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VOZES DO
PASSADO
Autor
CLARK DARLTON
Tradução
RICHARD PAUL BISNETO
Digitalização e Revisão
ARLINDO_SAN
(De acordo, dentro do possível, com o Acordo Ortográfico válido desde 01/01/2009)
Pouco depois que conseguiu voltar da Galáxia esférica M-
87, Perry Rhodan, o Administrador-Geral do Império Solar,
tomou medidas decisivas para eliminar o perigo que ameaça a
humanidade. Os terranos concentram seus esforços em proteger
o Sistema Solar e a Terra, que é o berço da humanidade, contra
uma nova ofensiva dos policiais do tempo e de seus dolans.
Infelizmente a expedição de Halut, que saiu em fins de
outubro do ano 2.436, com o objetivo de encontrar uma arma da
paz em condições de funcionamento, não produziu o resultado
desejado. E a expedição de Andrômeda, que partiu um dia antes
da de Halut para levar os maahks a apoiar o Império Solar em
sua luta contra a polícia do tempo, defrontou-se com problemas
que não esperava.
Antes que o diplomata intergaláctico possa pensar no salto
de volta, que o levará de uma galáxia a outra, acontece aquilo
que os principais dirigentes do Império Solar temiam há
bastante tempo: uma nova ofensiva em grande escala é lançada
pela polícia do tempo.
Raia o dia 14 de novembro do calendário terrano, uma
frota de dolans dos vigilantes de vibrações aparece e avança
implacavelmente para dentro do Sistema Solar. O fim da Terra
está próximo — quando é ativado o comando especial Lua
Negra, e as Vozes do Passado se fazem ouvir...
A primeira etapa linear foi muito breve. A Crest V, um ultracouraçado que acabara
de sair do estaleiro, não percorreu mais de dez anos-luz durante ela. Quando a grande tela
panorâmica voltou a iluminar-se, o sol aparecia como um minúsculo ponto amarelo na
parte da popa. Era claro que a gigantesca nave esférica de dois mil e quinhentos metros
de diâmetro não tinha popa, no sentido literal da palavra. Esta designação era reservada à
parte da nave oposta à direção do vôo.
Era a mais bem equipada de todas as naves da classe Galáxia. Três canhões
adicionais do tipo REMF fariam com que até mesmo um ataque dos condicionados em
segundo grau com seus dolans se frustrasse.
A antiga tripulação da Crest IV recebera a nova nave com manifestações de alegria
e orgulho. O primeiro vôo de teste revelaria sua capacidade. A Crest IV vagava em
direção à Via Láctea, vinda da Galáxia M-87. Estava com os conversores Kalup
queimados e, apesar de desenvolver a velocidade da luz, ainda levaria cerca de trinta
milhões de anos para chegar ao destino.
O Coronel Merlin Akran acenou com a cabeça, satisfeito, para seu imediato, o
Tenente-Coronel Ishe Moghu, um afro-terrano.
— Então, que acha, imediato?
O negro de quase dois metros de altura com cabelos grisalhos e um gênio alegre
retribuiu o aceno de cabeça.
— É um excelente barco, comandante. Até acho que a partir deste momento já não
lamento tanto a perda da velha Crest. E os aparelhos REMF são os que mais contribuem
para tranquilizar-me. Com eles obrigamos qualquer dolan a fugir.
Akran, um epsalense enorme, sorriu.
— Não vamos pensar nos dolans, imediato. Só estamos fazendo um teste e
recebemos ordem de fazer um pouso experimental em qualquer planeta. — Akran olhou
para o calendário de bordo. — Temos uma semana. Vamos dar uma olhada nos mapas.
Num raio de vinte anos-luz existem muitos planetas coloniais aos quais podemos fazer
uma visita de cortesia. Também podemos pousar num planeta desabitado.
O imediato foi para perto do oficial de navegação e pediu que este lhe entregasse os
mapas siderais, com os quais voltou para junto do comandante. Tratava-se de folhas
transparentes nas quais se viam nitidamente os dados mais importantes. Eram iguais aos
mapas de programação usados no computador que fixava a rota.
Os dois homens inclinaram-se sobre a mesa, enquanto a Crest V atravessava o
espaço cósmico à velocidade da luz.
— Estamos exatamente na rota de Vega — afirmou Ishe Moghu. — Talvez seria
bom fazermos uma visita ao General Pera Isigonis. Faz tempo que não vejo o velho
rabugento.
— Acho que não, imediato. O sistema de Vega faz parte do primeiro cinturão de
defesa da Terra. Só se pode pousar lá em determinadas condições. Sugiro que
experimentemos este aqui...
Akran apontou para um sol com quatro planetas que parecia ficar perto de Vega,
embora na verdade ficasse a mais de vinte anos-luz de lá.
— Pyros II... — disse o imediato em tom de espanto. — Nunca ouvi falar, para ser
sincero.
— Não é de admirar. Trata-se de um planeta aquático que começou a ser colonizado
há pouco tempo. Possui uma atmosfera excelente, mas infelizmente noventa e nove por
cento da superfície de Pyros II são formados por oceanos. Só existem algumas ilhas —
mais nada. Não havia nenhuma forma de vida inteligente até que chegaram os
colonizadores, o que aconteceu há poucos anos. Trata-se de uma iniciativa do governo.
Ainda me lembro perfeitamente. Procuraram casais jovens que preferiam uma vida
primitiva e cheia de privações à agitação da civilização moderna. Apresentaram-se mais
do que se previa. As ilhas no mar ainda não perderam seu encanto. Naturalmente uma
colônia deste tipo não representa uma grande vantagem para o Império. A ação foi uma
espécie de válvula de escape. Quase pode ser comparada com a lavagem forçada dos
halutenses. Evidentemente, em sentido contrário. Os halutenses abandonam seu planeta
pacato à procura de aventuras e perigos e lutas, para encontrar uma compensação. Já os
colonos de Pyros II saíram da Terra para encontrar paz e sossego. Não acha que vale a
pena darmos uma olhada para ver como estão vivendo hoje?
— Não tenho nada contra uma pausa, desde que não viole as normas.
O Coronel Akran não respondeu. Sem dizer uma palavra, pegou os mapas e foi ao
setor de navegação. Dali a alguns minutos, quando voltou, seu rosto largo abriu-se num
sorriso.
— Não se esqueça, imediato. Nunca transgrido as normas, nem quando isto é
permitido...
***
O anfiplanador estava guardado num
pequeno hangar especial da Crest V. O
veículo era relativamente desajeitado no
ar, não tinha sido feito para vôos longos.
Mas desenvolvia uma velocidade
considerável na água. Sua profundidade
de mergulho era enorme, e seu armamento
era capaz de espantar bandos de monstros
marinhos.
O comandante do anfiplanador era o
Major Longline, um tipo magro e
impetuoso que costumava ter as ideias
mais espantosas. Treinado na frota de
naves exploradoras, fora transferido há
pouco tempo para a Crest V.
Longline estava sentado no camarote
que compartilhava com seu representante,
o Capitão Neupère. Os dois oficiais eram
considerados velhos amigos, embora em
serviço pautassem seu comportamento
rigidamente pelas normas e dessem a
impressão de terem esquecido o
tratamento íntimo você. Mas quando
estavam a sós isso mudava
completamente. Era o que acontecia com toda a tripulação do planador, formada por um
total de seis homens.
Neupère tirou o anel largo do dedo e pôs-se a contemplá-lo por tanto tempo com um
grande interesse que Longline não aguentou mais.
— Que é isso? Deve ser um presente de Monique, a lourinha que conheci há uma
semana em Terrânia...
Neupère levantou os olhos. Parecia muito espantado.
— Você travou conhecimento com ela... Eu também travei!
Longline suspirou.
— Sim, depois que eu a apresentei a você. Por que ela lhe deu o anel, se me
permite?
Neupère sorriu embaraçado.
— Não ganhei o anel de Monique, mas agradeço pela opinião que manifestou a meu
respeito. Comprei-o. Aliás, não é um anel.
— Mas parece, meu chapa.
— As aparências enganam. Trata-se de um aparelho fotográfico muito bem
camuflado, que faz a revelação imediatamente usando o processo Polaroid. É claro que
usa microfilmes. Quer ver a cara idiota que você fez há pouco?
Longline ficou quieto enquanto via Neupère manipular o anel até colocar uma
plaquinha minúscula sobre a mesa. Mesmo a olho nu distinguia-se um rosto na plaquinha,
e Longline não precisou de muita imaginação para descobrir que esse rosto era seu.
— É meu hobby — confessou Neupère, embaraçado. — Você nem imagina as
fotografias que já consegui tirar. Certa vez numa festa — era uma festa privada,
naturalmente...
— Não me venha com suas histórias — interrompeu Longline, zangado. — Já sei
que gosta de exagerar.
Neupère sorriu debochado.
— Por que acha que comprei este anel fotográfico? — perguntou em tom ingênuo.
Alguém bateu à porta. Dentro de instantes o camarote ficou cheio com os outros
membros da tripulação especial. O Tenente Ingo, um ripo moreno e esbelto, sentou com
uma estranha naturalidade na poltrona de Longline antes que este pudesse voltar para ela.
O Tenente Esser, um tanto obeso e convencido, sentou modestamente na cama. Até
afastou-se um pouco para que o Tenente Dagen pudesse sentar perto dele. O último a
entrar foi o cadete Wolter, que tinha a mesma idade dos outros, mas não era oficial.
Provavelmente nunca o seria, já que seus documentos não estavam em ordem. Apesar
disso era um dos homens de Longline e da Crest.
— O que querem? — perguntou Longline e parou de pé porque não queria sentar no
chão. — Não íamos descansar um pouco?
Ingo apontou para Wolter.
— Ele ouviu uma conversa de latrina. Na sala de comando. Longline parecia
incrédulo.
— Não diga! Na sala de comando? O que um cadete foi fazer na sala de comando
de um ultracouraçado? O acesso só é permitido aos oficiais, e mesmo estes precisam de
uma licença especial.
— Tenho um amigo na sala de comando — exclamou Wolter. — Trabalha na
navegação. Acaba de ser revezado. Foi ele que me contou.
Longline acenou pacientemente com a cabeça.
— Que foi mesmo que ele lhe contou, Wolter? Wolter respirou profundamente,
enquanto os outros davam a impressão de que iriam estourar de tão curiosos que estavam.
— Vamos fazer um pouso em Pyros H.
Os companheiros fitaram-no espantados. Finalmente Dagen exclamou:
— Em Pyros II? O que vem a ser isso?
— É um planeta, senhores, um planeta. — Wolter finalmente descobriu um canto
livre na mesa e sentou nele. — Um mundo colonial novo no qual não existem nativos
inteligentes. Só há colonos que vivem lá há vários anos ou decênios. É gente pacata que
vive pescando e tomando banhos de sol. É ao menos o que diz meu amigo. E, o que é
mais importante, Pyros II é um mundo aquático.
De repente o rosto de Longline se iluminou.
— Já compreendi...
— Ora veja nosso computador! — disse Neupère, alegre, e bateu fortemente no
ombro do comandante. — Teremos mais uma oportunidade de realizar uma excursão
com nosso peixe atômico. Talvez possa tirar algumas fotos...
— Não se alegrem antes da hora — advertiu Longline, cujo rosto voltara a assumir
uma expressão séria. — Nem mesmo Akran, que sempre está à cata de aventuras, nos
fará sair somente para nos divertirmos. Mas não ficarei triste se puder andar um pouco
por aí.
O Tenente Esser, que permanecera em silêncio, disse em tom desconfiado:
— Andar por aí? Num mundo aquático? Estou curioso para ver como pretende fazer
isso, Longline...
Por acaso o rato-castor Gucky participou do vôo de teste da Crest V. Acompanhara
Rhodan quando este fez uma visita à gigantesca fortaleza Old Man. O Administrador-
Geral voltara pouco antes do planeta Halut ao Sistema Solar. A estação robotizada vinda
do passado circulava em volta da Terra a meio milhão de quilômetros de distância,
completamente tripulada e pronta para entrar em ação.
Quando ouviu falar no vôo de teste que estava para ser realizado, Gucky pediu a
Rhodan que lhe permitisse ir também. Obteve a permissão.
Naturalmente não foi por acaso que Gucky, que sempre estava disposto a fazer suas
brincadeiras, logo se ligasse à tripulação especial do anfiplanador. Fazia algumas horas
que a nave tinha decolado quando começou a sentir tédio. Investigou os pensamentos das
pessoas mais próximas e teve a atenção despertada por Longline e seus companheiros.
Sabia que dali em diante o vôo não seria tão monótono.
Mas antes de poder entrar em contato com o grupo de Longline, captou os
pensamentos do comandante e ficou sabendo que este pretendia realizar um pouso em
Pyros II.
Gucky teleportou para a sala de comando, onde o tenente que trabalhava na
navegação empalideceu de susto e deixou cair uma chave de computador. Gucky teve a
delicadeza de pegar a chave e entregá-la ao jovem oficial.
— Desculpe-me ter vindo sem me ter feito anunciar, meu jovem. Mas o senhor
sabe. Com estas pernas curtas...
O tenente pegou a chave e saiu cambaleante. O Coronel Akran sacudiu a cabeça.
— Por que fez isso? — perguntou em tom de recriminação. — Existem pessoas
cujos nervos não aguentam ver você sem estarem preparadas.
