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Avaliação 1 – Teoria da História

Gabriel Ribeiro Jacinto

A natureza do conhecimento histórico é um ponto de debate ao longo dos séculos. O


que é o conhecimento histórico? Qual sua utilidade? Quem pode fazê-lo? Para quem ele
serve? São algumas das perguntas relacionadas ao tema. Todavia, diferentes respostas foram
propostas ao longo do tempo, sobretudo pelas chamadas "escolas históricas", como os
metódicos, os marxistas, os Annales e os chamados pós-modernos. O propósito deste trabalho
consiste em realizar uma reflexão sobre esses aspectos, fundamentando-se na análise crítica
do texto "Deixem a História em Paz" de Jaime Pinsky.

"Se as lições da História fossem claras, Solano López não seria considerado herói no
Paraguai e bandido no Brasil." Frase escolhida por Pinsky para iniciar seu texto, que comporta
dois posicionamentos em relação ao conhecimento histórico: a) A História é capaz de fornecer
lições ao presente; b) A história é incapaz de fornecer lições, posicionamento de Pinsky,
argumentando uma falta de "clareza". Para além de uma crítica individual do autor, seu
posicionamento representa uma modificação na concepção do conhecimento histórico e seus
objetivos na contemporaneidade.

A História como fornecedora de lições é uma continuidade da perspectiva


historiográfica do século XVIII, fundamentada pelos metódicos. Sua formulação está atrelada
ao desenvolvimento da história enquanto ciência, em um movimento crítico em relação às
predominantes filosofias da história, que delimitavam a experiência histórica a um esquema
de evolução baseado em critérios racionais universais (Martins, 2008, p. 9). A proposta
metódica é que a história não tem que intuir reflexões “metafísicas” sobre os acontecimentos,
mas concentrar-se nos fatos empiricamente verificáveis pelas fontes (Martins, 2008, p. 9).

A partir disso, os metódicos vão fundamentar a história científica sobre certos


princípios: a) Os historiadores não são juízes do passado; b) O passado existe enquanto
realidade objetiva; c) O historiador resgata o passado em si; d) O historiador produz verdades
(Reis, 1996, p. 11-12). O trabalho do historiador é simples: analisar os documentos, realizar
críticas internas e externas, e operar uma síntese dos fatos em formato expositivo (Reis, 1996,
p. 18). Através desse método, a história era fundamentalmente narrativa, e elaborava a história
de grandes homens e eventos. Seu objetivo era, sobretudo, pedagógico, sendo os eventos do
passado instrumentos da educação cívica (Reis, 1996, p. 26-27).
Pinsky, em seu texto, vai criticar essa visão da História, afirmando que "A História
não é apenas aqueles infindáveis nomes de presidentes e alguns cidadãos de destaque, que
mantêm de fora as minorias". Seu posicionamento se relaciona com as fortes críticas na
atualidade sobre a incapacidade do acesso do passado em si e da inocência dos metódicos em
relação ao afastamento da filosofia. As teorias epistemológicas atuais afirmam que toda
produção de conhecimento é mediada por uma teoria, entendida como um "modo de ver",
organizar, sistematizar ou interpretar um dado fenômeno a fim de explicar ou descrever o
objeto da observação (De Mello, 2012, p. 369). Assim, a falta de "clareza" afirmada por
Pinsky fica evidente no contraponto de duas teorias, a dos marxistas e dos Annales.

Ambas as "escolas", marxistas e os Annales, serão críticas da concepção narrativa e


"reducionista" dos metódicos. Os Annales vão se organizar a partir da criação da revista
"Histoire, Sciences sociales", em 1929, se inserindo no contexto de desenvolvimento das
ciências sociais. Sua proposta era captar a sociedade por meio de suas múltiplas dimensões:
temporais, espaciais, humanas, sociais e econômicas (Reis, 1996, p. 56). Através da
interdisciplinaridade, eles deslocam o foco de análise dos acontecimentos para as estruturas
econômico-sociais-mentais. Há uma ampliação na utilização das fontes, resultando em uma
mudança na concepção de "ciência da História", com uma maior ênfase na análise de grandes
temporalidades como recorte de estudo (Reis, 1996, p. 76).

Através dessa proposta, eles inauguram o modelo estruturalista como chave de


compreensão das sociedades ao longo do tempo. Os princípios dessa abordagem: a) desconfia
do sujeito, da consciência; b) desconcentra o sujeito e a história; c) evita a utopia; d) opõe-se
ao conhecimento metafisico, especulativo; e) Recusa o raciocínio teleológico (Reis, 2010, p.
110-111). A marca dessa historiografia é a quantificação das fontes e a larga utilização de
estatísticas. O enfoque central recai sobre as estruturas sociais, econômicas e culturais que
constituem a base da sociedade. O papel dos indivíduos é relegado a segundo plano, sendo as
modificações consideradas frutos de longos processos (Reis, 1996).

