Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
A INTERPRETAÇÃO ENCARNADA1
RESUMO
1
Apresentado na Jornada sobre Teoria
dos Campos: “A relação entre teoria e
clínica: A questão da interpretação”, na
Sociedade Brasileira de Psicanálise de
São Paulo, São Paulo, em 11 de agosto de
2007.
*
Membro Efetivo e Analista Didata da
SBPSP.
Segue-se então uma longa fase em que dentro de suas teorias de desenvolvimen-
a confiança do paciente no processo ana- to da psique e da mente, onde, ao lado da
lítico acarreta todo tipo de experimentação integração e da tolerância gradativa ao
(por parte do paciente) em termos de inde- real, desempenharia fundamental impor-
pendência do ego.
tância a interação corpo-psique, a qual
Na terceira fase o ego do paciente,
agora independente, começa a se revelar e
denomina personalização (Winnicott, 1945/
afirmar suas características individuais, 1978a). Para ele a psique, onde se inte-
começando o paciente a ver como natural grariam tempo e espaço, se desenvolve-
o sentimento de existir por si mesmo ria por elaboração imaginativa das expe-
(Winnicott, 1962/1983, p. 154). riências corporais, e disso logo deduzimos
que qualquer intervenção do analista, tal
No âmbito clínico, entende Winni- como a interpretação, também influenci-
cott que a presença do analista represen- ará esta interação sempre existente no
ta um fenômeno transicional, já que simul- indivíduo. Será no campo dessa observa-
taneamente é representante do princípio ção detida e atenta às expressões dos
da realidade, mantendo as condições ex- elementos espaciotemporais constituin-
ternas do setting, mas também objeto tes, que a noção de tempo oportuno me-
subjetivo para o paciente. Nesse ambien- recerá destaque na atividade interpretati-
te favorecedor de área potencial de ilusão va de Winnicott. Diz o autor:
é que o fazer do analista inclui e funda-
menta a intervenção interpretativa. Minhas interpretações são econômi-
Porém, mesmo em se tratando de cas, pelo menos assim espero. Uma inter-
ato incluído em área transicional, Winni- pretação por sessão me satisfaz, se está
cott procura preservar na sua realização relacionada com o material produzido pela
cooperação inconsciente do paciente.
esses dois pólos: da realidade e da poten-
Digo uma coisa, ou digo uma coisa em
cialidade criativa. Invocará o primeiro duas ou três partes. Nunca uso frases
desses aspectos como uma das razões longas, a menos que esteja muito cansado.
para que interprete, pois se não interpre- Se estou próximo do ponto de exaustão me
tar o paciente ficaria com a impressão de ponho a ensinar (Winnicott, 1962/1983, p.
que o analista tudo compreende, e o se- 153).
gundo ao acreditar que a verbalização no
momento exato geraria forças intelectu- Esse olhar para a máxima otimi-
ais de transformação. Ao se referir ao zação da intervenção psicanalítica, resul-
processo intelectual não o entende como tado possível da atenção e da escuta
intelectualização defensiva, mas como levadas a extremos, considerando princi-
mobilizador do psiquismo quando integra- palmente o ritmo e o andamento do pro-
do psicossomaticamente. Deste modo, a cesso modulado pelo paciente, foi nova-
interpretação estaria sendo considerada mente destacado poucos anos antes da
o analista tem de que foi feita uma permitiria na concepção de Winnicott uso
comunicação que precisa ser reco- compartilhado dos processos afetivo-cog-
nhecida”(p.164). Centrando sua aten- nitivos, como se analista e analisando
ção naquilo que pode compreender da brincassem junto com esse conteúdo.
comunicação do analisando, o analista Em especial, acentua o momento
deveria se afastar da utilização de suas oportuno para a comunicação, já que
próprias idéias, já que no momento pode- entende que, feita quando o analisando
riam estar erradas do ponto de vista do não se dispõe mentalmente para tal, esta-
paciente. Destarte, aqui Winnicott nos ria o analista “mais além do lugar onde
surpreende dizendo que a interpretação se encontra” o paciente e, portanto, a
na sua forma mais simples “... devolve ao interpretação poderia ser sentida como
paciente o que este comunicou”(Winnicott, quase “miraculosa”. Sem a confiança
1968/1994, p. 164). que o encontro permite, pode então ser
Ao comentar como tal proposta transformada “... numa ameaça, por
pode parecer simplista, contendo no míni- achar-se em contato com um estágio de
mo o “... intuito de informar ao paciente desenvolvimento emocional que o pa-
que o que ele disse foi ouvido e que o ciente ainda não atingiu, pelo menos
analista está tentando alcançar correta- como personalidade total” (Winnicott,
mente o sentido daquilo” (p. 164), acen- 1968/1994, p. 166).
tua, por outro lado, seu sentido mutativo. Ao comentar esse trabalho,
Baseado nas concepções de pessoa total Giovacchini (1990/1995) sustenta que
e comunicação dissociada a partir da apesar de a análise clássica considerar o
relação de objeto parcial, Winnicott acre- fluxo como unilateral, do paciente para o
dita que o analista, ao refletir de volta o analista, a interação interpretativa como
que o paciente comunicou, o faz em um Winnicott parece sugerir seria uma abor-
momento diferente da comunicação limi- dagem mais tolerada na atualidade. Tex-
tada e dissociada fornecida pelo analisan- tualmente nos diz que: “... muitos pacien-
do. Assim, favorece o contato do anali- tes não apenas precisam ter o que dizem
sando com parte de si mesmo, agora refletido de volta para eles, como Winni-
tomado pelo analista como pessoa total, cott sugeriu, mas querem engajar-se em
em um momento em que ele já emergiu um diálogo em que a participação do
“... desta área limitada ou condição disso- analista seja importante” (Giovacchini,
ciada” (p. 164). Portanto, vemos como aí 1990/1995, p. 77). Creio que a interpreta-
considera, mais uma vez, a importância ção assim entendida como comunicacio-
na comunicação do fator temporal, como nal e transformadora não se dirige à
também privilegia o sentido da integração decifração de conflitos inconscientes, tam-
egóica. Além disso, a devolução do mate- pouco à pura descrição do funcionamento
rial comunicado, por exemplo, um sonho, mental atuante naquele momento, mas a
SUMMARY
RESUMEN
Como en un juego de hacer garabatos, el autor dialoga con las ideas de Winnicott
sobre interpretación en psicoanálisis. La interpretación como comunicación en el par
analítico tendría la naturaleza de un proceso. En el mismo se percibe la visión
winnicottiana del desarrollo emocional primitivo presentándose como modificadora de
la subjetividad, emergiendo siempre de la contribución del analizando, denominada
colaboración inconsciente.
La interpretación será considerada una construcción a cuatro manos. Como
factor de transformación afectivo-cognitiva, en un espacio potencializador de la