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d e Ma rg u e r ite Du ra s
ELA , Anne M ari e Roche: tri nt a e ci nco a no s ou ma is . Tem uma ele gânci a muito s eg ura , dis cr eta ,
qua se a uste ra, ma s pare ce nd o invol untár i a. De ve dar a pe ns ar q ue es ta e legâ nci a l he é
hab it ual , q ue s e ve ste as sim to do s os d ias .
Pos s ui um a fo rça q ue não se vê à pri mei ra vista . Nã o q ue es conda o jo go . É po r q ue ; es ta for ça
se e s co nd e d ela mes m a em razã o de uma ed uc ação ex emp lar , ho je de sapar ecida .
Nos nos so s d ias , ai nd a exi ste m m ul he res a dor na das po r e ssa e d ucação que não re ceb era. mas
que foi dad a de mãe s para fi l has , at é che g ar a el as . Trata - se, s o bret ud o , de um co nhe cim e nto
so bre o home m, ma s q ue de ver iam ig nora r p os s uir e de ver ia p erma ne cer o cult o ao ho mem .
Tra ta - se , d e cer ta fo r ma, de um jes uiti sm o que e nvo lve e sta s m ul h er es ,
ao m esm o tem po i no cente e per ig os o, feit o uma z ona de s ilê nci o que as e nvo lves se.
Anne -Ma rie R o che d e ver ia e star entre es s as m ul he res com o Pa sca le O gie r, a go ra i d a, e a
Mi oune , e sta q ue fa z a pe ça à noi te, em P aris , e s co l hida p or mi m. Doi s a no s a pó s p a rtida de
Évre ux, ela s obr evi ve u à hist ór ia, ai nda es tá aí. Dis cr eta at é me sm o d iante d ei nã o p erd e u nada
da ed uca çã o e xem pla r , p udi ca, até me sm o d iant e d o se u a ma nte . Nad a.
mos trad o da fo rma co mo l he e ns inaram , ma s es tá t ud o a í, na mi r íade do s p eq ue no s e st il haço s
irra dia nte s da der rot a irre ver sí ve l de s ua vida . Tud o est á à vista . Atra vé s de na da s qua se
ina pree nsí ve is , um ge sto de mão , um m odo de se e nco sta r, de s e le va ntar , se se ntar , le va ntar
de no vo , m od os de fa z er nunca ig ua is , de g ri tar mai s pe las p al a vra s do que pela voz , de perd er -
se na em oçã o , de faze r acredi tar q ue li vra m o - nos d ela , de q ue tal vez este ja mo s e nga na do s. De
semp re faze r acr edi ta r que so mo s pri si o nei ras de uma re gra q u e no s le va a tod o i nst ante a o
des conhe ci do . E q ue, no me sm o se gundo e m que s e ia mo rr er nã o se sa be o q uê , este
des conhe ci do i lumi na - se.
ELE , M i chel Nol let : tri nta e ci n co a no s o u mais . De sde o p rime ir o d ia na ca sa no va, q ua nd o se
casa ram , ele fal o u em parti r, i r emb ora . E d epo is , to do s o s dia s, e le fa la va di ss o, e m ir emb ora .
Um dia , ele q uis ma ta r matar a e la, o se u a mor . Ele dá med o co mo o rai o a ve rda de a paixã o ,
ao pas so q ue é amado com o se fo ss e o pr óp rio fi lho , o ir mão , o a mant e. El e é muito b o nit o , de
uma be leza q ue e le d eve , a o m es mo tem po , i gnor ar e co nhe cer mui to be m - da me sm a for ma
que conhe ce ria uma arma o u a s ua hi st ór ia. Nã o é um home m difí cil de se conhece r, é um
ho mem q ue nã o se p o de co nhecer . Atrá s de l e, há uma corr ent e de ho me ns de pele e s cur a. Is s o
deve vi r de Al exa nd ria o u da Ba bil ô nia , d as beira s do Tibe ría del , d eve vir de ssa s ba ndas . Mi chel
Noll e t : no me pari sie ns e q ue s ub stit ui o no m e es quecid o. M iche l Noll et p od eria s er a to r qua nd o
lhe o co rre , ime ns o , ar rebata do r. Q uan do nã o l he o co rre , s ó De us sabe o q ue ele faz p el as r ua s,
ol ha nd o. E is o q ue s abem os : p od e; se r um ato r. Po der ia se r um a rq uit eto . P od eria ser um
es crit or . Po der ia se r um jude u. Sã o co isa s pos sí vei s . Nã o po der ia ser o q ue e le nã o é em LA
M USICA , o u se ja , a que le q ue el e conhe ce be m, e ste m ort o vi vo p or q ue ela e s tá para
desa pare ce r d a s ua v i da. Ele a q ue r, A nne - Mari e R oche . Se o m und o, em se u to do , nã o l he fo r
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dado po r ela , el e o r ejeita, o al i ao s cães . P ouco l he i mp orta a fe li ci dade , o di nhei ro , o a mor , as
mulhere s, as mo rai s, a s fi lo so fi as . El e só q ue r i ss o, ela , e la que sa be p el os do is , com o o ho mem
de La ho re sabe pa ra o o utr o, A . MS. 2 : q ue eles s im , p ode m a bri r mão da hi st óri a d e am or .
Um hote l de pr oví ncia, um hot el de l ux o.
1- L ag o da P a le s ti na , e h o j e p er t e nc e n te a o Es t ad o de Isr a el . ( N. T.)
2- P ro va v el m en t e, r e fer ê nc ia ao r o ma nc e “ O Vic e - Cô ns ul" , d a p r óp ri a D u ras, q u e t e m o
p ers o na g em t í t ul o vi n do d e L a h or e, P aq uis t ão , e u m a m ul h er cha ma da A nn e - Ma ri e
S t re t t e r. (N .T .)
Mar g u er i te Du ras - A M usi ca Segu nda
Vs. l - O u tu b ro 20 04
Toda a la rg ura d o pal co é uma parte de ste hotel . Dize nd o de o utra ma nei ra, es te hal l é s etor de
um cír culo q ue , no dese nho t od o, coi nci de co m a ár ea t oda da sa la de e spet ácul o. Os
espe cta do res es tão , p orta nt o, de nt ro do hotel , no ha ll . O nível do s p lano s é o s eg ui nte : o
espa ço ao fundo é fe chad o p or pr édi os ci nza -bra nco, é uma rua . Depo is , há uma po rta gi rató ria ,
o q ue se r ve para q uebrar o ve nto nas pr aias do No rte . De ca da la do de sta po rta , há d ois
co rre do res q ue s eg ue m di ret o para o nd e não se po de ve r, a R e cep çã o s em d úvi da, e um bar .
São nove hora s da noite e e stam os na p r oví ncia, e stá t ud o ap agad o - com e x ce ção de doi s
peq ue no s retâ ng ul o s do ura do s, d uas pe q ue nas vit ri nes de m ost r uár io de per fum e ou echar pes
ou jó ias de feit ura fra ncesa .
Apó s e sta e ntra da e e stes co rre dor es , há trê s d egra us a de scer par a esta r no ní ve l da ce na .
Em ci nema , d ir -s e-i a que o co ntra pla no s obr e a p or ta e o e xt eri or a rti cula -s e nes t es t rês
degra us.
No sag uã o do hot el , há dua s me sas de bri dge , muita s ca deir as, um s o fá ve rme lho, uma
es cri va ni nha de hote l: sã o ap oi o s pa ra os de slo ca me nto s do s a t o re s.
De ca da la do de ste ha ll, há d oi s e spe l ho s g r ande s pi nta do s q ue re fle tem um l ustre q ue não se
vê no ce nár io . Há tam bém um a la nt er na de l uz trê mula a mare la, no ce ntr o do cor red or .
No fi m da pe ça, q ua nd o o dia am anhe ce , esta lanter na se a p aga, as si m com o a s vit ri ne s,
enq ua nt o a rua se il umi na com uma l uz br anca, e Duke Ell i ngt o n pa ss a de repe nt e a o l onge ,
co mo um t rem .