Uma proposta alternativa de análise das sociedades históricas, que se distancia das
abordagens dos metódicos e dos Annales, é a perspectiva marxista. O marxismo também
rejeita as filosofias da história, optando pelo materialismo histórico, que postula que o
material da história é observável, objetivável e quantificável, concentrando-se nas "estruturas
econômico-sociais" (Reis, 1996, p. 41). A teoria geral do movimento das sociedades
humanas, proposta por Marx, destaca a necessidade de uma mudança na produtividade para a
transformação histórica. A correspondência entre forças produtivas e relações de produção é
identificada como o principal objeto da ciência histórica (Reis, 1996, p. 44). A evolução da
história ao longo do tempo é resultado da luta de classes, uma contradição inerente às
sociedades. Segundo Villar, autor marxista, a realidade histórica é considerada uma "estrutura
em processo", intrinsecamente contraditória, demandando uma abordagem analítica que
reconstrua a dialética (Reis, 1996, p. 46).

As duas "escolas" historiográficas exemplificam como a chave interpretativa da teoria


modifica as análises históricas. Um mesmo objeto pode ter explicações diversas dependendo
da perspectiva de análise. Os Annales priorizam as permanências, considerando as mudanças
como processos lentos e que fogem do controle dos indivíduos. Os marxistas adotam a
perspectiva dialética da sociedade, onde as mudanças são impulsionadas pelo conflito de
classes (Reis, 2010, p. 120-121). Uma das causas da falta de "clareza" nas lições da história é
a capacidade de gerar diferentes perspectivas, modificando o conteúdo da História. Todavia,
as mudanças na interpretação dos fenômenos históricos vão além do quadro teórico.

Vejamos essa questão através da frase de Pinsky: "História implica em se apropriar do


passado a partir do presente". Existem duas formas de interpretar essa questão. A primeira
delas diz respeito à ideia de história-problema, onde o objeto da história e as perguntas
direcionadas ao passado são escolhidos conforme as demandas do presente (Bloch, 2009). A
outra forma de interpretação é em sentido amplo, onde existem influências da sociedade em
que o historiador está inserido, as quais vão agir de maneira determinante sobre sua produção
historiográfica. Ela vai além da escolha do objeto, abrangendo a interpretação da história
conforme escolhas éticas, morais e políticas e institucionais.

Um dos autores que se debruça sobre essa questão é Michel de Certeau. Analisando a
"prática historiográfica", ele situa três dimensões que envolvem sua produção: a) lugar social,
que abrange as relações sociais de um sujeito, sua posição social, profissional e institucional;
b) prática, referindo-se aos procedimentos técnicos arbitrados pela comunidade de
historiadores; c) escrita, relacionada à criação de sentido ao conferir coerência a determinados
eventos (De Mello, 2012, p. 374). A pesquisa do historiador nunca é desconexa de seu
contexto. Contudo, diante dessas questões, é possível afirmar que há uma verdade no
conhecimento histórico?

Pinsky insinua seu posicionamento a partir de uma metáfora: "Um elefante será
sempre um elefante, mas se o ponto de vista levar o observador a conhecer o elefante pela
frente, ele poderá ver uma tromba enorme; se o enxergar por trás, verá apenas um rabinho".
Pode-se deduzir dessa afirmação um posicionamento semelhante ao de Adam Shaff (2009).
Este propõe que todo conhecimento é fruto da relação entre um sujeito que conhece e o objeto
do conhecimento. A posição de classe do sujeito e sua linguagem funcionam como filtro de
análise do objeto, tornando o produto do conhecimento sempre subjetivo-objetivo. Sua tese
leva em consideração que a verdade eterna e imutável é impensável, pois não se pode captar o
objeto em sua totalidade. Entretanto, é possível enunciar verdades parciais sobre o objeto, e a
partir dessas verdades parciais presentes nas perspectivas, alcança-se uma verdade. Essa
verdade é entendida como um processo contínuo.

Essa reflexão epistemológica, a relação sujeito-objeto, será uma abordagem


predominante por muito tempo na historiografia. Entretanto, na contemporaneidade, ocorrerá
o que chamam de "virada linguística", onde a linguagem é tomada como criado da realidade
(Reis, 2010, p. 110). Essa abordagem estará associada às explicações pós-estruturalistas da
história, que negam a possibilidade de conhecimentos holísticos da história.

