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PREFACIO

Esta obra é a coletânea de contos que escrevi separadamente e fora adaptada


para formar um livro onde procurei colocar cada conto com fatos que acontecem
em nosso cotidiano.

AVENTURAS DA TURMA DO BECO

Capitulo 1

Ontem ao voltar do trabalho, enquanto aguardava o ônibus no terminal urbano


da minha cidade que é São João da Boa Vista, reencontrei um amigo que há
tempos havíamos perdido o contato, o Zé Lemão, amigo de longa data. Conheci
na infância e fomos grandes amigos e companheiro por toda adolescência, os
tempos que marcaram para sempre em minha memória.
Conversamos quase uma hora, perdemos alguns dos nossos ônibus, mas
relembramos de vários amigos dos quais a tempos eu não tinha nenhuma noticia
sobre eles.
__Você sabe alguma coisa dos nossos amigos, -- pergunto curioso ao Zé
Lemão por alguma noticias de alguns amigos que fora mencionados durante
nossa conversa – foi muito marcante o pessoal daquela turma que tínhamos
quando éramos jovens, lembra-se do codinome que adotamos e por acaso sabe
por onde andam? – pergunto bombardeando meu amigo de perguntas sem dar-
lhe tempo para responder.
__Como não lembrar, Pavão, éramos a Turma do Beco, essa época foi
inesquecível, são as melhores lembranças que tenho e por isso ficou marcada
para sempre em minha memória, -- responde o Zé Lemão -- o Fram vejo sempre,
mora lá na vila Brasil perto de casa, mas o Tupete, o Careca, o Cabeção, eu não
os vejo faz muito tempo, mas tenho algumas noticias sobre eles, estão morando
fora de nossa cidade, Tupete, por exemplo, foi morar em Sorocaba! – acrescenta
o que sabia do paradeiro dos outros companheiros que foi indagado.
__Do Tupete eu tenho alguma noticia, - interrompo meu amigo – de vez em
quando visito os pais dele, lá no Durval Nicolau!
__Que legal que tem noticias do Tupéte, e do Careca,tem alguma noticias
dele? – pergunta.
__Dele eu nada sei, perdi o contato faz tempo, não o vejo há muitos anos sei
que o Pai dele mora lá no Durval Nicolau! – respondo.
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__A última noticia que tive sobre ele foi que se mudou para Vargem Grande! –
responde o Zé Lemão informando o que sabia desse amigo muito querido por
nós -- do Cabeção você tem noticias sobre ele, sabe de alguma coisa?- pergunta.
__Este é o que sei menos, quase nada, apenas que tinha ido embora daqui, -
respondo – faz uma eternidade que não encontro com o Guiliga e nem sei nada
sobre o Cabeção, e você tem alguma informação dele? – pergunto.
__O que fiquei sabendo foi pelo o Guiliga, -- responde Zé Lemão informando
as ultimas noticias que tivera pelo irmão do nosso amigo – encontrei com Ele
outro dia e disse que o Cabeção arrumou um trabalho na cidade de São Paulo, e
mudou-se para lá há mais de quinze anos, mas também perdi o contato com ele!
__Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, já faz tudo isso, como o tempo passa e
nem percebemos, - interrompo novamente, o Zé Lemão – por falar nesses
amigos lembrei-me agora do Joãozinho, foi o dos nossos amigos o qual nunca
mais encontrei, não vejo desde meu casamento, mais ou menos o tempo que não
vejo o Cabeção, uns quatorzes anos!
__Às vezes faço compras em sua loja, especializada em calhas, localizada lá
na Santa Edivirvens, --responde –você soube da morte do Seu Geraldo?—
pergunta.
__Não fiquei sabendo, -- respondo me entristecendo pela noticia que acabava
de receber – este deve de estar no céu, pois era uma excelente pessoa, nunca
mais reencontrei com nenhum deles, o Joãozinho, o Nardinho nem Seu Geraldo,
sei da loja que fala, mas não sabia que ele é o dono!
__Cunhado dele financiou e como ele já estava no ramo saiu-se muito bem,
tanto ele como o Nardinho, pois são sócios!
__Fico contente em saber que eles se deram bem nos negócios, pena não
termos nos encontrado mais, principalmente com o Seu Geraldo Relojoeiro, será
que algum dos seus netos exerce a profissão, pois era ótimo relojoeiro! –
comento.
__ Não tem nenhum, creio, e Ele deve estar concertando o relógio do São João
Batista, -- faz troça do fato de ser relojoero -- já era bem de idade, acho que
devia de ter mais de oitenta e cinco anos quando morreu! – explica o Zé
Lemão.fazendo troça da minha ignorância.
__Este velório eu gostaria de ter ido, pois tenho ótimas recordações dele, não
entendo como fiquei tanto tempo sem ter contato com eles! – confesso meu
arrependimento.
__Nós dois, por exemplo, moramos nessa mesma cidade e quanto tempo faz
que não temos o menor contato, se não fosse essa casualidade de hoje, que muito
me alegrou, certamente passaria muito mais tempo, -- responde o Zé Lemão -- é
conseqüência da vida que levamos, nós acabamos por perder o contato e de onde
não a culpados nem inocentes, -- filosofa meu amigo-- você mora na mesma
casa? – pergunta Zé Lemão.
__ Verdade, nós não nos vemos há mais de seis anos, o que é uma pena, pois
éramos tão unidos, sim, ainda moro no mesmo lugar Zé Lemão, -- lamento, e
após meditar por um momento, digo a ele a idéia que acabara de ter -- sei o que
podemos fazer, vou até a casa do seu Tibila, pai do Tupete, pois faz um tempão
que não os visito, consigo o endereço dele, se acaso tem um telefone para poder
entrar em contato, vou aproveitar para passar na casa do seu Duarte, o pai do
Careca que também mora no mesmo bairro,perto do seu Tibila, -- proponho --
você pode ir na casa dos pais do Cabeção,pois mora perto da casa da Mãe dele e
saber como podemos entrar em contato com ele!.
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__Pode contar comigo, assim que der vou até a casa da D. Cida e consigo o
endereço do Cabeção e te entrego, dessa forma tenho uma desculpa para ir até
sua casa, somente assim vou ter uma oportunidade para levar a Giane e os
garotos, Gustavo e o Bruno, para conhecer você pessoalmente, pois te conhecem
apenas por ouvir as histórias que conto da nossa turma, -- responde aceitando de
prontidão --, e sua família como estão todos!
__Isso mesmo Zé Lemão, será uma ótima oportunidade de conhecer sua
família, e saiba que me deixou triste meu amigo, - respondo- pois sabe que não
precisa de nenhuma desculpa para uma visita, basta aparecer que será muito bem
recebido, pois é um prazer em rever um grande amigo como você, -- e dou-lhe
um abraço apertado – minha família vai muito bem graças a Deus, minha mãe e
minhas irmãs estão na maior maravilha, minha mulher e meus filhos vão muito
bem também, tudo correndo como Deus quer!
__Como acabei de te falar, -- responde meu amigom – estamos cheio de
desculpas! – me aconchegando no abraço.
__Você não adivinha o que estou pensando – continuo a falar após o abraço, --
vou marcar um final de semana para nos reunir, pois meu cunhado tem um
rancho para pescaria, lá na lagoa Formosa, com uns poços muito bons para
pescarmos, dessa forma poderemos nos reencontrar e matar a saudade. Faremos
as coisas que mais adorávamos que é pescar, jogar umas partidas truco, assar
umas carnes, assim colocaremos as conversa em dia, contaremos como anda as
nossas vidas, e quem sabe descobrir o porquê nós acabamos por perder o
contato!
__Sabe o que acho mais engraçado, Pavão? -- comenta meu amigo -- a vida ser
desta forma, somos amigos inseparáveis durante muitos anos, basta um de nós
casarmos e formar sua família, para começar se desligar de todos que era da
turma. Acabamos por esquecermos-nos de tudo que esteja fora da rotina, as
nossas vidas se transformam apenas em trabalho e casa, esquecemos até mesmo
de visitar os amigos mais queridos, nós dois, por exemplo, usamos a desculpa
que não temos tempo e nenhum de nós dois fez uma visita ao outro, em sei anos,
mas o que fazer, assim é a vida! – filosófa meu amigo.
__Está é a tal da evolução humana Zé Lemão! - respondo ao meu amigo.
Conversamos por mais um tempo quando decidimos cada um seguir o seu
caminho.
O Zé lemão toma o ônibus que vai para o D E R, consulto meu relógio e são
seis e quinze. À tarde esta linda e ainda não escureceu apesar de ser mais de seis
horas, está bem claro, com o sol ardendo no horizonte e o crepúsculo fazendo
uma pintura digna dos melhores artistas do mundo, esta uma verdadeira obra de
arte no céu, pois moramos numa cidade considerada a cidade dos crepúsculos
maravilhosos, e a segunda cidade mais clara do mundo, perdendo somente para
uma cidade francesa, da qual não me pergunte o nome, e nem como foi feito esta
pesquisa, pois não sei responder, mas conta-se está lenda.

Capitulo 2

Fico a pensar na conversa que acabara de ter durante o tempo que aguardo a
chegada dos ônibus urbano no terminal que me levara para casa. Quando decido
mudar meu destino, irei até a casa dos pais do Tupete para por em pratica o que
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acabara de combinar com Zé Lemão, aproveitando o momento e não deixar


esfriar aquela idéia que havia brotado neste encontro.
Para por isso em pratica tomo um ônibus urbano de uma linha totalmente
diferente da que estou acostumado, pois os pais do Tupéte moram no outro lado
oposto da cidade, e para visitar a família que adotei como minha segunda
família, tenho de mudar o meu destino.
Após alguns minutos de viagem chego à casa dos pais do Tupete, bato na porta
e aguardo para ser atendido. Quando a porta se abre vejo D. Conceição, sinto
uma emoção tão forte que quase não consigo conter as lagrimas de tanta alegria
ao ver aquela mulher que considero como minha segunda mãe.
__Boa tarde D. Conceição, -- cumprimento sorridente ao vela tão bela -- como
vai à senhora, pois já faz bastante tempo que não a vejo, estou com muitas
saudades de todos vocês, por isso resolvi dar uma passada para fazer uma visita!
__Zé, que surpresa, essa sim é uma grata surpresa, saiba quem vai gostar de te
ver é o Tibila, sempre pergunta por você e sua família e quando respondo que
faz tempo que vocês não aparecem aqui em casa para uma visita, ele fica mito
triste, diz que você e o Celcinho são uns ingratos, que se esquecerão de nós!
--disse D. Conceição e escancarando a porta me convidando a entrar em sua casa
com um gesto de mão.
__Como vai a sua família, sua Mãe como vai passando, suas irmãs estão bem,
a Eliza, a Juliana, elas estão sumidas, fazem mais de dois meses no mínimo que
não aparecem aqui em casa, -- continua a falar após me abraçar, caminhamos
rumo à cozinha -- saiba que eu estou brava com vocês, muito brava mesmo, até
comentei com o Cássio, que quando te encontrasse que era para ele te chamar
atenção, onde já se viu desaparecer assim, sabe que já faz uns seis meses que não
vejo o seu filho, o que aconteceu com o Guilherminho, ficou com raiva de nós,
você eu nem me lembro da ultima vez que veio aqui, acho que foi porque perdeu
no truco e saiu com o rabinho entre as pernas, foi por isso que não apareceu mais
em nossa casa?
__A senhora nos desculpe, D. Conceição, acontece que não temos tido tempo,
e sei que falta de tempo não é desculpa, mas é a verdade, -- respondo muito
envergonhado por ficar tanto tempo sem visitá-los -- estou de emprego novo e
tenho feito muitas horas extras, tenho chegado muito tarde e não tenho tido
tempo nem para passear! – respondo tentando justificar minhas faltas.
__Como bem dissestes, falta de tempo não é desculpa! – diz D. Conceição
aproveitando a deixa e brinca comigo fazendo cara de brava torcendo os labios.
__Minha Mãe vai muito bem graças a Deus, -- respondo -- minhas irmãs estão
ótimas, a Eliza a senhora sabe muito bem como ela é, vive trabalhando, se ela
não tem vindo à sua casa é porque não teve jeito mesmo, -- continuo a falar -- a
senhora sabe o quanto ela gosta de vocês!
__Mas sua filha não tem desculpas por não visitar-nos, -- continua a cobrança
pela a nossa ausência -- estuda aqui perto, é só dar uma paradinha de nada e
dizer bom dia que está bom!-reclama.
__ Juliana está fazendo aulas de dança no período da tarde, de manhã escola,
quando chega a noite, a coitada esta exausta, nem bem termina o jornal das oito,
esta dormindo, -- argumento -- o Guilherminho anda muito ocupado, quase não
tem tempo para nada, de manhã escola, chega em casa mal termina de almoçar,
tem que sair, pois na segunda-feira, terça-feira e na quinta-feira ele tem aulas no
SENAC, de quarta-feira e sexta-feira, tem aulas de violão, Eu estou de emprego
novo, por isso que nós não temos vindo para uma visita, D. Conceição, quero
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que a Senhora saiba que ninguém ficou com raiva de vocês, somente a nossa
vida que esta um pouco atribulada, nada mais que isso, quanto à derrota da
última vez no truco, não é o motivo de eu não aparecer, a Senhora bem sabe
disso, pois sempre temos a chance da desforra!
__Fico feliz em saber que esta bem corrida suas vidas Zé, - responde e noto em
seus olhos que estão tranquilos em ver que minha vida esta correndo tudo bem,
como que seu filho estivesse retornando ao seu lar após um tempo sem dar
noticias -- que vai tudo bem lá em sua casa, fico mais feliz por saber que esta de
emprego novo, vamos deixar de conversa fiada e venha para a cozinha, enquanto
passo um café fresquinho, você conta as novidades, -- disse D. Conceição
descendo a escada caminhando à cozinha – Zé, estou louca para saber como esta
se saindo em seu novo emprego! – estimula a converça para que me mantivese
mais tempo em sua casa, casa qual concidero como se fosse a minha casa.
D. Conceição coloca a água para ferver, sentamos, conto como estou saindo
em meu novo emprego, digo sobre a última apresentação do meu filho, que foi
em Campos do Jordão num famoso festival de inverno, evento muito importante
e famoso em todo o país, explico que ele mais cinqüenta alunos, fazem parte da
orquestra de cordas, ficamos conversando durante uns quinze minutos tempo de
ferver a água, Ela passar o café e continuamos a conversar, nesse ínterim
tomamos quase metade da garrafa. Lá pelas seis e cinqüenta e cinco começa a
chegar os seus filhos, o primeiro a chegar é o Maguila, e faz uma tremenda festa
a me ver.
__Hoje vai cair uma tempestade daquelas, -- disse meu amigo com um largo
sorriso no rosto descendo a escada -- que milagre é esse, Mamãe do Céu, quanto
tempo que não te vejo, toca aqui Pavão, -- e me estende a mão, que aperto com
muita satisfação e abraçando-lhe -- Mãe, estou morrendo de fome e pelo que eu
estou vendo a senhora nem começou a fazer o jantar, ficou jogando conversa
fora com o Pavão e se esqueceu da vida, é sempre assim, basta o Pavão chegar
para a Senhora ficar de papo furado e nem se lembra dos afazeres! -- disse em
tom de troça.
__Senta aqui com o Zé, e não deixe que ele vá embora, -- responde D.
Conceição levantando-se rumo ao fogão -- sabe que ele esta sempre com pressa,
é bem capaz de inventar uma desculpa das mais esfarrapadas e sair antes de seu
Pai chegar!- e se dirige ao fogão para preparar o jantar.
Maguila e Eu continuamos a conversar e depois de uns quinze minutos,
começa a chegarem os seus irmãos, e quase de minuto em minuto somos
interrompidos para que Eu cumprimente quem acabara de chegar.
Estão retornando dos seus trabalhos e ao me verem sentado, conversando,
fazem uma festa da qual me envergonho por ter ficado tanto tempo sem vir
visitá-los, e vem juntar-se a nós, sei dizer que em menos de meia hora, estamos
reunidos em torno da mesa onze pessoas.
Vocês devem de ter ficado surpresos pelo numero de pessoas, mas ainda
faltam o Tupéte e o seu Pai, acontece que D. Conceição teve dez filhos e criou o
filho de uma sobrinha, ficando assim com onze filhos.
Emocionado fiquei foi quando chegou o seu Tibila, pois fez uma festa tão
grande ao ver que estou em sua casa, que me sinto mais envergonhado por ter
ficado tanto tempo sem visitá-los. A conversa esta a todo vapor, falávamos de
tudo, desde política até de futebol, mas quase não da para entender o que se diz,
pois todos nós falamos ao mesmo tempo.
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__Porque vocês não param com esta gritaria e vão lavar as mãos e depois
venham tirar a comida, -- berra D. Conceição em pleno pulmões – o jantar já
esta pronto, venham comer antes que esfrie o ovo que fritei, vou tirar um prato
de comida para você, Zé, não venha com a desculpa de que não esta com
fome,pois essa não vai colar, vá lavar as mãos que deixo seu prato pronto, anda
logo vocês parecem surdos! – continua a bradar.
Foi um de arrastar de cadeiras que da até gosto de ver, todos se dirigindo para
o tanque de lavar roupas que fica do lado de fora da cozinha forma duas filas,
pois há duas torneiras, em menos de um minuto, mais uma fila vai se formando
em frente do armário.
Falamos ao mesmo tempo enquanto é formada outra fila, inclusive eu, a
caminho do fogão que sou logo retirado, pois não tenho necessidade dela para
me servir, D. Conceição vem com meu prato nas mãos.
Tiram a comida e voltam a sentarem, e continua uma balburdia até acabarmos
de jantar, seu Tibila convida para formarmos um torneio de truco, pois com este
numero de jogadores, somente formando um torneio para todos jogarem.
Sei dizer a vocês que sai da casa dos pais do Tupete mais de dez horas da
noite, perdi alguns cruzados, pois estamos sob o governo do presidente Sarney,
faço um balanço da minha missão, consegui o endereço e o telefone para contato
do Tupéte, mas em compensação não deu para ir à casa dos pais do Careca
devido ao horário avançado, cinqüenta por cento, aceitável. Cássio e o Maguila
me acompanham até o ponto do ônibus, que tomo, vou para minha casa, onde
sou recebido por minha esposa que não esta nada contente devido ao horário.
__Olha só as horas, onze e quinze, onde esteve até umas horas dessas,
esqueceu de que tem família, - recebe-me minha esposa muito nervosa
acordando sobressaltada com o abrir da porta, pois esta deitada no sofá com a
televisão ligada --, você nunca atrasa, sempre avisa que esta fazendo hora extra,
até parece que se esqueceu que tem família e tem alguém te esperando, que nós
ficaríamos preocupados com você?
__Calma Eliza, sei que esta cheia de razão por estar nervosa, mas deixe
explicar, acontece que Eu fui à casa da D. Conceição e você sabe muito bem que
é impossível sair daquela casa com uma visita rápida, até parece que tem um imã
que não deixa a gente sair! -- explico o ocorrido.
__Devia ao menos ter passado a mão em um telefone e avisado onde estava,
sabe como fico preocupada com você, não sei por que não faz outra coisa, esse
serviço seu é muito perigoso, só fico sossegada é quando abre essa porta e você
passa por ela, -- responde minha mulher um pouco mais calma no seu tom de
voz – como vai D. Conceição, o seu Tibila, e os meninos, como está, o que você
foi fazer lá, agora que fique mais brava mais ainda, porque não veio me buscar,
pois você sabe que os adoro e deve fazer uns três meses que não vou visitá-los?
__Estão todos muito bem, vou te contar o que aconteceu, hoje encontrei o Zé
Lemão, e conversamos por longo tempo e fiquei responsável em conseguir o
endereço e o telefone do Tupete, e do Careca, -- respondo narrando todos os
acontecimentos desde o encontro com meu amigo, até a minha chegada em meu
lar.
Banho-me e quando chego ao meu leito, minha mulher havia me levado uma
xícara de chocolate quente, que esfriou sobre o criado mudo do qual me deleito
com este liquido reconfortante enquanto converso sobre os acontecimentos do
dia e minha mulher adormece me deixando falando sozinho.
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Levanto e vou ao quarto das crianças que dormem o sono dos deuses, beijo-
lhes com muito carinho, cubro cada um deles e saio um pouco decepcionado por
não ter acordado nenhum dos dois durante minha visita, volto para meu leito
descansar, pois estou exalto.

Capitulo 3

Hoje cheguei do trabalho mais ou menos seis e quinze, pois trabalho na oficina
de manutenção de uma empresa siderúrgica, trabalho como plantonista, fazendo
três horários em revezamento de quatro turmas, mas esta semana cubro o Luis
David que esta de férias e estou trabalhando no horário comercial, estou saindo
as cinco e meia da tarde.
Quando chego em casa sou recebido por minha mulher que ao abrir a porta me
da um beijo de boas vindas e já começa a narrar os acontecimentos do dia.
Não tenho tempo de perguntar ou responder coisa alguma, pois sou
bombardeado com as informações dos acontecimentos do dia dela, vou andando
pela sala e Ela acompanha até o quarto onde me dispo e vou para o banho,
durante todo este tempo a Eliza continua falando sem parar, a interrompo com
alguns monosilabos esporadicamente, e assim me põe a par de todo o ocorrido
do seu dia, sem me dar tempo dizer como fora o meu dia.
Saio do chuveiro depois de secar o corpo, passo a mão na roupa e virando para
a Eliza que esta em pé encostada-se ao batente da porta do nosso banheiro.
__Vou telefonar para o Tupete, logo após o jantar, pois ontem dei uma
mancada muito seria! – comento.
__Aconteceu o que? –pergunta minha esposa estendendo a mão entregando-
me a cueca e pegando a toalha e pendurando-a no cabde que há atrás da porta.
__Ontem fui à casa da D. Conceição com dois objetivos, alcancei um que foi o
telefone e o endereço do Tupéte, mas foi uma pena não ter conseguido o
endereço do Careca, Eu devia de ter ido primeiro até a casa dos pais dele, pois
assim eu teria matado dois coelhos com uma cajadada só, - respondo - dei uma
mancada daquelas, pois não sei quando foi que alguém conseguiu sair da casa da
D. Conceição em menos de quinze minutos, mas não tem problema, outro dia eu
pego você e as crianças e retorno para pegar o endereço do Careca, acaso Ele
não tenha telefone para contato, escreverei uma carta, -- faço posse de mandão e
digo - pendure está toalha por favor e me da licença, pois vou trocar de roupa e
este banheiro é apertado demais para nós dois!
__Você está me chamando de gorda, -- pergunta minha mulher em tom de
brincadeira – se é isso que você esta pensando pode tirar o cavalinho da chuva,
pois estou pesando cinqüenta quilos, – e sai do banheiro rebolando -- vou
preparar o jantar, depois que você trocar de roupa, nós conversamos melhor!
Entro na cozinha e minha mulher já esta com o jantar bem adiantado, pois
apenas esquentava a sobras do almoço e fritava uns bifes para mistura, vou até
ao armário e pego a toalha de mesa e a ajudo a preparar a mesa para jantarmos.
Entre esticar a toalha, por os pratos e os talheres, escuto o bater da porta da
sala, sei que são os meus filhos que chegam pela barulheira que fazem, retornam
cada um dos seus afazeres, como quem entra primeiro na cozinha foi a Juliana,
vou logo enchendo a coitada de perguntas.
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__Como foi o seu dia minha querida, -- pergunto dando um beijo carinhoso
nas suas bochechas e abraçados nós vamos até a geladeira de onde tiro uma
beterraba, uma cenoura, um limão que lhe dou para segurar – enquanto você
conta os ocorridos do seu dia, leve estes legumes até a mesa, meu amor, pois vou
pegar a água gelada para fazermos uma vitamina!
__Boa noite papai, -- responde minha filha segurando os legumes e me
acompanhando até a mesa comenta -- meu dia foi terrível, quase que não vou à
aula de dança, pois tive que acompanhar a Claudia até o hospital depois da aula
de educação física, onde ela torceu o pé e inchou muito, depois de quinze
minutos que estávamos no hospital o pai dela apareceu, ela passou pelo médico
que disse que ela havia tido uma luxação, eu a acompanhei até casa dela,ficamos
mais de duas horas nessa correria, o pai dela me levou na academia, pois estava
em cima da hora, tive que trocar de roupa num piscar de olhos, as meninas
estavam começando a aula sem mim, - e olhando ao redor pergunta – o que faço
com estes legumes, quer disser não são apenas legumes, tem uma fruta também,
olha este limão aqui! –sorri me corrigindo
__Descasque esta cenoura e a beterraba enquanto pego algumas laranjas e
aquelas duas bananas que restaram daquela penca que sua mãe comprou ontem,
--- respondo me dirigindo ao armário de onde pego três laranjas e as bananas que
esta na fruteira e trago o liquidificador, que deixo sobre a pia para fazermos a
vitamina -- vou picar primeiro a banana, você pica bem pequenos os pedaços da
cenoura e da beterraba você corta ao meio e pique uma das metades também, --
nesse momento o Guilherminho entra na cozinha me da um beijo que retribuo e
dou a ele as laranjas – chegou à boa hora meu filho, pegue a peneirinha na
gaveta de talheres e esprema estas laranjas e o limão que esta com a Juliana,
assim você nos ajuda a fazermos a vitamina! -- todos os ingredientes dentro do
liquidificador que bate por alguns minutos até ficar homogêneo, acrescento a
água, o açúcar e bate mais um pouco, tiro um copo, experimento e passo o copo
para meus filhos experimentarem.
__Para mim esta ótima!—disse a Juliana.
__Para mim falta um pouco de açúcar, -- disse o Guilherminho – mas não
muito!
Coloco mais um pouco de açúcar, pois também achei que faltava, minha
esposa termina de fazer o jantar, como a mesa esta posta, sentamos e comemos.
Durante a refeição contamos o que nos aconteceu durante nosso dia, quando
comento que vou telefonar para o Tupéte depois do jantar, o Guilherminho fica
curioso, pois tem quinze anos e não se recorda deste filho da D. Conceição.
__Tupéte é o filho mais velho da D. Conceição, temos a mesma idade, mas é
alguns meses mais velho, -- respondo -- você já encontrou com ele, faz uns nove
anos, essa foi à última vez que nos vimos, -- explico -- depois que terminarmos o
jantar eu vou dar esse telefonema, talvez te conte como conheci este meu amigo
e como ele me colocou o apelido de Pavâo!
__Pavão, essa é nova para mim, pois não sabia que o Senhor tinha algum
apelido? –pergunta meu filho curioso.
__Eu também não sabia, -- concorda minha filha – como alguém pode ter um
apelido desses, Papai?
__Espere um pouco que vou contar a vocês como que arrumei este codinome!
– respondo.
Ajudamos a minha esposa a arrumar a cozinha, telefono para meu amigo que
não está na sua casa, deixo o numero do meu telefone na secretária eletrônica
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pedindo para ele retornar a ligação assim que possível. Vou para sala assistir
televisão, acomodado confortavelmente em minha poltrona e com o controle
remoto percorro quase todos os canais, não me interesso por nada, quando
sintonizo no jornal, coloco o controle remoto sobre a mesa de centro, me
aconchego confortável na poltrona, entra meu filho correndo ao ouvir a televisão
ligada e pega o controle remoto e se esconde atrás do sofá desligando a
televisão.
__O senhor falou que iria contar para nós como o senhor conheceu o Tupéte e
a origem do seu apelido que desconhecemos, é verdade que o seu apelido é
Pavão? -- disse meu filho cobrando a promessa – não vou devolver o controle
enquanto não acabar a historia!
__Falei que qualquer dia contaria como nos conhecemos e como tornei o
Pavão, mas não hoje, meu filho, estou cansado, hoje foi puxado o meu dia,
graças a Deus! – respondo abraçado a ele, rolando no tapete tentando pegar o
controle remoto, que esconde dentro do shorts.
__O que esta acontecendo, Papai, o Guilherminho esta fazendo arte, da uma
chinelada na bunda dele! – brinca minha filha com um chinelo, fingindo bater.
__Este chato quer que eu conte como conheci o Tupéte e por que ele colocou o
apelido de Pavão em mim! – explico.
__Conta sim Papai, também fiquei curiosa, não sabia que o Senhor tinha
apelido, Pavão, essa é boa não é mesmo Guilherminho! – pede minha filha e
amontoa sobre nós – porque será, pois não parece nada com o bicho! – graceja
Juliana.
__Nossa Senhora de Fátima, podem me explicar o porquê dessa gritaria, Zé
Guilherme deixa o Guilherminho em paz, Juliana sai de cima do seu pai, por que
vocês não ligam a televisão, pois daqui a pouco vai começar a novela, e vai estar
bom o episodio de hoje da Duas Caras, esta no final e quero assistir!
__Manda o Papai contar à estória que depois entrego o controle remoto! –
argumenta meu filho.
__Que história é essa! -- quis saber minha esposa.
__Papai falou que ia contar quem é o Tupéte e por que ele tem o apelido de
Pavão, conta Pavão, por favor! – pede meu filho fazendo troça do meu apelido.
__Conta, conta, conta Papai, conta, conta Pavão! -- pediam em coro meus
familiares.
__Acomodem-se então porque a historia é comprida, --respondo e começo a
narrar.

Capitulo 4

RETORNO E RECOMEÇO

Para falar do Tupéte, primeiro tenho de falar de mim, quem sou, qual é minha
família. Meu pai era comerciário, desde seus quatorze anos trabalhou no mesmo
armazém de secos e molhados, minha mãe costureira e por pouco tempo ela foi
apenas dona de casa, cuidando da família, do meu pai, das minhas irmãs e de
mim.
Temos uma vida tranqüila, não somos ricos, mas vivemos muito bem, eu nasci
em mil novecentos e sessenta, com quatro quilos e com cinqüenta centímetros, a
Marise nasceu em mil novecentos e sessenta e dois, quatro quilos e duzentas
gramas, cinqüenta e um centímetros, linda, graciosa, rosto rechonchudo, cabelos
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cheio de cachos, e com um sorriso enorme, em mil novecentos e sessenta e três,


meu pai comprou nossa primeira T. V., um colorado R Q, linda, enorme, luxo de
poucos,para qual vinham os vizinhos assistirem conosco os programas noturnos.
Anelise nasceu em mil novecentos e sessenta e quatro, uma gracinha, bem
gordinha, a coisa mais linda do mundo, nasceu com cinqüenta centímetros e
quatro quilos e meio. Moramos numa casa de parede e meia com meus avós
paternos, que são eles, meu avô Edson, minha avó Alzira, e meus tios, Edinho e
Alzirinha.
A família da minha mãe é numerosa, meus avós maternos, José e Guilhermina,
origem do meu nome, tio Alcindo, tio Pino, tia Dinorá, tio Rubens conhecido
como Beto, tio Zeito, tio Walter, tia Wilma, minha mãe a Sally e a tia Zelly.
Temos um cão chamado Dick, um vira lata, meu companheiro de brincadeiras,
temos um quintal é enorme, mais ou menos seiscentos metros quadrados, onde
meu avô plantou um pomar com as seguintes árvores frutíferas, dois pés de
mangas família, a mais saborosa que provei em toda minha vida, tinha de subir
no pé, que é enorme por sinal, e pega-las com as mãos sem deixar que ela cair,
pois se chegasse a bater no chão estragava a parte que havia batido no chão, por
não ter fibras ela ficava mole e estragava o seu sabor, ”nós comemos esta manga
de colher”, há vários pés de jabuticabas, um pé de goiabas de quilo, “que minha
avó faz um doce de goiabada cascão que é uma delicia, enche minha boca de
saliva só de lembrar”, um pé de goiaba comum vermelha, um pé de carambola,
um pé de caqui, um pé de laranja lima, um pé de laranja Sabará, “aquela uma
que quando cortamos a laranja ao meio seu miolo é vermelho como o sangue”,
vários pés de laranja para fazer doces,” não preciso dizer que minha avó faz os
mais deliciosos tanto a compota como o cristalisado”, vários pés de mexericas de
varias qualidades, Polcam, carioquinha, ”aquela que não consegue descascar sem
que fiquem sabendo que está chupando, pois tem um cheiro bem forte, não tem
igual, nós em casa chamamos de fedidinha”,dois pés de mexericas comum, um
pé de pêra, e muitos pés de limões de varias qualidades, vários canteiros que
minha avó cultiva suas flores e verduras, e um galinheiro, com muitas galinhas.
Aos cinco anos de idade era deste galinheiro que minha mãe pegava algumas
penas e fazia cocar, tanga, me vestia de índio e com meu primo, o Rogério,
vestido de caubói, nós brincávamos de bang-bang.
Em mil novecentos e sessenta e seis ficamos sócios de um clube, Sociedade
Esportiva Sanjoanese, um clube de grã-finos, onde pretos não entrava, somente
para trabalhar ou jogar bola pelo time, mas não podia nadar, ou desfrutar dos
outros benefícios que o clube promovia, nem nos bailes era permitido à presença
deles, quer disser, racista no sentido estremo da palavra, para vocês terem uma
idéia, em nossa cidade, temos um clube o Luís Gama e a igreja São Benedito que
é só para pretos, mas os brancos podem entrar.
No ano de mil novecentos e sessenta e sete começo os estudos, Grupo Escolar
Coronel Joaquim José, no meio do ano vamos para nossa nova casa, um sobrado,
onde tudo é diferente, sala, cozinha e um pequeno banheiro embaixo da escada,
no andar superior, dois quartos e um banheiro bem maior, uma sacada para a rua
e tem o melhor brinquedo que vocês podem imaginar, o corre mão da escada,
não imaginam como é gostoso escorregar em um.
Moramos por aproximadamente quatro anos, quando estou cursando o quarto
ano primário nós mudamos para o bairro do São Lazaro, onde moramos até a
morte do meu pai, em mil novecentos e setenta e um, vinte dias após o meu
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aniversário, com a morte do meu pai somos obrigados a voltar a morar na casa
dos meus avós novamente.