Em uma d as mesa s de bri dge , há car tas de baral ho, cop os , uma jarra d'ág ua, ci nzei ro s : pes so as
pas saram po r aí , a nte s de sta s de LA M USI C A, em horá ri o tar di o p orta nt o, o bar já e stá fe chad o,
os cop os não fora m re tirad o s.
As me sas de bri dge estã o sepa rada s p or um vão d e trê s a quatro me tr os . Uma est á mais
pró xi ma da p laté ia q ue a outra . No e spa ço e ntr e as me sa s e as ca deira s , si tua - se a área de jog o
cê ni co ma is util iza da p elo s at or es de LA M USICA .
Entr a Mi che l Nol let p e la po rta -gi rat ória . Vai em dir eção a o bar , p erdem o -l o de vi sta , el e pas sa
no va me nte , vai até a Rece pção , vo lta com uma cha ve na m ão . De s ce para o hall .
Veri fi ca o l ugar de for ma d is cre ta, ma s e vi d ente . O r o sto es tá d oí do . Tal ve z ol he as hor as.
Ele d eve faz er um a l ig açã o. Diri ge -se ao te le fo ne e ped e uma li ga ção p ara Pari s .
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EL E - U ma l iga çã o p a ra Pa r is , po r fa vo r. ..! ? ( Tempin h o) 45- 35- 45-35. ( Tempin h o). Qua rt o
3 6. Ob rig a d o .
Ele fica d e pé. E stá vi si ve lme nte e spe rand o Anne -M arie R o che. Nã o ol ha pa ra a entr ada. De
onde está , ela nã o po derá vê -l o q ua ndo che gar.
Ela chega . Ele fi ca im óvel a ntes q ue a te nhamo s vi st o, co mo se ele ti ve sse re co nhecid o o se u
pas so da r ua . A ss im como ele , e l a d esa pare ce e m d ire çã o à Re ce pçã o. Vo lta co m um t eleg rama
e uma cha ve na mã o. Di rig e - se a o sag uã o, p erto de uma mesa , a br e o tel egra m a e lê .
Ne ste i ns tante, t oca o telefo ne . Ela ol ha e des cobre a pr ese nça dele : de cos tas , um mort o em
pé. E le se vo lta . O lha m-s e. Le nta me nte , e l e va i pa ra o tel e fo ne . É a vez de e la pa re cer uma
mort a em pé . De sta m anei ra, em uma a pare nte m orte de amb o s, t rans co rre o tele fo nem a.
O “o ff” é bem fra co. A ud ível a pe nas .
VOZ D E M UL HE R E M OF F - É v oc ê , M ic he l?
EL E - So u eu . .. T u do b e m?
VOZ D E M UL HE R E M OF F - T ud o. ( Um tempo) É s ó i s so ?
EL E - Sim .
VOZ D E M UL HE R E M OF F – E e n tã o ?
EL E - ( Um tempo) O que vo cê q ue r q ue e u di ga ? . .. (L ev e s or ris o) É a vi da , co m o di z em p or
a í. .. De ve se r se m pre a ssi m. ..
Um tempo.
VOZ D A M UL H E R E M OF F - A ss im c omo ?
EL E , ir onia - Di f íc il .. . d ila ce ra n te . .. (S or ri s o: as pala vr as de c on ven iênc ia) .
Sil ênci o
VOZ D A M UL H E R E M OF F - V o cê vo lta a ma n hã ?
EL E – C he go à s o nz e e v i nte na e s ta ç ã o St La za re.
VOZ DE M UL H E R E M OF F - Te e spe ro na s a ída pr i nc ipa l . ( Um tempo) Um dia , v o c ê m e co nta
e ssa his tó ria de É v re u x?
Ela fa l ou c om pr eoc upaçã o e i mpaci ênc i a.
EL E - Ac h o q ue nã o , m a s q ue m sa be u m dia , ta l vez .. .
VOZ D E M UL HE R E M OF F - O nde e l a m ora ?
EL E - Nã o sei . Alg um h ote l p ro va ve l me nte .. . ma s nã o sei q ua l .
VOZ D E M UL HE R E M OF F - U m dia , vo cê va i m ost r á - la a mi m ?
EL E , ri n do u m pouc o - Se vo cê fa z ta nt a q ue stã o . ..A té a ma n hã .
VOZ D A M UL H E R E M OF F - Até a ma n hã .
Fi ca m ass im, s em a ssu n to. E la ta lv ez f aça u m l eví ssi mo mov imen to em di r eção a os
corr edor es dos qu ar tos. El e fal a, i n ter rompe o s eu mov imen to: el a vai f ica r. A peça vai
exis tir .
Ela faz s i nal de "P or qu e nã o?". El e dir ige -s e à r ec epçã o, des apa r ec e u m cu r to i n sta n te.
Ela f ica s oz in ha .Es tá c omo qu e exa ur i da por tê-l o r evis to. E le vol ta.
EL E , sorr is o – Ac h o q ue e stã o to do s d or mi n do , d es c ulp e . ..
EL A, s orr is o - Nã o fa z ma l. ..
Ela l eva n ta. Os dois não s a bem mai s qual c omedi men to dev em ter. A ba na li dade das
colocaç ões, dev e s er "reforça da" .
EL E - I n cr ív el c om o a ci da de e s tá d i fe re nt e , vo cê not o u ?
Tom, des en v ol to, fa l so.
EL A - Do la d o o nde a ge n te mor a va nã o m u do u ta nt o a s sim .
EL E - É ve rda de. . . m ud ou ma is pa ra o nor te, on de estã o c o nst ru i nd o a e ro po rto .. . vo cê sa b ia d o. . .
EL A - S a bia .. .é b om q u e a ci da de te n ha um a ero po rto . V a i m u da r t ud o.
EL E - V oc ê fo i l á . .. a o nde a ge nte mo ra va ?
EL A, olha r s ur pr es o - F u i. .. nu n ca ma i s t in ha v ol ta d o des de. . . (Sorri so) V o cê ta m bé m e stá
vi nd o de lá , nã o e s tá ?
EL E , conf us o, s ur pr eso - Co mo v o cê sa b e?
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EL A – Ti ve a imp re s sã o d e q ue e ra vo cê n o a lto d o m or ro .. . ma s n ã o t in ha c erte za . . .
EL E , ol ha n do pa ra ou tr o la do - Pa sse i na fr en te da ca sa . ( Um tempo. Ma l es ta r) M e di ga
uma c oi sa , pa re ce q ue e la nã o f oi v e n did a p a ra p es soa s tã o j o ve n s.
EL A - Nã o, nã o fo i. .. De ve te r m uda do d e do n o ne s se me io t emp o. .. a qu ela s d ua s pes soa s
ja nta nd o, e u nã o co n h e cia . ..
EL E , sorr is o – Dá u m a se n sa ç ã o e st ra nh a . .. a sa l a de ja nta r n o me smo l uga r. . . a té a t ele vi sã o . ..
EL A, enga ta - E le s nã o s e fa la va m. .. ne nh u ma pa la vra mes mo .. . é est ra nh o .. .é
Sil ênci o.
EL E - E le s te rmi na ra m a que la co n str u çã o q ue eu t i nha c ome ça do .. . Lem bra ? Dep oi s d a q u a dra d e
tê n is ?
EL A - Dep oi s da q ua dr a .. . ? A h! J á Se i . Fi c o u bom ?
EL E - Pa re ce qu e r e sp e ita ra m o p ro je t o .
O qu e se di zer? El e recomeça u ma ú l ti ma vez a " pov oa r o s il ên ci o " :
EL E - E u de via te r v i nd o ol ha r a obra de vez em q ua nd o .. .Ma s nã o fi c ou r ui m .
Sil ênci o.
EL A - S e u tra ba l h o co n tin ua i nd o be m ?
EL E - C o nti n ua . At ua lm e nte ,e st ou c om d oi s p ro jet os be m i nt ere ssa nte s.
EL A - E sem pre a pa i x o na nte s! ?
Sor ri so - Ela já dev e ter ti do ci ú mes des te tra ba l ho a n tes.
EL E , s or ri so - Se m pr e .
EL A - Q ue bo m.
EL E - ( Um tempo) V o c ê va i n o t re m da s no v e a ma n hã ?
