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Argumentum

E-ISSN: 2176-9575
revistaargumentum@yahoo.com.br
Universidade Federal do Espírito Santo
Brasil

DINIZ, Debora; Terra Mejia MUNHOZ, Ana


Cópia e pastiche: plágio na comunicação científica
Argumentum, vol. 3, núm. 1, enero-junio, 2011, pp. 11-28
Universidade Federal do Espírito Santo
Vitória, Brasil

Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=475547532002

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Debate DEBATE

Cópia e pastiche: plágio na comunicação científica

Copy and pastiche: plagiarism in science communication

Debora DINIZ*
Ana Terra Mejia MUNHOZ**

Resumo: A comunicação científica em humanidades enfrenta uma mudança no


formato das publicações e no volume da produção editorial no Brasil. Houve
um crescimento significativo no número de autores e um maior fluxo de
produção em periódicos científicos em formato digital. Este artigo explora um
aspecto central da ética na comunicação científica – o plágio. O plágio define-se
como uma apropriação indevida de criação literária, que viola o direito de
reconhecimento do autor e a expectativa de ineditismo do leitor. Como regra, o
plágio é uma infração ética que desrespeita a norma de atribuição de autoria na
comunicação científica. O artigo analisa duas estratégias comuns de plágio: a
cópia e o pastiche. Em casos de criação literária protegida por direitos autorais,
o plágio pode também ser crime.
Palavras-chave: Plágio; Integridade Acadêmica; Ética na Comunicação
Científica.

Abstract: Scientific communication in Humanities currently faces a change in


the format of publications and in the volume of editorial production in Brazil.
There has been a considerable increase in the number of authors and a greater
flow of papers published in digital format. This paper explores a central aspect
of the ethics in science communication, namely, plagiarism. Plagiarism is
defined as an undue appropriation of someone else’s literary creation, which
disregards the author’s right to be recognized and frustrates the reader’s
expectations to read new material. As a rule, plagiarism is an ethical offense
that violates the right to attribution in science communication. This paper
analyses two common plagiarism strategies, copy and pastiche. In cases where
the text is protected by copyrights, plagiarism can also be a crime.
Keywords: Plagiarism; Academic Integrity; Ethics in Science Communication.

*
Antropóloga, professora da Universidade de Brasília e pesquisadora da Anis – Instituto de
Bioética, Direitos Humanos e Gênero. E-mail: <anis@anis.org.br>.
** Linguista e pesquisadora da Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero

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Argumentum, Vitória (ES), ano 3, n.3, v. 1, p.11-28, jan./jun. 2011
Debora Diniz; Ana Terra Mejia Munhoz

Introdução

ou posteriores à escrita de um texto

O
plágio é um daqueles
fenômenos da vida acadêmica acadêmico, tais como os conflitos
a respeito dos quais todo envolvendo interesses no
escritor conhece um caso, sobre os financiamento ou na divulgação dos
quais há rumores permanentes entre as dados.3
comunidades de pesquisa, e com os
A história do plágio ainda não foi
quais o jovem estudante é confrontado
contada. Os etimologistas remontam
em seus primeiros escritos.1 Apesar
os usos da palavra ao século I para
disso, poucos autores saberiam com
demonstrar que a cópia não
precisão defini-lo.2 Parece haver, no
autorizada da criação intelectual é
entanto, uma regra de ouro nessa
quase tão antiga quanto os primeiros
cultura compartilhada e nebulosa
registros escritos com autoria
sobre o plágio: ser descrito como um
(MCCORMICK, 1989). Em latim,
plagiador é uma grave ofensa à
“plagiador” significava o indivíduo
integridade moral do escritor. A
que roubava escravos ou escravizava
contrapartida ingênua dessa regra é a
pessoas livres, mas posteriormente o
falsa notoriedade concedida ao autor
termo sofreu extensão de sentido
plagiado. Há uma expectativa de que
para designar figurativamente quem
somente boas ideias e argumentos
copiava poemas.4 Os genealogistas,
seriam plagiados, o que nem sempre é
verdadeiro. Assim como existem
plagiadores profissionais e plagiadores 3 As classificações de fraude de
autoria devem ser culturalmente sensíveis:
iniciantes, há fronteiras tênues entre o
em língua inglesa se fala em salami-slicing
plágio e outras expressões da publication, a nossa autoria e publicações
desonestidade intelectual, como os feijoadas; e em gift authorship, a nossa
desvios relacionados à autoria (autoria autoria compadrio. A autoria feijoada ocorre
fantasma, autoria compadrio, autoria quando os resultados de uma pesquisa são
pulverizados em várias publicações, dando
feijoada, autoplágio, etc.), as
a falsa impressão de que se trata de
falsificações de dados (fraude, resultados independentes. O artigo feijoada
experimento inexistente, etc.), ou pode ser publicado pelo mesmo grupo de
mesmo infrações em fases anteriores autores ou sofrer variações. A autoria
compadrio ocorre quando uma pessoa
assina um artigo sem atender aos requisitos
1 O artigo adotará o masculino como mínimos para ser considerada autora. A
sujeito genérico para fins de clareza no autoria fantasma (ghost authorship), por sua
estilo. Há também razões de estética vez, corresponde à omissão, nos créditos do
feminista nesta escolha: as regras de escrita trabalho, do nome de um pesquisador cuja
acadêmica são masculinas em sua gênese. contribuição para o estudo justificaria sua
2 Os limites do que se considera indicação como autor.
plágio sofrem variação entre os campos 4 O primeiro registro do termo
disciplinares. Neste artigo, discutiremos o plagiarius no sentido de roubo literário é
plágio nas humanidades e a publicação em atribuído ao poeta latino Marco Valério
formato de artigo nas revistas acadêmicas. Marcial, no século I, que critica Fidentino em
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inspirados na tese foucaultiana de Entre a “angústia da influência”, a