Capitulo 5
TUPÉTE X PAVÃO

Tenho onze anos e estou cursando a quinta série no horário da tarde, meu pai
deixou uma aposentadoria para minha Mãe que é uma merreca, meio salário
mínimo, e vou precisar ajudar com as contas da casa.
Por estar de férias escolares, hoje procurei emprego por toda manhã talvez por
ter pouca idade, não consegui nada apesar de ir a vários lugares, logo após o
almoço, estou na janela do meu quarto, que da para a rua, de onde vejo uma
garotada brincando reunida lá embaixo, perto do Corguinho São João, logo
deduzo que estão jogando bolinha de gude devido à algazarra que estão
aprontando.
Com doze bolinhas no bolso vou até lá, pois estou de férias, de longe vi que
estava certo, estão mesmo jogando bolinha de gude, ao aproximar vejo que é o
de birosca, este jogo o campo é no formato do L só que ao contrario, com cinco
buracos, com a distancia de três palmos nossos, mais ou menos quarenta e cinco
centímetros, só a quinta birosca que tem quatro palmos de distancia, dá-se duas
voltas no percurso, ao chegar à quarta birosca pela segunda vez, para fazer o bati
palmo, é quando você esta no final do jogo, mas é obrigado a cobrar o preciso,
que é nada menos retirar as bolinhas que estão na distância da quinta birosca em
todos os sentidos, até a terceira, então é só acertar a outra bolinha que ele está
fora do jogo, a não ser quando é a ganha, pois quem matou fica com a bolinha.
Conheço o Tupéte de vista, moleque travesso que vive aprontando as artes que
ocorre pela vizinhança, se acaso alguém quebrou uma vidraça, ele é o culpado,
mesmo sendo inocente, pois vive com o estilingue pendurado em seu pescoço, se
tem uma briga pode ter certeza que ele esta envolvido.
__Boa tarde molecada tudo bom com vocês! -- comprimento a todos e me
ofereço a entrar no jogo após o termino da partida em andamento, que o Tupéte
ganha e recolhe as bolinhas que ganhou, guarda em seu bolso, me da uma boa
medida, olha de cima em baixo.
__Você que mudou naquela casa velha, lá encima perto da esquina, -- pergunta
o Tupéte, já afirmando – fique sabendo que aqui nós só jogamos a ganha, se
você quiser jogar, e como é a primeira vez que te vemos por aqui, vamos jogar
só nós dois, mano a mano e nós vamos apostar cinco bolinhas, mas como você
bem ouviu, vai ser de mano, só você e eu!
__Em primeiro lugar, minha casa não é velha, ela é antiga, mas não é velha, --
respondo – em segundo lugar eu não acho justo tirar os outros garotos do jogo!
__ Não me interessa se sua casa é velha ou antiga, quero saber se aceita ou não
jogar, -- desafia – vamos logo, decida, são cinco bolinhas! – que retira do seu
bolso, e, diga-se de passagem, está cheio – eles não vão importar não, não é
mesmo, -- olha para os garotos que concordam -- será só uma partida, apenas a
primeira!
__Como eles não se importaram, nós vamos jogar, mas vamos apostar dez, --
respondo aceitando o desafio, retiro do meu bolso e conto, separo as dez e
mostro, dobrei a aposta – vamos ver se você é macho!
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__Você só vai jogar uma partida, se dobrar a aposta, -- tira um sarro de mim a
me ver separar as dez bolinhas e guardar a bolinha que restou no bolso – mas se
quer perder tudo de uma vez o problema é seu!
Aposta aceita, diz que não é necessário casar a aposta, tiramos impar ou par
para ver quem lançava a primeira bolinha para ver quem chegava mais perto da
primeira birosca e iniciar o jogo, ele ganha e sai, lança a sua bolinha uns três
dedo de distancia da birosca, para o lado direito, eu lanço a minha e acerto
certinho na primeira birosca, inicio o jogo, faço a segunda, faço a terceira, sei
dizer a vocês que dei as duas voltas sem errar, e acertei a bolinha dele ganhando
a partida.
__Não valeu, você vai começar de novo, pois não vou pagar a aposta, -- disse
ele levantando nervoso – onde já se viu isso, nem joguei, eu não vou pagar
mesmo!
__Foi você que desafiou, aceitei e dobrei a aposta, você aceitou, perdeu, agora
vem com essa conversa de que não valeu a partida só porque você não jogou, --
respondo – saia desça meu camarada, nem conheço você, e agora me vem com
essa conversa mole, qual é a sua, pode ir pagando o que me deve, ou você não
tem palavra de honra!
__Não é preciso ficar nervosinho, eu vou pagar, mas quero revanche, __
responde – e vamos apostar o dobro ou nada!
___Me de as bolinhas que perdeu e aposto elas, -- respondo propondo – se
quiser jogar tudo bem, eu jogo, do contrario, não vamos jogar mais, mas como
você perdeu, tem que pagar, - e argumento- então foi por isso que não quis casar
a aposta, se acaso perdesse não iria pagar!
Ele enfia a mão no bolso,que sai cheia, e conta dez bolinhas de gude e me
paga, retiro minhas bolinhas e guardo uma em meu bolso.
__Pegue suas vinte bolinhas e de para aquele garoto segurar, e tem mais, só te
dou a revanche se os garotos que estão aqui, consentirem! – todos concordam
com a realização da partida dizendo, sim, pois todos estavam curiosos se acaso
hoje seria a primeira derrota do Tupéte, o melhor jogador do pedaço.
__Vamos jogar, -- responde contando suas bolinhas para casar a aposta após
chegar à vigésima bolinha, separou e deu ao garoto que eu indiquei, guardou as
que sobram – segure e me devolva daqui a pouco, Zé Lemão, pois vou dar uma
surra nesse Pavão, olha como ele está emplumado,-- disse para tirar um sarro a
minha cara - vamos logo, pois vou recuperar as minhas e limpar você que tem
apenas essas dez que apostou!
__Vamos ver quem vai rir por último, e Pavão é você, -- respondo mostrando
que não gostei da comparação, mas este foi meu azar, ele me atazanou tanto,
mas tanto mesmo, que no fim acabou pegando o apelido, mas não tem problema
não, pois eu ganhei todas as suas bolinhas, sessenta no total, em três partidas
seguidas.
Deixando o Tupéte sem nada, nenhuma sequer e depois da terceira partida, tive
a certeza que fui aceito na turma, pois já sabia o nome de todos que ali estava o
Zé Lemão, foi o primeiro que conheci, pois é o garoto que escolhi para segurar a
aposta, diga-se de passagem, me deu muita sorte, e os outros garotos são o Fram,
o Nardi Butina, Sete Ouros e seu irmão o Espadilha.
“Foi nesse dia eu ganhei o apelido de Pavão, e muito mais do que isso, fui
aceito pelos garotos no bairro que acabara de mudar, quem já mudou de casa
sabe do que estou falando” sabe o quanto é difícil ser aceito pela nova
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vizinhança, e ganhei um grande amigo, o irmão homem que não teve minha
mãe.
__Vou devolver metade das bolinhas que perdeu, tome trinta, -- pego as
bolinhas de gude e dou ao Tupete, volto-me para o Zé Lemão -- para você que
me deu sorte, fique com estas dez bolinhas, -- continuo a dividir as bolinhas que
restaram, dou três bolinhas para cada um dos garotos que ficaram assistindo nós
jogarmos e fico com as cinco bolinhas restante, pois mereci, e recomendo a eles
por ver que não havia mais clima para continuar o jogo - guardem as suas para
podermos jogar amanhã, o que fazeremos agora para nos divertirmos?
__Vamos lá ao campinho do Pulguinha jogar umas partidas de futebol, --
propõe o Tupete – estamos em sete, mas é só começar a jogar que aparecem
moleques de todos os lados, pega sua bola de capotão Zé Lemão e vamos jogar
uma pelada para nos divertir!
Ele tinha razão, mal começamos a jogar e apareceram tanto garotos que
fizemos um torneio com cinco times de seis jogadores em cada time, Tupéte me
escolheu em primeiro lugar para seu time, nós ganhamos o primeiro torneio de
futebol que disputamos juntos.
Meus filhos, e minha esposa escutaram sem interromper nem uma vez como
conheci o Tupéte, como ganhei o meu codinome e entrei para a turma do beco
por quase uma hora.
__Conta outra história da sua infância, papai, -- pede minha filha – ainda é
cedo para ir dormir, essa foi muito legal!
__Amanhã eu conto outra história para vocês, -- respondo – vou contar como
conheci o Careca, me dão licença, pois são oito e quinze e vou ligar novamente
para o Tupéte, pois acho que agora ele deve de estar na sua casa!
Telefono e consigo conversar com meu amigo, faz tanto tempo que não
conversamos que falamos por meia hora, paguei uma fortuna na conta do
telefone, mas valeu à pena, pois consegui conversar com ele e arrumarei uma
forma de avisá-lo do dia que será marcado o encontro da nossa turma, a velha
TURMA DO BECO.

Capitulo 6

O CORTIÇO DO BARGAS

Hoje estou mais cansado do que o normal, como já sabem sou mecânico de
manutenção e trabalho em uma Metalúrgica que produz ligas para fazer o aço e
outras ligas, são fornos enormes que produzem grande quantidade de calor ao
fundir o material.
Há uma peça dentro do forno, que se chama placa, vou descrevê-la para que
vocês possam entender, ela é de e cobre pesa quase cem quilos e por ela passa
água refrigerando o eletrodo, que conduz à energia elétrica, a corrente positiva, à
base do forno, é corrente negativa, assim funde o material formando as ligas.
Não vamos entrar em detalhes, pois não vem ao caso, tivemos de trocar duas
placas e aproveitamos para troca a coroa, peça que prende as seis placas que
compõe o eletrodo, gastamos o dia todo para executar a tarefa, não preciso dizer
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o quanto é quente dentro deste forno, pois ainda resta um pouco de material para
não prejudicar ao religar nem a produção.
Esquenta tanto que a calça que parece pegar fogo, cada mecânico fica um
pouco, mais ou menos uns cinco minutos,depois sai, entra outro profissional
dando continuidade no trabalho. Insuportável na realidade é a filigem que tem no
teto do forno, cai sobre nós e ficamos imundos e causa coceira, mas fazer o que,
está é minha profissão, que executo da melhor forma possível, procurando ser
um bom profissional.
Neste dia quando chego em casa e a Eliza não está, leio o bilhete deixado
sobre a mesa que diz.
“Boa noite meu amor, fui até a casa de sua mãe e depois vou até a casa da tia
Wilma, as crianças estão comigo, voltamos lá pelas sete horas da noite, beijos e
até mais tarde, Eliza, Ju e Gui”.
Deixo o bloquinho onde está anotado o recado na mesa do telefone e vou
tomar banho, após banhar-me deito só de cueca em minha cama, ligo a T. V. e
logo adormeço. Acordo quinze para as oito com a Eliza me fazendo um carinho.
__Boa noite meu querido, -- disse minha esposa ao me ver acordar – vamos
comer, pois o jantar está pronto!
Acordo meio atordoado com a impressão de que está na hora de eu ir trabalhar,
de tão pesado foi o sono que tive durante está soneca, recobro a consciência e
dou-lhe um beijo, coloco o short, camiseta, calço os chinelos e de mãos dadas
vamos para a cozinha, onde a mesa está posta, e meus filhos já estão comendo.
__Vocês nem me esperaram, -- reclamo – e já foram tirando a comida, até
parece que estão morrendo de fome! – faço cara de bravo, brincando com meus
filhos.
__Boa noite papai, a sua bênção, -- disse a Juliana – nós já tiramos a nossa
comida, pois pensamos que o senhor não fosse comer agora, quando eu fui ao
seu quarto, o senhor dormia tão profundo, disse à mamãe que você iria dormir
até amanhã!
__Deus te abençoe, minha filha, -- respondo – estou tão cansado hoje e se
acaso sua mãe não me acordasse, com certeza iria até amanhã cedo, como foi o
seu dia, Juliana, correu tudo bem, e você Gui, o que fez hoje?
__Boa noite papai, a sua benção, -- responde meu filho – o meu dia foi normal,
fui à aula, depois no SENAC, a mamãe foi me esperar na saída e fomos pegar a
Juliana na aula de dança, depois fomos à casa da Vovó e depois na casa da tia
Wilma, -- relata como foi o seu dia e pergunta -- o senhor trabalhou muito hoje,
conta como foi o seu dia?
__Meu dia foi puxado, -- respondo com o prato na mão me servindo da
comida, que cheira muito bem – quebrou o forno cinco e levamos o dia todo
para concertá-lo, cheguei tão cansado que nem consegui assistir televisão, tomei
banho, mal deitei e dormi rapidinho!
__Mas o senhor prometeu que vai contar hoje como conheceu o Careca, --
pergunta a Juliana – pois eu gostei muito da história que contou ontem, foi muito
legal como conheceu o Tupéte, que fiquei curiosa em saber como é a história do
Careca!
__Pode deixar, não precisa ficar preocupada, -- respondo entre uma garfada e
outra – pois vou narrar como eu o conheci, estou acreditando que foi sorte minha
ter dormido um pouco, senão eu não conseguiria contar nada, pois estava muito
cansado!
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Jantamos e ajudamos a Eliza a arrumar a cozinha, enquanto a Juliana lava as


louças, o Guilherminho enxuga os pratos, as panelas, os talheres que guarda no
armário, me coloquei a limpar o chão. Todos os copos e pratos guardados, a
minha esposa limpou o fogão, varri e passei o pano úmido no chão da cozinha,
tudo limpo e arrumado, vamos para a sala onde cada um ajeita em seu lugar, a
Eliza numa das poltronas, a Juliana e o Gui no sofá e na outra poltrona começo a
narrar.

Capitulo 7

CORTIÇO DO BARGAS

__Descendo a rua da minha casa, perto do Corguinho, onde tem as biroscas


para jogar bolinha de gude, há um cortiço, ”O CORTIÇO DO BARGAS”! –
enfatizo quando digo o nome do local.
__O que é um cortiço, papai? – pergunta minha filha, interrompendo a
narrativa.
__Cortiço é como a vila do seriado do Chaves que passa no S B T,-- respondo
e continuo a narrar -- neste cortiço tem muita criança, pois tendo seis casas, que
são alugadas a pobres e pobres tem muitos filhos, a conseqüência é esta
criançada toda que falei a vocês.
È aqui que mora o Zé Lemão e o Roberto Capotão, que são irmãos, Tidão, o
Luquinha, vários amigos e companheiros de brincadeiras e futebol.
As vezes nós brincávamos no corredor que há entre as casas, vou tentar
descrever a vocês como era formada está pequena vila, do lado esquerdo de
quem entra, tem três casas de quatro cômodos, sala, cozinha, e dois quartos, sem
banheiro, que segue até o final do terreno, com as portas e janelas voltadas para
frente, que é o corredor, do lado direto mais três casas, sedo duas de três
cômodos, sala cozinha e um quarto, e uma de dois cômodos, quarto e cozinha,
com as portas e janelas para frente também, no fundo do terreno mais duas
casas, uma de quatro e uma de três cômodos, chegado até o final do terreno,
como a diferença de tamanho das casas laterais do terreno forma um L no centro
das casas ali construídas, como já disse não há banheiros nas casas, o dono, fez
um banheiro com a latrina e um banheiro para banhos, separados, no espaço que
ficou entre as casas da direita e as casas do fundo, no espaço entre as casas há
uma fileira de seis tanques aproveitando todo o terreno.
Todos os dias há a maior concorrência para usar este espaço, de manhã é a
maior loucura, forma-se uma fila para irem aos banheiros, pois todos acordando
ao mesmo tempo, os adultos para irem ao trabalho e as crianças para escola
matinal, no final da tarde, com os garotos se preparando para irem à escola no
turno da noite, e os adultos retornando do seu trabalho.
__Vamos sai logo desta privada, -- grita um batendo na porta onde têm a
latrina– por acaso está cagando pregos – gritava outro na fila – anda rápido com
isso, pois não vou agüentar segurar mais, vou acabar cagando na calça, -- gritava
outro desesperado – eu já urinei nas calças, -- gritava outro tentando apressar
quem usava a latrina, era desse jeito todas as manhãs, no final da tarde nem te
conto, da para vocês imaginarem, que a tarde acontece o mesmo no de banho.
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No meio do espaço que sobrou entre as casas e há uns metros dos banheiros,
como já disse estão os tanques para lavar as roupas, e são usados como pias para
escovarem os dentes, lavar o rosto, um de costa para outro, onde muitas vezes é
jogado no vão onde cai a água para o esgoto, os detritos noturno que o penico
recebeu, as vezes tinha fezes, além da urina.
A maioria das mulheres moradoras deste cortiço lava roupas para fora, elas
tem suas freguesas e usam seus filhos para buscarem e levarem as trouxas de
roupas.
Enquanto elas estão trabalhando até parece um mercado de peixes por causa de
tão alto que elas falam, e como falam, falam de todos e de tudo, nada e nem
ninguém consegue escapar das línguas dessas fofoqueiras.Como nós brincamos
neste corredor principal, e ali estão estendidos os varais usados para secar as
roupas, escutamos chingamento o dia todo.
__Vá brincar em outro lugar, molecada, vê se da um pouco de sossego, seus
filhos da ***, -- grita uma – se acaso um de vocês sujarem a roupa que acabei de
lavar, dou uma surra em todos, não quero saber quem foi, -- ameaçava a outra
lavadeira – sai daqui cambada de moleque, vá trabalhar, jogar bola no campinho
ou vai nadar lá no rio da Prata, vê se param de encher o saco, saiam já daqui! –
gritava outra lavadeira sentada na porta da sua casa, matraqueando, esperando a
roupa secar, assim transcorria o dia neste cortiço.
Num dia desses o Tupéte e eu estamos dando uma volta pelo bairro
procurando algo para fazermos, pois estamos entediados, vemos na porta do
cortiço, um caminhão descarregando a mudança, coisa corriqueira, pois a
rotatividade é grande, descem os moveis, “moveis, essa é muito boa, chamar
aqueles cacarecos de moveis já é demais”, mas este é o nome que se dá a eles, o
que fazer.
Parece um formigueiro, todos os meninos do cortiço estão ajudando, os
maiores ajudam a carregar os móveis, outros menores, as caixas, alguns encima
do caminhão, descarregando. Aproximamo-nos para saber quem é o novo
morador e se por acaso há algum garoto,quando para nossa surpresa o
Marquinho Careca vem buscar mais uma caixa no caminhão, nós o
reconhecemos na hora, ele joga bola conosco, lá do campinho de futebol, faz
parte do time do Santo André.
__O que você está fazendo aqui no cortiço do Bargas, Careca? – pergunta o
Tupéte.
__Estou mudando para uma casa lá no fundo, pois o aluguel estava muito caro,
aqui é mais barato, estamos morando lá na casa numero quinze, não sei por que
quinze se tem oito casas, vou levar mais estas caixas que faltam, são as caixas
das louças, talheres e copos! – explica onde esta morando e o porquê.
__O Bargas só colocou números impares! – repondo.
__Vamos ajudá-lo, -- disse o Tupéte e propõe – que tal depois nós irmos
nadar!
__Que legal você mudar pra cá, vou levar esta caixa! – digo enquanto pego
uma das caixas que resta.
__Gostei da idéia, -- responde o Careca – tenha cuidado com está caixa Pavão,
porque é nela que estão os pratos! – com cuidado redobrado o acompanhamos
até a casa que acabava de se mudar. Foi neste dia que conheci a família do
Careca, a sua mãe, a D. Teresa, sua irmã mais velha, a Sueli e a caçula, a Sonia,
ele é o filho do meio, o único homem, seu pai, o seu Duarte, que é caixeiro
viajante, está trabalhando.
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Nós colocamos as caixas sobre as cadeiras, pois a mesa está cheia de caixas e
outros badulaques, o Careca pega um pedaço de pão, oferece para nós, que
rejeitamos, despeja quase um copo de café no meio pão e saímos do seu novo
lar. Ele da umas dentadas no pão e escorre o café pelo canto da boca e pelos vãos
dos dedos pingando pelo chão, vamos conversando para a rua.
__Você disse para irmos nadar, Tupéte, -- disse o Careca – onde é que vocês
costumam ir?
__Nós nadamos lá no cavalinho, -- responde o Tupéte – lá tem uma árvore
caída ligando as duas margens do rio, que é uma delicia mergulhar, não é mesmo
Pavão?
__Lá é muito legal, bom para nadar, -- respondo confirmando – da por aqui, --
mostro a profundidade com as mãos levantadas mostrando que não da pé – desta
fundura, mais de dois metros de profundidade, vamos te mostrar onde fica, é
perto do tiro de guerra!
__Sei onde fica o tiro de guerra, mas não sei onde fica este lugar, – responde o
Careca – quero conhecer, vamos até lá para ver se é melhor que o lugar onde eu
nadava!
__Onde é que você nadava? – pergunta o Tupéte.
__Lá na cachoeira dos Almeidas, -- responde o Careca – no Santo André!
__Eu já fui nesta cachoeira, fica descendo a rua do lado do colégio das freiras!
– diz o Tupéte .
__Depois da linha do trem, pra lá do frigorífico, essa mesmo! – concorda
Careca.
__Não conheço está cachoeira, Tupéte, -- comento e pergunto -- como você
conheceu, fica muito longe?
__Que nada, fica perto, -- responde o Careca – no máximo uns quinze minutos
de caminhada!
__Então vamos te levar para conhecer está cachoeira, Pavão, -- convida o
Tupéte – depois mostramos a Ele onde fica o Cavalinho, conheci quando passei
em frente um dia que fui com Seu Antonio, levar umas coisas que comprou do
Seu Geraldo, mas não nadei, deve de ser legal nadar neste lugar!
Concordo com a proposta feita pelos meus amigos, lá vamos nós três rumo a
cachoeira do Almeida. Subimos a Rua do Cristo, viramos a esquina do C. I. C.,
Centro de Integração Comunitária, ao lado do Colégio das freiras, descemos a
rua, passamos pela linha férrea, pelo frigorífico, andamos mais alguns metros
por uma estradinha de terra e finalmente chegamos à cachoeira.
O lugar é lindo, a cachoeira tem uns quinze metros de largura, mas não é muito
alta, com uns quatro metros de altura, atravessamos a ponte, passamos a cerca de
arame farpado, pegamos a trilha que nos leva até a margem do rio.
Tiramos nossas roupas e ficamos apenas de cuecas, o Careca que conhece o
lugar é o primeiro a mergulhar, é fundo nos mostra afundando com os braços
erguidos, não aparecendo nada dele, nem as pontas dos dedos,
Tupéte mergulha e sai nadando e eu entro com cuidado, pois não conheço o
lugar e vejo muitas pedras, pode haver alguma sob a água, nadamos por quase
meia hora, brincamos de pega-pega, valendo somente dentro d’água, ficamos
cansados e vamos descansar nos secando ao sol, deitamos e ficamos como uns
lagartos esquentando ao sol, de papo pro o ar.
__Vamos bater locas, -- propõe o Careca quebrando o silêncio – por estás
bandas é muito bom para fazer isso!
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__O que é isso, -- pergunto – bater loca, nunca ouvi falar, é pegar algo de
comer?
__Pavão, Pavão, o porco esta sempre sonhando com a lavagem, e você esta
sempre pensando em comer, -- responde o Tupéte tirando sarro da minha cara –
bater loca é pegar os peixes com as mãos!
__Pegar os peixes com as mãos, está é boa, -- respondo – eu nunca vi ninguém
fazer isto, somente para tirar do anzol, da tarrafa ou da rede, por acaso você já
fez isso?
__Lógico que já pesquei dessa forma!- responde o Tupéte se vangloriando.
__Nunca pesquei assim, apenas de vara, covo, rede e tarrafa!- comento.
__È fácil, -- responde o Careca e me explica como se faz – basta à gente
localizar a loca no barranco, que não é nada mais que um buraco no barranco,
você enfia a mão nela e se tiver peixe, é só pegar, viu como é simples!
__Juro que nunca vi ninguém fazer isso! – respondo.
Careca mergulha e vai nadando até a outra margem, começa a procurar no
barranco passando as mãos nele, quando de repente ele para, mergulha e após
alguns segundos ele submerge, volta à tona mostrando o cascudo que pegou, um
cascudo com uns vinte centímetros de comprimento, todo gosmento, não
acredito no que vejo.
O Tupéte pula dando uma carpada na água, mergulho, pois como havia sido
cauteloso já sabia que não tinha perigo, nadamos até onde o Careca esta e segura
o peixe como um troféu, mostra o que é uma loca e explica.
__Loca é este buraco que os peixes fazem nos barrancos para esconderem,
caçar e desovarem também!- e com cuidado da o peixe para o Tupéte segurar.
__ Pavão, enfia a mão no buraco que estou tapando com o pé e você vai ver
como é, tem mais peixes lá dentro! -- me convida a experimentar.
Mergulho e retiro mais três cascudos, bem menores que aquele que ele havia
pegado, exibo os peixes como troféu, todo eufórico ao Tupéte e ao Careca.
__Como vamos guardar este peixe, -- pergunto aos meus amigos – ele não tem
guelra, como colocamos na fieira? -- esta fieira que falei, é uma forquilha, de um
galho fino, mas resistente, onde se passa pela guelra do peixe!
__Um de nós tem de ir até a casa, da Maria, -- propõe o Careca a solução –
aquela casa lá encima do morro após as jabuticabeiras e pedir a ela um saco
plástico para pormos os peixes!
__Vai lá, Pavão,pois você não sabe fazer isso direito, -- disse o Tupéte –
enquanto isso o Careca e eu vamos batendo loca!
__Vai você, seu folgado, pois aprendo rápido, -- repondo indignado – ficamos
nós pescando!
__Sei um jeito mais fácil de resolver este dilema, -- disse o Careca – vamos
tirar dois ou um, quem perder vai até a casa buscar o saco plástico!
Tiramos o dois ou um como fora proposto, Careca põe dois dedos o Tupéte
também, eu coloco apenas um dedo e perco, vou ter de ir buscar o saco plástico.
Tupéte tira o maior sarro da minha cara por eu ter perdido, dizendo que
quando eu voltasse, eles já estariam com tanto peixe pego, que terei de voltar e
pedir outro saquinho.
Vou correndo, chego e ao lado da casa tem o pomar de jabuticabeiras bem
velhas, com mais de quinze pés, o caminho é por ali mesmo, tenho de passar
pelo meio do jabuticabal para chegar a casa.
Ao chegar às proximidades da casa sou recebido por uns dez cachorros, que
vem latindo em cima mim, e por incrível que pareça o menor deles que me
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encurrala, tentando me morder, nem preciso bater palmas por causa dos latidos,
escuto a voz de um homem.
__Vai deitar Calu, vem já pra cá Tótó, -- vejo o dono daquela voz levantar da
cadeira de onde estava sentado, no fundo varanda, observando a minha chegada
– vem aqui com o papai, -- e o cachorro obedece ao chamado do dono, mas
continua a latir e os outros o segue – o que você está querendo aqui por estás
bandas, garoto, pois está estrada termina lá na ponte você não viu a porteira!
__Boa tarde seu Antônio, -- respondo reconhecendo aquele homem – meus
amigos e eu estamos nadando lá na cachoeira, e pegamos uns peixes, vim pedir
ao senhor um saco plástico para guardá-los!
__Boa tarde, -- responde o Antônio – não estou te reconhecendo, como é seu
nome e de onde você me conhece?
__Conheço o Senhor lá da relojoaria do Seu Geraldo, -- respondo – ninguém me
conhece pelo meu nome, todos me chamam de Pavão, será que poderia me
arrumar um saco plástico?
__Então é de lá que você me conhece, -- disse ele me olhando mais atentamente,
depois de alguns segundos me analisando, coloca no rosto uma expressão de
quem me reconhecera – você joga no time de dente de leite que o Geraldo
formou não é mesmo, agora estou te reconhecendo, assisti aquela final do
campeonato, foi você que marcou o gol da vitória, quando o time do Geraldo foi
campeão, vou ver com minha irmã, se temos algum saco plástico, espera um
pouquinho! – e entra na casa.
__Senhor já foi campeão de um campeonato, Papai, -- pergunta o meu filho
interrompendo a narrativa mostrando uma cara de surpresa – quando foi isso?
__ Essa é outra história filho, -- respondo – não vem ao causo, fica para outra
ocasião!
__Outra ocasião quando, -- pergunta a Juliana – amanhã?
__Vocês me lembrem amanhã, talvez eu conte pra vocês, – prometo -- a história
de hoje é outra! – continuo a narrativa.
Os cachorros havia desaparecidos, fiquei tranqüilo observando o lugar, além
das jabuticabeiras que falei mais para frente, ao fundo da casa, há uma cerca com
uma porteira, bem lá no fundo do terreno cercado onde tem um estábulo com
alguns cavalos, bem no meio deste terreno, tem uma banheira com água e um
cocho, que três vacas estão comendo capim.
Este casarão é estilo colonial, com uma varanda contornando toda a casa, com
uma cerca de ferro trabalhada, cheia de adornos, tem varias janelas do tamanho
de uma porta, com duas folhas de madeira trabalhada, onde estão esculpidas
umas flores, e os vidros jactados com areia com o mesmo desenho, um belo
trabalho que foi feito nestas janelas, a porta da sala é bem maior que o costume,
com duas folhas também, com os mesmos adornos, muito bonita esta casa, o que
deixa a paisagem mais bela, a porta abre e sai com os cachorros a sua volta,
Maria, irmã do Antônio.
__Aqui estão os sacos que tenho, -- disse me estendendo a mão direita – só
tenho dois, meu irmão disse que estão pescando lá na cachoeira, pois tome muito
cuidado, garoto, ali já morreu varias pessoas afogado, muito cuidado mesmo,
pois além das pedras, formam uns redemoinhos muito perigosos! – e volta para
dentro da casa após dar o aviso e entregar os sacos, com os cachorros atrás dos
seus passos, sem ao menos dar tempo de para eu agradecer.
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Com os sacos dentro do short, saio na maior desembalada estradinha a fora,


