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A argumentação na proposta de

redação e nos textos dos alunos


Telisa Furlanetto Graeff*
Graziela Minas Alberti**

Resumo Considerações iniciais


O trabalho analisa as argumenta-
É comum verificar que a argumenta-
ções de proposta de redação, para co-
tejá-las com as dos textos dos alunos. ção das redações dos alunos apresenta
Assume-se a tese de Ducrot e Ans- idéias instituídas, estereotipadas. A
combre de que a argumentação está questão é saber em que medida os alunos
na língua, reforçada pela teoria dos reproduzem argumentações existentes
blocos semânticos (Carel), que define
argumentar como convocar blocos se-
na proposta. Nesse sentido, o objetivo
mânticos e apreendê-los em encadea- desta pesquisa é explicitar as argumen-
mentos normativos ou transgressivos. tações de uma proposta de redação e
Nessa direção, entende-se que o sen- cotejá-las com as argumentações presen-
tido argumentativo de uma entidade
tes nas redações dos alunos. O trabalho
lingüística é o conjunto de encadea-
mentos que a ela pode ser associado cresce em importância, na medida em
de um modo externo ou interno. Com que é objetivo do ensino de recepção e
base nesse referencial teórico, leu-se produção de textos na escola formar um
a proposta, expressando-se as compre- leitor/escritor autônomo, crítico, que
ensões permitidas, por meio de enca-
deamentos argumentativos. Então, foi deixe marcas de sua subjetividade no
possível identificar redações que re- seu texto.
produzem argumentações da proposta Para realização desta pesquisa, foi
e/ou que produzem novas. Conclui-se selecionada uma proposta de redação e
que a semântica argumentativa pode
vinte e cinco redações, escolhidas aleato-
auxiliar no tratamento dessas ques-
tões de leitura e de redação.
*
Docente do Programa de Pós-Graduação em Letras da
Palavras-chave: Argumentação dis- Universidade de Passo Fundo.
**
Aluna de curso de especialização em Letras da UPF,
cursiva. Blocos semânticos. Proposta
ex-bolsista de Iniciação Científica Pivic/UPF.
de redação. Redação escolar.
Data de submissão: março de 2009. Data de aceite: maio de 2009.

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riamente, que a desenvolveram. Adotou- descrever diretamente a realidade. Em
se, aqui, o conceito de argumentação seu modo de ver, se essa linguagem
discursiva, proposto por Carel (1992), descreve a realidade, ela o faz por meio
em sua teoria dos blocos semânticos, dos aspectos subjetivo e intersubjetivo,
segundo o qual argumentar é estabe- de tal forma que, quando se diz de Pedro
lecer blocos semânticos e expressá-los que é inteligente, a descrição que se dá
em encadeamentos argumentativos de Pedro está mais ligada à admiração
de dois tipos: normativos em Donc do locutor por Pedro e ao interesse que
(=DC=portanto) e transgressivos em manifesta de que o interlocutor considere
Pourtant (=PT=mesmo assim). Esses isso, ao se relacionar com Pedro, do que
encadeamentos estabelecem uma inter- a uma indicação objetiva da inteligência
dependência semântica entre dois predi- de Pedro, passível de ser comprovada
cados, constituindo um sentido unitário em testes que avaliam o quociente de
indecomponível Com base em conceitos inteligência, por exemplo.
dessa teoria, a seguir apresentada, foi Nessa medida, o aspecto referencial
feita a análise dos sentidos argumenta- perde a razão de ser pela impossibilidade
tivos reiterados na proposta e, então, o de ser expresso pela linguagem, e os dois
cotejo com as argumentações dos textos aspectos – subjetivo e intersubjetivo –
dos alunos. são reunidos no que chamou de valor
argumentativo, o qual é definido como
Fundamentos teóricos a orientação que as palavras dão ao dis-
curso. Em seu modo de ver, o emprego
Ducrot, ao apresentar o objetivo da de uma palavra torna possível ou impos-
teoria da argumentação na língua (ADL), sível uma determinada continuação do
proposta juntamente com Anscombre discurso. Retomando o exemplo Pedro é
(1983), afirma que se destina a opor-se inteligente, o autor da ADL faz ver que
à concepção tradicional de sentido. E continuações possíveis seriam portanto
explica que entende por concepção tra- poderá resolver o problema ou mas
dicional a separação do aspecto objetivo, não poderá resolver o problema ,
também chamado de denotativo, dos sendo vetada a possibilidade de se en-
aspectos subjetivos e intersubjetivos, cadear portanto não poderá resolver
comumente ditos conotativos. Dentre as o problema. Define, em vista disso, o
várias razões para tomar como objetivo valor argumentativo de uma palavra
da ADL suprimir essa separação entre como o conjunto de possibilidades ou
denotação e conotação, Ducrot (1990, impossibilidades de continuação discur-
p. 50-51) aponta a impossibilidade de siva que seu emprego determina. Essa
acreditar que a linguagem comum pos- explicitação do valor argumentativo,
sua uma parte objetiva, a qual permita que funda a teoria da argumentação na