que o conceito de autor surgiu com a “cópia criativa”, o “empréstimo
singularização do indivíduo como liter{rio” e o pl{gio h{ fronteiras
criador, traçam uma história mais claras na comunicação científica
curta para o plágio como uma (BLOOM, 2002; POSNER, 2007). Se
questão ética no campo das ideias nos romances históricos ou nos livros
(FOUCAULT, 2002). O argumento de de culinária essa é uma demarcação
que a criação literária seria contestada, pois a cópia criativa pode
propriedade de um autor teria sido agregar valor à escritura original, na
uma novidade do período romântico comunicação científica as regras são
(GREEN, 2002), rompendo com a mais estritas (FADIMAN, 2002).6 O
expectativa herdada de tempos estilo da comunicação científica é
clássicos de que a cópia criativa era detalhadamente codificado e, nos
uma forma honesta de produção termos de Umberto Eco (2003, p. 151)
literária.5 A hipótese atual dos para se referir aos gêneros literários,
analistas do plágio é que houve uma “o estilo é um modo de agir segundo
explosão do fenômeno com as novas regras, em geral bastante
mídias digitais. A internet teria prescritivas, e [faz-se] acompanhar
facilitado a substituição da criação da idéia de preceito, de imitação, de
literária pela cópia fraudulenta aderência aos modelos”. Grande
(DEMIRJIAN, 2006; GERHARDT, parte das prescrições são resumidas
2006; GRANITZ; LOEWY, 2007; nas chamadas regras de
PARK, 2003; PURDY, 2005). normalização – regras sobre como
citar palavras alheias (a repetição
autorizada de criações literárias
alguns de seus epigramas. Fidentino teria
recitado publicamente versos de Marcial originais) e regras sobre como
como se fossem seus, e foi então comparado
por Marcial a um “plagiador” 6 Em In America, publicado em 1999,
(MCCORMICK, 1989). Susan Sontag causou rumor ao apropriar-se
5 Da era clássica até a época criativamente de várias passagens de outros
shakespeariana, a imitação criativa, livros, incorporando-as em sua narrativa
procedimento no qual versos inteiros eram sem aspas indicativas de citação
copiados sem atribuição de crédito aos (CARVAJAL, 2000). A tradição literária
autores, era apreciada como um exercício tende a acolher o empréstimo criativo como
estético (POSNER, 2007). A cópia era tida um mecanismo legítimo, mas há uma linha
como uma homenagem, uma forma de divisória clara entre a imitação na literatura
reconhecimento à beleza e autoridade do e a imitação na ciência. Se na literatura o
trabalho de um escritor anterior (GREEN, empréstimo criativo – que permite aludir,
2002). No Brasil, a figura de Gregório de adaptar, fazer releitura ou ressignificar o
Matos foi acusada de traduzir e copiar original – é uma constante autorizada, pois
versos de autores como Luís de Góngora e se entende que toda obra dialoga com outras
Luís de Camões. No entanto, o que Gregório (ECO, 2003), essa é uma particularidade que
fez também é imitação criativa, mantendo não se reflete na comunicação científica.
similaridades rítmicas nos versos, mas com Nesse campo, uma das regras fundamentais
temas distintos, e adaptando ou fazendo é o registro das fontes, e a menção da
paródias de outros poemas. autoria deve ser explícita (DINIZ, 2008).
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parafrasear (a repetição criativa com protegida por direito autoral, muito


registro da obra original), além de embora todo texto possua uma
regras sobre estética (seções de um autoria. O plágio viola
artigo, diagramação ou extensão) e essencialmente a identidade da
ética do texto (revisão por comitês de autoria, o direito individual de ser
ética, declaração de conflito de publicamente reconhecido por uma
interesses ou financiamento). É nesse criação. Por isso, apresenta-se como
conjunto de prescrições que a uma ofensa à honestidade intelectual
reprodução do estilo da comunicação e deve ser uma prática enfrentada no
científica não autoriza o plágio. campo da ética. Este artigo explora o
plágio na comunicação científica,
O plágio é uma apropriação indevida discutindo suas expressões mais
de criação literária, que viola o comuns, a cópia e o pastiche.
direito de reconhecimento do autor e
a expectativa de ineditismo do leitor.
Como regra, o plágio é uma infração
ética que desrespeita a norma de A Voz do Autor
atribuição de autoria na
“A maleta de meu pai” foi o título do
comunicação científica (GREEN,
discurso de Orhan Pamuk ao receber
2002; POSNER, 2007). Ele não deve
o Prêmio Nobel de Literatura, em
ser entendido como um crime, exceto
2006 (PAMUK, 2007). A maleta
se houver direitos autorais
guardava os escritos do pai, deixados
envolvidos.7 Nem toda obra é
como herança. Pamuk hesitou vários
dias antes de folhear os papéis
7 A Lei de Direitos Autorais brasileira deixados na maleta. Seu medo era o
não menciona o termo “pl{gio”, embora de desvendar um autor escondido
proíba a reprodução não autorizada de nas entrelinhas, de ver-se revelado
conteúdo intelectual. Além disso, a lei no texto paterno ou, desgraça-
protege a citação de pequenos trechos,
damente, de reconhecer o pai como
desde que registrada a fonte, para fins
privados, de estudo ou crítica (BRASIL, um escritor medíocre. Pamuk estava
1998). Tais dispositivos existem também na diante de uma plateia que o aplaudia
Convenção de Berna, um dos documentos como o melhor entre os melhores,
internacionais que fundamentaram a mas sofria por desconhecer se havia
legislação brasileira (BRASIL, 1975). O
“voz de autor” nos escritos de seu
espírito de proteção ao autor é encontrado
ainda na Declaração Universal dos Direitos pai. A angústia pela própria voz na
Humanos, ao afirmar o direito à proteção escrita é um sentimento comum a
dos interesses morais e materiais da pessoa autores de diferentes estilos
autora de produção científica, literária ou literários. Tão desafiante quanto
artística (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES
descobrir-se autor de um texto é ser
UNIDAS, 1948). Assim, embora o plágio não
seja mencionado como crime na legislação capaz de criar a partir da angústia da
de direitos autorais, há um pressuposto de influência daqueles que nos
que ele pode trazer danos morais à pessoa,
pelo não reconhecimento de sua obra.
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inspiram.8 Tamanha é a exigência de que os