chego à cerca aonde passo entre os fios, vou pela trilha até o rio, vejo meus
amigos um pouco mais abaixo de onde eu os deixara, perto da curva.
Vou nadando até eles e ao aproximar-me vejo um laguinho no banco de areia,
que há na beira do barranco, pois neste rio os barrancos são altos, onde os
fazendeiros fazem umas rampas para os animais terem acesso à água, o rio tem
muita areia, nesta curva onde pescam os meus amigos, formou uma praia.
__Vocês são inteligentes, -- vou dizendo ao aproximar-me – gostei da idéia,
como encheram o buraco de água?
__Nós apenas cavamos até aparecer à água, -- responde o Careca – aprendi
com o Biluzinho a manter os peixes vivos desta forma, fazendo um laguinho
para eles!
__Pelo o que estou vendo, -- disse o Tupéte – o Pavão não conseguiu o saco
plástico, sem o saquinho para por os peixes acabou a pescaria!
__Consegui dois sacos de plástico grosso, bem resistente, esses de cinco quilos
de arroz, -- respondo retirando os sacos plásticos de dentro do short mostrando
aos dois – não será por isso que acabou a pescaria! – e vou colocando os peixes
dentro do saco - dois bagres vocês pegaram, -- estou surpreso – deve de ter
tomado uma ferroada daquelas, quem foi que pegou estes bagres?
__Quem achou a loca com os bagres foi o Tupéte, – disse o Careca – mas
ficou com medo de retirá-los, eu peguei o primeiro, e expliquei mostrado a ele
como tem de fazer e ele tirou o outro bagre da loca, sem tomar ferroada, - e
explica a técnica pegado o peixe na mão - é simples, vou te ensinar, você passa a
mão por cima da cabeça e devagar vai abaixando as nadadeiras até fechá-las em
sua mão até abraçá-lo, pois como você sabe ele tem os ferrões nas pontas das
nadadeiras, -- mostra onde fica a ponta do ferrão -- fazendo assim é só tirar ele
da loca!
__Lava bem estes sacos plásticos, Careca, pois o saco do Pavão estava bem
juntinho deles, -- disse o Tupéte fazendo troça – até agorinha ele era o único
homem no mundo com três sacos! – e quase morre de tanto rir da piada que
acabara de fazer, o Careca e eu, o acompanhamos na risada, como se ele tivesse
dito a coisa mais engraçada do mundo.
__Vamos por os peixes num dos sacos, e no outro colocamos as roupas até
enchermos este saco com os peixes, -- sugere o Careca – depois de enchê-lo
fazemos uma trouxa com a roupa, agora vamos tirar dois ou um para ver quem
começa carregando as roupas e o saco de peixes!
__Começa com o Pavão, assim aprende como se faz! – fala o Tupéte sabendo
que iria irritar-me.
__Pode ir tirando o cavalinho da chuva, -- respondo inconformado com a
sugestão-- busquei o saco plástico e já aprendi como faz para bater loca, tire par
ou impar para ver qual dos dois vai carregar as coisas, já fiz a minha parte, agora
é a vez de vocês!
Tiram o par ou impar e o Careca ganha, com o Tupéte bravo e carregando as
coisas, dou inicio a minha primeira pesca com as mãos, caminhamos rio abaixo,
o Careca em uma margem, apalpando o barranco, e vou alisando a outra
margem, a procura de um buraco para enfiar a mão, e o Tupéte caminha em cima
do barranco.
Estou ansioso para pegar o primeiro peixe, na loca que eu mesmo achei, e não
demora muito para conseguir, pois na quinta tentativa encontrei quatro cascudos,
esta loca não é muito profunda, enfio o braço pouco acima do cotovelo, perto do
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bíceps e os retiro de dentro da loca, Tupéte trás o saco para recolher os peixes
que peguei e sai d’água, volta para cima do barranco, aguardando sua vez de
bater loca.
Depois de passar uns quinzes minutos que estamos dentro d’água, o Tupéte
não agüenta mais esperar a sua vez, larga as coisas e vem bater loca no barranco
do lado do Careca.
__Você não agüentou esperar a sua vez, Tupéte! -- disse o Careca ao tirar a
cabeça fora d’água, vendo-o ao seu lado alisando o barranco.
__Fica frio Careca, pois esta tudo arrumado lá encima do barranco, deixa Eu
pescar em paz! – responde o Tupéte justificando sua impaciência.
Esta loca que o Careca encontrou é profunda, bem embaixo do barranco, quase
no leito do rio, tendo ele de mergulhar para enfiar a mão e verificar se há peixes,
e por sorte, nesta loca tem.
Ele emerge retirando um cascudo de mais ou menos quinze centímetros,
mostra para mim, pois o Tupéte estava submerso.
__Tem mais dois aqui dentro, Pavão, um deles é enorme, consegui pegar ele
pelo rabo, mas não consegui tira-lo porque ele é muito liso escapou e passou por
cima dos outros, travou as barbatanas no barranco, está difícil de tirá-lo, é bem
forte , muito gosmento, deve de ser daqueles amarelados, ser for, vai ser muito
difícil tirar, pois além de ele ser forte, estar bem no fundo do barranco esta loca,
-- explica -- olha a profundidade, -- estamos com a água batendo acima da
cintura, quase no peito, pergunta -- o que eu faço com este peixe, Pavão, devo
ou não solta-lo, pois nosso carregador está ocupado batendo loca, também! –
caçoa o Careca.
__Não solte, também peguei dois cascudos e vou levar até saquinho, --
respondo e atravesso o rio até ele para pegar o peixe – levo e volto para te
ajudar! – vou saindo para guardar os peixes, quando o Tupéte ergue sua cabeça
para fora d’água soltando um suspiro em busca de ar.
__Você é muito folgado, Tupéte, ainda não é a sua vez de bater loca, é a nossa
vez, agora você é quem carrega as roupas e os peixes! – dou-lhe uma dura, e
continuo a falar, -- o Careca achou uma loca com um cascudão gosmento, e mais
alguns cascudos menores, eu peguei mais dois, mas vou ter que por os peixes no
saco só porque você inventou de vir bater loca!
__Aproveita e leva estes três, pois dei sorte nesta loca, -- estende os peixes para
eu levar – pois tem mais um lá dentro!
__Você é uma figura, o cara mais folgado que conheço,-- respondo dando uma
bela gargalhada – sempre se aproveitando dos outros, vou levar estes peixes
também, mas depois de tirar este peixe, você vai ver se o Careca ainda precisa de
ajuda com aquele cascudo! -- pois fazia quase um minuto que ele mergulhara.
Subo o barranco, guardo os peixes e quando retorno em menos de dois
minutos, o Careca está fora d’água e não vejo o Tupéte, sinal de que o peixe não
esta fácil de tirá-lo da loca.
__Este vai dar trabalho, -- reflito -- mas garanto que não vai escapar de nós!
Sai o Tupéte, vou tentar tirar o peixe da sua casa, pois como já expliquei, além
de esconderijo para surpreender as presas, estes buracos feitos por eles, são
usados para reprodução, assim perpetuando sua espécie, então podemos chamar
de sua casa.
Esta loca é muito difícil de tirar um peixe como este e vocês vão compreender
o porquê, além de ter um metro e pouco de profundidade o rio, a loca é
profunda, mais de um metro, cabendo todo o meu braço e mais um pouco.
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Consigo ficar submerso por quase um minuto, volto à tona em busca de ar,
decepcionado e cansado, pois tenho que lutar com a correnteza, apenas consegui
pegar na ponta do rabo do peixe e não da para fazer força para tirá-lo, que luta
com muita bravura para manter-se dentro da sua casa.
__Está muito difícil, -- digo após sentir os pulmões satisfeitos, com o oxigênio
que recebera, -- a correnteza atrapalha a fazer força, está loca é profunda, quase
que não alcanço o peixe, peguei o rabo todo, fiz força por bosta e o filho da ***
não mexeu nadinha de nadinha, ele é grande mesmo Careca, o rabo do bruto
encheu minha mão, é mais liso que sabão, não dá para segurar, escapa e volta
para o fundo da loca!
__Não disse que era grande, -- disse o Careca orgulhoso por ter achado a loca
que guardava aquele bruto -- vou tirá-lo desta vez, nem que tenha de quebrar as
suas barbatanas, vocês vão ver se sai ou não sai! – mergulha para mostrar ao
peixe como ele estava determinado.
Volta à tona com as mãos vazia, diz que quebrou uma das barbatanas. Lá vai o
Tupéte, fica submerso quase um minuto, não consegue nada, não da para segurar
direito, não alcança além do rabo, esta muito difícil tira-lo.
Mergulho enfiando todo o meu braço direito, encostando o pescoço na borda
da loca, estou com quase todo o ombro dentro do buraco, desta vez consigo
segurar um pouco acima do rabo, pertinho das barbatanas, constato que uma
delas está quebrada, faço muita força e nada de tirar o peixe, mas a luta com a
correnteza e pior do que com o peixe.
__Está muito difícil ficar com o braço dentro do buraco, a correnteza não
deixa, arrasta a gente para baixo, -- reclamo da dificuldade – Careca, vou ficar
de apoio quando você mergulhar, vamos ver se melhora!
Tupéte sai sem nada falar e vai ao pasto onde há umas arvores, Careca
mergulha e fico do lado de baixo, apoiando seu corpo com as pernas, com este
apoio consegue ficar parado no lugar, sem ser arrastado pela água, mas volta de
mãos vazias.
__Quase consegui, trouxe até o meio da loca, e escapou, -- disse o Careca – foi
melhor mesmo com o apoio da sua perna, deu para enfiar um pouco mais o
braço, -- olhando ao redor pergunta -- onde está o Tupéte?
__Lá vem ele trazendo um galho enorme, -- respondo mostrando a ele o
Tupete descendo o barranco – o que será que vai fazer?
__ Você esta pensando em dar uma paulada na cabeça do peixe, Tupete! -
pergunta o Careca com sarcasmo ao nosso amigo, quando se aproxima, nós dois
caímos na risada.
__Prestem bem a atenção seus tontos, -- responde o Tupete – agora ele vai se
ferrar vou mostrar a este bosta quem sou!- e pede para que eu retire o pé e com
cuidado Ele assume o meu lugar.
Com o pé na boca da loca começa a escavar com o galho que trouxera, pois era
pontiagudo como uma faca e abre a boca da loca, quando acha que já é o
suficiente, mergulha.
Submerge por alguns segundos retornando em seguida com aquele cascudo nas
mãos, digo de passagem o maior cascudo que já vi ser pego dentro de uma loca
em toda minha vida, quando o pesamos tinha um quilo e meio.
__Aqui está o bruto, -- grita meu amigo com um brilho no rosto, todo
orgulhoso, nos mostrando o peixe que segurava com mãos erguidas como o
Beline mostrado a taça do mundo – sou fóda mesmo, não disse a vocês que Ele
não ia mais brincar comigo, eis aqui o bichão, mergulhe e retire os outros três
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que restaram na loca, Careca, pois este já vai para o saco! -- sai dando
gargalhadas tão gostosas que até da prazer em ouvir.
Careca retira os que restavam, vamos nos reunir na praia para descansar e
admirar aquela maravilha, que seguramos com todo cuidado, carinho e ficamos
babando com seu tamanho.
__ Até que você não é burro, Tupéte, - comenta o Careca - essa idéia de
desbarrancar a boca da loca foi demais!
__Aqui tem tutano, não tem bosta não! --responde Tupéte batendo a mão na
cabeça.
Ficamos deitados descansando naquela prainha e bajulamos nosso amigo por
mais de quinze minutos antes de seguir com a nossa pescaria ou caçada, não sei
te dizer bem ao certo.
Tupéte vai se vangloriando levando as nossas coisas pelo barranco, não quer
mais pescar, apenas admirar aquele Cascudo, Careca e eu dentro d’água vamos
batendo loca. Chegarmos ao cavalinho, local onde vamos terminar a pescaria
para voltarmos para casa, o Tupéte tinha voltado a pescar e sou eu que estou
carregando as nossas coisas, encontramos na margem oposta de onde temos de
sair, peço ao Tupéte para atravessar o rio com as nossas coisas, pois ele nada
muito melhor do que eu.
__Eu não vou atravessar com bosta nenhuma, - responde – só vou passar com
os sacos de peixes, senão você vai perdê-los, dana-se, a roupa é responsabilidade
sua, pois é sua vez de carregar!
Com os dois sacos que trazemos cheios de peixes até a boca ele pula na água e
sai boiando, nadando de costa com as duas mãos erguidas vai rio abaixo me
deixando para trás com a trouxa das nossas roupas, pois Careca já havia
atravessado o rio e nos esperava na outra margem.
Faço um esforço danado com as roupas, segurando apenas com uma mão entro
na água, o rio nesta parte tem mais de dois metros de profundidade, não sou bom
nadador, ainda mais com apenas um braço, para ajudar estamos algumas horas
dentro d’água e estou cansado, vou dizer a vocês que não havia atravessado nem
a metade do trajeto, quando tenho uma cãibra tão forte na perna direita que para
salvar minha vida não tenho alternativa a não ser largar todas as nossas roupas.
Vou me afogando rio abaixo até conseguir sair d’água com ajuda do Careca,
pois o Tupéte pulou na água para resgatar a trouxa das roupas que boiava rio a
baixo.
__Se eu apanhar da minha mãe porque você molhou minha roupa, juro por
Deus que perco a amizade! – ameaça enquanto torce despejando um mundaréu
d’água no capim.
__É sua culpa, implorei para passar com as nossas coisas, você não quis levar,
mesmo sabendo muito bem que eu não nado direito, muito menos com um braço
apenas, olha só o que aconteceu além de molhar tudo quase morri afogado, se
quiser perder a amizade problema seu! – repondo indignado com o que acabava
de ouvir.
Melhoro das câimbras com a massagem que o Careca faz em minha perna e
retornamos para casa com nossas roupas úmidas. Pegamos uns dez quilos de
peixes, entre cascudos, bagres e até lambaris tiramos da loca, esta foi à parte
mais fácil da nossa aventura, que foi pescar, dividir os peixes foi outra coisa,
começou a maior discussão por causa do cascudão que o Tupéte tirou da loca,
argumenta se não fosse a idéia que tivera, não o teríamos pego.
24

__Vamos limpar os peixes lá em casa e depois vamos até o bar do Rato que ele
compra todos, -- sugere o Careca solucionando a situação – assim com o
dinheiro nós dividimos e não tem briga!
Limpar os peixes lá no cortiço foi outro dilema, pois quando o Careca trouxe
as facas, despejamos os peixes no tanque de lavar roupas, já escutamos.
__Pode para com isso seus filhos da ***! -- grita D. Alice mãe do Tidão, que
sai xingando da porta de sua casa.
D. Sebastiana mãe do Zé Lemão ao ouvir os palavrões proferidos também sai à
porta para ver o que estava acontecendo.
__Vocês vão limpar toda a sujeira que fizerem, -- ordena D. Sebastiana – pois
amanhã temos de lavar roupa e não pode ficar cheirando peixes!
__Pode deixar que limparemos tudo direitinho, D Sebastiana, -- responde o
Careca – vamos deixar os tanques como encontramos, pois os peixes que
pegamos não tem escamas, são bagres, cascudos e apenas alguns lambaris, não
vamos fazer muita sujeira, a senhora pode ficar tranqüila!
__Quero ver então!- concorda D. Sebastiana, que vem vistoriar os peixes, mas
não esta nada contente pelo tom de sua voz.
O bagre é um peixe de couro e não tem escamas, o cascudo também, mas com
um couro muito mais grosso, como pegamos apenas cinco lambaris então poucas
escamas vamos tirar
__Tratem de limpar toda sujeira de dentro do tanque, lavem direitinho,pois
amanhã temos muita roupas para lavar! – retorna para sua casa.
Limpar os bagres e os lambaris é fácil, os cascudos por ter um couro muito
grosso é mais difícil, precisamos cortar a cabeça fora, fazer um corte no couro
das costas, tirando um pedaço até o rabo, e cortar umas barbatanas que tem na
barriga e descascá-lo como uma banana, tirando um tolete de carne, diga-se de
passagem, a carne mais saborosa que há entre os peixes de água doce.
Peixes limpos, os resíduos nos sacos, as carnes dentro de dois saquinhos, os
tanques muito bem limpos, pois D. Alice veio verificar se estava tudo em ordem,
vamos ao bar do Rato para ver o que conseguiremos com eles.
Ao ver a quantidade de peixes que trazemos o Rato, logo se interessa em
comprá-los, ao pesá-los deu sete quilos e meio, ele oferece doze cruzeiros, mas o
Tupéte, que é um bom negociador consegue quinze, argumentando que quinze
cruzeiros era mais fácil de dividirmos em três partes.
Vendemos os peixes e repartimos o dinheiro, vamos conversando até a esquina
onde nos despedimos, após combinarmos de nos encontrarmos no dia seguinte e
assim cada um segue para sua casa.
São seis e quinze da noite, quando chego em casa onde entro correndo e vou
para banheiro me banhar, pois na escola noturna as aulas começa as sete horas.
Encontro no meio do trajeto com minha mãe, ao me dar um beijo acaba
notando minha roupa úmida, se aproxima e passa a unha na minha pele, que
deixa um risco característico de quem havia nadado no rio, aquela marca de
barro seco, um risco amarronzado na pele, fiquei com medo, pois ela esta furiosa
e passa a mão no chinelo que esta calçada e começa a me bater.
__Você foi nadar no rio, seu filho da ***, você quer me enlouquecer, não
consigo entender porque não foi na Esportiva nadar, lá ao menos tem um salva
vidas, -- grita enquanto me bate – Eu trabalhando feito uma escrava e você, seu
filho da ***, fazendo artes, -- mais chineladas -- nada de arrumar um serviço seu
vagabundo, - e tome chineladas – só está me faltando qualquer dia destes chegar
a policia lá na porta da escola me dizendo que você morreu afogado, seu filho da
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***, -- xinga minha mãe que é servente no grupo Joaquim José, mais chineladas
eu tomo pelas costas a fora – cachorro sem vergonha, vá tomar banho, pois são
seis e meia e você não vai faltar a aula! – mais chineladas.
Sorte a minha que não falei que quase morri afogado naquele dia, senão a surra
seria com o chicote, um chicote de rabo de tatu, o qual era do meu pai e ela
mantém guardado dentro do guarda roupas e vive me ameaçando em usá-lo e a
dela que nessa época não havia conselho tutelar e a filosofia de criação dos
filhos era que pé de galinha não mata o pintinho.

Capitulo 8

A Decisão

Hoje é domingo, minha esposa e as crianças foram à missa, por causa do


horário do meu plantão, não pude acompanhá-los, esta semana estou no turno
noturno e acaba as seis horas da manhã e foi muito corrido este plantão, de tão
cansado que estou tive de deitar logo que cheguei do trabalho, coisa que não
costumo fazer, pois quando estou neste turno deixo para dormir depois do
almoço, acordo por volta das dez horas da manhã, mas não como nada, pois
atrapalharia meu almoço.
Resolvo preparar o almoço, faço macarronada, fervo o feijão e esquento o
arroz, frito uns bifes lavo a verdura para a salada, mas não tempero.Meus
familiares chegaram por volta das onze e quinze, o Guilherminho chegou todo
eufórico, tem um brilho nos olhos que da até gosto de ver, pois na terça feira
participou da peneira no time de futebol da Sociedade Esportiva Sanjoanense.
Encontrou na missa o técnico do time de futebol que comunicou a ele que
tinha sido aprovado para participar do elenco, está tão contente que da prazer em
ver, pois era o que estava esperando faz tempo, este foi o segundo teste que
participa.
__Agora também vou fazer parte de um time de futebol como o Senhor Papai,
-- diz meu filho cheio de orgulho, é perceptível em seus olhos a felicidade –
lembra de quando contou como conheceu o Careca, que o homem que o Senhor
foi pedir o saco plástico disse que foi você que marcou o gol da vitória, inclusive
ficou de contar como foi que aconteceu!
__Depois do almoço eu conto, -- respondo – me ajude arrumar a mesa para o
almoço e preparar a vitamina, que depois de comermos conto como foi este caso,
senão a comida vai esfriar, pois já faz uns quinze minutos que está pronta!
Fazemos a vitamina pomos os pratos, talheres e as panelas na mesa, a Eliza e
Juliana espera terminarmos para almoçarmos, depois da oração para agradecer a
Deus por mais um dia de vida e pela comida que vamos comer, degustamos com
o maior prazer àqueles pratos que havia preparado.
__Estava uma delicia a macarronada que você fez meu amor, -- elogia minha
esposa – acho que vou deixar você preparar todos os domingos a macarronada,
pois esta ficou ótima, conta-me o segredo dela ficar tão gostosa quase tão boa
como a que eu faço, --fala em tom de troça -- só que não gostei a bagunça que
deixou a cozinha!
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__Fala a verdade, ficou melhor que a sua, -- zombo, pois ela cozinha muito
bem – o segredo é simples, este macarrão furado eu cozinho um pouco menos,
antes de ficar no ponto retiro e coloco para terminar o cozimento no molho de
carne moída, assim o tempero penetra mais na massa, ficou muito bom mesmo, a
bagunça é para os ajudantes limpar, pois o cozinheiro apenas suja e os ajudantes
limpam! – brinco com ela.
__Se o caso é esse, também vou deixar as coisas que sujei ao fazer a comida
pra você limpar, -- responde minha esposa – quero ver se vai gostar da bagunça
que vou deixar, apesar de eu sujar menos, olha quanta coisa sujou apenas para
fazer uma macarronada!
Ajudamos limpar a cozinha e vamos para a sala assistir televisão, mal
acomodamos em nossos lugares, meu filho já havia guardado o controle remoto.
__Não quero assistir o programa do Silvio Santos, o Senhor ficou de contar
como marcou o gol da vitória do campeonato! – reclama meu filho.
__Está bem meu filho, mas prepare que é bem longa esta história, não tenho
certeza se lembro de tudo! – e começo a narrar.

Capitulo 9

A DECISÃO

Em minha cidade há um campeonato de futebol infantil do qual não é


necessário ter um campo para serem realizadas as partidas dos clubes mandantes,
pois a prefeitura tem vários campos para serem realizadas as partidas dos times
que não tem campos para serem os mandantes, reunimos a garotada e pedimos
ao Seu Geraldo Relojoeiro que formasse um time para nós podermos participar
deste campeonato.
Ele aceita o desafio e formamos o nosso time de futebol, “Jabaquara Atlético
Clube”, nome herdado do jogo de camisa usado, mas em ótimas condições, que
ganhei do meu tio Beto, um dos fundadores e a sede é no Bar que trás o nome do
time, cujo dono é o Rato Bicheiro, onde está expostos vários troféus ganhos no
decorrer dos anos, nos presenteou também calções e meias novas, assim
podemos inscrever nosso time no campeonato dente de leite, idade até quatorze
anos.
Graças ao seu Geraldo Relojoeiro que foi à liga desportiva de nossa cidade e
conseguiu registra o nosso time, temos uma vaga, estamos disputando o
campeonato do ano de mil novecentos e setenta e quatro.
Nosso time é muito pobre, como já foi dito nós não temos campo e treinamos
em um campinho de terra batida e não tem nem um pedaço de grama, aquele
próximo a minha casa.
Quando começa o campeonato nós nos saímos muito bem, ganhamos varias
partidas e conseguimos alguns empates importante com os times que são os
favoritos, vamos galgando uns degraus na tabela, passando a frente de alguns
times de renome.
Estamos bem colocados no campeonato, conseguimos chegar as oitavas de
final, bem próximo das quartas de final, pois só mais uma vitória e pronto,
vamos para as semifinais, nos resta apenas passar por mais um time.
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Conquistamos esta chance, após ganhamos a partida contra o Fluminense, três


a um dois gols do Werbinho e um do Tupéte. Estamos classificados para a
semifinal e jogaremos contra o São Lázaro, que são considerados muito
melhores que nós, um ótimo time e para aumentar as nossas preocupações ele é
dirigido por nada mais, nada menos um dos melhores técnico dessa categoria, o
João Banha, que por sinal é magro como uma vareta.
Nós somos muito inferiores e isso nos motivou muito mais que vocês podem
imaginar, jogamos com mais raça e dedicação, todos defendendo, marcando os
adversários sem dar espaço e todos atacando ao mesmo tempo, na maior união.
Assim conseguimos uma vitória inesquecível, dois a zero, os dois gols foi o
Tupéte que marcou, joguei apenas os vinte minutos finais e fiz o passe do
segundo gol, pois sou atacante e o Tupete também, com ele marcando gols em
todas as partidas, Eu ficava na reserva, jogava sempre no segundo tempo, às
vezes os quarenta e cinco minutos, às vezes menos.
Como ainda não marquei nem um gol, sinto-me frustrado, apenas me
conformando por estar participando do campeonato, mas que também joguei em
todas as partidas e fiz bons passes para meus companheiros converterem em
gols.
Conseguimos a tão esperada vitória que nos deu o direito de disputar a final do
campeonato, com os gols do Tupéte, com meu passe que ele marcou o segundo
gol.
A partida da final será no estádio da Esportiva, um clube chique da nossa
cidade, tem campo com as medidas oficiais, com noventa metros de largura por
cento e dez metros de comprimento.
Amanhã será a partida final, noite da véspera e nosso time está concentrado na
casa do Seu Geraldo Relojoeiro que aceitou ser técnico do nosso time. Estamos
ansiosos combinado jogadas, alertando aos companheiros o que sabemos dos
jogadores adversários, assim ficamos horas decidindo as estratégias.
Seu Geraldo consultando seu relógio gentilmente nos convida a retirarmos,
pois são nove horas e quinze minutos e amanhã o dia será decisivo para nós, nos
despedimos, Tupéte e eu vamos juntos para nossas casas, pois moramos
próximos e vamos conversando.
__Pavão, estou com um pressentimento que vou marcar dois gols amanhã e
nós seremos campeões, eu sinto, mas não sei o porquê, – disse o Tupéte cheio de
confiança – sabe o que vou fazer ao chegar à minha casa? Eu vou pedir para
minha mãe fazer um chá, pois estou muito ansioso, até parece que estou com
febre, sabe, com uns arrepios!
__Boa idéia essa do chá, Tupéte, -- respondo – também vou pedir para minha
mãe fazer um pouco pra mim, estes arrepios que você esta sentido deve de ser
nervosismo, tome o chá, mas de erva cidreira com folhas de maracujá, pois é
calmante pode ter certeza que você vai ficar calmo e acabara com os arrepios,
assim você estará pronto para fazer os gols para nós, também vou apanhar um
punhado de erva cidreira para o chá, lá no quintal de casa antes de entrar!
__ Boa idéia essa, pegarei erva cidreira lá na frente da casa do Nelson que tem
uma touceira enorme, as folhas de maracujá fica pra outra hora, -- comenta meu
amigo – boa noite Pavão durma sonhando com o jogo de amanhã, tchau!---
despede vai seguindo para sua casa, pois chegamos à esquina que ele tinha de
virar.
__Boa noite, Tupéte tome o chá e tenha bons sonhos também!--despeço
seguindo o meu caminho.
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Entro em casa após apanhar a erva cidreira para o chá lá no pomar da casa dos
meus avós e minha mãe esta assistindo T. V. que admirada ao ver o punhado de
erva cidreira na minha mão diz em tom de brincadeira.
__Você não precisava trazer este chá para me acalmar, meu filho, não vou
ficar nervosa, pois é você que vai ter que levantar cedo amanhã, não eu, -- disse,
em tom de brincadeira, minha mãe olhando para o relógio – são quinze para as
dez e o jogo vai ser às oito e meia da amanhã, não é?
__Vai sim Senhora, às oito e meia da manhã, nos encontraremos na casa do
Seu Carlos, pai do Zé Guido, temos de estar lá até quinze para oito, pois ele que
nos levara até a Esportiva – respondo – e esta erva cidreira que trouxe, é para
fazer um chá, não pra senhora, mas pra mim, pois estou um pouco nervoso!
__Vamos lá para a cozinha, -- responde minha mãe pegando o chumaço de
ervas e passando a mão sobre minha cabeça fazendo um carinho diz – o que um
filho pede rindo que uma mãe não faz chorando!
Conversamos sobre o desenrolar do nosso dia enquanto a água ferve, pois
quando sai para a reunião do time, ela não havia chegado do trabalho, pois tinha
ficado até mais tarde no Grupo Escolar, tomo um lanche e o chá de erva cidreira,
me despeço de minha mãe.
__A sua benção mamãe, pois vou deitar, mas estou com a sensação de que não
vou conseguir dormir, pois sinto tanta ansiedade que tenho a impressão que nem
sei contar? – comento pegando a xícara de chá fervendo entre minhas mãos.
__Deus te abençoe meu filho, -- responde minha mãe me abraçando – conheço
um truque infalível para dormir, vou te ensinar, você fecha os olhos até você ver
apenas a ponta do seu nariz, daí se concentra nele e não pense em mais nada, só
fique olhado seu nariz, é tiro e queda, menos de cinco minutos você estará
dormindo!
__Vou experimentar essa técnica que a senhora esta falando, -- respondo
dando-lhe um beijo de boa noite – a sua benção e boa noite Mamãe!
__Durma com Deus meu filho, e boa noite de sono também, -- responde minha
mãe – Deus que te abençoe, faça o que eu te ensinei, garanto que logo estará
dormindo!
Vou para meu quarto onde já estão dormindo minhas irmãs, dou um beijo em
cada, tiro a roupa e deito em minha cama, rezo agradecendo pelo dia que tive, e
termino pedindo para ganhamos o jogo, penso como deve ser difícil ser Deus,
pois nessa mesma hora deve de ter outro garoto do time adversário fazendo o
mesmo pedido, sorrio e peço que seja o meu pedido o atendido por ele, fico
experimentando o que minha ensinou, mas não da certo, como não pensar, rolo
na cama de um lado para o outro, os pensamentos povoam minha mente e nada
de dormir.
Escuto minha mãe desligar a T. V., a casa ficar em completo silêncio, escuta-
se até o estalar das madeiras que faz o assoalho. Escuto o sino da catedral dar
uma badalada, são dez e meia, calculo as horas, não consigo desligar meu
pensamento que não sai o jogo de amanhã. Imagino tudo que pode acontecer
durante a partida, relembro sobre o que conversamos na casa do Seu Geraldo, até
sonho acordado como será se acaso formos os campeões.
No fervilhar dos pensamentos, novamente ouço o badalar dos sinos, onze
badaladas marcando o relógio da catedral onze horas, os minutos passam
imperceptível e continuo a rolar na cama, e sem perceber adormeço.
Seis e meia da manhã desperto e pulo da cama e numa debandada vou para o
quartinho de despejo, que fica do lado de fora da nossa casa, no fundo do nosso
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quintal, quando passei pela cozinha feito um raio, minha mãe que esta
preparando o café pergunta o porquê daquela correria, não respondo indo rumo
ao quartinho de despejo e pego minhas chuteiras, volto radiante para cozinha.
__Graças a Deus foi só um sonho, -- vou dizendo ao entrar na cozinha –, que
Nossa Senhora do Perpétuo Socorro tenha piedade de mim, tive uma sonharada
esta noite, não consegui dormir direito, primeiro sonhei que tinha marcado um
gol e fomos campeões, depois sonhei que a Marise tinha levado um tombo e
quebrou o braço lá na casa da vovó, e agora ao acordar, sonhei que não pude
jogar porque minha chuteira estava rasgada, mas foi tão real este sonho que tive
que conferir!
__Primeiro a bênção e depois bom dia, -- disse minha mãe dando um abraço
bem forte afagado meus cabelos – sonho é apenas sonho, não quer dizer nada,
são apenas reflexo do nosso cotidiano guardado em nosso inconsciente, deixe as
chuteiras ai na cadeira e vai lavar seu rosto e escovar os dentes, enquanto isso,
Eu faço o chocolate para você meu filho!
__A sua benção mamãe, -- respondo – mas foi esse sonho foi muito real que
realmente estou precisando lavar bem o meu rosto para ver se sai esta sensação
que estou desde que acordei!
Volto do banheiro me sentido bem melhor, a mesa do café esta posta onde
sento ao lado da minha irmã, a Anelise, havia acordado assustada com o meu
despertar turbulento.
__Que horas será o jogo, Zequinha – pergunta Anelise – posso ir com a Marise
assistir vocês jogarem?
__O jogo será às oito e meia, mas nós temos de estar lá na Esportiva até oito
horas, -- respondo – é claro que vocês podem ir, vejam se conseguem convencer
a Mamãe ir também, pois vou ficar muito contente em ver vocês gritando gol lá
na arquibancada!
__Pode deixar que farei o impossível para ir, -- responde minha mãe – você
ande logo com seu café, pois já são sete e quinze e não tem que ir na casa do seu
Geraldo para encontrar seus amigos?
__Nós vamos com o pai do Zé Guido, nos encontraremos na casa dele, falei
para a senhora ontem antes de ir deitar, -- respondo – pois vamos de perua,
aquela que é como uma caminhonete!
__Cuidado para não cair da carroceria, -- aconselha minha mãe – boa sorte e
vá com Deus! -- me da um abraço acompanhado com um beijo, que retribuo e
vou ao encontro de meus amigos.
__Vamos ou não vamos arrebentar o Rosário molecada, e não vai adiantar eles
rezarem, -- comprimento quando chego à casa do Zé Guido e estão reunidos uns
dez garotos, comprimento um a um gritando -- vai ser hoje que vamos mostrar a
eles que tem o dia que é a zebra quem vai comer o leão!
__Então é hoje que nós vamos mostrar a eles que nem rezando vão ganhar! –
gritam todos respondendo em coro.
__Onde esta o Seu Geraldo, o Tupéte, o Werbinho, e os outros jogadores, --
pergunto apertando a mão dos que ali estão – esta faltando gente por bosta!
__Seu Geraldo, o Lecrinho, o Leone, o Levi e o Joãozinho, já foram
--responde o Zé Lemão – ainda não chegou o Tupete e o Werbinho!
__Vou chamar o Tupete e você Zé Lemão, vai chamar o Werbinho, veja se ele
anda logo– saio resmungando –, o que eles estão pensando, vá à puta que ***,
logo os dois melhores jogadores nosso que resolvem atrasar, justo hoje, Tupéte,
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não acredito como este cara é folgado, só faltava ele estar dormindo até agora! --
vou correndo em menos de cinco minutos estou na porta da casa dele.
__Tupéte, o Tupéte, -- grito entre as palmas – o Tupéte!
__Entre Zé, -- disse D. Conceição abrindo a porta – já vou te avisando que o
Celcinho não vai poder jogar bola hoje, pois teve um febrão daqueles a noite
inteira, dei remédio e somente melhorou agora cedo, mas não deixarei ir ao jogo
de hoje, Ele ainda não esta curado, você pode ir lá ao quarto, pois deve de ter
acordado com a sua gritaria! -- responde narrando a noite do meu amigo.
Entro no quarto e meu amigo esta deitado com cara de doente, de dar dó.
__Que houve contigo Tupéte, pelo visto já estava com febre ontem à noite,
lembra que reclamou dos arrepios? – relembro do comentário que fizera ao
despedirmos na noite anterior.
__Ontem quando cheguei em casa, a primeira coisa que fiz foi pedir para
minha mãe fazer o chá, -- responde o Tupéte – tomei e fui dormir, acordei lá
pelas duas horas da madrugada com uma febre daquelas, tremia tanto que não
conseguia controlar, até acordei minha mãe de tão mal que estava, ela me deu
uns remédios e estou melhor, mas não quer deixar ir ao jogo! – explica como
fora sua noite.
__Nós estamos ferrados, pois sem você vai ser mais difícil ganhar a partida,
pra dizer a verdade, impossível, --comento em tom de brincadeira-- mas fazer o
que, não é por causa da morte de um soldado que a guerra acaba, tem um lado
bom nisso, talvez agora Eu possa ser o titular do nosso time, -- e satirizo a
situação -- podem ficar tranqüilo que quando terminar o jogo venho contar como
foi e o resultado, melhoras e até mais tarde!
__Boa sorte para vocês, sabe que não sentirão a minha falta, tenho certeza que
seremos os campeões, volte depois do jogo para contar como foi, boa sorte! –
despede-se.
Despeço da D. Conceição e saio na maior correria, pois ao passar pala sala
tinha visto as horas e são quase quinze para oito, temos que estar o estádio até
oito horas. Ao virar a esquina para casa do Zé Guido, vejo que todos os garotos
estão na carroceria da perua esperando que virássemos a outra esquina, pois só
nós que faltávamos, quando os meus amigos notaram que vinha só, começou a
maior gritaria.
__Onde esta o Tupéte, -- perguntam todos quase ao mesmo tempo – o que
aconteceu com ele?
__Ele teve o maior febrão esta noite, acho que está resfriado, -- respondo
subindo na carroceria – melhorou agora de ao amanhecer, mas a mãe dele não
quer deixá-lo ir jogar!
__Nossa, que falta de sorte a nossa, -- disse Seu Carlos que esta nos
aguardando do lado de fora da caminhonete com a porta aberta e comenta –
justamente o Tupéte foi ficar doente, nosso melhor jogador, -- conformado
continua a filosofar -- mas fazer o que, suba ai na carroceria Pavão, pois estamos
em cima da hora, logo saberemos se fará falta ou não!
Levou quase cinco minutos esse bafafá todo, estou me acomodando na
carroceria quando o Zé Lemão começa a gritar.
__Para Seu Carlos, para, olha só quem vem vindo lá embaixo, é o Tupéte esta
virando a esquina, para, para!
Seu Carlos da uma freada brusca, engata a ré e diminui a distancia que o
Tupéte tem de percorrer, ele sobe na carroceria e é crivado de perguntas sobre
sua saúde.
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__Eu estou melhor, mas sai de casa escondido da minha mãe, -- responde
justificando como conseguiu sair da sua casa – somente fiz essa loucura porque
me lembrou o Pavão, se acaso Eu não estivesse em campo, seria Ele o titular, já
pensaram o desastre que será com Ele como meu substituto! – me humilha com
a brincadeira – não que Ele seja mau jogador, apenas sou melhor em driblar, Ele
cruza e chuta mais forte que Eu! – concerta a gafe que cometera e senta ao meu
lado após dar uma gostosa gargalhada.
Fomos fazendo maior algazarra até chegarmos à Esportiva, Seu Carlos entra
com a perua até as proximidades do Seu Geraldo que nos aguarda na portaria do
clube e nos levou para conhecer a sala de troféus da Esportiva, aproveita e conta
um pouco da História do Clube, da grandeza que um dia fora e dos craques que
por ali passara, explica o porque das dimensões do campo que em breve
jogaríamos.
Dentro do vestiário começamos com os exercícios de aquecimentos, fazemos
uns alongamentos, abdominais e corremos em círculos para aquecer os
músculos.Seu Geraldo pega o saco de camisas de onde ele enfia a mão e retira
uma camisa, olha o numero e entrega ao jogador, a de goleiro, para o Careca, a
numero dois, para o Roberto Capotão, irmão do Zé Lemão, a numero três, para o
Lindóia, a numero quatro, para o Vagão, a numero cinco, para o Zé Lemão, a
numero seis, para o Lécrinho, a numero sete, para o Zé Guido, a numero oito,
para o Werbinho, a numero nove, para o Tupéte, a numero dez, para o Luquinha,
a numero onze, para o Levi, eu recebi a camisa numero quinze, para variar, mais
uma vez eu não começo jogando, mas tudo bem, temos de respeitar a escolha
tática e técnica, já estou conformado.
Seu Geraldo faz uma preleção muito eloqüente, ficamos inflamados, mais
unidos saímos do vestiário, entramos em campo de mãos dadas, vamos juntos
até o gol que fica próximo ao nosso vestiário e ficamos batendo bola para manter
os músculos aquecidos até o juiz chamar os capitães para tirar cara ou coroa, nós
os reservas sentamos no banco com o Seu Geraldo e Seu Carlos que fica como
nosso massagista para esta partida.
Antes de dar o inicio na partida o juiz reuniu todos os jogadores no centro do
campo e fez aquele discurso, dizia que não iria tolerar jogadas desleais, que não
iria aceitar cera nem dos goleiros e nem dos outros jogadores, palestrou por
quase dois minutos, para depois soprar o apito para iniciar a partida.
Quem ganhou no cara ou coroa foi o Lecrinho, nosso capitão, escolheu o gol
que tínhamos feito o aquecimento, o chute inicial, deles, o apito soou estridente
e a bola começa a rolar, o meia esquerda domina a bola e toca para o ponta
esquerda que dribla o Zé Lemão e chuta com força mandando a bola para nossa
área onde o Lindóia corta com elegância e cruza a bola pra o Werbinho, que
domina com classe e lança para o Luqinha, que levanta a bola até as
proximidades da área e cruza para o Tupéte, que cabeceia forte, mas o goleiro
espalma para escanteio.
O escanteio é cobrado a zaga corta e cria um contra ataque que quase acaba em
gol, somente não acontecendo graças a defesa milagrosa que o Careca faz, assim
a partida vai se desenrolando, entre laterais, escanteios, faltas e passes errados.
Quando num contra ataque o Tupéte saindo numa arrancada espetacular e dribla
dois adversários ficando com o caminho livre para ir até o gol, o zagueiro central
da uma entrada desleal, um carrinho por trás, que o juiz marca falta e aplica o
cartão amarelo ao jogador.
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Onde foi marcada a falta não tem nem dois metros da grande área e um pouco
para a direita, ideal para um cobrador canhoto, e nós temos o Luquinha que é
canhoto e excelente cobrador de faltas, o cronometro marca trinta minutos de
jogo, nós no banco de reservas estamos ansiosos, sabemos que daquele lugar era
meio gol, Luquinha ajeita a bola com carinho, o juiz conta os nove passos da
bola, o goleiro arruma a barreira, os jogadores que estão dentro da grande área se
acotovelam, é aquele empurra-empurra, juiz soa o apito, o Luquinha corre e bate
na bola com uma precisão matemática, a bola foi no ângulo, bem no ninho da
coruja, como se diz na gíria futebolística, fazendo um golaço, uma verdadeira
pintura, estamos na frente, um a zero, no campo eles fazem aquela festa e nós
aqui no banco de reservas comemoramos também, olho para a arquibancada vejo
como festeja minha família, estão vibrantes.
Bola no centro do campo e a saída novamente é deles, o apito do juiz soa e
recomeça tudo outra vez, o meia toca para o lateral que toca para o ponta que
toca para o meia, quando o Roberto Capotão o lateral direito da o combate,
ganha e põe para lateral, que é cobrado e logo acontece um contra ataque que
termina nas mãos do goleiro.
Na jogada subseqüente o Zé Lemão intercepta a bola e lança rapidamente o
Tupéte, que livra do lateral que o marcava, partindo em direção do gol, o mesmo
zagueiro central que havia tomado o cartão amarelo, da novamente uma entrada
tão violenta que nós do banco de reserva ouvimos o grito de dor do Tupéte, o
juiz arranca o cartão vermelho e expulsa o jogador, o Tupéte é tirado de campo
de maca.
Seu Carlos examina e faz sinal de que ele não tem condição de continuar em
campo, Seu Geraldo manda que Eu assine a sumula, que rapidamente assino, me
benzo e entro em campo. Estou radiante, pela primeira vez entro antes do
intervalo da partida, nem me preocupo com o Tupéte, pois estamos acostumados
com estas entradas violentas e penso que não foi nada sério, corro para a área,
pois o Luquinha vai cobrar a falta.
Ele bate na bola com precisão, ela encobre a barreira e vai bem no cantinho do
gol, perto da trave, o goleiro salta e consegue rebater a bola, e vocês não vão
acreditar o rumo que ela tomou, isso mesmo, ela veio para o meu lado, a meia
altura, uns cinqüenta centímetros do chão, acerto um chute sem pulo, de virada,
uma bomba que foi passar bem acima do goleiro que esta caindo para o lado
direito, gol, o juiz apita e o bandeirinha corre para o centro do campo.
Saio correndo rumo ao banco de reserva para cumprimentar Seu Geraldo, dou
saltos seguidos de um murro no ar, imitando o Rivelino, camisa dez do time do
meu coração, “Corinthians’”, no meio do caminho sou agarrado por meus
companheiros que me derrubam no chão, fazem uma montanha humana deitando
uns sobre os outros, sufocando-me e espremendo na grama, nos levantamos e
consegui finalmente ir até o banco de reservas dar abraços em Seu Geraldo e
meus companheiros que lá estão.
Bola esta no circulo central e pela terceira vez eles dão a saída, esta dois a
zero, bola pra Lá, bola pra cá nós queremos apenas que o juiz apite o final do
primeiro tempo, quarenta e cinco minutos, o árbitro encerra, não da nem um
minuto de acréscimo e termina a partida aos quarenta e cinco minutos exatos.
Vamos para o vestiário e quase não me agüento dentro de mim, estou
explodindo de tanta felicidade, estamos ganhando por dois à zero, e ainda por
cima eu marquei um dos gols, meu primeiro chute na bola e marco meu primeiro
gol no campeonato.
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Entramos no vestiário e estamos eufóricos, gritamos, pulamos, empurramos