O rato-castor foi para perto dele e saltou sobre a mesa de controle.
— Nervos... Ora, meu caro Merlin! O que vêm a ser nervos? Será que alguém por
aqui tem nervos?
O comandante pôs a mão na testa.
— Eu, por exemplo. O que veio fazer aqui? Estamos ocupados.
— Sim, eu sei. Uma escala. Será que poderei dar um mergulho?
— telepata desgraçado! — resmungou Akran, embora não estivesse zangado de
verdade. — Sempre tem de andar espionando? Sim, vamos pousar. E quanto a mim não
me importo que se deixe devorar pelos grandes peixes que, segundo dizem, existem em
Pyros II.
— Obrigado, Merlin. Quando será?
O Coronel Akran leu as indicações de alguns instrumentos.
— Dentro de algumas horas, a não ser que o senhor tenha alguma objeção.
Gucky sorriu.
— O senhor não tem nenhuma objeção. Até logo mais.
Gucky desapareceu tão de repente como tinha aparecido. Akran olhou um tanto
distraído para o lugar da mesa em que ainda há pouco estivera sentado Gucky.
Finalmente recostou-se na poltrona.
— Será divertido — murmurou com um pressentimento na voz e deu ordem para
que a sala de rádio entrasse em contato com a estação de Pyros II. — Nem sei por que
resolvi trazê-lo.
Pyros II respondeu ao chamado. Akran teve a impressão de que havia um tremendo
alívio na voz do homem cujo rosto aparecia nitidamente na tela do hiper-rádio. Era um
paisano. O planeta colonial não possuía qualquer tipo de instalação militar. A única coisa
que ligava os homens e as mulheres de Pyros II com a civilização do Império Solar era o
hiperrádio e uma ou outra nave que levava abastecimentos.
— Pode pousar no continente norte — disse o paisano. — Lá existem as instalações
necessárias para descarregar sua nave. Trouxe novos colonos?
— Esta não é uma nave cargueira — explicou Akran. — Só queremos fazer-lhes
uma visita, caso não tenha nenhuma objeção. Segundo nosso código de identificação,
nossa nave é a Crest V. Seria bom consultar os registros.
— Trata-se de uma nave da frota defensiva?
— Depende de como se queira interpretar, senhor. De qualquer maneira é uma nave
militar.
O paisano parecia ainda mais aliviado. Suas palavras confirmaram isto.
— Graças a Deus! Os senhores são uma dádiva dos céus. Se tiverem um pouco de
paciência, poderão falar com Aarn Holmer. Transmitirei as coordenadas para o pouso.
— Quem é Aarn Holmer?
— É o porta-voz da colônia. Praticamente forma nosso governo. O senhor talvez
não saiba, mas a estrutura social de nossa comunidade de colonos é diferente das outras.
Não possuímos governo regular, e sentimo-nos muito bem desta forma. Aarn Holmer
cuida das formalidades burocráticas com as naves e a Terra, toda vez que há um contato.
É tudo que precisamos. Os senhores vêm numa missão oficial de Terrânia?
O Coronel Akran já se recuperara da surpresa.
— Não. É claro que não. Estamos num vôo de teste que inclui um pouso. Seu
sistema fica em nossa rota. É só.
Passou-se meia hora, e depois de uma breve manobra linear o planeta Pyros II
apareceu na tela panorâmica, grande e colorido.
Aarn Holmer chamou. Era um homem alto de ombros largos, cabelos grisalhos e
um rosto sincero. As rugas profundas que atravessavam seu rosto eram sinal de uma vida
cheia de privações e preocupações.
— Ainda bem que vieram — disse enquanto examinava o rosto de Akran. — O
senhor é epsalense?
— Meu nome é Akran, Coronel Merlin Akran. A Crest V é um ultracouraçado da
classe Galáxia. Tem certeza de que poderemos pousar sem pôr em perigo sua segurança e
a de suas instalações?
— A ilha é bem grande, coronel. Não se preocupe. Mas é bom que a nave fique em
estado de alarme. Não sei se é assim que se chama a coisa. Talvez haja surpresas.
— Surpresas? Gostaria que fosse mais claro.
— Mais tarde, coronel. Quando pudermos conversar a sós. Pode pousar, mas
quando sair só leve alguns oficiais. A nave terá de estar em condições de entrar em ação.
O Coronel Akran refletiu se não seria preferível mudar de rota antes que fosse tarde
e desistir do pouso. As palavras do colono eram muito misteriosas, e o Coronel Akran
não estava com vontade de meter-se em problemas. Se alguma coisa não estava certa em
Pyros II, ele não tinha nada com isso. O problema seria da administração das colônias em
Terrânia.
Parecia que Aarn Holmer estava adivinhando os pensamentos de Akran.
— Não tire conclusões precipitadas, coronel. E não se admire de não termos
comunicado à Terra o que talvez tenha acontecido aqui. É possível que nossas
comunicações pelo rádio estejam sendo interceptadas. Oportunamente saberá tudo.
O Coronel Akran tomou sua decisão. Teve a impressão de que uma terrível ameaça
pairava sobre o pacato mundo insular, e imaginava que a única pessoa que podia ajudar
no momento era ele, que dispunha da Crest.
Preparou-se para pousar e entregou o comando ao Tenente-Coronel Ishe Moghu.
Preparou-se, juntamente com o imediato, Major Drave Hegmar, para receber a visita de
Aarn Holmer, que o esperava na estação de hiper-rádio de Pyros II.
O continente norte tinha cem quilômetros de comprimento e trinta de largura.
Estendia-se do leste para o oeste, acima do equador. Do lado sul havia uma vegetação
espessa, enquanto o lado norte quase chegava a parecer deserto. Era onde ficava o porto
espacial rudimentar com os edifícios da administração. Parecia tudo primitivo e precário.
Akran e Hegmar saíram da nave. Uma lufada de ar fresco e aromático, que não
chegava a ser fria, bateu em seu rosto. Mas os dois tiveram um calafrio. Não se via
ninguém. A grande área estava vazia e abandonada. Mas Aarn Homer descrevera o
caminho. A estação de hiper-rádio com a antena gigantesca não poderia deixar de ser
notada.
— Que recepção esquisita — resmungou Hegmar, desconfiado. — Tomara que
esteja tudo em ordem e não haja surpresas. Deveríamos ter trazido mais alguns homens.
Akran colocou a mão sobre a pequena arma energética que trazia presa ao cinto.
— Os colonos muitas vezes adotam costumes estranhos, tenente-coronel. Não se
impressione. Vamos andando.
Estavam quase chegando à estação de rádio, quando um homem saiu do edifício e
veio ao seu encontro. Akran reconheceu-o. Era Aarn Holmer.
— Sejam bem-vindos em Pyros II, senhores — disse estendendo-lhes a mão. —
Explicarei tudo, mas antes de mais nada gostaria de dizer que sua vinda inesperada me
deixou mais que feliz — e comigo os setenta mil colonos deste mundo. Os senhores não
demorarão a compreender...
Só voltaram a falar quando já estavam sentados em confortáveis poltronas no
interior da estação, com uma garrafa de aguardente, destilada pelos colonos, sobre a
mesa, e um charuto entre os dedos.
— Quando fomos trazidos para cá, há vinte anos, éramos os únicos seres
inteligentes que havia neste mundo — principiou Holmer seu relato ansiosamente
esperado. — Havia animais de caça comestíveis nas ilhas e peixes no mar. As condições
eram muito favoráveis para a colonização, o clima não poderia ter sido melhor. E o solo
prometia boas colheitas. Não nos enganamos. Dentro de pouco tempo ficamos
praticamente independentes dos abastecimentos vindos da Terra, pelo menos em relação
às necessidades rudimentares. E o resto podíamos dispensar, pois foi justamente por isso
que nos oferecemos para colonizar este mundo.
Aarn fez uma pausa. Se esperava alguma observação ou pergunta, estava enganado.
Akran e Hegmar ficaram em silêncio, olhando-o e fumando seu charuto.
— Foi assim até dois dias atrás, senhores. Desde anteontem não estamos mais sós
neste mundo.
Desta vez até mesmo o Coronel Akran se abalou. Inclinou-se em direção a Aarn.
— O quê? Não estão mais sós? Gostaria que explicasse melhor.
Aarn Holmer suspirou.
— Como já deve saber, não tenho nada com os problemas militares, mas dediquei-
me ao seu estudo em caráter particular. Estudei principalmente os tipos de nossas
espaçonaves. Tenho certeza de que a nave que anteontem desceu no mar a quinhentos
quilômetros daqui e mergulhou nele não pertence a nenhum dos tipos que conheço.
Depois disso nossa estação de rádio vem captando impulsos, e o centro de rastreamento
detectou estranhas emanações energéticas. Não sabemos como explicar isto. Primeiro
pensamos que fossem seres estranhos que quisessem entrar em contato conosco, mas para
isso não precisariam ter complicado tanto. Logo, deve ser outra coisa. Mas, o quê?
Akran olhou para o imediato.
— Fez algum registro?
— Não, mas o senhor poderá convencer-se pessoalmente quando quiser. Os
impulsos continuam sendo recolhidos com a mesma intensidade.
— O que é feito da nave desconhecida?
— Infelizmente ninguém sabe. Os pescadores que assistiram ao pouso voltaram à
sua ilha e nos informaram. Naturalmente é possível que tenha decolado sem ter sido vista.
Mas os impulsos persistentes são um sinal de que isso não aconteceu. O senhor não acha?
— Não sei. A nave pode ter lançado alguma coisa no mar que continua lá e nos
coloca numa pista falsa. Vamos cuidar disso. Mas, antes, gostaria de ver seu centro de
rastreamento. Aí instruirei o setor competente de minha nave a também realizar
medições. Desta forma, certamente conseguiremos determinar com toda precisão a
posição do misterioso transmissor.
Aarn Holmer levantou e saiu andando na frente dos outros. Akran e Hegmar
seguiram-no um tanto aflitos, com um pressentimento desagradável. Parecia tudo muito
estranho, mas ao que tudo indicava uma bomba-relógio fora colocada por seres
desconhecidos, na intenção de erradicar os colonos terranos que viviam no planeta Pyros
II.
O centro de rastreamento parecia moderno e bem conservado — ou ao menos devia
ter tido a primeira qualidade há vinte anos. Neste tempo alguma coisa tinha mudado no
setor.
— Os impulsos continuam a ser recebidos como antes — disse a Aarn Holmer. —
A intensidade e a direção continuam as mesmas. E a distância ainda é de quinhentos.
O Coronel Akran dirigiu-se ao setor de leitura e examinou-o. Levou apenas alguns
minutos para descobrir que de forma alguma se tratava de simples impulsos de rádio. Em
sua opinião, as antenas dos rastreadores captavam uma radiação energética sistemática,
que se repetia a intervalos regulares. Que nem o tiquetaquear de um relógio.
O tique-taque de um relógio...
De repente Akran teve certeza de que sua teoria era certa. Sua cabeça começou a
funcionar em alta velocidade. Só havia duas possibilidades, e ele teria de escolher uma
delas.
Era verdade que, se quisesse, poderia decolar imediatamente com a Crest,
afastando-se do perigo juntamente com a preciosa nave. Ou então teria de encontrar a
bomba e desarmá-la. Mas assim mesmo a Crest poderia decolar e permanecer numa
órbita em que não corresse perigo.
— Faça uma ligação com a Crest — disse a Hegmar. — Quero falar com o centro
de rastreamento. Precisamos de dados precisos. O Tenente-Coronel Moghul deverá
preparar a nave para a decolagem e dar ordem para que o Major Longline entre em ação.
A Crest e o anfiplanador só decolarão quando eu der ordens expressas. — Sem aguardar a
confirmação, dirigiu-se a Aarn Holmer: — Não se preocupe. Tomaremos todas as
providências. Dentro de algumas horas saberemos que espécie de ovo os desconhecidos
depositaram em Pyros II. Não saia de sua sala de rádio. Manteremos contato permanente
com o senhor.
— O que pretende fazer?
— Encontrar a bomba, se for mesmo uma bomba, Mr. Holmer. O que acha que
estes forasteiros vieram fazer aqui? Por que não entraram em contato com os senhores?
Naturalmente porque não queriam ser reconhecidos. Mesmo que este mundo seja
destruído, sempre pode haver sobreviventes. Mas há uma coisa que eu estranho. Por que
não destruíram Pyros II imediatamente? Por que concederam um prazo? — Akran
sacudiu a cabeça. — Estamos perdendo tempo. Até logo mais. Decolaremos, mas
voltaremos. Quando tudo tiver passado.
— Acha que devemos tomar alguma precaução? Ou vamos esperar?
— Os senhores não têm alternativa — respondeu Akran no tom de quem lamenta.
— Confiem em nós. Vamos conseguir. Mas tenho o dever de antes disso afastar a nave
do perigo. Permaneceremos em contato.
O coronel voltou à nave em companhia de Drave Hegmar, que já avisara o imediato
da Crest. Antes de dar ordem de decolar, chamou o Major Longline. Contou em palavras
ligeiras o que em sua opinião tinha acontecido em Pyros II e deu ordem para que o chefe
do comando de desembarque encontrasse e desarmasse a bomba-relógio, fosse qual fosse
a origem dos impulsos energéticos por ela emitidos.
O Major Longline foi dispensado.