EL A, h esi ta - Nã o. U ma pe ss oa v e m me bu sca r.
Sil ênci o.
EL E - Nã o é en gra ça d o ? . .. E u ne m se i o nde vo cê m ora .. . O ut ro d i a , a l g uém me per g un t ou o n de
vo cê a nda va e e u nã o so ub e o q ue di ze r .
EL A - No mo me nt o e m ne n hu m lu ga r .. . U m p ou c o a li e a l i . .. No No r te p ri n cipa lme nt e . ..
EL E - No No rte , ora v e ja . . .
EL A - É . .. a co nte ce u .. . ma s n ã o me de sa gra d a , a l iá s .
EL E , sorr is o a gora temo – C o nti n ua nã o g osta n do d o Su l ?
EL A - Co nt i nu o .
Sil ênci o. Tr oca m d e lu ga r. O s a ss un tos mu dam de sen tido.
EL E - Fa z trê s a n os q u e nã o se i na da de v o c ê.
EL A - De ve z em q ua n do , e u te nh o n otí ci a s sua s pela V a lé rie .
EL E , l ev e s obr es sal to - V o cê vo lto u a vê -la ?
EL A - E u .. .m ude i t ota l me n te de opi n iã o a r e spe ito d ela .. . p od e - se mu it o bem t oma r o pa rtid o de
a lg uém po r so lida rie d a de . .. i ss o nã o q uer d izer q ue a pe ss oa se ja in j u sta . . . à s veze s a gen te é
in fl ue n cia da po r uma pe s s oa e nã o se dá c on ta d is so . .. ( Um tempo) E u ta m bém ve jo o s
Tour nie r de vez e m q u a nd o . ( Um tempo) E a c h o q ue é só .
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Al us ões nã o esc lar eci das, n em retoma das, de um pas sa do c omu m.
EL E , ousa n do – N ã o p e n se i q ue vo cê v iri a soz i nh a . .. a c he i qu e vi esse a co mpa n ha da .
EL A, ges to – Nã o, co mo po de ve r . .. ( Um tempo) V o cê ta m bém vei o so zi n ho .
EL E - É . .. a ch ei q ue n ã o va l ia a p e na .. .
EL A - É , é i ss o .. .
EL A – E u m e ca s o e m a go sto .
EL E - D a q ui a t rê s me se s .. .
EL A - joga n do na c ara , mas s empr e c om a mes ma dec ên ci a - D ep ois , a ge nt e va i em bo ra .
Mor a r n os E sta do s U ni do s . ( Um tempo) Que ro f i ca r .. . so ss eg a da . ..e u se i q ue é u m p ou c o
ta rde , mes mo pa ra s os se ga r. .. Te n h o q ue co rr er pa ra re c upe ra r o t emp o p e rd id o. ..
Sor ri so, v ol ta à c or tes ia.
EL E – E ntã o vo cê a ch a q ue o t e mp o po de n ã o se per der ?
EL A - Ma nei ra de fa la r .. . Nu n ca pe ns e i a re sp eito d is so .. . N un ca , me smo .
Sil ênci o.
EL A - E v oc ê, o q ue v a i fa ze r ?
EL E - Ma i s o u me no s co mo vo cê , co m a di fe ren ça q ue s o u ob ri ga d o a fi ca r na F ra nça ,p o r ca usa
do me u t ra ba lh o .
EL A - V a i se ca sa r de no v o ?
EL E - Ai n da nã o s e i.
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El e ol ha para el a in tei ra, dos pés à c a beça. E la n ão o v ê.
EL E , quas e i n vol un taria men te - V ocê nã o m udo u .
Ela s e v ol ta.
EL A - E u e n vel he c i, e u se i q ue e n v e l he ci .. .
EL E - Nã o e st ou fa la n do do te u ro st o.
Per tu r baçã o.
EL E - D e r o sto s im , d e r ost o v oc ê m u do u u m p ou c o.
EL A - Co mo a s si m?
EL E - O ol ha r pri n ci pa lme nte .. . se u ol ha r er a m uit o. . . d o ce , e era só .. . e ra só o l ha r pra vo cê e a
ge n te mei o q ue sa bia . .. o q ue vo cê ia di zer .
EL A, rí gi da - De via s e r m ui to c ha to .. . sa be r com a nte ce dê nc ia o que e u ia d ize r . ..
Ri sa da fal sa.
EL E - No f im . N os ú lti mos me se s. E ra , e ra m uit o c ha t o.
Um tempo.
EL A - J á é ta r de .
El e tal v ez n ão tenha ou vi do.
EL E - A h! É rea lme nte i nc rí ve l a ge nte p oder fa la r a s sim .. .
El e av an ça n a dir eçã o dela, pár a.
EL E - Os últ im os me s e s, le m bra ?
EL A – E ra u m i n fe rn o .
EL E - E r a , o i nf e r no .
Ela f ec ha os ol hos, v arr e a i ma gem com ges to de mão.
EL A - Só a c o nte ce u m a ve z na v ida , v oc ê nã o a c ha ?
EL E - O q ue ?
A respos ta deveri a s er : " Um a mor a ssi m. ”
EL A - Um i nf er no a s si m.
EL E - A c ho (u m tempo), o u e n tã o .. .
Segu n do mergu lh o no es tado de per tu rbaçã o, só qu e des ta v ez, n en h um dos dois
pr oc ur a sai r dele.
EL E - O u e ntã o , a e x p e riê n cia .. .e ssa c oi sa e xe crá vel , nã o s e r ve pa r a na da . . .
EL A - N ã o .. . nã o é i s so .. . a c ho q ue vo cê e stá e n ga na d o. .. Se a co nte ce r d e no v o. .. ta lv ez s e ja
por q ue nã o en c o ntra mos um o utra ma ne ira de .. .
Ela pr oc u ra as pala v ras.
EL E , enc on tra n do - . . . d e f ugi r do .. . ca nsa ç o, p or e xe mpl o ?
EL A, c om os olh os a ba ix ados - A cre dit o q ue si m. ( Um tempo) V oc ê, nã o?
EL E - Ta l ve z .
Sil ênci o. As l embra n ças v êm à tona, c ada vez ma is pr ec isas .
EL A, ten ta ndo s e l embra r - Q ua nt o te mp o fi ca m o s m ora n do n e ste h ote l a nte s de mu da r pra
ca sa ? Nã o le mbr o ma i s q ua nt o t e mp o du ro u a re fo rma .. .t rês me ses ? Se is mes es ?
EL E , procu ra n do - A c ho q ue f ora m t rês me s es. ..
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F oi n es te h otel qu e acon tec eu o perí odo ma is ex tra or diná ri o da his tória del es . Ca la m-
se total mente.
EL A - V o cê nã o a c ha e stra n h o , a g e n te se l embra r tã o ma l ?
EL E - Alg u n s. .. mo me nt os pa re ce m ma is il u mi na d os q ue ou tr os .. . ma s o q ue es tá p or tr á s de le s
ta mbé m fa z pa r te da me mó ria .. . ne m se mpr e a ge nt e sa be de t ud o.
EL A - mu i to dir eta , mas é c omo s e fa las se da memóri a em ger al e nã o da del es - Ma s há
mome nt o s q ue e s tã o p le na me nt e il um i na d os .
EL E - no mes mo es tad o - O i n fe r n o, p or exe mpl o?
EL A - P or exe mpl o .. .
EL E - A s sa í da s n o f im do t ú ne l ? .. . a lg uma s .. . r ec o n cil ia çõe s. . .
EL A - Ta mbé m .
Ela pr ovav el men te quer diss i par a per tu rbaçã o, gen eral iza n do o as su n to.
EL A - V e ja bem , se c a da hi st ória te m su a pr ópr ia lei .. . e eu a cre di to q ue ten ha . . . se ca da ca sa l
te m a s ua m a n e ira se r.. . p e c u lia r e pr o f un da . .. is so é um a c oi s a em q ue e u a cre dit o .. . n ã o
de v ía m os ter i do pa r a a que la ca sa . .. no s m u da r a ss im , d ev ía m os . . . te r fi ca do a q ui , n e st e h ote l .
