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megaeventos esportivos ”1
Resumo:
O Rio de Janeiro adquiriu visibilidade nacional e internacional devido aos eventos que sediou e
irá sediar até 2016. Além das políticas de intervenção urbana e de segurança surgidas, diversos
grupos e coletivos passaram a reivindicar maior influência na gestão do espaço urbano,
ensejando um processo marcado por incessantes diálogos, ativismo político, negociações e
conflitos. Esta reflexão é fruto de uma pesquisa que vem sendo desenvolvida, em contextos
diversos, acerca de um largo espectro de experiências vivenciadas por sujeitos que tiveram seu
cotidiano e respectivos espaços de moradia, trabalho, lazer e/ou convivência afetados, de
alguma forma, pelas intervenções que vem atingindo a cidade. Propomos aqui um olhar sobre
a relação entre os megaeventos ocorridos do Rio de Janeiro nessas últimas décadas, sua
articulação às dinâmicas de reorganização do capitalismo, bem com os impactos enfrentados
pela cidade e seus moradores nesse processo.
Abstract:
The Rio de Janeiro gained national and international visibility due to the events hosted and will
host until 2016. In addition to the urban intervention policies and safety arising, various groups
and collectives began to demand greater influence over the management of urban space,
allowing for a process marked by incessant dialogues, political activism, negotiations and
conflict. This reflection is the result of a survey that has been developed in different contexts
on a broad range of life experiences of individuals who have had their daily lives and their
dwelling spaces, work, leisure and / or affected living somehow, by interventions that has
reached the city. We propose here a look at the relationship between the major events that
took place in Rio de Janeiro in recent decades, its relationship to capitalism reorganization
dynamics and the impacts faced by the city and its residents in the process.
1
Esta reflexão é fruto de estudos de caso que se integram a uma pesquisa que coordeno, intitulada “A Cidade
apropriada: estudos sobre fronteiras e vínculos no espaço urbano do Rio de Janeiro”, na área de antropologia
urbana e articulada à Linha de Estudos Urbanos do Curso de Ciências Sociais-LEUCS-UNIRIO.
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ProfªDrª Ludmila Moreira Lima é cientista social e antropóloga formada pelo Instituto de Filosofia e Ciência Sociais
IFCS/UFRJ; Mestre em Sociologia pela UFRJ e Doutora em Antropologia Social pela UnB. Atualmente é professora
adjunta no Curso de Ciências Sociais da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro-UFRJ, onde coordena a
linha de Pesquisa em Estudos Urbanos-LEUCS/DCS/CCH/UNIRIO.
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Apresentação
Porque, quando nos propomos a pensar a cidade, qualquer que seja o nosso foco,
rapidamente percebemos que estamos diante de uma trama de complexidades que vai
sempre envolver boas doses de disputas/conflitos; arranjos/consensos, rupturas e
contradições. Por exemplo, quando lançamos o olhar para a sua materialidade mais
explícita, seja o seu zoneamento, suas ruas, avenidas, praças, equipamentos urbanos
diversos, ali existirão arranjos formais e informais, e também disputas e tensões. Ou
ainda, quando nosso olhar mergulha nas dinâmicas que a fazem pulsar - e que falam
da vida cotidiana dos que nela vivem - ou quando olhamos para certas ordens que se
expressam em projetos e políticas que destinados à cidade, novamente encontraremos
antagonismos, alianças, e rupturas. Enfim, nas cidades, sempre existirão tramas
visíveis e invisíveis entrelaçadas por conflitos, acordos provisórios e contradições que
vão fazê-las vibrar numa pluralidade de vozes e numa diversidade de tons, individuais
e coletivos, agudos, aguerridos, gravíssimos, abafados, poéticos, líricos, desesperados,
intermitentes, enfim, tons de todos os tipos.
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Não cabendo aqui retraçar as formas e mecanismos de expansão do capitalismo
articulados ao desenvolvimento dos espaços urbanos ao longo do tempo, vale ressaltar
que, nessas duas últimas décadas, diretrizes e investimentos de organismos
internacionais passaram a influir no posicionamento das cidades no circuito mundial
dos fluxos de reprodução do capital. O resultado desse empenho e projeto minimizou
o valor de uso das cidades para enfatizar o seu valor de troca, ou o seu valor como
mercadoria que disputa aportes financeiros no mercado mundial dos investimentos.
