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Os anos de 1794-1795 marcaram a tournée da primeira brasileira, negra e escrava chamada Maria Joaquina
da Conceição Lapa. A Ô  
noticiou as suas apresentações no Porto, em Coimbra e em Lisboa.
Infelizmente, pouco se escreveu sobre ela e quase nada ficou registrado, o que mostra a nossa propensão em
ignorar o passado musical brasileiro. Até a primeira metade do séc. XX dava-se atenção apenas ao folclore
musical e à música do séc. XIX e a música colonial era abordada apenas superficialmente. Foi somente em
1944 que o alemão Francisco Curt Lange iniciou pesquisas na região das Minas Gerais, que permitiu a
descoberta de obras dos compositores do séc. XVIII. Esse trabalho pioneiro teve reflexos positivos e
influenciou estudiosos brasileiros nessa linha de pesquisa. Autores como Regis Duprat (SP), Cleofe Person
de Matos (RJ), Jaime Diniz (Nordeste) e Vicente Salles (PA) foram os responsáveis pelo estudo das práticas
musicais do período colonial brasileiro.

 

O termo Música Colonial se refere a todo o tipo de música produzida no período que vai de 1500 até 1822 e
independe do povo que a praticava.

 

Tivemos duas categorias musicais que conviveram no período colonial, cuja diferença está em sua função. A
primeira ficou conhecida como     
 pertencente aos povos indígenas, africanos e europeus.
Era uma prática espontânea e não profissional que a partir do final do século XX passou a ser definida como
folclórica ou popular. Além dessa categoria havia a       categoria européia produzida por
músicos profissionais, cuja prática se dividia em dois tipos: a    
  escrita para celebrações da
Igreja, em que predominavam o caráter religioso e o respeito à tradição cristã-; e a    
   ±
empregada em celebrações urbanas e centralizada em torno de teatros, cortes e residências de nobres.

  

A   

  que se praticou no Brasil foi a mesma que se praticou na Europa. Portanto, é difícil
estabelecer uma diferenciação estética do que teria sido uma ³música brasileira´ nessa época, restando
apenas o critério geográfico para se referir ao que se chama de      

No entanto a     
  pode ser caracterizada segundo o critério estético e geográfico, uma vez que
os tipos musicais resultantes da mistura dos povos refletem circunstâncias exclusivas da história brasileira.

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Impulsionados pela curiosidade, os viajantes europeus e os jesuítas foram quem descreveram a música
indígena. As cartas deixadas por esses homens nos mostram uma música feita por trombetas, tambores,
órgãos que se tocam com a boca (...), sendo que alguns deles possuem uso específico, como é o caso do
 (utilizado em rituais) e a    (utilizada em guerras). Os cantos e danças também possuem
uso específico, como apontou o viajante Jean de Léry, ou seja, há um tipo de canto para cada finalidade
ritualística. No entanto esse tipo de música não foi compreendido pelos europeus, que pensavam que os
índios não adoravam ao mesmo Deus dos brancos, excluindo quase que totalmente a música indígena do
conceito de música brasileira. Somente com as primeiras viagens científicas, para conhecimento do
território, é que a música indígena voltaria a despertar o interesse por parte dos viajantes. Mas agora o olhar
já estava distante da curiosidade e essa música era estudada com maior rigor e precisão.

Os   foram homens religiosos da 


    , ordem religiosa criada com o objetivo de
cristianizar o mundo antes que os protestantes o fizessem. Esses padres chegaram na Bahia em 1549
decididos a converter os índios. Eles dispunham de um ensino básico em que o canto era a principal
ferramenta da catequese. As orações eram ensinadas por meio do cantochão, ao passo que os textos
religiosos eram entoados por meio de cantigas. É importante ressaltar que essa prática se dava em língua
Tupi, cantada com melodias européias. Essa maneira de ensinar a doutrina religiosa foi empregada durante
todo o período de atuação dos jesuítas. No entanto, os resultados significativos ocorreram apenas nas
primeiras décadas de trabalho, uma vez que os índios estavam desaparecendo da costa do Brasil, devido a
inúmeras causas (doenças européias, captura para o mercado de escravos,...). Essa prática também
possibilitou que muitos desses índios aprendessem a arte de cantar (em coros homofônicos ou polifônicos) e
de tocar (flautas, violas e órgãos).

Já as descrições a respeito da música praticada pelos africanos no Brasil são escassas. As poucas que
chegaram até nós, apresentam apenas práticas musicais com instrumentos europeus, como oboés, trombetas
e charamelas. Isso se deve ao fato de que as danças, rituais e festas africanas foram proibidas já no séc.
XVIII, pois não eram consideradas uma forma de arte e deveria ser abolida. Somente no séc. XIX surge um
interesse em relação às comunidades afro-brasileiras, mas apenas como uma curiosidade.

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Além das aldeias e seminários dos jesuítas, a música religiosa foi praticada nas igrejas e capelas tanto rurais
quanto urbanas. Embora a maior parte da população vivesse no campo (meados do séc. XVIII), foram os
núcleos urbanos ± arraiais, vilas e cidades- que registraram as mais importantes informações a respeito da
pratica musical religiosa de sua época. Esses núcleos tinham uma Catedral, caso fosse sede de um bispo, e
uma matriz ± quando era apenas a igreja principal-. Essas igrejas possuíam cargos, como o de mestre de
capela, cantores e professores; que permitia com que se organizasse o ensino e ensaios. A catedral da Bahia,
por exemplo, chegou a desenvolver uma prática musical polifonia, que não se sustentou devido à falta de um
ensino musical mais acurado e complexo ± chamado de ³música especulativa´.