autores dominem esse estilo que há
A estética da comunicação científica mesmo um vasto mercado editorial
é significativamente mais tolerante de títulos dedicados a ensiná-lo.
que aquela imposta aos escritores
que alcançam a nobreza de um Grande parte dos escritores
Prêmio Nobel. Não se espera que os acadêmicos não desenvolve uma
pesquisadores sejam bons escritores, “voz de autor” a ponto de se
mas que venham a ser autores transformarem em autores fortes,
ordinários capazes de se comunicar mas reproduzem rigorosamente
de acordo com o estilo literário métodos e técnicas de escritura.
estabelecido como acadêmico. A Cumprem as prescrições do estilo, e
entrada de um jovem estudante em a originalidade é alcançada pelo que
um curso de graduação em chamamos de “resultados da
humanidades desencadeia um longo pesquisa” e não pela estética
e permanente processo de narrativa. São autores ordinários,
socialização à comunicação cientí- mas respeitadores do cânone
fica: fichamentos, resenhas, resumos, científico sobre as regras da
ensaios, artigos, capítulos, monogra- comunicação. Casos como os de
fias, dissertações e teses são alguns Jorge Luis Borges, John Maxwell
dos gêneros textuais que se deve Coetzee ou Ana Maria Machado,
aprender a imitar para, no futuro, professores universitários também
talvez ter o privilégio de violar. São reconhecidos como autores de
poucos os autores que gozam desse gêneros não acadêmicos, são
privilégio, por isso o mais correto comuns, mas não é o que se espera
seria não esperar escritores com “voz como principal contribuição daque-
de autor” na comunicação científica, les que participam da comunidade
mas autores ordinários cumpridores científica. Mesmo para esses autores
das prescrições do estilo compar- polivalentes, o conjunto da obra é
tilhado pela comunidade acadêmica. avaliado diferentemente quanto ao
cumprimento das regras de estilo.
Uma professora de um Departa-
8 A “angústia da influência” foi uma
expressão cunhada por Harold Bloom para mento de Literatura que, além de
propor uma teoria da criação poética – a resenhas literárias, escreva poemas
relação entre os efebos e os poetas fortes. No circulará suas obras em comuni-
prefácio à segunda edição, 25 anos depois da dades distintas: suas resenhas serão
publicação original, Bloom se refere à
publicadas em revistas acadêmicas
“ansiedade” da influência, em vez de
“angústia”. Por considerarmos que o com regras particulares de estilo, e
conceito de angústia da influência é o que seus poemas, em livros com outros
melhor representa o fenômeno que iremos critérios de enquadramento e
explorar da relação do autor neófito com o julgamento. A resenha é um exemplo
universo da enciclopédia que o antecede, em
de estilo acadêmico, e a poesia, de
particular os autores fortes, optamos por
manter o conceito original (BLOOM, 2002). estilo literário.
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Debora Diniz; Ana Terra Mejia Munhoz

No estilo acadêmico, como em comunicação científica. É o primeiro


outros estilos literários, importa a sinal de que o escritor aceita as
originalidade da criação narrativa. É regras do estilo acadêmico e deseja
importante saber quem primeiro ser reconhecido como autor.
escreveu um texto, com que equipe
de trabalho, em que universidade, e
que autores inspiraram seu percurso
Influência, Memória e Cópia
bibliográfico. Nos artigos publicados
em revistas acadêmicas com revisão A criação acadêmica depende do
por pares, os autores precisam universo da enciclopédia que nos
organizar o texto em itens como antecede. Não é à toa que um
“título extenso”, “título corrido”, pesquisador está em permanente
“resumo”, “introdução”, “metodo- busca por perguntas ainda não
logia”, “an{lise dos dados”, “resul- respondidas ou por melhores
tados”, “conflito de interesses”, “or- respostas para problemas muito
dem de autoria”, “participação dos antigos. Um jovem escritor precisa
autores”, “referências bibliogr{- dominar a cadeia de influências a
ficas”, “financiamento”.9 Com algu- que está vinculado, e o reconheci-
ma variação entre os saberes acadê- mento das ideias anteriores às suas é
micos, esse é o modelo narrativo também uma habilidade que deve
para a comunicação científica – os ser desenvolvida. A conversão de um
escritores são instruídos a cumprir pesquisador em um escritor e deste
essas regras antes mesmo de terem em um autor confiável se dá pelo uso
seus textos avaliados quanto ao correto da memória literária. Não se
mérito, à estética, à ética ou à espera que os pesquisadores sejam
contribuição à ciência. Essa é a fase como Funes, o personagem fabuloso
de normalização de um texto de Borges (1998a), cuja memória não
acadêmico, que não deve se resumir tinha limites. Ao contrário, a aposta
a uma falsa burocracia da na memória é um caminho frágil
para os escritores iniciantes – a
9 Revisão por pares é uma prática angústia da influência e a ausência
acadêmica frequente no processo de de um estilo próprio são tentações
submissão de artigos para publicação. Na para a prática do plágio, a principal
avaliação por pares, um texto original é
expressão de covardia criativa ou
submetido a revisores que o analisam e
comentam a fim de contribuir para seu preguiça intelectual. Como um
aprimoramento, previamente à edição e padrão de comportamento na prática
publicação. É uma fase da comunicação científica, não há escritor que não
científica de importante filtro para o controle necessite de notas, de métodos de
do plágio. O anonimato confere credibi-
registro de ideias e citações, de
lidade ao processo de revisão. Publicações
que não passam obrigatoriamente pelo cadernos, de arquivos ou, mais
processo de avaliação por pares, como recentemente, de softwares gerencia-
capítulos de livros, podem gozar de menor
credibilidade.
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dores de bibliografias.10 Há implicações éticas e estéticas no


