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SÍNTESES DE ENQUADRAMENTO DOS TEMAS/CONTEÚDOS

O Renascimento
MÓDULO 5 Vá rios foram os acontecimentos que contribuíram para o surgimento de
um novo movimento artístico em Itá lia no Quattrocento. Desde o século
A CULTURA DO XII a Itá lia integrava o Sacro-Império Romano-Germâ nico encontrando-se
PALÁCIO politicamente destabilizada e envolta em conflitos militares que
destruíram as velhas estruturas feudais, enfraqueceram as finanças e as
famílias nobres, e favoreceram a ascensã o da burguesia, mercadores e
comerciantes, de cujo poder resultaram as cidades-estado e as grandes
famílias do Renascimento.
Apesar de instá vel e propícia a conspiraçõ es e assassinatos, desta
situaçã o politicamente instá vel, resultaram os empreendimentos mais
inteligentes e ousados. Nesta nova sociedade á vida de poder e gló ria, o
fausto, o aparato, os torneios e as festas, mas também o mecenato, a
arquitetura, a pintura e a escultura experimentaram a sua influência. Os
ricos mercadores, os comerciantes, os banqueiros e, em geral, a
burguesia, disputaram para a sua corte os artistas mais aclamados,
construíram os palá cios mais sumptuosos e enriqueceram-se de obras de
arte representativas de um espírito novo. Assim se difundiu o estilo do
Renascimento.
Em Florença, homens como Marsilio Ficino, Pico de la Mirandola e Alberti,
o arquiteto teó rico do Renascimento, empenharam-se em conciliar o
pensamento plató nico com a doutrina cristã , e em reconciliar a
espiritualidade cristã com a aparente beleza das coisas naturais,
pretendendo traduzir o seu pensamento em imagens sensíveis e belas. No
seu entendimento, a beleza exterior devia decorrer do reflexo dos valores
interiores e da nobreza de alma.
Representando um extraordiná rio desenvolvimento da razã o humana,
razã o que estrutura o pensamento e é medida de todas as coisas, o
homem do Renascimento concebeu o Cosmos como harmonia divina:
para ele, o universo nascido de Deus, era forma e medida, proporçã o e
harmonia, pureza e perfeiçã o. Assim se desenhava um artista complexo e
mú ltiplo, entusiasta apaixonado mas também inquieto, idealista e
pragmá tico que forjava o futuro perscrutando o passado.
Escravo Moribundo, Miguel Ângelo, O motor principal desta evoluçã o artística foi a atraçã o pelo naturalismo
Museu do Louvre, Paris, França,
c. 1513. que desde o século XIV se exprimia com Giotto e Pisano. Também a
Revelando a intensidade do seu
espírito neoplatónico, Miguel Ângelo
Antiguidade se encontrava ancorada ao naturalismo e soubera encontrar
encontrou na escultura a maior das uma expressã o plá stica na beleza humana. Era este sentido de volume, de
artes, a mais próxima da pureza, da
perfeição e da beleza da “obra
modelado, de expressã o do movimento e das composiçõ es das figuras,
divina”. que testemunhavam os baixos-relevos e está tuas presentes em grande
Analisando demoradamente os
blocos de pedra em busca de uma nú mero em Itá lia.
“forma ideal” prestes a ser
“libertada” pela mão do artista, Da exigência do naturalismo nasceu o estudo do espaço e da codificaçã o
Miguel Ângelo traduziu nas suas da sua representaçã o numa disciplina geométrica: a perspetiva linear. Por
obras uma serena harmonia entre o
corpo, clássico nas formas, e o outro lado, a obra adquiriu a sua independência e o artista a sua
espírito, idealista na expressão. autonomia: agora, ela já nã o é apreciada pela sua fidelidade ao programa
iconográ fico, pela qualidade dos materiais empregues ou pela precisã o da
execuçã o, mas antes pelo nível de invençã o, pela subtileza da forma e pela
originalidade da inspiraçã o, marcas que distinguem um grande artista.

