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GUERRA CIVIL À BRASILEIRA: REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA DE 1932

Por Pedro Costa

Brasil: Colônia, Império e República. Ainda que sejam diferentes períodos


históricos brasileiros, todos tem uma característica (crucial) em comum: o clima de
tensão política — que, consequente ou não, dura até os dias atuais.

Tensão nas revoltas coloniais. Quem nunca ouviu falar na Conjuração Baiana, Guerra
dos Mascates e Inconfidência Mineira?

Tensão nos anos imperiais. Independência, outorga da primeira constituição


nacional, Guerra dos Farrapos, e a ascensão de um adolescente para ocupar o cargo
de imperador.

Tensão na República. Ditaduras, golpes e revoluções. Mas, se além de todos os


episódios citados, o Brasil tivesse sido palco de uma guerra civil? Ficção? Não!
Nosso país, de fato, presenciou um conflito que dividiu o país em dois: os
paulistas, defensores de uma nação federalista, e os getulistas, adeptos a um
estado central.

Parafraseando Tom Jobim, o Brasil não é para principiantes, mas muitos desses
conflitos se deram em busca de secessão e mais liberdade.

SÃO PAULO: O ESTADO DA INFIDELIDADE?


(Revolução Constitucionalista de 1932) - Traição. Esse, durante as eleições
presidenciais de 1930, foi o sentimento dos mineiros em relação aos paulistas. O
motivo? Entre outros, a falta de fidelidade na política do café com leite.
Foto: colheita de café em Araraquara (município paulista) – Wikipedia
Traição. Esse, durante as eleições presidenciais de 1930, foi o sentimento dos
mineiros em relação aos paulistas. O motivo? Entre outros, a falta de fidelidade na
política do café com leite.

Ainda que em 1889, com a proclamação da República (ou melhor, o golpe republicano),
o Brasil tivesse mudado seu regime político, na prática, o poder, assim como no
período monárquico, continuava nas mãos interesses dos grandes proprietários
agrários — sobretudo os cafeicultores, casta agrária mais poderosa da época que
dividiam influência entre São Paulo e Minas Gerais. O café era o principal produto
de exportação e fonte geradora de grande parte da riqueza. Durante a maior parte da
Primeira República (1889 – 1930), a oligarquia cafeicultora, principalmente a
paulista, controlou o estado e conduziu a política governamental de acordo com seus
interesses.

Com o objetivo de estabelecer hegemonia na política nacional em defesa dos seus


interesses, as lideranças cafeeiras de São Paulo e Minas Gerais, por meio de
acordos entre o Partido Republicano Paulista (PRP) e o Partido Republicano Mineiro
(PRM), indicavam um nome de consenso como candidato ao governo federal. A escolha
seguia uma alternância entre os partidos: ora o candidato era do PRP e ora era do
PRM. Em decorrência dessa união, paulistas e mineiros e elegeram praticamente todos
os presidentes da República.

A prática ficou conhecido como “Política do Café com Leite”; uma alusão à economia
de São Paulo e Minas, grandes produtores, respectivamente, de café e leite. Com o
acordo, 6 paulistas e 3 mineiros foram eleitos — dos 11 presidentes eleitos no
Brasil até 1930.

Chegou um momento, no entanto, que os partidos em questão já não estavam mais se


entendendo. Os cafeicultores mineiros queriam limitar a influência dos
cafeicultores paulistas, exigindo maior participação no acordo. E foi na sucessão
presidencial de 1930 que São Paulo e Minas Gerais tiveram o ápice de discordâncias.
A REVOLUÇÃO DE 1930
(Revolução Constitucionalista de 1932) - O nome escolhido pelo Aliança, no entanto,
não foi Antônio Carlos; e sim o gaúcho Getúlio Vargas (e o paraibano João Pessoa
para vice-presidente, já que as disputas eleitorais eram separadas). Mesmo com a
manobra, os mineiros, com seus aliados, foram derrotados por Júlio Prestes.
Foto: Revolução de 1930 – Quero Bolsa
O presidente do Brasil, no pleito de 1930, era o paulista Washington Luiz. O PRM
apoiou a candidatura do então governador de Minas, Antônio Carlos. Pela Política do
Café com leite, Carlos seria o candidato natural de São Paulo e Minas Gerais.
Todavia, rompendo a prática, o PRP indicou o paulista Júlio Prestes.

Inconformados, os mineiros não conseguiram chegar a um consenso com os paulistas e


decidiram apoiar as oligarquias de outros estados para a Presidência da República:
Rio Grande do Sul e da Paraíba. Com o apoio conjunto, os três estados formaram um
grupo político de oposição chamado Aliança Liberal — que se oporia ao estado de São
Paulo nas eleições.