uso da citação direta. Quando se
Além dos recursos pessoais para o trata de citação por admiração e
registro da memória literária, há uma reconhecimento de influência, o
regra de estilo na comunicação escritor cita por reverenciar suas
científica que traça a fronteira entre o fontes, por conceder-lhes uma
plágio e a cópia autorizada: a citação autoridade e anterioridade criativa. É
direta. A citação direta é um recurso um sinal de honestidade intelectual,
de abandono momentâneo de pois o escritor permite que seus
autoria, um pedido de licença textual leitores admirem diretamente as
para substituição da voz – as aspas ideias e as palavras do autor, não se
indicam que outra voz assume a limitando à interpretação feita pelo
autoridade do texto, mesmo que por copista. Seja na citação por
poucas linhas. Alguns manuais de admiração ou na por contraposição,
comunicação acadêmica sugerem a regra ética é a da reprodução literal
que a citação seja um recurso do original: não se alteram palavras
excepcional à narrativa, pois atesta a nem sinais de pontuação, e deve-se
incapacidade expressiva do autor sempre respeitar o contexto argu-
(COMPAGNON, 1996). Se imaginar- mentativo do autor original.11 Por
mos que as citações se resumem aos isso, a entrada em cena de outra voz
eventos narrativos em que o autor não é feita sem um extenso aparato
cede às suas influências, é correto normativo: espaçamento do texto,
entendê-las como um atestado de recuo em relação às margens,
submissão. Mas há também outra tamanho diferenciado das fontes,
razão para a citação literal: o aspas e indicação da obra citada e da
contraponto argumentativo, quando página entre parênteses são alguns
a obra citada é controlada pela voz dos sinais que mostram ao leitor que
do autor, que deseja refutá-la. Em houve mudança de voz autoral.
ambos os casos, a regra minimalista Essas prescrições estéticas alteram o
sobre a citação se aplica, pois fluxo da escrita e, consequentemente,
representa um ruído entre vozes no da leitura, mas indicam que o autor
texto. não é um plagiador. Ele pede licença,
cumpre as regras do estilo
10 Softwares como EndNote, Mendeley e acadêmico, para somente depois
Zotero permitem importar referências
copiar a criação de outros autores.
bibliográficas de bases de dados na internet,
inseri-las automaticamente no corpo do
Se a citação direta deve ser um
texto por meio de citação e formatá-las em
conformidade com o padrão de evento narrativo raro em um texto
normalização exigido – por exemplo, as
normas da ABNT, APA, Chicago ou 11 Mesmo os eventuais erros
Vancouver. Trata-se de um recurso muito ortográficos ou gramaticais da obra citada
utilizado na redação de textos acadêmicos e são copiados. Nesse caso, um recurso
já incorporado por várias revistas científicas frequente é o uso do advérbio latino sic, que
na submissão dos originais para revisão. quer dizer “assim” ou “desse modo”.
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acadêmico, a paráfrase, ou citação reconhecido como um mau


indireta, é o principal recurso de parafraseador ou como alguém que
estilo para o que se conhece como parafraseia argumentos periféricos
“revisão da literatura”, como centrais.
“fundamentação teórica”, “estado da
arte” ou “revisão bibliogr{fica”.12 Em Nelson Rodrigues (2002), importante
especial para os jovens escritores, de cronista brasileiro e crítico voraz do
quem se espera a apropriação marxismo, deu um exemplo de como
honesta de autores que os não se deve utilizar os recursos da
influenciam, a paráfrase é a citação direta e da paráfrase para
verdadeira iniciação à redação refutar um oponente argumentativo
acadêmica: deve-se ser capaz de no texto O “velho”. Karl Marx é um
inspirar-se nas ideias de autores filósofo que inspirou gerações de
fortes, exercitando a síntese e a intelectuais sobre como romper a
fidelidade narrativa. A paráfrase desigualdade de classe imposta pelo
resume ideias e argumentos que são capitalismo e, por isso, é um autor
importantes, mas não possuem a forte capaz de provocar a angústia
singularidade necessária para uma da influência naqueles que se
citação direta. Parafrasear é submeter definem quer como marxistas, quer
a voz de outros autores à voz de como neoliberais. Marx não ficou
quem escreve. A paráfrase agrega conhecido por suas ideias sobre as
criação à repetição. Assim como na mulheres ou minorias étnicas. Esses
citação direta, há regras éticas e eram temas periféricos à sua
estéticas para a paráfrase: ela é argumentação sobre a economia
sempre seguida de indicação da política, por exemplo. Nelson Rodri-
autoria do texto, que remete ao gues, provocativamente, ignorou o
tempo e ao espaço onde ele foi caráter secundário dos pensa-mentos
publicado. O leitor insatisfeito com a marxistas sobre as mulheres ou os
paráfrase pode perseguir as fontes eslavos, para escrever uma crônica
originais e checar a lealdade do repleta de citações diretas que
parafraseador a elas. Um sinal de comprovariam sua tese de que Marx
ingenuidade narrativa é ser teria sido misógino e racista. Não há
como negar que os trechos citados
12 Revisão da literatura é a seção do pelo cronista de fato estão na obra de
texto acadêmico em que se apresentam e se Marx; contudo, não são trechos que o
analisam criticamente os trabalhos já representam como um autor forte,
desenvolvidos sobre um tema de pesquisa.
mas estereótipos derivados do
Os objetivos são verificar as perspectivas de
abordagem do tema, identificar as contexto histórico e político em que
constantes presentes no debate e vivia. A crônica somente pode ser
circunscrever a ótica pela qual o tema será lida como uma provocação sarcástica
explorado nas seções seguintes. Em outras entre oponentes políticos, mas jamais
palavras, revisar a literatura significa traçar
como um texto analítico sério sobre a
um mapa de autores e ideias sobre uma
questão de pesquisa (CRESWELL, 2007). obra de Marx.
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A citação direta e a paráfrase são deslize em que o apud não prevê