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língua, encontra na teoria dos blocos to argumentativo transgressivo Neg-A
semânticos, proposta por Marion Carel, PT C não estuda PT tem sucesso.
o seu maior grau de adequação. Como se percebe, na teoria dos blocos,
A teoria da argumentação na língua, mais do que nunca é fortalecida a idéia
forma standard, admitia apenas um tipo da ADL de que somente o discurso é
de argumentação: a que expressam dis- capaz de dar sentido às palavras. Fora
cursos em portanto (=donc = DC). Carel, dele nada há. Dito de outro modo, para a
em sua Teoria dos Blocos Semânticos, TBS (Ducrot e Carel, 2005), o sentido de
propõe, na tentativa de construir uma uma expressão, seja ela uma palavra ou
descrição semântica do léxico, que se enunciado, é constituído pelos discursos
atribua como sentido a cada palavra um que essa expressão evoca. Discursos es-
conjunto de encadeamentos argumen- ses que são chamados de encadeamentos
tativos em DC (= portanto) e em PT (= argumentativos.
pourtant = mesmo assim), mantendo a Cumpre referir que há dois modos
decisão fundamental da ADL de não se – externo e interno – pelos quais um
recorrer à indicação das coisas ou idéias aspecto pode estar associado às palavras
que a palavra supostamente evocaria. cujo sentido ele constitui. Conforme
Dentro desse quadro teórico, o enun- Ducrot (2002), a argumentação externa
ciado João estuda, portanto tem sucesso (AE) de uma palavra é constituída pela
estaria realizando o bloco semântico que pluralidade dos aspectos constitutivos
relaciona, de forma semanticamente in- de seu sentido na língua, e que estão
terdependente, estudar e ter sucesso. ligados a ela de modo externo, isto é,
Trata-se de um estudo que conduz ao su- quando a entidade é um segmento do
cesso e de um sucesso obtido com o estu- encadeamento. No caso de estudar, exa-
do. A relação semântica argumentativa minado antes, pode-se dizer que o aspec-
que estudar e ter sucesso constroem to normativo estuda DC tem sucesso e o
solidariamente, ou seja, o bloco semânti- aspecto transgressivo estuda PT não tem
co que constituem, pode ser expresso em sucesso constituem a sua AE à direita,
quatro aspectos: os recíprocos, positivo enquanto sua AE à esquerda seria quer
e negativo; e os conversos, normativo e mudar de emprego DC estuda e não quer
transgressivo. mudar de emprego PT estuda.
Confiram-se: (1) os positivos apa- Observe-se que, no caso da AE à es-
rentados: encadeamento argumentativo querda, há uma modificação na regra
normativo (A DC C) estuda DC tem que é válida para AE à direita, segundo a
sucesso e encadeamento argumentativo qual se a argumentação externa de uma
transgressivo (A PT Neg-C), estuda PT entidade X (como Estuda em estuda DC
não tem sucesso; (2) os negativos apa- tem sucesso) contém o aspecto normati-
rentados: encadeamento argumentativo vo, ela contém também o transgressivo
transgressivo Neg-A DC Neg-C não es- e vice-versa. No caso da AE à esquerda,
tuda DC não tem sucesso e encadeamen-

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explica Ducrot (2002, p. 9) a regra sofre um texto expositivo – argumentativo,
a seguinte reformulação: manifestando seu ponto de vista sobre
[...] se a AE da entidade X contém “Y CON a proposta. Confira-se:
X”, ela contém também o aspecto dito “trans- SINAL VERMELHO PARA A ESMOLA
posto”, que é “neg-Y CON’ X”. Assim a AE à
esquerda de ter pressa comporta não somen- É chocante à sensibilidade humana deparar-
te “ter pressa DC apressar-se”, mas igual- se com uma criança inocente pedindo um
mente “neg-ter pressa PT apressar-se”. “troquinho” junto aos semáforos das ruas.
Em relação a isso, há uma campanha em
Além dessa argumentação externa, andamento, em alguns lugares do Brasil,
que representa a colocação de uma enti- contra a prática de dar esmolas a crianças
nesse e em outros contextos similares. Você
dade no discurso, uma vez que se refere
é a favor dessa campanha ou tem opinião
aos encadeamentos argumentativos que diversa? Apresente o seu ponto de vista com
podem preceder ou seguir essa entidade, argumentos convincentes.
Ducrot e Carel, no desenvolvimento da
Note-se que esse ponto de vista pode-
Teoria dos Blocos Semânticos, postulam
ria ser de dois tipos: a favor da proposta
a existência de uma argumentação inter-
ou contra a proposta. Expressando
na (AI), a qual corresponderia aos enca-
essas duas atitudes em encadeamentos
deamentos que parafraseiam a entidade.
argumentativos, teríamos os dois enca-
Assim, uma AI de estudar seria não
deamentos:
saber PT querer aprender. Observe-
(a) dar esmola DC agir de forma ade-
se que, no caso da argumentação interna
quada;
de uma entidade X, a entidade não pode
(b) dar esmola DC não agir de forma
ser um segmento do encadeamento que
adequada.
a parafraseia, nem comportar também o
Sublinhe-se que o encadeamento (a),
aspecto converso. No caso de estudar, o
conforme a TBS, relaciona dar esmolas
encadeamento converso seria não saber
e agir adequadamente, bloco semânti-
DC não querer aprender, que se opõe
co que é aprendido normativamente.
ao encadeamento transgressivo não sa-
Já o encadeamento (b), se basearia
ber PT querer aprender.
num bloco que poderia ser expresso
pelo discurso Quem dá esmola não age
Análise da argumentação de forma adequada, que contém, tam-
na proposta de redação bém, um encadeamento argumentativo
normativo.
O assunto da proposta de redação em Caso se fizesse o quadrado argumen-
foco é uma campanha contra a esmola, tativo de cada bloco, poder-se-ia notar,
que foi realizada em nosso país, em nível com muita clareza, que as ideias dar
nacional, chamada Sinal Vermelho esmolas / agir adequadamente e dar
para a Esmola. A questão proposta esmolas / não agir adequadamente po-
aos alunos, como se pode conferir no deriam ser, também, apreendidas trans-
texto que segue, era que elaborassem gressivamente. Considere-se o quadrado

