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R esenha

Jogos teatrais na sala de aula. Um manual para o pr ofessor


ofessor,,
professor
d e VVii o l a S p o l i n
São Paulo, Perspectiva, 2007.

M aria Lúcia de Souza Barros Pupo

J
ogos Teatrais na sala de aula. Um manual ações físicas de Stanislavski por ela efetuada, –
para o professor, de Viola Spolin (1906- historicamente ligada às realizações de impor-
1994), editado nos Estados Unidos em tantes grupos americanos dos anos 60, como o
1986, foi recentemente lançado entre nós Open Theatre e The Compass Players – continua
pela Editora Perspectiva. Trata-se do der- hoje dando frutos em diferentes países, dentro
radeiro livro publicado pela autora, que, de campos de atuação variada, vinculados tanto
no Brasil se segue a outras traduções pro- à experimentação teatral, quanto à educação
movidas pela mesma editora: Improvisação para formal e informal.
o Teatro (1979), O Jogo Teatral no Livro do Dire- Mediante a depuração da percepção sen-
tor (1999) e Jogos Teatrais. O Fichário de Viola sorial, os jogos teatrais – na contramão da ênfa-
Spolin (2001). se na inventividade, interpretação ou drama-
A abordagem pedagógica do teatro de au- turgia – procuram promover a experiência do
toria de Spolin está amplamente difundida no acordo tácito coletivo. Neles, a fábula não é
Brasil através de uma série de pesquisas acadê- ponto de partida, mas decorrência da ação e a
micas, tanto de pós-graduação quanto no âm- “fisicalização” de objetos, lugares, emoções – ei-
bito da graduação, levadas a efeito dentro da xos da aprendizagem teatral – está sempre vin-
própria Escola de Comunicações e Artes da culada à escuta cuidadosa do companheiro. Ao
USP, assim como pela via de inúmeros cursos entrar em relação com o parceiro de jogo e com
de formação inicial e contínua de docentes e de ele construir fisicamente uma ficção partilhada
artistas da cena, ministrados nos mais diferen- com os jogadores da platéia, aprende-se como
tes contextos, ao longo das últimas décadas. se dá a significação no teatro. “Sem parceiro não
Já conhecemos portanto a natureza do há jogo”, a máxima recorrente da autora, ilustra
sistema formulado pela autora a partir, entre bem o caminho proposto. De modo coerente
outras fontes, de sua atuação junto a institui- com a premissa do “learning by doing”, o pro-
ções americanas voltadas para a integração de fessor não é chamado a explicar ou demonstrar,
filhos de imigrantes e crianças em situação de mas sim a favorecer a auto-descoberta.
vulnerabilidade social. A operacionalização Transparece no livro sobre o qual nos de-
lúdica dos princípios inerentes ao método das temos, a depuração dos fundamentos da pro-

Maria Lúcia de Souza Barros Pupo é professora do Departamento de Artes Cênicas e do Programa de
Pós-Graduação em Artes Cênicas da ECA-USP.