recursos textuais legítimos na como proteger o escritor.13
comunicação científica. Põem em
prática a memória intelectual e a Erros no registro da memória
potência de criação autoral. A citação literária podem levar a sérios mal-
direta é um empréstimo de voz com entendidos sobre plágio. Para alguns
pedido de licença, ao passo que a programas de caça-plágios em língua
paráfrase se aproxima de um inglesa, por exemplo, basta um
exercício de tradução simultânea em trecho com mais de sete palavras
que o texto não é o mesmo, mas a idênticas para a hipótese do plágio
mensagem é semelhante. É com o ser considerada (SOROKINA et al.,
reconhecimento da influência de 2006). A referência às sete palavras
outros autores que se vitalizam as não se dá por um respeito místico ao
ideias e se abre o espaço para a número sete, mas por diferentes
criação. No entanto, uma vez no testes de semelhança entre os textos
texto, a citação direta ou a paráfrase na língua inglesa: cinco palavras
passam a ser mensagens de produziriam vários falsos plágios, e
responsabilidade do escritor que as oito palavras resultariam em uma
utiliza. Há uma diferença importante regra generosa aos plagiadores
entre reconhecimento da autoria e (SOROKINA et al., 2006). Alguns
responsabilidade pelo texto. Os programas brasileiros, como o
marcadores textuais que indicam a Farejador de Plágios e o Plagius,
entrada em cena de uma citação são funcionam de maneira semelhante e
apenas ritos narrativos de verificam se trechos dos arquivos de
honestidade intelectual – o escritor texto submetidos à análise são
informa aos seus leitores que não é identificáveis na internet, em uma
um plagiador e que admira a aposta de que o meio digital é um
criatividade dos autores que o dos principais veículos para a
inspiram. Mas a responsabilidade comunicação científica.14 Se os ritos
pelo argumento é sempre do escritor da citação direta não tiverem sido
que assina o texto. Por isso, nenhum cumpridos, o esquecimento das
escritor responsável recorre ao uso aspas transformará um descuido
da expressão latina apud, que indica tipográfico em plágio.
uma citação secundária de outra
A alegação de todo escritor ao ter seu
obra. O apud é um sinal de fraqueza
plágio descoberto é a de falha na
argumentativa ou de indolência, pois
a obra original não foi explorada
pelo escritor, apenas a paráfrase de 13O apud é um recurso dos tempos originais
um autor intermediário. Nesse da comunicação científica, quando o fluxo
da informação não era global e instantâneo
percurso, há o risco de que a
como hoje e, portanto, o acesso a
fidelidade ao texto original tenha determinadas fontes era restrito.
sido perdida ou adulterada, um 14 Cf. <www.farejadordeplagio.com.br> e

<www.plagius.com.br>.
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memória literária ou, em termos recurso estilístico de paródia a


práticos, de erros no fichamento ou outros textos e, pela força da alusão
no registro das citações e paráfrases. intertextual, oscila entre a subversão
Salvo casos excepcionais de literária e o plágio. Um exemplo é a
escritores sem memória, como foi o obra Em liberdade, em que Silviano
de Sidney Orr, personagem de Paul Santiago (1994) assume o estilo de
Auster (2003) em A noite do oráculo, a Graciliano Ramos para criar uma
fronteira entre o copista e o escritor espécie de diário fictício do escritor
descuidado de sua memória literária modernista ao sair do cárcere. Essa
é difícil de ser estabelecida. Na tensão criadora constitui a arte do
psicologia, testou-se a criptomnésia pastiche, já considerada por Fredric
como uma das razões para a cópia Jameson (1983, p. 114) uma “paródia
não intencional, numa tentativa de vazia”, mas também um sintoma de
transferir o fenômeno do plágio do falência estética da pós-moder-
campo da moral para o da saúde nidade. Na comunicação científica, o
mental. Nesse raciocínio medica- pastiche é a forma mais ardilosa de
lizante da moral, o plagiador não plágio, aquela que se autodenuncia
seria um sujeito desonesto, mas pela tentativa de encobrimento da
aquele que sofreria de uma pulsão cópia.
pela repetição da criação literária de
outros autores, talvez como o O copista é alguém que repete
personagem Hermann Soergel, de literalmente o que admira e não se
Borges (1998b), que possuía a crê capaz de reinventar. Copia para
memória de Shakespeare e não sabia existir, pois não tem vida
mais o que eram recordações imaginativa. Copia por preguiça
próprias ou cópia do poeta inglês. intelectual, porque a descoberta
Não é preciso dizer que os estudos intelectual não o provoca. O copista é
em psicologia comportamental um miserável, destinado ao silêncio
refutaram a tese da criptomnésia ou ao flagrante iminente.15 Se seus
como justificativa para a cópia escritos forem lidos, seu plágio será
inadvertida (GREEN, 2002). Entre o certamente descoberto. O destino do
copista e o escritor descuidado pode copista é sempre a humilhação
haver uma diferença de moral
privada, mas as consequências 15 Antes da revolução da imprensa
possibilitada pelo desenvolvimento da
públicas do descuido narrativo serão
tipografia, o lento processo de cópia manual
idênticas. Ambos serão rotulados era o que garantia a reprodução dos textos e
plagiadores. a preservação da memória. Na Idade Média,
quem se ocupava desse ofício eram os
monges, copistas em atividade em toda a
Europa (ARAÚJO, 2008). Em tempos como
Pastiche e Plágio Intencional os atuais, de impressão de livros em escala
industrial, referimo-nos ao termo “copista”
Na literatura, o pastiche pode ser um em outro sentido, como um tipo de
plagiador.
20
Argumentum, Vitória (ES), ano 3, n.3, v. 1, p.11-28, jan./jun. 2011
Cópia e pastiche...