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argumentativo do bloco semântico que diferentes, que conduz a refletir mais
relaciona dar esmola e agir adequa- profundamente sobre o assunto, que
damente. desobedece à regra de que dar esmola
é ruim.
Na continuidade do trabalho, para
verificar os sentidos argumentativos
apresentados aos alunos, analisou-se
o texto da proposta e, especialmente, o
enunciado que o inicia:
É chocante à sensibilidade hu-
mana deparar-se com uma criança
Considere-se, agora, o quadrado ar-
inocente pedindo “um troquinho”
gumentativo do bloco semântico oposto,
junto aos semáforos das ruas.
que relaciona dar esmola e não agir Percebem-se nele três argumentações
adequadamente. contra dar esmola, por meio das argu-
mentações internas de ser chocante,
criança inocente e troquinho.
Relativamente a ser chocante, pode-
se imaginar que signifique algo que se
fique sabendo e que se rejeite (constata
PT não aceita). Já a expressão criança
inocente poderia ser parafraseada pelo
Contudo a proposta de redação veta encadeamento faz PT não sabe que faz
a possibilidade de argumentação trans- e troquinho poderia ser expresso num
gressiva, posto que ela propõe ao aluno a encadeamento argumentativo como é
questão: “Você é a favor dessa campanha dinheiro PT sem valor de compra.
ou tem opinião diversa?” Como se disse antes, a orientação da
Relembrando, mostrou-se que a pro- proposta é contra dar esmola ou a favor
posta possibilitava a argumentação dar da campanha sinal vermelho para a
esmolas DC não agir adequadamente, esmola.
isto é, sinal vermelho para esmola, Na seção seguinte, serão analisadas
ou dar esmola DC agir adequadamente, as redações, para verificar se os sentidos
o que significa argumentar com base de criança inocente, de troquinho, e
no princípio de que esmola é bom ou é de ser chocante são reproduzidos nas
ruim, inexistindo o meio termo, o que redações. Este último sentido argumen-
significa exclusão da possibilidade de tativo será visto globalmente no texto
os alunos argumentarem transgressi- produzido pelos alunos, isto é, conforme
vamente, como em dar esmola PT agir se posicionem relativamente à campa-
adequadamente, que representaria um nha Sinal vermelho para a Esmola.
ponto de vista que contempla situações

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Apresentação e discussão Nessa direção, analisou-se, em cada
texto, o sentido argumentativo de pe-
dos resultados obtidos na dinte, que na proposta de redação era
análise da argumentação “criança inocente” (faz PT não sabe que
nos textos produzidos faz) e de esmola, que era “troquinho”
pelos alunos (dinheiro PT sem valor de compra).
Por fim, verificou-se a orientação ar-
Foram analisadas 25 redações, com gumentativa global do texto, em relação
o objetivo de verificar se elas reprodu- à campanha Sinal Vermelho para a
ziam as argumentações da proposta ou Esmola.
se apresentavam novas argumentações, Os resultados podem ser apreciados
que expressassem um ponto de vista nos três quadros que seguem.
pessoal.

Quadro 1: Distribuição dos sentidos argumentativos de pedintes nas redações


Redação
Criança inocente Falsos mendigos
(faz PT não sabe (não precisa pedir PT Não menciona
que faz) pede)
Sentidos argumentativos de pedinte
Red 1 x
Red 2 X
Red 3 X
Red 4 X
Red 5 x
Red 6 x
Red 7 x
Red 8 X
Red 9 x
Red 10 x
Red 11 X
Red 12 x
Red 13 X
Red 14 X
Red 15 X
Red 16 X
Red 17 x
Red 18 X
Red 19 X
Red 20 X
Red 21 x
Red 22 X
Red 23 x
Red 24 X
Red 25 X
Total de Ocorrências 15 5 5