EL E , enga ta ndo - V ive r a ssi m, e m h otel . .. ir de um h ote l pa ra o o utr o .. . co mo q uem se
e s co nd e? .. . c om o os .. .
EL A – E p or q ue nã o ? . ..
Sil ênci o. E xpl osã o s ur da . " Como os a ma n tes ” , qu eria di zer.
EL A – V o cê n ã o a c ha ?
EL E - A c ho .. . ma s a ge nte nã o t i nha ne n hu m m ot iv o pa ra nã o fa ze r d i fere n te d o s o utr os .
É ra mo s jo ve n s, ca sa m os c om o c o ns e n time n to de to do m un do .. . T od o m u nd o es ta va feli z, a t ua
fa m ília , a mi n ha , to d o m un do .. . a ge nt e tin ha t ud o q ue p re ci sa v a (ri ), ca sa , m ob ília .. .te u
ca sa c o de pele . ..
Ela ri ta mbém.
EL A - É ver da de , a ge nte f e z c om o t od o mu nd o.
EL E - Ma s a g en te e r a c om o t od o m un do . . .nã o ha v ia m ot iv o a pa ren te pa ra f a zer d i fer ente d os
ou tr os . ..
EL A – D es se po nt o de v ista nó s c he ga mo s a o me sm o po nt o do ca mi nh o . . .
EL E - V o cê es tá m e p e rg un ta n do ?
EL A - Ta l vez .
EL E , a pós u m tempo - A ch o q ue re a l me nt e c hega mo s a o mes m o p on to d o s o utr o s. À s v eze s,
a co nt ec e o d i vó rc io , m a s i ss o ta l ve z nã o fa ça gra nd e d i fere n ça .. .
EL A – Po der ia mu it o b e m te r a c on te cid o ma i s ta rde .. .
El e n ão respon de.
EL A – V o cê n ã o a c ha ?
EL E - O qu e é q ue te r i a a c o nte ci do ?
EL A - O. .. fim . .. V o cê nã o a c ha ?
EL E - Nã o dá pa ra sa b e r, u ma ve z q ue .. . a g ente nã o te nt ou . ..
8
EL A - Dá si m, um po u co dá pa r a sa b e r . (Um tempo.) Al iá s , q ue imp ortâ n cia t em se u ma c oi sa
du ra ma is o u me no s. . . se um dia e l a a ca ba fa ta lme nte . .. é i ss o q ue dev em os di zer u m a o ou tr o . ..
EL E - Ma s e ntã o , (s or ri) dá tu do na m esma . ..
EL A - Cla ro . Ma s i ss o ta mbé m. ..
Se ca la m. E la diz em v oz bai xa .
EL A – Q ue bo ba ge m .. .
EL E - O qu ê?
EL A, s e r ecompon do - Is so t ud o. De s c ul pe , é a u to má ti c o . ..
EL E - E st á re c ome ça n do . E u e st o u re c ome ça nd o.
Ela tem u m movi men to in v ol u ntár io.
EL A – S im . .. ma s . ..
EL E , con tin ua n do - . .. a g ora sa b e m os q ue o fi m é i ne vitá ve l ?
Ela nã o r es pon de.
EL E – Nã o é ?
EL A - É ( Um tempo) e nã o é . Sa be m os q ue dete r mi na d o f im é i ne vit á v el.
EL E , com dif ic ul da de - O fi m ?
EL A - É . O ú ni c o. .. m a s ta m bé m sa be mo s que po dem os di spe ns a r o .. . ( ris ada l eve) terc eir o
a to. . .
EL E - Sa be , n ós é ra m os m uit o, mu it o jo ve n s.
EL A - É ver da de . Ago ra , nã o q ue r em o s ma i s ta nt os pr obl ema s , não qu erem o s ta nta s
pre oc u pa ç õe s, n ó s. ..
EL E , cor ta n do – Te m os ma i s o qu e fa ze r ?
EL A – S em dú v ida .
EL E - O qu ê?
EL A, r i ndo - Na da . M a s d if e re nte me nte , s e m d ú vida . (Um tempo) Na da fa zi a a ge n te dep or a s
a rma s , na da , n a da .. . . .. n oit e s e m c la r o p or qua lq uer b oba gem , ce na s . .. ce na s. . . d ra ma s .. .
Ri sos.
EL E - Cr ime s.
Ela h esi ta , e c onf ess a.
EL A - E o ut ra c oi sa m a is .. .
Al usã o a u ma ten ta tiva de su ic í di o.
El e fi ca es tar reci do. Leva n ta - se e a pr ox ima -s e dela. E la des ej ou morr er , ele a c aba de
sabê -l o.
EL E - O q uê ?
EL A - F oi . ( Ri) F oi si m.. .
EL E - Q ua nd o?
EL A, Ol ha n do para el e – Qua n do vo cê p edi u o di v ór ci o . Ma s nã o e ra sé rio por q ue. .. e sto u
a qu i. .. fo i a p en a s u ma c ha nta ge m ba ra ta .
El e fi ca " tra va do" c om a n otíc ia qu e ac aba de ou vi r.
EL E , n u m mur múr io - E u nã o so ub e d e n a d a .. .
9
EL A , ba i xo - V o cê n ã o p od ia sa b e r. P ode pa re ce r c on tra d it óri o , ma s e u ped i q ue nã o te
dis se sse m na da .
EL E , sem qu er er - Q ue c oi sa h orr ív e l .. .
EL A, S orr i ndo - N ã o é nã o . .. Nã o é na da . .. b est eira s q ue t od o mu nd o fa z . ( Um tempo. El e
nã o diz n ada) P or q u e é qu e e u f ui te c o nt a r. ..
El e s e l ev an ta bru ta lmen te. E la s e ass us ta .
EL E - Me de s cu lpa .
Ela s e af as ta. El e v ai para o ân gul o es cur o do cená ri o e da cena. En or me s il ênci o de
um min u to ch eio. O l har es . E la s e apr ox i ma del e.
EL A, d oç ura - V e m p a ra a l uz.
Tra ta -s e da lu z tea tral . El e a s egu e a té a z ona c en tr al - il u mi na da - da c en a. E la ten ta
fala r de ou tra c ois a, e se inf or ma ao mesmo tempo.
EL A - A V a lé rie me fa l ou . .. de l a . É uma m ul h er. .. mu it o jo ve m, n ã o é?
EL E - É .
EL A, di s tra í da - E le , é a lg ué m qu e vo cê nã o co n he ce .. . v oc ê n un ca cr u zo u c om ele .
EL E - E v ocê o a ma ?
EL A, respos ta i medi ata , d e pr in cí pi o, s u spei ta - Am o. ( Um tempo) É bo m. E st á b o m a s si m.
EL E - As o ut ra s pe ss o a s, é c uri o so .. .
EL A - É . .. é c uri o so .. .
Ca la m-s e. Es tá ca da v ez ma is tar de. L embra nç as, lembra nç as.. .
EL A, pen os amen te, l en to - Te m os q ue ir p a ra o q ua rto . E les e stã o e spe ra nd o pa ra a pa ga r.
EL E - E le s qu e e spe re m.. .
Lon go si l ên ci o.
EL A – É i n út il f ic a r fa l a nd o a ss im , é me lh or a ge nte ir s e de ita r. ..
EL E , é pri mei ra v ez que a c ha ma pel o se u n ome - An ne - Ma rie .. .é a ú ltima ve z d a no ssa
vi da . ..
Ela n ão r es ponde, fica s en tada. Fica m mui to tempo s em diz er na da. A tra ns içã o é
br u ta l mas nã o é sú bi ta. D e r epen te, An ne - Mar i e Roc h e começa a c on tar .
EL A, l evís si mo desa fio - Um h ome m q ue nã o f o sse v o c ê. An tes de t ud o, era i ss o , u m o utr o
ho mem . De um la d o e sta va v oc ê , s oz in h o, d o ou tr o la d o ha via t o do s os h om en s q ue e u ja ma i s
iria c o n he cer . (Um tempo) A c ho q ue v oc ê e stá me c omp re end en do pe r feita me nt e . (Um
tempo) Nã o ?
