinto dia de viagem o Major Narco convocou uma conferência dos
especialistas. Rhodan também esteve presente. Van Moders permaneceu imóvel a seu
lado. Parecia preocupado.
Quem tomou a palavra foi o Dr. Bernd Keller, um austríaco magro e moreno.
— Minha tarefa consistiu em registrar e estudar eventuais avarias que surgissem
durante a expedição. Queríamos verificar se os sistema de propulsão linear é capaz de
realizar vôos prolongados sem que surjam manifestações de fadiga do material. Caso
nada acontecesse, poderíamos contar com a possibilidade de que um dia uma nave terrana
vencesse a distância que nos separa da nebulosa de Andrômeda. Infelizmente devo
comunicar-lhes que a solicitação extraordinária a que submetemos a Teodorico produziu
perigosas conseqüências.
Rhodan lançou um olhar indagador para Van Moders. O robólogo respondeu com
um aceno quase imperceptível da cabeça. Estava informado.
— Não há motivo para preocupações — prosseguiu Keller, levantando a mão num
gesto tranqüilizador. — Apesar disso achei conveniente não informar os tripulantes sobre
o que constatamos. Realmente surgiram fenômenos de fadiga do material, em virtude dos
quais se torna imprescindível uma revisão geral, e imediata, do sistema de propulsão.
Este serviço não pode ser executado durante o vôo, pois exige as instalações do estaleiro.
Se quiséssemos prosseguir na direção de Andrômeda, essa revisão tornar-se-ia ainda mais
premente. Todos somos de opinião que a Teodorico poderá prosseguir viagem, sem sofrer
avarias, pelo menos até a Via Láctea. Mas desde já devo informá-los, com segurança
absoluta, e que nestas condições técnicas o vôo para Andrômeda terminaria
irremediavelmente numa catástrofe.
Rhodan fitou-o por alguns segundos e acenou com a cabeça.
— Obrigado por suas palavras francas, doutor Keller. Quer dizer que em sua opinião
devemos prosseguir viagem sem intercalar uma pausa mais prolongada?
— Acho que assim praticamente não envolverá nenhum perigo. O perigo de
catástrofe só se tornaria iminente depois de um vôo de um milhão de anos-luz. É claro
que pode ocorrer imediatamente, mas isso é pouco provável. Até pode verificar-se por
ocasião da decolagem na Terra.
O rosto de Rhodan não revelou a decepção que devia sentir naquele momento.
— Transmitirei as instruções necessárias ao Comodoro Claudrin — disse com a
maior tranqüilidade. — Ainda quero pedir-lhe que registre por escrito o resultado de suas
observações, em todos os detalhes, e me forneça uma cópia. Em outra oportunidade ainda
teremos de voltar ao assunto.
Dali a pouco, a Teodorico iniciou a etapa seguinte de seu vôo. Os propulsores
continuavam a funcionar tão impecavelmente como antes. Entre as pessoas que se
encontravam a bordo, poucas sabiam que o material estivera submetido a uma solicitação
extraordinária. Se houvesse alguma falha, mesmo parcial, o reparo das avarias poderia
demorar vários dias. Se a falha atingisse várias peças...
A nebulosa de Andrômeda ficava cada vez menor: encolhia-se e voltou a ser a
névoa alongada, insignificante e situada a uma distância infinita. Enquanto isso a faixa
luminosa da Via Láctea se ampliava, a cada hora se aproximava, ia crescendo.
Quando se encontravam a dez mil anos-luz dos limites da Via Láctea, Rhodan
entrou em contato com Atlan pelo hiper-rádio. Era a primeira vez em quase trinta dias
que voltava a ouvir a voz de um ser humano que não se encontrava a bordo da Teodorico.
Atlan não contou nada de novo. Estava tudo calmo. Os laurins não haviam tentado
nenhum ataque e os pos-bis não deram sinal de sua presença. Os acônidas mantinham
uma discreta atitude de expectativa, se bem que ninguém sabia o que estavam esperando.
Quanto ao mais, não havia problemas.