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Este primeiro quadro mostra a dis- uma das saídas está sendo pedir
tribuição das ocorrências de sentidos um troquino nas ruas.
argumentativos de pedinte nas reda- g) Redação 14 (linhas 9 e 10): Mui-
ções. Foram observadas 15 ocorrências tas crianças que vão as ruas são
com o sentido argumentativo de criança obrigadas pelos, pais, para com-
inocente (faz PT não sabe o que faz), prar comida para o sustento da
comprovando que o sentido argumen- família, ou tal vez para comprar
tativo da proposta influencia a escrita alguns litros de cachaça.
dos alunos. h) Redação 15 (linhas 7, 8 e 9): Além
Confiram-se exemplos1 de ocorrências disso, as crianças ficam afasta-
desse sentido: das da escola, agravando ainda
a) Redação 2 (linhas 1 e 2): Quem não mais os seus futuros, tornando-se
daria esmola para uma criança de marginalizados e excluídos por
seis anos que junto com seus dois uma sociedade competitiva, onde
amigos estavam passando fome. somente os mais especializados e
b) Redação 3 (linhas 9 e 10): Dar competentes conseguem bons em-
esmolas a criança maltrapilhas pregos.
que encontramos na rua é [...]. i) Redação 18 (linha 13): Ao ocupar
c) Redação 4 (linhas 7 e 8): Parar o seu dia perambulando pelas
junto aos semáforos das ruas era ruas e pedindo dinheiro, crianças
muito triste pois, víamos crian- deixam de freqüentar a escola e de
ças inocentes, famintas, pedindo fazer atividades corriqueiras de
esmolas. sua idade [...].
d) Redação 8 (linhas 7 e 8): Para es- j) Redação 19 (linhas 5 e 6): A cena
ses meninos e meninas que tiram de uma criança mal vestida e com
seu sustento, e muitas vezes o de expressão de fome pedindo “uma
suas famílias, da rua; não resta moedinha” deixa-nos sensibiliza-
muita alternativa senão mendi- dos . Mais adiante (linhas 8 a 11),
gar. lê-se: [...] um dia essa pessoinha
e) Redação 11 (linhas 3 e 4): Con- vai crescer, querer mais dinheiro
tudo , dar esmola a um menor do que o que recebe pedindo e o
que “perambula” pelas ruas é um método que está ao seu alcance é
grave erro, o qual compromete o o roubo.
futuro [...]. k) Redação 20 (linhas 1 e 2): Rosto
f) Redação 13 (linhas 4 e 5): Crian- abatido e sujo, roupa rasgada,
ças são obrigadas por seus pais a descalça. Assim descrevemos a si-
trabalhar, por não ser permitido, tuação real de um menino de rua,
o emprego de menores de idade, que sem rumo batem na janela de
nossos carros por um “troquinho”.

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l) Redação 22 (linha 5) Para muitos, b) Redação 6 (linhas 15, 16, 17):
dar esmolas a indivíduos carentes Como tantas pessoas necessitam
revela sensibilidade do homem de “ajuda financeira” fica perigoso
perante os fatos [...]. andar nas ruas, porque um dia
m) Redação 24 (linhas 7 e 8): Quando eles pedem, no outro te assaltam,
enxergamos meninos e meninas caso recusar-se a dar-lhes dinhei-
com “ carinhas tristes”, deixamos ro.
de ver o homem ou a mulher com c) Redação 12 (linhas 2 a 4): No Bra-
“cara de aproveitador”, atráz de sil os índices de esmola são gran-
árvores [...]. des e acarretam problemas, como
n) Redação 25 (linhas 10 e 11): Estão surgimento de crianças farçantes,
estimulando ainda mais esses ino- comodismo dos pedintes e de seus
centes à marginalização, a falta responsáveis. Mais adiante (linhas
de cultura [...]. 7 a 12), lê-se: Esses aproveitado-
Analisadas essas 15 ocorrências do res aumentam seu número muito
sentido argumentativo de pedinte como rapidamente, suas táticas são
criança inocente (faz PT não sabe o que refinadas, a mais usada é a de de-
faz), pôde-se concluir que mais de 56% monstrar que possui deficiências
dos alunos reproduzem, em seus textos, em braços e pernas, embora exista
o sentido argumentativo de pedinte pre- crianças realmente deficientes es-
sente na proposta de redação, expressan- molando, não podemos participar
do o senso comum de que quem pede desse movimento de esmolas, pois
esmola é uma criança manipulada o número de farçantes é maior.
por adultos, portanto criança inocen- d) Redação 16 (linhas 9 a 13): Afi-
te, o que revela a forte influência que a nal, o menor pode vir a crescer
argumentação da proposta exerce sobre achando muito cômoda a idéia de
o aluno no momento em que ele constrói pedir algo e ganhá-lo, sem esforço
o seu texto. maior senão o de expressar, muitas
Foram encontradas cinco ocorrên- vezes fingir, um rostinho faminto
cias com sentidos argumentativos de e desolado.
pedintes como falsos mendigos (não e) Redação 21 (linhas 14 a 21): O
precisa pedir esmola PT pede esmola), problema é que a esmola traz
como se pode conferir nas redações que conseqüências uma deles seria o
seguem: aumento de pequenos furtos nas
a) Redação 1 (linhas 14 e 15): O que ruas pelos meninos que ali ficam
me põe a favor da campanha [...] é o o dia todo tentando conceguir
fato de que ela vai ajudar a acabar dinheiro; outra é que as mães e
com os falsos mendigos, passando os pais, que não procuram mais
seus benefícios para quem realmen- emprego por causa dessa renda
te precise de ajuda [...]. diária, compram bebidas alcoóli-

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cas com o dinheiro de seus filhos pedinte como criança inocente (faz PT
ao invés de alimentá-los um pouco não sabe o que faz) expresso na proposta
melhor. de redação.
f) Redação 23 (linhas 13 e 14): Essas Em cinco redações, não foram en-
acabam se tornando o “ melhor” e contradas ocorrências de nenhum dos
mais fácil modo que os margina- sentidos argumentativos de pedinte. A
lizados encontram para conseguir referência a pedinte é feita genericamen-
dinheiro e evitam muitas vezes de te como pedintes de esmola (Red. 5, linha
procurar um emprego [...]. 1-3); crianças pedirem esmolas (Red. 7,
Como se pôde constatar, os sentidos linha 5); ou indeterminadamente como
argumentativos de pedintes, como falsos a doação de esmola, sem referência a
mendigos (não precisa pedir esmola PT quem a recebe. (Red. 9, linha 1); ou
pede) presentes nessas cinco redações ainda sem menção a pedinte (Red. 10 e
– falsos mendigos, farsantes, aproveita- Red. 17). Estas duas últimas redações
dores cujas táticas são refinadas como a tratam da necessidade de se ajudar
de demonstrar que possui deficiências pessoas necessitadas, sejam idosos de
em braços e pernas – são totalmente asilos, desabrigados que vivem nas ruas,
diferentes do sentido argumentativo de ou ainda desempregados.
Quadro 2: Distribuição dos sentidos argumentativos de esmola nas redações
Redação Esmola = troquinho
Esmola = não troquinho
(dinheiro PT sem valor
(dinheiro DC com Não menciona
Sentidos argumentativos de esmola de compra)
valor de compra)
Red 1 x
Red 2 x
Red 3 x
Red 4 X
Red 5 x
Red 6 X
Red 7 x
Red 8 X
Red 9 X
Red 10 X x
Red 11 x
Red 12 X
Red 13 X
Red 14 X
Red 15 X
Red 16 X
Red 17 X
Red 18 X
Red 19 x
Red 20 X x
Red 21 x
Red 22 X
Red 23 x
Red 24 X
Red 25 X
Total de Ocorrências 16 8 3

