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A guerra da água

sexta-feira 10 de março de 2006 por Clarissa Taguchi

Alguns países usam menos de 10 litros de água por pessoa ao dia. Gâmbia usa 4.5; Mali,
8; Somália, 8.9; e Moçambique, 9.3. Em contraste, o cidadão médio dos Estados Unidos
usa 500 litros de água por dia, e a média britânica é de 200 litros. No oeste, são utilizados
cerca de 8 litros para escovar os dentes, 10 a 35 litros para nivelar a descarga, e 100 a
200 litros para tomar banho.

Quantos de nós parecemos nos incomodar com a falta de água para beber, tomar banho, cozinhar ou
apertar o botão da descarga? Não parece, mas somos muitos. Somos muito mais do que aqueles que
reclamam quando a cisterna seca no ápice do verão. Somos aqueles que vivemos em cidades menores,
que dependemos diretamente da água de rios, riachos, nascentes e de poços artesianos. Somos aqueles
que vivemos em bairros esquecidos das cidades maiores onde o saneamento básico (água e esgoto)
ainda não chegou.

Somos mais de 45 milhões de brasileiros sem acesso à água potável e mais de 90 milhões sem acesso à
rede de esgoto (dados do IBGE em 2004). No mundo somos 1,197 bilhão de pessoas sem acesso à água
potável e 2,742 bilhões sem saneamento básico (dados do Relatório de Desenvolvimento Humano de
2004). De acordo com a ONU, 41% da superfície atual do planeta são formadas por áreas secas, como o
semi-árido brasileiro, e 2 bilhões de pessoas vivem nessas áreas. Somos todas essas pessoas, de
regiões secas ou úmidas, que não temos acesso à água para beber.

Imaginem, então, quando nos multiplicarmos. Imaginem além, quando a desertificação for intensificada
pelas mudanças climáticas. E imaginem mais, quando a água cristalina embalada em garrafas pet, ou que
sai da torneira de nossas casas, for contaminada pelos sistemas de esgoto mal tratados, pelo uso de
agrotóxicos das lavouras, pelo descarte de lixo tóxico das indústrias.

Todos os dias, rios, riachos, lençóis e aqüíferos são contaminados. Todos os dias a estiagem atinge
regiões onde antes não acontecia, chegando a durar o dobro de tempo do que em décadas passadas, em
qualquer parte do planeta, nascentes são adquiridas por empresas transnacionais. Mas saibam também,
que todos os dias seguem, um atrás do outro, sem parar nem por um segundo.

Michael McCarthy, editor de meio ambiente do jornal inglês The Independent, deu início a uma série de
artigos colocando a água como próximo motivo de conflito entre as Nações. "As sociedades
industrializadas do Oeste ainda não perceberam, que o recurso água encontra-se cada vez mais escasso
para a maioria das populações pelo mundo, cerca de 1.1 bilhão de pessoas não tem acesso à água limpa,
e isso tende a piorar", diz.

"A maioria das pessoas quando pensa em água, visualiza o globo terrestre composto de dois terços de
água, mas a maioria não sabe que apenas 2,5% dessa água não contém sal e dessa quantidade de água,
dois terços encontram-se nas geleiras e glaciais. O que está disponível, em lagos, rios, aqüíferos e pela
chuva, sofre uma pressão cada vez maior", lembra.

Em 2003, um relatório das Nações Unidas previu que, na pior das hipóteses, na metade deste século,
sete bilhões de pessoas em 60 países enfrentariam escassez de água. Se todas as medidas políticas
forem cumpridas, esse número cairia para 2 bilhões em 48 países. Mas é preciso lembrar que em 2003,
período em que o relatório foi lançado, o maior colaborador do fenômeno desertificação não havia sido
devidamente reconhecido: as mudanças climáticas provocadas pela ação de gases emitidos pelas
atividades humanas no planeta. Para McCarthy, é provável que as mudanças climáticas aumentem em
50% as condições para escassez de água.

Mudanças climáticas

Segundo o jornal britânico, "o Ministro da Defesa da Grã-Bretanha, John Reid, fez uma previsão sombria
de que a violência e o conflito político tornar-se-ão mais prováveis nos próximos 20 ou 30 anos, na
medida em que aumentarem a desertificação, o derretimento das calotas polares e o envenenamento de
fontes de água". John Reid apontou as mudanças climáticas como o motivo dos conflitos violentos
causados com o crescente aumento da população e a diminuição das reservas de água.