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O Batismo de Cristo, Piero della


Francesca, National Gallery, Londres,
Reino Unido, 1440-1445.
No final da sua vida, Piero della
Francesca dedicou-se a aprofundar
os conhecimentos sobre a perspetiva,
a geometria e a matemática,
tendo deixado escrito o tratado De
prospectiva pingendi, de 1472.
Na sua obra, para além de utilizar
uma construção rigorosa da
perspetiva, concedeu grande
preocupação à representação dos
volumes dos corpos, não só através
daquelas regras, como também
através da luz, geralmente, uma luz
muito pura que define as formas
como se se tratasse de volumes
geométricos.
A sua capacidade para nos fazer
sentir testemunhas da ação que
representa, pode ser observada em O
Batismo de Cristo, não só através do
rigor científico da perspetiva, como do
equilíbrio geométrico ou da clareza
formal do desenho.
A tranquilidade e a serenidade
que a pintura nos sugere, deve-se
também às suas qualidades plásticas,
como a uniformidade da luz em que
submergem as figuras e a atmosfera
transparente que domina um espaço
absoluto e universal.

O Nascimento de Vénus, Botticelli,


Galeria dos Uffizi, Florença, Itália,
c. 1480.
Esta é a primeira representação de
Vénus do Renascimento, introduzindo
a temática pagã no formulário
florentino. Não negando a inspiração
na escultura clássica que mostrava a
deusa, em pose pudica, ocultando o
corpo com as mãos, a sua linguagem
não tem precedentes: a contaminação
neoplatónica da sua pintura fê-lo
privilegiar o “mundo das ideias” e
uma conceção estética abstrata,
em detrimento da representação
descritiva e naturalista.

O Maneirismo
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MÓDULO 5
A CULTURA DO
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As primeiras referências ao Maneirismo surgiram na segunda metade do
século XIX surgiram como uma tendência histó rico-artística desenvolvida
na segunda metade do século XVI em Itá lia. A partir de entã o e até ao
século XX encontramos sempre uma caracterizaçã o negativa do termo, já
que normalmente a arte maneirista era identificada pelos historiadores
com uma certa perversã o do equilíbrio clá ssico atingido no Renascimento
e com o momento histó rico do saque de Roma pelas tropas imperiais de
Carlos V em 1527. A um período de crise de valores correspondeu,
portanto, uma arte igualmente perturbadora e inquietante nas suas
manifestaçõ es.
Para aqueles historiadores, a maniera referia-se a um “amaneiramento”, a
um virtuosismo vazio, artificioso e caprichoso, aspetos contra os quais
viriam a reagir os criadores do Barroco. Só a partir da década de 1920 o
Maneirismo observou uma revalorizaçã o histó rica, sendo o termo
aplicado à arte italiana produzida entre a década de 1520 e os finais do
século XVI, registando uma certa projeçã o internacional enquanto veículo
expressivo da Contrarreforma cató lica. Em geral, o Maneirismo é
associado a uma arte refinada, elegante, sofisticada e, nalguns casos até,
excêntrica, mais preocupada com o estilo do que com o conteú do, sendo
este frequentemente algo complexo e esotérico. Por Maneirismo
deveríamos, entã o, entender a primazia da expressã o individual do
artista, numa genuína manifestaçã o da pró pria maniera do seu estilo e
das suas inquietudes artísticas.
As criaçõ es deste período refletem uma rutura do equilíbrio clá ssico
entre forma e conteú do, valorizando-se sobretudo a destreza e a
capacidade técnica do artista para conseguir acabamentos e traços
perfeitos. Por outro lado, os assuntos tratados recorrem com maior
frequência ao símbolo, à metá fora e à alegoria, notando-se um excesso de
erudiçã o literá ria por parte dos artistas e uma insistência nas “citaçõ es”
Appenino, Giambologna, Jardins do
histó ricas da Antiguidade. Também no â mbito da arquitetura, o
Pratolino, Villa Medici, Florença, Maneirismo generalizou o desvio à s normas clá ssicas, o uso de materiais
Itália, 1577-1581.
Foi para a família Médici que
variados e mú ltiplas texturas e uma tendência para o aumento da
Giambologna concebeu a sua maior decoraçã o interior, intensificando-se o interesse por jardins, povoados de
obra: uma colossal estátua (10 m de
altura) do deus da montanha
numerosas esculturas, fontes, grutas, escadas e pavilhõ es.
Apenino, construída em pedra e
tijolo. Por outro lado, os criadores maneiristas manifestaram uma clara
O ciclópico deus debruça-se sobre preferência pela variedade, admitindo o estranho e o maravilhoso, ou até
um lago, parecendo emergir da
terra numa notável fusão com a o feio e o monstruoso, tendências muito apreciadas por um informado
natureza. nú cleo de nobres e reis que se dedicavam ao colecionismo de objetos
Este jogo entre o natural e o
artificial, que também obteve uma curiosos, raros, estranhos ou maravilhosos. O cará cter híbrido do
certa expressão na arquitetura no Maneirismo assim expresso, nã o deixou de refletir a intensa interrogaçã o
contraste entre paredes rústicas e
paramentos lisos, foi um dos de uma época que se procurava a si pró pria, acabando por resolver as
recursos mais utilizados pela suas tensõ es no estilo dominante do Barroco. Indagando sem cessar a
estética maneirista, sobretudo nas
intervenções em parques, jardins, imagem do mundo da representaçã o, o Maneirismo acabou por ser
fontes e grutas, ambientes propícios
a criações tipicamente maneiristas.
estranhamente moderno na sua evoluçã o, cultivando o insó lito, o sonho, o
imaginá rio e o fantá stico, aprofundando possibilidades técnicas que nã o
deixaram de influenciar movimentos modernos como, por exemplo, o
Surrealismo.