Sempre fora um tipo solitário, embora possuísse amigos. Seus melhores amigos
eram os membros de seu comando. Antes que a Crest V decolasse, ele os avisou e os
convocou para comparecerem ao hangar. Dentro de mais alguns minutos, um veículo
parecido com um carro voador saiu da eclusa principal e subiu preguiçosamente. Voou
devagar e em pequena altura para o norte, em direção à costa.
— Desta vez não estamos num exercício nem num passeio, senhores — disse o
Major Longline. — Nossa tarefa é encontrar uma bomba-relógio ou coisa pior. Talvez
seja uma espaçonave de uma raça ainda não identificada que está estacionada no fundo
do mar. Conhecemos sua posição aproximada. Por isso gostaria que desta vez
dispensassem suas brincadeiras e encarassem a situação com a seriedade que ela exige.
Entendido?
— Não será fácil — observou o Capitão Neupère, que era o radioperador da equipe.
— Você deveria ter escolhido um grupo diferente.
— Nada disso! — afirmou Longline em tom seco.
Continuou dirigindo o veículo, mantendo-o sempre na mesma altura. Atrás deles
trovejaram os propulsores da Crest V e a gigantesca esfera subiu ao céu azul do planeta.
Mais alguns segundos, e a nave desapareceu. Mas Neupère continuou a manter contato
ininterrupto com a sala de rádio.
O Tenente Ingo estava sentado à frente de seus aparelhos, tentando registrar os
impulsos recebidos. Era quem mais gostava de falar, mas naquele momento permanecia
surpreendentemente calado. Certamente não dormira bem, ou não estava gostando da
história.
O Tenente Esser, ajudado pelo Tenente Dagen, examinou os controles do centro de
artilharia. Conversaram em voz baixa, para não perturbar o comandante.
Quando atingiram a costa, estavam a cem metros de altura. Pequenas ilhas
apareceram à sua frente, passaram embaixo deles e desapareceram no horizonte sul.
Neupère mantinha contato com a Crest, que já estava entrando numa órbita. Numa faixa
diferente ouviu uma conversa entre Aarn Holmer e outra pessoa. O locutor dos colonos
exprimia-se com muito cuidado, mas recomendou ao seu pessoal que nas próximas horas
permanecesse em casa. Não deu nenhuma explicação.
— Todas as armas de bordo em condições de entrar em ação — informou Esser
assim que concluiu o exame.
Longline respondeu com um aceno de cabeça.
— Excelente. Só falta Ingo encontrar o ponto de origem das radiações. Em minha
opinião, deve ficar bem embaixo da superfície do oceano, pelo menos a dois ou três
quilômetros de profundidade. É o que se conclui do fato de os impulsos virem em sentido
oblíquo. Incluí a curvatura da superfície em meus cálculos. — Longline sorriu. — Ingo se
alegrou antes da hora.
— Você acha que sou pior que você — contestou o encarregado do rastreamento.
— Vamos encontrar a coisa, mesmo que esteja cinco mil metros abaixo da superfície.
Neupère virou-se e fitou o encarregado do rastreamento com uma expressão
indagadora.
— Você terá de prender a respiração por muito tempo para descer cinco mil metros.
Ingo não respondeu. Parecia contrariado. Seus amigos sabiam que nunca
descobririam o motivo. Eles o conheciam.
Aproximaram-se do alvo à velocidade do som, sem tocar a superfície do oceano.
Ainda era cedo para isso. Estavam numa corrida contra o tempo e ninguém sabia de
quanto ainda dispunham. Sobrevoaram uma ilha maior, que ficava exatamente em sua
rota. Parecia que não era habitada. Não passava de uma rocha nua e sem vegetação que
saía do mar.
— Recebemos uma mensagem da Crest — disse Neupère. — Estão conosco nas
telas. Há um fosso bem profundo a nossa frente. O objeto que emite os impulsos deve
ficar no fundo dele. Dizem que devemos ter cuidado.
— É uma área pouco favorável para o trânsito de desconhecidos — resmungou
Dagen e sentou atrás dos controles dos dois canhões de proa. — Mas vieram. Não dá para
entender.
Longline reduziu a velocidade quando se aproximaram da posição calculada. O
veículo perdia altura constantemente. Finalmente o ventre liso do anfiplanador quase
tocou a água agitada do mar. Os impulsos registrados pelos rastreadores eram cada vez
mais intensos. Pelas indicações da ecossonda, a profundidade do mar era de três
quilômetros. De repente Ingo, que não tirava os olhos dos aparelhos de rastreamento,
disse:
— Os impulsos vêm bem de baixo de nós. Qual é a profundidade?
— Três mil e quinhentos, Ingo. Será que não houve um engano?
— De forma alguma. É uma radiação pulsante com intervalos regulares. Tenho a
impressão de que já conheço isto. Talvez seja um aparelho funcionando. Também há
impulsos que não conheço. Não faço a menor ideia do que pode ser. — Ingo olhou
ligeiramente para baixo através da cúpula transparente. Viam-se perfeitamente as cabeças
de espuma das ondas. — Receio que tenhamos de mergulhar.
Longline acenou com a cabeça e disse em tom sarcástico:
— É o que também receio. Desejávamos uma excursão, e aí está ela.
O comandante desligou os propulsores de vôo. Sustentado pela velocidade que
desenvolvia, o planador ainda voou um trecho curto antes de bater na água e afundar. O
Tenente Esser, que não conseguia acostumar-se a esse momento, prendeu instintivamente
a respiração quando se viu cercado pelo infinito verde-azulado.
— Não tenho nada contra a água, enquanto puder andar sobre ela num barco a vela
— disse. — Às vezes também me banho nela. Mas beber, não; beber, não a bebo. Muito
menos mergulhar aí, e logo neste caixão de metal. Só o diabo sabe por que tive a ideia
maluca de apresentar-me como voluntário para este comando da morte.
— Não há nada a que o homem não se acostume — garantiu Longline em tom sério.
Ingo e Neupère sorriram. Conheciam a predileção de Longline pelas observações
objetivas, que geralmente tinham a finalidade de deixar embaraçado quem as ouvisse.
Mas muitas vezes quem acabava embaraçado era ele.
A nave foi mergulhando cada vez mais depressa. A luz do sol não demorou a
desaparecer. Longline preferiu não ligar os faróis de proa. Não queria ser descoberto, se
no fundo do mar realmente existissem seres que não tinham uma disposição nada
amistosa para com ele. Já não acreditava que se tratasse de uma bomba-relógio. Era mais
provável que fosse uma espaçonave estacionada no fundo do mar, que esperava um sinal
previamente combinado para entrar em ação.
Tinham descido dois mil metros quando Ingo disse:
— A intensidade dos impulsos aumentou. O classificador dos rastreadores os separa
e os transmite aos respectivos computadores onde são medidos. O impulso mais forte
vem de um reator que produz quantidades enormes de energia. Esta energia não é
consumida, mas armazenada. As medições realizadas não deixam a menor dúvida sobre
isso. Resta saber para que e por que a energia é armazenada. Ainda há outra máquina
funcionando. Não é possível identificá-la, mas sabemos que precisa de energia. Fica bem
embaixo de nós, a pouco mais de mil metros daqui.
Longline começou a desconfiar de que lhes estava reservado algo mais que o
encontro com uma bomba-relógio ou uma espaçonave não identificada. Os
desconhecidos deviam ter um motivo todo especial para montar uma instalação destas nas
profundezas. Já não havia a menor dúvida de que se tratava de instalações...
...e de repente Longline sabia o que havia lá embaixo.
Ficou aparentemente calmo e tranquilo. Mexeu nos controles com movimentos
seguros, fazendo o planador descer mais depressa. Quanto mais cedo suas suspeitas se
transformassem em certeza, melhor para todos. Mas se sua hipótese se confirmasse,
teriam uma certeza horrível.
Já não teve a menor dúvida em ligar os faróis. A água era limpa. Parecia que não
havia animais. Os rastreadores de Ingo permitiam que Longline dirigisse o planador com
tamanha precisão que o raio do farol instalado na parte de baixo do veículo de repente foi
refletido por uma superfície metálica brilhante. A superfície era ligeiramente abaulada,
como se fosse a parte superior de uma cúpula enterrada no fundo do mar. Se havia uma
entrada, Longline não a viu.
Tinham encontrado o que estavam procurando.
— Como estão as comunicações pelo rádio, Neupère? — perguntou Longline.
— Muito fracas. Há muita água em cima de nós. Se quisermos comunicar-nos,
teremos de emergir.
— Era o que eu imaginava. E você, Ingo? O rastreador consegue identificar os
impulsos recebidos?
Ingo sacudiu a cabeça.
— Infelizmente, não. Como já disse, detectei uma fonte de energia com o respectivo
banco de armazenagem. Por enquanto é só.
— É quanto basta, Ingo. O que existe lá embaixo é uma instalação de
autodestruição planetária. Já entrou em funcionamento. Os desconhecidos foram
extremamente rápidos em descarregá-la e ativá-la. Ninguém sabe quando detonará,
liberando num instante a energia armazenada. Talvez ainda tenhamos uma chance.
Os homens calaram-se. Dagen empalideceu, enquanto Esser brincava nervosamente
com os controles dos armamentos. Neupère tentou em vão entrar em contato com a Crest.
Ingo não se mexia, limitava-se a olhar fixamente para os rastreadores. O navegador,
cadete Wolter, estava deitado na poltrona, de olhos fechados. Sua respiração era
tranquila.
Longline era o único que fazia alguma coisa.
Ligou os propulsores ascendentes tão depressa que o anfiplanador subiu que nem
uma bolha. Rompeu a superfície da água e precipitou-se para o céu frio e claro. Neupère
começou a transmitir que nem um louco, enquanto Longline seguia para o sul. Alguns
minutos depois de terem saído da água, finalmente foi estabelecido contato pelo rádio.
Longline informou o Coronel Akran sobre o terrível achado e pediu novas instruções.
Ressaltou que não valia a pena tentar destruir as instalações recém-encontradas por meio
de um tiro energético ou de uma bomba. Havia o perigo de uma detonação precoce, que
significaria o fim do planeta Pyros II, se as suposições fossem corretas.
— Então deve haver outro modo de desativar as instalações — gritou Akran em tom
áspero. — Não vê nenhum?
— Não vejo nenhum meio normal, comandante. Mas o senhor está com Gucky a
bordo. É telecineta e, se não me engano, já usou mais de uma vez sua faculdade para
desligar uma instalação automática sem ter de entrar nela. Por que não haveria de fazer a
mesma coisa aqui?
Akran aspirou ruidosamente o ar.
— O senhor tem razão, major. Já ia me esquecendo do rato-castor. Fique onde está.
Faremos a determinação goniométrica de sua posição e em seguida Gucky teleportará.
Qualquer outro procedimento seria muito demorado.
— Está bem, mas é bom que ande depressa. Ninguém sabe de quanto tempo ainda
dispomos.
Akran, que estava sentado à frente dos controles da Crest, acenou automaticamente
com a cabeça, embora seu interlocutor não o visse. Ouviu um ruído vindo de trás. Virou a
cabeça e viu Gucky, que piscou para ele enquanto roía uma cenoura que acabara de ser
descongelada.
— Mais uma vez sem minha colaboração não dá para fazer nada, não é mesmo? —
perguntou o rato-castor em tom petulante e pôs à mostra o dente roedor num gesto
amável. — Onde se meteu Longline com sua lata de sardinhas?
Akran conseguiu controlar-se. Ficou calmo.
— A distância é de dois mil quilômetros, se não demorarmos demais. Para obter as
coordenadas exatas, basta fixar-se nele. Modelo intelectual conforme o esquema...
— Está bem, já consegui. Não foi difícil encontrá-lo. Os que estão com ele não têm
preguiça de pensar. Deve ser uma boa turma. — Gucky suspirou fortemente. — Bem, lá
vamos nós...
Enquanto isso, Longline dava explicações a seu pessoal.
— Praticamente não existe nenhuma possibilidade de desligar uma instalação
destas, depois que ela foi posta a funcionar. Não pode ser destruída, porque então
também cumpre sua finalidade — um pouco mais cedo. Só mesmo um telecineta para
fazer alguma coisa. Pode apalpar mentalmente o interior das instalações e mover os
respectivos controles. Se Gucky não puder fazer nada, ninguém mais poderá. Tomara que
não demore a chegar.
— Já chegou — piou neste instante a voz do rato-castor que acabara de materializar
do nada. — Estou pronto; podemos começar. Desligar uma estação como esta... ora, para
um ilt como eu é uma brincadeira. Vocês verão...
Os homens cumprimentaram Gucky com demonstrações de entusiasmo, enquanto
Longline fez virar o anfiplanador sem perder muitas palavras, voltando a colocá-lo na
rota norte.
— Meu velho! — exclamou Neupère em tom entusiástico e deu uma palmadinha no
ombro do rato-castor. — Agora a coisa está nos eixos.
— Não arranhe a mão nas minhas ombreiras — aconselhou Gucky em tom
bonachão. Conhecia os homens de Longline e sabia quais eram as peculiaridades de cada
um. Espreitara-os telepaticamente por muito tempo e divertira-se com suas conversas. —
Senão não poderá dar uma bofetada no In-go, que acaba de chegar à conclusão de que
você é um jumento grosseiro.
Gucky conhecia pessoalmente o Tenente Esser. Foi para perto dele e deu-lhe uma
cutucada nos quadris. O encarregado dos armamentos, que era um homem obeso, ficou
tão surpreso que por pouco não caiu da cadeira.