Rhodan agradeceu ao amigo e preferiu não lhe relatar sua experiência com os
luxides. Atlan teria conhecimento disso mais cedo do que seria de desejar.
As últimas etapas do vôo foram iniciadas.
Assim que entrou na Via Láctea, a Teodorico foi seguindo diretamente para
Peregrino. Rhodan estava firmemente decidido a fazer algumas perguntas ao Imortal.
Desta vez não se contentaria com desculpas baratas. Se bem que não pudesse deixar de
confessar que deveria agradecer ao Imortal pela última informação que este lhe fornecera.
Dali a dois dias, a Teodorico pousou em Peregrino.
***
Desta vez havia duas figuras humanas no campo de pouso, à espera dos terranos.
Rhodan examinou com o sobrecenho cerrado sua imagem projetada na tela, enquanto a
Teodorico pousava suavemente.
— Um dos dois é Homunk — disse Bell, que estava ao lado dele. — Quem será o
outro? Um novo robô?
Rhodan abanou lentamente a cabeça.
— Não acredito. Acho que desta vez o Imortal não se negará a falar conosco —
contemplou o velho de barba branca, que estava parado ao lado de Homunk e não se
movia. — Deve ter agido com uma intenção definida ao apresentar-se sob uma figura que
imediatamente provoca compaixão e simpatia.
— Será que você acha...? — Bell calou-se e olhou para a tela. Era verdade. O velho
parecia simpático e provocava compaixão. Tinha-se pena dele, que estava parado, só e
aparentemente indefeso, na extremidade do grande campo de pouso. Até chegava a
apoiar-se num bastão tosco.
— É ele mesmo — asseverou Rhodan.
— Gucky, leve-me até lá. A Teodorico será mantida em condições de decolar a
qualquer momento. Não demoraremos muito.
O rato-castor segurou a mão de Rhodan, calculou o pequeno salto e desmaterializou-
se.
Quando voltou a enxergar, Rhodan defrontou-se com o olhar bondoso e indagador
do velho, que não parecia nem um pouco surpreso com seu súbito aparecimento. Gucky
soltou sua mão e manteve-se num silêncio extraordinário. Até parecia que estava sendo
dominado por uma timidez que ainda não conhecia, mas era possível que apenas
confiasse mais no seu instinto que Rhodan.
— Felicito-o por seu feliz regresso — disse o velho em tom suave, mas enfático.
Homunk ficou com o rosto impassível.
Cumprimentou Rhodan com um aceno de cabeça e foi se afastando.
— Está gostando de minha nova figura?
— Ao menos oferece um aspecto mais familiar que uma esfera luminosa ou uma
névoa — confessou Rhodan com um sorriso, enquanto insinuava uma mesura. —
Obrigado pelas boas-vindas. É bem verdade que por pouco não voltamos. Você conhecia
o perigo?
— Você acha que, se não conhecesse, eu lhe teria dado a posição?
Apontou com o bastão na direção das colinas próximas. Havia um banco
convidativo por perto que há pouco ainda não estava lá. Era um convite mudo.
Lentamente foram caminhando nessa direção. Gucky seguiu-os a uma distância regular.
Sentaram-se. O Sol atômico produzia um calor agradável. Uma brisa suave
acariciava a barba branca do Imortal.
— Você me enganou, pois disse que eu encontraria Bárcon.
— Não foi o que afirmei quando lhe forneci as coordenadas. Apenas disse que lhe
daria a posição. E ainda lhe disse que enfrentaria perigos e teria uma surpresa. E isso
realmente aconteceu.
— Você queria que me visse diante do perigo dos luxides?
— Queria, sim. É um perigo vindo do passado, pois os planetóides ocos foram
postos em movimento pelos laurins há mais de dez mil anos. Não atingem velocidade
elevada, mas o tempo em que os planetóides intactos atingirão nossa Via Láctea está
próximo. Você mesmo teria de vencer o perigo e... conseguiu.
De repente Rhodan teve uma idéia. Se fosse correta, a vontade de ajudar
demonstrada pelo Imortal teria uma base lógica.
— Os luxides, que é como chamamos os seres energéticos, também representam um
perigo para você?