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Neste segundo quadro, foram ana- momentânea a qual não irá resolver
lisados os sentidos argumentativos de as mazelas enfrentadas pelas crian-
esmola nas redações. ças brasileiras.
Foram encontradas 16 ocorrências f) Redação 13 (linhas 4, 5 e 6): Crian-
com o sentido argumentativo de esmo- ças são obrigadas por seus pais a
la como troquinho (dinheiro PT sem trabalhar, por não ser permitido, o
valor de compra), sentido este presente emprego de menores de idade, uma
na proposta de redação. Confiram-se as das saídas está sendo pedir um tro-
ocorrências em cada redação: quino nas ruas.
a) Redação 4 (linhas 3 a 6): Pois, com g) Redação 14 (linhas 6 a 9): [...] pa-
ela aprendemos que com “um tro- ram em um semáforo muitas vezes
quinho”, não estamos contribuindo são abordadas por menores pedindo
para mudar a situação de miséria, esmola, com isso muitas pessoas
estamos apenas escondendo o pro- ficam sensibilizadas e acabam ce-
blema. dendo algum trocado.
b) Redação 6 (linha 4): Na verdade h) Redação 15 (linhas 2 e 3): [...] facil-
dar “troquinho” a esses meninos mente encontra-se crianças pedindo
não soluciona o problema, e sim o “um dinheirinho” nas ruas.
agrava mais. i) Redação 16 (linhas 2, 3 e 4): [...]
c) Redação 8 (linhas 19 e 20): Porém, por exemplo, saímos às ruas e nos
as esmolas não ajudarão a tirar as deparamos com crianças pedindo
crianças da rua, ao contrário, as encarecidamente algumas moedi-
incitará cada vez mais a continuar nhas para que possam comprar algo
com esse tipo de vida. para comer.
d) Redação 9 (linhas16 a 19): Mas j) Redação 17 (linhas 4 e 5): Quantas
mesmo com estas campanhas, há pessoas, ao dar “uma miséria em
infelizmente muito preconceito e moedinhas”, não se iludem que estão
falta de muita ética, pois muitas erradicando a pobreza alheia?
vezes, algumas pessoas até ajudam l) Redação 18 (linhas 8, 9 e 10): Com
na doação de “ um troquinho, a isso, é de se pensar que não haveria
esmola [...]. algo mais justo do que pessoas mais
e) Redação11 (linhas 7 a 12): Esta abonadas atenderem a um pedido
cena corriqueira nos deixa muito de esmola e fazerem uma pequena
sensibilizados e, então, somos leva- contribuição.
dos por um sentimento de solida- m) Redação 19 (linhas 5 e 6): A cena
riedade a contribuir com qualquer de uma criança mal vestida e com
“trocadinho” de que dispomos. Esse expressão de fome pedindo “uma mo-
gesto, que a primeiro momento edinha” deixa-nos sensibilizados.
nos parece de caridade e ajuda, n) Redação 20 (linhas 1 a 4): Rosto
constitui-se, contudo, numa ajuda abatido e sujo, roupa rasgada, des-

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calço. Assim descrevemos a situação b) Redação 3 (linhas 12 e 13): Essa
real de um menino de rua, que sem prática, no entanto, gerou, para
rumo batem nossos carros por um os pais ou responsáveis dessas
“troquinho”. crianças, uma forma rápida e fácil
o) Redação 22 (linhas 9, 10 e 11): [...] de ganhar dinheiro.
o menor abandonado geralmente c) Redação 5 (linhas 8 a 10): [...] Esse
apela para o sentimentalismo, em é um oficio que gera acomodação
que uma história dramática ou me- por parte de quem o faz,afinal o que
lancólica é a diferença entre ganhar eles ganham não é tão pouco e o que
muito ou pouco “trocado”. fazem não é tão sacrificante.
p) Redação 24 (linhas 3 e 4): Pro- d) Redação 8 (linhas 7 a 9): Para esses
curando fazer algo, acabamos por meninos e meninas que tiram seu
procurar moedas e dá-las a esses sustento, e muitas vezes o de suas
menores. famílias, da rua; não resta muita
q) Redação 25 (linha 4 a 6): São alternativa senão mendigar.
muitas as crianças em esquinas e) Redação 19 (linha 16-18): Outro
e semáforos pedindo apenas “um motivo para não dar dinheiro
troquinho” para seu sustento, para mostra-se no fato de que esse valor
sua sobrevivência. dado poderia ser utilizado para
Note-se que, em todas as 16 ocorrên- retirar os menores da rua.
cias, esmola é entendida como dinheiro f) Redação 20 (linhas 13 a 16): [...] os
sem valor de compra, que é o sentido de menores são obrigados a levar um
esmola na proposta, onde é chamada de dinheiro para sustentar a família,
“troquinho”. Nas redações antes men- e o pior é que o esforço do dia serve
cionadas, a palavra troquinho é usada para os pais beberem cachaça e
juntamente com outras de valor argu- fumar cigarro.
mentativo semelhante. São elas: troca- g) Redação 21 (linhas 3 a 6): [...] as
dinho, algum trocado, um dinheirinho, pessoas não têm mais emprego nas
algumas moedinhas, uma miséria em grandes cidades, e ficam sujeitas
moedinhas, uma pequena contribuição, a obrigarem seus filhos a pedir
uma moedinha, moedas. esmola nas ruas para sustentar
Em apenas oito redações, foram en- toda a família.
contradas ocorrências do sentido argu- h) Redação 23 (linhas 13, 14 e 15):
mentativo de esmola (dinheiro DC com Essas acabam se tornando o “elhor”
valor de compra). Observem-se: e mais fácil modo que os margina-
a) Redação 1 (linhas 2 e 3): [...] pois lizados encontram para conseguir
pedir esmolas já está virando con- dinheiro e evitam muitas vezes de
dição de vida para muita gente, e procurar um emprego [...].
acaba criando problemas para a Como se pôde constatar nessas ocor-
sociedade. rências, esmola não é troquinho (dinhei-