O nome escolhido pelo Aliança, no entanto, não foi Antônio Carlos; e sim o gaúcho
Getúlio Vargas (e o paraibano João Pessoa para vice-presidente, já que as disputas
eleitorais eram separadas). Mesmo com a manobra, os mineiros, com seus aliados,
foram derrotados por Júlio Prestes.

O episódio, porém, estava longe de acabar. As oligarquias de Minas Gerais, Paraíba


e Rio Grande do Sul, ao não aceitar o resultado das urnas, desencadearam um
movimento de revolta em várias regiões do país. O resultado? Deposição do então
líder Washington Luís. Dessa forma, Júlio Prestes nem chegou a tomar posse, pois
Getúlio Vargas, o líder da revolução, se instalou no poder, fechou o Congresso e
centralizou o poder político em suas mãos.

O golpe ficou conhecido como “Revolução de 1930”, e esquentou a temperatura da


política brasileira.

“Senta que lá vem história”, diriam os gênios do Castelo Rá-Tim-Bum.

SÃO PAULO VAI DEIXAR BARATO?


(Revolução Constitucionalista de 1932) - Como diria o mestre da física, Isaac
Newton, toda ação tem uma reação (e nesse caso não seria diferente). Ao chegar ao
poder, Vargas então anulou a Constituição de 1891, fechou o Congresso Nacional,
extinguiu os partidos políticos e começou a governar por meio de decreto-lei. Nos
estados, o novo líder nacional depôs os antigos governadores e nomeou
interventores, pessoas da sua confiança.
Foto: MMDC – Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp)
Como diria o mestre da física, Isaac Newton, toda ação tem uma reação (e nesse caso
não seria diferente). Ao chegar ao poder, Vargas anulou a Constituição de 1891,
fechou o Congresso Nacional, extinguiu os partidos políticos e começou a governar
por meio de decreto-lei. Nos estados, o novo líder nacional depôs os antigos
governadores e nomeou interventores, pessoas da sua confiança.

Em São Paulo, no mesmo ano em que chegou ao poder, Getúlio nomeou o militar João
Alberto Lins de Barros. Além de não ser natural do estado, o que os paulistas
consideraram uma afronta, Lins de Barros não conseguiu, aos olhos locais, fazer uma
boa gestão.

Aborrecidos com o rumo que o país havia tomado, os paulistas queriam reconquistar o
comando político que haviam perdido com a Revolução de 1930. Para isso, pediam
maior autonomia para o estado, convocação de eleições e a promulgação de uma
Constituição. Se, atualmente, os paulistas, pedem menos centralismo, “mais Brasil e
menos Brasília”, naquela época a situação era um pouco diferente: “mais Brasil e
menos Rio de Janeiro”, já que a capital brasileira era o Rio — e por lá que Vargas
controlava, politicamente, o país.

Algumas reinvindicações foram atendidas: Vargas retirou Lins de Barros, indicou um


interventor paulista, o diplomata Pedro de Toledo e marcou as eleições dos
deputados da Constituinte para 1933. Contudo, a insatisfação paulista não
conseguiu, mesmo com as mudanças, ser freada.

No dia 23 de maio de 1932, aconteceu, no centro da cidade de São Paulo, uma


manifestação contra o governo Federal. As forças leais ao governo, todavia,
reagiram, matando quatro estudantes: Mário Martins Almeida, Euclides Miragaia,
Dráusio Marcondes de Sousa e Antônio Camargo de Andrade. Os sobrenomes dos mortos
foram imortalizados no acrômio: MMDC — que, até hoje, é símbolo histórico para os
paulistas.

O ocorrido marcou a vida dos milhares de paulistanos e fez com que o conflito, que
estava em apenas em protestos, contestações e reclamações, tomasse proporções
bélicas. A violência contra os estudantes acabou introduzindo no cenário político o
ingrediente que faltava: mártires. Além disso, aumentou o apoio da classe média
paulista à causa constitucionalista e contra o governo.

A guerra estava armada.

GUERRA CIVIL – REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA DE 1932


(Revolução Constitucionalista de 1932) - No dia 9 de julho de 1932, as tropas
paulistas iniciaram a luta armada contra o governo Federal. Liderados pelo general
Isidoro Dias Lopes, os constitucionalistas fizeram de tudo para ganhar de Getúlio
Vargas.
Foto: Revolução Constitucionalista de 1932 – Guia do Estudante/Wikipedia
No dia 9 de julho de 1932, as tropas paulistas iniciaram a luta armada contra o
governo Federal. Liderados pelo general Isidoro Dias Lopes, os constitucionalistas
fizeram de tudo para ganhar de Getúlio Vargas.