uns contra o outro, fazendo a maior algazarra, foi quando Seu Geraldo da um
grito em pleno pulmão nos pedindo silêncio, que calamos de prontidão.
__ Como vocês podem perceber, não estão aqui nem o Tupéte e nem o Seu
Carlos, Eles foram para o hospital, Tupéte foi levado com a suspeita de ter
fraturado a perna naquela jogada! –conta sem rodeios o ocorrido.
Ficamos boquiabertos com aquela noticia, não esperávamos que fosse tão séria
a pancada que ele tomou, formou aquele zum zum zum, todos falando em voz
baixa ao mesmo tempo, cada um falando com o companheiro ao lado, estamos
indignado com o acontecimento.
__Escutem todos com muita atenção, quero dizer algo muito importante para
vocês, -- esbraveja Seu Geraldo nos chamando a atenção -- sei que estão
revoltados com o que acontecimento, sei o que estão pensando em revidar, mas
tenho que dizer uma coisa a vocês, -- modera o tom de sua voz nessa hora e
continua a preleção -- não devemos fazer nada que seja desleal, vamos continuar
jogando da mesma forma, com a mesma dedicação que jogaram até agora, -- e
par nos incentivar põe um pouco de ênfase no tom da sua voz -- digo mais,
temos que nos dedicar com afinco para levarmos para o Tupéte a sua medalha de
campeão, pois Ele deu o sangue para o nosso time, no sentido da palavra, --
disse Seu Geraldo percebendo que os ânimos estava esquentando entre os
jogadores – vamos lembrar que ele esta sob suspeita, não sabemos se quebrou
mesmo, dêem as mãos e vamos formar um circulo e rezar um Pai Nosso para
que corra tudo bem com o nosso amigo!
Formamos o circulo, mãos dadas, rezamos, após rezarmos Seu Geraldo
coordena os execicios para reaquecemos os nossos músculos, pois relaxamos
com o estresse que acabamos de passar, tomamos um pouco d’água e voltamos
para o campo entristecidos, estamos cabisbaixos, não sei se estou conseguindo
transmitir a vocês bem o choque que sofremos em nosso estado de espírito,
estamos eufóricos por estar ganhando por dois a zero, e extremamente triste pelo
acontecimento com nosso amigo, de mãos dadas novamente nós entramos em
campo, vamos todos ao circulo central, inclusive Seu Geraldo onde rezamos
mais uma vez.
__Espero que vocês tenham entendido o recado que dei a todos no vestiário, --
disse Seu Geraldo – a maior vingança nossa agora, é ganharmos esta partida e
levar a medalha de campeão para o Tupéte, agora é com vocês rapazes, --
virando para os reservas -- vamos para o banco fazer a nossa parte!
Bola no centro do campo, jogadores de um lado, jogadores do outro, o arbitro
olha para os bandeirinhas que informa que esta tudo certo, acerta o relógio, põe
o apito na boca que solta aquele grito estridente autorizando inicio a partida. Nós
que damos o pontapé inicial, começamos, bola pra cá bola pra lá e falta, bola pra
cá bola pra lá, lateral, sei dizer que a partida esta pegando fogo, são tantas faltas
cometidas com entradas mais fortes, que, com quinze minutos de jogo o arbitro
aplicou três cartões amarelo para nosso time, sendo para o Lecrinho, Zé Lemão e
o Zé Guido, e mais dois cartões a eles.
Eles estão com dez jogadores, mas estão determinados a dar a volta por cima,
atacam desesperadamente em busca de fazer o primeiro gol, num destes ataques
sofrem falta bem próxima a área, o arbitro conta os passos tradicionais, o Careca
ajeita a barreira protegendo o seu canto esquerdo, estou no meio da barreira com
mais cinco jogadores.
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Careca protege o canto oposto do gol, aquele empurra- empurra dentro da área,
soa o apito do arbitro autorizando a cobrança, o numero dez deles é quem bate a
falta, cobrou tão bem que o Careca nem viu a cor da bola, que passou por cima
do Lecrinho que é o segundo homem da barreira e entrou bem no cantinho da
forquilha, exatamente no ângulo, gol, um golaço, o gol do Luquinha foi bonito,
mas este foi mais, dois a um no placar.
Recomeçamos o jogo, Werbinho toca para o Zé Lemão que toca para o Leone
lá na ponta direita que mata a bola no peito e dribla o lateral que entrou feito
louco tomando o famoso drible da vaca, aquele que você toca a bola de lado e
outro passa com tudo, você da um pulinho para o lado e retoma a bola
novamente, da um toque na frente e lança a bola para a área onde estou, entro na
frente do zagueiro e acerto uma cabeçada que o goleiro faz milagre espalmando
a bola para escanteio, escanteio cobrado que eles intercepta o passe e começa o
contra ataque.
Nós esquecemos de que não precisamos descer todos ao mesmo tempo para o
ataque, pois estamos na frente no placar e temos um jogador a mais, Eles
aproveitando a roubada de bola, descem dois contra dois, fazem uma boa tabela
chegando sozinho o centro avante contra o Careca que sai do gol para diminuir o
ângulo para o adversário, mas nada adiantou, mais um gol, eles conseguem
empatar a partida, mesmo estando com um a menos, dois a dois no placar.
Olho para o banco vejo Seu Geraldo gesticulando feito um louco e gritando
com Zé Lemão por ter descido para o ataque.Bola esta na marca central e temos
que dar a saída pela terceira vez, recomeçamos a jogar, o cronometro do arbitro
marca trinta minutos, Seu Geraldo como todos os técnicos, trinta minutos é
momento de fazer as substituições, tira o Levi que esta cansado, pois correu
muito durante a partida, entra o Tidão que é atacante, tira o Lecrinho que tem
cartão amarelo e começou a estranhar-se com o meia esquerda adversário, que
ao sair passa a faixa de capitão para o Zé Lemão,n no seu lugar entrou o Zé
Olavo, meu primo, que joga no meio de campo.
Trinta e cinco minutos jogados sofremos um contra ataque mortal, somente
não fizeram o gol porque o Lindóia faz pênalti, ganhou o cartão amarelo, todos
reclamam com o arbitro que não da conhecimento ao que falamos, vai até a
marca do pênalti, colocando a bola na cal.
Vou até o Careca que esta no centro do gol, falo no seu ouvido onde o
cobrador iria bater, no canto direito a meia altura, sou convidado pelo juiz a ir
para meu lugar fora da área. Quem vai cobrar o pênalti é o mesmo que cobrou
aquela bela falta, o camisa dez, ajeita a bola ao seu gosto, da uns passos para
trás, e corre para bater na bola.
Careca no meio do gol esta concentrado, nem pisca os olhos, ainda bem que o
Careca não me escutou, pois o cobrador não bateu como havia previsto, no canto
direito, e sim no canto esquerdo, a meia altura, ele salta, agarra a bola de uma
forma que vocês tinham de ter visto, encaixou direitinho em seu peito, segurou
como fosse o maior premio do mundo, corremos até ele abraçando-o
comemorando sua defesa.
Esta pegando fogo a partida, não tem bola perdida nem corpo mole, todas as
bolas são divididas como se decidisse o campeonato, e estava mesmo, Seu
Geraldo usa a ultima substituição que tem direito e saca o Roberto da lateral
direita e entra o, Fram, mais um atacante.
Quando o seu Geraldo colocou o Zé Olavo, meu primo que joga como meia
direita ofensivo, deu uma mexida na estratégia, o Zé Lemão, que é volante, vai
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para lateral o Werbinho para a meia esquerda que avança mais se aproximando
do Luquinha, e com o Zé Olavo na meia direita, acertando com essas mexidas
acertado nosso time no meio de campo onde passamos a dominar o jogo.
Passado quarenta minutos do jogo, a mexida feita pelo Seu Geraldo surtiu
efeito desejado, dominamos o meio de campo e atacamos pelas laterais, num
desses ataques o Zé Olavo dribla o adversário, chega à linha de fundo, consegue
lançar dentro da área, perto da marca do pênalti, dou um passo a frente do
zagueiro e acerto uma cabeçada tão forte que o goleiro não se mexeu, nem deu
tempo, a bola foi bem no contra pé dele. Gol, mais um gol, estamos na frente
novamente, e por mais incrível que pareça, eu marquei o gol, grito, pulo, salto
dando socos ao ar, repetindo a comemoração do primeiro gol.
Sou novamente soterrado pelos meus companheiros que caem como uma
avalanche sobre mim na comemoração.
Bola esta na marca central e o arbitro apita chamando-nos para nosso campo,
pela quarta vez eles dão o reinicio do jogo, mas nós queremos o termino da
partida, o arbitro avisa que vai acrescentar mais três minutos devido às
paralisações que ocorreram.Vocês não vão acreditar, estes foram os três minutos
mais longos da minha vida, eles tiveram mais uma chance de fazer o gol, mas
não fizeram e foi graças à boa atuação do Careca.
Quando o arbitro apitou o final da partida, começamos a pular de alegria, nos
abraçamos dando os parabéns, os jogadores que estavam no banco, antes mesmo
do apito final já comemoravam, juntaram-se a nós e fazemos aquela festa.
Seu Geraldo vai para o cento do campo e gesticula chamando, somente depois
da chegada do último jogador ele começa a falar. Pede um minuto da nossa
atenção e propõe que ajoelhássemos e de mãos dadas rezássemos em
agradecimento há nossa conquista, formamos um circulo bem no centro do
campo, começamos a orar e no final da reza, fazemos a intenção da oração ao
Tupéte lá no hospital, quando preparávamos para dar a volta olímpica, que dizer
a tradicional volta em torno do campo, somos chamados para receber o troféu e
as medalhas.
Na entrada do vestiário principal tem uns degraus, onde os funcionários da
Liga Esportiva de nossa cidade trouxeram uma mesa e ali colocaram as
medalhas e troféus a serem entregues.
Forma-se uma fila onde era entregue uma medalha cada jogador pelo membro
da mesa, os atletas subiam os degraus para tirar uma fotografia individual com
os dirigentes da Liga, primeiro foram eles, os segundos colocados, não estavam
nada contentes com o resultado tem uma expressão de decepcionados, pois eram
os favoritos.
Formando as fileiras fazem posse para a foto, como há quatro degraus se
dividiram desta forma, entre reservas, técnico, massagistas são mais ou menos
vinte pessoas, sete no primeiro degrau, sete no segundo, seis no terceiro e por
ultimo a comitiva da liga.
Enquanto eles tiram a foto todos desanimados, nós estamos na maior festa,
continuamos nos abraçamos, fazendo a maior estripulia que se pode imaginar.
Sessão de foto tirada eles saem e é a nossa vez de sermos omenageados.
Nós formamos a fila para receber o cobiçado troféu que seria o primeiro em
nossa sede, l´na casa do Seu Geraldo, e a nossa prova pessoal desta conquista,
que é a medalha.
Careca foi primeiro a receber a sua medalha, pois fomos chamados na ordem
numérica cada um recebeu a sua, o Lecrinho por ser o capitão foi o ultimo a
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receber sua medalha, pois é a ele que é entregue o troféu, é nosso o de campeão,
organizar as fileiras para fotografar foi uma tarefa árdua, pois brincávamos a
todo momento, não parávamos quietos nenhum instante.
Depois de muito esforço do seu Geraldo, formaram-se as fileiras, depois das
fotos que tiramos com o troféu, foi tiradas mais uma com cada um de nós
segurando individualmente a taça de campeão, após essa celebração nós levamos
o troféu para dar a tão sonhada e merecida volta olímpica.
Após a volta no campo vamos ao vestiário, vocês devem imaginar como foi o
clima dentro do nosso vestiário, enquanto uns se molha embaixo do chuveiro,
frio por sinal, outros se ensaboam, cantamos em coro uma musica que esta em
moda no momento.
Estamos trocados, mas continuamos fazendo a maior algazarra, não paramos
de gritar que somos os campeões, finalmente o Seu Geraldo entre berros
consegue a nossa atenção.
__Rapazes, agora posso chamá-los de rapazes, pois hoje agiram como homens,
vocês aprenderam uma das lições mais importante para o resto da vida de vocês,
sabem o que é,-- pergunta encarado um a um que nada respondemos – creio que
não sabem, mas vou dizer-lhes, é o espírito de companheirismo, ato de
compartilhar algo com alguém, vocês tiveram muita determinação, raça e garra,
estou muito orgulhoso de todos, mais orgulhoso ainda, pela atitude que tiveram
no segundo tempo, mesmo estando revoltados com o que aconteceu com o
Tupéte, mantiveram a cabeça no lugar, jogaram com lealdade e dedicação, tudo
isso graças a este espírito guerreiro, onde nós, um time de fundo de quintal, que
não tem nem onde treinar, considerados a zebra! -- interrompe por uns segundos
para restabelecer da forte emoção que dividia conosco, após de respirar profundo
por varias vezes recomeça o seu discurso.
__Quando chegamos as oitava, ninguém acreditava em nós, na semifinal, nem
se fale, ainda mais contra o São Lazaro, um time tradicional e dirigido nada
menos por um dos melhores técnicos, o João Banha, acharam que nós não
teríamos a menor chance e que seriamos massacrados, mas graças ao espírito de
companheirismo que vocês mantiveram, passamos por eles! – continua a falar
dirigindo direto, falando cara a cara.
__Compreenderam que durante a partida jogam-se apenas onze atletas, por
isso quem estava no banco de reserva sabia que fazem parte do time, ao entrar
sempre correspondeu ao esperado, quem era substituído nunca ficou emburrado,
pois sabia que era para o bem da nossa equipe, e quem entrou na maioria das
vezes fazia mais do que era esperado, -- falando direto para mim – você poderia
ser o titular, Pavão, mas o esquema que adotei não dava para jogar o Tupéte e
você, os que foram substituídos, sabiam que era para o bem coletivo e não
pessoal, contra o Rosário, nós não tínhamos nenhuma chance, era a opinião de
todos, chegaram a me falar que perderíamos no mínimo com três gols de
vantagem para eles! – depois de mais uma parada para recuperar das emoções
respira mais umas vezes e continua o discurso.
__O resultado vocês acabaram de escrever, três a dois para nós, onde todos
vocês foram os heróis, estamos tristes pelo acontecimento com o Tupéte, mas
agora nós vamos ao hospital levar a medalha do Tupéte e mostrar-lhe o troféu
que todos conquistaram, pois o Seu Carlos esta esperando por nós, lá no
estacionamento, vamos saber qual é o resultado das radiografias, pois estou
muito preocupado com ele!
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Estamos a caminho do estacionamento gritando a pleno pulmão que éramos os


“CAMPEÕES”, ao nos ver Seu Carlos soa a buzina em recebimento do time,
vamos para a carroceria, a buzina soando, nós batucando na lateral da carroceria,
gritamos, “CAMPEÕES, NÓS SOMOS OS CAMPEÕES”, o carro acelera rumo
ao hospital e nós fazemos a maior baderna, cantamos, brincamos com os
pedestres que encontramos pelo caminho.
__Sabem por que ganhamos, foi porque debulhamos o Rosário! – grita pela
primeira vezes o Zé Lemão que em coro acompanhamos e gritamos a uns
jogadores do Rosário que encontramos ao passar pela praça José Pires.
Divertimos bastante fazendo o maior burburiu durante o trajeto, que é longo,
pois atravessamos a cidade de um lado ao outro, exatamente quinze minutos
durou o percurso. Seu Carlos estaciona a perua em frente o hospital perto do bar
do Seu Chico, desce o Seu Geraldo e vai até o bar onde pede autorização para
ficar ali estacionado o carro, é autorizado, volta e avisa Seu Carlos que desce.
__Por favor, façam o maior silencio possível, pois estamos em frente ao
hospital e temos de respeitar os que se encontram doente, -- disse Seu Geraldo –
Seu Carlos e eu vamos entrar e ver qual é a situação do Tupéte, por favor, vocês
respeitem o lugar e não façam barulho, sem gritaria pelo amor de Deus,
voltaremos logo!
Nem quinze minutos foi o que tivemos de esperar para voltarem com o Tupéte
apoiado em duas muletas e com a perna esquerda engessada até o joelho,
esquecemos o que havíamos prometido e começamos a gritar “ CAMPEÃO,
SOMOS CAMPEÃO, TUPÉTE, NÓS SOMOS OS CAMPEÕES”, e logo
paramos devido a forma que Seu Geraldo gesticulava pedindo silêncio.
Meu amigo quis ir conosco na carroceria, dispensando um lugar na cabine,
arrumo um lugar pra ele entre o Careca e eu, não dão nem tempo de ele sentar e
forma aquele alvoroço afogando meu amigo de perguntas.Tupéte responde com
monossílabos, esquecemos que ele também tinha um montão de perguntas para
fazer.
Durante o percurso de retorno para casa, encontramos com alguns garotos que
nos reconheceram e gritam que somos os campeões, continuamos com o coral e
pelas ruas centrais de nossa cidade desfilamos batucando na lateral da Perua
Comb.
Tupéte pergunta como transcorreu a partida após seu incidente, quem marcou
os gols, respondemos todas as suas perguntas. Careca conta como que eu
marquei o segundo gol, assim que o substitui, no primeiro chute que eu dei na
bola.
__Deve de ter sido uma cagada do outro mundo o Pavão acertar este voleio! -
comenta o Tupéte em tom de troça.
Contamos tudo sobre o segundo tempo, do empate que conseguiram, falei da
defasa do pênalti que o Careca fez e que poderia ter mudado o percurso da
estória.
__Não acredito que o Careca conseguiu pegar um pênalti! -- comenta fazendo
cara de abismado o Tupéte.
Careca contou como realizou a defesa e contou tudo sobre segundo gol que fiz,
desde do drible e o passe de longa distância que o Zé Olavo fez , da cabeçada
certeira que consegui acertar no cantinho do gol, bem no pé da trave.
__Outra cagada enorme, -- continua a soar comigo – não fez nenhum gol
durante o campeonato inteiro, resolve marcar na última partida, ainda mais me
substituindo o que não acredito, olha só como os milagres acontecem, quem
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diria dois gols!- me despenteia passando a mão no meu cabelo, lhe abraço e
damos uma gargalhada.
O tempo passou imperceptível, pois não deu nem tempo para falar da entrega
das medalhas muito menos mostrar-lhe o troféu que o Lecrinho não solta por
nada é quando vimos estávamos na porta do bar do Rato
__ Desça molecada, agora vamos comemorar a nossa vitória, -- disse Seu
Geraldo – o Rato prometeu se fossemos os campeões ele daria uma caixa de
guaraná para nós, descem daí e vamos tomar esse guaraná, pois todos nós
merecemos!
Começa a maior gritaria de alegria, o convite foi uma surpresa, e saltamos a
grade da carroceria rumo ao bar, eu ajudo meu amigo que desce com dificuldade
tentando apoiar nas muletas que mal consegue conduzir, dentro do bar, o Rato
abre as garrafas de guaraná à vontade, cada um pegava a sua garrafa e abria
espaço para o próximo pudesse pegar a que era destinada, todos estão servidos
quando Seu Geraldo retorna da perua com o troféu e pede silencio.
__Não sou muito de fazer discursos, mas hoje vou abrir uma exceção, como
sou um homem de poucas palavras então vou direto ao assunto, vocês estiveram
durante este campeonato, comprometidos a fazer mais do que o máximo, deram
tudo de si para o bem coletivo, mostraram muita garra, determinação, e o mais
importante de tudo, espírito de coletividade, dedicação, foi assim que
conseguimos chegar ao objetivo final que foi o titulo de Campeão,-- e mostra
orgulhoso o troféu que recebemos, chama o Lecrinho e entrega novamente o
troféu dizendo – tome esta taça, Lecrinho, dou a honra a você de passar a taça
aos nossos jogadores, pois ela pertence a vocês, graças a esta força e união que
mostramos durante todo o campeonato, nós, um time que ninguém dava nada,
fomos ganhando as partidas, umas de virada, outras soubemos manter a
vantagem no placar, conseguimos empates importantes, assim nós
transformamos da zebra, nos campeões, agora que somos os “CAMPEÕES”,
vamos dar um abraço no colega mais próximo e vamos gritar CAMPEÃO!
__CAMPEÃO, NÓS SOMOS OS CAMPEÕES, -- cada um esta abraçando o
colega ao seu lado, eu e o Tupéte estamos próximos, nos abraçamos gritando
com coro – CAMPEÃO É CAMPEÃO, SOMOS OS MAIS NOVOS
CAMPEÕES!
__Agora é a vez de o Tupéte receber a suas medalhas, -- disse Seu Geraldo
gesticulando com as mãos pedindo silencio -- dou esta honra ao Pavão, que
marcou dois gols nesta vitória maravilhosa, de entregar as medalhas ao nosso
jogador que além de campeão foi o artilheiro do campeonato marcando quinze
gols, os quais nos levaram a sermos os ganhadores deste titulo!
Seu Geraldo me da às duas medalhas que coloco no pescoço do meu amigo e
comprimento com um aperto de mão, saio e o Lécrinho entrega o troféu, que ele
segura sobre a cabeça, igual à foto do Beline segurando a taça da Copa da
Mundo de mil novecentos e cinqüenta e oito, que vimos na sala de troféus da
Esportiva, pois ele jogou no clube, e antes da partida o Tupéte havia dito que
faria igual e o Rato com uma maquina de fotografar que revela na hora registra o
momento e lhe entrega as fotos que depois de beijar guarda no bolso.
Acabou depois de uma hora a festa e cada um segue seu caminho, pra variar o
Tupéte e eu vamos juntos em silêncio, eu caminhando ele saltitando apoiado nas
muletas, estou orgulhoso, cheio de mim, Tupéte estranhando meu silencio e
vendo que estou todo todo,me encara.
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__Olha só o Pavão, ele esta tão cheio de si que até faz jus ao apelido que lhe
dei, -- diz meu amigo tirando um sarro de mim tentando equilibrar nas muletas --
mas lembro-te que não teria entrado se acaso Eu não tivesse machucado!
__Juro por Deus que não queria que fosse desta forma o jeito de Eu jogar, --
respondo – ainda mais com você machucando, principalmente pelas
conseqüência e dessa forma que machucou, quebrando a perna!
__Para sorte nossa você fez bem a minha parte, -- disse meu amigo – honrou o
meu lugar, venha e me da mais um abraço, pois Você merece, é mais que um
amigo é como um irmão! – e nos abraçamos.
__Tupéte você tinha de ter visto os gols que marquei, foram dois golaços, um
o goleiro rebateu e acertei um chute de sem pulo, uma bomba que o goleiro nem
viu a cor da bola, - gesticulo com as mãos representando o chute --o segundo
gol, o Zé Olavo dribla um jogador e vai até a linha de fundo cruza bem na minha
cabeça, acertei uma cabeçada tão forte que pareceu um chute, bem no pé da
trave, o goleiro não se mexeu, um golaço!
__Lorota sua Pavão, o de sem pulo foi sem querer, -- responde meu amigo
tirando sarro da minha cara – e a cabeçada, essa sim foi uma tremenda cagada,
aquele goleiro é dos frangueiros, se eu jogasse a partida toda teria marcado uns
três gols no mínimo! – e da uma gargalhada generosa.
__Tupéte vamos falar sério agora, -- falo preocupado – o que será que a sua
mãe vai fazer ao ver você chegando de muletas, com este pé engessado, tenho
certeza de ela vai ficar uma fera, o pior de tudo não é isso, não quero estar na sua
pele quando seu pai chegar de viagem e contarem que você fugiu para ir ao jogo
e ainda por cima quebrou a perna, estou com pena de você, saiba que você está
ferrado!
__Esquenta a cabeça não Pavão, -- reponde meu amigo mostrando-se bem
tranqüilo apesar da gravidade – o que posso fazer agora, não adianta chorar pelo
leite derramado, esta quebrado e engessado, tenho de esperar sarar, e com meu
Pai Eu me viro depois, vou ter de enfrentar é a minha Mãe agora, é com ela que
estou preocupado, mas agora Eu estou tão feliz e com uma fome que nem te
conto, até mais tarde, passa lá em casa se você sair depois do almoço!
__Se acaso Eu sair mais tarde irei até o Beco, -- respondo – se você sair vá até
lá, pois hoje não vou até a sua casa por nada neste mundo, não quero enfrentar a
cara da sua Mãe hoje, deixa para amanhã, até mais tarde se você for lá ao Beco!
Chego à minha casa e sou recebido como herói, minha mãe e minhas irmãs
que gritam que sou campeão.
__Que golaço foi aquele que você fez logo ao entrar, -- disse a Marise –
pegou de jeito, foi lindo o gol!
__Eu gostei mais foi do segundo gol, -- disse a Anelise – que cabeçada forte
que você acertou o goleiro, nem viu onde a bola entrou!
Entre beijos e abraços vamos para a cozinha, minha mãe com as mãos sobre
meus ombros comenta.
__Aquele jogador que fez a falta no Tupéte foi muito desleal, podia ter
quebrado a perna do garoto, pois entrou com muita violência, como esta o
Tupéte?
__O Tupéte quebrou mesmo a perna naquela entrada daquele filho da ***, --
respondo – Seu Carlos levou para o hospital, e constataram que ele havia
quebrado a tíbia e o perônio estava trincado, disseram a ele que por pouco não
teve uma fratura exposta, engessaram a perna dele até o joelho e ele esta em sua
casa, -- pergunto -- o que nós temos para almoçar, pois estou morrendo de fome!
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__Fiz um banquete para o meu campeão, arroz, feijão, macarronada, bife,


salada de alface e tomate e uma vitamina daquelas que é para repor as energias,
--- disse minha mãe chamando minhas irmãs – vamos almoçar meninas, pois
nosso campeão esta morrendo de fome e nós não podemos deixar que isto
aconteça!
Nós convençamos enquanto comemos, o assunto é sobre a partida de futebol,
falei sobre tudo que ocorreu durante o jogo, eu como com avidez, pois havia
acordado muito cedo e apenas comido um pedaço de pão no café da manhã, corri
muito durante a partida, agora são meio dia e meia, em resumo, estou faminto.
__Na hora que Tupéte se machucou Eu estava voltando do bar da Esportiva,
onde tinha ido buscar um refrigerante, --- disse a Anelise – não vi você entrar em
campo, somente vi você correndo para fora da área, seus companheiros
comemorando o gol, conta como foi que aconteceu?
__Tupéte tinha dado um drible no lateral e ia em direção ao gol, foi quando o
zagueiro entrou por trás, dando um carrinho que prensou a perna dele contra o
gramado, -- respondo – o grito foi tão alto que escutamos lá do banco de reserva,
entrei no lugar dele e no primeiro chute, marquei o gol, daí a comemoração que
você viu!
__Coitadinho do Tupéte, -- disse a Anelise – Eu vi quando o Seu Carlos
passou carregando ele no colo até a perua, devia de estar doendo muito, pois ele
não parava de chorar, você foi levá-lo até a casa dele depois do jogo?
__Eu não, -- respondo – hoje cedo quando fui à casa dele chamá-lo, pois Ele
não havia chegado à casa do Zé Guido, a D. Conceição me disse que ele não
podia ir ao jogo, pois havia tido febre a noite toda, sabem o que ele fez? Saiu
escondido da mãe dele, pulou a janela para ir jogar, D. Conceição pode ter
achado que Eu o incentivei a ir ao jogo, como não fiz nada disso, achei melhor
não ir com Ele até sua casa!
__Acho que a mãe dele vai culpar você por Ele ter desobedecido, -- disse a
Marise – pois foi você quem foi chamá-lo, Ele estava doente, fugiu para ir jogar
bola e ainda por cima volta com a perna quebrada, é certo achar que foi você que
o incentivou a desobedecer!
__Não há de ser nada a fratura que Ele sofreu, -- interrompe minha mãe –
ossos de criança soldam rápido, com muita facilidade, com certeza vai
recuperar-se logo, em um mês, quarenta e cinco dias no máximo os ossos estará
soldado, se Deus quiser, quanto a D. Conceição ficar brava com o seu irmão,
acho que ele não precisa ficar preocupado, pois toda mãe conhece bem o filho
que tem e sabe do que ele é capaz!
Terminamos de comer e cada um com seu prato, garfo, copo e leva até a pia
lava, enxuga e guarda, ajudamos minha mãe arrumar a cozinha e vamos assistir
ao programa do Silvio Santos, pois minha mãe é fã de carteirinha, e desta forma
termina este dia maravilhoso e inesquecível.