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ro PT sem valor de compra). O sentido se Ignorar o fato de crianças pedirem
argumentativo de esmola é dinheiro esmolas é difícil, mas deve ser seguido
DC com valor de compra. É expresso rigorosamente; e, na redação 23 (linhas
como dinheiro que sustenta a família, 2 a 4), lê-se: Nas ruas, percebe-se muitas
sustento de família, atividade produtiva, crianças que para ajudar sua família
forma rápida e fácil de ganhar dinheiro, recorrem a uma forma sub-humana de
dinheiro que sustenta o vício dos pais, sobrevivência, pedindo esmolas. Nos três
entre outros. casos, o ato de pedir esmola é visto como
Nas redações 2, 7 e 23 não há expli- algo que é chocante, cuja argumentação
citação de sentido argumentativo de interna (constata PT não aceita) aparece
esmola, mas do ato de pedir esmola, na proposta de redação, como se mostrou
que é visto com valor negativo, de na seção 2 deste trabalho.
algo que não deveria ocorrer. Na reda- O terceiro quadro mostra a orien-
ção 2 (linhas 2-5) , lê-se O ato de pedir tação argumentativa global dos textos
esmola é cada vez mais visto nas cidades produzidos pelos alunos, ou seja, o seu
brasileiras, esse problema é social ou en- posicionamento em relação à campa-
volve questões políticas onde ocorre um nha Sinal Vermelho para a Esmola.
jogo de empurra entre os governantes. Confira-se:
Na redação 7 (linhas 5 e 6), encontra-

Quadro 3: Distribuição das redações, conforme orientação argumentativa global


Redação A favor da campanha Contra a campanha Nem a favor nem contra
(dar esmola DC não agir (dar esmola DC agir (dar esmola PT agir
Sentido argumentativo global adequadamente) adequadamente) adequadamente)
Red 1 X
Red 2 X
Red 3 X
Red 4 x
Red 5 X
Red 6 X
Red 7 X
Red 8 X x
Red 9 X
Red 10 X
Red 11 X
Red 12 X
Red 13 x
Red 14 x
Red 15 X
Red 16 X
Red 17 X
Red 18 X
Red 19 X
Red 20 X
Red 21 X
Red 22 X
Red 23 X
Red 24 X
Red 25 X
Total de Ocorrências 22 2 1

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Como se pode verificar foram en- país como um todo. Para isso exis-
contradas 22 ocorrências com o sentido tem inúmeras formas de ajudar
argumentativo global a favor da cam- basta querer e ou poder.
panha (dar esmola DC não agir adequa- f) Redação 6 (linhas 20 e 21): Essa
damente). campanha deve ser adotada por
a) Redação 1 (linhas 19 e 20): Como todos, porque pode melhorar a
eu, existem muitos brasileiros vida de muitas pessoas.
que se colocam contra a esmola g) Redação 7 (linhas 5 a 8): Ignorar
e a favor da campanha, pois com o fato de crianças pedirem esmo-
certeza existem muitas outras pos- las é difícil, mas deve ser seguido
sibilidades de se ajudar alguém, rigorosamente. Se a sociedade
proporcionando educação, traba- se conscientizar nesse sentido,
lho e cultura a quem realmente haverá um melhor resultado da
precisa de ajuda. campanha que vem contrariando
b) Redação 2 (linha 29 a 33): A esmo- o gesto de dar esmolas.
la nos leva crer que onde ela exis- h) Redação 8 (linhas 22 a 25): Para
tir, haverá miséria,crianças nas amenizar, ou até mesmo acabar
ruas passando fome e cabe a nós com este problema social, devemos
fazer o melhor do nosso trabalho nos conscientizar que esmolas não
ajudando a diminuir os proble- resolverão os problemas dessas
mas existentes, e quem sabe um crianças. Projetos sociais criados
dia poder que não encontrarmos pela própria comunidade e apoia-
mais crianças pedindo esmola. dos pelo governo são a grande
c) Redação 3 (linhas 21 e 22): A saída.
campanha, portanto é da máxima i) Redação 10 (linhas 1 a 4): Uma
importância e deve ter o apoio de campanha contra a esmola a
todos nós, divulgando-a e obede- prática de dar esmolas, é o inicio
cendo-a. da solução. É um meio de transfor-
d) Redação 4 (linhas22 a 25): Por mar a sensibilidade humana em
isso, que o trabalho realizado caridade real a menores abando-
pela campanha vem sendo aceito nados e idosos de instituições.
em vários lugares do Brasil, pois j) Redação 11 (linhas 24 a 26):
dar esmolas para crianças com Sendo assim, é de fundamental
rostinhos tristes não irá mudar o importância que colaboremos com
problema da miséria. iniciativas com o intuito de não só
e) Redação 5 (linhas 27-30): Logo, negar a esmola, mas também de
precisa-se do engajamento de toda propiciara às crianças um futuro
sociedade na campanha contra a mais digno e mais promissor.
esmola, que ainda não abrange o