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A Sala dos Gigantes, Giulio Romano,


Palazzo del Tè, Mantua, c. 1527.
Giulio Romano (c. 1492-1546),
assistente de Rafael, foi pintor e
arquiteto da corte do Duque de
Mantua, para quem construiu o
Palazzo del Tè, a sua residência
palaciana.
Nesta sala, executou um enorme
fresco onde somos pressionados
por uma imensa agitação de corpos,
próprios do Maneirismo.

Verão, Arcimboldo, Museu Nacional


do Louvre, França, 1573.
As estranhas figuras de Arcimboldo
(1527-1593) formadas pelos mais
diversos objetos – nesta obra
utiliza apenas frutos de verão –, só
foram plenamente aceites pelos
“surrealistas” que se interessaram
pela ironia desses jogos visuais.

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O Renascimento e o Maneirismo em Portugal
MÓDULO 5 As formas clá ssicas de matriz italianizante chegaram tardiamente a
Portugal e exprimiram-se muito fugazmente, assistindo-se, antes, a uma
A CULTURA DO suave transiçã o do Gó tico de tendência flamenga para o Maneirismo de
PALÁCIO raiz italiana. Ainda assim, os intensos contactos que os portugueses
mantinham quer com a Itá lia, quer com a Flandres, por via do comércio
marítimo, desempenharam um papel determinante na evoluçã o do
Renascimento e, posteriormente, do Maneirismo em Portugal.
No final do século XV, despontava com fulgor a era dos Descobrimentos e,
para além do incremento das trocas comerciais entre o Oriente e as cortes
europeias, também o crescente intercâ mbio cultural com Á frica, Brasil e o
Oriente se enquadrava no espírito humanista da época. Com as
navegaçõ es para o Oriente, a descoberta de novos mundos e o contacto
com outras civilizaçõ es, os portugueses ajudaram a divulgar na Europa,
novos territó rios, novos produtos e novas culturas. Simultaneamente
crescia uma burguesia de mercadores, banqueiros e comerciantes cada
vez mais influentes na sociedade, enquanto a nobreza e a realeza
enriquecia os seus cofres.
Só por volta da década de 1540, numa altura em que a tendência
dominante em Itá lia já era o Maneirismo, é que a linguagem clá ssica se
manifesta com alguma expressã o nas obras de Joã o de Castilho (por
exemplo, a Ermida de Nossa Senhora da Conceiçã o, em Tomar) e Diogo de
Torralva (por exemplo, o Claustro do Convento de Cristo, em Tomar). Na
pintura, devemos destacar a oficina provincial de Vasco Fernandes, ativa
em Viseu, a quem se deve a transiçã o da tradiçã o flamenga, durante o
período manuelino, para uma pintura maneirista de feiçã o italianizante.
A reaçã o aos valores clá ssicos veiculados pelo humanismo renascentista
faz-se sentir a partir de meados do século XVI e perduraria quase até ao
século XVIII. Para esta assimilaçã o do novo gosto foram importantes nã o
só a presença de mestres estrangeiros a trabalhar no país (por exemplo,
Nicolau de Chanterenne), como também as experiências de artistas
nacionais recolhidas em Itá lia, com destaque para a obra teó rica de
Francisco de Holanda, cuja presença em Roma entre 1537 e 1541
Porta Especiosa da Sé Velha de
Coimbra, João de Ruão, c. 1530. originou a obra “Da Pintura Antiga”.
Escultor e arquiteto francês ativo
em Coimbra entre 1510 e 1572, a Mas, sobretudo, o Maneirismo desenvolveu-se em Portugal por via,
obra de João de Ruão foi marcada
por uma linguagem fortemente
principalmente, de dois fatores de influência: por um lado, a divulgaçã o
italianizante. dos tratados de arquitetura de Vignola e de Serlio, que facultavam ampla
Após experiência adquirida no
estaleiro da Catedral de Rouen (e,
informaçã o ilustrada sobre a arte de construir, bem como um vasto
daí o nome Jean de Rouen), veio a catá logo de modelos arquitetó nicos; e, por outro lado, a forte ascendência
instalar-se em Coimbra a partir de
1518, sendo um dos nomes mais
da Companhia de Jesus em Portugal que, nã o só constituíram uma fonte
importantes do Renascimento de difusã o dos ideais contrarreformistas, como também implantaram o
português.
A designada Porta Especiosa da Sé modelo de igreja jesuíta, funcional e de linhas simples e só brias, que fez
Velha de Coimbra é um dos seus fortuna na época. Sã o exemplos significativos a Igreja de S. Roque, em
trabalhos mais notáveis.
Lisboa, do italiano Filipe Terzi, e a Igreja do Colégio dos Jesuítas, em
Coimbra, e a Igreja de S. Vicente de Fora, em Lisboa, ambas de Baltasar
Alves.

