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O falso milagre económico português

Após anos de crise e de austeridade, o mercado imobiliário português está em


plena euforia. A euronews falou com Rui Lé Costa, presidente da empresa Feel
Porto. "Temos um prédio que vai arrancar em reabilitação em breve. É
investimento internacional, um investidor radicado em Miami. Logo encostado
temos um projeto pronto, um hotel associado a um grupo mexicano. E temos um
prédio de sete andares que vai ser transformado em apartamentos e em
alojamento local", contou à euronews Rui Costa Lé.

O aumento do investimento estrangeiro


A empresa especializou-se na compra e recuperação de prédios para
arrendamento turístico e gere 75 apartamentos no Porto. Para renovar os imóveis,
Rui beneficiou do investimento estrangeiro. "Temos investidores espanhóis,
franceses, italianos, ingleses. Temos também investidores do continente
americano, do Brasil, Estados Unidos e Canadá", acrescentou Rui Costa Lé. No
ano passado, a empresa portuense faturou cerca de dois milhões e meio de euros,
graças ao aluguer de curta duração.

O impacto dos vistos Gold


Os chamados vistos Gold favoreceram o investimento estrangeiro no mercado
imobiliário. O regime jurídico implementado em 2012 e enquadrado no plano de
assistência financeira fez disparar os projetos de renovação imobiliária mas gerou
poderosos efeitos secundários: a especulação imobiliária e o afastamento da classe
média e dos pobres do centro de Lisboa e Porto.

O Parlamento português aprovou, recentemente, o fim dos vistos Gold para Lisboa
e Porto, mas, as consequências das políticas imobiliárias dos últimos anos
perduram: os preços das rendas dispararam para níveis nunca vistos. Há poucas
casas disponíveis para alugar às famílias.

"Perdemos muito habitantes no centro histórico, porque as rendas subiram


exponencialmente e os rendimentos das pessoas mais antigas não comportam os
valores praticados agora. Temos reformas de 250 euros ou 280 euros e isso agora
não dá nem para pagar um quarto no centro", contou Irma Sousa, assistente social
no município do Porto.

Número de despejos aumenta


Em 2012, o governo modificou a lei do arrendamento. Entre 2013 e meados de
2018, houve 1348 despejos no município do Porto. Aos 74 anos, Otelinda de Jesus
Pinto recebeu uma ordem de despejo por não ter pago a renda. A pensão de
reforma de 282 euros não lhe permite pagar as dívidas ao senhorio e é obrigada a
abandonar a casa onde viveu toda a vida.

"O que é que eu vou fazer agora, depois de receber a carta? Vou ter que guardar as
minhas coisas numas caixinhas. Estas casas velhas são as casas onde sempre
vivemos, onde tivemos os nossos filhos e onde temos as nossas raízes. O governo
devia olhar para isso e não só para o turismo" considerou Otelinda de Jesus Pinto.

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Com a diminuição significativa do número de casas disponíveis no mercado de


arrendamento de longa duração e o aumento do preço das rendas, as pessoas que
perdem as casas enfrentam dificuldades acrescidas e são obrigadas a abandonar o
centro da cidade.

O que se esconde atrás dos números da retoma


Por trás dos números do crescimento da economia e da redução do desemprego,
esconde-se uma realidade mais sombria. "A balança comercial está equilibrada
mas está equilibrada à custa dos serviços e sobretudo do turismo que praticam
salários baixos. O governo tem a limitação imposta pelas regras de Bruxelas, tem
de deslocar uma fatia significativa do rendimento que era importante para o
desenvolvimento do país, para o pagamento da dívida pública e para pagamentos
a credores internacionais. É uma restrição enorme que inibe a capacidade de ação
pública", explicou à euronews José Reis, professor de Economia da Universidade
de Coimbra.

Precariedade na Função Pública


As limitações orçamentais afetam os serviços públicos, em particular, nas áreas da
saúde e da educação. Ruben Silva vive no Porto e dá aulas numa escola em Lisboa.
Tem um contrato precário, ganha 1.100 euros por mês e gasta metade do salário
em alojamento na capital. "Tenho uma casa aqui, e fico numa pousada em Lisboa.
É uma situação precária, com pouca dignidade. Eu já estou habituado. Eles não
sabem o que custa deixar o meu filho e a minha família todas as semanas. O meu
filho nunca mais vai ter sete ou oito anos. Ele pede-me para eu o levar à escola e
eu não posso", lamentou o professor português.

Na última década, para controlar o défice, os salários dos funcionários públicos


foram congelados. As greves de professores sucedem-se. Para completar os
rendimentos, Ruben Silva dá aulas de surf ao fim de semana. "Para perceberem a
dimensão do drama, há professores que nunca na vida vão chegar ao último
escalão da carreira. Não entra ninguém ou então entram para aqueles horários que
ninguém quer. Vai fazer um ou dois meses de substituição, horários reduzidos de
10 ou 15 horas. As pessoas perguntam-me o que vou fazer para o ano e eu digo que
não sei", disse Ruben Silva.

Limitações orçamentais afetam Sistema


Nacional de Saúde
O Sistema Nacional de Saúde é outra das vítimas da contenção orçamental. No
Hospital de São João, no Porto, tem havido várias greves. O serviço de pediatria
funciona há dez anos numa estrutura pré-fabricada. Há falta de pessoal e de
material nos estabelecimentos de saúde.

"Estamos a falar do centro hospitalar de São João, um dos maiores hospitais de


Portugal. Imagine o que se passa nos hospitais de Beja, Évora, Portalegre. Essas
estruturas não irão ser renovadas nos próximos dez ou vinte anos. O que é muito
mau para quem trabalha no Sistema Nacional de Saúde e para os nossos doentes.
Os nossos representantes políticos podem achar que, para eles, a crise já passou,
mas, a crise não passou para as pessoas que vivem em Portugal", afirmou à
euronews, Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos.

Risco de pobreza e exclusão social

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Entre 2010 e 2018 saíram de Portugal mais de 17 mil médicos e enfermeiros. Os


últimos dados indicam que 2,2 milhões de pessoas estão em risco de pobreza ou
de exclusão social em Portugal, um número que se situa ligeiramente abaixo da
média europeia. Mas para quem perde a casa, as estatísticas importam pouco. "Eu
queria estar no meu cantinho, mas, infelizmente, não é como a gente quer", disse
Otelinda de Jesus Pinto cujo prédio no Porto vai ser demolido para dar lugar a um
hotel.

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