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k) Redação 12 (linhas 5 a 7): Essa contrária ao ato de doar dinhei-
campanha de sinal vermelho para ro as crianças, a qual prega que
a esmola é correta, pois segundo aquela moeda de dez centavos ou
relatos na televisão e em revistas, aquele um real doados para uma
há varias crianças tirando provei- instituição terá maior valor que se
to do ato de esmolar. entregue para alguém na rua.
l) Redação 15 (linhas 19 a 21): q) Redação 20 (linhas 23 a 28): Não
Muitas vezes, dar esmolas esmola é justo a vida destas crianças
implica em colaborar para a dis- de rua, elas precisam de escola,
tribuição de um futuro, por menos comida e carinho. Para isso po-
promissor que esse fosse. demos ajudá-las investindo nosso
m) Redação 16 (linhas 7 a 9): Cam- dinheiro em instituições para
panhas contra a esmola deveriam pessoas carentes. Assim o mundo
ser melhor divulgadas a fim de terá mais paz e justiça, e o futuro
alertar as pessoas sobre o mal destes pequenos será melhor.
que podem estar causando a essas r) Redação 21 (linha 7 e 8): Cam-
crianças quando lhes dão o dinhei- panhas ao desincentivo de dar
ro pedido. esmola estão corretas.
n) Redação 17 (linhas 1 a 3): Sou a s) Redação 22 (linha 1 a 4): Embora
favor da campanha que condena todos possuam o direito de ser
a esmola. Esse tipo de ajuda, solidário, a campanha contra a
além de não resolver o problema prática de dar esmolas a crianças
monetário, acaba evidenciando o impulsiona o desenvolvimento de
caráter individualista que reina uma sociedade repleta de cidadãos
na nossa sociedade. responsáveis e trabalhadores.
o) Redação 18 (linhas 20 a 22): Por- t) Redação 23 (linha 5 a 10): A
tanto, urge que campanhas contra Campanha “Sinal vermelho para
a prática de dar esmolas se disse- a esmola”que pretende combater
minem pelo país e conscientizem a marginalização dos menos fa-
a sociedade,visto que essa não é vorecidos está tendo resultados
a melhor maneira de se ajudar a positivos, pois atua desestimulan-
quem precisa de auxilio. do os indivíduos a dar esmolas.
p) Redação 19 (linhas 16 a 23): Ou- Esta campanha visa dar uma
tro motivo para não dar dinheiro perspectiva nova para o futuro dos
mostra-se no fato de que esse valor marginalizados, o que certamente
doado poderia ser utilizado para constitui o maior problema deles
retirar os menores da rua. Isso u) Redação 24 (linhas 21 a 27): Mes-
é comprovado pela campanha mo com a certeza, de que, quem dá

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algum dinheiro a meninos de rua, mostrar a solução para este gran-
têm a melhor das intenções, esta de problema.
campanha contra a esmola possui b) Na redação 14 (linhas 13 a 21): O
um objetivo maior, o de alertar e país está com uma campanha que
conscientizar grande parcela da é contra dar esmolas, e quem ad-
população, que algo a mais pode ministra são os políticos, apenas
ser feito, basta nós tentarmos. com um telefonema você faz sua
v) Redação 25 (linhas 21 a 24): Por- doação para pessoas carentes ou
tanto, devemos nos envolver com talvez para quem está viajando
essas campanhas, ajudar esses para o exterior, como, Estados
necessitados, já que nossos gover- Unidos, Europa e precise da es-
nantes não se agilizam, para que mola para pagar sua passagem de
todos tenham uma vida digna e avião de volta ao país, pois estava
saiam dessa tragédia nacional. resolvendo o problema da esmola
Como se pôde constatar pelas ocor- no Brasil.
rências, o sentido argumentativo global Foi encontrada apenas uma redação
nessas redações é a favor de campanha cuja orientação argumentativa global é
(dar esmolas DC não agir adequadamen- concessiva, o que possibilitou a mani-
te). Isso nos leva a perceber o quanto a festação de um ponto de vista diverso
proposta foi influente na escrita dos alu- dos anteriores, nem contra nem a favor
nos. Nessas vinte ocorrências, a esmola da campanha Sinal Vermelho para a
é vista como ruim, sendo a campanha a Esmola, expresso pelo encadeamento
possível solução. argumentativo transgressivo (dar esmo-
Nas redações 13 e 14, o sentido argu- las PT agir adequadamente). Contudo,
mentativo global é contrário ao das an- faltou clareza na expressão desse sentido
teriores, pois é contra a campanha Sinal argumentativo, o que se pode conferir no
Vermelho para a Esmola (dar esmolas trecho que segue:
DC agir adequadamente). Confiram-se Mas mesmo com estas campanhas, há infe-
os trechos: lizmente muito preconceito e falta de uma
a) Redação 13 (linhas 18 a 22): Para ética, pois muitas vezes, algumas pessoas
até ajudam na doação de “um troquinho”,
representantes da alta socieda- a esmola, mas deixam de ajudar quem está
de, que possuem condições de se tentando trabalhar. Como aconteceu com
alimentar todos os dias, e dar um amigo, que ao negar-se comprar algumas
rosas ouviu o vendedor, um rapaz novo, que
tudo que seus filhos querem, fica depois as pessoas reclamam que a jovens
muito fácil proibir a esmola, para como ele, que roubem ou pedem esmolas em
alguém que eles nunca conhece- esquinas. Então se chega a conclusão que
não basta apenas veicular campanhas, se
ram, nunca viram as dificuldades
elas não forem executadas na prática e para
sofridas. Não adianta proibir sem isso deve contar com o apoio de todos, para