— Como vai nosso Joãozinho das armas?
— Até há pouco estive bem — respondeu Esser muito sério, com o rosto
impassível. — Mas tenho a impressão de que isto não vai durar muito.
Antes que Gucky pudesse responder ou iniciar uma cerimônia de recepção,
Longline o interrompeu.
— Deixem isso para depois. Não podemos perder tempo. Não sabemos quanto
tempo as instalações ainda funcionarão antes que tudo vá pelos ares. Tratem de segurar-
se...
Longline acelerou o anfiplanador o mais que pôde. Neupère voltou a ficar no rádio,
enquanto Ingo cuidava dos rastreadores. Esser examinou pela décima vez os controles
das armas, no que foi ajudado por Dagen, também pela décima vez. Wolter sentia-se
meio supérfluo, porque Ingo cuidava de seu trabalho.
De repente Gucky encarou o Tenente Dagen.
— Se voltar a comparar-me em pensamento com uma chinchila, você vai ver o que
é bom! Acha que sou um casaco de peles?
Dagen examinou os controles do canhão de proa e empalideceu.
Quando o planador chegou mais perto do destino, Gucky informou-se através dos
impulsos de rastreamento armazenados sobre a espécie de energia irradiada pelas
misteriosas instalações. Tinha plena consciência do risco que estaria assumindo ao
teleportar para dentro de uma situação destas, ainda mais às cegas e sem qualquer ponto
de referência.
O rato-castor notou os olhares atentos dos seis homens.
— Não se preocupem. Saberei lidar com isso. É simples. Basta apalpar
telecineticamente as instalações internas para saber qual é o contato mais importante. E
este eu interrompo telecineticamente. Dali em diante não passará mais nenhuma energia.
Só nos restará fazer votos de que a energia armazenada não seja liberada. Logo, também
terei de interromper o conduto entre o banco de energia e o detonador. Hum. Não será tão
fácil... Mas vamos dar um jeito. Posso garantir uma coisa. Se não fosse eu, vocês
estariam em maus lençóis. Só mesmo um telecineta para interromper o funcionamento de
uma instalação automática deste tipo. Se alguém tentar entrar à força, as instalações
explodirão imediatamente. Ainda bem que vocês podem contar com Gucky.
— Uma desgraça quase nunca vem só... — murmurou Neupère com a voz quase
imperceptível.
Gucky fitou-o com uma expressão ameaçadora, mas não fez nada. Mas, apesar
disso, o radioperador teve o cuidado de segurar-se na braçadeira da poltrona, pois
conhecia as histórias que se contavam a respeito do rato-castor e de seu amigo do peito
Bell. Não estava com vontade de ficar grudado na cobertura transparente, incapaz de
fazer qualquer movimento.
Alcançaram o lugar assinalado pelos rastreadores e mergulharam. Mais uma vez
não houve nenhum imprevisto. O anfiplanador tocou o fundo do mar a pelo menos dez
metros da esfera de metal cintilante.
Gucky, que usava traje de combate, fechou o capacete.
— Chegou a hora. Não saiam daqui enquanto eu não voltar. É claro que poderia
fazer meu trabalho aqui mesmo, mas quando estou sozinho consigo concentrar-me
melhor. Pode demorar cinco minutos, mas também pode ser meia hora ou mais. Manterei
contato pelo telecomunicador. Mas não me perturbem enquanto não for necessário.
Gucky concentrou-se num ponto desconhecido no interior das instalações e
desapareceu. Os homens voltaram a ficar sós na cabine do planador. Nenhum deles
poderia afirmar que se sentia muito bem.
Gucky rematerializou.
Viu-se numa câmara completamente escura, que servia como eclusa de saída. Nas
paredes havia controles cuja finalidade ele não conhecia. Mas Gucky não se incomodou.
Os controles que importavam no momento estavam embutidos num bloco metálico do
qual só se poderia aproximar telecineticamente. Seria impossível romper este bloco,
mesmo com os meios mais sofisticados, sem destruir as instalações e provocar a
catástrofe.
No primeiro instante Gucky não sabia onde começar a procurar. Mas assim que
descobriu um ponto de referência foi tudo muito rápido. Mesmo sem ver os condutos e
relês, ele os espiou, apalpou e seguiu até encontrar os pontos mais importantes. Foi
rompendo um contato atrás do outro.
Feito isso, avançou mais pela estação, até descobrir a fonte de energia. Colocou-a
fora de ação, usando os mesmos meios que usara antes. As vibrações leves que sentira
sob os pés pararam.
O reator deixara de funcionar.
Gucky respirou aliviado. Reconheceu no seu íntimo que a segurança aparentada
diante dos terranos fora fingida. Alegrava-se duas vezes por ter conseguido. Enfiou a mão
no bolso e tirou as duas bombas atômicas do tamanho de um punho humano que tivera o
cuidado de trazer. Seus mecanismos tinham sido ligados para fazê-las explodir dentro de
cinco minutos. Colocou-as num lugar em que destruiriam tanto o reator como o
dispositivo de destruição propriamente dito. Só então apertou os botões dos detonadores.
Gucky teleportou-se para a cúpula e olhou em volta à procura do planador, que se
encontrava numa superfície arenosa plana. Gucky viu as bolhas que subiam lentamente.
Contemplou-as, pensativo, mas logo se lembrou de que não tinha muito tempo.
Mas, apesar disso, a lembrança dessas bolhas ainda desempenharia um papel
importante na evolução do Império Solar, por mais insignificantes que pudessem parecer
nesse momento.
Quando saltou de volta para o planador, Gucky já as tinha esquecido.
O Tenente Esser teve de fazer um grande esforço para que ninguém notasse o susto
que levou quando Gucky apareceu de repente em seu camarote. Ainda estava mexendo
nos controles das armas, como se quisesse pôr à prova sua fama de ser algo mais que um
simples pedante. Gucky foi para perto dele, pôs-se a contemplá-lo por algum tempo e
disse:
— Sinto muito, amigo, mas você não tem mais nada para fazer. Pode adiar seu
exercício de tiro. — Em seguida dirigiu-se a Longline. — Quanto a você, aconselho que
dê o fora quanto antes. Dentro de três minutos mais ou menos duas bombas atômicas
explodirão por aqui.
Longline provou que era um homem de ação e de poucas palavras. Não fez nenhum
comentário. Empurrou a chave do acelerador e o anfiplanador subiu à superfície em alta
velocidade. Uma vez fora da água, seguiu na direção sul e acelerou. O veículo tinha
percorrido alguns quilômetros quando perguntou laconicamente a Gucky:
— Tudo em ordem? Tem certeza de que aquela geringonça não explodirá
juntamente com as bombas?
— É claro que está tudo em ordem. Já se viu alguma coisa feita por mim não estar?
As instalações foram desativadas, e depois pus dois ovos. Daqui a um minuto acabarão
de ser chocados.
Neupère voltou a entrar em contato com a Crest V. Fez um relato ligeiro dos
acontecimentos, A voz do Coronel Akran soou bastante aliviada quando confirmou o
recebimento da mensagem e acrescentou:
— Fico-lhes muito grato, senhores. E, é claro, a você também, Gucky. Acho que os
colonos já podem sentir-se mais aliviados. Não acredito que neste planeta tenha sido
colocada outra instalação deste tipo. Além disso já estão prevenidos. Terão de criar um
serviço de vigilância permanente. Pelo menos é o que acho. Não sabemos quem foi o
autor do atentado. Talvez os aconenses... Bem que seriam capazes.
Naquele momento o Coronel Akran não desconfiava de que nunca descobririam.
— Transmita sua posição — pediu o Tenente Neupère em tom indiferente.
Os dados foram registrados e processados. Depois disso o Coronel Akran
respondeu:
— Encontramo-nos junto ao porto espacial do continente norte. Aarn Holmer
convidou-nos a participar de um banquete. Até logo mais.
Gucky sorriu e deu uma cutucada em Neupère, no lugar em que acreditava ficarem
as costelas.
— Para você isto é formidável, cara! Você é conhecido como um sujeito que come
muito e depressa.
Neupère sacudiu a cabeça. Parecia triste.
— Sou conhecido como tal em toda parte, menos aqui. Sabe lá o que estes colonos
acostumados a privações acham que é um banquete? Acho que nem mesmo você ficará
muito entusiasmado.
— Nas florestas crescem cogumelos. Posso colher alguns.
— Não como cogumelos.
— E se eu os colher pessoalmente?
— Aí mesmo é que não os como.
***
Neupère fora injusto com os colonos de Pyros II. A festa improvisada foi realizada
vinte quilômetros ao sul do porto espacial. Os anfitriões tinham vindo de todos os lados
para prestar as homenagens ao Coronel Akran e sua tripulação. Gucky foi tratado como
uma raridade e homenageado principalmente pelas mulheres. Orgulhoso, deleitou-se com
o tratamento recebido lançando olhares de triunfo para Longline, que não escondia sua
inveja.
Neupère não parecia muito interessado. Não parava de mastigar, ingerindo as
deliciosas iguarias, em sua maioria tiradas do mar.
Aarn Holmer conversava animadamente com o Coronel Akran. Este pôde
tranquilizá-lo.
— Demos duas voltas em torno do planeta e constatamos sem sombra de dúvida
que não existe outro dispositivo de destruição. Podemos confiar nos rastreadores, Mr.
Holmer. Mas, apesar disso, recomendo que aperfeiçoe o sistema de vigilância do planeta,
para que o incidente não se repita. Ainda não sabemos quem colocou a máquina.
— Temos a descrição da nave, que foi observada pelos pescadores durante o
mergulho.
— No momento isso não nos ajuda muito. Uma nave pode ser imitada ou
aprisionada. Receio que nunca descobriremos. Mas não tenha dúvida. Apresentaremos
um relato minucioso. No momento Rhodan está em Old Man, onde pretendo encontrar-
me com ele.
— Receio que ele tenha outros problemas...
— Tem e muitos, mas nunca negligencia nenhum. Por menos importante que seja
uma colônia, ela sempre está no seu coração. Acho que o senhor fez muita coisa com um
planeta desabitado, e isto em poucos anos.
— Obrigado, coronel. Sentimo-nos bem aqui. Por favor, sirva-se...
Foram horas felizes, que representaram uma agradável variação na rotina de ambos
os lados. Depois disso, quando todos os tripulantes da Crest V já tinham voltado para
bordo, chegou uma mensagem em código do sistema de Vega.
O Coronel Akran leu o texto decifrado e empalideceu.
Deu ordem de decolar.
2
O General Pera Isigonis ficou satisfeito quando o vôo de inspeção chegou ao fim.
Quase todas as semanas realizava um vôo destes para visitar as unidades da frota
espalhada pelos numerosos planetas de Vega. Atracava junto às fortalezas espaciais
artificiais, que giravam em torno do sol que nem os planetas, reforçando o cinturão de
segurança. A base de Vega era uma das mais poderosas da frota terrana. Ficava no campo
avançado da zona defensiva direta do Império Solar.
Fazia apenas dois dias que Isigonis tinha recebido uma mensagem pessoal de
Rhodan. Nela o Administrador-Geral recomendou que reforçasse sua vigilância e
permanecesse em estado de rigorosa prontidão. Rhodan tinha motivos para acreditar que
o ataque dos condicionados em segundo grau era iminente.
Isigonis franziu a testa ao lembrar-se dos condicionados em segundo grau. O que o
deixava aborrecido não era tanto o fato de os policiais do tempo se parecerem com os
halutenses, mas principalmente os motivos que os levavam a considerar os terranos como
seus inimigos. Quem dera que os descendentes dos halutenses, que eram seres muito
competentes e inteligentes, pudessem reconhecer que o crime contra o tempo não fora
cometido pelos terranos. Aliás, os condicionados em segundo grau pareciam possuir uma
sensibilidade toda especial em relação ao tempo. Também para isso devia haver uma
explicação.
Os pensamentos do general foram interrompidos por um oficial da equipe de rádio,
que entrou na sala de comando muito nervoso, trazendo uma notícia.
— Temos um pedido de socorro da estação W-47, senhor. Foram avistados dolans.
Isigonis saiu da poltrona com uma velocidade surpreendente.
— Dolans... Quantos foram?
— Quinhentos, senhor. Saíram do espaço linear e parece que estavam se agrupando.
Sua rota dali em diante não é conhecida.
— Ponha todos em prontidão!
O oficial desapareceu.
Isigonis voltou a sentar. Era a única coisa que podia fazer no momento. Dentro de
alguns minutos receberia outras notícias, que lhe permitiriam formar um quadro da
situação. Um quadro que justificaria os piores temores. Ao menos quanto a isto ele tinha
certeza.
As notícias chegaram.
Os dolans tinham saído do espaço linear em vários pontos do universo normal.
Reagrupavam-se em novas formações. Desta vez a cunha frontal apontava exatamente na
direção em que ficava um sol amarelo que era o centro do Sistema Solar, a vinte e sete
anos-luz de distância.
O General Isigonis compreendeu.
O ataque à Terra começara.
Não era o primeiro ataque que os condicionados em segundo grau lançavam contra
a Terra e o Império Solar. Há meses vinham investindo isoladamente contra os planetas
coloniais da Terra, destruindo-os sem a menor piedade. Rhodan fizera tudo que estivera
ao seu alcance para convencer os policiais do tempo de que sua ação de retaliação atingia
a raça errada, mas foi em vão. Não havia nada que demovesse os monstros da nuvem de
Magalhães da intenção de destruir o Império Solar dos terranos.