Na visão da historiadora e professora da Universidade de São Paulo e da


Universidade de Princeton, Lilia Schwarcz, entrevistada pelo Ideias Radicais, a
Revolução Constitucionalista de 32 é a guerra civil brasileira, mesmo que não tenha
tomado o país inteiro.

“Os constitucionalistas buscavam retomar seus direitos perdidos com o golpe dado
por Vargas. Foi a primeira resposta à Revolução varguista. Em 1930, ao centralizar
o poder em suas mãos e dissolver a Constituição de 1889, Getúlio retirou a
autonomia dos presidentes dos estados, atuais governadores. Os paulistas, contra
esse centralismo, reagiram e deram início ao conflito”, afirmou, Lilia.

A mobilização foi total. Nos poucos meses de conflito, São Paulo viveu um
verdadeiro esforço de guerra.

A Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), no Largo São Francisco,


foi transformada em primeiro posto de alistamento de voluntários para as frentes de
combate. Os jovens foram convocados para lutarem nos campos de batalha.

Os industriais suspenderam suas produções e iniciaram a fabricação de armamentos


para o confronto. Centenas de estabelecimentos foram mobilizados por um cadastro
realizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e pela
Escola Politécnica da USP. Houve criação de máquinas novas, adaptação de outras
para fabricar cartuchos de fuzil, bombas, granadas e combustíveis, além da produção
de alimentos, roupas, uniformes e capacetes.
Para financiar os soldados paulistas, foi criada a Campanha do Ouro para o Bem de
São Paulo, em que a população foi convocada a doar seus objetos de valor em prol da
causa constitucionalista. Jóias, alianças, correntes de relógio, prataria de
família, crucifixos e outros objetos religiosos foram doados por paulistas numa
manifestação de fé no conflito constitucionalista.

Para movimentar a economia, prejudicada pelo boicote federal e pelo bloqueio dos
Porto de Santos pela Marinha, o governo de São Paulo emitiu bônus e moedas do
Tesouro Estadual.

Além do engajamento interno, São Paulo buscava aliados para o conflito. Os


paulistas esperavam que, pela posição favorável a uma nova Constituição de Minas
Gerais e Rio Grande do Sul, o apoio desses estados seria natural. No entanto, os
mineiros e os gaúchos decidiram manter-se leais ao Governo Provisório. O que fazer,
portanto, para superar essa surpresa?

REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA DE 1932 – MATRAQUEIROS


(Revolução Constitucionalista de 1932) - A quantidade de armamento entre as partes
também foi desfavorável aos paulistas. No intuito de correr atrás da desvantagem,
os paulistas desenvolveram a “matraca”. O equipamento possuía manivela e uma roda
dentada. Ao ser acionada, os dentes batiam em uma placa de metal e o som simulava
uma rajada de metralhadora. A tentativa era evitar o avanço das tropas varguistas
diante da falta de munição.
Foto: trem blindado dos constitucionalistas – Almanaque dos Conflitos
Foram 84 dias de enfrentamento, período em que o governo central mobilizou mais de
300 mil homens contra um contingente paulista de cerca de 200 mil voluntários, dos
quais cerca de, no máximo, 40 mil em condições de combate. O desequilíbrio entre as
forças governistas e constitucionalistas era grande.

A desproporção de armamentos era enorme. São Paulo tinha sete pequenos aviões civis
adaptados para enfrentar 24 aparelhos militares do governo. Os conflitos
aconteceram principalmente na região do Vale do Paraíba, nas divisas dos estados de
São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. As tropas paulistas tentaram resistir às
investidas das forças varguistas, com a capital paulista sendo atacada por aviões
governistas.

A quantidade de armamento entre as partes também foi desfavorável aos paulistas. No


intuito de correr atrás da desvantagem, os paulistas desenvolveram a “matraca”. O
equipamento possuía manivela e uma roda dentada. Ao ser acionada, os dentes batiam
em uma placa de metal e o som simulava uma rajada de metralhadora. A tentativa era
evitar o avanço das tropas varguistas diante da falta de munição.

“São Paulo ficou de mãos atadas. Os paulistas esperavam que iriam lutar com a ajuda
de outros estados, mas terminaram ficando sozinhos. Com isso, a desproporção entre
o exército constitucionalista e o exército federal ficou gritante”, afirmou
Schwarcz.

A disparidade foi crucial para o movimento. Apesar da resistência paulista, no


final de agosto as tropas sentiam a falta de equipamentos. Após três meses de
batalha, os paulistas se renderam. Não tinham mais soldados suficientes e nem
mantimentos para manterem a batalha contra o Governo Provisório. A rendição dos
insurgentes foi assinada em 1° de outubro de 1932. As principais lideranças do
movimento foram exiladas em Portugal.