O velho, que talvez fosse a criatura mais poderosa do Universo, fitou os olhos de
Rhodan e acenou lentamente com a cabeça.
— Você sabe quem eu sou: um ser que teve sua origem na espiritualização de toda
uma raça desaparecida. Sou energia, que pode ser materializada à vontade e a todo
instante em qualquer forma. A energia é a base de minha existência e... os luxides
devoram qualquer forma de energia. Não posso enfrentá-los com energia, pois com isso
apenas os alimentaria. E a matéria...? Perry Rhodan, os luxides representam uma forma
de vida que por sua própria natureza tem de ser hostil à minha forma de vida. Se um
planetóide desse tempo chegasse a Peregrino e rompesse o campo temporal, estaria
perdido.
A revelação do Imortal produziu um choque em Rhodan. Este abanou a cabeça.
— Não acredito. Não posso acreditar. Você existe em outro plano temporal, se
quiser assim. Com isso os luxides não poderiam atingi-lo. Além disso nós os destruímos,
transformando-os em hiperimpulsos, que são uma forma de energia.
— Sei disso, Perry Rhodan. Vejo que valeu a pena fazer o vôo para o abismo. Tanto
para você como para mim. Você já conhece o perigo e está preparado para enfrentá-lo.
E eu sei que um dia, quando precisar, terei um aliado poderoso.
Para ele, o assunto parecia encerrado. Inclinou ligeiramente o corpo e apontou com
o bastão para Gucky, que se acomodara no chão arenoso morno, a alguns metros.
— Então, como vai meu pequeno peludo? Ainda é tão atrevido como costumava
ser?
Gucky levantou a cabeça. Um brilho alegre surgiu em seus olhos, mas por estranho
que pudesse parecer, a resposta foi proferida em tom suave e pacato:
— Só quando é necessário.
— Ah! — disse o Imortal e parecia refletir sobre se deveria pôr essas palavras à
prova. Mas acabou dirigindo-se novamente a Rhodan. — Quero dizer-lhe mais uma
coisa, amigo. O abismo ainda é grande demais para você e seus terranos. Acho que a
esta hora você já sabe disso. Para transpô-lo precisa-se de algo mais que um sistema de
propulsão linear. Você nunca chegaria à nebulosa de Andrômeda; se chegasse, não
poderia empreender o vôo de regresso. O tempo ainda não amadureceu...
— Mas os laurins conseguiram! — interrompeu Rhodan, em tom amargurado.
— Conseguiram em outros tempos. Hoje dificilmente seriam capazes disso, se é que
pelo menos tentariam... Preste atenção ao que vou lhe dizer, Rhodan! Não arrisque
levianamente. É possível que um dia você encontre o caminho certo e...
Interrompeu-se repentinamente e lançou um olhar atento para Rhodan, como se
quisesse penetrar seu cérebro com os olhos. De repente soltou uma gargalhada e enfiou o
bastão profundamente na areia.
— Ora, Rhodan! O que está pensando? Será que você vai...? — calou-se por um
instante e levantou o dedo num gesto ameaçador. — Você tem cada idéia louca, meu
caro! Nem pense em pô-las em prática. É bom que saiba que, se um dia chegar à
nebulosa de Andrômeda, você se defrontará com perigos que nem mesmo a fantasia mais
descontrolada consegue imaginar. Os luxides são o menor desses perigos. Em
Andrômeda toda a natureza será contra você, porque não é a sua.
Rhodan refletiu sobre a advertência, mas não conseguiu imaginar que pudesse haver
uma “outra natureza”.
Fez um gesto tranqüilizador.
— Muito tempo passará antes que arrisquemos o salto pelo abismo. Quando chegar
a hora, virei pedir seu conselho.
— Há um mês me lembrou a dívida que tinha com você, e eu lhe forneci a posição
do planetóide. Dê-se por feliz que não lhe revelei a posição de Bárcon, pois a viagem
para lá representaria a morte certa para você e toda a tripulação da nave. Vocês se
perderiam não só no espaço, mas também no tempo. Dessa forma nada deveríamos um
ao outro... Mas não devemos esquecer-nos dos luxides, e dessa forma nunca ficaremos
inteiramente quites.