pública. O pasticheiro é um enga- ao aprenderem por imitação, fazem


nador, aquele que se debruça diante bricolages textuais. Em geral, essas
de uma obra e a adultera para, são peças restritas à socialização
perversamente, aprisioná-la em sua acadêmica, tais como trabalhos ou
pretensa autoria. Como o copista, o ensaios apresentados ao final de uma
pasticheiro não tem voz própria, mas disciplina. Não há publicidade
dissimula as vozes de suas desses textos, e seu objetivo é treinar
influências para fazê-las parecer a memória literária, a capacidade de
suas. Uma diferença entre o copista e repetição e imitação entre os
o pasticheiro é o tempo dedicado à aprendizes de escritores. A depender
fraude literária: o copista não gasta do contexto, o pastiche entre
mais do que dez minutos para estudantes pode ser estimulado
recortar, colar e substituir a autoria pelos professores como um exercício
de um texto de vinte páginas; o acadêmico ou, quando fora das
pasticheiro gasta pelo menos dez regras, punido com uma reprovação.
horas para superar a vistoria das sete Já o segundo grupo de pasticheiros
palavras dos caça-plágios e aprisio- são os plagiadores profissionais, os
nar um texto como seu. O mesmo que usam o ócio criativo para
texto poderia exigir dez meses para aprisionar suas influências e travesti-
ser escrito com a devida memória las como se fossem criações
literária das influências.16 intelectuais privadas. Em geral, esses
são pesquisadores maduros que
O pastiche é descoberto por um acreditam ludibriar os leitores ou os
sentido de semelhança, um aroma de caça-plágios por não serem simples
déjà-vu entre duas ou mais obras copistas, mas transformistas de
postas em contraste.17 Há dois gru- autores.18 São os ressentidos da
pos de pasticheiros na comunicação comunicação científica – nem tão
científica. O primeiro deles são os covardes quanto os copistas, mas
jovens estudantes de graduação que,

Uma ressalva é relativa aos autores de


18

16 Bouville (2008) é mais generoso com os obras de referência, como manuais, livros
tempos da produção acadêmica: considera didáticos ou enciclopédias. Essas obras
que modificar a redação de um artigo para exercem o papel de apresentar ao leitor
enganar o caça-plágio pode tomar cinco iniciante ideias clássicas e largamente
horas, ao passo que criá-lo, cinco meses. compartilhadas em um determinado campo,
17 Déjà vu é também o título de um banco de mas, sobretudo, não têm pretensão de
dados público que coteja os textos originalidade (POSNER, 2007). Por isso, é
publicados na base Medline quanto ao comum que não explicitem a fonte de suas
plágio. Os textos são comparados por uma informações por meio de citação, muito
ferramenta chamada eTBLAST e embora tragam uma seção final de
posteriormente passam por verificação bibliografia. Diferentemente dessas obras, as
manual. Eles são classificados desde peças publicadas na comunicação científica
“duplicados com diferentes autores” até devem ser originais, e as fontes consultadas
“cópias não autorizadas” (ERRAMI et al., para sua redação, explicitamente
2009). registradas.
21
Argumentum, Vitória (ES), ano 3, n.3, v. 1, p.11-28, jan./jun. 2011
Debora Diniz; Ana Terra Mejia Munhoz