As declarações de Reid fizeram com que a pressão exercida por ambientalistas e especialistas do clima
aumentasse com relação às emissões de gases do efeito estufa. Os ativistas esperam modelar uma nova
campanha para exercer ações sobre as mudanças climáticas aos moldes da campanha ’Make Poverty
History’ do ano passado, que exerceu imensa pressão popular. O Primeiro Ministro Tony Blair já declarou
que "o aquecimento global é a maior ameaça, a longo prazo, enfrentada pelo planeta".

Para o Ministro da Defesa, as mudanças climáticas podem ser consideradas tão ameaçadoras para os
próximos 20 e 30 anos quanto o terrorismo internacional, as mudanças demográficas e a demanda
energética. "As Forças Armadas Britânicas deverão estar preparadas para enfrentar conflitos de recursos
em escassez, deveremos estar preparados para dar alento humanitário aos desastres, medidas de
segurança e pacificação em locais abalados politicamente e socialmente como conseqüência de
desastres da mudança climática", diz.

Em contrapartida, Charlie Kornick, coordenador da campanha sobre o clima da organização ambientalista


Greenpeace, diz que "bilhões de pessoas já enfrentam a pressão da escassez de água devido às
mudanças climáticas na África, Ásia e América do Sul, se os políticos perceberem o tamanho da
gravidade que o problema pode se tornar, por que as emissões de gases CO2 na Inglaterra ainda
continuam aumentando?".

Situação mundial

Israel, Jordânia e Palestina: 5% da população do mundo sobrevivem com 1% da sua água disponível no
Oriente Médio, nesse contexto ainda há a guerra entre árabes e israelenses. Isso poderia contribuir para
crises militares adicionais enquanto o aquecimento global continua. Israel, os territórios palestinos e a
Jordânia necessitam do rio Jordão, mas Israel controla-o e corta suas fontes durante as épocas de
escassez. O consumo palestino é então restringido severamente por Israel.

Turquia e Síria: Os projetos da Turquia para construção de represas no rio Eufrates levaram o país à
beira de um conflito com a Síria em 1998. Damasco acusa Ancara de usar deliberadamente sua fonte de
água enquanto o rio desce pelo país que acusa a Síria de proteger líderes separatistas curdos. A falta de
água ocasionada pelo aquecimento global aumentará a pressão nesta volátil região.

China e Índia: O rio Brahmaputra já causou tensão entre Índia e China e pode se tornar uma faísca para
dois dos maiores exércitos do mundo. Em 2000, a Índia acusou a China de não compartilhar informações
sobre o funcionamento do rio desde o Tibet que causou inundações no nordeste da Índia e em
Bangladesh. As propostas chinesas para desviar o rio também concernem a Deli.

Angola e Namíbia: As tensões aumentaram entre Botswana, Namíbia e Angola em torno da vasta bacia
de Okavango. As secas fizeram a Namíbia reativar projetos para um encanamento da água de 250-milhas
para fornecimento à capital. Drenar o delta seria letal para comunidades locais e para o turismo. Sem a
inundação anual do norte, os ’swamps’ encolherão e a água sangrará até o deserto de Kalahari.

Etiópia e Egito: O crescimento populacional no Egito, no Sudão e na Etiópia está ameaçando um conflito
ao longo do rio mais comprido do mundo, o Nilo. A Etiópia está pressionando por uma parte maior da
água azul do Nilo, mas isso prejudicaria o Egito. E o Egito está preocupado com a parte branca do Nilo
que corre através de Uganda e Sudão, e que poderia ser esgotado também antes que alcance o deserto
de Sinai.

Bangladesh e Índia: As inundações no Ganges causadas pelo derretimento das geleiras do Himalaia
chegam a Bangladesh o que leva a uma ascensão na migração ilegal à Índia. Isto fez com que a Índia
construísse uma imensa cerca na beira do rio na tentativa de obstruir os imigrantes. Cerca de 6 mil
pessoas cruzam ilegalmente pela beira do rio em direção à Índia a cada dia.