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posta de Spolin em seus últimos anos de vida; dentes: estamos nos referindo às correlações
ela explicita, por exemplo, que parte da “acei- sugeridas com outras áreas de conhecimento.
tação do invisível como uma premissa para a Muitos dos jogos propostos originam remessas
conexão entre os jogadores e a platéia”, e que da atora e da tradutora a possíveis conexões com
“essa conexão é a comunicação ‘real”. Voltada outros campos do saber que venham a enrique-
para o “educador que trabalha com teatro e pro- cer a visão de mundo do estudante. Algumas
fessores que desejam introduzir atividades de delas inclusive, na esteira da observação ante-
teatro em sua sala de aula”, a publicação apre- rior, dizem respeito diretamente a situações
senta modalidades lúdicas inéditas e traz para o brasileiras. É o caso quando, a partir de jogos
primeiro plano dois temas relevantes, que designados como de blablação, se salienta a co-
descortinam perspectivas de atuação férteis para municação entre colonizadores portugueses e
o docente. indígenas, ou quando se traz à tona a diferença
O primeiro deles é a vinculação entre os entre os ambientes de trabalho utilizados por
jogos tradicionais – cercados por regras que fa- Getúlio Vargas e os do Palácio do Planalto, por
zem parte do legado cultural da humanidade – exemplo. Em alguns casos as remessas dizem
e os jogos teatrais. Embora ela já aparecesse nos respeito à história do próprio teatro, como ocor-
livros anteriores e pudesse portanto ser objeto re quando se procura ressaltar a relevância dos
do exame de um leitor atento, há agora um fato jogos vinculados à criação de narrativas: sa-
novo. Ingrid Koudela, responsável pela tradu- lienta-se o legado de Homero e se traz à tona a
ção do conjunto da obra de Spolin no Brasil, Commedia dell’ Arte, por exemplo. Pistas são
vai aqui bem além da transposição do texto para portanto lançadas para que os docentes enfren-
a nossa língua e passa a contribuir diretamente tem seu desafio sempre renovado: proporcionar
para a discussão do assunto, trazendo à tona condições para o enriquecimento do sentido
uma série de jogos tradicionais brasileiros que que a experiência teatral possa ter para as jovens
alimentam a formulação da autora. A inclusão gerações, de modo a colocar em xeque a tradi-
de jogos tradicionais tão familiares em nossa cional segmentação escolar do conhecimento.
cultura como “Passa-passa três vezes”, “Senhora A apresentação de diferentes índices e
Dona Sancha” ou “Batatinha Frita” , acrescida listagens, organizados segundo diferentes entra-
de fotografias relativas a situações de aprendi- das – ordem alfabética, seqüências de oficinas
zagem em nosso país, amplia e sublinha de mesclando jogos tradicionais e teatrais, habili-
modo particular a vinculação apontada. Se o dades agrupadas por natureza e por grau de de-
fato de os jogos teatrais terem suas bases solida- senvolvimento – assim como uma ampla biblio-
mente edificadas sobre o jogo tradicional de re- grafia comentada e um glossário, contribuem
gras, consistiu uma razão forte para que pesqui- para o estabelecimento de outros trajetos possí-
sadores brasileiros se dispusessem a examiná-los veis de leitura, cuja utilidade pode ser facilmen-
de perto, agora os frutos da investigação, torna- te estimada.
dos públicos, dialogam de modo estreito com Escrito e publicado com inegável inten-
os princípios da própria Spolin. Patrimônio de ção didática, Jogos Teatrais na sala de aula cer-
todas as culturas, em diferentes tempos históri- tamente descortina para o leitor um amplo
cos, os jogos tradicionais, em seu caráter trans- universo de aprendizagens e de construção de
cultural efetivamente trazem dentro de si veto- significados a serem experimentados em nosso
res que possibilitam a apropriação da linguagem sistema escolar, se quisermos contribuir para
teatral por pessoas das mais variadas origens uma formação mais rica de nossos jovens.
e contextos. Não sejamos, no entanto, ingênuos no
Um segundo tema tratado no livro tam- que concerne o termo “manual” presente no
bém aponta em que ele se diferencia dos prece- subtítulo. O maior interesse dessa publicação

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não reside, como poderia parecer à primeira vis- escolar. Para tanto, mais do que possibilitar “se-
ta, em sua aparência de receituário de atuação guir um manual”, o interesse da sua leitura se
para eventuais docentes em busca de projetos situa em extrair da obra princípios de trabalho
ou de metodologias tidas como confiáveis. que fundamentem a intervenção docente, auxi-
De modo mais abrangente e menos dou- liando-o na tarefa de refletir mais verticalmente
trinário, seu mérito reside em apontar perspec- sobre os significados das aprendizagens propor-
tivas para o fazer teatral numa ótica lúdica, no cionadas pelo teatro hoje, no quadro das trans-
âmbito das contradições inerentes à instituição formações que o dinamizam sem cessar.

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