impostores como Christian ao ler as risco de um bom leitor se dispor a lê-


cartas de amor de Cyrano de lo, e o segundo só precisa de uma
Bergerac a Roxane como se fossem máquina sem imaginação para
suas (ROSTAND, 2002).19 flagrá-lo. Um pastiche não desço-
berto é o primeiro sinal de que bons
O pasticheiro escapa aos caça- leitores não se aproximaram da obra.
plágios, por isso se crê livre da
vergonha. Essa é uma ilusão sobre si É a matéria-prima usada no pastiche
mesmo como escritor. Assim como que oferece as pistas para a
ocorre com o copista, se seu texto investigação da fraude intelectual. Se
circular entre a comunidade de o escudo do copista são as aspas
especialistas, o pastiche será esquecidas, o pasticheiro se protege
identificado. O primeiro passo de pela ausência da literalidade no
qualquer pesquisador ao entrar em texto. O pasticheiro sustenta ter se
uma nova área de investigação é inspirado nas mesmas influências
revisar a literatura. O pasticheiro é do(s) autor(es) de quem recorta os
um retardatário, sempre virá depois retalhos para o seu manto de
do autor. Suas peças de pastiche vergonha. Ora, nenhuma experiência
podem até circular entre paróquias, partilhada de angústia levaria a uma
mas jamais alcançarão a circulação restrição da vida imaginativa ao
ampla das ideias. Se por ventura isso ponto de impedir a dialética da
chegar a acontecer, o pasticheiro será influência: os escritores são diversa-
acusado de plágio. A relação do mente inspirados pelos autores fortes
pasticheiro e do copista com os no ato da redação e daí resultam
leitores é diferente: o pastiche é diferentes expressões criativas.
descoberto por bons leitores, ao Assim, basta perseguir os rastros da
passo que, para o copista, basta um dissimulação do pasticheiro: ele
programa de computador que repete as mesmas referências
compare versões de um texto. O bibliográficas de suas fontes,
resultado é que o primeiro vive sob o desenvolve os mesmos argumentos,
reproduz vícios de estilo ou, ainda,
faz uso do mesmo repertório de
19A trama entre Christian, Cyrano e Roxane,
escrita por Edmond Rostand em 1987, não cenas e fatos de quem lhe emudece
era um caso de plágio, mas de pastiche. Sem como autor. Não há um tipo único de
o corpo e a voz de Christian, as cartas de pasticheiro, por isso o mais correto é
amor de Cyrano não ganhariam o vigor falarmos em pasticheiros e suas
necessário à sedução. No enredo, Cyrano é
farsas, muito embora a matéria-
apaixonado por sua prima Roxane, mas se
acha feio demais para conquistá-la. prima de todos se limite aos autores
Christian também ama Roxane, porém, não de quem procuram dissimular a
tem o dom da palavra, apreciado pela dama. cópia. É o caráter sistemático da
Desesperançoso de ganhar o coração da interferência de matéria-prima entre
amada, Cyrano então escreve para ajudar
os textos que demonstra não se tratar
Christian, que se apropria das palavras dele
e conquista Roxane. de uma alusão intertextual, mas de
22
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Cópia e pastiche...

uma fraude encoberta. A verdade é Danos do Plágio


que o pasticheiro dedica-se a
encobrir a mentira, ao passo que o O pl{gio j{ foi descrito como “fraude
copista, por ser muito iniciante no intelectual capital”, “estupro intelec-
ofício ou tolo, deixa um rastro óbvio tual” e “pirataria liter{ria”, entre
da falsidade. O plagiador pasticheiro outras analogias com práticas
e o plagiador copista se diferenciam, criminosas (POSNER, 2007;
portanto, pela arte da dissimulação. SUTHERLAND-SMITH, 2008).21 O
plágio é a cópia ou o pastiche de
Nem toda falsidade intelectual é uma criação literária, que viola o
plágio. Cada vez mais comum é direito de um autor a ser
também o chamado autoplágio – a reconhecido pela originalidade de
prática da repetição de um texto em sua obra e rompe com a expectativa
diversas publicações pelo mesmo de que todo escritor acadêmico
autor. No entanto, o termo reconheça a anterioridade criativa de
“autopl{gio” reduz-se a um suas fontes. No caso de não haver
paradoxo, pois para a caracterização direitos autorais envolvidos, o
do plágio é preciso haver cópia ou principal dano do plágio é moral: há
pastiche de um autor por outro uma identidade entre criador e
escritor, o que não ocorre nessa criatura que o plagiador covarde-
prática de repetição textual. O mais mente rompe. É possível também
correto seria descrever as cópias que o plágio provoque danos finan-
duplicadas como o uso abusivo da ceiros aos autores, muito embora seja
paciência dos leitores, que esperam difícil medi-los em casos concretos.
argumentos novos e são expostos a Em tempos competitivos sobre a
fac-símiles. Há um erro de produção acadêmica, o plágio tem
redundância textual não acordada implicações na cultura da métrica
com os leitores, mas não há plágio. textual – o plagiador se converteria
Nos casos de revistas acadêmicas em um sujeito produtivo e receberia
que exigem ineditismo, a prática da benefícios acadêmicos imerecidos. 22
repetição é controlada pela regra das
400 palavras: o limite do quanto um 21
Mesmo para quem acredita ser o plágio
autor pode se admirar (BOUVILLE, um crime, a analogia com o roubo mostra-se
2008).20 desafiante. O plágio não provoca um furto
da obra ou da autoria, mas um desvio de
rota para o reconhecimento do autor
original. A obra se mantém de propriedade
do autor original, não havendo danos a sua
materialidade. O que o plágio ameaça é a
20
Tampouco a publicação de um mesmo integridade da autoria.
texto em outro idioma pode ser considerada 22 Em alguns campos, a obra mais recente

plágio, pois a tradução de um original em tem maiores chances de ser a mais citada
língua portuguesa não implica a quebra de pela comunidade científica, pois se
seu ineditismo perante os potenciais leitores considera que ela terá maior potencial
em outra língua. argumentativo. Para cálculos como o fator
23
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Debora Diniz; Ana Terra Mejia Munhoz

Dados os recursos limitados para o mento da autoria desafiada pelo


financiamento à pesquisa, a falácia plagiador. Não é à toa que os casos
produtiva do plagiador poderia lhe de plágio de grandes centros de
valer ganhos injustos. No caso de pesquisa são sempre eventos
estudantes, o plágio traz outras noticiosos de impacto. É em nome
24

consequências: o dano é só do dessa reputação coletiva ameaçada


aprendiz – se descoberto, a que esses casos concretos vêm sendo
reprovação é o desfecho mais enfrentados com violência: publiciza-
comum; se encoberto, não alterou ção e expulsão dos plagiadores das
seu capital intelectual.23 universidades.