Isigonis dirigiu-se à estação interestelar de hiperrádio mais próxima e deu ordem
para que fosse estabelecido contato videofônico com Old Man. Dentro de alguns minutos
defrontou-se com a imagem de Rhodan.
— Senhor, quinhentos dolans agrupam-se para o ataque à Terra. Devemos fazer
alguma coisa? Talvez consigamos destruir a primeira cunha de ataque. Os novos
aparelhos REMF...
— Espere mais um pouco, general. Acompanhe os preparativos. Sabe onde está a
Crest V? Recebeu ordem de fazer um vôo de teste e não deu mais notícias...
— Estamos em contato com a Crest há duas horas, senhor. O Coronel Akran
confirmou ter pousado em Pyros II, onde foi descoberto e desativado um dispositivo de
destruição planetária.
— Pode entrar em contato com Akran?
— A qualquer momento, senhor.
— Muito bem. Informe-o e peça-lhe que volte imediatamente para cá. Aguardarei
sua nave em Old Man. Por enquanto o senhor não interferirá. Quem ataca e procura a
guerra são os dolans, não nós. Só temos o direito de defender-nos.
— Manterei contato com o senhor — disse Isigonis e saiu da estação de rádio. O
contato com a Crest poderia ser feito a partir de sua nave.
Feito isso, Isigonis voltou a interessar-se pelos dolans, que mantiveram sua
formação de saída, mas não fizeram nada. Parecia que esperavam alguma coisa.
Os fatos confirmaram esta hipótese. Mais quinhentos dolans saíram do espaço
linear, orientaram-se e entraram em formação. A cunha de ataque dirigida contra a Terra
já era formada por mil dolans.
A notícia alarmante foi transmitida a Rhodan.
Isigonis continuou em posição de escuta, enquanto o Coronel Akran fez a Crest V
decolar de Pyros II e seguiu em direção a Old Man. Rhodan deu o alarme geral,
provocando a reação defensiva da Terra. Por enquanto ninguém sabia se os dolans
atacariam na direção prevista, ou se aquilo era uma manobra de camuflagem. As linhas
defensivas estenderam-se espaço afora, em três dimensões. Isto representava uma divisão
de forças que, conforme as circunstâncias, poderia ser fatal. Mas não havia alternativa.
Dali a duas horas o General Isigonis informou que havia um total de dois mil dolans
em formação de ataque.
Mercant, o chefe do Serviço de Segurança Solar, chegara pouco antes a Old Man.
Até parecia que previra o ataque que estava para ser desfechado e queria comandar as
operações defensivas em Old Man juntamente com Rhodan.
— Quais são as noticiais de Isigonis?
— Já são dois mil. Formaram uma cunha de ataque em direção à Terra. Não vai
demorar.
— As defesas foram preparadas. Assim que os dolans saírem de perto de Vega
teremos melhores informações. Numa distância tão reduzida só poderão ativar os
propulsores lineares, que podem ser localizados. Quando aparecerem aqui, estaremos
preparados para proporcionar-lhes a recepção que merecem.
Rhodan olhou demoradamente para Mercant.
— Acha mesmo que estamos em condições de enfrentar dois mil policiais do
tempo? Para ser sincero, eu não acredito.
Mercant esboçou um sorriso.
— Não vamos esquecer que este não é o primeiro ataque que repelimos. Nossos
aparelhos REMF são capazes de atravessar seus campos defensivos. E eles sabem disso.
— Justamente porque sabem acho que devem possuir novas armas defensivas
capazes de surpreender-nos. Mas as especulações não servem para nada. Só nos resta
esperar.
Neste momento chegou outra notícia do sistema de Vega. Os dois mil dolans tinham
desaparecido. E o Coronel Akran saíra para voltar à Terra.
Rhodan fez um sinal para Mercant.
— Chegou a hora. Logo veremos se estamos em condições de enfrentá-los.
***
Quando os dolans voltaram ao universo einsteiniano, o Sistema Solar ficava bem
embaixo deles, a muitas horas-luz de distância. Deixaram clara sua tática de ataque.
Queriam evitar o cruzamento das diversas órbitas planetárias, avançando contra a Terra
vindos de cima. Certamente achavam que assim não encontrariam uma resistência tão
forte. Ao mesmo tempo confirmaram a suposição de Rhodan de que desta vez o ataque
era para valer. Queriam atacar e destruir não o Sistema Solar, mas principalmente o
mundo central do Império Solar, que era a Terra.
Assim que reconheceram essa tática, Rhodan e Mercant puderam dar calmamente
suas ordens.
As novas posições foram ocupadas.
***
O grupo de cruzadores pesados do General Ems Kastori estava numa posição em
que fechava o caminho aos dolans que se dispunham a atacar a Terra. Foi por acaso, e
Kastori não parecia nada contente com isso. Era considerado um general valente e
circunspecto, mas nem por isso se considerava um herói ou fazia questão de sacrificar-se
juntamente com seus homens.
Mas isto não impediu que sentisse o primeiro impacto do ataque inimigo.
Segundo o relatório de campanha, os dois mil dolans não atacaram ao mesmo
tempo. Cerca de mil dos objetos voadores semi-orgânicos separaram-se do grupo e
deslocaram-se em direção à Terra desenvolvendo metade da velocidade da luz. Os outros
esperaram.
Mil dolans!
Bastaria um único para destruir um planeta.
Ems Kastori sabia que todas as naves sob seu comando tinham sido equipadas com
o aparelho REMF. Tratava-se de um modificador de frequências que mediam, à maneira
de um campo antirrastreamento, as modulações de frequência de um campo paratron
situado numa categoria espacial superior. Isso permitia que se atravessasse o campo
paratron dos dolans por meio da polarização alcançada através de um modificador
estrutural sincronizado. Como os aparelhos REMF estavam acoplados aos canhões
conversores comuns, por meio deles a bomba podia ser transportada ao alvo através do
campo defensivo.
O aparelho REMF era considerado a única arma eficaz contra os policiais do tempo.
Mas estes também sabiam disso.
De repente foi recebida uma ordem pelo rádio que fez com que Kastori entrasse
ligeiramente em pânico. O estado-maior reunido em Old Man deu ordem para que os
destacamentos avançados da frota voassem ao encontro dos dolans e tentassem
comunicar-se com eles. Em hipótese alguma Ems Kastori seria o primeiro a abrir fogo.
Embora não se sentisse muito à vontade, o general transmitiu as instruções aos
comandantes dos outros cruzadores, e o grupo saiu em direção aos dolans que se
aproximavam em alta velocidade, acelerando ligeiramente.
Havia mais dois destacamentos estacionados na vertical do plano elítico. Eram o do
General Wallerson e o do Major-General Tchenkow. Os dois grupos receberam ordem de
colocar-se entre a Terra e os atacantes, a fim de interceptar os dolans que contornassem o
grupo de Kastori ou o atravessassem.
Para Kastori, isso não era um grande consolo.
Esperou que os dolans ficassem a apenas alguns segundos-luz de distância e
adaptou sua rota e velocidade à dos atacantes, para estabelecer contato. As máquinas
tradutoras foram acopladas aos aparelhos de rádio, para facilitar a comunicação.
Não houve resposta.
Pelo menos não a que Rhodan esperava e desejava. Pelo contrário. Os primeiros
dolans abriram fogo.
Isto naturalmente não surpreendeu o General Kastori. Não esperara outra reação dos
policiais do tempo e alertara seus comandantes. As naves do grupo espalharam-se
imediatamente, mantendo a mesma velocidade. O general respondeu ao fogo com os
aparelhos REMF, e a primeira batalha teve início, a várias horas-luz da Terra e de Old
Man.
***
Quando recebeu as informações, Rhodan estreitou os lábios. Parecia que os temores
de seu genro Abel Waringer se tinham confirmado.
Os cruzadores de Kastori tentaram deter os dolans, mas não conseguiram. Segundo
as informações, os aparelhos REMF não estavam fazendo efeito. Os canhões não
conseguiam lançar as bombas conversoras no alvo. Estas explodiam antes de alcançar o
campo paratron dos dolans. Não atravessavam o obstáculo e assim não produziam
nenhum efeito. O grupo de Kastori sofreu perdas horríveis antes que conseguisse desviar-
se lateralmente. Não fora perseguido.
Os dolans prosseguiram em seu vôo em direção à Terra.
Enquanto Kastori tentava reagrupar seus destacamentos quase completamente
dizimados, Tchenkow interveio nos acontecimentos. Também não era um herói, mas um
homem valente e impetuoso, que raciocinava friamente. Estava imbuído da vontade de
salvar o que fosse possível. Para isso só havia uma possibilidade: o contra-ataque.
Rhodan acompanhava os acontecimentos pelas telas de Old Man. Viam-se
perfeitamente os pontos prateados das naves terranas que enfrentavam os dolans,
menores, mas muito mais perigosos. Tchenkow já descobrira que os aparelhos REMF se
tinham tornado inúteis, mas a velha raposa não iria desistir por tão pouco. Se um único
aparelho não conseguia romper o campo paratron do inimigo, quatro ou cinco deviam ser
capazes.
Rhodan adivinhou o plano do major-general.
— Será nossa última chance — murmurou e olhou fixamente para as telas de
imagem. Mercant, que estava sentado perto dele, não respondeu. — Acontece que com
isso piora a proporção entre nossas naves e os dolans.
O primeiro atacante desmanchou-se na fogueira atômica de uma bomba. Quatro
cruzadores pesados de Tchenkow conseguiram destruí-lo.
O princípio era extremamente simples. Várias naves de grande porte, protegidas
contra o ataque por pelo menos uma dezena de unidades menores, abriam fogo contra um
dolan com os canhões conversores comuns. Um fogo bem concentrado em determinado
ponto do campo paratron. Dali resultava uma sobrecarga tamanha que o campo defensivo
não conseguia desviar para o hiperespaço a energia que incidia sobre ele. Desmoronava.
No mesmo instante era transportada pelo menos uma bomba atômica para o interior do
dolan, causando sua destruição.
Naturalmente era um processo relativamente complexo, mas dava resultado.
Infelizmente não se podia evitar que o respectivo grupo fosse atacado por outros dolans,
que destruíam várias naves. Desta forma as perdas dos terranos foram relativamente
elevadas. A cada dolan destruído correspondiam dez unidades terranas destruídas ou
avariadas.
Rhodan não se abalou. Os dados disponíveis foram conduzidos ao cérebro
positrônico Nata, instalado na Lua. Nata comunicou um resultado preliminar da
interpretação destes dados. Os policiais do tempo tinham criado e estavam usando uma
nova arma defensiva contra o aparelho REMF. Mas, acrescentou o cérebro positrônico, a
hesitação dos dolans no ataque era um sinal de que os policiais do tempo ainda não
tinham muita certeza sobre os efeitos de sua arma. Era este o motivo da lentidão do
ataque.
De qualquer maneira ainda sobraram novecentos dolans que acabaram rompendo as
fileiras de Tchenkow e prosseguiram em direção à Terra, desenvolvendo metade da
velocidade da luz.
E havia mais mil dolans na espera.
***
Quando alcançou as coordenadas de destino que lhe tinham sido dadas, o General
Wallerson teve uma surpresa. Só encontrou um resto miserável do grupo de Tchenkow,
dizimado pelos dolans. Mas Tchenkow ainda não perdera seu gênio impetuoso.
Transmitiu um breve relatório pelo telecomunicador e concluiu:
— Nada está perdido, general. O senhor me conhece e sabe que sou um homem
cuidadoso. Às vezes até chego a refletir. Sabe o que observei? Não sabe? Pois então vou
contar. Consegui derrubar dois dolans, sem auxílio de ninguém, simplesmente usando
meu aparelho REMF Sabe o que significa isto?
— Pode dizer — respondeu o General Wallerson.
— Significa que a nova arma que os dolans possuem contra nossos aparelhos
REMF ainda não é completamente segura. Funciona, mas imperfeitamente. Há falhas,
com as quais devemos contar.
— Mas aí a gente pode errar nos cálculos — objetou Wallerson. — As perdas
sofridas pelo senhor são a melhor prova disso.
— Está bem, está bem. O que quero dizer é que não devemos desistir.
— Alguém falou em desistir, coronel? Reagrupe suas naves e siga-me. Agarraremos
os dolans de trás e pelo flanco.
Rhodan, que acompanhou a conversa, fez um sinal para Mercant.
— É uma chance, embora pequena. Ainda estão experimentando sua arma. Natã
tem razão. Eles hesitam porque ainda nos temem. Tomara que isto nos ajude em alguma
coisa. — Rhodan voltou a olhar para as telas. — Corno estão as coisas na Terra?
— Foi tudo preparado — respondeu Mercant com a voz apagada.
***
Mike Jefferson trabalhava como técnico em positrônica na fábrica de robôs
Mechanics, situada nas proximidades de Londres. Não sabia muita coisa sobre o que
acontecia fora da Terra. Tinha seu trabalho, sua família e sua casa de campo.