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que depois não reclamemos de suas conse- cada um. Desse modo, seriam oferecidas
qüências, mas sim elogiamos o fim da causa. aos alunos as seguintes possibilidades
(Redação 9, linhas 16 a 29).
argumentativas:
a) dar esmola DC agir adequada-
Considerações finais mente;
b) dar esmola PT não agir adequa-
Concluiu-se, pelas análises feitas, damente;
que, quando a proposta de redação é c) não dar esmola DC não agir ade-
argumentativamente fechada, orientada quadamente;
para um sentido único, os alunos tende- d) não dar esmola PT agir adequa-
rão a reproduzir essa argumentação em damente;
suas redações, ao invés de a discutirem e) dar esmola DC não agir adequa-
criticamente. damente;
Note-se que, se a proposta apresen- f) dar esmola PT agir adequadamen-
tasse sentidos argumentativos diferentes te;
para pedinte, para esmola, para o ato de g) não dar esmola DC agir adequa-
pedir esmola, ela poderia dar ao aluno a damente;
oportunidade de discutir esses sentidos h) não dar esmola PT não agir ade-
variados e de se posicionar diante deles, quadamente.
atuando como sujeito de seu texto. Como Trabalhar, em sala de aula, com as
a proposta é fechada, de sentido binário, possibilidades argumentativas de blocos
isto é, a favor ou contra a campanha, e semânticos contrários, isto é, com os
posicionada argumentativamente sobre aspectos argumentativos que compõem
pedinte e esmola, os alunos, em sua o quadrado argumentativo de blocos con-
grande maioria, se limitam a reproduzir trários, pode ser uma forma de dar conta
ou a rejeitar completamente a argumen- do exame de um tema de redação numa
tação da proposta. variada gama de argumentações.
Seria interessante que as propostas Esse é um caminho promissor que
de redação fossem feitas com base em poderá melhorar a qualidade da produ-
textos variados tanto em gênero quanto ção textual dos alunos, no ponto de vista
em suas orientações argumentativas glo- de formar um autor independente, que
bais, as quais poderiam incluir dois blo- reflita sobre o tema proposto e se posi-
cos: dar esmola agir adequadamente cione criativamente, deixando marcas de
e dar esmola não agir adequadamen- si nos textos, e não apenas seguindo a
te, considerando os quatro aspectos de argumentação dada ou contrariando-a.

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The argumentation in the Nota
writing proposal and in 1
Os exemplos foram transcritos das redações, sem

the students’ texts modificações.

Abstract Referências
This work analyzes the argumenta-
BARBISAN, Leci Borges. A produção de dis-
tions in the composition proposal, to cursos argumentativos na escola. Desenredo,
compare them with the one in the stu- Passo Fundo: Ed. UPF, v. 1, n. 2, p. 69-76,
dents’ texts. The theory of Ducrot and jul./dez. 2005.
Anscombre, that the argument is in the GRAEFF, Telisa Furlanetto. Teoria da argu-
language, is assumed and reinforced mentação na língua e compreensão do tema
de redação. Desenredo, Passo Fundo: Ed.
by the Theory of the Semantic Blocks UPF, v. 1, n. 2, p. 114-126, jul./dez. 2005.
(Carel), that defines arguing as to sum-
CAREL, Marion. O que é argumentar? De-
mon semantic blocks and to apprehend senredo, Passo Fundo: Ed. UPF, v. 1, n. 2,
them in normative or transgressing p. 77-85, jul./dez. 2005.
links. In that sense, one understands CAREL, Marion; DUCROT, Oswald. La se-
that the argumentative sense of a lin- mántica argumentativa: uma introducción a
guistic entity is the group of links that la teoría de los Bloques Semánticos. Buenos
Aires: Colihue, 2005.
can be associated to it in an external or
internal way. Based on that theoretical DUCROT, Oswald. Polifonía y argumenta-
ción. Calli: Universidad del Valle, 1990.
reference, the proposal was read, and the
allowed understandings were expressed, DUCROT, Oswald; ANSCOMBRE, Jean-
Claude. Argumentation dans la langue.
through argumentative links. It was Paris: Márdaga, 1983.
possible to identify compositions that
reproduce arguments of the proposal
and/or that produce new ones. One con-
cludes that the argumentative semantics
can aid in the treatment of those reading
issues and of composition.

Key words: Discursive argumentation.


Semantic blocks. Composition proposal.
School composition.

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