Capitulo 10

RODA DE SAMBA E MEU PRIMEIRO AMOR


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Hoje é quarta feira e como sabem, trabalho em três turnos alternados, acabou
minha semana do turno das dez horas da noite até as seis horas, esta manhã,
como sempre ao terminar este turno, costumo não deitar para descansar e assim
não atrapalhar a minha noite de sono, retomando meu metabolismo. Como estou
reformando minha casa, faço o trabalho de pedreiro erguendo as paredes do
aumento que estou a realizar.
Eliza esta preparando o almoço, como havia terminado com a massa cimento
que fora feita, resolvo depois de tomar banho com meu carro e ir buscar o
Guilherminho no termino das suas atividades escolares.
Chego quinze minutos adiantados, onde consigo um lugar privilegiado para
estacionar, deste ponto tenho controle das duas portas de saídas que há no
prédio. Toca a sineta, indica o final das aulas, atentamente observo os
estudantes, que de uma forma desorganizada saem de dentro do prédio, não
como um treinamento de incêndio que vemos em filmes americanos, quando me
surpreendo ao ver o meu filho aos beijos com uma garota mais ou menos a sua
idade que é completamente desconhecida para mim, mas que trocam uns beijos
ardentes entre as carícias, aguardo até que ela é chamada algumas garotas que a
esperam um pouco acima de onde se encontram, interrompendo o momento
romântico que observo, se despedem com um beijo um pouco mais logo, ela
segue seu caminho correndo para alcançar suas amigas.
Buzino varias vezes chamando a atenção do meu filho, até que nota minha
presença, atravessa a rua e entra no carro, dou a partida e dirijo para nossa casa.
__Quem é a garota que você estava beijando, -- pergunto após dar um beijo de
boas vindas – é sua paquera?
__Não estou paquerando Papai, -- responde meu filho -- estamos namorando
há quase quinze dias, saiba que o nome dela é Mariana!
__Quer dizer que a Mariana é o seu primeiro amor? – pergunto tentando retirar
meu filho da atitude defensiva que tinha acabado de tomar e cheio de
curiosidades, mas com uma ponta de ciúmes por ver que meu filho esta ficando
mais amadurecido
Dou a partida e seguimos o nosso itinerário, tento retomar o tema de onde
havia parado, mas ele desvia o assunto, faço de desentendido e deixo que
conduza a conversa, depois de alguns quarteirões retorno ao tema inicial, quando
não tendo mais como desviar a conversa, começa a indagar sobre o meu
primeiro amor.
Como a historia é longa, convido-o a darmos um passeio após o almoço até o
nosso lugar secreto, a cachoeira do Buracão, que se localiza em Águas da Prata,
cidade vizinha a nossa.
Cachoeira fica ao lado dos prédios de apartamento do conjunto habitacional,
entramos por uma trilha aberta na mata que nos leva as cachoeiras, retiro a roupa
e de cueca mergulho de cima da cachoeira na piscina natural que se forma sob
esta queda de água, tem aproximadamente uns cinco metros de altura, como
sempre meu mergulho é lindo, pois quando garoto fiz parte da equipe de saltos
ornamentais do Clube Sociedade Esportiva Sanjoanense. Meu filho prefere
descer pelo caminho que há na encosta desta piscina natural, por sinal a sua água
é muito fria, pois estamos numa região de montanhas em uma mata que é quase
virgem.
Meu filho pula dentro d’água e brincamos por um tempo de pega-pega,
cansados e com muito frio, pois sinto as pontas dos dedos das mãos
completamente amortecidos.
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Sentamos numa pedra a beira desta piscina, que é profunda por sinal e meu
filho começa a indagar sobre o meu primeiro amor e como me sai neste
relacionamento.
__Meu filho, esta história que vou te contar deve ficar apenas entre nós dois, --
recomendo a ele – pois somente a minha Mãe, Tia Marise e a Tia Anelise sabem
como realmente aconteceu, não estou pedindo segredo, mas espero que seja um
assunto nosso, que fique somente entre minha Mãe, minhas Irmãs, Você e Eu!
__Pode ficar sossegado Papai, que nunca contarei a ninguém, ficara guardado
apenas entre nós cinco, mas conta logo, pois estou morto de curiosidade!
__Esta história de amor aconteceu exatamente no dia após de termos sidos os
campeões daquele campeonato de dente de Leite do ano de Mil Novecentos e
setenta e quatro, quando completaria quatorze anos em Abril, a estória é mais ou
menos começa assim! – começo a narrar.

RODA DE SAMBA E MEU PRIMEIRO AMOR

Segunda-feira, desperto e ainda estou eufórico com os acontecimentos do dia


anterior, como todos os dias arrumo minha cama, vou ao banheiro faço as
necessidades, escovo os dentes e lavo o rosto, quando retorno à cozinha para
tomar o café da manhã noto minha Mãe esta pensativa.
__O que preocupa a Senhora, Mamãe, -- pergunto – parece triste?
__Não é nada meu filho, hoje tenho uma entrevista de trabalho, que se Deus
quiser, vou conseguir um emprego fixo, pois trabalhar como costureira era
apenas um complemento na nossa renda, no tempo que seu Pai era vivo, mas
agora com a pensão que nos deixou, preciso arrumar um salário certo, você sabe
que recebo meio salário mínimo do I.N.P.S, esse dinheiro não da para quase
nada, foi por isso que viemos morar aqui na casa que seu Avô Edson nos
cedeu! , -- responde minha Mãe.
__Boa sorte Mamãe, -- respondo – ficarei rezando para que de tudo certo nesta
entrevista!
__Agora preciso que você me faça um favor, que vá entregar o vestido da D.
Valtacena, que terminei ontem à noite, -- pede minha Mãe – e me faça mais um
favor, passe na casa da D. Benedita e veja se ela já tem o dinheiro do vestido que
foi entregue na semana passada!
Tomo o café da manhã, dou um beijo de despedida na minha Mãe e prometo ir
até a Igreja do Perpétuo Socorro rezar por ela, com o vestido nos braços saio
para entregá-lo para D. Valtacena, que paga na hora da entrega o valor do feitio,
fico muito contente.
__Estou com sorte, só receber da D. Benedita, -- penso em voz alta -- e acaso
receba, pedirei uns trocados pra comprar um doce!
Assim vou sonhando com o pé de moleque, mas ao dobrar a esquina encontro
com o Tupéte saltitando numa perna apoiado nas muletas que hospital lhe havia
emprestado.
__Você esta parecendo um saci Pererê, -- comento brincando com meu amigo,
como perceberam adoramos arreliarmos – como foi que sua Mãe reagiu quando
chegou desse jeito, com a perna quebrada, desculpe primeiro bom dia! – estendo
a mão cumprimentando-o.
__Nem te conto Pavão, -- responde – falou poucas e boas, que vou ter de
acertar as contas com meu Pai, vai pedir para não deixar mais jogar futebol, até
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escondeu minhas chuteiras, como se Eu pudesse jogar bola com esta perna
quebrada, já pensou não poder mais jogar futebol, vai ser o fim da picada!
__Espero que seu Pai não faça isso, -- respondo – pois nosso time sem você
não é o mesmo, apesar de que posso te substituir! – brinco com ele
__Até parece que você dá conta do recado, ontem foi um milagre que
aconteceu, saiba que um raio não cai duas vezes no mesmo lugar, - responde –
aonde vai indo com tanta presa?
__Estou indo à casa da D. Benedita para receber um dinheiro que deve para
minha Mãe, quer ir comigo até lá? – convido.
__Não vai dar para ir contigo, não acostumei com as muletas e ainda dói
minha perna, estou indo chamar o Celcinho Pi e convidá-lo à pegar o violão,
pois ontem ficamos te esperando lá na casa do Seu Geraldo, combinei com o
Fram, o Zé Lemão, o Careca, a convidarmos toda garotada do nosso time, para
fazer um samba lá no Beco, só falta o violão,por isso estou indo na casa do Pi
para convidá-lo a tocar para nós, apareça lá também! – convida a roda de samba.
__Esta bem, vou até a casa da D Benedita ver se recebo, depois vou lá pro
Beco, vou aproveitar para pegar uma caneta e assinar este gesso! – aceito o
convite.
Despedimo-nos e correndo vou até a casa da D. Benedita que fica quatro
quarteirões de distancia, rapidamente chego ao meu destino, bato na porta e sai
uma mulher, deve de ser a empregada da casa.
__O que você esta querendo, moleque! – pergunta secamente me olhando de
soslaio.
__Sou filho da Sally a costureira, -- respondo – minha Mãe pediu para receber
o dinheiro do feitio do vestido que entreguei na semana passada!
__Aguarde que vou avisar a D. Benedita! – responde fechando a porta e me
deixa aguardando por quase quinze minutos.
__Estava tomando banho, por isso desculpe o tempo que demorei, -- responde
abrindo a porta D. Benedita com os cabelos envoltos em uma toalha confirma
que sou o filho da costureira – mas não precisava ter vindo cobrar, pois eu ia
passar na sua casa hoje para pagar sua Mãe!
__A Senhora tem sorte, agora não vai precisar ir até minha casa, pois fica um
pouco longe para a Senhora, né? -- respondo com educação e um pouco irônico,
mas sério.
__Espera que vou pegar o dinheiro, mas não precisa ser mal educado! –
responde e entra fechando novamente a porta.
Deixa-me plantado na frente de sua casa por mais de cinco minutos, já estou
com o saco cheio de ficar ali parado fazendo papel de palhaço, torno a bater na
porta, mas só que agora bato mais forte. D. Benedita abre a porta, e esta furiosa.
__Aqui esta essa mixaria, pega este dinheiro, -- com raiva ela grita para que
todos possam ouvir – isso eu dou de esmola!
__Muito obrigado pela esmola, -- respondo após guardar no bolso o dinheiro e
estendo a mão ironizando – será que a Senhora pode me pagar pelo vestido
agora!
__Vá pentear macaco, seu moleque mal educado! – responde e bate a porta
com tanta força que quase quebra o vidro de uma portinhola que há para ver
quem bate sem ter que abrir a porta toda.
Saio gargalhando e correndo vou levar para minha Mãe o dinheiro que acabara
de receber, chego a minha casa e entrego o dinheiro a minha Mãe, com a maior
cara de pau, peço um trocado para comprar o pé de moleque que estou com
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vontade de comer, que me explica não poder, pois o dinheiro esta contado para
pagar a conta de força, agradeço e envergonhado vou ao quarto pegar uma
caneta, despeço da minha Mãe e vou novamente para rua, mas agora é para
brincar.
Vou até o Beco onde espero encontrar com a molecada, mas não tem ninguém,
vou até a relojoaria do Seu Geraldo, onde sempre havia algum moleque e não
havia ninguém, retorno ao Beco, ainda esta vazio, mas não demora muito escuto
um batuque e começa a chegar meus amigos.
Puxando a fila indiana, Celcinho Pi vem com seu violão, o Pi é o nosso
violonista, ótimo musico,toca quase todos instrumentos de cordas, segundo ele
não tocando apenas piano, marcando o ritmo com o surdo dependurado em seu
ombro esta o Careca, o Tupéte se equilibrando nas muletas, bate no agogô,
marcando o ritmo com o pandeiro vem o Zé Lemão, o Clovis vem roncando sua
cuíca, e trás uma mochila nas costas, com o chocalho vem o Fram, indignado
pergunto pelo tamborim, e o Clovis para de tocar sua cuíca, retira da mochila o
tamborim e entrega para mim.
Agora sim esta formada realmente uma roda de samba, mas não é apenas
samba, tocamos M P B da melhor qualidade, de Martinho da Vila até Caetano
Veloso, Gilberto Gil e outros compositores, formando o que chamávamos uma
roda de samba.
Depois de uma rápida seção mostro a caneta que trouxera para o Tupéte e peço
a ele para ser o primeiro a assinar seu gesso, senta no chão e ajeita a perna de
uma forma confortável e manda eu assinar assino e lhe entrego a caneta e
organiza a fila que formou todos querendo o mesmo direito, após de mim foi o
Careca depois o Zé lemão, Clovis, Fram que chegou por ultimo e finalmente o
Pi.
Baquetadas daqui, varetadas de lá, guisadas do pandeiro dali, o roncar da cuíca
dando aquela sensação melancólica na musica, começa a ferver nossa roda de
samba. Indagados pelos curiosos que passava pela rua, qual a razão daquela
batucada, respondemos que é a comemoração da conquista do campeonato.
Notem bem que beleza, em plena segunda-feira a maior roda de samba esta
formada, estamos arrepiando no pedaço, como se dizia naquela época, o samba
corre solto.
Quando como por encanto aparece aquele anjo que enche de luz a entrada do
beco, uma morena que é a coisa mais linda do mundo, alta, um metro e setenta
mais ou menos, cabelos negros até a cintura, uma cinturinha de dar inveja a
qualquer mulher, grandes olhos negro, o nariz afilado e a boca mais bela do
mundo, um anjo caído.
Resumindo, me enfeitiçou, foi amor à primeira vista, como não a conhecia
logo tratei de me aproximar, pois queria porque queria saber tudo sobre ela.
__Qual é sua graça, princesa? – pergunto entre baquetadas no couro do
tamborim marcando o compasso.
__Sueli, --responde – e a sua?
__ Sou mais conhecido como Pavão, mas meu nome é Zé Guilherme, prazer
em conhecê-la, você mora onde, pois nunca tive o prazer de vê-la por estes lados
da cidade, se acaso houvesse te visto jamais te esqueceria? – apresento-me.
__Sou da cidade de São Paulo, moro na vila Guarani, -- responde – estou
passando uns dias na casa de uma Tia, e o prazer é meu em conhecê-lo!
__Você tem irmãos, -- pergunto pelos possíveis empecilhos – namorado?
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__Tenho um irmão, o João Carlos, -- responde – não tenho namorado, e você


tem namorada?
__Não tenho namorada, -- respondo – mas ao te ver passar por aquele portão,
me apaixonei perdidamente!
__Você é meio atiradinho, -- responde – meio atiradinho não, é todo atirado! –
e sorri.
Este foi o mais belo sorriso que havia recebido, fisgou meu coração, fico
empolgado e querendo me mostrar vou aumentando o ritmo do meu tamborim,
desta forma vai acelerando o ritmo do samba.
O que se passa a seguir não da para acreditar, quase morri quando ela começou
a sambar, que requebrado tinha aquela mulher, me enlouqueceu, marquei com
mais afinco o ritmo com meu tamborim e ela rebolando ao meu lado ficamos
desta forma até o intervalo.
Quando fazemos uma pausa, noto que a Sueli foi tomar um ar lá no portão
discretamente vou ao seu encontro, puxo conversa, ela responde cordialmente,
conversamos durante todo intervalo.
O pessoal retorna e o samba volta a toda, nós batucamos por horas até que
chega o Vadinho irmão do Cezão e diz que era para terminar aquela barulheira,
foi à deixa para o final e guardamos os instrumentos.
Noto que Sueli sai andando sem se despedir e sozinha desaparece da entrada
do Beco, não penso duas vezes e vou ao seu encalço, alcanço antes de ela chegar
à esquina do bar do Rato.
__Onde você esta hospedada? – pergunto chegando todo esbaforido.
__Lá no bairro do São Lazaro, -- responde após fingir espanto com minha
presença – como já lhe disse, estou na casa de uma tia!
__Posso te acompanhar, -- pergunto após recuperar o fôlego – pois conheço
bem o bairro já morei lá, quem sabe aparece um engraçadinho daí então Eu
possa defendê-la!
__Se você quiser, -- responde achando graça da minha aborddagem – será um
prazer!
Proposta aceita lá vai os dois, caminhando pela Rua Riachuelo ao Bairro do
São Lazaro, caminhamos e conversamos. Pergunto se ela gosta de morar na
capital e como é morar numa cidade tão grande, ela responde que gosta de morar
lá e que tem tudo que se precisa, bem mais fácil do que aqui no interior,
pergunta o mesmo para mim, respondo e vamos nos conhecendo, vai passando o
tempo e a distancia da casa da tia dela diminui.
Depois de alguns quarteirões, não sei bem de onde eu tirei coragem, seguro em
sua mão e aceita, segura a minha com força, fico radiante e passo meu braço
pelo seu ombro que retira delicadamente e de mãos dadas chegamos ao seu
destino.
Paramos no portão continuamos a conversar, mas na hora da despedida dou-
lhe sorrateiramente um beijo em sua boca e sou correspondido, ficamos tão
entretidos em beijarmos que não percebemos que sua Tia havia aberto a porta e
saído até a área, tivemos a maior das supressas.
__Sueli que pouca vergonha é essa, -- grita sua tia – pode entrar menina, pois
o almoço esta na mesa venha vamos comer!
Ela entra após nos despedirmos, retorno para minha casa, até parece que estou
andando nas nuvens, sou o cara mais feliz do mundo, estou deslumbrado, este
foi primeiro beijo que dei em uma mulher que não era da minha família e foi na
boca pela primeira vez, de língua, coisa que ainda não havia acontecido comigo.
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Chego em casa e minha Mãe ainda não retornou da entrevista, esquento a


comida que esta pronta, pois estou só, minhas irmãs já estão na escola, almoço e
deixo a cozinha arrumada, sento na sala para assistir T. V.
Minha Mãe chega por volta do meio dia e meia, esta muito feliz, conta que
havia conseguido o emprego, a partir de amanhã será servente do Grupo Escolar
Coronel Joaquim José, ficamos tão contente que começamos a cantar e dançar
abraçados, lhe dou muitos beijos de felicidades.
__Quero saber dos detalhes, como transcorreu a sua entrevista, Mamãe? –
pergunto cheio de curiosidade.
__Você não imagina como estava nervosa, e ainda estou, -- responde – fiquei
por mais de uma hora sentada na sala de espera, você não imagina como foi
difícil esta espera, meu filho.
__Tinha mais alguém para fazer a entrevista? – pergunto.
__Somente eu! – responde.
__Quem foi que entrevistou a Senhora, -- pergunto curioso – como era a sala,
porque teve de esperar tanto tempo?
__Quem fez a entrevista foi o Rudnei, a sala é enorme, do tamanho da nossa
sala e a cozinha junta, -- explica-me – e tive de esperar uma hora e quinze
minutos porque Ele estava em uma reunião!
__Sobre o que conversaram? – continuo a indagar cheio de curiosidade.
__Após ser convidada a entrar sou recebida com muita cordialidade, convidou-
me a sentar-me me ofereceu água e café, que recusei, indagou sobre nossa
situação financeira, como estava me recuperando depois da morte de seu pai,
disse que a vaga disponível não era a minha altura, mas era a única coisa que
havia no momento! – reponde.
__Que foi que a Senhora respondeu e como Ele sabia da morte do meu Pai? –
indago curioso – e qual era a vaga que estava disponível?
__Contei que a nossa situação financeira não era das melhores, pois a pensão
que estou recebendo é pequena, que não posso contar com o dinheiro das
costuras, pois não é sempre que as pessoas pagam na hora da entrega, que estou
recuperando da morte o seu Pai, --- responde – e Ele sabe que seu Pai morreu
porque esteve no enterro, foram amigos desde a infância, a vaga é de servente do
Grupo Coronel Joaquim José!
__O que faz uma servente, e qual o horário e porque não esta a sua altura? –
pergunto.
__Um servente varre as classes, o pátio e limpa os banheiros, -- explica quais
são os afazeres – e o horário é das sete horas da manhã até as onze e meia e da
uma hora até cinco horas da tarde, creio que achou que eu não aceitaria fazer
este trabalho, que seja que tenha vergonha de fazer tudo o que te expliquei, não
estou vendo louças sujas, você não almoçou? – pergunta.
__Será que Ele acha que a Senhora tem empregada domestica, ainda bem que
não vai ter de lavar as cortinas, pois em casa a Senhora tem de lavar as roupas, já
almocei, -- respondo – deixei a cozinha arrumada, se a Senhora esta com fome,
aproveite que está tudo quentinho!
__Venha sentar à mesa comigo e nós continuamos a conversar, pois estou
morrendo de fome, -- reponde minha Mãe – ainda bem que você já esquentou a
comida!
__Estou muito feliz por a Senhora ter conseguido este emprego, mais ainda
por não ser na escola que estudo, senão o que seria de mim, pois não teriam nem
de mandar uma cartinha para chamá-la, pelas travessuras que apronto às vezes,
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seria só por a cabeça para fora da diretoria e gritar por você, -- comento tiando
um sarro enquanto ela tira o prato do armário e pega o garfo da gaveta de
talheres – Eu não iria agüentar as surras, pois não teriam nem de chamá-la, a
Senhora já estaria lá!
__Sorte sua, mas isso que acontece em ser tão arteiro, ainda bem que já faz um
tempinho que você não apronta nenhuma arte na escola! – comenta a caminho
do fogão.
__Pelo visto hoje é nosso dia de sorte, a Senhora conseguiu o emprego e eu
uma namorada! – comento enquanto ela tira um prato de comida.
__Meus parabéns meu filho, -- cumprimenta -- onde que conheceu essa garota,
como ela se chama e onde mora? – pergunta acomodando-se em seu lugar à
mesa.
__Estávamos fazendo uma roda de samba lá no Beco! – repondo.
__O que é isso, fazendo batucada em plena segunda-feira, -- interrompe minha
Mãe perdendo a calma e afirma – por isso que você não arruma um emprego,
seu filho da ***, fica vadiando por ai!
__Calma Mamãe, deixa-me explicar, - respondo – após entregar o vestido da
D. Valtacena, encontrei o Tupéte, que me convidou para fazermos uma roda de
samba lá no Beco, assim podermos comemorar a nossa vitória de ontem, lembra-
se que fomos os campeões do campeonato e ainda não havíamos festejado, por
favor, não me interrompa mais, senão não vou contar nadinha para a Senhora!
__Esta bem meu filho não te interromperei mais, pode falar, -- promete – serei
uma boa ouvinte!
__Onde eu estava mesmo, me lembrei, estávamos fazendo uma batucada lá no
Beco, quando não sei de onde apareceu a mais formosa das garotas que já vi,
morena de cabeleira longa até a cintura, um pouco mais alta que Eu, linda de
doer, com um corpo escultural, -- enalteci com entusiasmo os dotes físicos --
puxei conversa com ela e fui correspondido sei te dizer que acabei
acompanhando até a casa onde esta hospedada e nos beijamos e foi de língua,
Ela mora em São Paulo, Mamãe acho que estou apaixonado!
Minha Mãe interrompe a garfada, mastiga a comida e engole, me olha com
muita seriedade e com ar de censura.
__Muito cuidado meu filho, não vá fazer nenhuma besteira, -- comenta
preocupada – quem é essa garota, quem é o seu pai e sua mãe?
__Calma Mamãe, não vou fazer nenhuma besteira, pode ficar tranqüila, --
respondo – sei que o nome dela é Sueli, mas não sei nada dos pais dela, sei que
tem um irmão que se chama João Carlos e que é prima do Pulguinha, esta
hospedada na casa de uma tia lá no Bairro do São Lazaro, perto da casa da
Vovó, apenas isso, nós não vamos nos casarmos!
__Quem tem de ter calma é você garoto, -- responde minha Mãe com um
provérbio – pois saiba que toda donzela tem um pai que é uma fera, então veja
bem o que vai fazer e para casar é só não ter juízo nessa cabecinha de vento! –
da uns cocões em minha cabeça.
__Me deixa ir brincar, senão a Senhora vai ficar nessa falação e não vai me
deixar sair, - respondo – a sua benção!
__Pode sair e arrumar um serviço, pois você não tem mais idade para brincar, -
responde – você já esta com quatorze anos esta na hora de tomar um rumo na
sua vida e parar de ficar aprontando por ai, me de um beijo e vê se toma juízo
meu filho!
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Dou-lhe um beijo em despedida e desço até a casa do Tupéte, mas estou com
medo da D. Conceição.
__Tupéte, o Tupéte, -- grito entre palmas -- o Tupéte!
__Muito bonito, que papelão o seu, Zé Guilherme, te falei que o Celcinho
estava doente e que não ia jogar bola, -- diz D. Conceição ao abrir a porta para
atender-me -- gostaria de saber o que foi que você disse a Ele, pois me
desobedeceu?
__Eu não falei nada de mais! – respondo.
__Achei estranho estar muito quieto, fiquei preocupada de estar passando mal,
mas quando para surpresa minha, ao abrir a porta do quarto não o encontrei
deitado, fui até o banheiro, cozinha e olhei até no quintal, nada do sem
vergonha! -- continua a falar e sem dar chance de eu dizer nada, me convida a
entrar, enxugando a mão no avental.
__Passou a mão na chuteira, o filho da *** só pode ter pulado a janela, pois
não passou por mim, -- continua D. Conceição com aquela ladainha -- só
apareceu na hora do almoço, e com a perna quebrada, o que foi bem feito, deve
de ter sido castigo de Deus por ter me desobedecido!
__Não tenho culpa alguma e se há algum culpado é o Tupéte, não disse nada
demais, foi jogar bola por que quis, foi sozinho, juro por tudo que é mais
sagrado, D. Conceição! – respondo fazendo uma cruz com os dedos sobre os
lábios.
__Ele esta lá no quarto, está de repouso e não é para sair, pois saiu escondido
de manhã e só chegou depois do meio dia, veja se não vai fazer me desobedecer,
desse jeito não vai soldar os ossos! – avisa-me com um olhar que me assusta.
__Como já disse a Senhora eu não tive culpa, -- argumento – a culpa foi dele,
será que posso ir até o quarto dele?
__Pode sim, mas já te avisei que não é para Ele sair! – responde D. Conceição
me acompanha até o quarto – você não vai sair de casa Celcinho, os dois estão
avisados! – vai rumo ao tanque, pois ela estava lavando roupa.
__Que gata aquela morena, Pavão, -- comenta quando entro em seu quarto –
onde você foi, pois te procurei depois que guardamos os instrumentos na casa do
Cesão Cabeção, mas não encontrei, por que você desapareceu?
__Você não vai acreditar no que vou contar-te, -- respondo – fui com aquela
morena, a Sueli até a casa da tia dela onde esta hospedada, demos uns beijos,
como ela beija gostoso, estou de namoro com ela, acho que estou apaixonado!
__Beijou bosta nenhuma, acha que uma garota bonita como aquela iria dar
bola logo pra você, -- comenta meu amigo -- você é um papudo, esta ficando
louco? – pergunta fazendo troça.
__Se você não quer acreditar, melhor, assim não fica colocando olho grande
no meu namoro! – respondo.
__Namoro, essa é boa, -- responde dando uma boa gargalhada e continua
fazendo troça – você esta namorando escondido, mas escondido dela, Ela não
sabe que esta namorando com você! – e continua a gargalhar.
__Você esta com inveja, -- respondo – como vim aqui para te chamar para dar
umas voltas, mas como não pode sair, então vou até o Beco pra ver se encontro
com a molecada!
__Tchau vai pela sombra senão vai ter uma insolação, pelo visto o sol deve de
estar muito quente, pois você já esta delirando, onde já se vil você namorando
com aquele mulherão! – continua a caçoar.
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Despedimo-nos, digo tchau para D. Conceição e vou até o Beco para ver se
encontro meus amigos e na esperança de encontrá-la de novo na casa do
Pulguinha, quando ao passar pelo Cortiço do Bargas, escuto me chamarem.
__Pavão, me espera, aonde que você vai? – pergunta Zé Lemão.
__Estou indo até o Beco pra ver se tem algum moleque por lá, -- respondo e
convido – vamos até lá comigo?
__ Pelo visto você vai é procurar aquela garota que estava lá no Beco, --
responde o Zé Lemão adivinhando as minhas intenções – não adianta ir lá ao
beco, Ela não esta lá, pois acabei de vê-la lá no São Lazaro com a tia dela, perto
da sorveteria do alemão!
__Quanto tempo faz que você a viu, -- pergunto mostrando minha anciedade –
e para onde ela estava indo?
__Faz uns quinze minutos, -- responde meu amigo – compraram sorvetes e
foram lá para a Rua Ademar de Barros, se você correr é bem capaz de alcançá-
las!
__Valeu mesmo, Zé Lemão vou correndo pra ver se as alcanço, -- respondo --
até mais tarde e mais uma vez muito obrigado!
Corro e rapidinho atravesso os quatro quarteirões que me separa da sorveteria
em menos de cinco minutos, quando lá chego, onde logo sei que elas não se
encontram mais, mas o rapaz que esta atendendo no balcão é um conhecido meu,
Ditinho, e.espero que ele possa me dar alguma informação.
__Ditinho por acaso você sabe me informar para onde foi uma senhora que
estava acompanhada de uma garota morena de cabelo logos que estiveram aqui
comprando sorvetes mais ou menos uns quinze minutos! – pergunto ofegante
pela corrida.
__Elas desceram a Rua Padre Josué, -- informa meu conhecido – sei por que
fui até a porta para dar uma olhada na morena, pois ela é muito bonita e tem um
corpo de chamar atenção, desceram lá pelas bandas da Ademar de Barros!
__Vou dar uma corrida para ver se eu as alcanço, -- respondo – muito obrigado
pela informação! – saio na maior desembalada sem ao menos esperar a resposta.
Quanto mais penso na Sueli, mais rápido eu vou, mas ao passar pela casa do
meu tio Beto quase dou um encontrão com a tia Ivone, que sai da sua casa, a me
ver correndo daquela forma me chama e sou obrigado a parar para ver o que ela
deseja, ela mora na Rua Padre Josué logo após a esquina que eu dobrei.
__Aonde você vai indo nesta correria toda, Zéquinha, quase você me derruba
nesta desembalada que você vem vindo, tenha mais cuidado, pois você pode
machucar-se ou machucar alguém!- me repreende minha tia.
__Me desculpe Tia Ivone, acontece que preciso encontrar com uma pessoa e ela
deve de estar bem mais na minha frente, -- respondo, mostro curiosidade,
pergunto – como está o Tio Beto, Ele esta melhor da doença do coração, (pois
ele tem a doença de Chagas, saibam que este meu tio que todos chamamos de
Beto, o seu nome é Rubens, acontece que o meu Avô saiu de casa para registrá-
lo como Roberto, mas ninguém sabe dizer o porquê ele registrou de Rubens,
minha Avó ficou furiosa e passou a chamá-lo de Beto, e é assim que ele é
conhecido por todos, e para ele poder dar o nome dele ao seu único filho
registrou de Rubens Roberto), espero que Ele esteja bem de saúde, e o Rubens
Roberto como vai, soube que Ele andou meio doente, qualquer dia desses venho
para nós brincarmos, a sua benção tenho de ir, pois já estou atrasado! -- pego a
sua mão e dou um beijo de respeito.
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__O Tio Beto esta melhor, e o Rubens Roberto já está quase curado da gripe
que pegou, -- responde minha tia – peça para sua Mãe dar uma passadinha aqui
em casa para nós pormos as conversas em dia!
__Pode deixar que digo a ela, -- respondo – até logo! – dou-lhe as costas e viro
um corisco, pois quando esta minha tia começa a falar ela não para mais.
Em meus pensamentos somente tenho os beijos que havíamos trocados há
alguns minutos antes, não se passava mais nada por minha mente, muito menos
ter de ficar de prosa com a tia Ivone da qual me despeço muito rápido sem dar a
menor atenção há ela, nesta correria toda vou para a Rua Ademar de Barros ver
se consigo alcançá-las.
__Onde será que se enfiaram estas duas, -- penso em voz alta, após olhar para
todos os lados -- vou dar uma caminhada em toda Ademar de Barros! – de tanto
que andei procurando-as acabei caminhando até a Praça Amando Sales e nada
das duas.
De repente me deu uma intuição, vai ver que elas foram à igreja da Nossa
Senhora do perpetuo Socorro, D. Luiza é uma carola, seguindo meu instinto me
dirijo para lá.
Retorno por toda Ademar de Barros subo rua da sorveteria Milk-Mone,
atravesso a praça, subo a escadaria, noto que em um dos bancos estão em plenos
beijos um casal de namorados, sinto uma ponta de inveja deles.
Continuo meu caminho relembrando os beijos que também havia dado
algumas horas atrás, subo a escadaria da igreja, faço o sinal da cruz ao passar
pela porta, benzo-me com a água benta que há em um vidro bem no pilar de
entrada, entro no templo me ajoelho em frente do altar destinado a Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro, pela qual tenho a maior devoção, entro em
profunda oração não prestando atenção em mais nada ao meu redor, oro a Deus
que iluminasse o novo trabalho que minha Mãe arranjou, agradeço pelo
campeonato, peço que guiasse a minha mente e me indicasse onde eu poderia
encontrar com minha amada, pois me sentia enamorado, especialmente após
aqueles carinhos que havia trocado.
As coisas de Deus são engraçadas, não conseguimos explicar, e pior, não
conseguimos entender, pois após rezar um terço em homenagem a minha santa
de devoção pelo trabalho de minha mãe e por te conhecido a Sueli,vou sentar no
ultimo banco, e rezo mais um terço pedindo a Deus novamente pelo trabalho de
minha Mãe, que acabara de arrumar, peço pela saúde do vereador Rodney
Fracaro, rogo pela melhora do meu Tio Beto, e assim fico absorto em meus
pensamentos.
Quando já estou preparando para me retirar da igreja, levanto do banco, e ao
me virar para sair, vocês não vão acreditar na grata surpresa que tenho, vejo um
anjo entrando pela porta principal, foi exatamente o que me pareceu naquele
momento.
Ali na porta está a minha amada vestida de branco, com aqueles cabelos
maravilhosos soltos, emoldurando o mais belo rosto que Deus criara,foi o que
me pareceu ao vê-la sob as luzes do Sol batendo na porta da igreja, ela
conversando com sua tia entram na igreja e nem notam a minha presença.
Fico atônito, não sei o que fazer e rapidamente retorno no meu lugar, até dou
uma encolhidinha para passar despercebido, ajoelhando o mais rápido possível,
disfarçando tento rezar,mas meu cérebro não corresponde, estou abobalhado,
tenho olhos e pensamentos só para ela, até parece que estou a flutuar, tenho uma
sensação tão forte que não da para descrever a vocês.
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Fico de olhos fechados não sei dizer por quanto tempo, até sentir alguém
tocando em meu ombro direito, olho assustado, é a Sueli o meu anjo, pois estava
tão absorvido em meus pensamentos que nem notei que elas haviam retornado
do altar destinado a Nossa Senhora do Perpetuo Socorro.
Ao perceber que era ela que me tocara, fiquei mudo, totalmente abobalhado,
minha garganta secou, desapareceram as palavras, fiquei atordoado, com aquele
ar de boboca, sem saber o que fazer ou falar. Penso comigo, ainda bem que o
Tupete não estava presente, pois eu iria ser motivo de chacota pelo resto da
minha vida.
__Você também reza? – pergunta D. Luiza tia da Sueli que vem logo atrás --
achava que você só servia para fazer travessuras, pois desconheço garoto mais
travesso que você!
___Não é bem assim D. Luzia, -- respondo – como todos os pecadores Eu
também rezo a Deus para que Ele perdoe os meus pecados!
__Você esta vendo só Sueli, esta é a razão de não querer este garoto rondando
você, -- responde D. Luzia – olha só como Ele é mal criado, esta insinuando que
sou uma pecadora!
__Somos todos nós pecadores, -- respondo – desde o dia que Adão aceitou a
maçã da Eva, nos tornamos pecadores!
__Alem de tudo é respondão, -- retruca D. Luzia – pode tirar o cavalinho da
chuva, pois eu não quero saber de você atrás da minha sobrinha, vem Sueli
vamos embora e deixe este mal educado que tem muito que rezar para pagar os
pecados dele!
__A senhora esta coberta de razão, -- respondo – esta é a casa de Deus e todos
devemos respeitá-la!
__ Concordo plenamente com você, esta certo mesmo, devemos respeitar a
casa de Deus, -- responde D. Luzia – não é lugar para ficarmos batendo boca,
tchau e até nunca mais! – me da à costa e sai batendo os pés como se estivesse
marchando.
Mal elas chegam à porta principal e notam que o Padre Cabral havia saído da
sacristia, deixa a Sueli por uns instantes sozinha, então aproveito a oportunidade
para aproximar para trocar mais algumas palavras com ela.
__Não tinha a menor esperança de encontrá-la justamente neste lugar, --
pergunto aproveitando que estamos sós – por acaso também é devota da Nossa
Senhora do Perpétuo Socorro, como eu?
__Eu não sou devota da Nossa Senhora do Perpetuo Socorro, -- reponde com
a vós mais linda, musica para meus ouvidos – sou devota da Nossa Senhora da
Aparecida, vim apenas acompanhar minha tia, Ela que é a devota e você é
devoto desta santa?
__Sou devoto da Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, -- respondo – mas todos
nós sabemos que Nossa Senhora é apenas uma, a mãe de Jesus Cristo, apenas
mudando o nome dependendo do lugar onde apareceu!
__Parece que você não é o cara que minha Tia tem a impressão, ouvindo você
falar faz até parecer um santinho! – responde tirando um sarro da minha cara.
__Você sabe que não sou nem um santinho, -- respondo – mas também não
sou o diabo que me pintam por ai!
Convido-a irmos sentarmos num dos bancos que há na praça defronte a igreja,
e de mãos dadas vamos até um banco que esta desocupado, ao chegarmos nos
primeiros degraus para descermos, coloco meu braço sobre seus ombros, lhe
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envolvendo em um abraço, que ela corresponde envolvendo com os seus minha