EL E - E st o u.
EL A - Ti n ha ce rte za q ue e sta va . (Um tempo) Ac h o qu e na q ue le mome nt o .. . fi ca m os q ui tes .
EL E , pr ecis o - Fi ca mos , é ve r da de . .. ( Um tempo) É es tra n h o ou v ir a ver da de d ois a no s
de p ois .
EL A - É in tere ss a n te .
EL E - E u nu n ca s o ub e .. .o q ue a c on te ce u qua nd o v o cê foi a Pa ris .O q ue vo cê me co nt ou na
é po ca , su po n h o q ue e r a me nti ra . . .. ..
10
EL A - V o cê nã o te ria a güe nt a d o a v e rda de . Ag ora , à di stâ n cia , t a lv ez v oc ê d iga nã o , ma s nã o
te ria s up or t a d o.
EL E - E u nã o su po r ta v a na da .
EL A - Q ua s e na da . (Um tempo) Na da .
Um tempo.
EL E , c om dif ic ul da de - C omo é q ue a c on te ce u ?
EL A - A h. . .pa ra q uê fa la r di ss o. .. a go ra . . .
EL E - P ra q uê s e p ri va r da v e rda de ,a g ora ?
EL A, depois de u m esforç o de memór ia - E u o c o nh ec i n um p o nt o de ô ni bu s . (Um tempo -
el a qua s e r ec i ta) De poi s, e le fi ca va me e s pera nd o e m fr en te a o ho tel .. . uma vez , d ua s veze s ,
na t er cei ra le ve i u m s us to , já e ra ta rd e , p or v olta da uma h ora da ma n hã e. .. é is so .
Um tempo.
EL A - E u esta va c he ga nd o d e b oa te de Sa i nt - Germ a i n- des -P rés . ( Um tempo) I ss o ta mbé m v o cê
nã o sa bia , nã o é ?
EL E - Nã o .
EL A – À s v eze s, e u i a da n ça r . .. V oc ê nã o da n ça va .. .e u se nt ia fa lta , a c ha va q ue s en ti a mui ta
fa l ta .
EL E - Me sm o qu e e u d a n ça s se ,te r ia da d o na mesma .
EL E - É pr ov á v e l . (Um s il ênci o) Sa be , é rea lm en te u m terr or t ra ir pe la pr ime ira vez .. . é. ..
me d on h o. (E la r i) É ve rda de . . . a p ri mei r a ve z, me sm o qu e s eja s ó uma .. . uma tra nsa . .. é
pa v or os o .É m en tira d i ze r q ue nã o co nta .
El e fi ca ca la do.
EL A , c on ti n ua - A c h o q ue pa ra u m ho mem , a i n fide li da de nu n ca é tã o .. . gra ve .. .
EL E - F oi p or ca u sa d e le qu e vo cê a d io u a t ua v olta ?
EL A - Fo i.
EL E , pen os amen te - V oc ê q ue ria q ue is so a co nt ec es se o u sim ple s men te a c on te ce u?
EL A - E u q ue r ia . E sta va de se s pe ra da . . .F iz is so pa ra re sga ta r a sen sa çã o d o s p rime ir os
mome nt o s. ..a pri me i ra ve z . Só is so . C om o p ra v o cê. . . f oi pa ra re sga ta r es se s m ome nt o s. .. qu e
na da p ode s ub st it uir .. .
EL E - Pre f ir o q ue te n ha si do p orq ue vo cê q ui s. .. o re st o, pra m i m ta nt o fa z . (L en to, dif íc il :)
Co ns eg ui u r e s ga t a r o s pr ime i ro s mo me nto s ?
EL A - A g en te s e mp r e a ca ba c o ns e g ui nd o .. .me sm o q ue s e ja p or po u co t emp o. . . u ma ho ra , q ue
se ja . .. v o cê sa be di ss o ta nt o q ua n to e u. .. por i ss o nã o q u eria ma is vo lta r .. . nã o fo i por o ut ra
ra zã o .
El e nã o respon de. O des ej o v ol tou. El e s e leva n ta, c omo qu e dec idi do a dei xa r por iss o
mes mo. Di ri ge- se len ta men te à r ec epçã o. Ela per ma n ec e sen ta da.
EL E , v ol ta n do-s epar a ela - Q ua l é o n úme ro ?
EL A - V i nte e oit o.
De r epen te, n o h otel vaz io, a campa i nh a do tel ef on e. E les nã o se mex em. A c h ama da
foi tra nsf er i da para o sa gu ão. N ã o s e mex em. Es per am a c ampai n ha par ar. Ela pá ra.
EL E - Se eu te n ho ma i s p e rg u nta s ?
EL A - E n f im. . .é. ..
EL E , agr ess iv o - E u nã o s u po rta va a t ua i n fid eli da de , ma s e u mesm o era i nf iel . V o c ê sa bia
dis so ?
EL A - Sa bia . V a lé r ie m e c o nta va da s a ve nt ur a s d e vo cê s.
EL E , agr ess iv o - V o c ê nã o a c ha va is so t ota lme nte i nj u st o da m in ha pa rt e?
EL A - Nã o , i nj u sto , nã o .
EL E - O qu ê, e ntã o?
EL A - Di fe re nte . Di fí ci l n o c ome ç o, e de p ois c a da ve z ma i s fá ci l. .. ex pli cá ve l. .. Nã o pod ia te
dize r, v oc ê nã o te ria a dmit id o.
EL E , s er á a v er da dei ra c onfi ssã o? - S a be .. .e u a i nda nã o c o ns ig o a c eita r a idé ia de q ue vo cê
nã o q ue ria .
Ela nã o r es pon de. S i lênc i o.
EL E - E stá me o uv i nd o ?
EL A - E s to u .
EL E - V i m pra is so ,p ra te pe r gu nta r c omo fo i .
El e r i.
EL A - Fo i i gu a l.
EL E - Ma ra vi lh o so .
EL A - P ro c ur e se le mbra r c om o é q ue f oi com e ss a ga r ota estra n gei ra , co mo fo i tu do
e xa ta m en te. Fo i i g ua l .
14
EL E , l en tamen te - É imp os sí ve l.
EL A - O q uê ?
EL E - A ceit a r is so .
EL A, nã o s em a l gu ma perf í dia - F oi tã o m a ra v il h os o a ss im ? De v erda d e?
EL E - Fo i. ( Um tempo) Dá p ra e nt e n de r ?
EL A - Nã o .
EL E - V o cê la m e n ta a l gu ma co isa ?
EL A - Nã o . ( Um tempo) V o cê diz q ue v ei o p a ra me pe rg u nta r co m o fo i, es tá m en ti nd o.
EL E - Ta m bém vim pa ra te re ve r, ma s sa bia que nã o ia a dia nta r na da .
EL A - Na da mes mo .
EL E - E u nã o co ns e g ui ria c he ga r pe rt o de v o cê sem s o f re r.
Um tempo.
EL A - O q ue a ge nte p ode f a ze r pa ra qu e e ss a .. . lemb ra nç a nã o s ej a ma i s tã o do lo ro sa ?. .
EL E - Na da , eu a ch o . Só a s sa s si na r vo cê te r ia me feit o bem , po rta nt o. ..
Se ol ha m.
EL A - Ag ora q ue o di v ór ci o sa í u, vo cê se ria pu ni do c om a pe na ca p ita l .
EL E - E u sei . ( ri ) De p ois , e u q ue ro te ma ta r , ma s nã o q u ero m orr e r p or is so .
El e s e apr ox i ma del a. El a r ec ua.
EL E - E s c uta , a ge nte a in da t e m a lg um tem p o. ..
EL A, mui to bai x o, engan a -s e qua n to à s ua i n ten çã o – Uma h ora .
EL E - V o cê n ã o q ue r me co nta r t u do q ue a c on te ce u? T ud o.
EL A - V o cê está pe di n do pa ra e u fa la r da fel ic ida d e?
EL E - E st o u.
EL A – S e vo cê s e e sq ue ce u da m o ça e st ra n geira , c om o p od e e sp era r q ue e u me lem br e d o q ue
a co nt ec eu e m Pa r is ?