“Foi uma má avaliação de forças por parte de São Paulo. Os paulistas estavam
planejando fazer um barulho muito grande, mas, que no final das contas, não
aconteceu. A Revolução Constitucionalista de 1932 ficou mais como um símbolo da
tentativa de independência política de São Paulo. O estado, ao observarmos a
história do Brasil, sempre buscou uma maior autonomia frente ao poder Federal. O
atual embate entre o governador paulista, João Doria, e o presidente brasileiro,
Jair Bolsonaro, por exemplo, é a continuação dessa histórica busca”, completou a
historiadora.

E AGORA: O FIM DE SÃO PAULO?


(Revolução Constitucionalista de 1932) - Ainda que derrotados militarmente, os
paulistas conseguiram o que queriam. Em 1933 foi realizada a Assembleia Nacional
Constituinte, que elaborou uma nova Constituição para o Brasil, sendo essa
promulgada em 1934 (primeira Carta Magna da Era Vargas).
Foto: Revolução Constitucionalista de 1932 – Circulando Aqui
Ainda que derrotados militarmente, os paulistas conseguiram o que queriam. Em 1933
foi realizada a Assembleia Nacional Constituinte, que elaborou uma nova
Constituição para o Brasil, sendo essa promulgada em 1934 (primeira Carta Magna da
Era Vargas).

O conflito também fez com que o Congresso Nacional foi reaberto, os partidos
políticos voltaram a funcionar, e Getúlio Vargas foi eleito presidente da república
por meio de eleição indireta. Assim se encerrava o Governo Provisório e começava o
Governo Constitucional, no qual Vargas passou a governar o Brasil sob as diretrizes
constitucionais.

As mudanças não param por aí. Apesar de adversários em 1932, Vargas não se afastou
dos paulistas após o conflito. Como o estado era o mais desenvolvido
economicamente, o governo Federal manteve a política de valorização do café, o
principal produto econômico de São Paulo, em uma tentativa de amenizar o impacto
nas contas do estado no pós conflito. A manobra foi fundamental para a aproximação
de Vargas com seus antigos inimigos.

KUBITSCHEK, DUMONT E CONSEQUÊNCIAS

Foto: JK, à esquerda da foto, como médico em 1932 – Estado de Minas


Historiadores afirmam que a Revolução Constitucionalista de 1932 tenha
contabilizado, ao todo, mil mortos. Não existe um balanço firme e confiável.

Além do hemisfério bélico, o conflito também é lembrado por outros acontecimentos.


O criador do avião, Santos Dumont, quando soube que a sua invenção estava sendo
usada para a violência, teve seu quadro de depressão agravado. Em 23 de julho de
1932, Dumont se suicidou.

No campo eleitoral, a ascensão eleitoral de Juscelino Kubitschek também teve origem


no confronto. Juscelino participou do combate como médico dos governistas. Ele
atendia aos feridos nos hospitais de campanha. Durante o conflito, Kubitschek
conheceu Benedito Valadares. Ao assumir a Interventoria de Minas Gerais, Valadares
o nomeou para ser prefeito de Belo Horizonte. Alguns anos depois, em 1956,
Juscelino Kubitschek foi eleito presidente do Brasil.

Na mídia, Paulo Machado de Carvalho e Cásper Líbero, comunicadores paulistas que


atuaram na propaganda da revolução, também despontaram após o conflito. Machado de
Carvalho foi o fundador da Record TV e pavimentou o caminho para o surgimento da
Jovem Pan — Paulo Machado é avô do Tutinha, que atualmente comanda a emissora.
Paulo Machado de Carvalho também é o nome oficial do estádio do Pacaembu, palco do
futebol paulista inaugurado em 1940.

Cásper Líbero, voz firme da imprensa durante a guerra por meio de sua emissora,
Gazeta, fundou, anos depois, em 1947, a primeira escola de jornalismo da América
Latina, a Faculdade Cásper Líbero — que ainda está em funcionamento.

A REVOLUÇÃO CONSTITUCIONALISTA DE 1932 NA MEMÓRIA


Foto: Obelisco do parque Ibirapuera, São Paulo – UOL
A memória da Revolução Constitucionalista de 1932 ainda é muito valorizada pelos
paulistas. O dia 9 de julho, por exemplo, data de início do confronto, é feriado
estadual, paralisando atividades, por exemplo, da B3, a bolsa de valores brasileira
e marco essencial do mercado de capitais.

Na cidade de São Paulo, há várias referências à revolução, como ruas, praças e


viadutos nomeados com os nomes dos combatentes, além do obelisco erguido no Parque
Ibirapuera, localizado na capital do estão onde estão guardados os restos mortais
daqueles morreram lutando pelo último conflito armado de grandes proporções no
Brasil.

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