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Usos e abusos da História oral (Janaina Amado e Marieta de Morais Ferreira, 1996)

A fecundidade da história oral (Etienne François)

É uma outra história? Países germânicos afirmavam que sim, “uma história diferente tanto em
seus objetos quanto em suas práticas”. Se valiam de duas justificativas que separavam a
história oral de outras abordagens históricas: atenção aos “dominados” e do ponto de vista
metodológico dava atenção a escalas micro da análise histórica (pg. 33).

Para a autora não se trata de uma outra versão da ciência, “mais atualizada”, pois acredita nas
novas formas de inteligibilidade dentro do trabalho de pesquisa que permite seus usos ao
longo do tempo.

Seria então uma técnica de investigação? Entender esse ponto de vista recai prendê-la sob o
crivo metodológico do tempo presente, assim como a arqueologia está para a história antiga.
Engana-se que o uso da história oral não possa ser aplicado para estudos de tempos remotos,
pois “pode tirar proveito das pesquisas sobre as tradições orais, a memória e o legendário
histórico” (pg. 36).

Devir da História oral é o momento pelo qual seus contrastes com a arquivologia e a
demografia histórica se acentuam dada a relação direta do pesquisador com os sujeitos da
história, portanto, as intempéries da prática de campo. “[...] a história oral, precisamente na
medida em que se constitui num encontro com sujeitos da história, pode contribuir para
reformular o eterno problema da pertinência social da história e também o do lugar e do papel
do historiador na cidade: por isso mesmo ela pode representar para a história, como disciplina,
uma chance que não se deve subestimar” (pg. 39).

Sobre essa abordagem direta com o sujeito depoente a autora endossa a importância de se
adotar novas posturas “de intervenção e de comunicação à margem de formas habituais do
ensino e da pesquisa, mais participativas do que acadêmicas, porem cientificamente tão
rigorosas quanto as precedentes” (pg.40)

Definições e usos (Danièle Voldman)

“história contemporânea” ou “história do tempo presente” foram formas clássicas de definir


estudos cujo interesse de análise partisse do sujeito. Era a chamada escola positivista que viu
seu apogeu no período historiográfico dos anos 50 aos 80.

De Heródoto a Ernest Levisse passando por Ibn Khaldun e a escola alemã no último terço do
século XIX utilizavam-se das contribuições das “testemunhas dignas de fé”, mas os rigores da
escola positivista questionava a confiabilidade dos relatos quando relacionados ao tempo
presente, partindo a total aspiração de trabalhos escritos que, segundo a autora, contém duas
nuances valiosas ao discurso: a escrita cria exterioridade, distanciamento das afirmações,
dessa maneira também reafirmava sua relevância a partir da arquitetura conceitual
(referencias, verificação e retorno, contradições).

A invenção do gravador e sua consequente inclusão dentro da pesquisa ajudou a ultrapassar o


conceito de testemunha digna de fé na admissão de critérios científicos a partir dos relatos
gravados, isto é, provando a sua existência como atribuições metodológicas e de análise. No
aspecto arquivístico havia a sublimação de que apenas objetos sonoros pudessem reconstruir
a informação do depoente. Por que não segui-la apesar do uso do gravador se mostrar
profícuo enquanto acessório? Bem, a autora define isso em dois campos de trabalho na
pesquisa, entre aqueles que cuja precisão das informações seja imperativa, portanto, seguindo
modos de proceder; aqueles preocupados com o que é revelado nos interstícios do discurso,
isto é, leva-se em consideração aspectos sensoriais, de semiótica, observação as expressões
corporais e aos modos de dizer (pg. 64).

Arquivos orais tem a função de arquivar; fontes orais são coletadas a fim de serem dissecadas
pelo pesquisador;

Em relação a fontes orais há “dúvidas sobre a dúvida” justamente pelo encontro de duas
subjetividades imediatas (entrevistador/depoente) para esclarecer ou confundir pistas.

“Em segundo lugar, o historiador tem que navegar na crista de uma onda sempre prestes a
arrebentar, seja na beira de uma memória reconstituída ou firmemente construída por
motivos diversos (preservação de uma identidade coletiva ou de um mito, proteção pessoal da
vida passada, risco de ter que mudar de modo de representação de sua própria existência ... ),
seja no curso de uma empatia participante que certos sociólogos, por seu turno, manipulam
conscientemente, julgando estar assim ajudando a construir ou afirmar a identidade das
pessoas solicitadas. Até agora negligenciou-se muito o desconforto, as dificuldades e os riscos
que podem representar para um indivíduo sua solicitude em responder às perguntas de um
pesquisador. Pois se é natural para o historiador ir buscar na melhor fonte sua melhor
informação, para o depoente - muito mais amiúde do que o historiador suspeita - isso custa
muito (67)”.

Portanto é importante o empréstimo da sociologia na condução e formulação da pesquisa,


assim como não negligenciar aspectos da psicologia, psicossociologia e psicanálise.

Por que uma autoridade teima em silenciar um conflito com colaboradores que o pesquisador
conhece bem? Por que tal personalidade não faz alusão a alguns fatos de sua vida privada que
esclareceriam os motivos de suas atitudes? Por que o presente costuma ser pintado em cores
mais sombrias do que um passado difícil e que se torna quase cintilante na palavra-fonte? (pg.
67)

Podemos assim distinguir as pessoas que têm o sentimento de haverem de algum modo feito a
história. Costumamos chamá-las de "grandes testemunhas" ou grandes atores. Ao contrário,
as "pequenas testemunhas" são aquelas que começam afirmando ao pesquisador terem antes
se submetido à história. As primeiras, conscientes de terem cumprido o papel pelo qual são
agora solicitadas, parecem ter muito a dizer (pg.68). Podem ocorrer dificuldades de conseguir
capturar esse material dos depoentes.

“O caso das autoridades é parecido, na medida em que elas também têm de justificar suas
ações passadas. A diferença provém sobretudo do fato de que - salvo exceção - elas não têm
de levar em consideração um grupo inteiro, mas apenas sua individualidade. Além disso, mas
num plano diferente, pois passamos do ponto de vista da testemunha para o do historiador, o
discurso das autoridades permite analisar como esses atores compreendem e analisam, por
dentro, os mecanismos políticos e estratégicos da decisão (pg.69)”

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