cintura assim colando os nossos corpos.
Sentamos e eu atrevidamente ponho o braço sobre seus ombros e não sou
rechaçado, aliso os seus cabelos que exala um perfume embriagador, ela se
aproxima mais, e dou um beijo longo, sou retribuído.
Sei te dizer que estes cinco minutos foram os mais emocionantes de toda a
minha vida, mas, como tudo na nossa vida tem um, mas, sou agarrado pelas
orelhas que quase são arrancadas da minha cabeça assim separando os nossos
lábios, entre puxões de cabelos e bofetões sou obrigado a sair correndo, pois D.
Luiza estava furiosa e queria continuar a me bater de qualquer jeito.
__Seu sem vergonha, -- gritava D Luzia correndo atrás de mim despejando
uma serie de adjetivos – você é um safado, um cachorro sarnento, um traste à
toa, se te pego Eu te mato, seu filho da ***!
__Nós não fizemos nada de errado, -- respondo me aproximando aos poucos –
estávamos apenas nos beijando, só isso! -- fiquei esperando por ela a alguns
metros de distancia, mas que não foi muito segura para minha proteção da
furiosa Tia.
__Só beijando seu sem vergonha, -- disse D. Luzia dando um passo à frente e
me agarrando pelos cabelos novamente, e mais uma vez me chacoalha de um
lado para o outro -- vou acabar com sua raça!
__Tia Luiza, nós não estávamos fazendo nada de mais, -- argumenta Sueli
tentando nos separar, mas em vão – nós apenas demos um beijo, não fizemos
nada errado, foi apenas um beijo e nada mais que isso!
__Você dona Sueli pode ir se preparando que o seu está guardado lá em casa,
você vai ver só! -- após me largar e indignada agarra pelo braço e sai arrastando
rua abaixo.
Eu com o couro cabeludo todo dolorido e as orelhas ardendo, vou atrás delas
acompanhando mais próximo possível, extremamente feliz por ter encontrado
minha amada e pelo beijo que acabara de receber, acompanho alguns metros
ouvindo o sermão que é passado pela D. Luiza.
Estou muito arrependido do acontecido, vou amargurado, quase arrependido
por ter ido atrás da minha amada. Quando ouço as ameaças feitas por sua Tia,
preferia ser surrado mais um pouco ao invés dela, pois afinal das contas já estou
acostumado apanhar da minha Mãe por causa das artes que estou sempre a
aprontar.
Elas dobram a esquina da Rua Padre Josué, conseguimos despedir com o olhar,
depois a Sueli caminha cabisbaixa ouvindo poucas e boas, e sigo meu caminho
pela Rua Ademar de Barros com meu coração em frangalhos, sinto um misto de
tristeza e alegria.
Alegre por ter conseguido encontrar minha amada e ter tido a oportunidade de
abraçá-la, beijá-la e ter tido contato com aquele corpo fenomenal, de ter sentido
aquele perfume maravilhoso dos seus cabelos, tenho ainda nos lábios o sabor dos
beijos trocados, mas triste por sua Tia ter feito aquele escândalo no meio da
praça, não compreendendo porque o amor nos leva a cometer certos impulsos.
Chego a minha casa tão rápido que nem notei o caminho que fiz de tão
absorvido que estou pelos meus pensamentos, como é engraçada a percepção do
tempo e da distancia quando estamos absorvidos por um pensamento. Entro em
casa e minha Mãe já havia chegado do Supermercado e nota que algo havia
acontecido comigo apenas ao ver minha fisionomia.
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__Que aconteceu com você meu filho, -- pergunta – qual o porquê de estar
com esta cara de choro, uma cara de poucos amigos!
__Mamãe a senhora sabe explicar o porquê que a vida tem de ser tão
complicada, -- pergunto com os olhos marejados de lagrimas que quase não
consigo conter – acontece cada coisa que não da para explicar, primeiro morre o
Papai, nós tivemos de nos mudar, ficamos com essa falta de dinheiro e uma série
de contrariedades, -- lamento -- a senhora nem queira saber o que aconteceu
comigo!
__Verdade meu filho, nós tivemos uma série de contratempos ultimamente em
nossas vidas, -- responde minha Mãe me abraçando com muito carinho – mas
porque você esta tão triste, graças a Deus nós estamos superando todas estas
contrariedades!
__Veja bem a Senhora o que me aconteceu, deveria de estar transbordando de
alegria, ontem fomos campões, e hoje quando nós nos reunimos lá no beco para
comemorar fazendo uma roda de samba, não é que acontece o milagre de Eu
conhecer a mais bela garota do mundo, -- começo a explicar – estou tão feliz que
tenho a impressão de que vou explodir de tanta felicidade, mas aconteceu uma
coisa que me deixou muito triste!
__Senta aqui do meu lado e me conte, -- disse minha Mãe compreensiva me
acomodando ao seu lado no sofá – o que aconteceu que te deixou tão triste?
__Como estava dizendo, ontem marquei dois gols e fomos campeões e durante
todo o campeonato Eu não fiz nenhum gol, hoje graças a Deus a Senhora
conseguiu arrumar um emprego e eu uma namorada, muita coisa boa em tão
pouco tempo, mas agora a pouco aconteceu uma coisa que me entristeceu
demais! -- narro todo o ocorrido que houve desde que sai de casa depois do
almoço até o meu retorno.
__Você tem razão meu filho, aconteceram muitas coisas boas para nós em tão
pouco tempo, -- diz minha Mãe – mas não se preocupe com a Tia da Sueli, foi o
momento que a levou a fazer o que fez, vá tomar o seu banho, pois esta quase na
hora de você ir para escola, enquanto isso Eu vou preparar o jantar!
Dou mais um beijo na minha Mãe, que me afaga os cabelos e abraçados
seguimos até a cozinha onde nós nos separamos, ela fica no fogão e vou para o
quarto de banho, pois na nossa casa os banheiros ficam do lado de fora da casa,
um somente com a latrina e o outro para banho.
Após me trocar e perfumar vou para a cozinha onde meu prato de comida esta
tirado e sobre a mesa, sento e como toda a comida com sofreguidão que esta
uma delicia, pego meu material escolar e antes de sair para a aula, me despeço
de minhas irmãs e minha mãe e vou para a escola.
Enquanto caminho para a escola, meu pensamento esta na Sueli é quando
tenho a infeliz idéia de gazetear a aula para ir lá para o São Lazaro, que fica
totalmente fora do meu itinerário, é o bairro onde mora a minha Avó e onde
corro serio risco de ser reconhecido por algum parente e descobrirem que havia
faltado a aula.
Passo em frente da casa da D. Luiza umas dez vezes na esperança de encontrar
a Sueli e poder chamá-la para conversar, mas infelizmente não tenho êxito. Paro
na esquina da casa, mas na calçada oposta que fica longe da iluminação publica
na penumbra, sob a sombra de um pé de Flamboiam Vermelho aguardando uma
oportunidade.
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Estou vigiando todo movimento da casa, aguardo que ela apareça na área, na
janela, qualquer lugar bastaria para chamá-la para conversar, me frustra a espera,
pois não sai ninguém de dentro da casa.
Fico de guarda por mais de horas, estou plantado na esquina e quando começo
a sentir o cansaço por estar parado a olhar o movimento da casa, penso em
desistir, é neste momento que vejo vindo na outra calçada a Janete, que eu
conheço há muito tempo e sei que também é sobrinha da D. Luzia, eu atravesso
a rua ao seu encontro.
__Foi Deus quem te enviou Janete, só pode ter sido Ele ouvindo as minhas
preces, -- exclamo cheio de ênfase – estou parado aqui nesta esquina a quase
duas horas na esperança de ver a sua prima a Sueli, Ela não apareceu nem na
janela, você não faria o favor de pedir para Ela vir até aqui na esquina para que
possamos conversar?
__Primeiro me cumprimente, boa noite, -- responde a Janete me repreendendo
– em segundo lugar Eu não sou pombo correio para ficar levando recadinhos
para você! – diz com desdém.
__Desculpe pela falta de educação Janete, boa noite, -- repondo – acontece que
preciso muito falar com a Sueli, olha, nem fui à aula por causa disso! – e mostro
meus cadernos.
__Porque você não chama, -- responde a Janete – a luz esta acessa é sinal que
tem gente em casa!
__Não posso chamar a sua prima, -- respondo – explicarei o que aconteceu
hoje, a sua Tia nos pegou aos beijos lá na Praça do Perpétuo Socorro e foi o
maior bafafá, me deu até uns petelecos, depois saiu ameaçando a Sueli, --
imploro com as mãos postas -- me faça este favor, diga que estou esperando por
Ela aqui na esquina!
__Já que é assim pode deixar que vou procurar uma forma de trazê-la até aqui
na esquina para vocês conversarem, vou ajudá-los, -- responde compreensiva --
pois minha Tia é muito chata e tem essa mania que ninguém serve para
namorarmos, não tem idéia como sofreram os namorados das minhas primas,
aguarde mais um pouco que vou fazer o possível para que Ela venha te
encontrar, tchau!
O tempo passa e nada acontece, não agüentando mais de tanta ansiedade,
resolvo dar uma passada ao lado da janela da sala, fico abaixado e ouço muita
conversa e risadas, mas não vejo minha amada, mas escuto a voz da Sueli e fico
com coração apertado, volto novamente para a esquina para aguardar por minha
amada.
Quando estou atravessando a rua distraído percebo encima da hora que vem
um carro e corro para atravessar, pois o carro freia para eu passar e encosta e
abre a porta.
__Aonde você esta indo Zé Guilherme, por acaso você vai lá à casa da Vovó
Guilhermina -- pergunta o Tio Anor que havia me reconhecido – quer uma
carona?
__Muito obrigado Tio Anor, estou indo na casa de um colega para entregar
uma lição e obrigado pela carona, mas Ele mora aqui pertinho, de um abraço a
Tia Nega e a sua bênção! – respondo e termino de atravessar a rua já com aquele
gosto amargo na boca de quando esta fazendo algo errado.
__Deus te abençoe e até logo, juízo em garoto! – despede indo embora.
Minha espera parece que foi em vão, pois já se passa das dez horas da noite e
nada aconteceu, até que de repente à porta da sala se abre e sai a Janete
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acompanhada com D. Luiza, mas nada da minha amada, D. Luiza acompanha a


Janete até o portão, onde se despedem e neste momento D. Luiza percebe que
estou parado na esquina, a sombra da arvore, que as observava a distância.
__Olha lá o sem vergonha, não te falei que a Sueli tem de voltar para São
Paulo, eis a razão, boa noite Janete de um abraço em sua Mãe! – despede e
retorna para dentro de casa.
__Minha Tia não há deixou sair, -- responde a Janete quando fui ao seu
encontro– mas a Sueli lhe escreveu esta carta! – e me entrega a carta.
Janete segue rumo a sua casa e eu fico olhando aquele envelope com o coração
apertado.
__Só uma carta! – e saio resmungando sem coragem de abri-la, relembro
daquela musica famosa da Vanusa, quando o carteiro chegou e meu nome gritou
com uma carta na mão, e daí em frente.
Começo a caminhar como se estivesse bêbado, sinto que estou a cambalear,
caminho até chegar embaixo de um poste e começo a ler a carta, nem havia
chegado à metade da carta e já corria lagrimas incontroláveis pela minha face.
Sou obrigado a sentar na sarjeta, pois se torna impossível terminar a leitura em
pé, em poucas palavras dizia que nunca havia conhecido um garoto como eu,
que me amou a primeira vista, adorou os meus beijos e carinhos, apesar se terem
sido tão poucos, eu ficaria guardado na memória e em seus lábios o sabor destes
beijos, mas que a Tia Luiza havia ligado para os seus pais, contando o ocorrido e
eles pediram para que a embarca-se no primeiro ônibus para São Paulo, tomaria
o ônibus das cinco e meia da manhã, que sentia muito em não poder sair para se
despedir e mandava muitos beijos, havia a marca de um beijo que ela imprimira
com os seus lábios após passar o batom.
Ao terminar a leitura choro compulsivamente, sem importar com quem estava
passando pela rua, neste instante senti em meu coração todo sentido daquela
musica que a Vanusa que havia lembrado ao pegar a carta.
Volto arrasado para casa, cantando em plenos pulmões, apenas trocando o
carteiro pela Janete, nem presto atenção nas horas, são dez e quinze e minhas
aulas terminam às onze horas.
Ao entrar em casa estranho que nem minha Mãe e nem minhas irmãs estão em
casa, estranho, mas não me importo pela ausência delas. Vou para meu quarto
guardo o material escolar, troco de roupa e de luz apagada fico me amargurando
com minha dor.
__Como podem as sensações mudar tão depressa, acordo alegre, venho
almoçar eufórico e vou dormir desiludido, completamente arrasado! – penso em
vós alta após deitar em minha cama, no escuro fico rolando na cama entre
lagrimas e soluços sem conseguir dormir.
Pensamento vai, pensamento vem e as lagrimas brotam como uma cachoeira,
quando escuto o frear de um carro em frente minha casa, o bater de portas e o
som de carro arrancando. O barulho característico do abrir e fechar do portão da
minha casa, um som que indica que quem chegara era minhas irmãs e minha
mãe, entram pela porta da sala.
Minhas irmãs ao entrarem em nosso quarto, me notam na cama e chamam a
minha mãe que chega vagarosa mente ao lado da minha cama, estou virado para
parede, pois não queria que ela notasse que estava chorando, perguntou se estou
dormindo e não respondo, então, recebo pelo corpo varias chineladas enquanto
escuto.
56

__Safado, sem vergonha, onde já se viu dar nó na aula – grita minha mãe a dar
chineladas – você estava lá no São Lazaro, seu filho da ***, disse ao Tio Anor
que ia entregar uma lição na casa de um colega, mentiroso, você gazeteou a aula
e a lição quem vai te dar sou Eu – e mais chineladas.
__Pode bater, pois esta dor não é nada perto do que estou sentindo, nem me
importo, acho até que mereço na verdade estas chineladas! – respondo sem fazer
nenhum movimento nem de defesa, nem de fuga.
__Então tome chinelada, -- bate mais uma vez, mas com menos intensidade,
ainda nervosa minha mãe perguntou – porque você acha que deve apanhar?
__Faltei à aula para encontrar com a Sueli, mas não consegui vê-la, apenas
recebi esta carta pelas mãos de uma prima dela, que havia pedido para dar um
recado a Sueli, foi nesta hora que o Tio Anor me viu! – resumo o ocorrido e
entrego a carta que segurava apertada em meu peito, toda marcada com os
pingos de lagrimas.
Minha Mãe segura à carta em suas mãos, lê em silêncio, mas depois em vós
alta lê para que minhas irmãs ouçam, pois estavam curiosas pelo que estava
escrito naquela carta, devido ao estado que me encontrava, minha Mãe termina
de ler e as três me abraçaram ao mesmo tempo.
__Me desculpe meu filho, me desculpe, -- repetia sem parar alisando meus
cabelos— me desculpe de verdade, pois fiquei furiosa por você ter faltado à
aula, mas tenha calma, pois o amor é assim mesmo, tem sempre suas artimanhas,
mas sempre há uma forma de superar estas barreiras!
__Mas como Mamãe, me responda, encontre uma, pois Ela vai embora
amanhã às cinco horas da manhã, -- repondo entre lagrimas e me aconchegando
mais em seu abraço – apenas uma forma já me deixaria feliz!
__Ela deixou o endereço na carta não é verdade, você sabe à hora da partida? –
pergunta me acolhendo em seu peito, que mergulho a cara em seus peitos.
__E daí, o que Eu posso fazer? – pergunto chorando.
__Amanhã você levanta mais cedo e vai se despedir! -- responde minha Mãe.
__Mas do que adianta, pois a Tia dela vai estar lá, -- respondo – e o pior de
tudo é que Ela mora lá na puta que ***, lá em São Paulo!
__Pelo menos você vai poder vê-la partir, -- responde minha Mãe – e o correio
foi inventado para isso, entrarmos em contato com quem mora longe, não queria
uma forma ao menos, despeça na partida e escreva cartas para se comunicarem!
– e continuamos nós quatros abraçados.
__E se Ela não responder as minhas cartas? – pergunto.
__Então meu filho pode ir se acostumando, pois o amor é assim mesmo, --
responde minha Mãe – mas sempre vale apena amar, mesmo com toda
dificuldade e a distancia!
Separamo-nos dos abraços, cada um foi para a sua cama, minha Mãe colocou o
relógio para despertar quatro e meia, continuei a chorar, ela deita ao meu lado
acarinhando meus cabelos, até eu conseguir dormir.
Como prometido minha Mãe me acorda quatro e meia, vou ao banheiro e faço
as necessidades matinais, tomo um gole de café apenas e saio em disparada, pois
faltam quinze para as cinco, chego a menos de cinco minutos, pois moro perto
da rodoviária.
O ônibus saia às cinco e meia e quando chego, elas já estão na plataforma de
embarque, tento me aproximar, mas a D. Luiza levanta do banco que está
sentada, profere um palavrão e vem para meu lado ferozmente, como fosse me
agredir.
57

Dou uns passos para trás e ela retorna ao seu lugar, sento numa cadeira que
esta vaga e de longe posso ficar a olhá-la e acariciá-la com meus olhos em meus
pensamentos.
Ônibus estaciona, embarca sozinha, pois sua Tia havia (não sei como
conseguiu em pouco tempo) providenciado uma autorização para que ela
viajasse só, não desgruda e fica com ela até a hora da saída do ônibus.
Sueli sobe na condução e senta no banco que da para a janela, abre e me acena
fazendo tchau.
D. Luiza estava na porta do ônibus, neste momento eu saio em disparada, dou
um salto e agarro na janela faço um esforço tremendo para alcançar a abertura e
nos beijamos, até que sou puxado pelas pernas pela D. Luiza e caio no chão.
__Voce não tem jeito mesmo, seu filho da ***, -- grita em plenos pulmões e
me imobiliza até que o ônibus parte.
Correspondemos-nos por algum tempo, no começo todo dia, mas com o
decorrer do tempo, as cartas foram se rareando até eu não receber a resposta da
ultima carta, então parei de escrever e não nos vimos nunca mais, foi amor de
um dia, mas o que mais marcou na minha lembrança.
__Vou te contar o que aprendi dessa estória e foi só uma coisa meu filho,
apenas isso, o amor vale a pena meu querido não importa por quanto tempo nem
a distancia, e este é o segredo entre nós, pois sua Mãe acha que é ela o meu
primeiro amor, combinado?
__Pode deixar Papai, esta história vai ficar só entre nós, prometo, -- responde
meu filho me envolve a cintura e caminhamos para retornar ao nosso lar – é um
segredinho só nosso!

Capitulo 11

A CAÇADA

__Zé Guilherme faz o favor de atender a porta, pois tem alguém batendo
palmas, -- pede minha esposa – vocês não estão escutando chamar o seu nome,
estou com a com a comida no fogo e não posso atender!
__Vai lá ver quem é Guilherminho, pois estou só de cueca! – peço ao meu
filho que esta deitado no sofá e assiste televisão comigo.
__Esta bem Papai, -- responde meu filho indo atender quem batia as palmas, e
logo esta volta – Papai tem um homem que quer falar com o Senhor!
__Quem será a umas horas dessas, -- pergunto ao meu filho – Ele falou o que
quer?
__Não, só perguntou se era aqui a casa do Zé Guilherme e respondi que sim, --
responde meu filho – Ele esta acompanhado com uma mulher e com dois
meninos, perguntou se o Senhor estava em casa, disse que sim, Ele disse que
queria falar com o Senhor, daí eu entrei e nem perguntei mais nada para Ele!
__Diz a Ele para aguardar um instante que já vou atendê-lo, -- respondo ao
meu filho – pois vou por uma roupa já que não posso sair só de cueca, -- gracejo
com meu filho -- faça-me esse favor meu filho!
Coloco uma calça enquanto meu filho vai cumprir o meu o meu pedido, depois
de trocado vou atender quem me estava a chamar.
58

__Zé Lemão, que grata surpresa, como você havia prometido trouxe sua
família para conhecermos, -- digo todo emocionado e alegre ao ver meu amigo
no portão da minha casa – vamos entrando faz de conta que a casa é sua, vamos
entrem! – convido abrindo o portão e dando um abraço bem apertado em meu
amigo – então essa é a sua esposa, a famosa Geane – estendo a mão a para
cumprimentá-la, ao me dirigir ao garoto que parece ser o mais velho, digo
afagando seu cabelo, --gosto do seu nome, não é mesmo, Eliza, -- que viera ver
quem havia chegado -- quase que colocamos este nome em meu filho, Bruno,
não é? -- dou um aperto de mão – esse é um lindo nome, -- fazendo mais um
carinho – e você creio que é o Gustavo, lindo garoto, nota se pela cara que
puxou ao pai, desculpa a demora em atendê-lo, pois Eu estava só de cueca, pois
acabei de tomar banho e estava assistindo televisão, vamos entrar! – convido e
dou passagem a eles que seguem a Eliza que puxa a fila
__ Anteontem que consegui o endereço do Cabeção, -- diz o Zé Lemão ao
entrar em casa – vim trazer como ficou combinado as noticias que consegui,
saiba que não foi fácil, tive de voltar varias vezes na casa dele, pois a Mãe dele
estava resoluta em não dar nem uma noticia, D. Cida deu foi com a maior dor de
cabeça, mas aqui esta! – entrega uma folha de caderno.
__Me desculpe pelo horário, mas como trabalho até seis horas da tarde, até ir
lá a minha casa, tomar banho e tive um trabalhão até conseguir convencer a
Geane a vir te conhecer pessoalmente, -- continua meu amigo -- pois Ela apenas
conhece algumas das nossas aventuras!
__È um enorme prazer em conhecê-la, Geane, -- comprimento novamente –
por favor, assente neste lugar, -- indico o sofá – vamos nos acomodando, pois
temos muito o que conversar, espero que não tenham presa e nem tenham
jantado, pois a Eliza esta preparando o jantar e quero que vocês nos acompanhe!
__Não precisa se incomodar, -- responde a Geane envergonhada – nós
tomamos café antes de sairmos de casa!
__Ainda bem que foi só café que vocês tomaram, -- respondo – pois assim não
há desculpas para não jantarem conosco, -- neste instante entra na sala minha
filha e começo a apresentar minha família – essa aqui é minha esposa Eliza, e
essa aqui é minha filha, Juliana e este que atendeu vocês é o meu filho o
Guilherminho!
__Esse é o cara que falei pra você Eliza, naquela noite em que cheguei tarde e
fui à casa da D. Conceição, quando decidimos reencontrar o pessoal que fazia
parte da Turma do Beco, eis o famoso Zé Lemão, Ela é a esposa, Geane, e este
garotão é o Bruno e este é o Gustavo são os filhos deles! --faço as apresentações.
__Boa noite, é um prazer em conhecer você Zé Lemão, já ouvi algumas
história sobre você, -- apertando-lhe as mãos diz minha esposa – é um prazer em
conhecê-la, Geane, -- que faz o mesmo gesto – oi Gustavo como você é lindo, --
acaricia -- e você também Bruno, sabia que o Guilherminho quase chamou
Bruno!-- estou terminando de fazer o jantar, falta só desligar a batata, se você
quiser vir comigo será um prazer Geane, assim os dois podem conversar melhor,
Gui leva o Gustavo e Bruno pra conhecer o seu quarto, mostre a Eles o seu vídeo
game, deixem o seu Pai conversando em paz com o Zé Lemão, vem Juliana
vamos acabar de preparar o jantar, a batata deve de estar queimando, quando
estiver pronto o jantar nós chamamos as crianças e os dois! – assume a
organização, a Eliza e sai da sala com a esposa do meu amigo e com minha filha
para a cozinha, os garotos vão para o quarto do meu filho jogar vídeo game e nós
ficamos conversando.
59

__Conta-me o porquê foi tão difícil conseguir o endereço do Cabeção, quais


foram as dificuldades que criou a D. Cida, –respondo - pois ela é cheia de
segredos!
__Consegui pegar um serviço em Pinhal, dias após encontrarmos, -- responde
meu amigo narrando os detalhes – um serviço de mais de dois mil metros de
calha e rufos, mais os condutores, num barracão que uma transportadora de
Poços de Caldas, que abriu uma filial em Pinhal trabalhamos direto por vinte e
dois dias, das seis da manhã até as seis da tarde,ficamos hospedados em uma
pensão para não perdermos tempo no translado, cheguei anteontem e fui matar a
saudade do meu pessoal, ontem a noite Eu fui até a casa da D. Cida e não há
encontrei, -- explica -- somente após três tentativas consegui o endereço e o
telefone dele, hoje após terminar o meu dia de trabalho resolvi a convencer a
Geane a me acompanhar nesta visita e aqui estamos nós em sua casa!
__Então me de logo o numero do telefone, essas horas é bem capaz dele já ter
chegado do trabalho, -- peço ao meu amigo – pois não vejo à hora de falar com o
Cabeção, anda logo com esse numero e me tire desta aflição, Zé Lemão!
__Eis aqui o endereço e o numero do telefone dele, -- diz o Zé Lemão
retirando do seu bolso uma folha de caderno – você esta pensando em telefonar
para Ele agora?
__Lógico que sim, respondo – pois faz mais de quinze anos que o não vejo e
nem tenho notícias dele, vou ligar imediatamente, não vou perder nem um
minuto, -- e pegando o papel da sua mão corro para o telefone e começo a discar
e falo o numero em voz alta – 011 68496738, -- aguardo, como demora a atender
penso que a D. Cida havia se enganado com o numero, mas quando estou quase
colocando o fone no gancho, ouço uma voz muito conhecida e que há muito
tempo não tinha a satisfação de ouvi-la, mas reconheci na hora a voz do
Cabeção.
__Como é que vai indo as coisa ai na capital, Cabeçudo, -- pergunto sem me
indentificar – até parece que enriqueceu, pois nunca mais apareceu, seu
Cabeção!
__Quem esta falando, -- reponde o Cabeção– sua voz não me é estranha, fala
mais alguma coisa para que possa te reconhecer!
__Que tal nós irmos caçar uns Lagartos -- respondo –, pois você era muito
bom com o estilingue, mas hoje tenho as minhas duvidas que ainda seja capaz de
acertar uma lata, quanto mais à cabeça de um Lagarto, será que agora da para
você adivinhar quem esta falando?
__Claro que poço reconhecer a sua voz, Pavão, -- responde meu amigo – como
conseguiu o numero do meu telefone, quanto tempo que não nos vemos, como
vão as coisas ai no interior, pois aqui na capital vai tudo bem comigo!
__Como é bom ouvir a sua, meu amigo, principalmente em saber que corre
tudo bem com você, -- respondo – estou te ligando para combinarmos um
churrasco aqui em São João, já esta acertado com o Tupéte e com o Zé
Lemão,falta apenas combinar com o Careca e você para nos reunir e matar a
saudades e pormos as conversas em dia, o que você me diz?
__Tenho de ver como vai estar à escala de trabalho, mas será uma satisfação
imensa em reunirmos! – ficamos a conversar com o Cabeção por quase quinze
minutos, revezando a vez entre o Zé Lemão e eu.
Mal acabamos de conversar com o Walter Cabeção e já estou parabenizando o
Zé Lemão, quando entra a Geane avisando que o jantar já esta posto e que temos
de chamar os garotos para comermos.
60

__Gui, Bruno, e Gustavo parem com o jogo e venha comer! – chamo pelos
garotos.
__Espere um minuto, pois estamos terminando de passar esta faze, Papai,--
responde meu filho – só mais um minuto!
Com o Zé Lemão me acompanhando entro no quarto do meu filho e vou para a
T. V. para desligá-la, mas fico com pena de desativar o jogo, pois reconheço que
eles estão para passar a faze que realmente era muito difícil, porque o meu filho
e eu tentamos muitas vezes e nunca havíamos chegado tão longe.
__Por favor, não desligue, Papai, pois o Bruno já passou esta faze e disse que
falta pouco! – pede o meu filho quase em prantos.
__Como foi que vocês conseguiram passar pelo monstro! – pergunto.
__ Bruno me mostrou o que tenho o que fazer, -- responde meu filho – é só
usar a magia do duende!
__Bem que te disse, -- respondo – passem rápido ou dêem pause para
podermos jantar, depois vocês voltam para terminar!
__Apenas mais um minuto Papai, -- responde meu filho – só tenho de entrar
nesta caverna, viu só, passei de faze, --e da pulos de alegria – obrigado por me
dar a dica Bruno, -- da pause no jogo – vamos jantar, pois estou esfomeado,
vamos Papai, vem Bruno vamos Gustavo, vamos comer e depois voltamos e
vocês me ajuda a passar a outra faze!
__Com a ajuda dos garotos é bem capaz de conseguir chegar até o final do
jogo, Gui, -- comento – então desligue a televisão e vamos comer, venham e
andem logo, vamos Zé Lemão!
A mesa esta posta e só olhar que aguça mais a vontade de comer, Geane,
Juliana e a Eliza montaram uma mesa digna dos grandes mestre da culinária,
prepararam um banquete para o nosso jantar.
Descreverei o cardápio, arroz branco, arroz com legumes, pois com a chegada
das vistas, elas fizeram mais uma vasilha arroz com os legumes, conhecido entre
as crianças como arroz festivo, feijão simples, viradinho de feijão, batata frita,
nhoque, bifes bem acebolados, ovos fritos e salada de alface com tomates e para
beber a nossa famosa vitamina, o que para casa de um trabalhador, esta servido
um verdadeiro banquete.
Distribuídos cada um em suas cadeiras dou a honra ao Zé Lemão de fazer a
oração de agradecimento que emocionado realiza.
__ Deus, meu Senhor e meu Pai, agradeço a vós por estes alimentos que vamos
comer e que é mais do que nós necessitamos, mas nos é servido com muito amor
e carinho, peço a vós que abençoe esta casa que nos acolhe e que nunca deixe
nada lhes faltar, principalmente o vosso amor e proteção, continue derramando
sobre seus moradores suas benções infinitas, Senhor Jesus Cristo, e cubra com
seu manto sagrado este lar, que assim seja amém!
Fico emocionado com a oração que meu amigo faz, fui surpreendido, imaginei
que ele faria como eu, rezando apenas o Pai Nosso e não fazendo um sermão de
agradecimento como esse.
__Podem se servir, -- autoriza a Eliza percebendo o acanhamento dos nossos
visitantes – aqui em casa é serv-service, cada tira o tanto que vai comer, pois não
tiro comida nem para as crianças!
,__Já faz um tempão, Ela ensinou as crianças a se servirem logo que percebeu
que Elas sabiam o que e quanto queriam, -- ajudo minha mulher acolher meus
convidados, e tento fazê-los relaxarem – a Juliana estava no segundo ano quando
começou a se servir e o Guilherminho não tinha terminado o primeiro ano, então
61

tratem de ficar a vontade, sirva-se o quanto quiser Geane, Zé Lemão Eu sei o


tanto de comida que estava costumado a comer, Gustavo e Bruno, peguem o
prato e tratem de se servir, e não precisa ter vergonha de tirar o tanto que esta
acostumado comer em sua casa, fiquem a vontade, e como costuma dizer o Zé
Olavo, comam sem vergonha, pois o que sobrar será dado aos cachorros! –
gracejo tentando deixá-los mais a vontade.
Todos em fila começamos a nos servir e comemos com sofreguidão, quase não
se ouve nada alem do bater de garfos e facas, pois a comida esta tão saborosa
que não pensamos em nada mais, apenas saborear aquelas delicias que nos foram
servidas. Nossas esposas haviam feito uma gelatina que com a demora havia
endurecido, nós nos servimos deliciando do manjar que nos era servido para
saborearmos.
__Será que o Cabeção vira ao reencontro, Pavão? –pergunta o Zé Lemão.
__Espero que Ele esteja de folga neste final de semana que escolheremos, e
possa vir para o nosso encontro, pois estou pensando em nos reunirmos no meu
aniversario o que você acha dessa data – pergunto ao meu amigo o que achava
da minha sugestão -- e esse seria o melhor presente que poderia receber de
aniversario, -- respondo e justifico – não tem nada melhor que ver reunido os
meus melhores amigos de infância, minha adolescência e toda minha vida!
__Quem é esse tal de Cabeção, Pai, -- pergunta o Bruno ao Zé Lemão – nunca
ouvi o Senhor falar sobre este seu amigo!
__Ele é um dos amigos que tivemos em nossa adolescência, -- responde meu
amigo – moramos por um tempo como visinho, a casa dele era de parede e meia
com a da minha Mãe!
__Porque o senhor perguntou se ele vem agora para esse reencontro e do que
se trata? – pergunta o Gustavo que termina de saborear a gelatina.
__Alguns dias atrás combinei com o Zé Guilherme de conseguir o telefone
dele para podermos marcar um reencontro entre nós, -- responde o Zé Lemão
narrando o encontro causal que tivemos – queremos reunir alguns dos membros
da famosa TURMA DO BECO, fiquei responsável de conseguir o telefone para
entrar em contato com o Walter o Cabeção!
__Como foi que vocês se conheceram! ---pergunta meu filho já prevendo que
poderia vir mais uma estória.
__Acaso vocês quiserem saber terei imensa satisfação em contar, -- respondo –
vocês têm tempo para esta estória Zé Lemão? – indago – quando terminar te dou
uma carona até sua casa!
__Esta estória é longa Pavão, mas já esta ficando tarde e moro no outro
extremo da cidade! -- responde meu amigo.
__Não é problema algum, teremos a maior satisfação de levá-los até sua casa,
-- respondo rapidamente solucionando o problema e reafirmo meu convite -- mas
se acaso estiver preparado para contar, tenho certeza que todos vão adorar!
__Vamos deixar a cozinha para ser arrumada amanhã Mamãe e vamos nos
acomodar na sala, -- suplica a Juliana – pois hoje o Papai tem o Zé Lemão para
ajudar a narrar!
Todos acomodados, Zé Lemão e sua família sentam no sofá, Eliza numa das
poltronas, Juliana e o Gui ajeitam-se no carpete eu sento na outra poltrona e
começo a narrativa de como nós conhecemos o famoso Cabeção.