Planeta Água

97.5% das águas do planeta são salobras, inadequadas para uso humano. A maioria da água fresca está
presa nas geleiras e glaciais. A necessidade básica recomendada de água por pessoa num dia é de 50
litros. Mas as pessoas podem utilizar algo perto de aproximadamente 30 litros: 5 litros para alimento e
bebida e uns outros 25 para a higiene.

Alguns países usam menos de 10 litros de água por pessoa ao dia. Gâmbia usa 4.5; Mali, 8; Somália, 8.9;
e Moçambique, 9.3. Em contraste, o cidadão médio dos Estados Unidos usa 500 litros de água por dia, e
a média britânica é de 200 litros. No oeste, são utilizados cerca de 8 litros para escovar os dentes, 10 a
35 litros para nivelar a descarga, e 100 a 200 litros para tomar banho. A guerra pela
água
Mais de um bilhão de pessoas não dispõem de água salubre e 25 mil entre elas
morrem diariamente, devido à má qualidade das águas que usam e tomam.
Atualmente, 35% da população mundial têm uma reserva de água potável
entre baixa ou extremamente baixa. Em 2025, 75% da população mundial
estarão nessa mesma situação, tanto que prof. Igor Shiklomanov, diretor do
Instituto de Hidrologia da Rússia, numa pesquisa para a UNESCO, avisa que,
para evitarmos uma catástrofe pela falta de água, devemos desde já
racionalizar o seu uso e sermos mais parcimoniosos. O professor alerta ainda
que é preciso encontrar novas técnicas e mecanismos de reciclagem das águas
usadas e de dessalinização das águas marinhas. Mas alerta que os países em
desenvolvimento, pela pobreza e falta de recursos, estão ainda mais sujeitos
aos prejuízos da falta de água, porque tudo isso se torna particularmente
oneroso e insuportável para eles.

Uma nova mentalidade

Nos países ocidentais, estamos acostumados a um fornecimento limpo e


abundante de água e muita gente acha que o uso é gratuito e inesgotável.
Apesar de vez ou outra termos cortes de fornecimento ou, em lugares mais
precários, até racionamento, não entendemos ainda que a água tem um valor
comercial muito importante, tanto que já está sendo batizada de ouro azul.
Tivemos o ouro amarelo, ou seja, o metal, depois o ouro preto, o petróleo, que
- a partir dos anos 60 - causou enormes crises econômicas em países não
produtores desse elemento. Agora, já se começa a perceber que, no próximo
século, o que mandará na política internacional e poderá ser motivo de guerra,
será o ouro azul, ou seja, a água, cada vez mais necessária à crescente
população do mundo e, portanto, à indústria e à agricultura.
Por cálculos aproximados, sabemos que a população mundial consome 3500
km3 de água ao ano. Visualmente, podemos comparar esse número a um cubo
de 15 km de lado. Desse volume, somente 8% são gastos no uso doméstico,
69% na irrigação e 23% na indústria.
Um país que já vive na penúria e que depende, da boa vizinhança com os
países limítrofes para aproveitar as águas do rio Jordão, é Israel. Lá,
começaram fazendo uma rigorosa política de controle sobre o consumo, para
evitar desperdício e perda; atualmente, sua agricultura gasta somente 30% das
águas consumidas na cidade, através de uma irrigação moderna e controlada
por gotejamento. Também já existe uma cota diária para cada pessoa que não
pode ser superada de maneira alguma.

Países ricos e países pobres


Nove países dividem cerca de 60% das fontes renováveis de água doce do
mundo. São em ordem de quantidade hídrica: Brasil (6.220 bilhões de m3),
Rússia (4.059 - sempre em bilhões de metros cúbicos), Estados Unidos
(3.760), Canadá (3.290), China (2.800), Indonésia (2.530), Índia (1.850),
Colômbia (1.200), Peru (1.100). Em seguida, vêm os quinze países da União
Européia: 1.171 bilhões de m3.
De outro lado, existem países em situação muito precária como: Kuwait e
Bahrain (quase sem recursos), Malta, Gaza, Emirados Árabes, Líbia,
Singapura, Jordânia, Israel e Chipre.
Os grandes consumidores de água (somando todos seus usos) em km3 ao ano
são: Índia (552), China (500), Estados Unidos (467), União Européia (245),
Paquistão (242) e Rússia (136).

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