Naturalmente possuía um planador, um equipamento obrigatório que lhe permitia voar
para qualquer ponto da Terra toda vez que tivesse vontade. Passara o ultimo fim de
semana descansando com a mulher e os filhos numa ilha do Pacífico. Havia gente
demais, mas isto não fazia mal. As cidades submarinas e os jardins cobertos que ficavam
cem metros abaixo do nível do mar ofereciam bastante lugar para os que vinham em
busca de descanso. E essas pessoas chegavam aos oito bilhões.
Mike levantou os olhos quando um robô se aproximou e lhe entregou um bilhete.
No bilhete estavam escritas três letras e dois algarismos:
“BOD 69”
Mike Jefferson empalideceu. Conhecia de cor os números-código da semana, que
eram mudados quatro vezes por mês. Eram mais importantes que todas as notícias e as
novidades transmitidas pelo vídeo. As três letras e os dois algarismos significavam que a
catástrofe era iminente e que todos deviam preparar-se para a evacuação da Terra.
Para isso havia planos cuidadosamente elaborados. Jefferson abandonou o local de
trabalho, depois de ligar o controle automático. Tudo continuaria funcionando, mesmo
que todos os seres humanos abandonassem a fábrica. Continuaria a funcionar, mesmo que
a Terra fosse evacuada e abandonada. Os invasores encontrariam as coisas da forma que
os terranos as tinham deixado.
Pelo menos por algum tempo. Depois, se os dispositivos automáticos não fossem
desligados, entraria em funcionamento uma instalação montada nas profundezas do
subsolo...
Jefferson deixou o planador no lugar em que ficara estacionado. Se o código BOD
69 não fosse um ensaio, ele por enquanto não precisaria dele. Mike subiu agilmente na
esteira transportadora, que o levou ao centro de distribuição. Outras pessoas vinham
chegando de todos os lados. Conversavam, mas ninguém sabia o que tinha acontecido.
Nas últimas notícias se mencionara que a frota espacial estava em regime de
prontidão. Só isso. Nenhum detalhe. Somente o regime de prontidão.
E agora a ordem de evacuar a Terra. Bem no íntimo Mike Jefferson sabia que a
medida não passava de um tranquilizante. Era verdade que havia muitas naves-transporte
gigantescas, ultranaves adaptadas nas quais cabiam dezenas de milhares de seres
humanos. Mas a Terra possuía oito bilhões de habitantes. Mas o problema principal não
era este. Os problemas existiam em todos os portos espaciais da Terra. As frotas de
evacuação ocupavam muito lugar para poderem estar constantemente preparadas para
entrar em ação. Parte das naves de transporte estava guardada em hangares subterrâneos,
à espera do momento de cumprir sua missão, enquanto outra parte percorria uma órbita
constante em torno da Terra e da Lua. Numa situação de urgência seria impossível fazer
pousar ou decolar todas estas naves ao mesmo tempo.
— A Terra está sendo atacada — disse alguém que se encontrava ao lado de
Jefferson. — Foi meu chefe de seção que contou. Ele tem suas ligações...
— Quem está atacando a Terra?
— Não faço ideia. Meu chefe não sabia. Mas por que será que deram a ordem BOD
69?
Jefferson deu de ombros.
— Talvez seja um exercício.
— Exercício coisa nenhuma! Se fosse nós saberíamos. Sempre há alguém que sabe.
Era verdade. Nas oportunidades anteriores nunca se anunciara oficialmente que era
um exercício, mas todas as vezes circulou o boato de que era isso. E esse boato sempre
acabava se confirmando.
E desta vez não houvera nenhum boato desse tipo.
— Quer dizer que o senhor acha que é para valer?
— Sem dúvida! Daqui a pouco terei de mudar de esteira. Até logo mais.
“Quem sabe se ainda haverá um logo mais?”, pensou Jefferson, e viu o homem
saltar agilmente para outra esteira, que o levou na direção oposta.
Jefferson percorreu o resto do trecho no trem tubular. Respirou satisfeito quando
chegou em casa. Bem no íntimo chegara a recear que talvez não estivesse mais lá.
— São os dolans, Mike — disse a esposa. — Atacam em grande número. A frota
sofreu perdas e foi obrigada a retirar-se. Rhodan deu ordem de evacuação, pois tudo
indica que os dolans querem atacar e destruir a Terra.
Jefferson fitou-a estupefata
— Como soube disso?
— A notícia foi transmitida pelo vídeo. Desta vez não esconderam nada. Logo se vê
que a situação é muito grave. Vamos apressar-nos. Nossa nave decolará dentro de duas
horas.
Jefferson olhou para o relógio.
— Daqui a duas horas... E depois? Sabe para onde iremos? Para onde seremos
levados? — Apontou para o pequeno jardim que cercava a casa. — Nunca mais
encontraremos uma coisa como esta. Custou muito trabalho e paciência.
A mulher sacudiu a cabeça.
— O jardim não servirá para nada se for queimado. Em qualquer mundo poderemos
plantar outro. Mas é possível que voltemos depois que tudo tiver passado. Quem sabe se
o alarme não foi uma medida de precaução?
Jefferson cerrou fortemente os lábios e entrou na casa. Era necessário reunir os
objetos indispensáveis. Não era muita coisa, pois só se permitiam cinco quilos de
bagagem por pessoa. Só levou dez minutos para reunir as coisas.
O vídeo não parava de funcionar. Foram transmitidas imagens do setor espacial da
Lua e de Old Man. Eram imagens coloridas e tridimensionais. E muito reais.
Os dolans que restavam do primeiro grupo continuaram a avançar. Só tinham sido
destruídos duzentos, enquanto as perdas da frota chegavam perto de duas mil unidades.
— Como poderemos escapar deles? — resmungou Jefferson, desesperado. — Os
mundos coloniais também serão atacados e destruídos. Será que vale a pena?
A mulher agarrou-o pelo braço.
— Mike, você é meu marido, e eu o amo. Nunca o vi assim. Por que está tão
desanimado? — A mulher certificou-se de que os filhos esperavam no jardim. — Que
houve com você? Perdeu a coragem, a confiança em Rhodan?
Jefferson fez um gesto de pouco-caso.
— Rhodan está em Old Man, bem longe daqui.
A mulher sacudiu-o com força.
— Que é isso, Mike? Não venha me dizer que você acha que Rhodan está fugindo à
responsabilidade. Naturalmente está na fortaleza espacial, mas sem dúvida está mais
preocupado conosco que você mesmo. Que mais poderia ele fazer? Você está sendo
injusto, Mike. Não pode culpar Rhodan. Ele fez tudo que estava ao seu alcance.
— Não o culpo, mas não compreendo como pôde haver a invasão. Agora é tarde
para fazer qualquer coisa...
— É verdade! Mesmo que alguém possa fazer alguma coisa, este alguém é Rhodan
e seu pessoal. Você e eu não podemos fazer nada. Só podemos tentar afastar-nos do
perigo juntamente com nossos filhos. Vamos embora. Está na hora.
A mulher saiu sem olhar para trás. Uma vez no jardim, os filhos vieram correndo
para junto dela. A mulher acariciou o cabelo deles e segurou firmemente suas mãos.
— Vamos logo, Mike!
Mike desligou o televisor. Foi um gesto mecânico sem sentido. Em seguida trancou
a porta da casa e, como de costume, guardou a chave embaixo do capacho. Esqueceu-se
de ativar a trava positrônica.
A esteira transportadora levou-os ao porto espacial.
3
A cúpula porta-naves de Old Man parecia uma gigantesca semi-esfera cuja base
tinha duzentos quilômetros de diâmetro. Tinha cem quilômetros de altura no ponto mais
elevado. Na extremidade inferior, completamente plana, estavam presas doze
plataformas, cada uma com cinquenta por cinquenta quilômetros e dez quilômetros de
espessura.
A tripulação básica da fortaleza era de cinquenta mil homens, e no interior das
plataformas cabiam quinze mil ultracouraçados. O comandante do robô gigante era o
General Janos Ferenczy. Ainda não tivera tempo para tripular completamente todas as
naves de guerra estacionadas em Old Man.
Rhodan e sua equipe dirigiram-se à sala de comando do robô. Lembravam-se
constantemente de quem lhes fizera este presente do passado. Talvez isto fosse um dos
crimes contra o tempo de que os acusavam os condicionados em segundo grau.
— Daqui podemos acompanhar melhor os acontecimentos — disse Rhodan depois
de cumprimentar o General Ferenczy. — Não tenho muita certeza de que os dolans
lancem um ataque direto contra Old Man. É possível que nosso campo defensivo não
possa ser rompido nem mesmo pelos canhões intervalares.
— Sinto-me como se estivesse numa prisão — confessou Gucky em tom frio.
A sala de comando de Old Man ficava no centro da cúpula.
— É uma prisão segura — tranquilizou-o Rhodan. — Não entrará ninguém que não
quisermos. Mas podemos sair a qualquer momento, principalmente você.
— A Crest está estacionada na plataforma III, a cem quilômetros daqui, esperando,
Perry. O Coronel Akran mantém a nave preparada para decolar. Não adianta mesmo eu
tentar convencê-lo?
— Não adianta, não — respondeu Rhodan e fez um gesto negativo.
Gucky calou-se. Era o único que compreendia perfeitamente o desespero de Rhodan
e sabia avaliá-lo em toda a extensão. Captou o fluxo de impulsos de pânico e registrou-os
em seu cérebro telepático. Eram tão intensos que chegavam a ser dolorosos. Rhodan
sabia que não havia saída.
E recusava-se terminantemente a acreditar num milagre.
Mas o milagre acabou acontecendo...
***
A primeira onda de dolans não se encontrava a mais de dez milhões de quilômetros
da Terra. Reduzira a velocidade a poucos milhares de quilômetros por segundo. Talvez
fosse porque cerca de trinta mil naves terranas colocaram uma cortina atômica na rota dos
dolans, que não pôde ser ignorada nem mesmo por estes. Afinal, o alcance de seus
canhões intervalares era menor que o dos canhões conversores terranos.
Ainda restavam oitocentos e cinquenta dolans, que deram início ao ataque final.
E exatamente neste instante aconteceu.
De repente os alto-falantes soaram em todos os cantos de Old Man. Eram alto-
falantes de cuja existência ninguém sabia. Uma voz metálica falou no mais puro terrano,
clara e nitidamente. Estava em todos os recintos da figura gigantesca e não pôde deixar
de ser ouvida por ninguém. Sem dúvida era uma voz automática, armazenada para este
caso há dezenas de milhares de anos e ativada não se sabia por que dispositivo.
A voz foi precedida do uivo de sereias, para que também fosse ouvida por aqueles
que estavam dormindo. A voz só se fez ouvir quando o uivo foi terminando aos poucos.
E a voz disse:
— Comando defensivo de emergência falando. Ocorreu a hipótese Lua Negra.
Abandonem a plataforma porta-naves e todas as unidades. Assumirei.
A mensagem foi repetida três vezes. Depois veio o silêncio. Um silêncio completo e
mortal.
Rhodan continuou em sua poltrona, imóvel, e olhou para os amigos. Finalmente
Mercant começou a falar.
— Os dolans! Devem ter ativado um comando de emergência. Não devemos
esquecer que Old Man foi construído para proteger a Terra. Na época estávamos sendo
atacados pelos halutenses. São quase idênticos aos condicionados em segundo grau...
Bell levantou e apertou um botão do painel de controle.
Não aconteceu nada.
Old Man não reagiu.
As sereias estridentes voltaram a soar. A voz automática repetiu o texto.
Recomendou pressa, porque do contrário já não seria possível ter qualquer consideração
pelos terranos que ainda estivessem a bordo.
Rhodan tentou ativar o intercomunicador e não conseguiu esconder o espanto
quando viu que era possível. Deu ordem para que a estação robotizada fosse evacuada.
Tifflor passou a mão pelo queixo.
— Quem sabe se nem foram os dolans, mas nossos impulsos cerebrais que ativaram
o comando de emergência? Não devemos esquecer que na situação desesperada em que
nos encontramos nossos pensamentos são irradiados com maior intensidade. Logo,
podem ser captados melhor.
Antes que alguém pudesse dar uma resposta, Gucky disse:
— Tifflor tem razão, ao menos em parte. Se não estou enganado, já houve um
ataque perigoso dos dolans contra a Terra, e Old Man não esboçou a menor reação. Por
quê? Pois eu digo. Rhodan não se encontrava a bordo. Logo, seus impulsos mentais são
os únicos capazes de ativar o comando. Não acham que é lógico?
Ninguém teve qualquer objeção. Era lógico, bem lógico. Os construtores de Old
Man tinham tomado todas as precauções para evitar que a poderosíssima máquina de
guerra, que certamente ainda guardava muitos segredos, caíssem em mãos estranhas. Para
eles Rhodan era o único representante do Império Solar e da humanidade. Por isso tudo
fora adaptado à sua pessoa.
— Suponhamos que o que você acaba de dizer está certo, Gucky. O que devemos
fazer?
— Cumprir a ordem o mais depressa possível. Acho que todos concordam comigo.
Todos concordaram. Até mesmo Rhodan deixou de opor-se. Afinal não tinha a
intenção de fugir à responsabilidade, indo para a Crest a fim de escapar ao perigo.
Limitava-se a cumprir as ordens dos aliados da Terra.
Naturalmente o tempo era muito escasso, e os culpados disso não eram os terranos.