Capitulo 12
62

A CAÇADA

Com a mudança do Careca a para o Cortiço do Bargas, houve uma grande


transformação, já não éramos apenas uma dupla, nos transformamos num trio,
Tupéte, Careca e Pavão, não nos separávamos por nada, o dia todo estamos
juntos, desde o amanhecer até a hora de dormir, pois nós tornamos realmente
inseparáveis.
Quem acordasse primeiro iam à casa do segundo e depois os dois chamava o
outro que faltava e assim formávamos o trio inseparável, também brincamos
com todos os outros garotos do bairro, mas nós três sempre começávamos o dia
juntos, e depois, seja jogo de futebol, em nadar, nos jogos de bolinhas, nas
brigas, não nos separávamos,sempre juntos em tudo mesmo.
Normalmente nossos dias começam assim, ou Tupéte, ou eu, éramos os que
acordávamos primeiro, na maioria das vezes o Tupéte que me chamava, de vez
em quando era eu quem o chamava, mas normalmente era ele quem acordava
primeiro, raramente tomava café comigo, pois na maioria das vezes já havia
tomado, depois íamos chamar o Careca, pois ele era um dorminhoco.
Nós não saímos de nossas casas sem o estilingue pendurado no pescoço e no
ombro um embornal cheio de bolinhas de argilas que fazíamos e deixávamos a
secar ao sol por vários dias, elas são perfeitas para atirar, vocês já perceberam
que os nossos dias são repletos de aventuras, pois conosco não havia rotina e
nem tédio.
Recentemente mudou para o Cortiço do Bargas, morando de parede e meia
com a casa do Zé Lemão, uma família que viera de São Paulo, pois o pai havia
adoecido dos pulmões, tiveram que mudar para o interior por orientação médica
devido à poluição e a gravidade do estado de saúde dele. Seu José e sua esposa
que chama D. Cida e tem três filhos homens e uma garota que era a caçula, o
filho mais velho esta tentando se enturmar.
Hoje o Tupéte acordou mais cedo do que eu, mais ou menos quinze pra sete da
manhã, ele já gritava entre palmas, me chamando.
__Pavão, o Pavão, -- grita mais alto e bate mais palmas – o Pavão!
__Bom dia Celcinho, pode entrar o Zé Guilherme esta na cozinha tomando
café, aproveita e faz companhia a Ele e coma algo, da licença que estou atrasada
para o trabalho, bom dia e tchau! – cumprimenta minha mãe abrindo o portão e
sai para trabalhar.
__Tchau D. Sally, tenha um bom dia de trabalho, -- se despede meu amigo
entrando portão adentro, já na porta da cozinha diz – achei que ia ter de te tirar
da cama!
__Estou acordado já faz tempo, -- respondo – até coloquei o lixo na rua!
__Sua Mãe me mandou tomar café e como você sabe que sou muito obediente,
vou te fazer companhia e tomar café também! – com um copo na mão foi
tomando um lugar na mesa, pega a garrafa de café se serve de um pouco, pega a
leiteira que esta vazia pergunta – cadê o leite, aproveita e pega a manteiga
também, estou com fome, pois ainda não comi nada! – graceja.
__ Vai se servindo que vou por o leite para esquentar, tem uns pedaços de bolo
de fubá no forno, pega a forma, por favor, -- respondo me dirigindo a geladeira –
tem um queijo fresco, quer um pedaço?
63

__Perguntar a um mineiro se Ele que um pedaço de queijo é gozação, Pavão!


-- responde meu amigo fechando o forno, coloca a forma do bolo na mesa.
__Vou pegar só um pedaço de bolo, pois não gosto do bolo de fubá, --
responde o Tupéte – quero mesmo é o queijo, pois adoro comer um pedaço de
queijo fresco com café, não vou nem querer manteiga no pão quero só queijo e
vou fazer companhia a você!
Pego o queijo ponho sobre a mesa, Tupéte corta um pedaço e come com o
resto de café que tomava, coloca mais um pouco de café no copo de leite que eu
havia esquentado.
__Onde esta o açúcar, pois gosto do café com leite bem docinho, -- pergunta,
indico o lugar onde minha mãe guarda o açúcar que ele pega e adoça seu copo e
se deleita com o pão com queijo, como ele havia pegado um pedaço pequeno,
corto uma fatia maior e lhe dou para que ele terminasse com o café com leite que
havia em seu copo.
__Anda logo com este seu café, Pavão e vamos chamar o Careca, pois ganhei
uma Colerinha do Fininho vamos ver se ela é boa de canto mesmo! – fala com
boca cheia, enquanto mastiga o pão com queijo.
__Fala de novo, pois não entendi nenhuma palavra do que você falou, --
reclamo – onde já se viu falar de boca cheia!
__Anda logo com este café e vamos chamar o Careca para caçarmos umas
Colerinhas, -- grita após terminar de mastigar o pão com queijo -– acontece que
ganhei uma Colerinha do Fininho e Ele disse que era muito boa de canto, vamos
ver se é verdade!
__Não precisa gritar, pois não sou surdo, -- respondo -- era só terminar de
comer e depois falar, vou lavar as louças e daí nós podemos ir para aonde você
quiser!
Arrumo a cozinha, acordo a Marise e aviso que vou caçar uns passarinhos com
o Tupéte, pego meu estilingue, o embornal e vamos chamar o Careca.
__Vocês caçavam para manter os coitadinhos presos e ainda por cima tinham a
coragem de matar os passarinhos, Papai, -- pergunta minha filha, indignada –
isso é um pecado alem de ilegal!
__Nessa época nós não tínhamos essa consciência ecológica que há nos dias de
hoje, foi graças a esses tipos de atitudes que adquirimos outros conceitos e criou
este pensamento de uma vida mais ecologicamente correta, não fique me
interrompendo senão não termina a estória hoje! – retorno a narrativa.
Chegamos ao Cortiço do Bargas e esta aquele reboliço de toda manhã, é uma
loucura por causa da privada, tem uma fila só que não anda, estão todos
apertados, basta desocupar a latrina,e o que entra logo escuta.
__Vê se anda logo com esta merda, pois estou apertado e quero cagar, -- diz
um – estou quase mijando nas calças! – diz o outro
__Marcos, o Marquinho, -- grita o Tupéte enquanto bato palmas – o Marcos!
__Finalmente você aprendeu o nome do meu filho, -- disse a D. Teresa ao abrir
a porta, pois ela não gosta que chamem o filho dela pelo apelido, Careca – Ele
esta dormindo, o que vocês querem com Ele?
__Acontece que nós combinamos de caçar, – responde o Tupéte – e Ele pediu
para chamá-lo, daria para a Senhora fazer o favor de acordá-lo?
__Ele já vem vindo, pois já se levantou! – responde D. Teresa retornando para
os seus afaseres..
O Careca sai da sua casa todo amarrotado, com os olhos cheios de remela, com
nos cantos da boca aquela saliva seca, amarelada, da uma espreguiçada e vai
64

para o tanque lavar a cara e escovar os dentes, volta para sua casa de onde sai
após alguns minutos mastigando um pedaço de pão.
__Parece que escutei o Tupéte falando para minha Mãe que nós vamos caçar,
-- comenta o Careca – vamos caçar o que, lagarto, tatu, capivara, o que nós
vamos caçar?
__Não acredito que vocês matavam tantos animais, Papai, -- interrompe mais
uma vez a narrativa, mas desta vez tem um ataque de histerismo com o que
estava ouvindo – vocês eram uns assassinos, isso sim é o que vocês eram!
__Como já te disse não era crime matar esses animais nessa época, -- justifico
– por favor, minha filha pare de interromper! – continuo a narrativa.
__Ontem ganhei do Fininho uma Colerinha, -- responde o Tupéte – quero ver
se ela é boa como Ele disse!
__Você tem alçapão? – pergunta o Careca.
__Lógico que tenho o alçapão, -- responde o Tupéte – como que você achou
que íamos caçar as Colerinhas?
__Que cara mal educado, -- responde o Careca – poderíamos ir caçar de
estilingue, de arapuca, com visgo de jaca, pois tem varias formas de caçar!
__Como que se caça com arapuca, Papai, -- pergunta meu filho interrompendo
mais uma vez – e como que é esse troço?
__Arapuca é uma armadilha feita com tiras de bambu, -- responde o Zé Lemão
– vai montando em forma de uma pirâmide com quatro pedaços sobre postos e
trava amarrando as pontas com arame!
__E o que é esse tal de visgo de jaca! -- pergunta agora o Bruno filho do Zé
Lemão .
__Quando a gente faz um corte no tronco da Jaqueira ela solta um leite como a
Seringueira, que forma uma cola, que se coleta enrolando essa seiva em uma
varinha -- reponde o Zé Lemão – é só passa este leite em qualquer galho que ao
sentar algum passarinho ele fica preso!
__Como vocês eram cruéis, -- se intromete minha filha mais uma vez que
balança a cabeça revoltada – já não estou com vontade de escutar mais!
__Então faça o favor de calar essa boca ou vai dormir, pois essa estória é de
uma caçada, se vocês continuarem a interromper toda vez que aparece algo novo
pra vocês ou algum mau trato de animais, até que tenhamos acabado de contar
teremos de arrumar um quarto para o Zé Lemão e sua família dormir! – ralho
fingindo estar zangado pelas interrupções, mas como ela não sai do seu lugar e
continuo a narração.
__Caçar de arapuca, essa é boa, -- responde o Tupéte e olhando para mim diz –
o Careca tem cada idéia, olha só Pavão o que Ele esta pensando?
__Vamos caçar então, -- responde o Careca – sei de um lugar ali na Pratinha
que é muito bom de Colerinhas, está cheio delas!
__Vamos então aonde você disse que conhece, -- concorda o Tupéte – temos
que passar na minha casa para pegar as coisas para irmos caçar neste lugar que
você falou!
__Mudou um garoto muito legal ali na casa dos fundos, Ele era de São Paulo,
posso chamá-lo para ir conosco? – pergunta o Careca.
Olho para o Tupéte para ver se ele era contra a ida deste garoto, mas ele não
esboçou nenhuma reação não sendo contra e nem a favor.
__Pode chamar esse garoto, Careca, -- respondo – não tem problema algum!
Careca se dirige até a última casa bem no fundo do Cortiço e bate na porta.
__O Walter está? – pergunta a Senhora que atende a porta,
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__Não esta, -- responde a Senhora – Ele foi com o Pai dele na casa da minha
Irmã, lá na Vila Primeiro de Maio, o que você quer com Ele?
__Nós vamos caçar e gostaria de convidá-lo a ir também! – responde o Careca.
__Pode deixar que aviso a Ele que você veio convidá-lo para caçar, --
responde a Senhora – qual o seu nome?
__Marcos, mas Ele me conhece como Careca! – responde meu amigo se
despedindo dela.
Careca entra na sua casa e retorna com o estilingue pendurado no pescoço e
um embornal a tira colo e saímos os três, rumamos à casa do Tupéte que entra
em sua casa e não demora a sair com o estilingue no pescoço e a gaiola da
Colerinha coberta com um pano de guarda-chuva, me da para segurar, desce até
o porão da sua casa e volta com uma gaiola vazia e três alçapões e vamos para
nossa caçada.
Para irmos caçar no local proposto pelo Careca temos de passamos em frente
do Cortiço do Bargas quando Careca vê o Walter jogando pião com os seus dois
irmãos mais novos enfrente sua casa lá no fundo do Cortiço.
__Waltinho, o Waltinho, vem até aqui um minutinho! – grita o Careca do
portão.
__Fala Careca, o que você esta querendo comigo, -- responde o garoto que ele
havia nos falado, que tem um sotaque estranho para nós, com um tom de
malandragem – minha Mãe disse que você foi me chamar lá em casa?
__Nós vamos caçar uns passarinhos lá na Pratinha, -- responde o Careca –
resolvemos te convidar para ir conosco, quer ir junto? – pergunta.
__Quero sim, só vou avisar minha Mãe e já volto, me esperem! – responde se
dirigindo a sua casa.
__Que cabeção tem este cara, vocês viram o seu jeito de falar, -- comenta o
Tupéte – a Mãe dele para fazer a feira não precisa de carrinho nem de sacola, é
só levar o boné dele que da para trazer a feira toda e sobra espaço! – e cai na
risada.
__Deixa de ser maldoso Tupéte, -- respondo – você põe reparo em tudo, só vê
defeito!
__Maldoso ou não, não sei te dizer, mas que Ele é cabeçudo não se pode
negar! -- responde o Tupéte rindo.
Waltinho volta e nota que o Tupéte e o Careca estão com o estilingue
dependurado no pescoço e eu não.
__Você também não tem estilingue, pois Eu não tenho? -- pergunta para mim
ao reparar que não esta a vista.
__Tenho sim! – respondo retirando o meu que está guardado no meu
embornal.
__Walter este é o Tupéte, Tupéte este é o Walter, -- o Careca faz as
apresentações – e este aqui é o Pavão! – damos as mãos em comprimento.
Apresentações feita vamos ao nosso objetivo, o lugar que só o Careca sabe e
que fica lá pelas bandas da Pratinha, subimos até a casa da lavoura viramos para
o C.I.C., descemos até a linha do trem, só que ao invés de ir para o lado do
frigorífico descemos a rua sem saída, a que termina na linha do trem, e vamos
andando pelos trilhos até o pasto do Gountram.
Depois de entrarmos na linha do trem tiramos o pano que protege a gaiola,
vemos que a Colerinha é boa realmente, pois responde ao canto das outras
mesmo estando em movimento, temos de sair dos trilhos, pois o trem que vem
de Poços de Caldas esta atrás de nós e soa o apito, nesta época ainda havia
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vagões para passageiros, acenamos para os que estão olhando pelas janelas e
somos retribuídos com o mesmo gesto por alguns passageiros.
Passamos pela cerca do pasto do Goutram, caminhamos pelo meio do rebanho
de vacas e vamos procurar um local onde descem para beber água, para
podermos atravessar o Rio da Prata com as gaiolas em segurança, achamos um
lugar onde a água bate pela cintura, é aqui que nós atravessamos e alcançamos a
outra margem do Rio, andamos mais uns quinze minutos e chegamos onde o
Careca havia dito.
Foi embaixo de um pé de João Bolão que armamos a gaiola com os alçapões e
sentamos a uns quinze metros de distancia e aguardamos, pois não demora quase
nada e já tem uma Colerinha presa no alçapão.
Corremos para verificar se é macho ou fêmea, pois só nos interessa os machos
porque somente ele é que canta, se fosse fêmea nós soltávamos, demos sorte,
pois era macho.
__Não sei de quem foi à sorte, pois do passarinho é que não foi que pecado,
estou começando a ficar decepcionada com o Senhor, Papai! – mais uma vez
interrompe a Juliana.
__Já falei para ir deitar se esta tão revoltada com o que fazíamos naquela
época, mas fazia parte da cultura das pessoas que por acaso não tinha nenhuma
consciência de tratar bem o eco sistema, você assiste na televisão a apreensão de
aves silvestres hoje em dia que tem essa divulgação toda em defesa do eco
sistema, naquele tempo era muito pior! – repreendo e explico a minha filha, e
continuo a estória.
__Não te falei que este lugar é bom de Colerinhas, Tupéte, -- disse o Careca
todo orgulhoso.
Passarinho na gaiola reserva, alçapão armados, voltamos ao local em que
estávamos escondidos, só na espera, não demora nem dez minutos e cai outro no
alçapão, mas soltamos, pois era fêmea.
__Porque vocês trouxeram os estilingues, -- pergunta o Walter – só estão
caçando de gaiola, pensei que fossemos matar alguns passarinhos?
__Este lugar tem uns lagartos rajados que são uma delicia de comer, já
experimentou Waltinho! -- responde o Careca.
__Bem que notei que tem bastantes lagartinhos, mas só que são verdes, nunca
comi carne de largato, só comi o lagarto que é um corte da carne de vaca! –
responde Walter fazendo um trocadilho.
__Estes nós não matamos, dizem que eles são venenosos! – explica o Tupéte.
__Temos de esperar eles amadurecer! – digo tirando um sarro do garoto da
capital.
Continuamos sentados observando à gaiola e o Walter começou a se cansar de
só ficar olhando e pergunta para o Careca.
__Você não quer da uma volta para ver se caçamos algum lagarto, vem
também Pavão, deixa o Tupéte pegar as Colerinhas! – o Careca e eu aceitamos o
convite – me empresta o seu estilingue Tupéte?
__Como convida para caçar se não tem com que caçar, não gosto de emprestar
o meu estilingue para ninguém, -- responde o Tupéte --- mas vou abrir uma
exceção, hoje vou quebrar o teu galho, mas se acaso você arrebentar vai ter de
pagar, não quero nem saber de desculpas, estamos conversados?
__Pode deixar que vou tomar todo cuidado com o estilingue, – promete o
Walter – se acaso arrebentar o seu estilingue pago outro novo para você!
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Waltinho pega o estilingue da mão do Tupéte e saímos à procura dos Lagartos,


não temos de andar muito para vermos um Lagarto de mais ou menos uns
cinqüenta centímetros tomando Sol encima de uma pedra.
__Me deixa matar este Lagarto! – pede o Waltinho.
__Mira bem, -- digo após olhar para o Careca que não esboçou nenhuma
reação quanto ao pedido do nosso novo amigo – o Careca e eu vamos ficar de
prontidão, se você errar nós atiramos, esta bem assim?
__Pode deixar que não vou errar a pedrada! – diz cheio de convicção.
Ele coloca a pedra no estilingue, estica o máximo, o Careca e eu também, mas
não precisamos atirar, pois a pedrada dele foi certeira, bem na cabeça do Lagarto
que morreu na hora.
__Acabei de crer que vocês não têm mesmo consciência, estou indo para meu
quarto, pois não estou gostando nadinha dessa estória! -- mais uma vez
interrompe se levantando para sair.
___Como você é chata minha filha, estou contando algo que ocorreu a mais de
trinta anos, meu amor, já te disse que não era crime e nem achávamos que fosse
pecado, pois nós acreditávamos que era natural caçar para comer e criar os
animais silvestres em cativeiro , pergunta para o Zé Lemão ou para sua Mãe
acredito que a Geane teve pelo menos um passarinho preso numa gaiola! –
chamo a atenção da Juliana por mais uma interrupção e tento justificar o que
fora feito em outros tempos.
__Calma minha filha, aquele jaboti que tem a minha Mãe tem lá na casa dela
deve de ter mais de cinqüenta anos, Ela ganhou quando era menina! -- me
socorre minha esposa lembrando-a do animal que minha sogra tinha na casa
dela.
__Não tem comparação em criar um bicho com carinho e com matar um
bichinho indefeso desses! – reponde minha filha convicta.
__Claro que não da para comparar, mas estou tentando mostrar que desde
muito antigamente tinha a cultura em domesticar os animais e de matá-los para
comer,você já teve algum animal silvestre como bicho de estimação Geane? –
pergunto a esposa do meu amigo -- explica a Juliana para tentar dar parâmetros
da realidade, pois essa geração vive a era do ecologicamente correto!
__Lá na minha terra o Maranhão, até hoje a esse tipo de caça é comum, por
exemplo, nós tínhamos uma ararinha azul e deve de estar viva, pois minha Mãe
não fez nenhum comentário sobre ter morrido, – responde e explica – o povo
antigo ainda mantém esse costume bárbaro, mas graças a Deus essa nova
geração vem com uma visão diferente.
__Volta para seu lugar, meu amor, vem senta aqui de novo! -- peço com
carinho a conduzo onde estava sentada e continuo com a estória.
__Acho que foi cagada, -- diz o Careca baixinho em meu ouvido enquanto o
Walter corre para pegar o Lagarto que acabara de abater – vamos deixar-lo atirar
se aparecer outro está bem entendido, Pavão!
Concordo com a proposta do Careca, pois nós ficamos admirados com a sua
destreza, estávamos com medo de ele errar e perdemos aquele Lagartão, mas foi
puro engano nosso, pois o garoto da capital parecia ser bom de pontaria, acertou
bem na cabeça do bichão, conferimos após pega-lo.
Colocamos dentro do embornal do Careca e continuamos a caçada, logo mais
adiante vemos outro Lagarto sobre uma pedra só que é um pouco menor que o
outro.
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__Olha lá naquela pedra outro Lagarto Walter, -- diz o Careca – pode atirar
neste também!
__Vocês não vão importar de Eu matar este outro? – pergunta.
__Pode atirar que nós não vamos importar, -- respondo – mas vamos ficar de
prontidão se acaso você venha a errar, nós acertamos ele!
__Esta bem! – responde o Walter colocando uma pedra em seu estilingue e nós
também ficamos preparados.
Ele atira e novamente acerta bem na cabeça do Lagarto matando na hora, nem
tremeu e tombou morto.
__ Careca, parece que não foi cagada não, -- comento – acertou bem na cabeça
outra vez!
__Sempre tem tantos lagartos, Careca, pois nunca vi nada igual, -- pergunta
admirado – olha outro grandão lá naquela pedra da direita!
__Segundo uma lenda sertaneja os lagartos são como manga comum madura,
se aparece um, apareceu o outro, não é que ele desaparece durante este tempo,
ele emberna como os ursos, reaparecendo pelo final de outubro e embernando
em fevereiro, os sitiantes não gostam dos lagartos, pois durante esse período das
mangas eles comem o máximo, tudo o que puder, desde ovos de aves como das
galinhas e seus filhotes também, depois embernam para reproduzirem e crescer
os filhotes da cria anterior, não sei te dizer se é verdade, mas é o que conta a
lenda! – explica Careca sua teoria sobre os lagarto.
Continuamos a caçar por mais de duas horas, matamos ao todo seis Lagartos,
três o Walter sendo que no ultimo que ele matou arrebentou o estilingue do
Tupéte, o Careca matou dois e eu matei apenas um.
Voltamos onde havíamos deixado o Tupéte caçando as Colerinhas e ao nos ver
vem ao nosso encontro curioso, querendo saber como tínhamos nos saído na
caçada.
__Como foram na caçada, -- pergunta – quantos Lagartos vocês mataram?
__Foi boa a caçada, -- responde o Careca -- matamos seis Lagartos, três o
Walter, dois eu e um o Pavão e você como se saiu com as Colerinhas?
__Peguei oito Colerinhas, -- reponde o Tupéte – então o Walter matou três, é
por causa do meu estilingue, que é muito bom mesmo, estilingue de campeão,
pode me devolver então! – diz ao Walter estendendo a mão.
__Aqui está o que sobrou dele, -- diz o Walter entregando o estilingue
arrebentado ao Tupéte – acho que ele tinha uma boqueira por isso arrebentou!
__Boqueira no meu estilingue? – responde o Tupéte pegando de volta o que
restara – você esta de brincadeira comigo, pois meu estilingue era novinho e não
tinha boqueira nenhuma, vai ter de pagar, não quero nem saber seu cabeçudo!
__Mas eu não tive culpa, -- responde o Walter – juro por Deus!
__Não adianta por Deus no meio, -- responde o Tupéte – vai pagar e pronto,
cabeção, não tem desculpa não, pode pagar!
__Já te falei que vou pagar, -- responde o Walter – e cabeção é sua Mãe!
Neste momento estava colocado o apelido no Walter, pois ele não gostou de
ser chamado de Cabeção e reclamou com muito ênfase, quando acontece isso o
apelido pega, veja eu por exemplo, reclamei e o apelido pegou, Pavão, com o
Walter aconteceu a mesma coisa, não tem jeito.
__Eu não credito que este cabeçudo fez isso, -- reclama o Tupéte – me
arrebentou o estilingue novinho, vai ter que pagar ou vou arrebentar a cara dele,
cabeçudo filho da ***! – xinga inconformado olhando para a forquilha.
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__ Já te falei mais de uma vez que vou te pagar, -- reponde o Walter – e já te


disse que cabeçudo ou cabeção é a sua Mãe!
__Você xingou a minha Mãe pela segunda vez, seu filho da ***, -- responde o
Tupéte partindo para briga – não vou tolerar isso não, seu cabeção!
__Vamos parar com essa confusão, -- digo entrando na frente do Tupéte que já
partia para cima do Walter – Ele já disse que vai pagar e você continuou a xingar
de cabeção, de cabeçudo, tenha calma Tupéte não precisa de brigar!
__È bom pagar mesmo, senão Ele vai ver só, -- ameaça o Tupéte serrando os
punhos, e xinga mais uma vez enfatizando – não pense que me intimida esse seu
jeito de falar, CABEÇÃO! – grita bem alto.
O Walter não responde aos insultos do Tupéte, pegamos as gaiolas com os
passarinhos e retornarmos para nossas casas pelo mesmo caminho que tínhamos
feito, atravessamos o Rio da Prata, cortamos o pasto do Goutram, na linha do
trem nós pegamos o caminho ao contrario, seguimos rumo a estação ferroviária e
voltamos pelo Bairro do Rosário.
__Estou muito contente por vocês terem me convidado para esta caçada, --
disse o Walter – foi muito legal mesmo fizemos uma ótima caçada, -- e faz às
contas – o Tupéte pegou oito Colerinhas, o Careca matou dois Lagartos, o Pavão
matou um e matei três, foi realmente muito boa essa caçada, vocês não estão de
acordo comigo?
__Realmente esta foi uma ótima caçada, -- responde o Careca – Walter nós
podemos combinar outra caçada para qualquer dia desses, vou te falar uma coisa
espero que você não leve a mal!
__Pode falar Careca! --responde o Walter.
__O seu nome é Walter, um nome meio difícil de dizer, -- diz o Careca – mas
não sei se você percebeu, nós temos apelidos, o Tupéte chama Celso, o Pavão Zé
Guilherme e Eu apesar de toda essa cabeleira sou o Careca, mas meu nome é
Marcos, será que nós podemos te chamar de Cabeção?
__Pode sim, -- responde o Walter – lá onde morava já tinha este apelido, não
tem problema algum!
__O filho da *** reclamou quando chamei de Cabeção! – resmunga o Tupéte.
Pelo caminho que tomamos a primeira casa é a do Tupéte, quando nós
chegamos e D. Conceição vê os Lagartos e fica furiosa.
__Celcinho não quero que vocês usem o meu tanque, pois está cheio de
roupas, -- avisa D. Conceição – pode tratar de ir limpar esses bichos imundos em
outro lugar, mas não aqui em casa, que nojeira!
__Não precisa se preocupar D. Conceição, -- respondo propondo uma solução
-- vamos limpa-los lá na minha casa, o Celcinho só veio guardar os passarinhos
que caçamos no viveiro!
Tupéte dependura a gaiola com a Colerinha caçadora, vai até o viveiro e
guarda as que caçamos. Neste viveiro contem três Canários da Terra, um casal
de Canários do Reino, dois Bicudos, uma Colerinha Rei, duas Sanhaseira e seis
Colerinhas com as oito que pegamos passa a ter quatorze.
Colerinha Rei para quem não conhece, ela não tem a coleira no pescoço, seu
pescoço é todo preto, já a Colerinha comum tem as assas pretas, peito branco e a
cabeça preta com um anel branco no pescoço, que parece um colar, daí a origem
do se nome Colerinha.
Vamos até minha casa para limpar os Lagartos entramos e vamos direto ao
tanque e começamos a tirar o couro e a barrigada dos Lagartos, minhas irmãs
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vendo aquele movimento no quintal saem de casa para ver o que estávamos
fazendo e ao verem os Lagartos mortos ficam indignadas.
__Vocês mataram estes coitadinhos, -- diz a Marise –isso é pecado!
__Olha só Marise, -- aponta a Anelise para os Lagartos sobre o tanque – eles
mataram um monte, -- e conta – seis Lagarto, nossa que pecado, coitadinhos!
__Não enche o meu saco, -- reclamo – vá assistir televisão e deixem-nos
limpando esses Lagartos em paz!
__Vocês vão comer esses coitados? – pergunta a Marise fazendo cara de nojo
– não quero nem sentir o cheiro desse bicho e se você fritar aqui em casa Eu vou
contar para a Mamãe!
__Eu também vou contar para a Mamãe, -- disse em apoio a Anelise – estou
morrendo de pena destes Lagartos!
__Mulheres, não tem estomago para agüentar essas coisas! – comento depois
de elas entrarem em casa.
__Lá onde Eu morava em São Paulo não tem lugar para caçar, -- comenta o
Walter enquanto limpamos os Lagartos – é casa para todo lado que você olha,
casas e prédios, alguns tão altos que da até dor no pescoço de ficar olhando!
__E como você atira tão bem de estilingue, -- pergunta o Careca curioso – se
vocês não têm onde caçar, como vocês treinam?
__Tenho um Tio que tem um sitio em Bandeira do Sul, aqui no sul de Minas e
sempre vinha passar as férias no sitio dele, -- responde o Walter – e em São
Paulo nós treinávamos em latas!
__Os rios de São Paulo são bom para pescarias? – pergunta o Tupéte.
__Não tem peixe algum nos rios que corta a cidade, -- responde o Walter –
eles são um esgoto ao céu aberto, quase não da para agüentar o mal cheiro deles,
de tão poluídos, se você tentar nadar neles é bem capaz de você morrer por causa
da sujeira!
Terminamos de limpar os Lagartos, colocamos os couros e as barrigadas no
lixo, dividimos as carnes e meus amigos vão para suas casas, entro em casa e
esquento o meu almoço, pois minhas irmãs já haviam almoçado, e frito um belo
pedaço do rabo do Lagarto que acabamos de caçar, que me deleito com o sabor
desta carne muito parecido com o sabor da carne de peixe, pois estou com muita
fome depois de passar a manhã toda nesta caçada.