— Fico-lhe muito grato — limitou-se Rhodan a dizer.
O velho, que estava situado fora do tempo e era imortal como a própria eternidade,
levantou-se devagar.
— Dou-lhe mais um conselho — disse depois que Rhodan também se havia
levantado e os dois estavam caminhando lentamente em direção à Teodorico. — Assim
que chegar a Árcon III, procure entrar em contato com o mundo dos Duzentos Sóis, a fim
de prevenir os cérebros de plasma contra os luxides. É possível que nunca obtenha
resposta, mas chegará o dia em que você poderá lembrar aos pos-bis a advertência que
lhes fez e exigir que demonstrem sua gratidão. Não conte a ninguém como conseguiu
escapar ao ataque dos seres energéticos. Será seu segredo; nosso segredo.
Pararam.
O velho ofereceu a mão a Rhodan, enquanto o bastão se dissolvia no ar,
desaparecendo sem deixar vestígio.
— Passe bem, Perry Rhodan. Você será feliz, enquanto não se esquecer dos amigos.
É possível que um dia até eu tenha de lhe pedir um favor. Espero que, quando isso
acontecer, você não exija um preço muito alto. Você e eu somos negociantes espertos e
tenazes. Nunca enganamos o outro, mas dificultamos a conclusão dos negócios.
Enquanto apertava a mão do velho, Rhodan sentiu que a mesma se dissolvia. Dali a
dois segundos ficou com a mão vazia. O velho tinha desaparecido. No lugar em que se
encontrava surgiu uma esfera branca reluzente, que subiu lentamente e, deslocando-se
cada vez com maior rapidez, tomou a direção das montanhas distantes.
Finalmente desapareceu.
Gucky aproximou-se no seu andar arrastado.
— Desta vez a brincadeira foi inofensiva — constatou em tom de alívio. — Apenas
vimos um ancião transformar-se numa bola de futebol. Não foi nada mau.
— Tenha cuidado, baixinho — advertiu Rhodan. — Você sempre comete o engano
de esquecer o Imortal quando não o vê mais. É bem possível que neste momento esteja a
seu lado, invisível.
Gucky olhou cautelosamente para todos os lados, segurou a mão de Rhodan e
perguntou:
— Vamos saltar?
Dali a dois minutos, a Teodorico decolou sem problemas e subiu ao céu azul
límpido. Desta vez o Imortal parecia dispensar as brincadeiras, mostrando-se disposto a
deixar que fossem em paz.
Peregrino transformou-se num disco achatado e desapareceu atrás do campo
temporal. De repente Gucky materializou-se na sala de comando. Ninguém notara que
tinha saído. O rato-castor tremeu que nem vara verde, arrastou-se até o sofá e saltou sobre
o mesmo. Lançou um olhar de advertência para Bell e um olhar de súplica para Rhodan.
Diante da insistência geral, informou que fora atacado por dez gatos gigantescos no
corredor, perto da sala dos oficiais. Disse que os mesmos tinham vindo de todos os lados,
riram e precipitaram-se sobre ele. Eram verdadeiros gatos, apenas dez vezes maiores que
os outros.
— É um caso de psicose espacial! — observou Bell em tom preocupado e sacudiu a
cabeça. — Como conseguiu escapar?
— Você também teria fugido! — chiou Gucky.
— Fugido... de simples reflexos no ar? Nunca!
— Sempre eu! — piou Gucky em tom queixoso. — O Imortal sempre se diverte à
minha custa. E logo foi escolher gatos! Sabe perfeitamente que tenho um medo terrível
de gatos que tenham o tamanho de um tigre adulto.
A expressão do rosto de Bell era impagável.
— Você acha que o Imortal...? — apavorado, olhou em torno. — E logo foi escolher
gatos? Santo Deus! O que terá imaginado para mim? Não pode deixar de fazer essas
brincadeiras estúpidas!