Esses parágrafos introdutórios vem revelar o desafio que representa produzir uma
reflexão sobre uma metrópole contemporânea impactada, em diversos níveis, pela
ocorrência de megaeventos. A começar pelas inúmeras controvérsias interdisciplinares
estabelecidas entre os que dialogam e analisam as dimensões implicadas nesse objeto
e problema - tais como urbanistas, cientistas sociais, historiadores, geógrafos - e a
pluralidade de impactos articulados à cadeia de eventos, obras e relações impostas à
cidade desde que se dá a largada nesse processo. Nesse sentido, esta reflexão se soma
aos diversos exercícios analíticos que vem sendo produzidos em torno do tema.
Em seu livro “O neoliberalismo: história e implicações”, David Hervey 3 nos traz uma
análise dos processos que envolveram a reorganização do capitalismo no século XX,
com uma contundente crítica às origens da atual financeirização da economia global,
incluindo os interesses envolvidos, os beneficiados e as estratégias utilizadas num
percurso que se inicia no período fordista, passando pelo keynesianismo e culminando
num estágio denominado por ele como acumulação flexível. Segundo a análise de
Harvey, após a IIª Guerra, para evitar o retorno às condições que ocasionaram a crise
dos anos 1930, criou-se um conjunto de instituições e acordos - Bretton Woods, ONU e
FMI - bem como foi posto em prática um modelo de liberalismo embutido, cuja marca
era a participação do Estado na economia, o aumento da integração política do poder
sindical da classe trabalhadora e o apoio à negociação coletiva.
3
Harvey, David. 2008. “O neoliberalismo: história e implicações”. São Paulo: Ed. Loyola. Geógrafo, David Harvey é
um dos principais intelectuais da atualidade e professor do Departamento de Antropologia da CUNY – City
University of New York.
3
Embora esse modelo tenha favorecido taxas de crescimento relativamente elevadas
durante as décadas de 1950 e 1960, não foi possível a superação de nova crise nos
anos 1970. Dentre os fatores essenciais que ensejaram a crise estrutural com que o
capitalismo se deparou a partir da década de 70, Antunes elenca: queda da taxa de
lucro devido ao aumento do preço da força de trabalho, conquistado durante o
período pós-45, com a intensificação das lutas sociais dos anos 60, que buscavam
o controle social da produção; esgotamento do padrão de acumulação
taylorista/fordista de produção, dado pela incapacidade de responder à retração do
consumo que se acentuava; aumento do desemprego; hipertrofia do setor financeiro,
que adquiriu relativa autonomia frente aos capitais produtivos, propiciando a
especulação; concentração de capitais graças às fusões entre as empresas
monopolistas e oligopolistas; crise o Welfare State ou do Estado do bem-estar social e
de seus mecanismos de funcionamento, acarretando a crise fiscal e a necessidade de
retração dos gastos públicos e sua transferência para o capital privado; incremento
acentuado das privatizações, das desregulamentações e flexibilização do processo
produtivo (ANTUNES, 1999: 29).
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ortodoxa: reformulação de políticas fiscais e sociais; enfrentamento do poder sindical;
ataque a todas as formas de solidariedade social desvinculadas da flexibilidade
competitiva; desmonte dos compromissos do Estado de bem-estar social, privatização
de empresas públicas, redução de impostos para as classes dirigentes; promoção de
agendas favoráveis a negócios que induzissem fluxos de investimento externo.
É nesse processo que as cidades se tornam alvos possíveis para o aquecimento das
economias e reprodução do capital. Segundo Ferreira (2014), para tanto, a receita
previu o investimento na atratividade e potencial de mercado das cidades, para
dinamizar cadeias produtivas e alguns setores da economia. Seria necessário
transformá-las em canteiros de obras e de construção de grandes equipamentos
públicos na área de mobilidade, moradia, modernização e revitalização de regiões e
bairros. Assim, para as cidades-mercadoria se deslocariam novos fluxos de capital, com
investimentos público e privado que, em parceria, aqueceriam o mercado imobiliário e
da construção civil, dinamizariam o turismo, modernizariam os espaços urbanos,
gerariam empregos e uma imagem positiva da cidade, cuja marca seria a atratividade
econômica.