EL E - V o cê a c ha q ue e u e sq ue ci ?
EL A, f ala pel os dois - A c ho .
Sil ênci o.
EL A, mui to penosa, mas com u ma a l egr ia i n ter ior - Nã o , nã o va le a ge nte fi ca r j u nto .. .
j un to s o u s epa r a d os ,a e ssa a lt u ra . .. nã o va l e a pe na fa z ê - lo s so f rer em. ..
EL E - Nã o v á pa ra os E sta d os U nid os .
Ela nã o r es pon de.
EL E , a pav ora do - Nã o vá e m bo ra . Nã o vá .. .O u en tã o e u v o u a trá s de v o cês , e nte nde u ? Da n e -
se o me u tra ba l h o. ..E u v o u pra ci da de e m que v oc ê est iv er, v ou fi ca r pert o a tra pa l ha n do a s ua
vi da a t é q ue .. .
EL A, c or ta ndo - .. . o i n fe r n o r e c ome ce ?
El e va i a té ela. A trá s dela .
EL E , gri tan do – E u e sto u me l ix a n do p ro i n fer n o. ( Um tempo) E vo cê ta mbém . ( Um tempo)
V oc ê ta mbé m e stá po u co se li xa nd o . ( Um tempo, ele implora) Nã o vá em bor a . F iq u e, p el o
15
me n os , pra ge nt e p od e r se e n c on tra r , mes m o p or a ca s o. . . m esm o que nã o se ja de f in iti v o . Q ue a
ge n te fi q ue , a o me n os , no me sm o p a í s . .. se n ã o .. . a ge nte nã o v a i a güe nt a r .
Ela nã o r es pon de.
EL E , em v oz ba ix a, mu i to r ápi do e des es pera do - A g en te pod e se e n co nt ra r be m lo ng e ,
pe l o i nt eri or , ni n gu é m va i sa be r. .. n u n ca .
Os dois es tão mui to ira dos c om " as c ois a s".
EL A - Nã o . ( El a ba l ança a ca beça ) Q u erer , fa ze r de pr op ó sit o, nã o. .. S e f or p ra ge nte
re e nc o ntra r, te m q ue se r p or a ca s o, c om o a c o nte ce u c om ele s, c om a q uel a m o ça e a q ue l e
ho mem . De o utr o je ito , nã o, nu n ca ma i s , a n ã o ser po r a ca so .. .
EL E - E u nã o p o ss o de ixa r vo cê .
EL A - E sta mo s se pa ra do s
EL E - Se a ge nt e m or r e r. ..
EL A - Me sm o a ssi m. N ã o há na da a fa zer . Ap ena s i n ve nta r.
Aqui ac on tece a pa ssagem d' A Mu sic a pa ra a M us ica S egu n da . N ão é u m
in ter va lo. Di ga mos qu e s eja u m "i n ter mezz o" s em jogo al gu m. D ev e su c eder
da f or ma s egu i n te:
Após a ú l ti ma r épl ica, os a tor es per ma n ec em na si tua ção dois ou tr ês
segun dos, a té en tr a r a mú sic a - a de D uk e E ll in gton. Aí , os ator es par am de
uma só v ez a r e pr es en t açã o e se s epa ra m. A luz c omeça a baix ar.
Os a tores s epa ra dos, di ri gem -s e pa r a la dos dif er en tes da c ena. E l e vai
sen tar -s e em u m ca n to di s tan te do cen ári o, qu e s e i lu min a mu i to lev emen te
par a a su a ch ega da.
Ela per ma n ec e n o mei o do c ená ri o, s en tada em u ma das du a s mesas .
Sobr e a mesa, há c opos, j ar ras de á gua, c igarr os .
A l uz bai xa bas ta n te, toma -s e uma pen u mbra . Os a tor es fu ma m. Na
pen u mbra , a fu ma ça dos ci ga rr os i nv ade o es pa ço da c ena.
Os a tor es desca nsa m pr ofu n da men te, f ren te ao pú bl ic o.
Es te desc an so é u m es petác ul o.
Is to dura exa ta men te dois mi nu tos c h ei os.
A luz en tã o r ec omeç a a s u bi r.
Os a tor es a pa ga m os c i gar ros.
Se l evan tam.
Gan ha m s eus l ugar es de j ogo, per to das mesas .
O telefon e toca.
A n oi te es tá bem a v ança da .
Lenta men te, Mic h el Nol l et di ri ge-s e a o tel ef on e.
Ela nã o s e mov e.
Sil ênci o.
El e des li ga com ges to ral en ta do. Vol ta - sepa ra el a. Ol ha m -s e s em se fa lar . S e ol ha m
até n ão ma is poder se ol har em. Aí, el e s e s en ta , a ca beça en tr e as mã os .
Mu i tas v ez es, a o l on go de "A M úsi ca I I" , el e es ta rá des s e j ei to, a c a beça en tr e a s mã os
ou c om os olh os f ec ha dos, n ão qu er endo mais ver.
Ela dir ige- se mui to len ta men te a té ele, atrás del e, fic a aí por u m momen to, e s e afas ta
lev emen te dele.
EL A, doç ura - E v oc ê , c om o te m pa s sa d o ?
El e er gu e a ca beç a. Nã o olh a pra el a. Fa la. Ela vai descobri r qu e é u m homem
des tr uí do.
EL E - Me o fe re ce ra m a lg uma s obra s a q ui , m esm o d ep oi s de e u t er id o e mb ora .
Nã o a cei tei n en h uma .
T omei ho rr or a e sta ci da de .
D ura nte um a n o.
17
E nã o a pa re ce u ma i s n a da , a í v olt e i a tra ba l h a r. E m P a ri s. No s ub ú r bio .
Um tempo.
EL A - V o cê d is se qu e e sta va go sta nd o do te u t ra ba lh o c om o
a nte s. . .
EL E - Di ga m os qu e . .. é mod o d e fa la r .. . na ver da de . .. nã o. A té q u e pro c ur o fa zê -l o b em fei to .. .
ma s. . . a ca b o u.
Sil ênci o.
Ela vai fa la r da qui l o qu e n u nca ma is fal ara m.
Esc rev er , a mar , ela, ela v ê qu e is so se v iv e n o mes mo desc onh ec i do, n o mes mo desaf i o
do co n h eci men to posto a o des es per o.
Lenti dã o do diá l ogo.
19
O di ál ogo pas sa en tão a ser mais l en to, mais a rra nc ado das pr of u n dezas - c omo a cada
vez qu e se ol ha m, que v ol ta m a s e v er .
A vol ta da i nf or ma li da de é uma v ol ta do desej o.
(au tor a r ef er e -s e a o tra tamen to for mal e c ol oqu ia l do fra nc ês. " v ou s" e " tu". N T.)
EL E - A c hei q ue v o cê n ã o vi n ha , q ue n u n ca m a is eu ia te ve r de n ov o.
EL A - Fiq ue i na d ú vi d a a té a vé sp e ra da a ud iê nc ia , e a ca be i vi n do .D o me sm o jei to q u e vo cê
ve i o .
EL E - Nã o . E u, n u nca te ria ido e mb ora . N un ca fu i. E st ou sem pre a qu i. Ne sta ca sa h orr í v el, co m
vo cê .
EL A - E u f ui . E u f ui e mbo ra . E nx ota d a . De str a ta da .
Sil ênci o. E depois , r i sos .
EL A - To da s a s mi n ha s ma la s a t ira da s pe la ja nela . Pel o me no s, v o c ê me a c om pa nh o u, a e sta çã o .
Fi m dos ri sos. O s il ênci o. O ol har , sempr e pr odi gi os o.
EL E - Me pe rg u nt o co mo é q ue a ge nte nã o se m a to u .
EL A - Fo i à ra i va q ue no s sa l v o u.
EL E - No pr ime ir o d ia se m v o cê fi q ue i l ou c o de a l egr ia . . .li v re d e vo cê .. .
EL A - Is so me sm o, e u ta mb é m.
Sor ri sos. Os ol har es des preen dem -s e dos c or pos, dos ros tos , el es mes mos sã o todo o
acon tec imen to des tes momen tos.