A ordem de evacuar Old Man fora dada quando já era tarde. Os ocupantes de todos os
setores ainda estavam correndo pelos corredores de fuga para alcançar as plataformas em
que estavam guardadas suas naves quando a voz automática deu o terceiro alerta.
O texto era o mesmo, mas no fim da transmissão a voz desconhecida acrescentou
que a ação de defesa seria iniciada em cinco minutos, e que então não devia haver mais
ninguém fora das plataformas.
— A Crest precisa decolar — gritou Gucky em tom exaltado, apontando para Bell e
os outros. — Vocês não correrão perigo por aqui, mas Perry irá comigo...
Antes que alguém pudesse impedi-lo, Gucky segurou as mãos de Rhodan e
teleportou para a sala de comando da Crest, que ainda aguardava instruções na plataforma
III.
***
O cilindro de fogo dos dolans já se aproximara a alguns milhões de quilômetros de
Old Man. E continuava a avançar.
Quando Gucky e Rhodan rematerializaram no interior da Crest, ainda se encontrava
a um milhão de quilômetros. Se a velocidade permanecesse constante, dali a dez minutos
os martelos titânicos destruiriam Old Man.
O Coronel Akran apresentou um ligeiro relato e voltou a olhar para a tela
panorâmica. Rhodan não poderia censurá-lo por isso, pois um espetáculo grandioso se
desenrolava diante de seus olhos. As naves iam decolando das plataformas, obedecendo à
ordem da voz automática. Agruparam-se nas proximidades de Old Man e ficaram à
espera de novas instruções.
Rhodan fez um sinal para Akran.
— Decole, coronel. Alguma coisa vai acontecer aqui, mais ou menos daqui a três
minutos. Não posso dizer o que é. Será preferível verificarmos de uma distância em que
não corremos perigo. Acho que Old Man vai interferir nos acontecimentos.
A Crest V subiu levemente e acelerou. A ligação pelo tele-comunicador com Bell,
Mercant e Tifflor foi mantida. Os terranos que ainda se encontravam em Old Man
receberam instruções de permanecer calmos e não fazer nada, acontecesse o que
acontecesse.
Quando a Crest desacelerou a uns mil quilômetros da fortaleza robotizada, esta
aparecia nitidamente na tela. O rosto de Rhodan assumiu uma expressão tensa quando ele
se deu conta de que o prazo anunciado chegara ao fim. Ao lado dele o Coronel Akran
estava sentado na poltrona de comando, pronto para entrar em ação. Os oficiais
aguardavam ordens. Todos eles olhavam fixamente para a tela. Gucky instalara-se
confortavelmente sobre a mesa de controle.
Uma tela lateral mostrava a frente de ataque dos dolans, que atravessaram sem se
abalar a cortina atômica dos defensores. As naves terranas recuaram exatamente à mesma
velocidade com que avançavam os dolans.
De repente Rhodan inclinou o corpo e prendeu instintivamente a respiração. Não
podia estar enganado. O que seus olhos viam era verdade. O Coronel Akran e seus
oficiais também ficaram surpresos.
Old Man começou a dividir-se.
As doze plataformas secionais desprenderam-se da cúpula central.
Foi bem devagar, com uma precisão que só pode ser alcançada por um cérebro
positrônico de comando. Naturalmente se sabia que as plataformas podiam ser separadas
da cúpula, mas ninguém se atrevera a fazer a experiência. E agora isso acontecia de
forma completamente automática.
As plataformas, que eram figuras metálicas de dez quilômetros de espessura e
cinquenta de lado, afastaram-se por meio de seus propulsores da cúpula central, que
permaneceu em sua órbita em tomo da Terra. Formaram uma cunha cuja ponta apontava
para os dolans.
— Vão atacar os dolans — cochichou Rhodan com um misto de incredulidade e
esperança na voz. — Meu Deus!...
Gucky foi um pouco para o lado, para não tirar a visão dos homens que estavam
sentados atrás dele. O Coronel Akran estava literalmente deitado em sua poltrona
especial, sem fazer qualquer movimento. Bell perguntou pelo telecomunicador o que
estava acontecendo.
Gucky encarregou-se de dar as explicações.
— As plataformas separaram-se de vocês e vão atacar. São dirigidas por um cérebro
positrônico escondido na cúpula. Voam ao encontro dos dolans. Fiquem calmos. Nada
lhes acontecerá. Mas a mesma coisa não se pode dizer dos dolans.
Dali a um minuto Bell comunicou:
— As telas voltaram a funcionar. Vemos tudo. O que acontecerá se as plataformas
se encontrarem com nossas naves? Acho que devemos retirá-las.
Rhodan parecia ter acordado da letargia. Fez um sinal para Atlan, que compreendeu
imediatamente o que o chefe queria. Com uns poucos movimentos fez uma ligação geral
com os comandantes das unidades terranas que tentavam deter os dolans. Estas unidades
incluíam as dos grupos comandados por Kastori, Wallerson e Tchenkow.
Assim que chegaram as confirmações, Rhodan disse:
— Os doze setores de Old Man estão intervindo, dirigidos por um cérebro
desconhecido. Retirem-se para sair de seu caminho. Para qualquer eventualidade, formem
juntamente com o resto da frota o último cinturão de defesa em torno da Terra.
Mais uma vez vieram as confirmações.
Os efeitos da ordem puderam ser observados na tela panorâmica. Viu-se
perfeitamente as naves recuarem. Enquanto a frota espacial solar se retirava, deixando
livre o caminho, as doze plataformas guiadas por Old Man aceleraram, aproximando-se
em alta velocidade da frente martelante dos impulsos intervalares. Rhodan captou
algumas mensagens de rádio que sem dúvida vinham das plataformas. Havia em seu
interior alguns milhares de couraçados com as respectivas tripulações, que não tinham
decolado em tempo. Não se sabia o que tinha acontecido neste meio-tempo. Rhodan
informou as tripulações e pediu aos comandantes que não tomassem nenhuma medida,
mas mantivessem as naves preparadas para decolar a qualquer momento.
A Crest voltou a acelerar e seguiu devagar o grupo formado pelas doze seções, que
se aproximavam dos dolans em velocidade alucinante, enquanto ligavam os campos
hiperenergéticos de cor verde. O contato de rádio com as naves fechadas no interior das
plataformas foi mantido.
A frente dos canhões intervalares ainda se encontrava a cem mil quilômetros das
plataformas, quando destas saiu de repente uma incandescência vermelho-escura em
forma de leque, na direção dos dolans que se aproximavam. Atravessou o cilindro de
fogo e envolveu os dolans, que reduziram imediatamente a velocidade. Mas nem por isso
suspenderam o fogo.
Rhodan, o Coronel Akran, Gucky e os oficiais olhavam fixamente para a tela
panorâmica, que reproduzia fielmente os acontecimentos, em imagens plásticas e
coloridas. Ainda não se sabia quais eram as características e os efeitos da cortina
vermelha, mas Rhodan acenou com a cabeça para o Coronel Akran, sem tirar os olhos da
tela.
— Diga a Kastori, Wallerson e Tchenkow que estejam preparados. Em hipótese
alguma deverão recuar mais em direção à Terra.
Akran cuidou disso sem pestanejar. Voltou à sua poltrona. Teve o cuidado de
mandar fazer uma ligação direta da sala de rádio para a sala de comando.
Rhodan inclinou o corpo, pois não queria que nada lhe escapasse. Fazia questão de
acompanhar o que acontecia na frente dos dolans. A incandescência vermelha atravessou
a formação dos objetos voadores semi-orgânicos, mas parecia que não faziam nenhum
estrago.
Em compensação aconteceu uma coisa que Rhodan não esperara. A incandescência
em leque uniu-se numa larga frente cintilante, que se concentrou nos campos paratron dos
dolans. Estes incharam, começaram a tremer irregularmente e saíram voando que nem
uma nuvem de poeira carregada pelo vento.
No espaço cósmico não havia vento. Mas o universo einsteiniano abriu-se. Surgiram
fendas que o ligaram ao hiperespaço, e as nuvens parecidas com a poeira formadas pelos
restos dos campos paratron foram aspiradas por elas com a força da areia seca sugando a
água.
Desta forma os dolans ficaram de um instante para outro sem sua proteção mais
eficaz.
A reação de Rhodan foi imediata. Deu ordem para que os comandantes das
unidades da Frota Solar voltassem a atacar os dolans sem aproximar-se a menos de três
milhões de quilômetros. Já compreendera qual seria o auxílio prestado por Old Man. O
robô usava uma arma secreta para eliminar os campos paratron, sem atacar os dolans,
muito menos destruí-los. Isso ficou por conta dos terranos.
Kastori, Wallerson e Tchenkow reconheceram sua chance. Seus grupos avançaram,
cada um numa direção diferente, até as imediações da frente intervalar, que continuava
intacta. Em seguida abriram fogo com os canhões conversores contra os dolans privados
de sua proteção.
Somente vinte condicionados em segundo grau sobreviveram à primeira investida.
Entraram em pânico e fugiram, mergulhando dentro de instantes no espaço intervalar.
O ataque fora rechaçado; acontecera o milagre que não se esperava mais. Old Man,
a herança do passado, possuía uma arma capaz de neutralizar os campos paratron
considerados impenetráveis.
E Old Man era amigo dos terranos.
Antes que Rhodan pudesse dar novas instruções, as doze plataformas mudaram de
rota.
Aceleraram e logo se viu qual era seu destino.
Estavam voltando à cúpula de Old Man.
***
Bell, Mercant e Tifflor, que se encontravam na gigantesca sala de comando da
cúpula de Old Man, tinham acompanhado os acontecimentos. Quando as plataformas
desapareceram em direção à extremidade superior do sistema, o genro de Rhodan, Dr.
Geoffry Abel Waringer aproximou-se calmamente, com uma lentidão irritante.
— Então, senhores? O que acham? — perguntou em tom amável.
Bell fitou-o com uma expressão furiosa.
— Até parece que o senhor já sabia. Será?
— É claro que não, Mr. Bell. Como poderia saber? Apenas tenho o hábito de refletir
de vez em quando. E por isso tirei minhas conclusões. O que tenho a dizer não são fatos,
mas apenas suposições. Não quero que me interprete mal, Mr. Bell. Às vezes as
suposições encenam a verdade.
— Compreendi. Pode começar. Que houve mesmo?
— Não queria falar nisso, pois o que aconteceu nós vimos. O comando secreto de
Old Man usou uma nova arma, com a qual os campos paratron dos dolans foram
remetidos ao hiperespaço. Ficaram indefesos e foram destruídos por nossas naves. Mas
fico me perguntando como isto pôde acontecer. Acho que os impulsos de pânico de
Rhodan ativaram um comando de tempo. Mas se este comando existe, também há outros.
Deveríamos procurá-los. Assim poderemos livrar-nos também dos policiais do tempo. De
forma rápida e radical.
— Será que Rhodan quer uma coisa dessas? Ainda acha que poderemos chegar a
um acordo.
— Ele é um otimista incorrigível! — Havia um tom de desprezo e condescendência
na voz de Waringer. — Como pretende convencer esses tipos de que os terranos são
inocentes? Nada disso. Precisamos descobrir as outras armas secretas. Não tenho a menor
dúvida de que existem e de que elas nos permitirão afastar de vez o perigo.
— É possível que o senhor tenha razão — reconheceu Bell a contragosto. Sabia que
Rhodan tinha a intenção de negociar com os condicionados em segundo grau, houvesse o
que houvesse, para esclarecer os mal-entendidos. — Mas como faremos para encontrar os
comandos secretos, caso eles existam? Old Man é uma figura gigantesca. Não
conhecemos sequer metade de suas instalações.
— Depois que Rhodan voltar pensaremos novamente no assunto. Em minha
opinião, só valerá a pena procurar o comando secreto se Rhodan participar. Além disso o
perigo ainda não foi completamente eliminado. Há mil dolans à espera fora dos limites do
Sistema Solar.
— Acho que já estão saturados com o que aconteceu — conjecturou Tifflor em tom
seco.
O Dr. Waringer fitou-o com uma expressão indefinível.
— Talvez — disse. — Talvez não.
Neste instante um oficial de rádio trouxe a notícia de que as doze plataformas se
aproximavam da cúpula e tinham desligado os campos defensivos verdes. A Crest tinha
sido detectada a uma distância um pouco maior.
O que aconteceu em seguida também foi feito automaticamente, sem qualquer
interferência dos terranos. As plataformas dispuseram-se em círculo e desceram sobre a
cúpula. Cada uma delas sabia qual era seu lugar. Bell e seus companheiros
acompanharam as manobras de engate nas telas. Dez minutos depois da aproximação,
Old Man voltou a ficar completo. Os terranos que se encontravam no interior das
plataformas e tinham acompanhado a operação, contra a vontade, respiraram aliviados.
Neste instante a Crest chamou. O Coronel Akran informou que a nave voltaria a
pousar na plataforma III.
Antes que isso acontecesse, Rhodan e Gucky materializaram na sala de comando da
cúpula de sustentação de Old Man.
O Administrador-Geral cumprimentou o genro, que parecia não ter visto há vários
dias. Waringer repetiu sua tese e concluiu:
— Sei que você pretende negociar com os policiais do tempo, Perry. Mas em minha
opinião você só conseguirá alguma coisa se puder provar que está em condições de, a
qualquer momento, infligir-lhes uma derrota fulminante.
— Não foi o que fizemos?