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Nesse processo de afirmação do capitalismo contemporâneo em moldes neoliberais
ortodoxos, as cidades foram então transformadas em mercadorias a disputar
atratividade de investidores de diversos ramos de atuação. Além da exaltação de
narrativas que vão sublinhar a revitalização, a revalorização, a requalificação, a
modernização dos espaços urbanos, investe-se na proposta da construção de
consensos, esforços e pactos que viabilizem essa perspectiva de cidade globalizada que
se volta para o futuro, com serviços e equipamentos adequados a um padrão global de
cidade. É a cidade-empresa-mercadoria-corporativa cujo valor de uso deve ser
repensado e adequado a esse novo projeto que se impõe sobre ela.
Sobre isso, vale lembrar as contribuições de Sanchez (2007) em sua análise sobre a
renovação urbana e a criação da cidade-mercadoria no espaço global. Segundo a
autora, trata-se de um processo planejado de espetacularização das intervenções na
cidade, que se alcança por diversos mecanismos, dentre eles, a veiculação de uma
imagem urbana que, por meio de uma linguagem sintética e convincente, exalta
aspectos selecionados da vida urbana e da materialidade da cidade, promovendo a
captura, a domesticação do conflito, do multiculturalismo e utilizando os grandes
eventos como metáforas poderosas das cidades empenhadas em vencer.
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Vale ressaltar que a busca de combinar a organização de grandes eventos mundiais
esportivos com a reprodução do capital vinculada à transformação urbana - defendida
como uma renovação necessária à implementação de uma infraestrutura esportiva
adequada à realização desse projeto - começa a se desenhar a partir dos anos 80. Tal
cenário está relacionado, segundo Rolnik (2014), à participação crescente das
corporações privadas na promoção de jogos mundiais, sob os marcos da ascensão do
neoliberalismo como doutrina e prática econômica-política também nos anos 80.
Ainda segundo Rolnik, “... mediadas por organismos paraestatais de promoção dos
jogos - como Fifa e COI - e por meio de ativismo dos próprios governos, Copa do
Mundo e Olimpíadas passaram então a constituir uma espécie de branding, uma
grande marca, capaz de conferir a legitimidade de sua aura feita de paixões
nacionalistas e performáticas a todos os produtos associados ao evento.”(2014:66).
Além disso, conforme acentua Oliveira (2014), a promissora parceria em prol do
aquecimento da economia de mercado via megaeventos esportivos & renovação
urbana das cidades-sede vai ser alavancada por um forte discurso de exaltação de um
suposto legado aportado no âmbito desse projeto.
Convém lembrar que a responsabilidade pela realização dos megaeventos, bem como
sobre o seu o financiamento foi transferida para as cidades e países-sede, embora se
enfatizasse a convergência de interesses entre as instituições promotoras e as
burocracias e agentes privados locais ávidos para acessar recursos públicos cuja
liberação, em outras circunstâncias, não teria aprovação facilitada 4. Com os Jogos
Olímpicos em Barcelona, na década de 90, o projeto de conversão dos eventos
esportivos mundiais em mercadorias, relacionado ao projeto de conversão das cidades
também em mercadorias - ambos inseridos no processo de confirmação do capitalismo
neoliberal - ganha vigor e novas orientações.
4
Ver Maricatto, Ermínia. 2014. A Copa do Mundo no Brasil: tsunami de capitais aprofunda a desigualdade urbana.
In: Jennings, Andrew; Rolnik, Raquel.. (et al.). 2014. Brasil em Jogo: o que fica da Copa e das Olimpíadas? São Paulo:
ed. Boitempo/Carta Maior. Nesse artigo Maricatto destaca o papel fundamental do Estado, por meio do
financiamento de obras, aprovação de leis específicas, como a do Regime Diferenciado de Contratação/RDC, e da
flexibilização das normas urbanísticas ou de parcerias e garantias ao capital privado para viabilizar asoperações
necessárias à realização dos megaeventos esportivos.