EL E - Ta l ve z a go ra a ge n te se ma te .
EL A - Ta l ve z . ( M ei ga , ba na l.) O qu e é q ue t eria dema is ?
EL E - Na da .
Sil ênci o.
20
M omen to mu i to f or te de af r on tamen to. E la en tã o lh e faz conf i dênc ia de seu des ejo
ma is pr ofu n do.
EL A - Fa z a l gu n s a no s qu e e u q ue ro t er fil h os .. . qu er o vi ver c om um h om em. . . ter uma
fa m ília . .. uma ca sa .. . t e n ho uma ne ce ss ida de m uit o f orte de ssa s c o isa s. ..
El e r es pon de c om a tras o.
EL E – De n ov o o te mp o q ue nã o se de ve pe r der .
EL A – De no v o v oc ê ba nca n do o i ntel ige nte pra c ima de mim , co mo a nt iga me nte , co mo se
pre ci sa s se , c omo se e u nã o s ou be sse .. . E u a c ho q ue o te mp o s e p erde , si m! Ma s i ss o n ã o ra zã o
pe rd ê - lo u ma se g u nda ve z.
El e n ão respon de. D epois, f ica ouv in do. E depois , es tá com ela n o qu e ela diz .
EL A - Na ma io r pa rte do te m po da qu ele m ome nt o d a no ssa hi st ória , o qu e vo cê d izia o u nã o,
da va na me sma . V o cê fa la va o te m po t od o d e uma m u lh er da q ua l que ria se v er l iv re , v o cê sa be
be m d o qu e e sto u f a la n do , a fi na l. .. nã o ti nha n em p é nem ca be ça o qu e vo cê diz ia . .. E
e nq ua nt o vo cê fa la va , e u f i ca va pe nsa n do e m v oc ê, nã o n o q ue v oc ê esta va dize n do , e m v oc ê.
O que vo cê d izia , n ã o impo rta va . Fi ca va lá , repeti n do , rep isa nd o , com o se fo ss e a co is a ma is
imp orta nt e p ra v oc ê . Ma s e u nã o pre sta v a a te n çã o a o q ue v o cê di zia , pe n sa va e m v o cê, e
co nt i nua va te a ma nd o co mo n o pr ime i ro d ia .
Sil ênci o.
EL E - Nã o é t ota lme nt e v e rda de i ro o q ue v o cê está d ize nd o.
EL A - Nã o tota lme nt e . (Um tempo) Nu n ca é .
EL E - Nu n ca .
Ela s e a pr oxi ma u m pou co del e.
23
EL A – V o cê n ã o me in te re ssa va ma is no p re se nte . A ge nte nã o t in ha ma i s pr ese nt e, vo c ê e eu.
O n os so pre se nte , pr a vo cê , e ra m a s mo ç a s es tra nge ira s . Pra m im , era m o s ba r es .. . on de e u
fi ca va fa la n do d e v o c ê . ( Um tempo) Me l embr o de ss a l uz d e c ine ma - a ma re la da - e tod o o
re st o, na p en u mbra . V oc ê ta mbé m co n he ce e sse s ba re s.
EL E – O q ue se r ia de nó s se m e l e s .
EL A – É ver da d e .
Sil ênci o.
EL E - No f im , t in ha vo nta d e d e te ma t a r t od os o s d ia s .
EL A – V o cê t in ha ra z ã o . ( Um tempo) F oi qua nd o e u esta va e m Pa ris q ue v o cê c om p ro u uma
a rma , s eu im be ci l.
EL E - A c ha v a q ue q ua nd o v oc ê m or re s se , e u ia pa ra r de s o fre r.
Sil ênci o.
EL E - E u t e mi ra v a ce r te i ro . T e ma ta va . (Um tempo) V o cê c a ía , f ulm in a da . Me l e mbr o do
silê n ci o q ue se fa zia d e re pe nte . ( Um tempo.) E e u nã o s of ria ma is.
EL A - E de po is vo cê , o q ue a co nte c ia co m v oc ê?
EL E – Ja ma is s ou be .
Sil ênci o. A h is tór ia dos a ma n tes de É vr eu x toma -s e u m «fa it - di vers », u m cas o pol ici al,
uma fic çã o.
EL A, pa ra o pú bli co - Nó s de s pe d im os a e mpre ga da . Mo rría mo s de ver go n ha de n ós m esm os ,
tín ha mo s me do q ue e la c o nta sse pra c ida d e i ntei ra . E sta va tu do mu ito s u jo , nã o ha v i a ma i s
na da p ra co mer . A ge n te s ó se fa la va a os be r ros .
EL E , pa ra o pú bl ic o. – Uma n oite , os vi zi n ho s c ha ma r a m a po lí cia . Q ue ria m no s le va r à
de le ga c ia pa ra te pr ot e ge r de mi m.
Ra len ta men to. Um tempo.
EL A, pa ra o pú bl ic o. - De po is , nã o c ha má v a mo s ma is o s vi zi n ho s . Nã o c ha ma m os ma is .
EL E - D ep oi s, nã o c ha ma mo s ma i s ni ng ué m. (Um tempo) Dep oi s, n ós m orr emo s . ( Um tempo.)
Fo mo s e n c on tra d o s m ort os . ( Um tempo)
J u nto s . ( Um tempo)
N o c hã o .
EL A - F oi is s o.
EL A - E sq ue c i a n os sa h ist ór ia .
Sil ênci o.
EL A - A d or , eu e sq ue ci .
Sil ênci o.
EL A - Nã o se i ma is p o r q uê .
Sil ênci o.
EL A - So f rer a ss im .. . tã o in te nsa me nte .. . e dep oi s nã o sa ber m a is po r q uê .. . a s ra zõ e s ( Um
tempo) V a m os a ma r me n os a g ora . As o utr a s p es soa s. V a m os a ma r m e n os .
EL E - É .
Nã o se ol ha m. Ex tr ema doçu ra.
EL E - E st a mo s me no s fo rte s a go ra , pe rdem o s a n os sa f or ça . E sta m os ma i s pert o do fim d a v ida .
EL A - S im.
25
Sil ênci o.
EL E – A c ho q ue a ge n te nã o se le mbra d o a mor .
EL A - A g e nte t a l ve z n ã o se le mb re da do r q ua nd o e la nã o fa z ma i s s o fre r.
Sil ênci o.
EL E - D o de se jo , o u h á u m e sq ue ci me nto t ot a l, o u uma me mó ria to ta l. .. ne nh um a p en um bra .
Sil ênci o. A r es pos ta ta rda a vi r.
EL A - E u e nte n do o q ue v o cê diz s ob re o de se jo .
EL E - O q uê ?
EL A - Q ue é u ma me m ória nua . U m e sq ue ci m ent o a ss im . Sem pa ssa gem en tre a s d ua s c oi sa s .
Sil ênci o. M ov i men t o del e. L eva n ta -s e.
EL E - Po r qu e é q ue v oc ê ve i o ?
E LA - Pa ra te ve r d e no v o, a s sim c om o vo c ê ve io pra me ver de no v o. E ta m bém pa r a sa be r.
(Um tempo) Ag ora e u se i q ue s e mp re v o u te a ma r, co mo e u sei que vo cê s emp re va i me a m a r.
(Um tempo) E d is so , e u se i p or n ó s d oi s.
EL E - E e u , nã o s e i di ss o. ..
EL A, doç ura - Não . ( Um tem po ) V oc ê p ro c u r a sa ber . Ma s nã o sa b e.
Nova men te el e gr i ta de modo s ur do.
EL E - N ã o p os s o v iv e r se m vo cê . É com v o cê q ue e u q ue ro te r f il ho s. T od os os d ia s .. . tu do .
(Um tempo) V a mo s f i ca r a q ui . Nã o va m o s v olta r p ra P a ri s.
Um tempo. Fras es enca dea das c omo de uma ca nçã o popula r :
EL A – V o cê est á d ize n do o q ue e u di ss e.
EL E – Q ue a g e n te va i se a ma r pa ra semp re .
EL A - S im. P or to da a vi da .
Um tempo.