— Sem dúvida. Mas tudo aconteceu sem nossa colaboração. É possível que os
policiais do tempo não saibam disso. Seria bom. Mas pode ser que saibam e que resolvam
arriscar outro ataque, confiando na sorte. Não, Perry, precisamos ter certeza. Certeza de
poder usar a arma defensiva quando e onde quisermos. Por isso temos de encontrar esta
arma.
— Não gosto de espionar os segredos de nosso verdadeiro amigo — disse Rhodan,
falando devagar. — Já vimos que ele não nos abandona. Não acham que isto basta?
— Se você quiser negociar não basta. Precisará de algo mais que a esperança vaga
de poder dispor de uma arma. Além disso posso informá-lo de uma coisa que deverá
ajudar a tranquilizá-lo neste ponto. Tenho certeza de que Old Man — ou os seres que o
construíram — desejam que você descubra seus segredos. Meus instrumentos captaram
impulsos parapsíquicos vindos do centro da cúpula. Sem dúvida sua finalidade é guiar-
nos. John Marshall e alguns dos seus mutantes confirmaram minha opinião de que se
trata de uma indicação. Tentaremos descobrir a fonte destas emanações. Tenho certeza de
que teremos uma surpresa.
— Emanações? Indicações? — Rhodan sacudiu a cabeça.
— Por que isso só acontece agora? Por que não veio mais cedo?
— Nunca estivemos numa situação tão grave, Perry.
Rhodan fitou Bell, que sacudiu os ombros, indeciso. Mas Mercant acenou
resolutamente com a cabeça.
— Só posso confirmar o que o Dr. Waringer acaba de dizer. Seria uma tolice e uma
leviandade não seguirmos as indicações. Sugiro que comecemos imediatamente. Mas
acho que antes disso devemos suspender a evacuação da Terra. Já não existe um perigo
iminente. Se os mil dolans que ainda restam atacarem, ainda teremos tempo para
prosseguir na operação.
— Além disso — disse Tifflor em tom convicto — Old Man nos ajudará de novo.
— Nosso baixinho sempre foi um otimista — piou Gucky.
— Ele tem razão.
O Dr. Abel Waringer comandou o grupo de buscas, formado pelos principais
dirigentes do Império Solar. Provavelmente os seres que tinham construído Old Man
tinham ajustado os sistemas de identificação automáticos a estes homens, ou a Rhodan.
Rhodan, Mercant, Bell, Tifflor, John Marshall e Gucky.
Saíram da sala de comando e penetraram nas profundezas da cúpula, que em parte
ainda permanecia desconhecida. Os instrumentos já tinham indicado portas que não
podiam ser identificadas como tais a olho nu. Ninguém se arriscara a abrir estas portas
camufladas à força. Quando chegasse a hora, o robô as abriria.
Parecia que a hora tinha chegado.
O Dr. Abel Waringer segurava um aparelho preso ao ombro por uma tira de couro.
John Marshall ia a seu lado. Esforçava-se constantemente para captar impulsos
telepáticos. Era perfeitamente possível armazenar estes impulsos em máquinas e
reproduzi-los à vontade de forma a produzirem os mesmos efeitos dos modelos
intelectuais de quem os tinha gerado. Gucky ajudava Marshall em seus esforços. Rhodan,
Bell, Tifflor e Mercant iam no fim.
Penetraram em regiões que nenhum deles conhecia. Existiam relatórios de
expedições para esta parte da cúpula realizadas por comandos terranos. Mas estes
acabavam de encontrar pela frente paredes metálicas que impediam o avanço, a não ser
que se quisesse usar a violência. E a violência era proibida.
E estas paredes de repente não existiam mais.
Até parecia que nunca tinham existido.
— Miragens, campos defensivos, efeitos de camuflagem — murmurou Waringer
estupefato. — Aqui nunca houve paredes sólidas. Nosso pessoal se deixou enganar. De
qualquer maneira é um bom sinal que estas coisas de repente não existam mais. É uma
prova de que querem receber-nos.
— Quem? — perguntou Rhodan com a voz abafada.
Seu genro virou-se para ele sem diminuir o passo.
— Quem? Talvez o Capitão Rog Fanther, que é o verdadeiro comandante de Old
Man, embora tenha morrido há dezenas de milhares de anos. Seu espírito continua vivo
nesta fortaleza. Ele providenciou que se tornasse imortal nestas instalações mecânicas.
Nem Rhodan nem seus amigos tiveram qualquer resposta.
Que resposta poderiam ter...?
Não se encontraram com ninguém. O labirinto imenso de corredores, salas e
corredores deslizantes estava vazio e abandonado. As esteiras rolantes automáticas
funcionavam da mesma forma que a iluminação, que os acompanhava através dos
espaços enormes. As paredes refletiam o eco abafado de seus passos.
— Nunca ninguém chegou até aqui — afirmou o Dr. Waringer quando chegaram
num entroncamento. Examinou os instrumentos e apontou para um corredor largo. —
Vamos continuar por ali. As emanações aumentaram de intensidade. Já chegamos mais
perto do destino.
John Marshall e Gucky confirmaram que as paravibrações se tinham tornado mais
fortes. Mesmo sem os instrumentos, seriam capazes de localizar sua fonte, que não
poderia estar muito longe.
— Só percorremos vinte quilômetros — disse Mercant. — Quanto falta para
chegarmos ao centro propriamente dito da cúpula?
— Cinquenta quilômetros no máximo — respondeu Rhodan. — Mas não acredito
que tenhamos de ir até lá. Qual é sua opinião, Gucky?
— Pelos meus cálculos não faltam mais que quatro ou cinco quilômetros.
A esteira rolante deslizava em alta velocidade pelo corredor. Rolava
silenciosamente, acompanhada pelas luzes que se acendiam. Depois que o grupo tinha
passado, a luz voltava a apagar-se. As paredes eram lisas e nuas.
— Ainda daria para instalar muitas máquinas por aqui — resmungou Waringer. —
Parece mesmo que a intenção foi esta. Talvez não tiveram tempo.
Ninguém confirmou sua suposição. O corredor fez uma ligeira curva para a direita.
A esteira rolante parou de repente, e o grupo viu-se na entrada de um gigantesco pavilhão
de teto alto e abaulado.
Ninguém disse uma palavra. Todos sabiam instintivamente que tinham chegado.
Viram logo que se tratava de um gigantesco centro de controle. As paredes estavam
cobertas de instrumentos e escalas, além de fileiras de telas de imagem e outras
instalações.
As paravibrações vinham do centro do pavilhão, que ficava a mais de duzentos
metros da entrada. Ali havia uma pirâmide de pelo menos trinta metros de altura e cerca
de vinte metros de diâmetro na base, feita de um material vermelho brilhante.
Era dela que partiam as vibrações.
— É o controle positrônico Lua Negra; só pode ser — murmurou Abel Waringer e
apontou para as paredes de controle cheias de instrumentos. — Já sabemos o que
significa lua negra. É um ataque dos antigos halutenses à Terra. Os condicionados em
segundo grau de nossos dias são parentes dos halutenses. Acho que foi sorte nossa. Mas
no momento isto não importa. O importante é esta pirâmide, da qual saem as
paravibrações. Vamos dar uma olhada. Foi o que queriam seus construtores.
Percorreram o trecho a pé, uma vez que no pavilhão não havia esteira rolante. John
Marshall e Gucky sentiram os impulsos com tanta força que quase chegaram a ser
dolorosos. Não havia dúvida de que vinham da pirâmide.
O material vermelho brilhante de que era feita a pirâmide era desconhecido.
Waringer constatou isto depois de um ligeiro exame. Não pôde tocar diretamente a
pirâmide, uma vez que ela era cercada por um campo energético transparente que devia
ser alimentado por um gerador instalado em seu interior.
— É um campo energético que se gruda à matéria — constatou Mercant, espantado.
— Até parece uma segunda pele. Acho que nem mesmo Gucky seria capaz de atravessá-
lo.
— Logo veremos — piou o rato-castor em tom arrogante e olhou fixamente para a
parte frontal da pirâmide. — Um salto tão curto não pode causar nenhuma desgraça.
O rato-castor desapareceu por uma fração de segundo, para reaparecer
choramingando ao pé da pirâmide. Esfregou o traseiro e levantou devagar.
— Maldito campo energético — indignou-se. — Gostaria de saber o que viemos
fazer aqui, se não nos deixam entrar.
— Você não é Rhodan — esclareceu Waringer em tom calmo.
Rhodan estava um pouco afastado. Parecia muito distraído. Achava que Waringer
devia ter razão, mas provavelmente não bastava ficar parado por ali para ativar o
comando secreto. Teria de fazer alguma coisa para identificar-se.
Antes que pudesse tomar qualquer providência, ouviu-se de repente uma música
baixa. No mesmo instante as paravibrações desapareceram. A música saía da pirâmide e
era tão baixa que mal se conseguia identificar a melodia. Mas Rhodan teve a impressão
de que já a conhecia. Já a ouvira. Só não sabia quando e onde.
Waringer levantou a mão e pediu que se fizesse um silêncio completo.
Já se percebia que era uma voz feminina que cantarolava a melodia. Se a música
possuía um texto, ele não estava sendo cantado e continuou desconhecido. Rhodan já
imaginava que teria mais um teste pela frente.
Bell, que não gostava de música, resmungou:
— Que bobagem é essa? Será que vim a um concerto?
— Silêncio, por favor! — gritou Waringer, indignado. — Trate de lembrar-se. Já
ouviu esta melodia?
Bell sacudiu a cabeça. Via-se perfeitamente pela expressão de seu rosto que se
sentia ofendido. Gucky, que estava perto dele, cochichou:
— Você não é nada cultural, gorducho. Até mesmo um surdo percebe o que é.
— O que é mesmo? — cochichou Bell de volta, apesar do olhar de alerta de
Waringer.
— Uma canção — esclareceu Gucky em tom de segredo. Bell fez uma careta como
se alguém lhe tivesse pisado no pé, mas ficou quieto. Não valia a pena querer discutir
com o rato-castor.
Rhodan já conseguira ouvir nitidamente os trechos da melodia. Convencia-se cada
vez mais que conhecia a canção. Mas por mais fantásticas que fossem sua inteligência e
memória, não conseguia lembrar-se onde e quando ouvira aquela canção. Afinal, já tinha
quinhentos anos.
— Deve ser uma daquelas musiquinhas de antigamente — resmungou Bell.
Rhodan fitou-o com uma expressão atenta e acenou lentamente com a cabeça.
Waringer chegou mais perto da pirâmide e colocou a mão sobre o metal, ou melhor,
sobre o campo energético. Não aconteceu nada. O zumbido leve da voz feminina não
mudou.
— Está vibrando — disse Waringer. — Talvez seja apenas o campo energético.
Pelo menos já sabemos que não é perigoso.
— Foi uma leviandade de sua parte — acusou Rhodan. Ficou em silêncio por
alguns segundos e prosseguiu: — Tenho certeza de já ter ouvido a melodia, mas não me
lembro quando foi. Deve ter sido na juventude, há pouco mais de quinhentos anos. Não
poderia mesmo lembrar-me.
Mercant pôs a mão no bolso e tirou um gravador pequeno, mas muito potente.
Ligou-o e encostou o microfone à pirâmide.
— Tocaremos para nossos companheiros. Talvez alguém conheça.
Waringer recuou e aproximou-se de Rhodan. — Aproxime-se da pirâmide, Perry.
Rog Fanther programou todos os comandos automáticos para sua pessoa. Pelo menos isto
sabemos. Por que não teria feito a mesma coisa com o rastreador individual que sem
dúvida existe no interior da pirâmide? Não custa tentar.
Rhodan acenou com a cabeça. Deu três ou quatro passos e parou junto à pirâmide.
Os Outros recuaram um pouco. A música baixa continuou; não houve nenhuma mudança.
Era uma melodia fácil de guardar, insinuante e de estrutura muito harmônica. O
texto original, substituído pelo zumbido, certamente fora apagado eletronicamente, para
dificultar a identificação da canção.
De repente a melodia deixou de ser reproduzida. Talvez fosse o primeiro sinal de
que os rastreadores tinham reagido às vibrações individuais e às ondas cerebrais de
Rhodan. Tinham-no reconhecido. Waringer ficou imóvel a poucos metros da pirâmide.
Não tirava os olhos de Rhodan.
Alguma coisa rangeu no interior da pirâmide. Ouviram-se alguns cliques que davam
a impressão de que estavam sendo estabelecidos contatos que antes não tinham existido.
Um aparelho zumbiu e de repente ouviu-se uma voz.
Era mais uma vez a voz de um robô, dura e metálica, que falava num intercosmo
impecável. Não revelava nenhum sentimento, e essa ausência de emoções realçava ainda
mais a importância da mensagem.
— O Administrador-Geral do Império Solar, Perry Rhodan, acaba de ser
identificado — disse a voz. — Os dados técnico-vibratórios combinam com os
armazenados na programação. Mas é necessário outro teste, para que não possa haver
nenhum engano. Os impulsos individuais podem ser tecnicamente imitados e irradiados
por qualquer pessoa. O senhor dispõe de trinta e seis horas terranas, a partir deste
momento, para identificar a melodia que acaba de ouvir. Do contrário o veículo porta-
naves em que se encontra acionará o dispositivo de autodestruição. Comunique dentro
deste prazo o nome da canção e cante pessoalmente o texto exato à nossa frente. Será o
último teste.
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