Capitulo 1 3

A PESCARIA

Depois de combinar com o Zé Lemão um novo jantar entre nossas famílias,


minha esposa e eu os levamos com nosso carro até sua residência. Ficamos
encantados com a família do meu amigo, sua esposa uma simpatia e seus filhos
muito bem educado, nos despedimos e retornamos ao meu lar.
Os dias se passam como estamos acostumados, a mesma rotina, vou para o
trabalho e do trabalho para casa, minha esposa com sua vida cotidiana, meus
filhos fazem o de sempre, o Gui escola, depois o curso no SENSC e as aulas de
violão na orquestra de cordas em dias alternados e a Juliana escola e balé.
Ontem fui visitar o Seu Duarte, pai do Careca e consegui com ele o telefone de
contato, mas devido à hora que retornei ao meu lar não pude ligar para ele, pois
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estava muito tarde para variar, pois encontrei com o Maguila quando estava
esperando o ônibus urbano e ele desceu no ponto onde estou aguardando e me
vê, pois sou o ultimo da fila para entrar no ônibus.
__Ola Pavão, como você esta, vem vindo lá de casa? – pergunta ao vir ao meu
encontro me estendendo a mão para cumprimentar-me.
__Fui até a casa do Careca e consegui com o Seu Duarte o telefone dele para
contato, pois estou pensando em reunir nossa turma de antigamente para um
churrasco lá no rancho do Rodolfo, meu cunhado! – respondo e dou-lhe um
aperto de mão e um abraço.
__Não acredito que você não foi até minha casa, -- responde indignado com
minha atitude – se minha mãe fica sabendo que você veio até aqui na vila e não
foi lá em casa ela é capaz de ter um treco, pois sabe muito bem que ela gosta
muito de você e é bem possível que não te perdoaria por esta falta de
consideração!
__Acontece que não avisei em casa que viria aqui na vila, naquele dia que fui à
sua casa cheguei muito tarde em casa e a Eliza ficou muito brava e chateada
comigo, pois não avisei onde estava e mais brava por não ter trazido Ela! –
justifico.
__Não seja por isso, tem um orelhão aqui na pracinha e você liga para Ela
avisando que esta na minha casa, aproveita e manda um abraço a Ela, vamos até
lá para telefonar! – soluciona o problema e me deixando sem opção.
Telefono em casa, mas ninguém atende e deixo o recado na secretaria
eletrônica e vamos para casa do meu amigo de infância, quando chegamos é feita
a melhor recepção que alguém pode esperar e estão todos sentados em torno da
mesa comendo o seu jantar.
__Olha só quem o Maguila trouxe Mãe! – diz o Aguinaldo ao nos ver chegar.
__Não estou acreditando no que estou vendo! -- acrescenta o Cássio.
__Seja bem vindo Zé, pois chegou em boa hora pegue um prato e venha jantar!
– convida D. Conceição.
__A senhora não vai acreditar onde encontrei o Pavão, Mamãe! -- disse o
Maguila.
__Onde foi meu filho? – pergunta.
__Encontrei no ponto de ônibus aqui da pracinha, quando desci da circular, Ele
ia indo embora e nem vinha aqui em casa! – me entrega a toda sua família.
__Não acredito que você ia embora sem nos visitar, José Guilherme, -- quando
ela me chama pelo nome a coisa ta feia pro meu lado -- se tivesse acontecido
isso Eu iria ficar uma fera contigo! –me condena pela minha atitude e reclama.
Todos me olham de uma forma que fico morrendo de vergonha e começo a me
justificar.
__Como já falei ao Maguila, no outro dia que estive aqui na casa da Senhora
foi um bafafá lá em casa, a Eliza ficou brava por causa da hora que cheguei mais
ainda por ter vindo sozinho, e para variar hoje também não avisei que vinha
aqui! – relato a eles a razão da minha atitude.
__Mas agora o problema já foi resolvido, Ele telefonou avisando que esta aqui
em casa, então esta tudo em ordem, venha Pavão pegue um prato e venha comer!
– conta o que fiz após encontrá-lo e me entrega o prato e convida a retirar o
jantar.
Para não esticar a conversa sobre ocorrido daquela noite, farei um resumo, mas
vocês já devem imaginar, após jantarmos, viramos a jogar truco, mas não estava
completa as parcerias, pois seu Tibila esta viajando para Santos e só voltava no
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outro dia, cheguei na minha casa onze e quinze no ultimo ônibus urbano e minha
esposa me fez dormir no sofá.
Hoje cheguei em casa na mesma hora de sempre e não há ninguém, então
aproveito para ligar para o Careca.
__Alo, -- ouço uma voz masculina do outro lado da linha ao atender o telefone
– gostaria de falar com Marcos Antonio Munford!
__Pode falar, pois é Ele quem esta falando! – responde.
__Gostaria de saber se acaso esta interessado em bater locas lá na cachoeira do
Almeida? – pergunto sem me identificar.
__Quem esta falando? – pergunta.
__Acontece que uma pessoa conhecida nossa disse que o Careca sabe de um
lugar que é muito bom para bater locas, por acaso esse Careca é você?
--pergunto não contendo o riso que escapa sem querer.
__Já sei quem esta falando, só pode ser o Pavão, não da outra, reconheço esta
voz de longe apesar do passar dos anos -- responde meu amigo após me
reconhecer minha voz, -- puta que ***, a quanto tempo não te vejo, como você
esta meu caro amigo, onde conseguiu meu telefone cara, estou morrendo de
saudades de você!
__Ontem fui até a casa de seus pais e pedi a Ele o numero do seu telefone e
hoje estou te ligando! -- respondo.
__Nossa Senhora da Aparecida, você me deixou muito feliz em ouvir sua voz,
-- diz – outro dia estive comentando sobre nós com o meu filho o André, você
lembra-se dele, não é mesmo!
__Ele é seu segundo filho com a Nadia, -- repondo,pois ele tem um filho com
a Marcia uma prima minha e dois com uma mulher de Espírito Santo de Pinhal
– e por falar nela, como Ela esta?
__Ela vai muito bem, ainda não chegou do trabalho, mas não demora muito e
estara entrando porta adentro! – responde.
__Estou te ligando porque encontrei com o Zé Lemão outro dia após muitos
anos sem nos vermos e começamos a recordar dos velhos tempos e combinei de
tentarmos localizar o Tupéte o Cabeção e você para marcamos um churrasco
num rancho que meu cunhado tem lá na Formosa, para nos reencontrarmos e por
nossas conversas em dia, assim matarmos as saudades! – explico.
__Acho que é uma ótima idéia, pois já faz um tempão que não nos vemos,
pode contar comigo! – responde – que dia você esta pensando nesse reencontro?
__Se der tudo certo agora dia vinte um de abril, vai cair numa segunda feira,
podemos ir no sábado e ficar até o feriado, assim comemoramos meu aniversario
que será no dia primeiro, o que você acha!
__Pode contar comigo, já estou contando os dias passarem, vai ser
maravilhoso rever todos vocês, quero que saiba que nunca esqueço seu
aniversario, pois é no dia da mentira, obrigado por lembrar-se de mim! – Careca
responde concordando com o encontro.
Conversamos por mais uns quinze minutos quando chega sua mulher e
batemos um papinho muito gostoso, pois a Nadia também é uma amiga de longa
data que conheci antes dele e fora a ele apresentada por mim.
Terminando de realizar este telefonema pensei em continuar com a tarefa que
me incumbi, liguei para o Tupéte, o Cabeção e o Zé Lemão confirmando a data
do churrasco.
Banho tomado e realizado por estar confirmado o reencontro dos fundadores
da TURMA DO BECO vou para a cozinha e coloco as panelas no fogo para
73

esquentar o jantar, vou preparando a mesa para receber nossa refeição, não havia
terminado de completar a tarefa quando chega minha família.
__Que gostoso chegar em casa e encontrar tudo pronto e ainda mais feita por
meu marido, que benção, poucas mulheres tem este privilégio! – diz a minha
mulher entrando na cozinha seguida de meus filhos que vem me dar um abraço e
um beijo.
__Boa noite meu amor, privilégio é ter uma casa para voltar, encontrar a
comida pronta e somente esquentar para aguardar a chegada das pessoas que
mais amo que são vocês, minha família! – respondo recebendo um beijo e
abraço de cada um.
Jantamos e durante o jantar contamos como foi o nosso dia, tudo o que
fizemos. Depois da cozinha limpa vamos ver o jornal e assistir a novela das oito,
as crianças não agüentam a chegar ao final da novela e adormecem no sofá, nós
aguardamos o final do capitulo, para levamos para a cama e vamos dormir.
No dia do meu aniversario dia primeiro de Abril, recebo a triste noticia, o
Careca havia morrido afogado no rio Jaguari, posso dizer a vocês que foi o pior
aniversario que tive em toda minha vida, telefono para meus amigos e aviso da
morte do nosso amigo, ficamos todos arrasados, pois havia morrido um dos
fundadores da nossa saudosa TURMA DO BECO.
Sei dizer a vocês meus leitores que este mês de abril foi o maior fiasco, fiquei
muito frustrado com o reencontro que havia planejado, pois não foi possível
reunir meus amigos, passado quinze dias da morte do Careca recebo um
telefonema do Cabeção que não poderia vir para o nosso churrasco, pois teria de
ir para trabalha na montagem de uma mineradora lá no estado do Amazonas, na
cidade de Altamira.
Passado mais cinco dias desta recebo a notícia pelo Rudnei irmão do Tupéte,
que ele havia sido baleado por um amigo dele em um bar na cidade de
Votorantin após retornarem de uma caçada, não vou entrar em detalhes, pois não
vem ao caso vamos deixar para outra ocasião.
Telefonei para o Zé Lemão para dar mais esta noticia ruim, mas vocês não
sabem da maior, somente consegui dar essa noticia a ele na véspera do nosso
encontro, pois estava trabalhando em Mogi Guaçu, ele ficou arrasado com o
desenrolar dos acontecimentos que ocorreram após o nosso reencontro no
terminal urbano, perguntou se iríamos até Sorocaba para ver o nosso amigo e
respondi que nada adiantaria, pois ele estava na UTI e não podia receber visitas,
mas fiz questão de reunir com a família do Zé Lemão para passar o final de
semana no rancho do meu cunhado.
Tivemos um final de semana maravilhoso fomos na sexta feira a noite e
ficamos até segunda a tarde, fizemos churrasco todos os dias, as crianças se
divertiram entre elas, nossas mulheres se tornaram amigas, Zé Lemão e eu
conversamos muito e jogamos baralho, mas jogamos buraco invés de truco,
saímos para pescar com nossos filhos e pegamos apenas alguns lambaris, na
noite da véspera de voltarmos conto esta estória.

Capitulo 1 4

A PESCARIA
74

__Zé Guilherme, levanta, pois está quase na hora de ir para meu trabalho, saia
já desta cama e vá tomar o seu café! -- como sempre sou acordado pela minha
mãe que me chama.
__Bom dia, Mamãe que horas são, espera um pouquinho, pois deitei muito
tarde, depois da meia noite, -- respondo – deixa descansar mais um pouco!
__São dez para as sete, levanta logo e vê se vai arrumar um serviço – responde
minha mãe -- assim não está dando, não estou agüentando mais, levanta seu sem
vergonha, anda logo, pois é de manhã que se arruma trabalho! – acrescenta,
puxando minha coberta.
Levanto com muito sono, vou ao banheiro, faço tudo o que se faz num
banheiro na hora que acorda, vai-se à latrina, lava-se a cara, escovam-se os
dentes, penteia-se e tudo mais que fazemos na higiene matinal. Vou à cozinha
para tomar o café da manhã, observo minha mãe terminar de fazer o arroz e
ferver o feijão para não azedar.
Sirvo-me do café, pego um pedaço de bolo de fubá e começo a comer. Todos
os dias antes de sair para o trabalho, minha mãe deixa o almoço pronto que nós
somente esquentamos, fazemos a mistura e temperamos a salada.
__O que você vai fazer hoje, meu filho? – pergunta minha mãe enquanto me
acomodo para comer – espero que você vá arrumar um serviço, com as férias
começando hoje as meninas em casa o dia inteiro, vocês três em casa sozinhos,
até dá medo de pensar! – acrescenta temerosa do que pode acontecer, pois
aprontamos muito quando estamos sós as meninas e eu, sem supervisão de um
adulto.
__Pode deixar que sairei para arrumar um emprego agora de manhã, darei uma
volta pela cidade e vou ver se concigo algum trabalho, – respondo – pode deixar
que vou tomar conta das meninas, pode ficar tranqüila, nem precisa se
preocupar! – acrescento.
__Este é o meu maior medo, – diz minha mãe – vê se não vão fazer arte, hein!
olha as horas, sete e quinze, estou atrasada, tchau meu filho, tenha juízo! –
aconselha.
Dá-me um beijo e para sai mais um dia de labuta, são sete e quinze, minha mãe
já está acordada desde as cinco horas da manhã para deixar a roupa lavada e o
nosso almoço pronto. Termino de tomar o meu café, escrevo um bilhete para
minhas irmãs e vou até a casa do Tupete chamá-lo grito seu nome e ele sai,
vamos chamar o Careca, bem não é chamar, nós vamos é acordá-lo, pois com
certeza deve estar dormindo.
Ontem nós combinamos de fazermos uma pescaria lá no sítio Douradinho, pois
nós tínhamos achado um poço muito bom e fazia quatro dias que estávamos
cevando com as sobras que varriam na padaria do Zezão, que nos deu alguns
sacos com estes resíduos, que são ótimos alimentos para os peixes.
Entramos no cortiço do Bargas, vamos até a casa do Careca e o Tupete chama:
__ Careca, o Careca! – e não sai ninguém.__ Oh Marquinho Careca! – chama
novamente porque havia lembrado que a D. Teresa não gostava que chamasse
pelo apelido o seu filho.
__ Aqui não mora nenhum Careca, já estou cansada de falar a vocês, – diz
dona Tereza abrindo a porta -- aqui mora o Marcos, e ele está dormindo!
--acrescenta.
75

__ A Senhora faz o favor de acordá-lo – disse o Tupete – é que Ele pediu pra
nós passarmos aqui para chamá-lo para nós fazermos uma pescaria, já é sete e
meia e está tarde para nós sairmos para a pescar!
__ Pode deixar que irei acordá-lo – disse dona Tereza – é bom vocês não
esquecerem o nome do meu filho, é Marcos e não Careca, aqui nesta casa não
mora nenhum Careca! - entra pra acordar o “Marcos”.
Como sempre o Careca sai com aquela cara que vocês já estão acostumados
com a narrativa dos outros contos, todo amarrotado, como sempre vai para o
tanque lavar o rosto e escovar os dentes, afinal das contas sua rotina matinal.
__ Só agora que vocês vieram me chamar, já é mais de sete e meia, está
ficando tarde, -- reclama o Careca vindo ao nosso encontro -- o douradinho fica
longe, se chegarmos tarde é bem capaz de já ter alguém no nosso poço
pescando!
__ Este cara é folgado e mora longe, dorme até tarde e ainda acha que somos o
despertador dele! -- Tupéte olha pra mim dizendo com a maior ironia.
__ Você pegou as tripas da galinha, Tupéte? -- pergunta o Careca tentando
desviar a conversa – e as suas varas Pavão, onde você arrumou? – pergunta, pois
eu não tinha varas até quando nos despedimos ontem à noite.
__ Consegui lá com a Dona Alzira avó do Zé Guido as tripas, – responde o
Tupéte – vai logo pegar as suas traias e para de aporrinhar! – responde Tupéte e
apresa o dorminhoco que retorna do tanque ainda com cara de sono.
__ Eu peguei umas varas, com o meu Tio, – respondo – umas varas campeãs,
próprias para curimbatá, sevamos bem aquele poço vamos ver quantos peixes
pegaremos!
__ Se pegarmos um cada já está bom – responde o Careca – deixa pegar as
minhas traias, já volto!- entra na sua casa e logo sai com uma mochila e as varas.
__ Marcos, vê se não volta tarde, pois seu pai vai chegar às cinco horas e você
tem que ajudá-lo com as malas! - a Dona Tereza diz ao Careca ao ver que
estamos de saída.
__ Pode deixar Mãe que volto lá pelas quatro horas da tarde, – responde o
Careca – vamos Tupéte, vamos Pavão, a sua benção Mãe, tchau!
__ Deus te abençoe meu filho, – diz Dona Tereza – não esqueça que quatro
horas da tarde você tem que estar em casa, sabe que seu pai fica uma fera
quando tem que vir sozinho com todas aquelas malas lá da rodoviária! - avisa.
__ Eu não vou esquecer, -- garante o Careca – quatro horas será o mais tardar
que estarei em casa, a sua bênção!
__ Deus te abençoe e boa pescaria para vocês! -- deseja D. Tereza.
Careca esta com as suas traias, vou descrevê-lo para que possa visualizar a
figura, trás na cabeça um chapéu de palha, camisa xadrez bem surrada, estilingue
no pescoço uma mochila na costa e um embornal a tira colo, segura um feixe de
varas sobre o ombro direito e um coador.
Lá vamos nós para a casa do Tupéte pegar as suas coisas, ele pega e sai mais
ou menos parecido com o Careca, pois não trás a mochila, agora nós vamos para
a minha casa pegar as minhas traias de pescaria.
Entro em casa e eles aguardam na calçada, a Marise já havia acordado e está
varrendo a sala, cumprimento-a e vou para a cozinha em uma panela pequena,
pego um pouco de arroz que minha mãe acabara de fazer, coloco na panela, pego
o feijão e completo. Pego uma frigideira, um pouco de óleo que ponho num
vidro, um punhado de sal num saquinho plástico, uns pratos de plástico e
talheres que coloco tudo em uma mochila.
76

Mochila nos ombros vou ao quartinho de despejo, pego as varas que ganhei do
meu Tio o chapéu que me emprestou, vou ao encontro dos meus companheiros
que me esperam na calçada, estou para abrir o portão quando ouço o Careca
falar.
__Nossa Senhora Aparecida – reclama para o Tupéte – como demora o Pavão,
até parece uma noiva! – compara
__Pavão é muito enrolado – diz o Tupéte – aposto que Ele foi tirar minhocas!
__Eu estava preparando uma panela com comidas para nós, já que vocês estão
com pressa, acho que não vou dividir com vocês! – respondo ao abrir o portão, e
vou logo me defendendo:
__O que é isso Pavão? – disse o Tupéte – nós não vamos dividir os peixes que
vamos pegarmos? – pergunta – então, vamos dividir esta comida também!
__Ainda bem que você lembrou-se da comida – disse o Careca – só peguei um
pão com manteiga!
__Vamos embora, vamos Careca, vamos Tupéte, anda logo que os peixes estão
nos esperando!
O caminho para chegar ao poço que vamos pescar, é de terra batida e a
distância é de quatro quilômetros, levamos quase uma hora para percorrer este
trajeto.
Ao passarmos uma cerca para chegarmos até o poço no rio Jaguari Mirim,
notamos que há três cavalos pastando mais a frente. O Careca é muito corajoso,
se aproxima bem devagar dos cavalos que não se assustam, alisa a crina, passa a
mão na anca de um, depois passa no outro e no outro, os três cavalos são mansos
não esboça nenhuma reação ao serem acariciados.
__Pavão, Tupéte, encontrem uns cipós que usaremos como corda, fazemos o
cabresto e vamos a cavalo até a beira d’água, o que vocês acham?
__Boa idéia – disse o Tupete – se caso o dono aparecer, não tem problema,
pois não vamos sair do pasto, vamos apenas até a margem do rio! – justifica a
nossa transgressão.
__ Será que não vamos arrumar algum problema? – pergunto meio ressabiado.
__ Não vai dar rolo algum – garante o Tupéte – nós não vamos sair do pasto,
não tem o porquê de dar algum problema!
__ Se acaso alguém vir falar alguma coisa – disse o Careca – diremos que só
queríamos dar uma volta com os cavalos, o que vocês acham?
__ Está legal, pois se vocês não estão com medo, também não estou! –
respondo e consulto o Tupéte com o olhar que também concorda com a cabeça
em pegarmos os cavalos.
Nós dois saímos à procura de uns cipós que se fosse maleável o suficiente para
não arrebentarmos na hora de amarrar na boca do cavalo, fazendo o cabresto,
enquanto o Careca os mantém onde os havíamos encontrados, de posse de
alguns cipós, pegamos os cavalos. Cada um de nós em sua montaria vamos para
o lugar onde há dias preparávamos jogando os farelos, sevando aquele poço para
pescar. Montados nos cavalos, nós assim percorremos a distancia que nos
restava até as margens do Jaguari, soltamos os cavalos que ficam pastando nas
proximidades.
Colocamos dentro d’água mais um saco com os resíduos que havíamos pegado
na padaria do Zézão e deixado escondido em uma moita de capim, um pedaço de
tripa de galinha no anzol, assim nós começamos a pescar, cada um em seu lugar
previamente escolhido.
77

Deve de ser aproximadamente umas nove e quinze, calculo olhando para o sol,
estamos com todas as nossas varas iscadas e dentro d’água, só aguardando os
curimbatás encostarem no poço que esta muito bem cevado.
Separo uma vara troco por um anzol menor, isco com a minhoca que havia
pegado em minha casa no dia anterior e começo a pescar lambaris. Careca vendo
que eu havia começado a pegar uns lambaris vem a mim e pede um pouco de
minhocas, prepara uma vara para pescar lambris também, como o Tupéte quer
pescar apenas curimbatás, não se da ao trabalho de mudar a tática de pesca.
Já devia de ter passado das dez e meia, quando o Tupéte pescou um curimbatá
pequeno, o Careca pescou vinte e seis lambaris e eu apenas quinze lambaris.
__ Pavão foi quem pegou a menor quantidade de peixes, vai ficar encarregado
de limpar os peixes enquanto o Careca e eu vamos catar lenhas e preparar o
fogão com algumas pedras! – disse o Tupéte que está todo orgulhoso por ter
pegado o curimbatá.
__Você é um folgado, -- reclamo – pegou apenas um curimbatá de nada, quase
um filhote, pesquei quinze lambaris grandões, do rabo vermelho, que pondo
todos juntos é mais pesado que seu curimbatá, não acho justo sobrar para mim a
limpeza dos peixes!
__Mas pondo todos os seus lambaris tenho certeza que o peso é menor do que
o meu curimbatá, -- defende-se o Tupéte – e de mais a mais você limpa melhor
do que Eu!
Paro de reclamar e desço um pouco mais abaixo de onde estamos pescando,
numas pedras de onde tenho mais facilidade para limpar os peixes, quando volto
o fogo já esta aceso, e estão com a panela de comida no fogo.
__Não encontrei nas suas coisas a farinha de trigo nem fubá, você não trouxe
nenhum dos dois? – reclama o Topete.
__Você olhou nos bolsos das laterais? – pergunto.
__Revirei sua mochila, você trouxe alho, cebola e sal, esses pratos de plástico,
três colheres, frigideira e a panela de comida que está no fogo, -- responde o
Tupete – não achei o fubá nem a farinha de trigo!
__Devo de ter esquecido, -- respondo – mas você tem a certeza de que olhou
direito nos bolsos laterais?
__Olhamos em todo lugar, -- responde o Careca – por mim fritamos sem
passar na farinha só no sal e fritar, pois estou com fome!
__Podemos fazer os peixes ensopados, -- sugere o Tupéte – mas vamos
precisar da panela que esta a comida, pois temos bastantes peixes!
Terminamos de esquentar o arroz e o feijão depois transferimos para a
frigideira e dois pratos no outro os peixes.
Tupéte começa a fazer o seu refogado, esquenta o óleo frita a cebola, refoga o
alho e frita os peixes levemente, que havíamos deixado temperando com limão
cavalo que o Careca pegou num pé que havíamos visto durante o trajeto, e sal,
refoga todos os peixes e acrescenta água e esperamos cozinhar.
Careca e eu voltamos aos nossos lugares e recomeçamos a pescar enquanto o
Tupéte tomava conta do seu refogado, olho para o sol e calculo que seja mais ou
menos meio dia, troco as iscas dos anzóis, recoloco todas as varas em seus
lugares, isco um grilo que casei para pescar um lambari e espero pelo peixe que
esta por vir.
__Pavão vê se na próxima vez não esquece a farinha, pois me deu o maior
trabalhão fazer este ensopado, -- reclama em tom de gozação o Tupéte – venham
comer, pois estou morrendo de fome!
78

Viro para traz pronto para dar uma resposta malcriada quando uma das minhas
varas que estão armadas, bem na beirada de uma moita de capim Napie, da uma
embodocada para dentro d’água, enverga toda, dou um salto e pego a vara e dou
uma fisgada bem forte, senti que havia pegado um peixe e era dos grandes, pois
quase a ponta da vara toca na água, fico com medo de quebrar a vara com a força
que fazia o peixe.
__Calma Pavão que este é dos grandes, -- grita o Tupéte aconselhando-me
enquanto corre com o sambura ao meu auxílio – não de ponta de vara senão
arrebenta a linha e ele foge, assim mesmo, desse jeito mesmo, estava na hora de
encostarem!
Luto com o bruto e nem consigo falar de tão nervoso que estou, sei dizer a
vocês que lutei por quinze minutos mais ou menos com bruto, até que não tendo
mais força ele bóia no meio do rio, é um belo exemplar de curimbatá, trago até a
margem e consigo retira-lo com o coador que me entregara o Careca, meus
amigos estão sentados do meu lado dando todos os conselhos que podiam
imaginar.
__Deve de pesar uns dois quilos! -- sugere o Careca enquanto estou tirando o
peixe para fora d’água.
__Acho que deve pesar mais, -- palpita o Tupéte – uns dois e meio no mínimo!
Eu nem arriscava a dar um palpite, pois ainda não estava acreditando no que
estava acontecendo, estava extasiado com o prazer de ter pegado um peixe tão
forte e grande como aquele.
__Pega aqui Tupéte, -- estendo as mãos passando o coador com o peixe para
meu amigo – segura com as duas mãos, pois pesa uns quatro quilos, aposto!
__Deve de pesar até um pouco menos uns três e meio no máximo, -- responde
o Tupéte pegando o curimbatá do coador com as duas mãos que chacoalha no ar
-- pega aqui Careca e olha como é pesado!
__Mais de quatro quilos tem esse bruto, -- disse o Careca fazendo o mesmo
gesto do Tupéte, – meus parabéns Pavão, um belo peixe, o Tupéte pegou um
curimbatá, que parece neto do que você pegou Pavão, mas pegou, agora só falta
o meu, mas ele vai engordar mais um pouco, pois agora Eu vou almoçar, estou
morrendo de fome e aquele ensopado que o Tupéte fez esta com um cheiro
delicioso, o vento estava levando lá no meu nariz me deixando louco de fome!
Com o peixe dentro do samburá seguimos em fila indiana para matarmos a
nossa fome, chegamos aonde esta montada nossa cozinha e como o Tupéte vai à
frente ele pegou um dos pratos que havíamos posto a comida para usarmos a
panela e com uma colher na mão foi se servir do ensopado.
__Quer este prato que esta pronto Pavão, -- pergunta o Careca -- se quiser
pode pegar!
__Pode comer você Careca, -- respondo pegando o prato que estava vazio –
vou comer na frigideira mesmo, mas não é o cheiro do refogado esta bom
mesmo, não vejo a hora de experimentar!
__Tomando cuidado com os espinhos fica mais fácil, -- brinca o Careca
tirando um espinho enorme, que provavelmente é do curimbatá, do refogado que
pusera em seu prato e mostra a nós – tirando isso não estou nem ai por que esta
delicioso, cozinha muito bem Tupéte, meus parabens!
__Eu catei quase todos os espinhos do ensopado, deve de ter escapado alguns
por isso é bom tomar cuidado, obrigado, a gente faz o que pode! – responde
encabulado pelo elogio.
79

Por volta das quinze para uma da tarde voltamos a pescar, onde cada um foi
para seu poço e recomeçamos nossa pescaria.
Vou descrever para vocês como é este local onde cevamos para podemos
pescar, fica numa curva acentuada com umas pedras cercando a saída das águas
formado um remanso para descanso dos peixes que vem subindo as corredeiras
formadas pelas pedras no leito do rio.
O barranco é bem arborizado tem um pé de Angazeiro centenário que faz uma
sombra enorme e deliciosa, o Tupéte arrumou e sevou o seu poço bem embaixo
dele, o Careca fez o seu local para pescar no meio da curva onde havia um pouco
de sombra e eu fiz o meu poço na saída da curva onde havia uma moita de capim
Napie, inclusive foi onde peguei este belo curimbatá.
Após uma hora mais ou menos encosta um cardume de curimbatá nesta curva
que cevamos que vocês não vão acreditar, onde o Tupéte estava pescando
começou a fazer umas ondas na água que indicava que muitos peixes estavam
chegando, ele nos fez um sinal mostrando o movimento na água. Exatamente
neste instante que gesticula, uma de suas varas embodoca e ele fisga o peixe que
ousara a roubar sua isca.
Não havia o Tupéte tirado o seu peixe de dentro d’água, quando o Careca fisga
um também, enquanto olho a batalha que travam meus amigos, na mesma vara
que havia pego o curimbatá, bem no mesmo lugar, pega outro, nós três lutando
ao mesmo tempo para retirar d’água três valentões que não querem se entregar
tão facilmente.
Durante duas horas mais ou menos não tivemos chance nem para fazer xixi,
pois o cardume que se encostou ao poço que havíamos preparado durante cinco
dias consecutivos fez valerem a pena todos os sacrifícios que fizemos. Tupéte
pegou dezoito curimbatás, Careca pegou quinze e eu dez, ao todo quarenta e três
curimbatás de todo tamanho.
__Vem comer um pedaço de pão, Pavão, -- grita o Careca saindo do seu poço
indo para onde armamos nossa cozinha – vem Tupéte!
Vejo que os dois se dirigem para cozinha, verifico as iscas das minhas varas,
deixo tudo em ordem e vou ao encontro dos dois.
__Nunca vi tanto peixe assim, você tem bons olhos para identificar um bom
poço Tupéte -- digo admirado – quantos peixes vocês pegaram, -- pergunto – Eu
peguei dez!
__Encostou um cardume grande, -- disse o Tupéte – viemos ao poço certo,
pois com essa corredeira enorme para subirem, Eu falei para vocês que este
lugar era ideal, era só cevar para depois colher os benefícios, você pegou dez,
Pavão, e você Careca quantos pegou, sei que não foi poucos, pois uma hora vi
que lutava com duas varas duma vez!
__Você estava certo mesmo, escolheu o lugar perfeito, -- responde o Careca –
nunca pensei que pegaria tanto peixes em tão pouco tempo, aquela hora que
você viu lutando com duas varas foi quando peguei o maior, achei que não ia
conseguir tirar nenhum, mas consegui retirei os dois de dentro d’água, -- conta
emocionado ao lembrar – peguei quinze curimbatás e você pegou quantos
Tupéte?
__Vocês não vão acreditar, achei que fosse ficar louco com as minhas varas, --
respondeu – fisga uma aqui, outra ali, sei dizer a vocês que pesquei dezoito
curimbatás, uns pequenos, uns mais ou menos, mas peguei dois que são a coisa
mais linda, mais ou menos do tamanho que você pegou Pavão!
80

__A pescaria esta boa, mas temos um por menor, -- digo aos meus amigos –
deve ser umas três e quinze, o Careca tem de estar na casa dele antes das cinco
horas, lembram!
__Eu não vou embora agora, mas nem se fosse um caso de vida ou morte, se
você e o Careca quiserem ir embora, que vá, mas Eu não vou, nunca peguei
tanto peixe assim e não vou deixar escapar nenhum que se atrever morder
minhas iscas, preparamos este local foi para isso, foi por isso que cevamos por
quatro dias, para pegar peixes, muito peixes! – responde Tupéte eufórico sem
esperar a resposta do Careca.
__Não esquenta a cabeça comigo Pavão, -- responde o Careca – lá em casa a
conversa é outra, meu Pai não é tão bravo como minha Mãe pinta a fera é Ela,
olha a sua vara Tupéte pegou mais um, olha lá, -- e aponta para o poço que o
Tupéte esta pescando – vamos pescar, pois parece que hoje é o dia da nossa
sorte, como diz o ditado tem dia da caça e o dia do caçador, e hoje é o dia do
pescador, se temos que arrebentar na pescaria o dia é hoje!
Realmente era o nosso dia, o Tupéte retornou correndo para lutar com mais um
curimbatá, o Careca no seu lugar e Eu no meu, pescamos até o escurecer, lá
pelas sete horas da noite o Tupéte foi dar uma volta e notou que dois dos cavalos
ainda estavam onde nós havíamos soltados e volta correndo.
__Vocês não vão acreditar no milagre que aconteceu! -- gritava esbaforido
enquanto corria.
__Que milagre é esse que fez você correr feito louco? – pergunta o Careca.
__Os cavalos estão aonde nós deixamos, -- reponde – e o mais inacreditável é
isso, -- dramatiza meu amigo – os cipós estão no pescoço deles, vamos lá pega-
los, mas só tem dois cavalos! – explica.
__Vamos pegar estes cavalos agora, -- concorda o Careca – vem Pavão!
__Vamos logo, pois esta ficando frio, -- concordo – onde é que estão os
cavalos, Tupéte?
__Aqui na frente, -- responde – logo ali!
Pegar os cavalos foi moleza, rapidamente estamos encima dos animais que
guiamos até onde estão armadas as varas que começamos a recolher, quando
escutamos o Careca aos berros nos chamar.
__Traga o coador Tupéte, pois este peixe que peguei é dos grandões! --grita o
Careca desesperado.
Enquanto o Careca luta com o peixe que acabara de pegar, o Tupéte e eu
ficamos no dilema de qual de nós dois vamos socorrer o nosso amigo na sua luta
com o peixe que acabara de pegar, pois não queremos deixar os cavalos
escaparem depois da grata surpresa de eles estarem ali perto de nós, a nossa
espera pastando.
__Vai lá ajudar o Careca levando o coador para Ele, -- diz o Tupéte – pode
ficar tranqüilo que seguro os cavalos, leva logo, pois o peixe já esta se cansando!
Garanto todos que essa luta foi à maior que vi em todas as pescarias que fiz em
toda minha vida e garanto a todos foi a que mais valeu à pena, pois o Curimbatá
que o Careca teve a felicidade de pegar e garanto com toda certeza que ele nunca
mais pegou outro Curimbatá igual, mais de cinco quilos, enorme e bravo.
Peixes dentro do embornal que mal suporta a quantidade, voltamos até onde o
Tupéte mantém os cavalos calmos, após determinar qual cavalos iremos, ele
sobe em um deles, o Careca e eu no outro animal que ficamos predestinados a
cavalgar até onde fosse possível, ou ele agüentar com o nosso peso.
81

Pé na estrada, quer dizer, cavalos na estrada, nós vamos com o Tupéte na


frente e seguimos logo atrás, conversamos durante todo o percurso, cada um de
nós tenta passar a maior dificuldade que teve durante captura do maior peixe que
havia pegado, chegamos à entrada da cidade e nem percebemos o tempo passar.
Deixamos os cavalos pastando no campo do Pratinha, próximo a entrada da
cidade, dali para frente seguimos a pé até nossas casas.
O primeiro a chegar a sua casa é o Tupéte, quando mostra a D. Conceição
todos os peixes que havia pegado, ela ficou encantada, pois estava com pouca
coisa na sua geladeira e todos aqueles peixes daria para aguardar o retorno do
Seu Tibila da viagem que fez para Macapá que demoraria quinze dias mais ou
menos, capital do estado do Amapá.
O próximo a chegar a sua casa foi o Careca que esta preocupado com a sua
situação, pois ele tinha de ter chegado até cinco horas da tarde no máximo, agora
já passara das oito e quinze, mas ele tem uma boa surpresa ao ficar sabendo que
o seu pai não pode voltar para casa, pois caiu um temporal em Santa Cruz das
Palmeiras, e não pode realizar todas as visitas aos seus clientes e teria que ficar
até o dia seguinte.
Meu retorno foi completamente diferente, hoje minha Mãe passou da ameaça
para uma atitude, com o rebenque nas mãos me deu duas chicotadas depois de
abrir meu embornal e ver todos aqueles peixes.
__Você não foi procurar um serviço, não fez nada do que prometeu que ia
fazer, -- grita minha Mãe tentando retirar minhas mãos que seguram o chicote
que lhe tiro das mãos entre risadas que a enfurece mais – o pior de tudo é que
alem de ter indo pescar sem dizer nada e pegar minhas coisas, cadê as panelas,
os pratos não estou encontrando aqui na sua mochila! --e consegue soltar minhas
mãos do rebenque e me acerta mais uma chicotada que pega de raspão, somente
no dia seguinte foi que me felicitou pelos peixes que havia pegado.

FIM

AGRADECIMENTOS
Esta obra é dedicada aos meus amigos de infância e adolescência, os quais são
personagens reais, mas as estórias são fictícias.
Em memória aos falecidos:
José de Oliveira de Macedo – ‘Zéca Macedo’ – ‘’In Memorian”
Guilhermina Delgado – “In Memorian “
Edson Ferreira Costa – “ In Memorian”
Alzira da Silva –“In Memorian”
Altamiro Teixeira – Tibila“ In Memorian”
Conceição dos Santos Teixeira –“In Memórian”
José Olavo Oliveira Rezende- ‘Ganso’- “In Memorian”
Wilma Macedo Rezende- ‘ TIA Wilma” “In Memorian”
Rodolfo Pereira da Cruz - “In Memorian”
Marco Antônio Munford – ‘Careca’- “In Memorian”
82

Aristide Felix Ribeiro- ‘Tidão’ “In Memorian “


Cesar Boaventura- ‘Cesão Cabeção’ - “In Memorian”
Ronald “Nard Butina “In Memorian “
José Carlos Dinis – “Pulguinha”“ “In Memorian “
Principalmente ao meu maior e melhor amigo, mentor, que me adotou como
filho e eu a ele como meu Pai, ao o qual me espelhei como homem e ser
humano, procurando fazer como ele sempre dizia, de o melhor de si em tudo que
fizer, “Joaquim José Rezende Netto –Quinzé – ao qual dedico em toda minha
obra, todo tempo e espaço - In Memorian”
E a todos aos meus queridos amigos citados ou não nessa obra, um abraço e
felicidades, principalmente a Patrícia Vieira que foi a minha primeira leitora e
me incentivou a continuar a escrever.
Finalmente homenageio a personagem fundamental para que fosse possível
elaborar esta obra, pois sem as cobranças e sua orientação nada seria na vida,
muito obrigado de você existir, pois sem você não seria possível a minha
existência, Mamãe, personagem fundamental, Sally Macedo Ferreira Costa e
toda minha família sem a qual não seria possível esta obra.

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