EL E - M e e xpl ic a u ma co isa . .. e ssa s fa r sa s , e sse s ca s a m e nt os , es ses di vó r ci os .. . nã o p ode ser
por na da .. . ser ia m pra q uê ?. .. pr a o c up a r o t emp o q ue re sta ?
EL A - Pra en ga ná - lo ta l ve z . Pa ra e n ga na r .. . nã o sei bem o q uê .. . e u nã o sei .. . ( Um tempo)
Nã o te m a ver c om se nti me nt os , e u a c h o. .. é o ut ra co isa . .. é de o utra na t ure za . .. ta l ve z ten ha a
ve r com o e spí rit o ? E u nã o se i .
Ol ha m-s e d e f or ma des medi da. E la, de r epen te, c omeça a detal há -l o, ol ha o c or po, s eu
ros to. E la s e a pr oxi ma mai s e ma is, e qu an do es tá per to de tocá -l o, pára . E l e n u m
ímpeto i ns ens a to a tom an os br aç os e a l arga. Si l ên ci o.
EL A - Po r q ue nã o me ma t ou na p la ta f orma da e sta çã o ?
EL E - Nã o sei ma i s. E sq ue ci . Ta l ve z te n ha esq ue ci do . E u te vi e esq ue ci . N un ca t i nha ma ta d o
na da . Nã o sa b ia m a ta r , te m i ss o ta mb é m . É uma c oi sa di fí c il de fa zer. . .
E e u com uma a rma , p ro nt o pa ra t e ma t a r, a c hei q ue nã o te a ma va ma i s q ua nd o te vi . P o rta n to ,
nã o p re ci sa v a te ma ta r.. . já q ue nã o te a ma v a ma i s. ..
EL A - E u te vi na p l a ta f or ma . Q ua nd o e u des ci d o tre m, v oc ê sa i u c or re ndo . V olt o u n o d ia
se g ui nt e. ( Um tempo ) A ge nte f i co u sem s e f a la r . (Um tempo) Às ve zes , eu s in to um a ná u sea
ime nsa de vo cê e d e mim .
26
EL E - C om o a g ora . ..
EL A - Co mo a g ora . ( Um tempo) E stá c he ga nd o à h ora da ge nt e s e se pa ra r.
EL E - F a la c omi go .
Ela fa la . P ara que o tempo pass e.
EL A - A nte s de te c o n he ce r , e u nã o sa bia na da da pa i xã o q ue s e po dia se nti r d e re p ente p or
ou tr o ho mem .. . t ê - lo j u nto a o co rp o.
Ela pr oc u ra c omo di zer . Es tá sen ta da f r en te a o pú blic o. Cal ma e l ou ca.
EL A, u m tempo - E u a c ha va qu e p od ia en c on tra r em q ua lq uer co rpo um po u c o d o n os s o a m or
que ti n ha se pe rd id o, que p od ia re e n co nt r á - lo e m o utr o c or po , ba sta va a pe na s se n tir o ca l or da
sua pe le na pr ime ira v e z.
Sil ênci o. El e c h egou per to del a.
EL E - Ma is . Fa la ma is .
Sil ênci o.
EL A - Fu i pa ra Pa r is pa ra q ue v ocê vie ss e ta mbé m. ( Um tempo ) Q uer ia te te le fo na r de Pa ri s,
que ria te ped ir q ue f ic a sse uma n oite co mig o , uma ú lti ma vez .
Sil ênci o. O tempo é medi do c omo qu e por u m gongo.
EL A – Na qu ela é p o ca da no ssa hi stó ria , eu já pe nsa va m uit a s ve zes e m m or rer . (Um tempo)
E u esta va lá , n o sa g u ã o do hot e l, m e perg u nta nd o se p odi a t e pe dir i ss o. .. c om o fa la r c om v o cê
ou tra ve z .
E le en tr ou . Nã o l e mb r o ma i s se e l e se nt ou , no ba r, a nte s, a c ho que nã o. Su bita me nte , ele p ra
mim e fa l o u m u ito rá pi do . Se nto u -s e à mi n ha mes a . E d e re pe nte , e ra ta r de dema is .
Tempo. Si l ên ci o. G ongo.
EL A - E le p erg u nt ou se e u e sta va e sp era nd o a l gu ém . Dis se q ue, sim . E sta va e spe ra nd o o me u
a ma nt e.
E le d is se q ue is so e ra e vi de nte . ( Um tempo )
Sa í mo s . E ra d e ta rde , c omo se m pre a co nt ece nes se s ca so s, e o dia es ta va bo ni to . E e u te
e sq ue ci .
Sil ênci o. Tempo. G ongo.
EL E - V o cê usa va a qu e le v e st id o c in za . . .a q uel e de m ul he r h o nes ta .. . a q ue le pa r a nã o ca i r em
a rma d il ha s . ..
Um tempo.
27
EL A - E ra um tip o d e ho me m qu e g osta va d e sit ua ç ões a mb íg ua s , que pre fe r ia a s m ul h eres do s
ou tr os à s m ul he r e s li v re s . I s so e ra bo m pra mim .
Um tempo.
EL A - Du ro u do is dia s. A n oit e , o d ia . .. u m a espé c ie de lo u c ura , de pa v or .. . de cr ime .. . ( Um
tempo) V o cê de sa pa r e ce u da mi n ha vi da .
O dia au men ta. S il ênci o .
EL A – E n tã o u ma ma n hã nã o e nt e n di po rq ue esta va c om el e, na q u ele qua rt o.
Sil ênci o.
EL A – Com ec e i a te liga r , v o cê n ã o e sta va . Li g uei a ta r de to da . Q ua nd o tele f o nei pa ra o
e s crit ór io , di sse ra m q ue v o cê nã o a pa re cia há t rês d ia s . Ma n dei um tele gra ma . V o lt e i no tre m
no tu r no . O n de v oc ê t i n ha se e n fi a do ?
Um tempo. E l e se a f asta del a.
EL E – Fiq ue i t ra nca do de ntr o d e ca sa . E u nã o t in ha id o emb ora , e u re ceb i o te u tel egra m a .
Sil ênci o mui to l ongo. Vai pa ra o f un do, pá ra, retoma em di r eçã o a o sa guã o, pá ra,
retoma pa ra o f un do, pára de c os tas par a o sa guã o. V ol ta en tã o pa ra a mesa, ol h a para
o ch ão e fa la bem len ta men te.
EL E – E u t e vi u ma ou tra ve z . E ra de ntr o de ca sa .
N o te u q ua rt o .
De n oit e. E vo cê e sta v a n ua . Ma q uia da e nu a .
V oc ê se ol ha va n o e sp e lh o . B e m de pe rt o .
E e sta va ch ora n do .
Um tempo.
EL E - Na ho ra , e u nã o e n te ndi q ue e ra de mim q ue v o cê es ta va fa la nd o. P ri meir o , a c hei qu e
vo cê t i ves se be bid o . De p oi s , qu e ti ve s se fi ca d o lo u ca . E de rep ente , vo cê d is se o m e u n ome .
V oc ê fa la va ba i xi n ho , e ra di fí ci l o u vir o qu e vo cê d izia . F iq ue i o u vi nd o a te nta m en te e nq ua nt o
te nt a va e spa nta r o me do , e c o nse g ui .
Um tempo.
EL E - E ntã o pe r ce bi q ue o q ue v o cê e sta va co nta n do era c oere nt e e ter rí ve l. Se m co me ço n em
fi m.
Sil ênci o. P odería mos pensa r que ela n ão va i s e l eva n ta r. Ma s ela faz is so, el a s e
leva n ta.
EL E - V e ja se nã o e st á e s qu e c e n do na da . ( Um tempo) T ua bo lsa .
Ela pega a bolsa. Ai nda es pera.
EL E , mui to doce - V á .
Ela va i embora . A músi ca c h ega a ssi m que c omeça a a ndar par a i r embora . El es nã o s e
ol ha ra m.
El e per ma nece em cena, s oz in h o, f i xo . E la a tr av ess a a entra da . Sai pel a por ta
gi ra tór ia.
No momen to em qu e desa par ec e, es cu ri dão.
FI M
Tra duçã o de A li n e M ey er
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