Concluída a primeira etapa do vôo, Bell foi ao seu camarote para dormir algumas
horas. Mal fechou a porta, seus olhos se arregalaram. Dez gatos estavam deitados em sua
cama, ronronando pacatamente e confortavelmente enrodilhados. Alguns levantaram a
cabeça, ronronaram e bocejaram gostosamente. Espreguiçaram-se e continuaram a
dormir.
Bell preferiu não pôr os gatos para fora da cama nem relatar o incidente a qualquer
pessoa. Deitou no chão, perto da cama, e de tão cansado que estava adormeceu
imediatamente.
“É a melhor forma de aborrecer' o Imortal,” pensou para consolar-se.
Mas, na “manhã” seguinte, quando Gucky apareceu para acordar o amigo, surgiu
um debate acalorado sobre se o vôo prolongado pelo espaço intergaláctico não poderia
produzir certas conseqüências no cérebro humano e...
É que Gucky ficou bastante desconfiado ao notar um homem como Bell dormir no
chão, enquanto bem a seu lado a cama bem-feita com os cobertores limpos e
arrumadinhos só parecia esperar que ele se enfiasse na mesma.
***
Gonozal VIII, imperador de Árcon, mais conhecido dos terranos pelo nome de
Atlan, ouviu em silêncio o relato de Rhodan. Não o interrompeu uma única vez. Quando
Perry concluiu, o imperador lançou os olhos pelas janelas amplas do palácio e
contemplou o porto espacial de Árcon III, onde a gigantesca esfera da Teodorico,
submetida às pressas de uma ligeira revisão, se preparava para o vôo em direção à Terra.
— Quer dizer que vocês lhes deram o nome de luxides? — perguntou em tom
pensativo. — Luxides!
— Quando absorvem energia, passam a ter uma luminosidade intensa — disse
Rhodan, a título de explicação.
— Não; não é isso — respondeu Atlan. — Se estou pensativo, é por outro motivo.
Sou capaz de jurar que num passado distante seres iguais a esses luxides já apareceram
em nossa Galáxia. Por favor não faça perguntas, pois não posso dar-lhe qualquer
informação. Contudo a lembrança desses seres está bem ancorada em meu subconsciente.
Um dia me lembrarei de tudo. Seja como for, representam um perigo tremendo. E isso
também para o plasma pensante cuja disposição para conosco é amistosa. Vamos
preveni-lo, já que o Imortal acha conveniente que o façamos.
— A grande estação de rádio está pronta para transmitir?
— A ordem para isso já lhe foi dada quando você fez uma insinuação nesse sentido.
Poderia fornecer-me o texto exato da mensagem? — pegou o bilhete que Rhodan lhe deu.
— Está bem. Impulsos cibernéticos a serem transmitidos pelo hiper-rádio. Repetir dez
vezes. Quer aguardar a resposta aqui mesmo?
— Não; talvez teria de esperar muito tempo. Tenho coisas importantes a fazer na
Terra. Durante o vôo de regresso, você poderá entrar em contato comigo a qualquer
momento. Depois use a estação de Terrânia. Assim que a reação do plasma seja
conhecida, avise-me. É muito importante. Devemos convencê-lo de que somos seus
amigos. Se um belo dia avançarmos até a nebulosa de Andrômeda, perigos enormes nos
esperarão. Nesta situação ficaria mais tranqüilo se soubesse que, no intercosmo,
possuímos ao menos um amigo: o planeta do plasma, cuja existência é conhecida dos
laurins.
Enquanto os impulsos de rádio saíam de Árcon III, a Teodorico iniciou o vôo em
direção à Terra.
E este correu sem incidentes. Dali a dois dias, a nave pousou em perfeitas condições
no porto espacial de Terrânia.
Rhodan saiu de bordo, acompanhado por Bell. Indagou na sala de rádio se havia
chegado alguma mensagem de Árcon. A informação negativa deixou-o decepcionado,
pois esperava que o mundo dos Duzentos Sóis ao menos confirmasse o recebimento da
mensagem de alerta.
Os cérebros de plasma não demonstraram a menor reação. Provavelmente só o
fariam quando um planetóide, cheio de luxides famintos, se aproximasse deles.
Era um consolo muito fraco, mas sempre era um consolo.