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Junto com o desenvolvimento econômico oriundo do ciclo da cana-de-açúcar, o Nordeste também assistiu
ao desenvolvimento musical, devido ao fluxo de portugueses que chegaram para trabalhar e prosperar na
região. Então, o Nordeste assistiu a uma rápida assimilação musical que foi de cantochão ao barroco. Esse
grande contato entre músicos portugueses e nordestinos foi o responsável por essas sofisticações que
ocorreram graças ao interesse em trazer a música portuguesa para o Brasil.



Uma das diferenças entre a produção de musical baiana e pernambucana foi a presença, um pouco maior, de
uma música profana na Bahia. Como foi capital do Brasil até, 1763, foi desenvolvido um cristianismo
suntuoso e uma vida literária movimentada. A música religiosa era uma das atividades principais nos
mosteiros, onde alguns dos monges tornaram-se reconhecidos na arte musical. Mesmo com uma produção
musical magnífica, nada do que eles tocavam ou cantavam chegou até nós, pois com o declínio do Barroco
os músicos tiveram que parar de executar e até mesmo copiar essas obras, que pouco a pouco foram se
perdendo. Uma das poucas obras preservadas foi a       que é muito importante por vários
aspectos: é cantada em português, é o manuscrito mais antigo de que se tem notícia, é uma composição que
possui características do período barroco e clássico e apresenta características da retórica setecentista.

 

A história musical de Pernambuco deixou uma grande quantidade de nomes de músicos, organizados por
Jaime Diniz. No entanto, a maioria dessa produção musical foi perdida, á exceção de alguns exemplos
musicais de ð   
  um   e uma ! "  de Luís Álvares Pinto. A organização
musical das igrejas de Recife era parecida com a da Bahia. Assim como ocorria em terras baianas, os
músicos nordestinos viajavam para Portugal em busca de formação musical, como foi o caso de Luis
Álvares Pinto.

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A prática profissional de música em Minas Gerais teve o seu início por volta de 1710, com um grupo de
músicos portugueses/brasileiros que se dedicavam a uma música de estilo renascentista vocal. A contratação
desses músicos era feita pelas câmaras das vilas e/ou cidades ou pelas irmandades religiosas, que forçaram
os músicos à composição que fossem exclusivas da irmandade contratante. Na segunda metade do séc.
XVIII, enquanto a produção de ouro caia a competição entre os compositores aumentava, criando uma
necessidade de domínio de mais um estilo, agora chamado de Classicismo. Ideal da música clássica:
homofonia, estrutura concisa e funcional, desinteresse pelo virtuosismo, (...). Nas primeiras décadas do séc.
XIX, o estilo alcançará o auge quando o melodismo e o virtuosismo operístico italiano serão incorporados
dando um tratamento grandioso a musica religiosa e transformando-a num verdadeiro espetáculo público.

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Mesmo iniciada em 1532, a prática musical em São Vicente desenvolveu-se tão lentamente quanto a sua
economia. Até o séc. XVII sabe-se muito pouco a respeito dessa produção, resumindo-se a missas em
cantochão e a musica de festas urbanas. Após a criação do bispado de São Paulo em 1745, houve uma
profunda modificação e organização mais rigorosa da música da nova Sé, de forma a equiparar à produção
de outras regiões do Brasil. Para isso, o músico português André da Silva Gomes, cujas composições
transitavam entre o barroco tardio e o classicismo, para dar inicio às mudanças. Essas obras eram
constantemente copiadas, sendo essa prática comum na época, possibilitando que uma grande quantidade de
obras brasileiras chegasse ao nosso conhecimento.

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No Rio de Janeiro a história da música possui uma fase restrita que compreende os séc. XVI e XVII. As
primeiras notícias foram de que havia uma prática polifônica acompanhada pelo órgão, cuja totalidade das
obras não chegou até nós. Devido à proximidade, o enriquecimento das Minas Gerais teve reflexos no Rio
de Janeiro surgindo grande demanda de profissionais, como José Maurício Nunes Garcia. No final do séc.
XVIII, o estilo clássico já se mostrava assimilado pela prática carioca. Com a chegada da corte de D.João VI
(1808) houve o aumento da demanda de música, pois os portugueses queriam manter o mesmo nível de
prática musical de Lisboa. O Rio assistia a chegada de um estilo cortesão. Nessa época houve também o
desenvolvimento da música camerística e das canções em português, intituladas Modinha e Lundus ± estilos
derivados da ária operística-. Quando D. João VI voltou para Lisboa (1821), a situação financeira ficou
bastante comprometida e a atividade musical começou a sua decadência.

BIBLIOGRAFIA:

CASTANHA, Paulo: Música na América portuguesa, P.35-74

In: Moraes, J. Geraldo e Saliba, E. Thomé. História e Música no Brasil. S Paulo Alameda, 2009
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES ± ECA/USP

História da Música Brasileira I

Vinicius Talhaferro Bota




FICHAMENTO: MÚSICA NA AMÉRICA PORTUGUESA

Paulo Castanha

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