Embora seja possível esse cálculo de


desvantagens causadas pelos
copistas e pasticheiros para uma Respostas ao Plágio
avaliação do impacto da fraude, o
Não há criação intelectual sem a
plágio deve ser enfrentado como
inspiração dos autores fortes, aqueles
uma ofensa à honra acadêmica.
que angustiam e vitalizam a nossa
Deve, portanto, ser combatido como
capacidade imaginativa. Seria fanta-
uma prática que viola a integridade
sia pensar que um pesquisador ou
acadêmica e a confiança que os
escritor acadêmico constrói sua voz
leitores depositam nos autores, isto é,
autoral sozinho. O processo de
como uma questão de ética coletiva.
socialização nos gêneros textuais da
Antes que uma violação da
comunicação científica é lento e
honestidade individual de cada
progressivo – os fichamentos abrirão
pesquisador, o plágio ameaça os
as portas para a futura tese de
alicerces da autoridade científica: a
doutorado e para as obras autorais.
integridade das vozes autorais dos
Nesse percurso de incorporação das
pesquisadores. Há um amplo siste-
regras, a imitação, a repetição e a
ma de cooperação intelectual funda-
tradução são exercícios mentais e
mentado na norma de reconheci-
estilísticos fundamentais para o

H, o artigo plagiado não desmascarado 24 Na Universidade de Harvard, por


poderá provocar danos objetivos ao autor exemplo, o caso de plágio envolvendo a
original. historiadora Doris Kearns Goodwin causou
23 O plágio entre estudantes pode ser evitado rumores ao ser denunciado pela revista The
criando-se uma cultura de esclarecimentos Weekly Standard, em 2002 (CRADER, 2002).
éticos sobre o meio acadêmico e propondo- O caso mais recente no Brasil foi a demissão
se trabalhos com recortes mais originais (e do professor Andreimar Martins Soares, da
menos genéricos); mais críticos ou Universidade de São Paulo, acompanhada
comparativos (e menos enciclopédicos ou da cassação do título de doutora da ex-
compilatórios); mais voltados para a estudante Carolina Dalaqua Sant’Ana, por
experiência e reflexão do estudante ao lidar terem plagiado, em 2008, imagens
com conceitos teóricos; e mais regulares, tais publicadas em artigos de um grupo da
como o portfólio, em vez de concentrados ao Universidade Federal do Rio de Janeiro em
final de uma disciplina. 2003 e 2006 (USP..., 2011).
24
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Cópia e pastiche...

surgimento de autores ordinários e, universo da comunicação científica


esporadicamente, de autores fortes. em revistas acadêmicas é exatamente
Não há demérito em ser um autor o ambiente virtual, a possibilidade
ordinário na comunicação científica, da rápida disseminação da
desde que também se seja um bom informação e o amplo acesso aos
cumpridor das regras éticas e periódicos científicos por bases
estéticas do gênero textual em que se eletrônicas livres que permitem o
escreve. O respeito à autoria e o seu controle permanente do plágio. O
contraponto coercitivo, a proibição plagiador que publicar sua cópia ou
do plágio, talvez sejam a regra ética pastiche em uma revista confiável
fundamental. será fatalmente descoberto.

A polícia do plágio cresce nas A comunidade científica possui um


universidades: são softwares de caça- sistema robusto de controle e
plágios, comissões de integridade sanções éticas ao plágio.25 A ação dos
acadêmica, processos de expulsão de leitores e dos editores de periódicos
plagiadores e bancas de especialistas é particularmente importante para o
convocadas a se pronunciar sobre reconhecimento da autoria como um
casos concretos. Acredita-se que a direito e da criação como o motor do
comunicação virtual seja um desenvolvimento intelectual. Ao
ambiente que favoreça o desrespeito plagiador, os leitores reservam o
ao direito de autoria (BAST; desprezo por não mais lhe
SAMUELS, 2008; DEMIRJIAN, 2006; concederem o direito ao
GERHARDT, 2006; PARK, 2003; reconhecimento da autoria; já os
RIMER, 2003; TOWNLEY; PARSELL, editores de periódicos o esperam
2004). No entanto, não há evidências com o carimbo vermelho que
que mostrem o crescimento do anuncia a fraude textual –
fenômeno do plágio na comunicação “retratação”. O destino de um
26

científica confiável – como se a


facilidade tecnológica difundisse Um exemplo é o Comitê sobre Ética em
25

uma compulsão de transformar os Publicações (COPE), fórum de editores de


periódicos científicos criado em 1997. Além
aspirantes a escritores em copistas
de discutir a ética na publicação científica, o
ou pasticheiros. O plágio como uma comitê visa orientar os editores sobre como
praga é um fenômeno nas escolas de lidar com casos de má conduta em pesquisas
ensino médio e nas universidades e publicações (MARCOVITCH, 2009). Cf.
em contextos de avaliação <http://publicationethics.org/>.
26 Quando um artigo que contém plágio é
acadêmica, mas isso remete antes a
descoberto após sua divulgação em um
um desafio do processo pedagógico periódico, a sanção é dupla: vinculá-lo, nas
e do sistema de avaliação discente bases de dados, a uma nota de retratação
que mesmo a uma reviravolta ética assinada pelos editores desaprovando a
imposta pela tecnologia (HOWARD; prática; e carimbá-lo, em cada página, com a
palavra “retratado” em letras garrafais. Em
DAVIES, 2009; PURDY, 2005;
geral o editorial seguinte da revista é
TOWNLEY; PARSELL, 2004). No dedicado ao esclarecimento do caso com
25
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Debora Diniz; Ana Terra Mejia Munhoz

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2008.
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Munhoz foram responsáveis pela
maio de 1975. Promulga a
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