No dia seguinte, Rhodan recebeu um relatório minucioso sobre o estado dos
propulsores da Teodorico. Estava assinado pelo Dr. Bernd Keller. Rhodan leu, passou-o a
Bell e aguardou pacientemente que o amigo o estudasse. Depois perguntou:
— Então, o que me diz?
Bell levantou os olhos. A testa estava enrugada, e em seus olhos havia uma tristeza
tão profunda que Rhodan não pôde deixar de rir.
— Numa situação destas, você ainda ri!? — exclamou Bell, indignado. — É um
fracasso total. Os propulsores estão completamente desgastados. Recomenda-se
encarecidamente uma revisão geral. Se o relatório não exagera, nem conseguiríamos
chegar à Lua com isso.
— Quem exagera não é o relatório, mas você, Bell. Não há dúvida de que o material
apresenta certos sinais de fadiga, e no juízo rigoroso dos técnicos isso equivale a um
desgaste total. Afinal, as conseqüências do prolongado funcionamento à potência máxima
são estas. Mas tenho certeza de que encontraremos um meio de remover as causas da
fadiga do material. Aliás, quais são essas causas? Não é apenas o grau de desempenho,
mas também sua duração. Se reduzirmos essa duração, o problema estará resolvido.
— Quer dizer que teremos de voar mais depressa?
Rhodan sorriu e abanou a cabeça.
— Não. Temos de encurtar a distância.
— Encurtar a distância que nos separa da nebulosa de Andrômeda? Não
compreendo. São um milhão e meio de anos-luz, e não há como encurtá-los. Já
conseguimos muita coisa, mas o impossível sempre ficará fora do nosso alcance.
Rhodan inclinou-se para a frente e respondeu:
— Você sabe o que é impossível? Não existem muitas coisas que há cem anos você
ainda considerava impossíveis, e que hoje são naturais? Pois então, meu caro. O mesmo
acontece com o encurtamento da distância que nos separa da nebulosa de Andrômeda.
Tenho lá minhas idéias. Confesso que são mais que fantásticas, mas contêm um núcleo de
realidade. Talvez demore alguns decênios, mas um dia entraremos numa nave que nos
levará a outro Universo.
Bell não respondeu. Limitou-se a fitar Rhodan. Finalmente disse com um aceno de
cabeça:
— Talvez você tenha razão. Talvez minha atitude seja de ceticismo. Conseguimos
tanta coisa. Por que a nebulosa de Andrômeda ficaria fora do nosso alcance? Se
chegarmos lá, viveremos a maior aventura que um ser humano jamais experimentou. O
vôo à Lua, à estrela mais próxima, a outro grupo estelar ou a um braço diferente da
espiral, tudo isso serão viagens corriqueiras em comparação com aquilo que nos espera
para além do grande abismo. Mas quando acontecer, quero estar lá, Perry. Um dia...
Rhodan olhou pela janela. Contemplou as avenidas largas da cidade, pelas quais
corria o tráfego. Os homens eram conduzidos pelas fitas em direção aos locais de
trabalho. Os barcos voadores pareciam levitar sobre os edifícios. Bem ao longe, uma
pirâmide esguia subia ao céu límpido do deserto. Era o túmulo de um amigo cuja alma
não retornara mais...
— Um dia tentaremos — disse Rhodan. — Será o início de uma nova época de
nossa História.
O intercomunicador emitiu um zumbido. Uma equipe de cientistas queria falar com
ele para apresentar um relato sobre as pesquisas com o canhão de raios conversores.
Rhodan suspirou.
Estava novamente preso às engrenagens do quotidiano.

***
**
*

Durante o encontro com O Exército dos


Fantasmas, Perry Rhodan deu-se conta de que a
tecnologia terrana tem suas limitações, e que com
os meios disponíveis nunca será possível
atravessar totalmente o intercosmo.
Mas outros povos estelares já parecem
dominar a Astronáutica Intercósmica... Quem são
os desconhecidos que se ocultam no sistema da
estrela azul, atrás da muralha do tempo?
Atrás da Muralha do Tempo: é este o título
do próximo volume da série.

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