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Onde Está Sua Titulação
Onde Está Sua Titulação
Luiz Moura
Não conheço nenhuma universidade do mundo em que seus cursos de educação tenha
apresentado ou oferecido os evangelhos como manual de pedagogia a ser estudado pelos
alunos; nem ao menos entre os maiores pedagogos da humanidade se tenha apresentado
a figura de Jesus de Nazaré, O que tem acontecido, vez por outra, e isso é louvável, é
algum educador cristão, fazer uma releitura dos evangelhos na ótica da pedagogia. Mas
issso só tem acontecido em celebrações de cursos de licenciatura, sobretudo de
pedagogia.
Em ‘História das idéias pedagógicas’ (1993), o pensador Moacir Gadotti, quando expõe
o pensamento oriental apresenta Lao-Tsé como exemplo de educador e o Talmud como
fonte de educação hebraica mas não Cristo nem os evangelhos. No livro inteiro dedica à
pedagogia de Cristo apenas uma 06 linhas, quando afirma: “Do ponto de vista
pedagógico, Cristo havia sido um grande educador, popular e bem sucedido. Seus
ensinamentos ligavam-se essencialmente à vida. A pedagogia que propunha era
concreta: parábolas inventadas no calor dos fatos, motivados por suas numerosas
mudanças pela palestina. Ao mesmo tempo dominava a linguagem erudita e sabia
comunicar-se com o povo mais humilde” (GADOTTI, 1993, p. 51).
Luiz Moura, na introdução de seu trabalho: ‘Coisas do coração’ diz sobre a pedagogia
de Jesus: “A vida inteira de Jesus de Nazaré foi uma escola; tinha um projeto bem
definido e uma metodologia que se adequava a qualquer situação. Qualquer espaço era
espaço educativo. Se a gente observa melhor pode-se classificar a ação pedagógica de
Jesus como revolucionária pois não age como os doutores da lei e os fariseus,
considerados mestres do povo. Ainda pequeno debate com os doutores no templo;
encontra-se sozinho em lugar público (poço de água) com uma mulher estrangeira e
pecadora; dependendo da situação reúne-se com um trio; ou com um grupo (os doze) ou
um grupo maior (os 72) ou ainda com a multidão. Seu jeito de educar inspirou até
cancioneiros da música popular brasileira que fizeram o Brasil inteiro cantar:
Por que nossos alunos estão mais interessados em ir ao Shopping do que à escola?
Por que gostam mais de estar na frente da TV do que escutar seus professores?
“Já se disse acertadamente que educar não é encher uma vasilha vazia, mas acender uma
luz. Em outras palavras, educar é ensinar a pensar, e não apenas ensinar a ter
conhecimentos. Estes nascem do hábito de pensar com profundidade. Hoje conhecemos
muito mas pensamos pouco sobre o que conhecemos. Aprender a pensar é decisivo para
nos situarmos com autonomia no interior da sociedade do conhecimento e da
informação. Caso contrário, seremos simples caudatários dela, condenados a repetir
modelos e fórmulas que se superam rapidamente. Para pensar de verdade, precisamos
ser críticos, criativos e cuidadores. (...) Ser crítico é tirar a máscara dos interesses
escusos e trazer à tona conexões ocultas. A crítica boa é também autocrítica. (...) Ser
criativo é ir além das fórmulas convencionais e inventar maneiras surpreendentes de
expressar a nós mesmos e ao mundo (...) ser crítico é dar asas à imaginação. (...) Ser
cuidadores é quando prestamos atenção aos valores que estão em jogo, atentos ao que
realmente interessa e preocupados com o impacto que nossas idéias e ações podem
causar nos outros. (BOFF, 2008, p. 211 -212)
Do ponto de vista social, a época de Jesus não era tão diferente da nossa: o povo vivia
esmagado por duas forças: a política e a religião. O governo local, apoiado pelo império
romano, excluía e discriminava as pessoas, comunidades ou clãs; a lei de Deus era
usada pelas autoridades, para justificar a exclusão. Ao contrário, o Reino de Deus que
Jesus anunciava era a proposta de fraternidade que Deus sonhou para todos e não uma
observância a ser cobrada ou uma doutrina a ser imposta. Certamente Jesus freqüentou
escola, pois a bíblia nos diz: 'na sinagoga levantou-se para ler' e depois de ler 'enrolou o
livro, entregou ao servente e sentou-se' (Lc 4, 17-20). Apesar de letrado, não ensinava
só na sinagoga, mas em qualquer lugar que houvesse gente para ouvi-lo: deserto, barco,
monte, caminho, casa etc. Mas a verdadeira escola de Jesus era a vida: o evangelista
comenta: Jesus 'crescia tanto em estatura como em sabedoria' (c. 2, 52).
A exemplo dos rabinos da época, mas de forma diferente, Jesus reúne, ao redor de si,
discípulos. Os discípulos seguem o mestre por onde quer que vá, não importa por onde,
mesmo que tenha de carregar uma cruz ou subir o calvário. O caminho do mestre nem
sempre é fácil; aqui dá atenção especial aos excluídos, ali chama atenção para os fracos
do povo e, mais na frente, atenta para a atitude de serviço. Em nossas escolas, a relação
que se dá é entre professor-aluno; há muitos professores e poucos mestres e sua relação
com os alunos é mais 'magisterial' (trabalho do grande = magis) que 'ministerial'
(trabalho do pequeno = minis); mais 'professoral' que de serviço e de testemunho. No
jeito diferente de Jesus educar, a relação é discípulo-mestre. O mestre dá testemunho e o
discípulo segue.
Era comum, em Jesus, usar a sabedoria popular (ex. 'médico, cura-te a ti mesmo' Lc. 4,
23-24), fatos da vida ou ainda histórias bem conhecidas para popularizar mais seus
ensinamentos. Hoje a sabedoria popular não tem valor, não é científica, não tem
comprovação demonstrada. Só tem valor o conhecimento passado pela escola através de
mestres diplomados. No ocidente, 'conhecer' significa também 'dominar'; o ato de
conhecer implica uma ação de domínio, por parte do sujeito que conhece, sobre o objeto
conhecido; sendo assim, nem todo conhecimento é sabedoria. A ciência moderna
significou crescimento e desenvolvimento, mas ao mesmo tempo, negação e destruição
de culturas.
O ensino de Jesus não era distante da vida do povo; quando ensina usa parábolas. É uma
forma participativa de ensinar e educar. Os doutores da lei, rabinos e escribas (letrados,
formados em escolas) ensinavam que Deus só se manifestava na observância da lei.
Jesus, ao contrário, contesta e diz: 'o Reino de Deus já está presente no meio de vocês'
(Lc. 17, 20). O ensino de Jesus, ao contrário de apelar para a lei e o culto, era 'novo' e
'dado com autoridade'. A autoridade de seu ensino era sua coerência de vida e sua
aproximação com os considerados 'ignorantes' e excluídos pelos letrados da época.