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Igreja do Convento de Nossa Senhora
da Graça, Nicolau de Chanterenne e
Miguel de Arruda, Évora, 1532-1540.
Pertencente à ordem de Santo
Agostinho, este é um dos mais
interessantes edifícios da Renascença.
O seu traçado complexo mas com
articulação equilibrada, poderia denotar
influência de Palladio – por exemplo, no
duplo frontão da fachada –, não fossem
certos elementos situarem a sua
construção na década de 1530.
Na interessante composição saída do
traço destes dois arquitetos, salienta-
-se o original pórtico de colunas
toscanas, elaborando uma delicada
galilé e as pilastras dos cunhais
encimadas por quatro gigantes em
poses irreverentes.

Aparição do Anjo a S. Roque, Gaspar


Dias, Igreja de S. Roque, Lisboa,
c. 1584.
Gaspar Dias representa a tendência
italianizante de um certo Maneirismo
português, fruto da sua estadia em
Roma e da aprendizagem junto dos
círculos afetos a Parmigianino.
A sua pintura é caracterizada pela
modelação dos cenários num vigoroso
chiaroscuro e pelo serpentinato
arrojado da sua figuração.

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Fonte do Claustro da Manga, João de
Ruão, Mosteiro de Santa Cruz de
Coimbra, 1533.
Esta é uma obra manifestamente
maneirista de João de Ruão,
de características simbólicas:
o tempietto central simboliza a
eternidade; a cúpula apoia-se
em oito colunas, o número da
Ressurreição; as quatro capelas
cilíndricas referem-se aos quatro
Evangelistas; as escadas têm sete
degraus, o número da perfeição; e
os oito tanques, unidos dois a dois,
formam os quatro rios do Paraíso.

Claustro Principal do Convento de


Cristo, Diogo de Torralva, Tomar,
1558.
Diogo de Torralva (1500-1566) terá
chegado a Portugal por volta de
1525, admite-se, proveniente de
Espanha, vindo a receber algumas
das obras mais significativas
deste período. Evidenciando um
atualizado conhecimento dos
tratados de arquitetura de Serlio
e de Palladio, devemos a Diogo de
Torralva um dos percursos mais
coerentes do Maneirismo nacional.
Depois de ter realizado obras
como, por exemplo, o Claustro
do Convento da Madre de Deus,
em Lisboa, tornou-se mestre de
obras do Convento de Cristo, em
Tomar, sendo responsável pela
remodelação do Claustro Principal,
antes desenhado por João de
Castilho

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