Vejamos essa questão a partir da frase de Pinsky: "História não é a narrativa, ou uma
narrativa, nem qualquer narrativa sobre coisas que aconteceram." Essa frase do autor é
utilizada como posicionamento contra a História dos metódicos, o que dialoga com as ideias
defendidas pelos Annales. Esse posicionamento hierarquiza determinados fatos como mais
importante do que outros, tomados como basilares para compreensão do processo histórico. A
história tem certa profundidade.

Crítico dessa ideia, Hayden White defende que o discurso histórico não cria novas
informações sobre o passado, apenas produz interpretações por meio de uma narrativa lógica.
Nesse sentido, o discurso histórico é uma forma de interpretação do passado, essencialmente
narrativa (White, 1994, p. 2). O historiador atribui significado por meio da representação de
eventos organizados cronologicamente, transformando-os em narrativas com início, meio e
fim. O texto escrito vai se fundamentar em termos cognitivos, éticos ou estéticos (White,
1994, p. 7).

Nessa linha argumentativa, o fenômeno deixa de ser dado como fixo e uma realidade
objetiva da qual partem as representações. Eles são tomados como produtos de invenção
social e linguística (Muniz, 2007, p. 59). Fundamentalmente, o conhecimento histórico é
perspectivista, pois suas funções e o contexto em que foi produzido estão em constante
modificação, e as grandes interpretações sobre a história são inviáveis (Muniz, 2007, p. 61).
Ou seja, a virada pós-moderna fala que a realidade é moldada por meio dos jogos de
linguagem, ressaltando a natureza interpretativa do discurso histórico (Reis, 2010, p. 112).
Embora seja diversos autores, eles têm alguns aspectos em comum ao considerar que: a) A
história não é apresentação, mas representação; b) Crítica da origem em favor dos fenômenos;
c) Crítica da unidade em favor da pluralidade; d) Crítica à transcendência das normas em
favor de sua imanência; e) Análise dos fenômenos mediante alteridade constitutiva (Cardoso,
2005, p. 85).

Meu objeto de pesquisa são os usos políticos do passado, analisando as obras de


Antônio José Azevedo do Amaral (1881-1943), um escritor, jornalista e tradutor brasileiro. A
partir desse objeto, encontro-me em diversas discussões de cunho teórico: os potenciais
políticos do passado, o nível de liberdade de um pensador em relação ao discurso de sua
época, de que forma a apreensão da realidade se modifica a favor da realidade que está
inserido. A partir disso, aceito algumas das asserções pós-modernas na análise do meu objeto.

Minha concepção de história leva em consideração que para além das mudanças
empíricos, modo de produzir, modificação de fronteiras, troca de presidente, é necessário o
estudo da apreensão dessa realidade pelos agentes históricos. Na minha visão, a história que
mais se aproxima da realidade é aquela que leva em consideração as ambiguidades do real, os
aspectos não racionais e racionais a partir do maior número de fontes. Reconheço a
dificuldade de responder a essa pergunta da concepção Histórica, pois as abordagens levam
diversos problemas.

Reconheço que a sociedade exerce uma influência significativa sobre a construção do


discurso histórico, e meu trabalho busca explorar como indivíduos, como Antônio José
Azevedo do Amaral, utilizam o passado para promover agendas políticas e sociais específicas.
Na minha pesquisa, utilizo o conceito de poder simbólico de Pierre Bourdieu (2019) para
analisar como figuras como Amaral conseguiram impor significados e influenciar a percepção
da realidade através de suas obras e discursos. Bourdieu destaca a importância das práticas
simbólicas na reprodução do poder, e minha abordagem visa desvendar essas dinâmicas no
contexto específico. Em última análise, minha concepção de história busca não apenas
compreender o passado, mas também desvelar os mecanismos de poder simbólico que
moldam a construção e apropriação do discurso histórico.

Referências

BLOCH, Marc. Apologia da história. Zahar, 2002.


BOURDÉ, Guy; MARTIN, Hervé. As escolas históricas. Publicações Europa-América,
1983.

BOURDIEU, Pierre. Poder Simbólico. 11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2019.

MARTINS, Estevão de Rezende. Historicismo: o útil e o desagradável. A dinâmica do


historicismo: revisitando a historiografia moderna. Belo Horizonte: Argvmentvm, 2008.

MELLO, Ricardo Marques de. O que é teoria da história? Três significados possíveis. Revista
História & Perspectivas, v. 25, n. 46, 2012.

PINSKY, Jaime. Deixem a História em paz. 3 de junho de 2022, Editora Contexto,


comentários. Disponível em: https://blog.editoracontexto.com.br/deixem-a-história-em-paz-
jaime-pinsky/?textoprofessorjaime-leitores

REIS, José Carlos. A história entre a filosofia e a ciência. Autêntica, 1996.

REIS, José Carlos. O desafio historiográfico. Editora FGV, 2010.

SHAFF, Adam. Verdade e história. 1978.

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