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A organização dos eventos representou um componente fundamental do
planejamento urbano estratégico, no sentido de tornar as cidades-sede alvo de
investimentos internacionais. Além disso, a exaltada renovação urbana conquistada
pela cidade-sede foi apontada como o grande legado conquistado a partir do
disputado projeto de realização de grandes eventos esportivos.
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Assim, para Vainer a “FIFA e o COI (...) recebem do governo da cidade: isenções de
impostos, monopólio dos espaços publicitários, de equipamentos esportivos
resultantes de investimentos públicos” (2013: 39). Como marco legal de adequação
jurídica do Brasil às exigências e ingerências da FIFA, a Lei da Copa alterou várias
normas legais brasileiras: o Estatuto do Torcedor, o Estatuto da Cidade e o Código de
Defesa do Consumidor.
Todavia, todos esses impactos não aconteceram sem resistência, pois em todas as
cidades-sede da Copa das Confederações manifestantes invadiram as ruas, com
diferentes reivindicações que, além de questionarem os custos, abusos e descaminhos
vinculados à realização do evento, afirmavam o seu descontentamento em relação à
mobilidade, ao transporte público de qualidade, à segurança, às remoções, ao déficit
de moradias, às desigualdades sociais etc.
A Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa-ANCOP, por sua vez, passou a
denunciar os impactos negativos de todo o processo sobre os segmentos sociais mais
vulneráveis, como moradores de favelas e assentamentos informais, moradores em
situação de rua, vendedores/as ambulantes, trabalhadores/as do sexo e outros
trabalhadores/as informais, inclusive da construção civil. Assim, entre conflitos,
consensos e contradições, o ano de 2013, previsto no calendário dos eventos mundiais
esportivos como o ano teste para a largada dos megaeventos que aconteceriam em
2014 e 2016, ficou conhecido como o ano das megamanifestações, durante o qual o
Brasil expôs para o mundo inteiro as contradições de suas cidades-sedes.
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No artigo “Para além dos jogos: os grandes eventos esportivos e a agenda do
desenvolvimento nacional”, Fernandes (2014)5, afirma que uma das grandes
motivações do governo brasileiro para trazer os megaeventos esportivos de 2013 e
2016 para o Brasil não foram ensejadas pela vontade de demonstrar a capacidade do
país para tal, ou de reformar equipamentos públicos relacionados aos esportes, mas
principalmente, pela certeza de que existia ali uma oportunidade histórica
inquestionável para fortalecer e acelerar o desenvolvimento do país, alavancando
cadeias produtivas e inovadoras em âmbito nacional e em cinco regiões do país.
A proposta central desse projeto enfatiza a ideia de legado: o país sede iria adquirir
com a realização de obras - voltadas para a renovação da paisagem urbana, reforma da
malha viária, aeroportos, saneamento, habitação, parques esportivos etc -
musculatura social e logística orientada por um padrão de desenvolvimento
sustentável econômico e social. Todavia, embora nas narrativas do governo brasileiro e
de seus parceiros envolvidos e entusiastas desse projeto seja sublinhado o legado
positivo do empreendimento, em termos econômicos e sociais, no curso de sua
realização, a dimensão contraditória e perversa da parceria cidades & megaeventos
rapidamente veio à tona. As razões combinam fatores anteriormente mencionados.
5
Luis Fernandes foi Secretário Executivo do Ministério do Esporte, bem como foi designado para coordenar Grupos
Executivos do Governo Brasileiro para a Copa do mundo de 2014 e para os Jogos Olímpicos e Paraolímpicos de
2016.
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Ermínia Maricatto é urbanista, pesquisadora e professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP e da
UNICAMP
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regulação do solo; o problema do saneamento; da mobilidade; da moradia; dos
resíduos sólidos; do controle e regulação da expansão da fronteira urbana ocasionada
pela disputa pelo solo/terra entre o capital imobiliário e a força de trabalho.
Para tanto, uma coalizão de poderes se constituiu por meio da parceria entre Estado,
mercado imobiliário, empresas de construção civil e toda uma rede de especialistas,
para o triunfo de um projeto em que a cidade passa a ser vista fundamentalmente
como mercadoria. Trata-se de vendê-la e de torná-la atrativa para várias fatias do
mercado e uma das fórmulas encontradas para viabilizar esse modelo de cidade que
vai crescer para vender, conforme já discutido, é a multiplicação (com financiamento
público e também capital privado) de obras do tipo espetáculo e porte gigantesco
destinadas à mobilidade, à habitação e à modernização dos espaços urbanos.
Vale lembrar que a materialização física desse projeto se ergue pela lógica da
privatização e do enclausuramento, pela segregação e controle privado, pelo
investimento em formatos comerciais estilo shopping e habitacionais estilo
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condomínio. Harvey (2013) destaca que esse modelo transformou as cidades em
fragmentos fortificados, com a gravação das desigualdades sociais no desenho urbano:
bairros ricos atendidos por toda sorte de serviços e suportes e comunidades, bairros e
periferias habitadas por milhões de trabalhadores como ambientes vazios de direitos,
já que novamente foram e persistem adiadas as sempre necessárias obras de
infraestrutura, saneamento e equipamentos urbanos todos os dias reivindicados.
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Em 2005, por meio da parceria entre a Caixa Econômica Federal e o Ministério das Cidades, surge o Programa
Minha Casa Minha Vida. Ver Maricatto, Ermínia. 2014. A Copa do Mundo no Brasil: tsunami de capitais aprofunda a
desigualdade urbana. In: Jennings, Andrew; Rolnik, Raquel.. (et al.). 2014. Brasil em Jogo: o que fica da Copa e das
Olimpíadas? São Paulo: ed. Boitempo/Carta Maior.
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No Rio de Janeiro dos megaeventos 8, os impactos desencadeados a partir de
intervenções gigantescas foram particularmente perversos e com altíssimo custo
social. Ao mesmo tempo em que se decidiu investir em obras destinadas a otimizar a
mobilidade9, adequar regiões para abrigar as competições, viabilizar a modernização,
e revitalizar culturalmente determinadas áreas10, isso se fez com o assédio, a pressão e
o desmonte de comunidades afetadas por esse conjunto de obras 11.
Vale lembrar ainda, nesse processo em que se buscou afirmar uma imagem da cidade
para torna-la mais atrativa, a criação de uma polêmica política de segurança, a UPP 12,
autoproclamada de pacificadora, destinada principalmente às favelas da zona sul e
comunidades localizadas nas linhas de acesso à cidade. Todavia, o roteiro de
criminalização seletiva persistiu, assim como se manteve a ofensiva contra certos
estratos sociais considerados perigosos ou potencialmente perigosos.
Enfim, esse projeto de cidade, com tantos choques de ordem e modernização, revela uma
intenção de limpeza urbano e social e de domesticação (por meio do afastamento e de
remoções compulsórias) do conflito. Para tanto foram produzidas e veiculadas, por
meio de diversos recursos de mídia, narrativas defensoras da modernização, do
investimento estético e da reconquista de áreas esquecidas, como as localizadas no
centro, endossando dimensões socialmente valorizadas como incentivo à proteção
patrimonial, a manifestações culturais, valorização do paisagismo, modernização dos
espaços etc. Todavia, a mesma lógica que aqui embeleza e moderniza, ali providencia
afastamento, remoção e apartheid social. O conflito foi, portanto, inevitável.
8
O Rio de Janeiro sediou desde 2007 até 2016 os seguintes megaeventos: os Jogos Pan-americanos em 2007; a Rio
+ 20 em 2012; a Jornada Mundial da Juventude-JMJ em 2012; a Copa das Confederações em 2013; a Copa do
Mundo em 2014; e as Olimpíadas e Paraolimpíadas em 2016.
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Transcarioca; Transolímpica; Transoeste.
10
As revitalizações de áreas portuárias em cidades como Buenos Aires, Barcelona, Londres, Lisboa, Roterdã e
Cidade do Cabo serviram como inspiração para o projeto de conservação urbana da Zona Portuária carioca
(constituída pelos bairros da Saúde, Gamboa, Santo Cristo e parte do Centro, além do próprio cais porto da Cidade),
proposto pela Prefeitura da Cidade e denominado como Porto Maravilha.
11
Vila do Metrô, vila Autódromo e parte dos moradores das imediações da zona portuária.
12
Considera-se que proposta de implantação das Unidades de Polícia Pacificadora, em 2008, como política de
segurança pública formulada para as comunidades deve ser entendida a partir dessa nova agenda configurada para
o Rio de Janeiro, cujos impactos nas atividades turísticas não devem ser descartados.
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Legado e ganhos para quem?
Rolnik (2014) destaca ainda que, além da renovação urbana em prol dos megaeventos
ter sido imposta sem que nenhuma consulta à população local, trazendo impactos
perversos e violentos - gentrificação ou remoção branca e expulsão provocada por
forças policiais - para aqueles que foram diretamente atingidos, ela veio tornar mais
aguda e explícita a dualidade urbana existente em países subdesenvolvidos e em
desenvolvimento no que se refere à inserção de seus moradores.
13
Os efeitos de valorização imobiliária em certas regiões da cidade muito acima da capacidade de renda da
população de arcar com os novos custos de moradia para aluguel e venda, ocasiona um fenômeno urbano
conhecido como gentrificação.
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Além disso, imposta a expulsão, o pagamento de indenizações, quando existem, se
estabelece pelo valor da casa, sem que se considere o valor da terra, o que contraria
os marcos legais nacionais e internacionais relacionados ao direito à moradia e aos
direitos humanos. Vale ressaltar que é apenas no momento da flexibilização do espaço
urbano e da expulsão dos moradores de espaços cobiçados pelo mercado que a força
do Estado é requisitada. Na cidade-negócio neoliberal, destaca Vainer (2013) não cabe
mais a intervenção estatal pautada por planos-diretores e planejamentos que
contrariem o padrão nomeado pelo Banco Mundial como market-friendly planning.
Nesse sentido o legado dos megaeventos esportivos para uma parcela da população
carioca que vem enfrentando gentrificação, remoção, despejos forçados e expulsão de
seus bairros14 para adequação do espaço urbano às necessidades elencadas pelos
organizadores - e para fins de expansão imobiliária - foi extremamente ruim e
frequentemente violento.
Portanto, a pergunta que não quer calar é: para quem exatamente o legado dos
megaeventos esportivos pode ser considerado positivo? Houve planejamento
participativo e uma agenda que contemplasse as reais necessidades de mobilidade,
saneamento, equipamentos urbanos diversos destinados a maior parte dos
moradores? Houve a exaltada despoluição da Baia de Guanabara, dos rios e lagoas
existentes nas áreas de abrangência do megaprojeto implementado? Não.
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Segundo o pesquisador e urbanista Carlos Vainer, cerca de 250 mil pessoas foram removidas devido às obras dos
megaeventos. In: Vainer, Carlos. 2014. Como serão nossas cidades após a Copa e as Olimpíadas?
15
Luiz Cesar de Queiroz Ribeiro. A cidade na longa ‘década perdida’. Texto de abertura da série especial
“O direito à cidade em tempos de crise”. Publicação parceira entre o Le Monde Diplomatique Brasil &
Observatório das Metrópoles/Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia-INCT. 12 de abril de 2016.
15
égide do conflito entre a cidade como máquina de crescimento, funcionando a favor
dos interesses privados da acumulação urbana e das elites políticas em contraposição
a sua função de uso e de agência do sistema de proteção social. Ainda segundo
Ribeiro, caso esta reflexão tenha algum fundamento, é possível antever que o atual
ciclo de crise do nosso padrão de desenvolvimento capitalista deverá colocar a luta
pelo direito à cidade no centro dos conflitos sociais, como nova expressão do
estrutural conflito distributivo da sociedade brasileira.
Enfim, como já disse Foucault em suas brilhantes análises sobre a microfísica em que
se constroem as relações de poder, “onde há poder, há resistência”. Foram e
continuam sendo as formas de resistência e as tentativas de desestabilização das
forças e lógicas da ordem que historicamente propiciaram visibilidade e direitos aos
invisíveis e aos excluídos. Nas cidades, as lutas e práticas de resistência de diversos
coletivos vem ganhando visibilidade no espaço público, representando uma forma de
oxigenar o debate sobre o uso democrático da cidade que proponha o
questionamento e o combate às sólidas e poderosas narrativas que são inventadas
para que o mundo persista como está. Confortável para poucos e absurdamente cruel
para a maioria.
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